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A feminização da pobreza: um olhar interseccional

Por: Catarina Henriques - 58426

Mestrado de Desenvolvimento e Cooperação Internacional


Ciências Sociais e Desenvolvimento
2022/2023
A pobreza continua após décadas, a ser um tema muito discutido globalmente, é um problema
que continua a afetar milhões de pessoas por todo o mundo. Muitas dessas pessoas são
mulheres, tendencialmente as mulheres estão mais propensas a ser vítimas de precariedade,
comparativamente aos homens. Esta é a base do argumento de Steve Pressman no seu artigo
``Feminist Explanation for the Feminization of Poverty,” (Pressman, 2003:353). Em
concordância com o argumento principal do autor, de que existe uma feminização da
pobreza, o meu objetivo ao longo desta crítica é explicar através de uma lente interseccional
como esta acontece. Contrariamente ao background de feminismo branco mainstream usado
por Pressman. Ou seja, procuro analisar mais detalhadamente, as camadas sociais que
envolvem as mulheres, justificando que existe uma feminização da pobreza, mas que esta
tende a ser exponencialmente maior, em situações mais específicas, como o caso de mulheres
não brancas, mulheres imigrantes, ou mulheres que pertençam a minorias.

Pressman argumenta que existem duas grandes explicações para as mulheres estarem
expostas a um maior risco de pobreza do que os homens. O primeiro argumento é a estrutura
do agregado familiar, ou seja as famílias compostas por mães solteiras, estão mais propensas
a serem pobres, uma vez que a responsabilidade da parentalidade recai na totalidade sobre a
mãe. Sendo a mãe a única responsável pelas crianças, acontece que esta não vai ter o mesmo
tempo para dedicar ao seu trabalho; não conseguirá trabalhar tantas horas (maior a
probabilidade trabalhar em part-time), não conseguirá trabalhar longe de casa, entre estes e
outros motivos, estará numa situação de maior fragilidade econômica, tendo em conta que
terá menos disponibilidade para questões laborais. (ibidem.: 2017:353). O segundo
argumento de Pressman diz respeito à existência de uma segregação de ocupacional de
gênero, ou seja, as mulheres são sistematicamente afastadas dos trabalhos com maiores
salários, da mesma forma que os homens são excluídos de trabalhos com salários mais baixos
(ibidem.: p.353-354). Estando maioritariamente em cargos onde os seus salários são mais
reduzidos e agregando a responsabilidade da maternidade que tem como consequência uma
redução da disponibilidade para o trabalho, Pressman deixa claro o porquê das mulheres
estarem expostas a um maior risco de pobreza.

Comparando a renda bruta e a renda com a dedução de impostos de agregados familiares


compostos por mães solteiras e outros agregados familiares em 21 países, o autor explica a
importância da relevância das políticas fiscais. Ao analisar a renda bruta dos dois agregados
familiares percebemos 2 coisas: A primeira é que as diferenças nas taxas de pobreza entre
famílias de mães solteiras e outras famílias são altas, a segunda é que embora as diferenças
sejam altas, estas são relativamente semelhantes nos 21 países. Contudo, se fizermos a
mesma análise, mas tendo em conta a renda com a dedução de impostos, conseguimos
compreender as discrepâncias entre os 21 casos de estudo (ibidem.: p.355). Tendo em conta
estes elementos, Pressman conclui que sem uma política fiscal forte e sem um esforço
redistributivo por parte do estado as famílias compostas por mães solteiras enfrentam um
risco de pobreza ainda maior. Compreende-se assim a importância do papel interventivo do
estado e de que forma este contribui para o auxílio deste tipo de famílias (ibidem.: p.356).

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Ainda no que diz respeito à composição do agregado familiar o autor argumenta que caso os
agregados familiares de mães solteiras tivessem o mesmo número de assalariados que outras
famílias têm, a pobreza de gênero seria reduzida em 8.7% (ibidem.: p.358). Relativamente à
segregação ocupacional de gênero, o autor conclui ainda que caso as mulheres tivessem as
mesmas oportunidades de trabalho que os homens e conseguissem obter os mesmos salários,
a pobreza de gênero seria reduzida em 20% (ibidem.: p.358).

No final do seu artigo Pressman chega a 3 conclusões que explicam a feminização da pobreza
e a diferença de rendimentos entre famílias de mães solteiras e outras famílias. Primeira, a
participação no mercado de trabalho em famílias de mães solteiras não é a mesma que em
outras famílias, como tal as fontes de rendimento deste tipo de agregados é muito menor,
consequentemente estarão mais expostos a situações de pobreza. Segunda, famílias de mães
solteiras obtêm o seu rendimento por diferentes tipos de trabalho, comparativamente a outras
famílias, nomeadamente trabalhos com menores salários. E por fim, tendo em conta os dois
argumentos anteriores, as famílias de mães solteiras estão altamente dependentes de ajudas
estatais (ibidem.: p.360).

Tal como Pressman, muitos outros autores fazem conclusões muito pertinentes sobre
questões de género, contudo fazem essas conclusões partindo de um nível macro, do
feminismo branco, não tendo em consideração pontos como, etnia, classe social, sexualidade
e pertença a minorias. Para as mulheres não brancas, a luta contra a opressão do patriarcado
não é suficiente para estabelecer a sua emancipação completa, uma vez que estas mulheres
sofrem com as consequências diretas e indiretas de um sistema comandado pelo racismo
sistêmico (Rasky, 2011:241) Assim a tese da feminização da pobreza foi criticada
precisamente por não ser capaz de representar corretamente as mulheres que pertencem a
minorias,que estão dentro do grupo de mulheres em risco de pobreza (Elmelech and Lu,
2004:159).

De modo a realizar um estudo inclusivo e lato é fundamental fazer uma avaliação tendo em
conta a relação que estas heterogeneidades têm com as questões macro, neste caso com a
pobreza de género. Para complementar a ideia da feminização da pobreza originalmente
proposta por Pressman. Procuro agora entrar numa abordagem mais interseccional, de forma
a explicar como efetivamente existe uma pobreza de gênero significativa, mas como que essa
pobreza de gênero é ainda mais acentuada em casos de mulheres que pertencem a minorias
ou mulheres não brancas de uma forma geral

É factual que tendencialmente tanto as desigualdades como os privilégios tendem a ser


cumulativos e que se reforçam a si mesmos, sendo este o principal motivo para a existência
de uma hierarquização social tão estratificada (Ragin and Fiss, 2017:7). No caso das
mulheres brancas, os autores argumentam que, embora estas enfrentem preconceitos no que
diz respeito a questões de género, comparativamente a outras mulheres (mulheres de outras
etnias, mulheres emigrantes) são as que têm menos desigualdades cumulativas, enfrentando
“apenas” os desafios do patriarcado. Isso explica-se através de 3 fatores principais: As
mulheres brancas têm níveis de educação mais elevados, bem como uma participação no

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mercado de trabalho mais elevada, tornando-se economicamente mais resiliente
comparativamente aos outros grupos de mulheres. No que diz respeito à estrutura familiar as
mulheres brancas apresentam taxas altas de casamento e baixas taxas de divórcios, havendo
assim uma menor probabilidade de se tornarem mães solteiras. Além disso, têm a tendência
de ter um número de filhos mais reduzido. Por fim, este grupo de mulheres são menos
propensas a emigrar, tendendo a ficar maioritariamente nos países de origem, o que lhes dá
uma vantagem socioeconômica muito grande comparado a outras mulheres (Elmelech and
Lu, 2004:174).

Quando se tenta perceber as consequências das desigualdades - educação, rendimento,


prestígio, local e formas de habitação- os cientistas sociais tendem a avaliar um elemento que
é o resultado da sobreposição de todas essas desigualdades, este elemento é o nível de
pobreza. Compreendemos assim que o nível de pobreza é tendencialmente proporcional ao
nível de desigualdade social (Ragin and Fiss, 2017:8). Partindo desta ideia de
proporcionalidade, e tendo em conta os argumentos de Pressman, compreendemos que desde
o ponto de partida as mulheres, de um modo heterogêneo já se encontram mais próximas do
nível de pobreza, comparativamente aos homens. Agora utilizando as mulheres como objeto
de estudo na sua totalidade, dentro deste grupo quais são as mulheres mais propensas a
enfrentar riscos de pobreza e porquê?

De acordo com Yuval Elmelecha e Hsien-Hen Lu, mulheres não brancas enfrentam uma
sobreposição dupla de desvantagens, não só lutam contra o patriarcado, como lutam contra
uma complexa rede de racismo sistêmico. Mulheres não brancas têm mais probabilidade do
que mulheres brancas a experienciar divórcios, ficando na posição de mães solteiras, contudo
mesmo sendo mães solteiras as mulheres não brancas têm menos probabilidade de receber
ajudas externas. Já no caso das mulheres imigrantes que pertencem a alguma minoria estas
enfrentam uma tripla sobreposição de desvantagens, entraves por parte do patriarcado, de um
sistema racista e também devido ao seu estatuto de emigrante, que confere dificuldades
imensas e entraves burocráticos (Elmelech and Lu, 2004:159).

Quando se tenta compreender o motivo destas desigualdades que causam a feminização da


pobreza, compreendemos que estas provêm dos processos de dominação colonialistas,
nacionalistas e capitalistas. Estes processos prevalecem até aos dias de hoje e levam a uma
exclusão social e ao bloqueio de oportunidades para mulheres pertencentes a minorias
(Rasky, 2011:242). Esse bloqueio de oportunidades é cíclico e acontece a um nível estrutural,
resultando em menos acesso à educação e consequentemente menos acesso a trabalhos mais
prestigiados (Ragin and Fiss, 2017:8).

Percebemos assim que as posições econômicas de classe têm uma distribuição desigual, uma
vez que são baseadas em questões de gênero e etnia, havendo assim uma hierarquia de
valores de renda. Assim, as mulheres brancas têm rendas menores do que os homens brancos
e consequentemente as mulheres não brancas têm rendas mais baixas do que os dois
elementos mencionados anteriormente (Branch, 2011:151). Assim, embora as mulheres
brancas enfrentam questões de pobreza de gênero, essas questões são ainda mais vinculadas

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para mulheres pertencentes a minorias, uma vez que estas enfrentam questões de racismo
estrutural, que não as permitem ter acesso a trabalhos com melhor remuneração.

Gertrude Goldberg seguindo a linha de Pressman, argumenta que dentro do grupo “mulheres”
as mais propensas a enfrentar riscos de pobreza são todas as mulheres que são mães solteiras.
Uma vez que não conseguem dedicar tantas horas para a sua fonte de rendimento, tendo
entraves ao nível dos cargos que podem ocupar e entraves no que diz respeito a salários
(Goldberg, 2010: 5/7). Seguindo esta linha de argumentação, é importante colocar em causa
outras variantes, nomeadamente pertença a minorias (mulheres não brancas de forma geral) e
mulheres imigrantes.

Tendo em conta estes argumentos é necessário olhar para a questão da feminização da


pobreza sob uma perspectiva interseccional, fazendo uma sobreposição de desigualdades de
modo a perceber que mulheres não brancas, ou mulheres imigrantes, estão mais prováveis de
ser pobres, comparativamente a mulheres brancas. Mesmo no que diz respeito a mães
solteiras, se mulheres brancas já enfrentam sérias dificuldades e têm um risco bastante
elevado de estar em situações de pobreza, mulheres que pertencem a minorias enfrentam
muito mais entraves sociais, estando na mesma posição.

Pressman, faz uma excelente argumentação daquilo que é a feminização da pobreza,


avaliando o caso das mães solteiras, explicando os motivos das rendas baixas neste tipo de
agregados familiares e como estes estão muito dependentes dos apoios - nem sempre
consistentes- do estado. Contudo o autor falha, na medida em que não tem em conta que o
seu grupo de estudo - mulheres e mães solteiras - são um grupo altamente heterogêneo.

Para ser um estudo mais inclusivo seria necessário um olhar interseccional, que considerasse
as diferentes variantes entre os diferentes grupos de mulheres de modo a explicar como que
estes grupos e a sua posição social refletem diferentes níveis de pobreza. As mulheres como
um todo podem ser vistas como um grupo oprimido, embora estejam conectadas pelo gênero,
estão separadas por outras características como etnias, questões de emigração, entre outros.
Isto tem como consequência o seu acesso a oportunidades, a poder econômico e social e
consequentemente a uma maior ou menor probabilidade de estar em situações de pobreza
(Branch, 2011:11).

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Bibliografia

Branch, E. (2011) Opportunity Denied Limiting Black Women to Devalued Work, Rutgers University
Press, London.

Elmelech, Y and Lu, H. (2004) “Race, ethnicity, and the gender poverty gap”, Social Science
Research, vol. .33, pp.158–182.

Goldberg, G. (2010), Poor Women in Rich Countries The Feminization of Poverty over the Life
Course, Oxford University Press, Nova York.

Ragin, C. and Fiss, P. (2017), Intersectional Inequality Race, Class, Test Scores, and Poverty, The
University of Chicago Press, Londres.

Rasky, C. (2011), “Intersectionality theory applied to whiteness and middle-classness”, Journal for
the study of Race, Nation and Culture, vol 17, pp 239-253.

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