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PRÁTICAS SOCIAIS E PROCESSOS EDUCATIVOS

MARIA FERNANDA FEMINELLA CAMPOS

Síntese: KRENAK, Ailton. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
A Última Floresta. Direção: Luiz Bolognesi; Buriti Filmes, 2021.

Ao longo do livreto, “A vida não é útil”, o líder indígena Ailton Krenak aponta atitudes
destrutivas da chamada civilização, como uma flecha que vai direto ao ponto, sendo uma delas a
depredação ambiental, consumo descontrolado, negacionismo, individualismo, autossuficiência,
entre outras. Krenak expõe críticas ao modo de vida capitalista ao longo dos capítulos: Não se
come dinheiro; Sonhos para adiar o fim do mundo; A máquina de fazer coisas; O amanhã não está
à venda; A vida não é útil. Krenak nos faz pensar sobre o privilégio de estarmos vivos, contudo,
por vivermos em uma sociedade que sempre espera por algo, que sempre nos cobra uma produção,
um serviço, uma utilidade, um resultado, não conseguimos de fato viver, pois estamos “viciados
em modernidade” (p. 12). Expõe a fragilidade humana que, apesar de acreditar que os homens são
os donos da Terra, eles podem ser facilmente excluídos, seja pela própria fraqueza de adaptação
ou por um vírus silencioso e invisível, como aconteceu durante a pandemia de Covid-19.
A pandemia abriu uma janela de percepção em que trouxe extensão às críticas e
compreensões apresentadas por Krenak em seu livro “A vida não é útil” e também em muitos
outros, contudo nada do que é apresentado, apesar da grande importância de sempre ser
relembrado, é novidade. E, o problema está justamente nisso, pois apesar de apresentar problemas
recorrentes, constantemente nos esquecemos e, sobre isso, o autor nos chama à reflexão ao dizer
que na cidade tudo funciona de forma automática, pois só precisamos estender as mãos para ter
acesso à comida, roupa, hospital, remédio, entre outros. Não perguntamos de onde vem o que
consumimos. Estamos presos à infeliz ideia de progresso, inovação, produtividade e consumo
descontrolado em busca de satisfação acreditando que estamos caminhando para algum lugar,
esquecendo da nossa humanidade, do sentido de existir, da nossa fragilidade e da nossa relação
com o planeta. Se nossa forma de viver, nossos valores e compreensões são construídos
culturalmente, é possível construir outro modo de viver mais justa, ecológica e respeitosa? Mesmo
em uma sociedade que elege Donald Trump e Jair Bolsonaro? A pandemia fez o mundo parar, mas
ela acabou e parece que tudo voltou a ser como era, como sempre foi. Sendo assim, particularmente
não tenho fé em uma resposta positiva a essa pergunta, a menos que apareça outro “motivador”
externo para mudar hábitos mesmo que sejam de forma temporária.
Em cada palavra, ao final de cada capítulo, Krenak expõe a ferida causada no mundo e
aqueles que gerou essa ferida, nos fazendo pensar em como a nossa coexistência está sendo
equivocada, uns com os Outros e com o mundo. Nos esforçamos tanto para sobreviver,
enfrentamos preconceitos, subordinação, exploração, descaso do poder público, injustiça, mas
mesmo assim parece que não estamos vivendo de forma transcendente, para além de uma definição
exposta em um dicionário. O pensamento de Krenak, sobre o modo de viver dos brancos, de
individualismo, também é retratado no documentário “A última floresta", que relata a resistência
do povo Yanomami na Amazônia. A cada dia que passa, os humanos e a terra estão desaparecendo
devido às atitudes dos próprios humanos, homem e mulher. Segundo dados obtidos por Sumaúma,
nos 4 anos de governo Jair Bolsonaro (2019-2022), 570 crianças com menos de 5 anos morrem no
território Yanomami, sendo caracterizadas pelas estáticas como mortes evitáveis. Ou seja, essas
570 crianças poderiam estar vivas se houvesse atendimento de saúde adequado e/ou ações de
prevenção. Os dados são recentes, mas a luta por sobrevivência é antiga. Apesar de ser uma terra
farta de comida, o território Yanomami foi tomado pela fome e malária. Nesses últimos quatro
anos houve um desmonte da saúde indígena, contudo, vemos que a resistência e a luta pela
sobrevivência da etnia Yanomami é uma luta permanente e antiga, como mostrado no
documentário mencionado.
Referências:
MACHADO, Ana Maria; BEDINELLI, Talita; BRUM, Eliane. Não estamos conseguindo contar os corpos. 2023.
Disponível em: https://sumauma.com/nao-estamos-conseguindo-contar-os-corpos/. Acesso em: 29 mar. 2023.

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