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DAEMON PAPERS #1

Progressão de Nível
Neste paper pretende­se analisar a "Tabela de Avanço de Nível", demonstrando
como os requisitos exponenciais de XP para passar de nível são incompatíveis
com os ganhos lineares de XP. Por fim, propõe soluções para o problema.

www.gurpzine.com.br
Daniel Dias Rodrigues ("Nerun")

INTRODUÇÃO estão aptos a aumentar seus níveis de conhecimento


(geralmente a cada 3 ou 4 aventuras)" (Arkanun 2ª ed.,
Sobre Tabelas de Experiência pág. 48).
Na maioria dos jogos de RPG com evolução de A 3ª edição foi publicada em 2000, com o livro
personagens baseada em níveis, seja de mesa ou de Arkanun, e em 2001 foi lançado o Trevas. Nesses mesmos
computador, a progressão de experiência (XP) pode ser do anos temos o tsunami causado pela Open Game License
tipo linear, exponencial, logarítmica ou polinomial. E ainda (OGL) e pelo Sistema d20, que liberou gratuitamente o
pode ser mista: misturando mais de um tipo ou mais de sistema da edição 3.x de D&D. O impacto foi tão grande
uma função do mesmo tipo para determinadas faixas de que a Daemon Editora tentou surfar nessa onda e colocou a
níveis. bendita XP em sua tabela. A evolução natural do Sistema
Nas progressões lineares a XP necessária para passar ao Daemon foi atropelada pelo Sistema d20...
nível seguinte é sempre a mesma a cada nível. Nas Seja como for, à primeira vista, a função adotada desde
exponenciais é cada vez maior. Nas logarítmicas elas a 3ª edição parece exponencial, seguindo alguma variação
crescem abruptamente até certo nível e depois vão se da equação básica de Daemon: Y = K × 2^(A/6) [1].
estabilizando num crescimento suave. Nas polinomiais não Infelizemente não fui capaz de encontrar a função exata.
há um padrão, depende da função adotada. Em certos No entanto, a representação mais precisa do gráfico de XP
trechos do gráfico polinomial a progressão pode parecer por nível é multi-polinomial mista, isto é, ela muda a
exponencial no começo e logarítmica depois, isso porque função de tempos em tempos. Os três polinômios
gráficos polinomiais podem fazer muitas curvas. encontrados são:
No clássico Dungeons & Dragons (D&D) − o RPG • até o 7º nível: 3,4n2 – 7,7n + 5,7
que inventou a evolução por níveis − cada edição adotou • 8º ao 10º nível: 40n2 – 610n + 2500
uma fórmula. Do antigo Rules Cyclopedia até o Advanced • 11º ao 15º nível: 64n2 – 1261n + 6656
Dungeons & Dragons (1ª e 2ª edições), a progressão era
Sendo “n” o nível, e o resultado da equação a XP
visivelmente mista: exponencial mais ou menos até o 9º
necessária para chegar naquele nível. Em valores
nível e linear a partir daí. Nas edições 3.x a progressão era
arredondados, claro.
exclusivamente polinomial, adotando uma função simples
e elegante: 500 × (n² − n). Toda essa simplicidade e Não que a equação seja relevante para esta discussão,
elegância se perderam nas 4ª e 5ª edições: ambas usam foi colocada aqui apenas para registro.
polinômios de 4º grau! E nenhuma dessas equações parece
refletir muito bem a tabela de XP adotada pelos game
designers da Wizards of the Coast. O PROBLEMA
O problema está na disparidade na progressão do ganho
Experiência no Daemon de XP (distribuída ao fim de cada aventura) em relação à
No sistema Daemon, a progressão em níveis existe progressão de nível em si (Tabela de Avanço de Nível), isto
desde a primeira edição do sistema (Arkanun, 1995; é, a progressão de nível é polinomial, mas o ganho de
Trevas, 1997), com 10 níveis de evolução. Porém, a XP é linear! Vamos voltar ao caso D&D para entender isso
evolução por ganho de XP só foi adotada na 3ª edição, melhor.
além de acrescentar níveis até o 15º. Até a 2ª edição o
Como visto, em D&D 3.x a progressão era
Mestre deveria "avaliar cada personagem e decidir quais
polinomial, o que significa dizer que a XP necessária para
___________________________________________
[1] Na verdade essa equação é uma simplificação, a equação original usa o número de euler em vez da base 2: Y = K × 2,72^(A/6). O
Marcelo Del Debbio fez isso para facilitar as contas!

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passar ao nível seguinte era sempre maior do que a que foi de XP adotem o mesmo tipo de função. Logo, ou o ganho
necessária para chegar ao nível atual. Por exemplo, para de XP passa a ser polinomial, ou a progressão tem que ser
passar do nível 1 ao 2 era preciso 1000 XP, mas para passar linear. O problema da XP distribuída pelo Mestre ser
do nível 2 ao 3 era preciso mais 2000 (isto é, 3000 no polinomial é que Daemon não é matar­pilhar­destruir, não
total), e do 3 ao 4 eram precisos outros 3000 XP (6000 no é D&D! Não dá pra inventar XP diferente pra cada coisa
total), e por aí vai. Essa progressão só era possível porque que ocorre numa aventura Daemon. Logo, a solução é
os desafios também aumentavam e as recompensas em XP mudar completamente a coluna de XP na Tabela de Avanço
também. As criaturas que os personagens enfrentavam de Nível e torná­la linear, de modo que os personagens
eram cada vez mais poderosas e davam cada vez mais XP possam evoluir a cada 3 ou 4 aventuras (considerando
aos personagens. Por isso a passagem de nível dos ganhos médios de 5 XP por aventura), como sugeria o
jogadores era quase linear, o que deixa tudo interessante sistema nas primeiras edições.
aos jogadores, porque eles percebem mais facilmente a sua Com esses premissas em mente (evolução a cada 3 ou 4
evolução e podem se planejar. Em síntese: a progressão aventuras; ganhos médios de 5 XP / aventura) chegou­se à
era polinomial, mas o ganho de XP também era! E esta função expressa no gráfico abaixo, onde "x" é o nível do
lógica é válida para qualquer edição de D&D. personagem.
De volta ao Daemon. Aqui a progressão é multi­
polinomial, o que não tem problema algum. Só que o
ganho de XP é linear! Em vez de ganhar cada vez mais XP
(ganho polinomial) os jogadores ganham XP de forma
linear (fixa), nunca sendo superior a 10 a cada aventura [2].
Na média os jogadores ganham de 5 XP por aventura, o
próprio Arkanun recomenda ficar entre 3 e 7 (média 5).
Pra perceber o tamanho do problema, olhem a tabela de
progressão de nível do Sistema Daemon: para passar do 1º
ao 2º nível são necessários apenas 5 XP, o que se consegue
em apenas uma aventura. Já para evoluir do nível 6º ao 7º
são necessários 40 XP (=120­80), o que se consegue em 8
aventuras (considerando ganhos médios de 5 XP por
aventura). São 8 aventuras para subir um único nível. E a
coisa piora em níveis mais altos: do 9º ao 10º são 150 XP
em 30 aventuras; do 14º ao 15º são 600 XP em 120
aventuras. E para ir do 1º nível ao 15º nível são
necessários 2200 XP, em cerca de 440 aventuras?! Esse resultado foi obtido ao se imaginar que 3,5 é a
Sejamos sinceros, alguém já jogou uma campanha de média de aventuras para o próximo nível. Multiplicado
QUALQUER JOGO com mais de 100 aventuras? Não é pelo ganho médio de 5 XP temos 17,5. Fui somando 17,5 a
impossível, mas é improvável: você teria que jogar uma cada nível e depois mandei a planilha encontrar a equação.
vez por semana, todas as semanas durante dois anos, sem Fiz uns ajustes: primeiro arredondando para o próximo
falta! Ninguém chega no nível 15. A não ser que você número inteiro, para descartar os décimos; depois
jogue de forma ininterrupta por 8 anos e meio uma vez arredondando para o múltiplo de 5 mais próximo, para
por semana. O problema fica ainda maior para quem joga ficar visualmente mais elegante e facilitar os cálculos para
uma vez por mês: 36 anos e meio pra chegar no nível 15… os jogadores.
Bom, tem gosto pra tudo, até pra quem procura funções Na tabela obtida, com ganhos médios de XP, são
matemáticas num jogo de RPG. Jogadores não pensam em necessárias 4 aventuras para passar do 2º ao 3º nível, 3
funções e algoritmos quando jogam RPG, mas quem aventuras do 3º ao 4º, 4 aventuras do 4º ao 5º, e assim por
projeta um jogo pensa, ou ao menos deveria. Parece que a diante (alternando 3 e 4 aventuras). Para chegar ao 10º
Daemon não refletiu muito... nível, partindo do 1º, são necessárias, em média, 29
Com isso fica óbvia a disparidade na progressão do aventuras; 47 para o nível 15. Bastante razoável.
ganho de XP em relação à progressão de nível. A Tabela de Avanço de Nível baseada nessa equação
está na próxima página, onde A. P. N. é o número de
"Aventuras para o Próximo Nível" e A. T. é o número de
A SOLUÇÃO PROPOSTA "Aventuras Totais" para chegar naquele nível partindo do
1º.
Solução I - Progressão Linear
A solução para o problema é fazer com que tanto a XP
necessária para progredir de nível quanto o ritmo de ganho
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[2] cf. Trevas 3ª ed., pág. 166; e Arkanun 3ª ed., pág. 104.

2
Solução II - Retorno às Raízes
Uma segunda solução, que representa um retorno às
raízes do Sistema Daemon, seria abolir a XP. Assim nomo
na 1ª e 2ª edições, é o mestre quem decidirá quando os PCs
passam de nível, fazendo a avaliação de quando estão
aptos.
Basicamente, ele determinará checkpoints (pontos de
inspeção) ou achievments (conquistas) ocultos na
campanha: locais, situações ou metas que o grupo atinge
que permitem mover a narrativa de um ponto a outro, de
uma aventura a outra. Além disso, e adicionalmente, ele
também pode definir achievments individuais para cada
personagem do jogador. Esse método é mais subjetivo, mas
se adequa bem ao sistema.
É claro que Daemon é simulacionista. O Marcelo Del
Debbio até desenvolveu a famosa equação para simular
máquinas e pessoas, mencionada em todos os livros da
Daemon. Porém, seu simulacionismo é muito menos
profundo que um GURPS, por exemplo. Penso que para
Daemon, a narrativa e a história são mais importantes,
seguidas de perto pela mecânica do jogo, isto é, a forma
que o sistema viabiliza a narrativa, para só se preocupar em
ser o mais fiel possível à realidade por último, depois de
satisfeitas as condições anteriores.

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