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Adriana Moutinho
Assistente hospitalar graduada de Psiquiatria no Hospital Beatriz Ângelo. Médica
psiquiatra no PIN – Partners in Neuroscience.
André Ponte
Assistente hospitalar de Psiquiatria no Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta
Delgada, EPE; responsável pela Consulta de Insónia do Hospital Internacional dos
Açores.
Cátia Moreira
Assistente hospitalar do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa. Assistente livre
da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Pós-graduada em Psiquia-
tria Forense e Avaliação do Dano Corporal.
Daniel Sampaio
Professor Catedrático Jubilado de Psiquiatria, Faculdade de Medicina da Univer-
sidade de Lisboa. Diretor do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria
(2014-2016). Fundador da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar.
Diogo Guerreiro
Médico pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.
Especialista em Psiquiatria e Saúde Mental, tendo feito a sua formação no Hos-
pital de Santa Maria. Doutorado em Medicina pela Faculdade de Medicina da
Universidade de Lisboa.
10 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Filipa Moutinho
Assistente hospitalar de Psiquiatria no Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do
Hospital Garcia de Orta. Pós-graduada em Medicina Social pelo Instituto de Ciên-
cias da Saúde da Universidade Católica. Orientadora de formação do Internato de
Psiquiatria do HGO e do estágio clínico de Psiquiatria da Faculdade de Medicina
da Universidade de Lisboa.
Gustavo Jesus
Médico Psiquiatra no Hospital Beatriz Ângelo. Diretor clínico do PIN – Partners in
Neuroscience. Assistente convidado de Psiquiatria na Faculdade de Medicina da
Universidade de Lisboa.
José Oliveira
Psiquiatra e investigador na Fundação Champalimaud. Professor auxiliar convi-
dado em Fundamentos de Neurociências na Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Nova de Lisboa. Mestre em Medicina pela Universidade de Coimbra
e doutor em Neurociências pela Université Paris-Est.
NOTAS BIOGRÁFICAS 11
Lucas Manarte
Médico psiquiatra. Professor auxiliar de Psiquiatria na Faculdade de Medicina da
Universidade de Lisboa. Doutorado pelo CAML com trabalho acerca do insight
para a perturbação mental.
Miriam Marguilho
Interna de formação específica em Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de
Lisboa. Pós-graduada em Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais e em Sexo-
logia Clínica.
Pedro Morgado
Professor associado da Escola de Medicina da Universidade do Minho. Coordena-
dor regional de Saúde Mental da ARS Norte desde janeiro de 2022. Médico espe-
cialista do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Braga e investigador no Instituto
de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS).
Rui Durval
Assistente graduado de Psiquiatria e coordenador do Internato no CHPL. Diretor
do Hospital de Dia Eduardo Luis Cortesão. Coordenador da consulta de PHDA
do Adulto do CHPL.
Samuel Pombo
Psicólogo clínico do Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Departamento de
Neurociências do Hospital de Santa Maria. Professor auxiliar da Clínica Universi-
tária de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade Medicina da Universidade de
Lisboa. Doutorado pela Faculdade Medicina de Lisboa da Universidade de Lisboa
na área dos comportamentos aditivos.
12 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Tiago Duarte
Assistente hospitalar de Psiquiatria no Hospital de Santa Maria – CHULN. Assis-
tente convidado de Psiquiatria e Psicologia Médica na Faculdade de Medicina da
Universidade de Lisboa, nomeadamente do Mestrado em Doenças Metabólicas e
Comportamento Alimentar. Formação em Doenças do Comportamento Alimentar
no Maudsley Hospital.
PREFÁCIO
DANIEL SAMPAIO e HENRIQUE PRATA RIBEIRO
A HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA
A Psiquiatria nasceu, na verdade, noutra altura muito crítica, durante a
Revolução Francesa. A primeira grande figura foi Franz Mesmer. Embora
fosse médico, tinha escrito sobre os fluidos universais e praticava aquilo
que mais tarde se viria a chamar “hipnotismo”. Mesmer acabou por ser
considerado um charlatão, sendo desacreditado em Paris. Mesmo assim,
as práticas dele mantiveram-se, geralmente fora da Medicina, e começara
a aparecer vários hipnotizadores que convenciam alguns médicos da vir-
tude dos seus procedimentos, com particular eficácia nas analgesias.
Um século depois, Charcot deu seguimento aos procedimentos de
Mesmer e acabou por se tornar importante na Neurologia, descrevendo
muito bem a doença de Parkinson e a esclerose lateral amiotrófica.
Porém, a “menina dos olhos” de Charcot era a histeria. Também ele foi
responsável por divulgar procedimentos hipnóticos, criando uma discus-
são enorme, que ainda hoje continua. Um dos alunos do Charcot foi
Freud, que começou a praticar a hipnose nos seus doentes, prática que
foi muito contestada, acabando por originar a psicanálise a partir dos pro-
cedimentos usados. Por sua vez, a psicanálise deu origem às psicoterapias
que, hoje, se podem considerar como poderosos recursos terapêuticos.
Em 1793, Philippe Pinel, um médico que estava impressionado com
o suicídio de um amigo, acabou por dirigir alguns asilos, retirando as
correntes aos doentes que lá permaneciam e começando a praticar um
tratamento mais humano, a que chamava tratamento moral. Considera-
-se Pinel o fundador da Psiquiatria. Na verdade, foi o primeiro dos gran-
des alienistas que trabalhavam nos grandes hospitais psiquiátricos – os
manicómios – e que foram lidando com os doentes que os ocupavam e,
pouco a pouco, iam descrevendo as suas doenças até alcançarem uma
18 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
das suas sensações subjetivas, tomadas como sintomas. Mais tarde, Kurt
Schneider – talvez dos autores mais respeitados da Psiquiatria – escre-
veu dois pequenos livros importantes. Estes falavam, por exemplo, das
personalidades, das reações, dos sintomas de primeira ordem da esquizo-
frenia e também dos sintomas primários da psicose maníaco-depressiva.
A classificação das psicoses ficou então estabelecida, da mesma maneira
que Freud, em 1911, começou a estabelecer a nosologia das neuroses
(neurose de angústia, neurose obsessiva, neurose fóbica, por exemplo),
que ainda hoje enformam as classificações psiquiátricas.
OS TRATAMENTOS INVASIVOS
Antes da definição das psicoses e neuroses, e do aparecimento dos
psicofármacos, utilizavam-se drogas extremamente fortes. Alguns psi-
quiatras, nomeadamente Donald Ewin Cameron e William Sargant,
faziam experiências completamente fora dos limites da ética e chegaram
a trabalhar no projeto MKULTRA da CIA, utilizando o coma insulí-
nico, eletrochoques, drogas alucinogénicas, o condicionamento durante
o sono e a hipnose. Na mesma altura, Robert Heath foi o primeiro psi-
quiatra a introduzir elétrodos no cérebro para realizar aquilo que agora
se chama de deep brain stimulation. Assim, conseguiu resolver situações
extremamente difíceis. Acabou por cair em descrédito quando, perante o
Senado americano, aceitou que era possível mudar completamente um
indivíduo homossexual. Nessa altura, acabou por ser proibido de exercer
a sua atividade.
Já em meados do século xx, um pouco antes do aparecimento dos
psicofármacos, ocorreu ainda a prática (e o escândalo) das lobotomias,
realizadas pelo português Egas Moniz e pelo americano Walter Free-
man. A incapacidade de lidar com os doentes amontoados nos grandes
hospitais psiquiátricos ou escondidos pelas famílias, levou muitos psiquia-
tras a optarem, em desespero, por tratamentos arriscados. Olhando para
trás, podemos constatar que o maior problema foram os atropelos éticos
que então se fizeram.
20 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
REFERÊNCIAS
Lieberman, J. (2016). Psiquiatras – Uma História por Contar. Temas e
Debates.
Pereira, J. (2020). A Psiquiatria em Portugal nas Primeiras Décadas do
Século XX: Protagonistas. Coimbra: Imprensa da Universidade de
Coimbra.
Pio Abreu, J. (2021). Pequena História da Psiquiatria. Lisboa: Dom
Quixote.
Shorter, E. (2001). Uma História da Psiquiatria. Climepsi Editores.
2. HISTÓRIA CLÍNICA
EM PSIQUIATRIA
RUI DURVAL
Identificação da avaliação
• Identificar o paciente;
• Identificar fontes de informação e circunstâncias da avaliação;
• Referir quem foi, ou foram, o(s) avaliador(es).
Motivo do internamento
Nunca descrever o verdadeiro motivo científico – usar a descrição do
doente, por palavras do próprio.
Anamnese
Não devemos usar termos técnicos. Sempre que possível, usar as pala-
vras do doente (em discurso direto, preferencialmente, ou indireto). Se
o doente disser “eu tenho uma depressão”, por exemplo, devemos tentar
perceber o que o doente quer dizer (o termo “depressão” pode não querer
dizer o mesmo para todos).
Tudo o que se encontra entre aspas representa o que o doente disse.
Negar sintomas relevantes não existentes (estamos à procura não só do
que existe, mas também do que não existe).
HISTÓRIA CLÍNICA EM PSIQUIATRIA 25
Hábitos
• Álcool, tabaco, drogas;
• Medicamentos;
• Outros relevantes.
Personalidade
É um assunto difícil, porque há muito que dizer sobre este fator; tudo
é personalidade – é o que distingue o doente das outras pessoas.
• Tipo físico – Por exemplo: o facto de uma pessoa ser obesa pode
modificar a sua personalidade (por ter sido provavelmente discri-
minada);
• Tipo de temperamento – Habitual estado de humor
Particularmente relevante se identificados sintomas afetivos do
humor/emoções na história da doença atual
Para descrever o temperamento, as cinco categorias de que preci-
samos são: distímico (pessoa tendencialmente triste), ciclotímico
(períodos mais ativos/alegres e períodos menos ativos/alegres),
hipertímico (energia para tudo, sempre bem-disposto), ansioso
e irritável
• Mecanismos de defesa – Como um indivíduo encara e defende os
seus conflitos internos;
• Atitudes e comportamentos habituais;
• Traços de caráter;
• Relações com outras pessoas e sociedade;
• Hábitos e rotinas;
• Valores, crenças e pertenças – Particularmente se forem muito pre-
sentes e dogmáticos;
• Autoconceito.
Exame objetivo
É o relato do que observamos, pelo que é natural o uso de termos
técnicos. Porém, quando existe um sinal, este deve ser exemplificado pelo
28 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
relato do doente (p. ex., o doente tem delírio místico e de grandeza: “Sou
o irmão de Deus e vou salvar a Terra.”).
• Apresentação e comportamento geral;
• Consciência;
• Orientação;
• Atenção;
• Fala, discurso, linguagem;
• Humor, afetos, emoções;
• Pensamento;
• Perceção;
• Vivência do Eu;
• Inteligência;
• Memória;
• Vida instintiva;
• Autoconsciência (insight) – Capacidade de autorreflexão; autoima-
gem, autoestima, autoconceção; consciência, etc. Perceber o que a
pessoa pensa acerca de si própria. Quando avaliamos objetivamente
o estado mental, é necessário saber se a pessoa tem consciência da
doença e se vai ou não aderir ao tratamento. É importante nesta
parte, também, a noção dos valores morais e normas sociais da
pessoa;
• Exame neurológico.
Resumo
Tudo o que existir de relevante para o diagnóstico. Não é preciso
mencionar o que é normativo, nem negar sintomatologia.
O resumo não pode conter informação que não esteja já na história,
devendo ser usados termos técnicos.
REFERÊNCIAS
Broome, M., Bottlender, R., Rösler, M., & Stieglitz, R. (2018). The
AMDP system: manual for assessment and documentation of psycho-
pathology in psychiatry (9.ª ed.). Boston: Hogrefe.
Prata Ribeiro, H., & Ponte, A. (2018). Urgências Psiquiátricas (1.ª ed.).
Lisboa: Lidel.
3. PSICOPATOLOGIA COMUM
RUI DURVAL
ALTERAÇÕES COGNITIVAS
Do desenvolvimento:
• Deficiência intelectual – Habitualmente com alterações genéticas;
• Espectro do autismo.
Agudas:
• Situação de urgência.
O USO DE SUBSTÂNCIAS
Antes de prosseguir, devemos tocar no que é um assunto em íntimo
contacto com as alterações do estado da consciência. Não podemos
esquecer que, em Portugal, o álcool é o principal problema. Atual-
mente, há evidência da neurotoxicidade do álcool em qualquer quan-
tidade.
O uso da canábis está cada vez mais liberalizado e surge como algo
que serve para muitos fins. Muitas vezes é uma substância inofensiva,
mas nos doentes mentais certamente não o será, interferindo com o tra-
tamento e a estabilidade dos mesmos.
32 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
SINTOMAS PSICÓTICOS
Alucinações
São alterações da perceção, quando as pessoas sentem coisas que não
estão lá.
• Alucinações acústico-verbais – Perceber quem são as pessoas, se
falam com a pessoa ou sobre ela, se dão ordens (perguntas para
determinar o grau de gravidade);
• Alucinações olfativas – Não lhes costumamos dar grande
importância no quotidiano, por não terem grande impacto
funcional, mas são muito frequentes na esquizofrenia;
• Alucinações cenestésicas, táteis ou sinestésicas;
• Outras modalidades de alucinações têm, habitualmente, uma
causa não psiquiátrica e/ou uma causa rara.
ESQUIZOFRENIA
A mais emblemática doença psiquiátrica, caracterizada pelos clássi-
cos sintomas psicóticos abordados antes, entre outros.
Estados mistos – 2
• Akiskal – outra forma de ver os estados mistos
Temperamento depressivo + mania
Temperamento ciclotímico + depressão
Temperamento hipertímico + depressão
• O estudo Pisa-S. Diego (estados mistos depressivos) demonstrou
que existem diferenças nos ciclos, na sua duração e pior prognós-
tico, conforme haja mais sintomas psicóticos paranoides, mais irri-
tabilidade e mais défices cognitivos.
Tipos de mania
Existe a mania expansiva (clássica), expansiva com sintomas psicó-
ticos, estados mistos com sintomas depressivos e a irritabilidade (que,
quando aparece conjuntamente a mania, é o tipo mais perigoso). Quando
existe irritabilidade, temos de pensar que o doente pode ser perigoso,
tanto para ele, como para os outros.
Estrutura da mania (estudo EPIMAN – França):
• Expansividade do humor;
• Ativação mental e afetiva;
• Aceleração psicomotora;
• Ansiedade-depressão;
36 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
• Desinibição social;
• Diminuição do sono;
• Irritabilidade/hostilidade;
• Consciência da doença – Este fator pode prever a adesão ao trata-
mento que o doente vai ter.
Ciclos rápidos
Além disso, existem pessoas com ciclos rápidos:
• Pelo menos quatro episódios num ano;
• Casos de ciclos semanais, circadianos e ultradianos;
PSICOPATOLOGIA COMUM 37
Transições de diagnósticos
Diagnósticos feitos com precisão quer dos episódios, quer do tempera-
mento; mostram que há relação entre mania, hipomania e depressão e o
tipo de doença (mania unipolar, bipolar tipo I, II ou depressão unipolar).
Exemplos: hipomania relacionada com o bipolar tipo II; a hiperti-
mia provoca, muitas vezes, temperamento ciclotímico e mania unipolar;
uma pessoa com depressão unipolar pode ter uma crise hipomaníaca,
passando a ser bipolar tipo II.
Comorbilidades
Como comorbilidades da mania, podemos ver:
• Uso, abuso e dependência de álcool e/ou drogas;
• Perturbações ansiosas;
• POC;
• PHDA;
• Perturbações da personalidade;
• Alterações da tiroide;
• Enxaqueca;
• Obesidade/síndrome metabólico – Tanto pelos maus hábitos dos
doentes, como pela medicação que fazem.
38 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
SÍNDROME DEPRESSIVO
Qual a doença que está por detrás dos sintomas depressivos?
• Reação de adaptação com sintomas depressivos (p. ex., luto) – rea-
ção normal; o “luto prolongado” pode transformar-se em distimia
(depressão moderada, mas crónica);
• Episódio depressivo major;
• Episódio depressivo num doente bipolar;
• Múltiplos episódios (depressão recorrente);
• Depressão dupla – Distimia e depressão recorrente;
• Depressão secundária (drogas, fármacos, doenças);
• Depressão resistente – Não é propriamente um diagnóstico, mas
sim uma característica do síndrome depressivo (a tratar com
ketamina ou ECT).
Sintomas somáticos
• Apetite;
• Sono/ritmos circadianos;
• Energia;
• Sexualidade;
• Dor – Aparecimento de novas dores ou o agravamento de dor pre-
existente.
Sintomas psicossociais
• Ideação de culpa e ruína, e de morte – Chegam a ser delirantes;
• Desesperança/a pessoa já não pode ser ajudada;
• Pessimismo (são normalmente mais realistas do que as pessoas
normais);
• Isolamento social;
• Diminuição dos elos de suporte e apoio familiar e social;
• Autoimagem e autoconceito negativos;
• Incapacidade de ver o futuro.
POC
É fácil de diagnosticar. Estes doentes têm o “tecido do pensamento”
(ideias do próprio, desprovidas de sentido ou exageradas, reconhecidas
como tal) e o “tecido do comportamento” (as ideias só desaparecem
quando o doente tem um comportamento ritual).
Por vezes, os doentes têm delírios relacionados com a limpeza ou com a
ideia sexual, que necessitam de tratamento farmacológico. Sendo esta uma
das doenças mais difíceis de tratar, por vezes recorre-se à neurocirurgia.
REFERÊNCIAS
Sendo o presente capítulo o reflexo de uma aula, e dada a experiência
do Dr. Rui Durval, este é escrito considerando a sua interpretação de várias
obras de referência nacional e internacional a nível da psicopatologia.
Bibliografia recomendada a nível da psicopatologia:
GRUPOS PSICOFARMACOLÓGICOS
Como referido anteriormente, a divisão dos fármacos por grandes
grupos que se baseiam no seu uso em determinadas doenças é artificial e
possivelmente cairá em desuso nas próximas décadas. No caso dos “anti-
depressivos”, estes tratam não só sintomas depressivos como a perturba-
ção obsessivo-compulsiva, perturbações de ansiedade, perturbações do
comportamento alimentar, entre outras. Assim, uma forma mais precisa
de classificar os psicofármacos tendo em conta o seu perfil de ação é
a proposta na Neuroscience-based Nomenclature, tal como explicado
anteriormente neste capítulo. Ainda assim, para efeitos de simplificação,
apresentamos em seguida os principais grupos da classificação anterior,
detalhando o seu perfil farmacológico sempre que oportuno:
• Antipsicóticos;
• Estabilizadores de humor;
• Antidepressivos;
• Ansiolíticos;
• Psicoestimulantes.
Antipsicóticos
Os antipsicóticos são os principais fármacos utilizados no trata-
mento da esquizofrenia (doença psicótica por excelência, embora exis-
tam outras) e atuam nos recetores de dopamina e serotonina, entre
outros. Como já vimos, esta terminologia tende a cair em desuso, uma
vez que o seu uso clínico se estende para lá dos quadros psicóticos, e são
frequentemente usados, por exemplo, no tratamento de perturbações
do humor.
44 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Estabilizadores de humor
Tal como para o grupo anterior, o termo “estabilizadores de humor”
não é totalmente correto, uma vez que estes fármacos são frequente-
mente usados para outras indicações terapêuticas. Originalmente, o termo
46 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Lítio
O lítio é usado para tratar episódios maníacos há cerca de 50 anos e é
o estabilizador do humor com melhor eficácia em todas as fases da doença
bipolar. Contudo, o seu mecanismo de ação não é inteiramente conhecido.
Pensa-se que exerça os seus efeitos terapêuticos através de vias de transdu-
ção de sinal que vão para além dos recetores de neurotransmissores, através
de segundos mensageiros como o sistema de fosfatidil-inositol, modulação
de proteínas G e regulação da expressão de determinados genes.
Tem como indicações:
• Tratamento do episódio maníaco agudo – Principal;
• Prevenção da recaída maníaca (++) e depressiva (+);
• Tratamento do episódio depressivo com pouca evidência;
• Redução do risco de suicídio.
Além dos seus efeitos terapêuticos, outro dos fatores importantes a ter
em conta na escolha de um fármaco é o seu perfil de toxicidade. No caso
do lítio, é especialmente importante avaliar a função renal e tiroideia
antes de iniciar o tratamento e durante o mesmo. Além disso, a dose de
PSICOFARMACOLOGIA 47
lítio deve variar de acordo com a fase da doença. Na fase aguda, em epi-
sódio maníaco, é necessária uma dose mais alta (0,8 a 1,5 mmol/L). Na
fase depressiva, doses tão baixas quanto 0,6 a 0,75 mmol/L são eficazes.
Na manutenção, a dose deve situar-se entre 0,4 e 0,75 mmol/L.
Alguns efeitos adversos dose-dependentes são: alterações gastrintesti-
nais ligeiras, polidipsia, poliúria, tremor.
Os efeitos tóxicos são observados com níveis plasmáticos > 1,5 mmol/L:
anorexia, náusea, diarreia, ataxia, tremor e espasmos musculares.
A variabilidade da dose plasmática é de tal ordem estreita que a toxici-
dade pode manter-se após redução do lítio (não podemos enviar para casa
doentes que cheguem ao SU com intoxicação por lítio, por exemplo – é
necessária uma monitorização cuidada).
O lítio é uma molécula identificada como sendo de categoria D na
gravidez, pelo que o seu uso na mulher em idade fértil é desaconselhado,
embora em cada caso deva ser pesada de forma cautelosa a relação risco-
-benefício.
A prevenção de efeitos adversos e toxicidade pode e deve ser feita de
várias formas:
• Iniciar em dose baixa;
• Realizar medições de níveis plasmáticos após sete dias da iniciação;
sete dias após cada alteração de dose; semanalmente, até obter dose
no intervalo terapêutico. A colheita de sangue para o efeito deve ser
realizada 12 horas depois da toma do fármaco;
• Depois da dose estável, monitorizar com frequência de 3-6 meses;
• Optar por uma toma única diária sempre que possível;
• Ter atenção às interações (IECAs, tiazídicos, AINEs).
Ácido valpróico
Tal como para outros anticonvulsivantes, o mecanismo de ação de
valproato de sódio não é inteiramente conhecido. Embora não se saiba
qual é mais preponderante no seu efeito estabilizador de humor, as várias
teorias sobre o seu mecanismo terapêutico envolvem a inibição de canais
48 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Carbamazepina
A carbamazepina foi o primeiro fármaco a mostrar eficácia no trata-
mento da fase maníaca da perturbação bipolar. Apesar de atuar eficaz-
mente nesta fase, tal como o valproato de sódio, parece diferir deste no
mecanismo de ação, tendo também um perfil de efeitos adversos distinto.
Tem como principais indicações:
• Tratamento do episódio maníaco agudo;
• Prevenção da recaída maníaca e depressiva;
• Tratamento do episódio depressivo com pouca evidência.
É muito usado como antiepilético, mas como estabilizador de humor
tem caído em desuso, sobretudo pelo potencial de causar múltiplas interações
medicamentosas, por ser um potente indutor enzimático do CYP450 3A4.
Como efeitos adversos destacam-se ainda os seus efeitos supressores da
medula óssea, sendo recomendado realizar uma monitorização regular
das diferentes linhagens hematológicas e os seus efeitos de toxicidade fetal
(malformações do tubo neural).
PSICOFARMACOLOGIA 49
Lamotrigina
Embora também seja usada no tratamento da perturbação bipolar,
tem indicações distintas dos fármacos mencionados anteriormente, refor-
çando a ideia de que os anticonvulsivantes com ação estabilizadora de
humor atuam através de mecanismos diferentes. É geralmente bem tole-
rada, embora esteja descrita a ocorrência (rara) de um rash cutâneo, que
pode evoluir para síndrome de Stevens-Johnson.
Está indicada para:
• Prevenção da recaída maníaca e depressiva;
• Tratamento do episódio depressivo com evidência clínica.
A dose tem de ser aumentada lentamente (principalmente, pela
possibilidade de rash), sendo o esquema habitualmente recomendado:
25 mg durante 15 dias; 50 mg durante 15 dias; 100 mg durante sete dias;
200 mg a partir daí (nem sempre é necessário subir dose até 200 mg/dia).
É importante ter em consideração as interações medicamentosas (nomea-
damente, o ácido valpróico – porque se aumentam a dose mutuamente,
quando usados concomitantemente).
Antipsicóticos
Os antipsicóticos são também muito frequentemente utilizados como
estabilizadores de humor, com muita evidência. Abaixo a tabela com
aprovações pela EMA/FDA dos antipsicóticos para as diferentes fases da
doença bipolar; outras guidelines, tais como as da CANMAT, podem
fornecer graus de evidência mais estratificados para cada fármaco e fase.
Antidepressivos
A designação “antidepressivos” é pouco correta e cairá em desuso,
uma vez que os fármacos que classicamente pertencem a este grupo são
eficazes no tratamento de várias outras entidades clínicas.
No caso da depressão, a escolha do antidepressivo depende do con-
junto de sintomas que avaliamos no doente em particular, nomeadamente
se predomina a diminuição de afeto positivo, afeto negativo aumentado,
50 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
SSRIs
Todos os SSRIs têm em comum uma característica farmacológica
importante: a inibição seletiva e potente da recaptação de serotonina,
através da inibição do transportador de serotonina (SERT). Têm um
início quase imediato de efeitos adversos e um início mais lento de efei-
tos terapêuticos (como acontece na maioria dos antidepressivos). No uso
de SSRIs, é muito frequente existir um aumento de ansiedade no início
do tratamento, pelo que poderá ser benéfico utilizar uma benzodiazepina
em esquema com planeamento de descontinuação numa fase inicial.
Os efeitos adversos mais prevalentes dos SSRIs incluem: agitação
mental, ansiedade, inibição do orgasmo e ejaculação, diminuição da
líbido e prazer sexual, náuseas e vómitos, motilidade GI, cólicas.
Habitualmente, os efeitos adversos diminuem à medida que os efeitos
terapêuticos se instalam, embora nem sempre seja assim.
Fluvoxamina
Foi o primeiro SSRI a ser lançado a nível mundial para o tratamento
da depressão, embora nunca tenha recebido essa aprovação formal pela
FDA, sendo nos EUA mais frequentemente utilizado no tratamento da
POC. É sedativo e, portanto, deve ser utilizado à noite. Além da sua ação
no SERT, exerce ainda ação nos recetores 1, onde se pensa que atue
PSICOFARMACOLOGIA 51
Fluoxetina
Além da sua ação no SERT, tem algum efeito de antagonismo dos
recetores 5H2C, o que resulta num aumento ligeiro da NE e DA, ajudando
a explicar o seu perfil distinto dos outros SSRIs. Tem uma semivida muito
longa, o que permite que possa ser feita uma descontinuação abrupta, sem
necessidade de redução gradual, sem existirem efeitos adversos.
Deve ser tomada de manhã, por ter um perfil ativador.
Sertralina
Além da sua ação no SERT, funciona ainda como inibidor do trans-
portador de dopamina (DAT) e, tal como a fluvoxamina, liga-se ao recetor
1, embora a relevância clínica da ação nestes dois recetores não esteja
ainda totalmente esclarecida.
Deve também ser tomado de manhã, pelo seu perfil ativador.
Paroxetina
Este SSRI tem, ao contrário dos anteriores, um perfil sedativo, sobre-
tudo em fases precoces do tratamento, provavelmente relacionado com
a sua ação anticolinérgica ligeira. Além disso, tem também uma ação
inibidora do transportador da norepinefrina (NET). Tem ainda como
potencial desvantagem causar aumento do apetite e ter uma semivida
muito curta, o que dificulta a descontinuação, sendo recomendável a
redução muito gradual e lenta da dose para evitar a ocorrência de efeitos
adversos como cefaleias ou tonturas…
Citalopram/Escitalopram
O citalopram tem dois enantiómeros (S e R), sendo que o S isolado
é o escitalopram.
52 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
SNRIs
Os SNRIs combinam a inibição do SERT (comum aos SSRIs) com
diferentes graus de inibição do NET.
Venlafaxina
Inibição SERT (transportadores de serotonina) mais potente que
NET (transportadores de norepinefrina), dependente da dose. Até à dose
de 150 mg, é apenas serotoninérgico.
Duloxetina
Inibidor SERT e NET mais equilibrado. Tem ainda a vantagem de ter
eficácia no tratamento da dor – desde dor neuropática a fibromialgia, dor
musculoesquelética crónica (como a associada a osteoartrite).
Multimodais
Trazodona
É um fármaco multimodal e multifuncional, o que quer dizer que
faz inibição da recaptação da serotonina e agonismo ou antagonismo de
uma série de outros recetores.
Tem características sedativas e apresenta atividade antidepressiva a partir
da dose de 150 mg (abaixo desta dose: tratamento da insónia e ansiedade).
Vortioxetina
É um fármaco multimodal que difere dos outros SSRIs por atuar
através da modulação direta de vários recetores serotoninérgicos. É uma
molécula versátil, que funciona como agonista no recetor da serotonina
5-HT1A, como agonista parcial do recetor 5-HT1B e como antagonista
nos recetores 5-HT3, 5-HT1D e 5-HT7. Exerce ainda uma ação blo-
queadora no SERT. Apresenta como principais vantagens interferir
pouco com a função sexual (ao contrário da maioria dos SSRIs), não
ser sedativo e não causar ganho ponderal, não precisar de titulação e
ter um efeito pró-cognitivo, especialmente relevante em doentes que se
apresentam com queixas a este nível. Os efeitos adversos mais frequen-
tes são de natureza GI e poderá ser útil, quando os doentes apresentam
54 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Tricíclicos
Atualmente, tendo em conta a existência de fármacos com melhor
perfil de tolerabilidade e segurança, os fármacos incluídos neste grupo
não são considerados de primeira linha, mas são considerados por algu-
mas guidelines opções no tratamento da depressão resistente. Têm esta
designação devido à sua estrutura química, composta por três anéis. Um
dos fármacos deste grupo (a clomipramina) está indicado no tratamento
da POC e outros estão indicados no tratamento da dor neuropática e
enxaqueca (como é o caso da amitriptilina). Os efeitos adversos estão
relacionados com a ação nos recetores:
• Muscarínicos: xerostomia, visão turva, retenção urinária e obsti-
pação;
• Histamínicos (H1): sedação e aumento de peso;
• 1 adrenérgicos: hipotensão ortostática e tonturas.
Melatoninérgico – Agomelatina
A agomelatina é um fármaco com efeitos a nível dos recetores 1 e 2
da melatonina (MT1 e MT2 respetivamente) e, portanto, além de indi-
cado no tratamento da depressão, tem vantagem para o tratamento da
desregulação dos ciclos de vigília e de sono. Tem ainda ação antagonista
nos recetores 5HT2C.
Ansiolíticos
Quando falamos de ansiolíticos, referimo-nos às benzodiazepinas.
No entanto, existem outros fármacos não ansiolíticos utilizados no trata-
mento da ansiedade, como os próprios antidepressivos e os gabapentinói-
des, que abordaremos de seguida.
PSICOFARMACOLOGIA 55
Benzodiazepinas
As benzodiazepinas são fármacos que atuam ao nível do recetor do
GABA. Este é o segundo neurotransmissor mais abundante do SNC,
sendo o neurotransmissor inibitório mais abundante. O recetor do
GABA é um canal de cloro. Os fármacos que aqui atuam permitem
modular esta função, facilitando a entrada de cloro nos neurónios e,
por essa via, a inibição neuronal. Outras substâncias psicoativas atuam
no recetor do GABA, como o etanol, ainda que de forma diferente,
sendo por isso que a coadministração de álcool e benzodiazepinas não
é recomendada e aumenta os riscos. Os barbitúricos, que já não estão
em utilização, também atuam no mesmo recetor. No entanto, os barbi-
túricos atuam neste canal independentemente da presença ou ausência
de GABA no canal, sendo o seu risco muito maior. As benzodiazepinas,
por outro lado, dependem da presença de GABA, facilitando a sua
ação.
A utilização das benzodiazepinas tem sido associada a alguns
receios, entre os quais o principal é a possibilidade de dependência.
No entanto, este grupo de fármacos mantém o seu papel na prática
clínica porque é o único a aliviar de imediato a ansiedade quando
ela é muito intensa e pode ser associado a outros fármacos para
melhorar a resposta e mitigar efeitos adversos. Além disso, as benzo-
diazepinas não são todas iguais e há vários fatores que mitigam o risco
de dependência. A própria forma de iniciar e cessar a prescrição pode
mitigar esses riscos.
Do ponto de vista farmacodinâmico, as benzodiazepinas não são
todas iguais. O canal do GABA é constituído por várias subunidades, e as
diferentes benzodiazepinas ligam-se preferencialmente a diferentes tipos
de recetores GABA, e em função disso apresentam diferentes potenciais
de efeitos terapêuticos e adversos.
56 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Sedation
Addiction
Anxciolysis
Myorelaxation
Anticonvulsive
Amnesia
Key:
contribution toward
clinical effect
Negligible Minor Moderate Significant
Descontinuação gradual
Caso se verifique, após reavaliação da manutenção de necessidade
clínica e segurança do tratamento com BZD, que este deve ser interrom-
pido, quer por se ter ultrapassado o tempo recomendado e os sintomas
que motivaram o seu uso já não estarem presentes, quer por haver sus-
peita de abuso ou dependência, deve ser preparada a sua descontinuação
gradual. No entanto, pode haver situações em que, devido à gravidade
ou especificidade do quadro clínico, a cessação do tratamento com BZD
não está indicada. É importante que a suspensão da terapêutica com
BZD seja realizada através de um esquema gradual e flexível, adaptada às
necessidades do doente, evitando fazê-lo numa altura em que coexistam
58 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Benzodiazepinas e demência
Outro dos receios habitualmente associados à prescrição de benzodia-
zepinas é o desenvolvimento de demência. Apesar de alguns estudos ini-
ciais o referirem, não existe evidência atual que relacione causalmente
o uso de BZD com o aumento de risco de demência. Existem, isso sim,
efeitos cognitivos a curto prazo para algumas benzodiazepinas, e a escolha
do fármaco, dose e momento em particular devem ser considerados para
mitigar esse problema.
Gabapentinoides
Pregabalina e Gabapentina
Estes fármacos ligam-se à subunidade delta alfa 2 dos canais de
cálcio dependentes de voltagem, fazendo com que os canais de tipo N
e P/Q pré-sinápticos fechem, diminuindo a atividade neuronal exces-
siva e a libertação de neurotransmissores na amígdala e em circuitos
envolvidos na resposta de medo e ansiedade. Embora relacionados
estruturalmente com o GABA, não se conhecem ações diretas neste
neurotransmissor ou nos seus recetores. Estão indicados no tratamento
da perturbação de pânico e de ansiedade social, tendo ainda eficácia
no tratamento de dor neuropática e fibromialgia, sendo uma opção em
doentes com estas comorbilidades. Uma vez que têm um mecanismo
de ação distinto, são especialmente úteis em doentes que não toleram
SSRI ou benzodiazepinas, como tratamento de segunda linha ou, em
combinação, em doentes que responderam apenas parcialmente com
estes grupos farmacológicos.
PSICOFARMACOLOGIA 59
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5. PERTURBAÇÕES DO
COMPORTAMENTO ALIMENTAR
TIAGO DUARTE
PICA
Características de diagnóstico
• Ingestão persistente de substâncias não nutritivas e não alimentares
(≥ 1 mês). O comportamento tem de comprometer o desenvolvi-
mento;
• Não está relacionado com hábitos culturais ou práticas socialmente
aceites.
Se ocorrer no contexto de outra perturbação mental, tem de ser sufi-
cientemente grave para ser diagnosticada.
Perturbações associadas
• Incapacidade intelectual leve, moderada ou grave;
• Perturbação do espectro do autismo;
• Esquizofrenia.
62 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Género e idade
• Não existem diferenças entre géneros;
• Inicia-se geralmente na infância (> 2 anos) ou na adolescência;
• Gravidez;
• Existem poucos estudos relativamente à prevalência.
Complicações físicas
• Desnutrição (pouco frequente, pois não há evitamento da ingestão
alimentar);
• Obstrução intestinal.
PERTURBAÇÃO DE RUMINAÇÃO
Características de diagnóstico
• Regurgitação repetida (≥ 1 mês);
• Pode ser remastigada, reengolida ou cuspida;
• Não é atribuída a nenhuma condição física (estenose esofágica,
refluxo gastroesofágico);
• Não ocorre com outras perturbações de comportamento alimentar;
• Se ocorre no contexto de outra perturbação mental, tem de ser
suficientemente grave para ser diagnosticada.
Complicações físicas
• Desnutrição.
Prevalência
• Não existem diferenças entre sexos;
• Pode aparecer na infância (3-12 meses), na adolescência ou na
idade adulta.
Perturbações associadas
• Incapacidade intelectual leve, moderada ou grave;
• Perturbação de ansiedade generalizada.
PERTURBAÇÕES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR 63
PERTURBAÇÃO DE EVITAMENTO/RESTRIÇÃO
DA INGESTÃO ALIMENTAR (ARFID)
Características de diagnóstico
• Aparente desinteresse pela alimentação
Perda significativa de peso
Deficiência nutricional significativa
Dependência de suplementos ou alimentação entérica
Interferência marcada no funcionamento psicossocial
• Não é explicada por falta de alimentos ou restrição alimentar cul-
tural;
• Não ocorre com outras perturbações de comportamento alimentar;
• Não é atribuída a nenhuma condição física ou a outra perturbação
mental;
• Especificar se em remissão.
São, normalmente, indivíduos com quadros de cansaço, medo de
engasgar ou vomitar, dor abdominal, perda de peso significativo e into-
lerância ao frio.
Qual a diferença em relação à anorexia nervosa? O indivíduo não
apresenta alterações da imagem corporal, não tem medo de ganhar
peso (a preocupação é com a comida) e é comum a ingestão apenas de
alimentos com determinadas texturas particulares.
Prevalência
• Não existem diferenças entre sexos;
• Aparece na infância e pode persistir na idade adulta (ICD-10: per-
turbação da alimentação da infância).
Complicações físicas
• Desnutrição grave, ou mesmo morte.
64 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
ANOREXIA NERVOSA
Perspetiva histórica
• A sua primeira descrição foi feita por Morton, em 1694;
• Posteriormente, foi descrita por Marce, em 1859;
• Charles Lasègue e, posteriormente, William Gull descrevem a
apepsia histérica em 1873 – consideravam que existia uma carga
emocional envolvida e que a perda de peso era deliberada;
• A descrição destes autores corresponde exatamente ao quadro clí-
nico que conhecemos atualmente;
• Este aspeto vai contra a ideia de que a anorexia nervosa é poten-
ciada pela indústria da moda, apoiando a ideia de que esta é uma
doença de base biológica, que tem mantido o seu curso inalterado
ao longo dos tempos, sendo, contudo, mais rapidamente identifi-
cada hoje face a outrora.
Características
Marcada perturbação cognitiva e emocional da imagem corporal;
• Receio mórbido de engordar;
• Pressão interna patológica para a magreza, podendo coexistir perda
de peso autoinduzida por diversos métodos (restrição, vómito
autoinduzido, exercício físico intenso e abuso de laxantes);
• Mortalidade pode ser significativa (10-15%):
2/3 por complicações físicas
1/3 por suicídio.
Etiologia
Os fatores que mais contribuem para o desenvolvimento da doença
são de índole comportamental e psicobiológica.
Podemos distinguir vários períodos no âmbito do desenvolvimento
da doença:
• Período de risco acrescido;
• Período prodrómico;
PERTURBAÇÕES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR 65
• Período da síndrome;
• Quadro grave (a evitar).
Pessoas em risco
• Baixo peso prévio;
• Problemas alimentares;
• Dificuldades sociais;
• Défices na cognição pessoal;
• Rigidez cognitiva;
• Elevada sensibilidade à ameaça;
• Grande capacidade de protelar a recompensa.
Período prodrómico
• Mecanismos de coping agravam (evitamento da alimentação) e os
pacientes são muito perfecionistas;
• Ansiedade;
• Compulsividade.
Síndrome
• Comportamentos de controlo do peso;
• Controlo da alimentação;
• Evitam flutuações emocionais (recorrendo ao isolamento);
• Elevada sensibilidade aos mecanismos de recompensa (ficam
muito tempo sem comer, comem muito, vomitam).
Quadro grave
• Isolamento social progressivo;
• Mais impacto na qualidade de vida;
• Dificuldades de cognição social;
• Maior sensibilidade às ameaças externas.
66 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Subtipos
• Restritivo;
• Ingestão compulsiva/purgativa.
Especificar se:
• Leve – IMC ≥ 17 kg/m2;
• Moderada – IMC entre 16 e 16,99 kg/m2;
• Severa – IMC entre 15 e 15,99 kg/m2;
• Extrema – IMC < 15 kg/m2.
PERTURBAÇÕES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR 67
Prevalência e cultura
• 10 : 1 (sobretudo mulheres jovens);
• Habitualmente começa na adolescência, tendo dois picos: por
volta dos 14 e dos 16 anos;
• Raramente se dá em > 30 anos;
• Homens, aproximadamente aos 12 anos.
Características físicas
• Cardiovasculares: Hipotensão; prolongamento do QT; arritmias
(défices de potássio – causada pelos vómitos); cardiomiopatia;
• Gastrintestinais: prolongamento do trânsito gastrintestinal (atraso
no esvaziamento gástrico, diminuição da motilidade intestinal);
obstipação;
Nota: agentes procinéticos podem acelerar o esvaziamento gástrico
e aliviar o “inchaço” abdominal, o que pode catalisar a retoma de
hábitos alimentares normais;
• Endócrinos e metabólicos: hipocaliemia; hiponatremia; hipogli-
cemia; hipotermia; função tiroideia alterada; hipercortisolemia;
atraso na puberdade; fraturas por osteoporose;
• Renais: cálculos renais;
• Neurológicos: neuropatia periférica – necessário exame neu-
rológico e eventual TAC, que pode revelar perda de volume
cerebral: aumento do volume dos ventrículos, alargamento dos
sulcos, atrofia cerebral (pseudoatrofia – corrige com o aumento
de peso);
• Hematológicos: anemia; leucopenia; trombocitopenia;
• Ginecológicas: amenorreia (por disfunção do eixo hipotálamo-
-pituitária-adrenal com níveis baixos de FSH e LH, apesar dos
níveis baixos de estrogénio), que pode persistir (5-44% dos casos)
mesmo após recuperação do peso normal;
• Ósseos: osteopenia (osso cortical e trabecular), que persiste apesar
da terapêutica com estrogénio. Verificar história de fraturas.
68 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Complicações físicas
• Consequências da desnutrição:
Paragem do crescimento
Amenorreia
Pele seca, queda de cabelo e lanugo (aumento de pelos finos na
superfície corporal, comum nos bebés)
Falência cardíaca
Osteoporose (pela alteração dos estrogénios)
Morte eventual
• Complicações semelhantes às da bulimia nervosa quando se fala
de anorexia nervosa do tipo purgativo.
Avaliação clínica
• Estabelecer o contexto no qual os problemas surgiram;
• Detalhar a perda ponderal (há quanto tempo começou a perder
peso, qual o peso máximo na vida, o mais baixo, etc.), as alterações
alimentares e o exercício excessivo;
• Confirmar o diagnóstico de perturbação do comportamento alimentar;
• Avaliar as complicações médicas decorrentes da malnutrição;
• Apurar o risco de comportamento autolesivo/suicídio.
Exame objetivo
• Perda de massa muscular, cabelo e unhas frágeis;
• Pele calosa no dorso das mãos, em regra a direita, com escoriações
sobre as articulações interfalângicas (sinal de Russell);
• Hipercarotenemia (escleróticas e pele amarelas);
PERTURBAÇÕES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR 69
Psicopatologia
• Voz anorética (pseudoalucinação, voz interna que reconhece como
de si mesma);
• Rigidez cognitiva;
• Problemas de concentração/memória;
• Irritabilidade (não toleram flutuações do mundo externo);
• Humor depressivo;
• Baixa autoestima;
• Insónia;
• Diminuição da libido;
• Isolamento social;
• Pensamentos obsessivos face à comida.
Perturbações associadas
• Sintomas depressivos ou perturbação da personalidade nos casos
acima dos 18 anos (pode existir comorbilidade com perturbação
distímica e perturbação depressiva major);
• Perturbação dismórfica corporal;
• Doenças físicas crónicas debilitantes;
• Tumores cerebrais de novo;
• Doenças gastrointestinais (p. ex., doença de Crohn, síndromes de
má absorção);
• Traços obsessivo-compulsivos da personalidade – eventual pertur-
bação obsessivo-compulsiva (mais frequente no tipo restritivo);
• Padrão familiar de:
Perturbações do comportamento alimentar
Perturbações do humor.
70 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Diagnóstico diferencial
• Depressão melancólica (perda de peso e insónia terminal);
• Infeção crónica;
• Doença ulcerosa;
• Síndromes de má absorção intestinal;
• Síndrome da artéria mesentérica superior/Wilkie;
• Doença inflamatória intestinal (colite ulcerosa, doença de
Crohn);
• Hipertiroidismo;
• Diabetes mellitus tipo I;
• Neoplasia (incluindo tumores hipotalâmicos).
Abordagem terapêutica
Ter em atenção que as complicações médicas podem necessitar de
intervenção urgente/internamento.
• Os doentes devem ser referenciados para consulta de Psiquiatria
especializada em comportamento alimentar, quando existente;
• Depois da intervenção nas complicações médicas, ponderar inter-
namento;
• Hospitalização deve ser considerada apenas se houver problemas
médicos graves – internamento compulsivo ao abrigo da Lei de
Saúde Mental se necessário, em caso de risco de vida;
• A terapêutica farmacológica com maior evidencia é a olanzapina
em baixas doses (2,5-10 mg ao deitar);
• Psicoterapia familiar/sistémica; psicoterapia interpessoal ou psico-
terapia cognitivo-comportamental;
• Necessidade de cumprir plano alimentar definido junto de nutri-
cionista clínico (alimentação polifracionada, com eventual associa-
ção de suplementos nutricionais).
PERTURBAÇÕES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR 71
Evolução
Inicia-se (quase) sempre com uma dieta.
• Frequentemente, a procura de ajuda médica/psiquiátrica tem a
oposição do doente;
• Atualmente, o diagnóstico é feito de forma mais rápida;
• Evolução:
Resolução rápida
Resolução lenta
Crónica
Eventualmente mortal
Possível passagem para bulimia nervosa.
BULIMIA NERVOSA
Descrita muito por Gerald Russell em 1979, foi introduzida em 1980
no DSM-III (APA). Do grego “bolimus” – fome de um boi.
Características clínicas
• Episódios recorrentes de ingestão alimentar compulsiva (crise bulí-
mica);
72 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Perturbações associadas
• Sintomatologia depressiva – perturbação distímica e perturbação
depressiva major;
• Abuso ou dependência de substâncias (≈1/3 das pessoas com a
patologia);
• Perturbações da personalidade sobretudo perturbação de persona-
lidade estado-limite/borderline (1/3 a 1/2 das pessoas com a pato-
logia);
• Padrão familiar de:
Perturbações do comportamento alimentar
Perturbações do humor
Abuso e dependência de substâncias
Obesidade.
Prevalência – Cultura
• Incidência de 1-1,5% em mulheres, com início mais frequente-
mente no final da adolescência, e apresentação na segunda ou
terceira décadas de vida;
• Maior prevalência nos países industrializados – nestes países, a pre-
valência varia entre 1% a 3% numa população feminina entre os
14 e os 40 anos;
• A incidência está a aumentar no mundo industrializado e nos paí-
ses em vias de desenvolvimento.
Evolução
• Início durante ou após uma dieta;
• O comportamento persiste, em média, durante vários anos, até à
procura de tratamento;
• Evolução:
Resolução rápida
Crónica
Intermitente.
74 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Bulimia multi-impulsiva
• Elevada gravidade;
• Comportamento bulímico associado a automutilação e tentativas de
suicídio; consumo de tóxicos; roubos; múltiplos parceiros sexuais.
Complicações físicas
• Erosões dentárias e perda do esmalte dentário;
• Ingurgitamento das glândulas salivares e sinal de Russell;
• Irregularidades menstruais;
• Arritmias cardíacas e insuficiência cardíaca (morte súbita);
• Distúrbios hidroeletrolíticos (hipocaliemia, hiponatremia, hipoclo-
remia, acidose metabólica [laxantes] ou alcalose [vomito]);
• Erosões esofágicas, perfuração esofágica/gástrica; úlceras gástricas/
duodenais; pancreatite;
• Obstipação/esteatorreia;
• Leucopenia/linfocitose.
Abordagem terapêutica
• Referenciar para consulta de Psiquiatria especializada em compor-
tamento alimentar, quando existente;
• A maioria será tratada em ambulatório;
• Internamento apenas se ideação suicida com plano estruturado,
problemas físicos graves, casos refratários extremos, ou gravidez
(devido ao risco aumentado de aborto espontâneo);
• Terapêutica farmacológica: maior evidência para inibidores da
recaptação de serotonina (SSRIs) em alta dose (fluoxetina 60 mg)
– necessidade de tratamento prolongado (> 1 ano);
• Psicoterapia familiar/sistémica; psicoterapia interpessoal ou psi-
coterapia cognitivo-comportamental (reforço positivo quando a
pessoa vai comendo várias vezes ao longo do dia – o objetivo será
a pessoa sentir-se alimentada ao longo do dia, para não ter a neces-
sidade de “comer muito num curto espaço de tempo”);
PERTURBAÇÕES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR 75
Abordagem terapêutica
• Farmacológica:
• SSRIs (p. ex., fluoxetina 60 mg/dia);
• Topiramato (começar com 50 mg/dia) – tomar 1/2 hora antes do
episódio compulsivo, que costuma ocorrer sempre à mesma hora
do dia;
• Dimesilato de lisdexanfetamina (começar com 30 mg/dia).
Necessidade de cumprir plano alimentar definido junto de nutricio-
nista clínico.
76 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
EM SÍNTESE
Doenças do comportamento alimentar de tipo restritivo
Surgem mais cedo, com grande predisposição genética, maior rácio
de mulheres com grande suscetibilidade à desregulação do apetite,
grande vulnerabilidade metabólica, influências perinatais.
Traços de personalidade: rigidez, atenção aos detalhes, não tolera
erros/incerteza, perfecionismo, controlo de impulsos, habilidade de
atraso de recompensa (ao contrário do tipo bulímico), diminuição da
expressividade fácil, défice de sensibilidade social, grande sensitividade
ao ranking social e à ameaça, alexitimia.
Fatores psicossociais: problemas alimentares nos pais, stress por pares,
exposição a trauma precoce, influência cultural, família de estrato socioe-
conómico mais elevado.
Comportamentais: controlo de peso e comida, preocupação com
IMC, coping por evitamento e perfecionismo.
PERTURBAÇÕES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR 77
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6. INSÓNIA
ANDRÉ PONTE
INTRODUÇÃO
Apesar da frequência e impacto causado pela insónia, os mecanismos
por detrás desta ainda não são totalmente conhecidos.
As teorias existentes sugerem alterações a nível da função cerebral,
com fatores genéticos, comportamentais, cognitivos e emocionais envol-
vidos, tanto no desenvolvimento como na sua manutenção. A forma mais
80 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Prevalência
A prevalência no mundo inteiro de sintomas de insónia é de aproxi-
madamente 30-35%, sendo que a perturbação de insónia está presente
em cerca de 10% da população.
Embora a insónia possa ser situacional ou recorrente, a sua evolução
é geralmente crónica, com duração mediana de três anos e taxas de per-
sistência variando de 56% a 74% num ano.
Comorbilidades
É importante lembrar que as perturbações do sono podem sobrepor-
-se ou serem comórbidas entre si ou com outras doenças mentais.
Posto isto, devemos identificar e tratar a insónia, que existe também
em associação com:
• Patologia psiquiátrica – Insónia associada a uma perturbação men-
tal em 30-40% dos casos;
• Perturbações do sono – 5 a 9% associado a perturbações respirató-
rias do sono como a síndrome de apneia obstrutiva do sono; cerca
de 15% associado a síndrome das pernas inquietas ou movimentos
periódicos do sono.
INSÓNIA 81
Na caracterização do sono
a) Queixas principais e cronologia dos sintomas
É fundamental perceber qual a queixa principal, aquilo que mais
preocupa o utente, de forma a direcionar a abordagem e o tratamento.
Exemplos de perguntas que podem ser colocadas: “Como é o seu sono?”,
“Desde quando é que acha que é um problema?”, “O que acha que está
a causar o problema?”
Explorar o início dos sintomas, como evoluíram ao longo do tempo,
variação de noite para noite e relação entre os mesmos sintomas. É muito
importante estabelecer uma relação entre o início dos sintomas e o
começo ou término de fármacos ou outras substâncias.
b) Noite típica
Não queremos descrever a melhor ou a pior noite de uma pessoa,
queremos a habitual. Devemos descrever o ciclo do sono típico da pessoa:
“A que horas vai para a cama?”, “Quanto tempo demora a adormecer?”,
INSÓNIA 85
c) Impacto funcional
Na maior parte das perturbações do sono, o maior impacto é sentido
durante o dia e não durante a noite. Devem ser explorados sintomas cog-
nitivos, alterações do humor, perda de funcionalidade laboral, dificulda-
des durante a condução.
d) Diagnóstico diferencial
d1 – Insónia
Além do já caracterizado nas secções anteriores, pode ser importante
procurar fatores perpetuadores adicionais, pois, como já vimos, são aque-
les nos quais conseguimos atuar. Devemos também estar atentos para
sinais de má higiene do sono.
d6 – Parassónias
“Já alguma vez lhe disseram que tinha episódios em que durante
a noite se levantava e andava pela casa?”, “Já lhe disseram ter outros
comportamentos estranhos durante a noite enquanto dorme?”, “Em
que altura da noite é que esses episódios ocorrem?” – diferenciar paras-
sónia NREM (mais no início da noite) de REM (mais no final da noite)
–, “Com que frequência ocorrem?”, Quando era pequeno, tinha estes
episódios?”, “Já lhe disseram que durante a noite parece que está a
vivenciar os seus próprios sonhos e costuma lutar, ou mexer com as
mãos no ar?”
d7 – Narcolepsia
Tétrade da narcolepsia: hipersonolência diurna, cataplexia, alucina-
ções hipnagógicas e hipnopômpicas e paralisia do sono.
e) Condições do quarto
“Por que razão acha que não consegue dormir?” Alguns doentes sabe-
rão as principais razões para não conseguirem dormir bem, principal-
mente quando a causa é um fator externo (p. ex., luz ou barulho).
f) Tratamentos prévios
Compreender que estratégias foram utilizadas no passado (farmaco-
lógicas ou não) poderá ser também importante.
É importante averiguar o consumo de substâncias ou fármacos que
possam estar temporalmente relacionados com o início ou o agravamento
da perturbação do sono.
Antecedentes
• Pessoais (médicos, hábitos de consumo, medicação habitual);
• Familiares.
Crítica às guidelines
As guidelines baseiam-se no nível de evidência para cada tratamento.
Tendo em conta a reduzida quantidade de estudos de eficácia para os
fármacos utilizados na insónia na prática clínica, o nível de evidência é,
regra geral, baixo.
Ainda assim, isso não implica que esses fármacos não sejam eficazes,
podendo ser utilizados de acordo com a teoria psicofarmacológica e a
sensibilidade clínica do médico.
Se não resultar:
2.ª linha:
• Tratamento combinado;
• Tratamento farmacológico:
melatonina ou agomelatina
antidepressivos ou antipsicóticos sedativos em doses baixas.
Não recomendo a utilização de BZD ou zolpidem na insónia crónica
visto que não é expectável que exista uma remissão espontânea da mesma
enquanto os fatores perpetuadores da insónia não forem modificados (ver
TCC-i). Dado o seu risco de habituação, estes fármacos devem ser evita-
dos na insónia crónica.
De seguida, discutiremos com mais detalhe os diferentes tratamentos
disponíveis.
Higiene do sono
Objetivo: identificar e modificar o ambiente e estilos de vida que
possam interferir com o sono.
A rotina do doente deve ser avaliada em conjunto com o clínico.
• De forma a facilitar a conceptualização da higiene do sono, ajuda
pensar nos seus cinco pilares: condições do quarto, álcool, exercí-
cio, nicotina, café.
Exercite-se regularmente
Certifique-se de que seu quarto é confortável, silencioso, sem luz
e a uma temperatura adequada
Evite ter relógios visíveis no quarto quando está na cama
Coma nos horários previstos e não vá dormir com fome
Evite líquidos excessivos à noite
Evite cafeína e outras substâncias estimulantes
Evite o consumo de álcool nas horas antes de dormir
Evite fumar antes de se deitar.
Controlo de estímulos
Objetivo: reduzir condicionamentos disfuncionais que associem a
cama e o quarto a um local de atividade e vigília e reforçar a associação
entre a cama e o sono.
1. Ir para cama apenas quando se sente sono;
2. Usar o quarto apenas para dormir, vestir/despir ou ter sexo (não
ler, não comer, não falar ao telefone, nem ver TV);
3. Regra dos 15 minutos – não ficar deitado na cama, frustrado,
à espera do sono (se está há mais de 15 minutos acordado, sair do
quarto e ir fazer atividades relaxantes até voltar a ter sono);
4. Sestas são para evitar.
O efeito não é imediato, e nesse sentido pode ser útil dizer ao doente
para manter em mente que “Eu não estou a fazer isto esta noite para
dormir melhor hoje. Pode ser que durma pior. Eu estou a fazer isto esta
noite para que possa dormir melhor dentro de um mês”.
Relaxamento
O relaxamento muscular progressivo é a técnica de eleição, dentro
do grupo de medidas de relaxamento no tratamento da insónia, com
eficácia demonstrada em vários estudos.
Realiza-se tensionando cada grupo muscular por alguns segundos (seis
segundos) e, posteriormente, relaxando-o (12 segundos). Isto pode parecer
contraintuitivo, mas no fim desse processo o músculo encontra-se mais rela-
xado do que se encontrava anteriormente. Se o corpo está relaxado e a nossa
ativação fisiológica é mais baixa, a mente também se torna mais relaxada.
Técnicas cognitivas
Objetivo: alterar as respostas emocionais negativas relacionadas com
o ato de dormir.
• Encoraja-se o indivíduo a incluir na sua rotina uma buffer zone ou
zona tampão:
o doente deverá guardar cerca de uma a duas horas antes de
deitar para fazer atividades relaxantes, prazerosas, pondo de lado
94 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Trazodona
Fármaco sem aprovação formal, mas com evidência no tratamento
da insónia.
Dose terapêutica: 50 a 150 mg, ao deitar (se libertação imediata).
Existem vários tipos de formulações diferentes, sendo que para a insó-
nia interessam:
• A trazodona de libertação imediata tem maior eficácia no trata-
mento da insónia inicial e intermédia;
• A trazodona de libertação modificada pode também ser usada com
benefício no tratamento da insónia intermédia (apesar de poder
condicionar sedação ao acordar).
Tempo de semivida – 7-15 horas.
Sem burden anticolinérgico associado.
INSÓNIA 95
Mirtazapina
Fármaco sem aprovação formal, mas com evidência no tratamento
da insónia.
Dose terapêutica: 7,5 a 15 mg ao deitar.
• o efeito sedativo não é dose dependente, ou seja, a mirtazapina na
dose de 7,5 mg pode ser mais sedativa que a dose de 15 mg.
Mecanismo: efeito sedativo ocorre através do antagonismo dos rece-
tores H1.
Baixo burden anticolinérgico associado.
Quetiapina
Fármaco sem aprovação formal, mas com evidência no tratamento
da insónia.
Dose terapêutica: 25 a 100 mg de comprimidos de libertação ime-
diata, ao deitar.
• Hora e meia para atingir pico de concentração e uma semivida de
sete horas, o que implica que a libertação prolongada não deve ser
utilizada na insónia sem outras comorbilidades associadas que o
justifiquem.
Mecanismo: efeito sedativo ocorre por antagonismo dos recetores H1
e antagonismo de vários recetores serotoninérgico.
Moderado burden anticolinérgico associado.
Agomelatina
Fármaco aprovado formalmente pela FDA para o tratamento da insó-
nia.
Dose terapêutica: 25 a 50 mg/dia.
• Boa opção em doentes deprimidos com insónia associada;
• É recomendado monitorizar com alguma frequência a função
hepática, motivo pelo qual deverá ser evitado o seu uso nos doentes
em que tal monitorização não pode ser feita.
Mecanismo: é um agonista da melatonina e antagonista 5-HT2.
Sem burden anticolinérgico associado.
Benzodiazepinas ou zolpidem
Fármacos aprovados formalmente pela FDA para o tratamento da
insónia.
• Fármacos com menor tempo de semivida e maior rapidez ao
atingir o pico de concentração plasmática: maior benefício no
tratamento da insónia inicial – p. ex., zolpidem ou triazolam;
• Fármacos com tempo de semivida intermédia: maior benefício no
tratamento da insónia intermédia – p. ex., estazolam e temazepam;
INSÓNIA 97
CONCLUSÕES
• As perturbações do sono ocorrem frequentemente em comorbili-
dade entre si;
• Devemos dividir a insónia em insónia de curta duração/aguda ou
crónica – a divisão insónia primária/secundária deve ser abandonada;
• A insónia crónica deve ser sempre tratada;
• Para cada insónia, devemos tentar identificar os fatores predispo-
nentes, precipitantes e perpetuadores (os “3 Ps”, de Spielman);
• Devemos ser o mais sistemáticos possíveis na nossa avaliação do
sono: avaliar o ciclo do sono numa noite típica e rastrear outras
perturbações do sono é de especial importância;
• A primeira linha de tratamento na insónia crónica são as técnicas
cognitivo-comportamentais dirigidas à insónia, e não têm todas a
mesma eficácia terapêutica;
• É importante uma perspetiva crítica quando olhamos para as
guidelines referentes à medicação na insónia.
98 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
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7. DEPRESSÃO
DIOGO GUERREIRO
NÚMEROS E FACTOS
A depressão:
• É uma perturbação mental muito comum. Globalmente, mais de
300 milhões de pessoas, de todas as idades e classes sociais, sofrem
de depressão;
• É a causa líder de incapacidade a nível mundial e um contribuinte
major para o global burden of disease;
• Afeta mais as mulheres do que os homens;
• Pode levar ao suicídio.
102 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Uma pessoa com depressão major não tratada tem quase o dobro da
probabilidade de morrer quando comparada com controlos saudáveis – algo
a ter em conta quando se trata de uma patologia que é tão desvalorizada.
DEPRESSÃO 103
FISIOPATOLOGIA
Em muitos aspetos é desconhecida e controversa, mas tudo aponta
para uma complexa interação entre:
• Vulnerabilidade genética;
• Fatores do neurodesenvolvimento;
104 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
MONOAMINAS SINTOMAS
5-HT Alterações de peso e apetite; ideação suicida; sentimentos
(serotonina) de culpa e desvalorização; ansiedade
O contributo da neuroimagem
A evolução da neuroimagem também nos ajuda. O mais comum a
ser observado em exames de imagem PET em pacientes deprimidos é
uma disfunção global, demonstrada pela diminuição do fluxo sanguíneo
e redução do metabolismo cerebral. Não funciona como diagnóstico, pois
os nossos padrões de funcionamento cerebral são extremamente varia-
dos, não se podendo assim afirmar a partir de que ponto de corte é que
existe uma depressão. Vários sistemas neuronais são importantes para a
106 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Hipótese neurotrófica
Estudos genéticos e de neuroimagem apoiam uma hipótese neuro-
trófica de depressão e da resposta aos antidepressivos, propondo que a
depressão resulte de:
• Diminuição do suporte neurotrófico;
• Diminuição da neurogénese de áreas cerebrais e perda de glia;
• Levando a atrofia neuronal e perda de volume (p. ex., hipo-
campo);
• Possivelmente resultando em maior sensibilidade a fatores de stress
e em maior probabilidade de recorrência.
O tratamento antidepressivo bloqueia ou reverte esse défice de
suporte neurotrófico e, por isso, reverte a atrofia e a perda celular.
DIAGNÓSTICO
Tipicamente, apresenta um diagnóstico mais clínico e com uma
grande variabilidade de sintomas. No entanto, na depressão major,
é típico encontrar humor deprimido (90% dos doentes):
108 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
• Persistente e duradouro;
• Confere tonalidade negativa e pessimista do presente, do passado
e do futuro;
• Não é controlável pelo sujeito;
• Não é reativo a eventos externos (mantém-se apesar de experienciar
um acontecimento positivo, por exemplo);
• Invasivo de toda a sua esfera mental.
A depressão é uma doença heterógena, sendo mais bem compreen-
dida como um constructo multidimensional – existem vários conjuntos
de sintomas com diferentes expressões consoante os indivíduos.
Sintomas afetivos/emocionais
• Tristeza patológica (humor deprimido): é o mais frequente;
• Anedonia (perda de interesse ou prazer nas atividades que anterior-
mente eram agradáveis para o paciente);
• A ansiedade é muitíssimo frequente e normalmente encontramos
as duas em conjunto;
• Irritabilidade (muito frequente em adolescentes): leva a complica-
ções por, muitas vezes, não ser visto como um sintoma;
• Alterações: reatividade emocional (labilidade – exagero de reações
com estímulos pequenos ou anestesia afetiva –, a pessoa parece que
deixou de ter a capacidade de sentir emoções);
• Apatia;
• Redução do campo de interesses: a pessoa deixa de ter interesse em
falar com amigos, ir trabalhar, ter hobbies, entre outros.
Sintomas cognitivos
• Lentificação do pensamento;
• Caráter negativo dos pensamentos, como se a pessoa só conseguisse
ver o lado negativo da sua vida;
• Pensamento monotemático/ruminativo;
DEPRESSÃO 109
• Baixa autoestima;
• Ideação (delirante ou não) de culpa, ruína, hipocondria, em casos
mais graves podem existir delírios;
• Ideação suicida ou pensamentos sobre a morte, que pode ser pas-
siva ou ativa consoante o planeamento;
• Défice de atenção/concentração;
• Queixas de memória.
Sintomas somáticos
• Astenia (cansaço fácil);
• Insónia/hipersónia;
• Alterações do apetite (anorexia/aumento de peso) muito dirigidas
a substâncias (comfort food, alimentos que estimulam o prazer no
cérebro);
• Alterações do peso (perda/aumento);
• Disfunção sexual;
• Queixas álgicas (quer por terem uma patologia prévia que provoca
dor, quer por dores de novo, já que muitos dos circuitos responsá-
veis pela depressão estão associados também à dor);
• Perturbações gastrointestinais.
Sintomas motores/comportamentais
• Alterações psicomotoras (inibição/agitação – muito associado a sin-
tomas de irritabilidade);
• Isolamento social, com efeitos bastante negativos, porque somos
seres sociais; quanto maior o isolamento, mais se agrava a depres-
são;
• Diminuição da produtividade;
• Negligência com a aparência e higiene;
• Comportamentos autolesivos/tentativas de suicídio;
• Condutas autodestrutivas (abuso álcool ou drogas; abandono tera-
pêutico; etc.).
110 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
TRATAMENTO
Os objetivos primordiais do tratamento por parte dos médicos são:
• Eliminar os sintomas;
• Restaurar a atividade psicossocial e ocupacional;
• Melhorar a qualidade de vida;
• Reduzir o potencial de suicídio;
• Reduzir a probabilidade de recaída e recorrência.
Mas os pacientes podem ter outros objetivos:
• Melhorar a sua funcionalidade;
• Melhorar relações familiares e/ou sociais;
• Aumentar comportamentos positivos de saúde;
• Encontrar um emprego;
• Organizar a sua casa, etc.
Esse potencial desfasamento entre o que os pacientes esperam rece-
ber de um tratamento e o que de facto recebem pode contribuir para um
baixo padrão de adesão no tratamento da depressão.
É importante um foco nos “cuidados de saúde centrados no paciente”
e na compreensão do que os pacientes querem retirar do tratamento.
De um ponto de vista geral, existem diferentes opções para o trata-
mento da depressão:
Psicofármacos:
• Antidepressivos;
• Antiepiléticos;
• Lítio;
• Antipsicóticos de 2.ª geração.
DEPRESSÃO 115
Psicoterapia:
• Cognitivo-comportamental;
• Interpessoal;
• Psicodinâmica;
• Integradas;
Terapias físicas:
• ECT;
• Estimulação do nervo vago;
• Estimulação magnética transcraniana repetitiva;
• Estimulação cerebral profunda;
• Estimulação cerebral.
Medicina ”alternativa” e complementar:
• Exercício físico;
• Terapia exposição luz (fototerapia);
• Terapia baseada em meditação (mindfulness);
• Abordagens nutricionais (p. ex., ácidos gordos ómega-3).
• Maior morbilidade;
• Maior mortalidade;
• Maior risco de suicídio.
Assim, podemos inferir que quantas mais vezes uma pessoa cai
numa depressão major, maior é a probabilidade de tal voltar a acontecer.
É importante num primeiro tratamento conseguir tratar-se antecipada
e eficazmente, alterando comportamentos da pessoa e mecanismos psi-
cológicos para lidar com a adversidade. A ideia é atingir a recuperação
total.
Farmacologia
Os antidepressivos são eficazes?
Muitas vezes os doentes questionam a eficácia dos antidepressivos.
Nesse âmbito, foi realizado um estudo com um total de 116 477 parti-
cipantes, tendo-se concluído que “todos os antidepressivos foram mais
eficazes do que o placebo em adultos com perturbação depressiva major.
Pequenas diferenças foram encontradas entre os vários fármacos em ter-
mos de eficácia e tolerabilidade, quando comparados com placebo”.
Tipos de antidepressivo:
• Tricíclicos – Antidepressivos pouco seletivos que atuam em várias
monoaminas;
• SSRIs – Inibidores seletivos da recaptação da serotonina;
• SNRIs – Inibidores da recaptação da serotonina e noradrenalina;
• NDRIs – Inibidores da recaptação da noradrenalina e dopamina;
• NRIs – Inibidores seletivos da recaptação da noradrenalina;
• RIMA – Inibidores reversível e seletivo da monoamina oxidase A;
• NaSSA – AD noradrenérgico e serotoninérgico específico;
• AD Melatoninérgico – Agonista recetores MT1 e MT2/antagonista
dos recetores 2C de serotonina;
• AD atípico – Modulador e estimulador da serotonina;
• SARI – Inibidor da recaptação de serotonina/antagonista dos rece-
tores 2A/2C.
118 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
• Aceleração de resposta?
• Mantendo a tolerabilidade?
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124 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
O que é a ansiedade?
Uma resposta emocional complexa:
• Habitualmente sentida como desagradável.
Origina-se numa perceção de ameaça (real – p. ex., um cão a ladrar
para nós – ou imaginada – p. ex., pensar “como é que vai correr a apre-
sentação”).
128 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
MECANISMOS DE ANSIEDADE
A ansiedade leva à ativação reativa de respostas em vários níveis:
• Fisiológico;
• Cognitivo;
• Comportamental.
É uma experiência comum a todos os seres humanos, assim como
a todos os animais superiores, sendo as suas respostas semelhantes. Isto
sugere que se trata de um mecanismo universal, através do qual os orga-
nismos se adaptam às situações adversas. É, muitas vezes, um estado nor-
mal e transitório.
Prova disso mesmo é a sua funcionalidade inicial adaptativa:
• Assinala antecipadamente uma ameaça e promove a ação neces-
sária (p. ex., verificar que um cão está descontrolado e sair do seu
caminho);
• Até certo ponto, ter ansiedade é vantajoso para se conseguir uma
eficiência máxima em situações de adversidade ou ameaça. Prova-
velmente, todos já experienciámos um tipo de ansiedade que nos
pode deixar mais concentrados;
• A resposta normal de ansiedade leva à otimização de certas capa-
cidades cognitivas (como a atenção, concentração ou a perceção
de ameaças), maximiza a eficácia do funcionamento corporal
(ao nível cardiovascular, respiratório e imunitário) e promove com-
portamentos adequados para lidar com o desafio, ou perigo, que
se apresenta.
Ansiedade patológica
Ocorre quando a resposta se torna excessiva e os seus sintomas se
tornam incapacitantes, prolongando-se para lá do momento da ameaça.
A ansiedade deixa de ser útil e torna-se patológica, assim como um carro
a chegar à zona vermelha do ponteiro no mostrador e avariar por estar
em sobreaquecimento.
ANSIEDADE 129
Perturbações do sono:
• Normalmente, insónia, mas também é possível observar sonolência
excessiva.
Despersonalização*:
• Sensação de estar desligado do seu corpo, fora de si.
Desrealização*:
• Sensação de estar desligado da realidade.
*
Muito típicos na ansiedade mais extrema, tendo efeitos absolutamente horríveis. Acontece
muito em situações de cenário de choque ou no stress pós-traumático, podendo acontecer
noutras perturbações de ansiedade, embora não sendo o mais frequente, mas indica um grau
de sofrimento maior.
ANSIEDADE 131
Fisiopatologia da ansiedade
De uma forma muito simples, temos uma excessiva ativação do nosso
“sistema de alarme” e défice na sua regulação:
• Córtex, sistema límbico (amígdala), eixo hipotálamo-hipófise-
-suprarrenal, sistema nervoso vegetativo.
Todos nós já sentimos esta hiperativação, algo normal e expectável,
mas nem todos desenvolvemos uma perturbação de ansiedade, porque
temos a capacidade de nos autorregularmos após uma ameaça.
EXEMPLOS
• Irritabilidade, irrequietude
LUTAR • Maior tendência a gerar discussões
• Assumir uma postura de crítica perante tudo
• Evitar situações, locais ou pessoas
• Relutância em aceitar novos projetos ou desafios
• Comunicação passiva (p. ex., “Tanto faz”, “É indiferente”)
• Comportamentos para agradar a pessoas (people pleasing)
• Congelar
FUGIR
• “Brancas” em avaliações, em conversas
• Aumento do tempo passado em redes sociais ou a ver
televisão
• Aumento do tempo passado na cama
• Uso de substâncias ou drogas com poder sedativo
• “Brancas” em avaliações, em conversas
• Aumento do tempo passado em redes sociais ou a ver
CONGELAR televisão
• Aumento do tempo passado na cama
• Uso de substâncias ou drogas com poder sedativo
ANSIEDADE 133
Características psicológicas
• Inibição comportamental;
• Perfeccionismo;
• Neuroticismo;
• Baixa autoestima;
• Harm avoidance;
• Poucos recursos de coping saudáveis;
• Excessiva necessidade de controlo.
FOBIAS ESPECÍFICAS
São um tipo de transtorno de ansiedade que se caracterizam por:
• Medo exagerado, irracional, repetido e incoercível relativo a um
objeto ou situação específicos;
• A reação emocional é altamente desproporcional face ao perigo
real que o objeto ou situação constituem;
• Sempre que um indivíduo é exposto à circunstância temida
(ou antecipa esta exposição), reage com ansiedade;
• Na maioria das vezes, a pessoa tenta ativamente evitar situações
que ativam a fobia;
• As fobias específicas são uma das formas mais comuns de doença
psiquiátrica;
• A probabilidade de vir a sofrer de uma destas, ao longo da sua vida,
é de 7,4%.
As categorias mais comuns entre estas fobias são relativas a:
• Animais (p. ex., insetos ou cães);
• Sangue-feridas-procedimentos médicos (p. ex., tirar sangue, vaci-
nas, dentista);
• Relacionadas com o ambiente (p. ex., alturas, tempestades);
• Situacionais (p. ex., elevadores, espaços fechados).
Não obstante, qualquer coisa pode constituir uma fobia.
136 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
EXEMPLOS
• Conhecer novas pessoas
• Falar em reuniões ou grupos
INTERAÇÃO • Iniciar conversas
• Falar com figuras de autoridade
• Ir a uma festa
• Trabalhar, comer ou falar ao telefone enquanto se é
observado
OBSERVAÇÃO • Estar numa sala de aula
• Fazer compras
• Ser visto em público
• Apresentações
• Discursos
DESEMPENHO
• Atividades desportivas de grupo
• Utilização de casas de banho públicas
2.ª linha
Uso de SSRI/ SNRI:
• Forte grau de evidência de eficácia;
140 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
3.ª linha
• Combinação de psicoterapia + SSRI/SNRI;
• Uso de outros psicofármacos: TCA (antidepressivos tricíclicos),
RIMA (inibidores reversíveis da monoamina oxidase).
O uso de SOS pode ser útil em qualquer linha, sendo até muito
vulgar o uso de propranolol em situações de exposição. O uso de BZD
de curta ação pode ajudar as pessoas a expor-se às situações e até pode
vir a mudar o sistema de crenças da pessoa. No entanto, não substitui o
tratamento, devendo ser usado apenas numa fase inicial.
PERTURBAÇÃO DE PÂNICO
Entre 1,5 e 3,5% das pessoas desenvolvem esta doença ao longo da
sua vida. Mais uma vez, é algo que ocorre, sobretudo, em adultos jovens,
entre os 20 e os 45 anos. Mais frequente no sexo feminino (duas a três
vezes mais).
Principal característica: ocorrência, repetida, pelo menos durante um
mês, de ataques de pânico inesperados em que não existe um ativador
situacional, i.e., algo que justifique esta reação emocional.
A estes episódios associa-se o medo e a preocupação intensa relativos
à possibilidade de novos ataques de pânico ou das suas consequências
(“Vou sentir-me assim outra vez?... Onde?... E se for à frente de toda a
gente?”).
• Palpitações ou taquicardia;
• Sudorese;
• Tremores;
• Sensação de falta de ar;
• Sensação de asfixia;
• Dor ou desconforto no peito;
• Náuseas ou mal-estar abdominal;
• Sensação de tontura, de desequilíbrio, de “cabeça leve” ou de desmaio;
• Sensações de frio ou de calor;
• Parestesias (formigueiros ou sensação de entorpecimento);
• Desrealização (sentir que o mundo é irreal) ou despersonalização
(sentir-se desligado de si mesmo), em situações severas;
• Medo de perder o controlo ou “de enlouquecer”;
• Medo de morrer.
Estes sintomas não são atribuíveis aos efeitos fisiológicos de uma
substância (como drogas ou medicamentos) ou a outra condição médica
(p. ex., hipertiroidismo, doenças cardiopulmonares).
Características inatas
Todos temos uma parte mais biológica na nossa personalidade e exis-
tem pessoas com um temperamento ansioso basal mais elevado.
• Temperamento (base biológica da personalidade);
• Genética (fatores hereditários atribuem 40% do peso).
Características individuais
• Tendência em interpretar situações de forma mais negativa ou
catastrófica. Por exemplo, olhar para um alarme de incêndio e
pensar imediatamente na existência do último;
• Perfeccionismo;
• Tendência a monitorizar e interpretar exageradamente sintomas
físicos.
Circunstâncias
• Até 80% dos pacientes relatam ter sofrido eventos negativos major
antes do primeiro ataque de pânico, muito habitualmente existindo
triggers ambientais;
• Stress crónico.
ANSIEDADE 143
2.ª linha
• Uso de SSRI/SNRI. É comum a medicação ser necessária quando
a perturbação de pânico já se instalou.
Forte grau de evidência de eficácia.
Escolha dependente da experiência prévia, tolerabilidade. Normal-
mente, SSRI/SNRI que não sejam muito ativadores.
3.ª linha
• Combinação de psicoterapia + SSRI/SNRI é a combinação mais
eficaz;
• Uso de outros psicofármacos;
• TCA, BZD de longa ação.
O uso de SOS pode ser útil. Por ex., BZD de curta ação, hipnóticos.
Diagnóstico de PAG
Muitas vezes, não procuram ajuda, considerando que são “apenas
nervosos”. Quando o fazem, muitas vezes recorrem a apoio médico
devido a sintomas físicos ou depressivos.
A doença provoca elevado impacto a todos os níveis: profissional,
académico, pessoal e familiar.
146 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Tratamento da PAG
1.ª linha
• Psicoterapia (habitualmente mais prolongada).
Focos: psicoeducação; estratégias de autorregulação; prevenção de
comportamentos controlo; estratégias de gestão do stress; intervenções
baseadas em mindfulness e exercícios de relaxamento.
2.ª linha
• Uso de SSRI/SNRI.
Forte grau de evidência de eficácia. Infelizmente, menor eficácia
quando a utilização de fármacos não é acompanhada de psicoterapia.
Escolha dependente da experiência prévia, tolerabilidade.
ANSIEDADE 147
3.ª linha
• Combinação de psicoterapia + SSRI/SNRI;
• Uso de outros psicofármacos;
• TCA, BZD longa ação, pregabalina.
O uso de SOS pode ser útil. Por ex., BZD de curta ação, hipnó-
ticos.
DICAS PRÁTICAS
Pacientes com ansiedade podem gerar bastante ansiedade no clínico:
reconheça isso e tente usar técnicas de relaxamento ou de foco no pre-
sente.
Lembre-se de que o que está a sentir foi ativado pela intensidade dos
sintomas da pessoa que tem à sua frente.
Use as primeiras consultas para (tentar) tranquilizar o doente:
• Explicar o que é uma perturbação de ansiedade;
• Que se trata de uma” desregulação do sistema de alarme interno”;
• Que tem tratamento;
• Que os sintomas físicos não irão levar a consequências maiores.
Faça um bom diagnóstico diferencial e despiste de patologias orgâ-
nicas ou uso de substâncias que possam estar a contribuir para o quadro,
mas não exagere no número de exames ou referências a especialistas, pois
tal pode ser prejudicial.
Os fármacos (SSRI/SNRI/outros), normalmente, precisam de chegar
a doses altas para serem eficazes:
• Muitas vezes, o dobro da dose eficaz para a depressão;
• É preferível ir aumentado a dose gradualmente e devagar, pois
doentes com ansiedade têm, muitas vezes, menor tolerabilidade a
efeitos secundários.
O uso de BZD é, por vezes, inevitável: preferir longa ação em situa-
ções mais generalizadas (perturbação de ansiedade social, perturbação
de ansiedade generalizada) e de curta ação (SOS) quando em ”picos”
(perturbação de pânico, fobias).
148 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
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ANSIEDADE 149
INTRODUÇÃO
A perturbação obsessivo-compulsiva é uma perturbação psiquiátrica
que se caracteriza pela presença de obsessões e compulsões com impacto
significativo na qualidade de vida da pessoa.
A etiologia da perturbação obsessivo-compulsiva é determinada pela
interação entre fatores genéticos e ambientais, sendo os casos familia-
res relativamente comuns. Contudo, o peso relativo da hereditariedade
genética é inferior a outras patologias psiquiátricas como a esquizofrenia.
É uma doença muito sensível a circunstâncias e fatores de vida como
eventos perinatais, infeções na infância e adolescência, experiência de stress
crónico e também a exposição a eventos significativamente traumáticos.
No caso do stress crónico e dos eventos traumáticos, verifica-se frequen-
temente uma relação temporal entre a ocorrência destes estímulos e o
surgimento dos sintomas, embora esteja por determinar com certeza o nexo
de causalidade entre estes fatores etiológicos e o surgimento e/ou agra-
vamento da doença.
A doença caracteriza-se pela existência de alterações cerebrais bem
documentadas: os circuitos cortico-estriato-talâmicos encontram-se
desregulados com predominância de circuitos associados a compor-
tamentos habituais, enquanto se verifica uma falência dos mecanismos
de controlo da ação e de interpretação dos sinais corporais e externos.
152 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Estes últimos, por sua vez, atribuem demasiado valor a alguns estímulos,
que em situações normais seriam desvalorizados, gerando respostas
excessivas.
Os tratamentos da perturbação obsessivo-compulsiva incluem a far-
macoterapia (nomeadamente, antidepressivos e antipsicóticos), a psicote-
rapia e, em situações refratárias, outras modalidades de intervenção como
a estimulação cerebral profunda.
Obsessões e compulsões
Obsessões
As obsessões são pensamentos, imagens ou impulsos que são intrusivos
(surgem independentemente da vontade e, na maior parte das vezes, contra
a sua vontade) e que, como tal, são indesejados, inaceitáveis e egodistónicos.
Estes pensamentos/imagens/impulsos são repetitivos, reconhecidos
como absurdos, originam resistência subjetiva, provocam intensa ansie-
dade e são reconhecidos como próprios.
Além da forma de pensamentos, as obsessões podem ser tanto ima-
gens, quanto a sensação de impulso de fazer alguma coisa. Podem também
adquirir a forma de perceção corporal (por exemplo, a sensação de que a
sujidade é percecionada e não necessariamente uma ideia de sujidade).
O conceito de “obsessão” é frequentemente confundido com “obce-
cação”. Estes termos são muitas vezes utilizados de forma indiscriminada,
mas significam coisas distintas. Do ponto de vista etimológico, obsessão
significa “importunação perseverante, perseguição diabólica ou ideia fixa”,
enquanto obcecação diz respeito ao “ato ou efeito de obcecar ou obcecar-
-se, pertinácia, teimosia num erro, cegueira de espírito”, ou seja, uma situa-
ção em que o sujeito ativo da ação é a própria pessoa. Assim, a obsessão é
algo que persegue e cerca um sujeito, enquanto numa obcecação é
o sujeito que persegue ou rodeia uma ideia, evento ou crença. Esta dis-
tinção é muito importante porque a ideia de que o sujeito na perturbação
obsessivo-compulsiva é um sujeito passivo das suas obsessões é nuclear
para o diagnóstico da doença e para a compreensão da sua psicopatologia.
PERTURBAÇÃO OBSESSIVO-COMPULSIVA 153
Compulsões
As compulsões são comportamentos ou atos mentais repetitivos e,
em regra, respondem a uma obsessão para diminuir a ansiedade que é
provocada por esta.
São caracterizadas por uma sensação subjetiva de resistência – a
pessoa muitas vezes não quer efetuar o ritual, sabendo que é desneces-
sário, que é absurdo e que não vale a pena; são reconhecidas como pró-
prias pela pessoa e dependentes da sua vontade – os doentes muitas vezes
dizem “eu não quero fazer”, mas sabem que o estão a fazer por sua von-
tade, causam um enorme sofrimento e interferem com a vida da pessoa.
As compulsões motoras podem ser algo como lavar as mãos, fechar
uma porta, verificar um interruptor, entre outras. Os atos mentais são
muitas vezes pensamentos para anular as obsessões, como repetir uma
palavra ou fazer uma contagem mental.
EPIDEMIOLOGIA
A prevalência de perturbação obsessivo-compulsiva é muito variável
entre países, o que denota diferentes abordagens metodológicas na sua
estimativa. Na maioria dos países, a prevalência anual é de 2-3%; da popu-
lação, enquanto que em Portugal é de 4,4%.
A doença afeta de igual forma ambos os sexos – embora a doença
se expresse de forma mais prevalente nos rapazes durante a infância e
adolescência, é mais prevalente nas mulheres em idade adulta.
A idade média de início é de 20 anos (18-29 anos), com uma distri-
buição bimodal de indecência (primeiro pico nos 10/12 anos e segundo
nos 20/30 anos). Raramente surge após os 30 anos.
Existem algumas formas de POC que estão associadas a eventos de
vida (p. ex., parto, maternidade, paternidade) – será normal nestas situa-
ções a doença aparecer mais tarde do que é habitual. Assim como todas
as situações de POC numa fase avançada de vida, deve ser objeto de um
cuidado diagnóstico diferencial.
154 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
O diagnóstico de perturbação obsessivo-compulsiva requer a presença
de obsessões e/ou de compulsões que durante um período considerável
de tempo (em regra mais do que uma hora por dia) provocam sofrimento
e interferem ou reduzem a qualidade da vida da pessoa nas suas diferentes
dimensões (pessoal, social, académica, ocupacional). Para estabelecer o
diagnóstico é importante a existência de prejuízo do funcionamento.
Os sintomas não podem ser explicados por outra doença psiquiátrica
ou não psiquiátrica.
No DSM-5 foram também definidos especificadores como:
• Insight – A doença tem níveis de insight muito variáveis (é muito
difícil fazer o diagnóstico diferencial de uma POC sem insight com
as perturbações psicóticas ou do espectro do autismo, por exemplo).
É um desafio diagnóstico;
• Tic-related – Quando o doente tem distúrbio ou história de distúr-
bio com tiques, este especificador reflete possíveis padrões dife-
rentes de condições coexistentes, curso da doença e transmissão
familiar.
Ciclo obsessões-compulsões
Tipicamente, as pessoas com perturbação obsessivo-compulsiva
encontram-se num ciclo de obsessões-compulsões que é gerador de
sofrimento e consumir de tempo. Tipicamente, a pessoa experiencia as
obsessões (pensamentos, imagens e impulsos intrusivos) e estas geram
uma ansiedade muito significativa que está associada ao medo, preo-
cupação e necessidade de fazer algo. A ansiedade sentida pelo doente
é muito intensa – é fundamental que se tenha noção da sua magnitude
esmagadora para compreender a patologia. Geram-se então depois as
compulsões – comportamentos que servem para reduzir a ansiedade.
Contudo, o alívio posterior é muito temporário e gera novas obsessões.
Relativamente ao tratamento, os antidepressivos atuam melhor
na redução da ansiedade e na intensidade e frequência das obsessões,
PERTURBAÇÃO OBSESSIVO-COMPULSIVA 155
*
Em algumas classificações poderemos ter a associação entre as categorias de agressão/violên-
cia e sexuais/religiosas, tornando-se apenas a categoria de pensamentos proibidos (passando
de cinco para quatro dimensões fundamentais).
156 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
• Ordem e simetria;
• Acumulação (a acumulação na perturbação obsessivo-compulsiva
deve ser distinguida da perturbação de acumulação pela sua apre-
sentação clínica).
A doença é altamente heterogénea, pelo que é possível existirem
apresentações que não partilham entre si um único sintoma.
Estão também descritas diferenças de género, com dimensões mais fre-
quentes no género feminino e outras mais frequentes no género masculino.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
No DSM-5, a perturbação obsessivo-compulsiva integra o grupo das
doenças obsessivo-compulsivas e doenças relacionadas, conjuntamente
com a doença dismórfica corporal, a perturbação de acumulação, a trico-
tilomania e a perturbação de escoriação.
No ICD-11, a síndrome de Tourette e a hipocondria também estão
incluídas neste grupo, uma vez que partilham características clínicas com
a perturbação obsessivo-compulsiva.
No seu conjunto, estas patologias apresentam um componente
obsessivo ou um componente compulsivo integrado na apresentação
clínica e com especificidades que as diferenciam entre si. Na prática
clínica encontramos um contínuo transdiagnóstico entre estas patologias
com potencial de dificultar o processo diagnóstico e terapêutico.
Um desafio diagnóstico, do ponto de vista diferencial, é o diagnós-
tico diferencial com a psicose, nomeadamente com a psicose delirante
crónica. Frequentemente, os pensamentos (quando há algum insight por
parte dos doentes) são-nos apresentados como quase-obsessivos e, como
tal, dificultam a sua distinção.
Da mesma forma, a fase inicial de alguns quadros de psicose esqui-
zofrénica também pode cursar com uma apresentação que se assemelha
à perturbação obsessivo-compulsiva, embora muitas vezes consigamos
identificar alguma não-plausibilidade/irracionalidade no tipo de pensa-
mentos obsessivos que são apresentados pelos doentes.
PERTURBAÇÃO OBSESSIVO-COMPULSIVA 157
Neurobiologia
A perturbação obsessivo-compulsiva está associada a uma desregula-
ção de circuitos que envolvem regiões corticais (nomeadamente o córtex
orbito-frontal, o córtex insular e o córtex cingulado anterior), os gânglios da
base (nomeadamente os núcleos caudado e putamên) e regiões talâmicas.
De uma forma muito simples, podemos afirmar que as regiões corti-
cais tendem a maximizar os resultados negativos de situações de potencial
risco. Ao maximizar essa probabilidade de risco e, subsequentemente,
ao falharem os mecanismos de controlo da resposta, gera-se uma rea-
ção excessiva para a situação que a provocou e, consequentemente,
estabelecem-se comportamentos compulsivos para limitar consequências
potenciais cuja probabilidade de ocorrência é extraordinariamente baixa.
Alguns estudos têm descrito duas fases para o funcionamento cerebral
na POC. Uma primeira fase dominada pela ansiedade e pela incerteza,
em que a pessoa faz coisas para reduzir a incerteza de uma ação ou a
ansiedade que essa ação lhe gera. E uma segunda fase, dominada pelos
comportamentos habituais.
TRATAMENTO
Os tratamentos de primeira linha para a POC incluem a psicoterapia
cognitivo-comportamental com exposição e prevenção de resposta e os
antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (SSRIs).
As hipóteses mais desenvolvidas implicam a terapia cognitivo-
-comportamental na redução das compulsões e na modulação dos cir-
cuitos cerebrais associados às compulsões e os SSRIs nos mecanismos de
geração de obsessões e do controlo das obsessões.
Nas situações ligeiras de doença, os tratamentos de primeira linha
podem ser utilizados em simultâneo ou alternadamente.
Vários estudos têm procurado sistematizar a eficácia dos diferentes
tratamentos. A maior parte dos ensaios com psicofármacos utilizaram a
clomipramina e a fluvoxamina. A escala Y-BOCS é utilizada como gold
standard da avaliação e monitorização da gravidade da doença, dado que
158 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
permite avaliar, entre outros aspetos, o tempo que o doente despende com
os sintomas da doença e o tempo que está sem sintomas.
Nos estudos publicados parece haver um efeito superior dos tra-
tamentos psicoterapêuticos face aos tratamentos farmacológicos na
redução média de sintomas, embora não existam estudos comparativos
robustos.
Psicoterapia
A psicoterapia indicada na POC é a psicoterapia cognitivo-
-comportamental de exposição e prevenção de resposta, em programas
de tratamento que têm uma duração-padrão típica de 12 a 20 sessões.
Este tipo de psicoterapia nem sempre está disponível e apresenta eleva-
dos custos, uma vez que existem poucos profissionais com experiência
em psicoterapia na perturbação obsessivo-compulsiva. Além disso, outras
psicoterapias têm vindo a ser experimentadas, ainda que sem resultados
tão consolidados como a psicoterapia cognitivo-comportamental de expo-
sição e prevenção de resposta.
A abordagem cognitivo-comportamental na POC recorre frequente-
mente a dois tipos de intervenção:
1. Exposição e prevenção de resposta: em que se trabalha a exposição
de forma controlada, repetida e prolongada aos estímulos que provocam
os sintomas, com objetivo de controlar o comportamento compulsivo
associado. Normalmente, inicia-se a exposição com os sintomas menos
angustiantes. A exposição pode acontecer em consultório ou no ambiente
do paciente (por exemplo, em casa).
2. Terapia cognitiva: tem como objetivo a identificação das crenças
desadaptativas que levam ao comportamento, de modo a desenvolver
esquemas alternativos. Existem vários esquemas e formas de aplicação des-
tes princípios da psicoterapia, que podem incluir a identificação daquilo
que está no ambiente e nas perceções do doente que gera ou agrava sinto-
mas, a análise das obsessões e dos pensamentos metacognitivos acerca das
obsessões e a gestão da ansiedade e do sofrimento associado às obsessões.
PERTURBAÇÃO OBSESSIVO-COMPULSIVA 159
Estratégias de potenciação
Os antipsicóticos são a estratégia de potenciação mais utilizada.
Risperidona, paliperdiona e aripiprazol em doses baixas são os anti-
psicóticos mais eficazes na potenciação. Por outro lado, fármacos como
olanzapina, clozapina e quetiapina têm sido associados ao desenvolvi-
mento de sintomas obsessivos em pessoas com psicose.
160 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Algoritmo de tratamento
O primeiro passo no tratamento da POC é o estabelecimento de
um diagnóstico adequado e a avaliação da gravidade da doença. Se
a doença for ligeira ou moderada, devemos considerar a psicoterapia
cognitivo-comportamental com exposição e prevenção de resposta
como tratamento de primeira linha (individual ou em grupo) ou, alter-
nativamente, o uso de antidepressivos SSRIs. A combinação da inter-
venção psicoterapêutica e farmacológica deve ser considerada sempre
que possível.
No caso de se verificar resposta insatisfatória com a psicoterapia, deve
considerar-se o início do tratamento com antidepressivo SSRI.
Na ausência de resposta satisfatória com o primeiro SSRI em dose
terapêutica máxima, deve considerar-se a troca por outro SSRI pelo
menos duas vezes. Tendo em conta a dose terapêutica, deve considerar-se
PERTURBAÇÃO OBSESSIVO-COMPULSIVA 161
PROGNÓSTICO
Até 40% dos doentes respondem aos tratamentos de primeira linha
(antidepressivos SSRI e/ou psicoterapia), embora esta resposta seja usual-
mente parcial. A doença torna-se crónica em cerca de 2/3 dos casos, sendo
a recaída muito comum.
O melhor preditor da resposta aos tratamentos é a melhoria precoce
(> 20% melhoria Y-BOCS às quatro semanas), estando associada a res-
posta terapêutica (> 35% melhoria Y-BOCS) às 12 semanas.
Têm sido descritos fatores de mau prognóstico que incluem a gra-
vidade da doença, a presença de obsessões de acumulação (obsessões
162 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Perspetiva futura
Apesar de se tratar de uma doença grave e potencialmente incapa-
citante, a perturbação obsessivo-compulsiva dispõe de tratamentos que
podem melhorar significativamente a qualidade de vida das pessoas que
vivem com a doença. É por isso fundamental aumentar a literacia acerca
da doença na população geral, garantir o diagnóstico adequado e provi-
denciar o tratamento atempado, de forma a prevenir a sua evolução para
formas de mais difícil tratamento.
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PERTURBAÇÃO OBSESSIVO-COMPULSIVA 163
PERSPETIVA HISTÓRICA
Areteu da Capadócia é reconhecido como o autor das primeiras des-
crições escritas referentes a melancolia e a mania, num conceito unifi-
cado de doença maníaco-depressiva. A combinação de depressão e mania
é, obviamente, a base do conceito de perturbação bipolar. Devemos pro-
vavelmente a formulação mais próxima da conceptualização atual a Jean-
-Pierre Falret, médico francês que, em 1854, proferiu uma palestra na
Académie Impériale de Médecine, com base em observações longitudi-
nais, desenvolvendo o conceito publicado anteriormente (1851) de “folie
circulaire” – episódios maníacos e melancólicos separados por intervalos
sem sintomas.Também em 1954, Jules Baillarger apresentou o conceito
de “folie à double forme” e acusou Falret de plágio. No entanto, o trabalho
de Falret é aceite como o pioneiro e mais próximo das nossas conceções
atuais. Além do diagnóstico, Falret enfatizou a importância da genética
na perturbação bipolar, algo que os investigadores ainda hoje procuram
esclarecer completamente. Mais tarde, Emil Kraepelin rompeu com a
teoria de Freud de que a sociedade e a supressão dos desejos desempenha-
vam um papel primordial na doença mental. Recorrendo ao conceito de
ciclotimia de Kahlbaum, Kraepelin categorizou e estudou o curso natural
168 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
EPIDEMIOLOGIA
A perturbação bipolar afeta aproximadamente 1% da população
(a estimativa é variável se considerarmos a existência de um espectro de
perturbação bipolar).
A idade de início segue uma distribuição trimodal: início precoce,
início intermédio e início tardio. Os pontos de corte estimados para a
idade de início são de 21 e 35 anos de idade.
A perturbação bipolar de início precoce é a mais prevalente. Tem um
pico de incidência entre os 16/17 anos e corresponde a 45% do total de
casos. Caracteriza-se por:
• tentativas de suicídio;
• Ciclos rápidos;
• Associação a abuso de substâncias;
• Associação a perturbação obsessivo-compulsiva;
• História familiar de perturbação bipolar.
ETIOLOGIA
No que diz respeito à componente hereditária, os estudos mostra-
ram que existem múltiplos genes de risco, afetando funções biológicas
diversas, tais como, para nomear algumas, a neurotransmissão, neuro-
trofismo, estabilidade das sinapses e imunidade/inflamação; adicional-
mente, ter história familiar de perturbação bipolar implica um risco
considerável.
Hereditariedade – O risco:
• 0,5-1,5% em relação a um não familiar;
• 5-10% em familiares de 1.º grau;
• 40-70% em gémeos monozigóticos.
Os fatores ambientais identificados, tal como os genéticos, são
múltiplos e parecem ser partilhados com outras patologias psiquiá-
tricas.
Identificando alguns dos mais importantes:
• Malnutrição na gestação;
• Baixo peso à nascença;
• Complicações no periparto;
• Consumo de substâncias ilícitas durante a gestação;
• Exposição a stress psicossocial;
• Gripe durante a gestação;
• Adversidade na infância;
• Trauma (ex., abuso sexual).
Curiosamente, a associação com doenças infeciosas parece ser impor-
tante, não só como uma componente da comorbilidade física destes
doentes, mas também como potencial fator de risco. Algumas infeções
170 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
PRÓDROMO
Alguns estudos indicam a existência de sintomas prodrómicos:
• Irritabilidade;
• Ansiedade;
• Labilidade do humor (“mudanças rápidas de humor”);
• Agitação;
• Agressividade;
• Perturbação do sono;
• Hiperatividade.
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
A perturbação bipolar é uma perturbação do humor crónica, cíclica,
evoluindo por crises. É caracterizada por episódios de mania, de hipo-
mania, de depressão e/ou episódios mistos. Entre os episódios, embora
muitos doentes logrem períodos prolongados de eutimia, não considera-
mos habitualmente que exista remissão da totalidade de sintomas psiquiá-
tricos. Podem persistir perturbações do sono, impulsividade, ansiedade,
alguma instabilidade afetiva e dificuldades cognitivas.
PERTURBAÇÃO BIPOLAR 171
Mania
Episódio maníaco – Quando pode existir?
• Perturbação bipolar tipo 1;
• Perturbação esquizoafetiva;
• Induzido por substâncias;
• Secundário a outras doenças (ex., eventos vasculares cerebrais, vas-
culites autoimunes, etc.).
São critérios de diagnóstico, segundo a 5.ª edição do Manual de Diag-
nóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-5):
Hipomania
São critérios de diagnóstico, segundo o DSM-5:
MANIA HIPOMANIA
DURAÇÃO > 1 semana > 4 dias
A maior parte do dia;
DISTRIBUIÇÃO DO EPISÓDIO
quase todos os dias
SINTOMAS PSICÓTICOS Pode ter Não
IMPACTO FUNCIONAL Sim Não
NECESSIDADE DE INTERNAMENTO Sim Não
PERIGO PARA O PRÓPRIO/TERCEIROS Sim Não
Depressão
São critérios de diagnóstico, segundo o DSM-5:
A. Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas, durante pelo menos duas
semanas. Pelo menos um dos sintomas é (1) humor deprimido ou (2)
perda de interesse ou prazer:
1. Humor deprimido
2. Interesse ou prazer acentuadamente diminuídos
3. Perda de peso significativa ou diminuição ou aumento do apetite
4. Insónia ou hipersónia
5. Agitação ou lentificação psicomotora
6. Fadiga ou diminuição de energia
7. Sentimentos de inutilidade ou culpa excessivos ou desadequados
(que podem ser delirantes)
8. Dificuldade de concentração ou indecisão
9. Pensamentos recorrentes de morte (não apenas medo de morrer),
ideação suicida recorrente ou tentativa de suicídio ou plano espe-
cífico para cometer suicídio
174 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
• Pressão do discurso;
• Taquipsiquismo ou fuga de ideias;
• Aumento da energia ou da atividade;
• Envolvimento excessivo em atividades prazerosas com alto poten-
cial de consequências nefastas;
• Diminuição da necessidade de dormir.
DIAGNÓSTICO
Episódio maníaco
No episódio maníaco, a colheita da história clínica e a realiza-
ção do exame psiquiátrico do estado mental são frequentemente um
desafio (pelo aumento da atividade, agitação, dificuldade em fixar a
atenção, taquipsiquismo, ideação delirante, alterações da perceção,
entre outros).
Existem algumas alterações comuns no exame do estado mental num
doente com síndrome maníaca:
• Aparência e comportamento – Inquietação, ativação, movimen-
tos amplos e rápidos, vestuário exuberante, colorido, desinibição,
contacto próximo;
• Atenção – Difícil de manter;
• Discurso – Taquifémico, hiperfonia, associações por consonância,
jogos de palavras;
• Humor e afetos – Em elação ou euforia, labilidade emocional;
• Conteúdo do pensamento – Ideofugitivo e, nos casos mais graves,
ideias delirantes;
• Insight e juízo crítico – Grau variável de juízo crítico (inexistente
nos casos graves), insight comprometido durante episódio.
Na avaliação da mania/hipomania, devemos prestar particular
atenção a:
• Ideação/risco de suicídio;
• Agressividade dirigida a terceiros ou a bens patrimoniais;
• Agitação psicomotora exuberante;
176 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Episódio depressivo
No episódio depressivo, podemos verificar:
• Distorções cognitivas – Visão pessimista de si, do futuro e de tudo
o que o rodeia (tríade cognitiva de Beck);
• Ruminações depressivas – Insegurança, medo, fracasso, ruína,
inutilidade, culpa, doença grave, desespero, morte;
• Alterações cognitivas – Dificuldades de concentração e de memória.
Podemos observar adicionalmente na consulta:
1. da autoestima
2. Sentimentos de inutilidade, culpa e desesperança
3. Ideias de morte/ideação suicida
4. da concentração e da atenção
5. Lentificação/agitação psicomotora
6. / do apetite
7. Insónia ou hipersónia
Na avaliação do episódio depressivo, devemos prestar particular
atenção a:
• Ideação/risco de suicídio;
PERTURBAÇÃO BIPOLAR 177
Desafios ao diagnóstico
Na perturbação bipolar, o primeiro episódio é:
• Depressivo, na maior parte dos casos: 54%;
• Maníaco ou hipomaníaco: 22%;
• Misto (coocorrência de sintomas de depressão e mania): 24%.
TRATAMENTO
Comecemos por discutir o tratamento da mania por linhas gerais até
chegar aos detalhes da terapêutica farmacológica; e de seguida discutire-
mos também o tratamento da depressão (bipolar).
Tratamento da mania
Orientações terapêuticas gerais
• Suspender os antidepressivos;
• Em doentes já medicados:
Avaliar adesão
Dosear lítio ou valproato ou carbamazepina
No caso dos antipsicóticos, otimizar a dose, se existir margem
para tal.
Principais fármacos (em monoterapia ou em combinação): lítio, anti-
convulsivantes, antipsicóticos de 2.ª e 3.ª geração.
Na mania aguda, a taxa de resposta (redução dos sintomas em > 50%)
do lítio ou valproato em combinação com aripiprazol, olanzapina, que-
tiapina ou risperidona é 20% superior face ao uso de lítio ou valproato
em monoterapia.
Tendo em conta a eficácia e a taxa de descontinuação do tratamento,
boas escolhas de primeira linha são:
• Lítio;
• Ácido valpróico;
• Aripiprazol;
• Olanzapina;
• Quetiapina.
Outros fatores a considerar:
• Historial de resposta a psicofármacos;
• Efeitos adversos e contraindicações;
• Comorbilidades;
• Interações medicamentosas;
• Adesão do doente ao tratamento;
• Custo e via de administração.
180 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Lítio
Iniciar com 400 mg, per os, em toma única ou dividida. A dose pode
ser ajustada com incrementos de 400 mg a cada 1-5 dias, de acordo com
a resposta clínica e o doseamento. O objetivo é atingir níveis séricos entre
0,8 e 1,2 mEq/L. Acima desta janela terapêutica, existe um risco elevado
de toxicidade.
Os níveis de lítio podem ser medidos 5-7 dias após o último ajuste
terapêutico, 12 horas após a última toma; e de preferência de manhã,
antes da toma seguinte.
Possíveis efeitos adversos agudos são a náusea, tremor, poliúria e sede,
diarreia e alterações cognitivas.
É importante vigiar a função renal, ionograma, função tiroideia e
paratormonas (PTH). É teratogénico.
Ácido valpróico
Geralmente iniciado com 500 mg por dia per os, em duas tomas, com
incrementos de dose de 250-500 mg a cada 1-3 dias, até ao máximo de
2500 mg/dia, de acordo com:
• Eficácia;
• Tolerabilidade;
• IMC.
A janela terapêutica situa-se entre 50-125 mcg/mL, acima da qual
existe elevado risco de toxicidade.
Os níveis séricos podem ser medidos 5-7 dias após o último ajuste,
12 horas após a última toma.
Preferível se episódio com características mistas, disforia ou ciclos
rápidos. É também teratogénico.
Outros psicofármacos
Aripiprazol: iniciar com 10-15 mg por dia, toma única de manhã.
Efeitos adversos comuns são a acatisia, cefaleias, insónia, náuseas, vómitos
e obstipação. Pouco sedativo.
PERTURBAÇÃO BIPOLAR 181
Tratamento da depressão
Tratamento da depressão bipolar – doentes SEM tratamento
antimaníaco em curso
1.ª linha: Quetiapina (300 mg slow release à noite, iniciar com 50 mg)
2.ª linha:
• Olanzapina + fluoxetina (5-15 mg + 20-40 mg);
• Quetiapina + estabilizador do humor (lítio ou ácido valpróico);
• Ácido valpróico;
• Lítio + anticonvulsivante (ácido valpróico ou lamotrigina) (lamo-
trigina: 100-200 mg/dia, em tomas separadas).
3.ª linha:
• Monoterapia com olanzapina, lítio ou lamotrigina;
• Monoterapia com carbamazepina (indutor CP450) ou cariprazina
(1,5-3 mg);
• Olanzapina + estabilizador do humor (lítio ou ácido valpróico);
• Lítio ou ácido valpróico + antidepressivo (SSRI ou bupropiom);
• Outras combinações de antipsicótico e antidepressivo.
Em doentes refratários: ECTs.
182 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
COMORBILIDADES
A função cognitiva na perturbação bipolar pode estar alterada, em
eutimia, bem como durante os episódios de humor.
Realizou-se uma meta-análise de 45 estudos observacionais (doentes
em eutimia: n=1423/controlos: n=1524) e foram observadas alterações
de:
• Atenção;
• Memória verbal;
• Funções executivas;
• Velocidade de processamento.
Estas alterações:
• Ocorrem na PB I ou II;
• São ligeiras a moderadas;
• Podem ter um início precoce;
• São persistentes;
• Permanecem estáveis.
A maioria dos doentes com perturbação bipolar tem pelo menos uma
perturbação psiquiátrica concomitante:
• Perturbações de ansiedade;
• Perturbação de uso de substâncias;
• Hiperatividade e défice de atenção;
• Perturbações do comportamento alimentar;
• Perturbação do controlo do impulso;
• Perturbação da personalidade;
• Perturbação de stress pós-traumático.
184 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
O suicídio
Cerca de 10-15% dos doentes morrem por suicídio, uma taxa de mor-
talidade significativamente superior à verificada na população geral, em
vários estudos.
Num estudo de base populacional sueco, nas mulheres a mortali-
dade por suicídio foi 22 vezes superior, e nos homens a mortalidade foi
15 vezes superior do que a taxa na população geral.
Noutro estudo de follow-up durante 40 anos, em 220 doentes, a taxa
de suicídio consumado foi 12 vezes maior do que a taxa na população
geral.
Existem indicadores clínicos/sociodemográficos de risco de tenta-
tiva de suicídio?
Sim, existem. Uma meta-análise de 23 estudos observacionais (2213
doentes com história de tentativa de suicídio e 5120 doentes sem ante-
cedentes de tentativa de suicídio) identificou os seguintes indicadores:
• Início precoce da doença;
• História de abuso físico ou sexual;
• Estado civil solteiro;
• Sintomas de depressão;
• Características mistas;
• Trajetória de agravamento progressivo dos episódios depressivos e
maníacos;
• Comorbilidade psiquiátrica: perturbações de ansiedade, abuso de
substâncias ou de álcool;
• História familiar de suicídio.
Outros fatores associados, a suicídio consumado, são a história pessoal
de tentativas de suicídio e sentimentos de desesperança.
Para terminar, importa ressalvar que o foco da abordagem e trata-
mento da perturbação bipolar deve ser adaptado às várias fases da
doença e às necessidades do doente. Convém, portanto, ser adotada
uma abordagem multidisciplinar e em equipa, sendo a psicoeducação e
a psicoterapia aspetos cruciais da terapêutica pelo papel importante que
186 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
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11. ESQUIZOFRENIA
HENRIQUE PRATA RIBEIRO
OBJETIVOS DA AULA
Nesta aula, que agora passa à forma escrita, foram abordados conceitos bási-
cos acerca da esquizofrenia. Estes conceitos pretendem que haja, por parte dos
médicos de Medicina Geral e Familiar, capacidade para conseguir identificar os
principais sintomas da doença, fazendo a imediata triagem dos doentes para
os cuidados especializados, iniciando medicação antipsicótica.
A esquizofrenia é uma doença caracterizada por sintomas positivos – delírios
e alucinações –, mas também negativos – avolia, alogia, embotamento afe-
tivo e anedonia –, devendo ser tratada com antipsicóticos. A referenciação por
parte da Medicina Geral e Familiar deve ocorrer de imediato para os cuidados
especializados de Psiquiatria e deve ser iniciada medicação com antipsicótico.
– Há alguém que lhe queira fazer mal? – Esta pergunta é relevante porque a
maior parte dos delírios são persecutórios;
– Tem a certeza absoluta do que está a dizer, ou é apenas uma sensação?
Como tomou conhecimento dessa informação? – Estas questões são impor-
tantes porque nos ajudam a saber se estamos ou não perante um delírio.
Quando se trata de um delírio, o doente tem a certeza absoluta do que está
a afirmar, não cede a argumentação lógica e muitas vezes infere essa certeza
de um facto que não permitiria que tal acontecesse;
– As pessoas costumam falar mal de si ou comentar as suas ações nas suas
costas? Como é que as consegue ouvir? Acontece ouvi-las quando está em
casa ou a caminhar na rua ou num supermercado? – A relevância desta
terceira pergunta é a de compreender se o doente apresenta também
alterações da sua perceção, sob a forma de alucinações acústico-verbais.
194 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
As mais frequentes são vozes relacionadas com o delírio que se encontrar pre-
sente, que, no caso de ser persecutório, se vê com frequência acompanhado
de vozes que insultam, ameaçam ou comentam atitudes do doente ao longo
do dia.
CONCEITOS CHAVE
É importante começar com alguns conceitos relevantes quando
falamos de esquizofrenia. Na área da Psiquiatria é essencial que se saiba
fazer um Exame do Estado Mental para comunicar entre pares, e apro-
veito para expor alguns conceitos, que são aqueles que mais frequente-
mente estão presentes na doença.
Como referido no início do capítulo, a esquizofrenia é uma doença
maioritariamente associada, de uma forma genérica, aos seus sintomas
positivos – delírios e alucinações. Contudo, existem também os sinto-
mas negativos, que fazem parte da doença, e que acabam por ser fatores
bastante importantes, até mesmo em questões relacionadas com o prog-
nóstico.
ESQUIZOFRENIA 195
CONCEITOS ÚTEIS
Delírio – Uma crença falsa, inabalável, que não cede à argumentação lógica
e que contrasta com o contexto cultural do doente.
Alucinação – Perceção sensorial que não tem uma fonte externa correspon-
dente, ou perceção sem objeto. Exceção feita às alucinações reflexas, que
ocorrem em resposta a estímulos externos reais. Diferenciam-se também das
ilusões, que são perceções distorcidas de objetos reais.
Sintomas positivos – delírios e alucinações – São os sintomas clássicos da
esquizofrenia e que com mais frequência servem para o seu diagnóstico dife-
rencial.
Sintomas negativos – Têm este nome por representaram uma perda de função.
Comummente referenciados como os “4 As”:
– Alogia – Discurso espontâneo diminuído;
– Abulia – Perda de motivação/vontade;
– Embotamento afetivo – Afetos são aquilo que é observável, na nossa inte-
ração com o exterior, acerca de como nos sentimos (incluindo emoções e
sentimentos);
– Anedonia – Perda de prazer em atividades que anteriormente o proporcio-
navam.
Estes sintomas são muito importantes, uma vez que podem condicionar de
forma marcada o prognóstico, mesmo que consigamos tratar os sintomas
positivos.
Desorganização de comportamento – São, no contexto da esquizofrenia,
manifestação de alterações formais do pensamento. É bastante relevante pes-
quisar causas não psiquiátricas para este tipo de quadros.
Sintomas cognitivos – Extensão e peso das alterações da memória e a atenção
na esquizofrenia.
Afrouxamento de associações – Diminuição da capacidade de associar deias
de forma lógica e adequada a uma regular interação ao longo do discurso –
doente faz associações, muitas vezes entre palavras que compõe o discurso,
não se mantendo no trajeto que se consideraria normal para uma resposta ao
tema perguntado.
Respostas ao lado – Resposta totalmente inadequada à pergunta, embora se
infira, pelas respostas subsequentes, que o doente compreendeu a pergunta
que se lhe colocou.
196 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
EPIDEMIOLOGIA
• Prevalência: sete por 1000 habitantes (estudo em Portugal aponta
para 0,57% da população, numa estimativa);
• Idade de início:
• Entre 15 e 45 anos
Incidência de sintomas psicóticos tipicamente entre os 20-24
anos, em homens
Incidência cerca de cinco anos mais tarde, em mulheres
• Género: mais frequente nos homens (1,4:1) e os sintomas têm
maior gravidade;
• Fertilidade: reduzida; amenorreia e disfunção sexual iatrogénica;
• Genética: há um peso grande da genética (risco de 80% de here-
ditariedade).
ESQUIZOFRENIA 197
Fatores ambientais
Pode haver maior ou menor predisposição genética para o desen-
volvimento da doença, mas os fatores ambientais são também relevan-
tes para esta se manifestar. Há vários exemplos de fatores ambientais
relevantes, sendo que estes são de forma mais regular: complicações
obstétricas e infeções pré-natais; malnutrição materna; nascimento no
inverno; idade paterna avançada; atrasos no desenvolvimento infantil
e o uso de substâncias (atenção para o peso da canábis: estima-se que,
atualmente, seja responsável por uma percentagem bastante relevante
de todos os casos de psicose, sendo um trigger para o aparecimento de
sintomas psicóticos).
Fatores sociais
Contribuem para o desenvolvimento da doença um baixo estrato
socioeconómico, nascer e crescer num ambiente urbano, pertencer a
uma minoria étnica, traumas e abusos na infância.
Neurobiologia
Há diminuição do volume cerebral – embora o diagnóstico se man-
tenha, à data, clínico. Existem ainda outras alterações estruturais que,
embora não sejam observáveis in vivo, podem ser também encontradas
(como a redução do peso cerebral).
Bioquímica
A dopamina e a via da recompensa – a via mesolímbica – estão
envolvidas nos processos dos sintomas positivos, e, portanto, os fármacos
antipsicóticos têm quase todos uma forma de atuação similar, através de
antagonismo D2. Estão igualmente disponíveis em Portugal dois fárma-
cos que atuam através de agonismo parcial nestes recetores: cariprazina
– ainda que com maior afinidade para os D3 – e aripiprazol. Isto quer
dizer que mesmo que toquem outros recetores, todos os antipsicóticos
disponíveis em Portugal no presente tocam os recetores D2. A maior parte
198 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
A ESQUIZOFRENIA
É uma doença complexa, com expressão fenotípica variável e uma
etiologia multifatorial, como atrás descrito, com uma importante conju-
gação de fatores genéticos com fatores ambientais. Estima-se que cerca
de 1% da população padeça desta doença à escala mundial. É bastante
limitante e caracterizada por sintomas positivos e negativos, também já
descritos atrás. No Oxford Textbook of Psychiatry, há a distinção entre
esquizofrenia aguda (predomínio de sintomas positivos) e esquizofrenia
crónica (predomínio de sintomas negativos). Uma vez que esse foi o livro
utilizado como base para a preparação desta aula, optou-se por seguir a
mesma divisão, ainda que no formato escrito.
Síndrome aguda
Predomínio de sintomas positivos (delírios e alucinações). Pela pre-
sença desses sintomas positivos, que têm maior dinamismo e que inter-
ferem mais na vida diária do doente, muitas vezes os sintomas negativos
não são tão facilmente detetáveis. Com frequência, nesta fase da doença
– aguda – estão presentes: delírios, alucinações, afrouxamento de associa-
ções, alogia, metonímias e paráfrases, pensamento vago, perda de capa-
cidade de abstração, dificuldades no trabalho/estudos, isolamento social,
respostas ao lado.
Apesar de não haver nada que seja patognomónico do diagnóstico
da doença, se observarmos um doente que apresente risos imotivados,
alterações da forma ou alienação do pensamento, salada de palavras ou
verbigeração, devemos suspeitar de imediato de que estamos na presença
de uma esquizofrenia.
200 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Síndrome crónica
Depois das fases agudas, a doença progride para uma predominân-
cia de sintomas negativos (com abulia, inatividade crónica, isolamento
social, comportamento social inadequado, casos de hoarding, etc.).
Nesta síndrome, os delírios e alucinações podem estar igualmente pre-
sentes, mas, quando isso acontece, tem impacto diferente nos doentes
– por apresentarem menor dinamismo. Por uma questão de sistemati-
zação da aprendizagem em relação à apresentação dos quadros, man-
tém-se neste livro a lista dos subtipos de esquizofrenia de acordo com
a Classificação Internacional de Doenças (CID) na sua 10.ª edição.
Na mais recente versão, a 11.ª, a abordagem destes critérios não é
baseada em subtipos, como forma de facilitar a procura de classificações
mais personalizadas a cada doente, com base no impacto funcional da
doença no seu dia-a-dia.
• Indiferenciada;
• Residual – Forma crónica da doença com sintomas negativos per-
sistentes.
menos de 25% progride para a psicose em dois a três anos. Este fenómeno
demonstra que não tem havido sucesso na abordagem preventiva e na
identificação dos doentes, já que o indicador não alcança grande êxito
na prática. Tem havido também pesquisa a nível da prevenção na área da
imagiologia e de biomarcadores, áreas nas quais tenho grande esperança,
mas das quais, até ver, ainda nada que possamos aplicar à prática de forma
consistente chegou.
A esquizofrenia tem outra questão importante relacionada com o
prognóstico – a duração da psicose não tratada. Quanto mais tempo
esta durar, pior é o prognóstico. Isto remete-nos para a importância de
uma intervenção precoce na doença e, portanto, para o efeito neuro-
tóxico de uma psicose ativa. É algo bastante deletério a longo prazo
para o funcionamento dos indivíduos. Da mesma forma, quanto mais
rápido chegarem aos cuidados de saúde e for instituído o necessário
tratamento, melhor o seu prognóstico. Ainda que estes doentes devam
sempre ser encaminhados para os cuidados especializados, está aqui um
dado que revela a importância de uma primeira abordagem eficaz nos
Cuidados de Saúde Primários (CSP).
Classificações
Em termos de classificação, há dois sistemas de classificação (DSM-5,
CID-11). Existem algumas diferenças entre estes, mas os mesmos sin-
tomas são tidos em conta. Ainda que a DSM-5 faça uma abordagem
descritiva dos sintomas e a CID-11 uma abordagem com um sistema
de pontuação para avaliar a gravidade dos mesmos – procurando uma
abordagem mais ligada ao funcionamento do indivíduo, como atrás refe-
rido –, os sintomas considerados são os mesmos que foram abordados ao
longo desta aula.
Depressão pós-esquizofrénica
• Surge após a fase aguda de esquizofrenia;
• Sintomas depressivos proeminentes durante pelo menos duas
semanas;
• Afeta cerca de 1/4 dos doentes.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
Quando fazemos um diagnóstico de esquizofrenia, a primeira coisa
que temos de excluir é uma síndrome confusional aguda, ou psicose de
causa não psiquiátrica. Existem também as psicoses induzidas por dro-
gas, perturbações do humor com características psicóticas, perturbações
delirantes persistentes e até perturbações de personalidade que devem
ser consideradas.
A exclusão de causa não psiquiátrica é algo obrigatório.
CURSO E PROGNÓSTICO
Relativamente à esquizofrenia, é estimado que:
• 20% dos doentes conseguem atingir remissão completa dos
sintomas;
• 35% mantêm sintomas com bom ajustamento social;
• 24% permanecem gravemente doentes.
206 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Suicídio e esquizofrenia
Existe um risco aumentado de suicídio, especialmente nas fases iniciais
da doença e, depois, na fase de alta hospitalar recente. Muitas vezes, na fase
inicial de tratamento (quando os doentes ganham algum insight), existe
alguma tendência para que os doentes possam ser vítimas deste comporta-
mento. Os doentes que têm sintomas afetivos, tentativas de suicídio prévias
e maior número de internamentos encontram-se em maior risco.
• Isolamento social;
• Subtipo hebefrénico;
• Personalidade prévia disfuncional.
TRATAMENTO
• O tratamento é essencialmente farmacológico nesta doença, o que
não quer dizer que não possa haver fases nas quais a psicoterapia é
um bom complemento;
• Os antipsicóticos devem ser utilizados na dose mínima eficaz;
• A titulação deve ser feita progressivamente. Deve-se ir monitori-
zando os doentes e atentando aos efeitos secundários;
• A adesão à terapêutica é muito importante – Devemos estar em
contacto com os doentes, saber que efeitos secundários tiveram
e, de preferência, tentar que tragam algum familiar para consulta
e criar uma relação não só com o doente, mas com alguém que,
caso haja alguma alteração ou agravamento do estado do mesmo,
nos possa contactar;
• No tratamento de fase aguda é indicado medicar durante um ano
ou mais. Não obstante, aquando do diagnóstico, prefere-se um trata-
mento de continuidade (os doentes vão ser medicados a longo prazo);
• Os antipsicóticos podem estar disponíveis em diferentes tipos de for-
mulação. Alguns estão disponíveis em formulação não apenas oral,
mas também injetável, podendo ser administrados com periodicidades
diferentes – dependendo das características da molécula em causa.
A opção da via de administração intramuscular tem a vantagem de
reduzir as falhas terapêuticas e permitir às equipas sinalizar doentes
que se encontrem em incumprimento – algo que é importante
quando falamos de uma doença na qual há sintomas de quebra de
contacto com a realidade e ausência de insight;
• Atualmente, temos um grupo de antipsicóticos com eficácia
comprovada e similar entre si. Existe um único antipsicótico que
demonstra um efeito superior: clozapina;
208 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Clozapina
• 30% dos doentes não respondem aos antipsicóticos ou são intole-
rantes aos seus efeitos secundários;
• A clozapina é o único fármaco com eficácia comprovada em
1/3 destes doentes, sendo que nenhum outro antipsicótico apre-
senta a mesma eficácia;
Quando não há resposta à clozapina, podemos utilizar a eletrocon-
vulsoterapia (ECT) como opção, ou temos também a hipótese de associar
outros fármacos – como o aripiprazol.
Comparação de antipsicóticos
Esta pequena comparação tem como base a metanálise publicada em
2019 por Maximilian Huhn. Serve apenas de referência para ajudar a uma
escolha informada de antipsicótico, mas não implica uma diferença esta-
tisticamente significativa em todos os parâmetros, entre todos os fármacos
– por exemplo, quanto à eficácia, já foi referido que apenas a clozapina se
destaca dos restantes, ainda que já existam recomendações a referir que,
ESQUIZOFRENIA 209
antes de se avançar para essa opção, deve ser tentado o tratamento com
dois antipsicóticos diferentes, mas que um desses deve ser a olanzapina.
Segue essa rápida comparação:
FASE AGUDA
É com frequência necessário internamento hospitalar. Nalguns casos,
quando o doente, por via da sua doença, apresente perigo iminente para
si, para outros ou para bens de relevante valor e rejeite o necessário tra-
tamento (simplificando o texto de lei, que deve ser consultado na Lei de
Saúde Mental), pode ser necessário acionar o seu internamento involun-
tário – uma modalidade de internamento na qual a pessoa é internada
e tratada contra a sua vontade e que é dependente de uma autorização,
solicitada pelo médico psiquiatra a um juiz, através de uma avaliação
clínico-psiquiátrica. É importante, nesta fase aguda, entrevistar o doente,
210 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
familiares e amigos, que muitas vezes nos conseguem dar uma melhor
noção dos bens jurídicos que vêm sendo postos em risco.
Também nesta fase devemos iniciar tratamento antipsicótico com
doses baixas a moderadas – dependendo do grau de agitação psicomotora.
Os exemplos de fármacos e doses que aqui listo têm como base a minha
prática clínica. Devem apenas servir como referência, uma vez que tanto
a escolha do fármaco quanto da dose a utilizar estão dependentes do
quadro clínico:
• Aripiprazol – 5 mg a 15 mg id;
• Cariprazina – 1,5 mg;
• Haloperidol – 0,5 mg a 5 mg;
• Olanzapina – 5 mg a 10 mg id;
• Paliperidona – 3 mg a 6 mg;
• Risperidona – 1 mg a 2 mg id;
A olanzapina encontra-se nesta lista porque é um fármaco essencial
para conter doentes agitados em fase aguda, mas deve ser evitada como
primeira escolha em tratamento prolongado devido ao seu impacto meta-
bólico. O que acontece com frequência é que se opta pela sua utilização
no contexto de urgência, mas se utiliza um fármaco com menos impacto
metabólico a longo prazo quando o doente se encontra em regime de
internamento. Tanto no internamento quanto na urgência, é igualmente
útil o recurso a benzodiazepinas nestes doentes – contribuindo para rever-
ter a sua agitação psicomotora.
Manutenção
• As taxas de recaída são muito elevadas quando os doentes abando-
nam a terapêutica – cerca de 65% no geral e cerca de 77% quando
os doentes abandonam a medicação ao fim de um ano de trata-
mento. Ainda que estudos recentes de um grupo de investigadores
do King’s College venham colocar em causa o tratamento antipsi-
cótico de forma continuada, esta ainda é a recomendação vigente;
• A taxa de recaída em doentes que cumpram a medicação é de 27%.
ESQUIZOFRENIA 211
REFERÊNCIAS
American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical
manual of mental disorders (5.ª ed.)
Correia, D. T. (2014). Manual de Psicopatologia (2.ª ed.). Lisboa: Lidel.
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Samara, M., Peter, N., Arndt, T., Bäckers, L., Rothe, P., Cipriani,
A., Davis, J., Salanti, G., & Leucht, S. (2020). Comparative Efficacy
and Tolerability of 32 Oral Antipsychotics for the Acute Treatment
of Adults With Multi-Episode Schizophrenia: A Systematic Review
212 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Aguda
• Geralmente rápida, com conotação mais grave;
• Evolução em poucos dias;
• Idade do doente fundamental para começar desde logo a colocar
hipóteses diagnósticas;
• Apresentação pouco frequente em doenças psiquiátricas (e quando
acontece é atípica);
• Pesquisar sinais/sintomas neurológicos e/ou sistémicos, muitas
vezes presentes;
• Exemplos: delirium, psicoses (“orgânicas” como as tóxicas), “crises
de pânico/ansiedade”, reações agudas ao stress, alterações do com-
portamento;
• Abordagem: enviar para o serviço de urgência (SU) ou consulta
urgente.
Subaguda
• Definições e gravidade variáveis;
• Impacto funcional geralmente leva à procura de ajuda;
• Evolução em semanas a poucos meses;
• Há que ter em conta idade, fatores de risco, doença prévia;
214 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Crónica
• Apresentação geralmente mais insidiosa, de gravidade variável e
com impacto funcional baixo ou não identificável;
• Evolução em meses/anos, estável (no sentido em que não evolui
por surtos);
• Frequente aquando do primeiro contacto com a Psiquiatria (sobre-
tudo na doença psiquiátrica grave);
• Exemplos: perturbações neurocognitivas, depressão/ansiedade, psi-
coses (quadros com pouco impacto comportamental e que ficam
por identificar mais precocemente);
• Implicações prognósticas (tempo de psicose não tratada, por exem-
plo);
• Abordagem: preferencialmente em consulta, a não ser que haja
agudização/alterações de comportamento.
DELIRIUM
Segundo a CID-10, o delirium é uma síndrome cerebral orgânica,
sem etiologia específica, caracterizada por perturbações na consciência,
atenção, pensamento, memória, comportamento psicomotor, emoções
e ciclo sono-vigia.
A duração é variável e a gravidade pode ser de ligeira a severa.
Segundo o DSM-5, tem como principal característica a perturbação
na atenção e vigília.
Desenvolve-se, geralmente, de forma aguda e tende a flutuar em
gravidade. Existe, pelo menos, perturbação de um outro domínio
cognitivo.
EXCLUSÃO DE CAUSA NÃO PSIQUIÁTRICA 215
Fatores de risco
O desenvolvimento de delirium depende do equilíbrio entre os fato-
res de risco e os fatores predisponentes. Quer isto dizer que para que
alguém sem fatores de risco significativos desenvolva uma síndrome confu-
sional aguda, será necessário um insulto (fator precipitante) considerável
216 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Abordagem
A abordagem preferencial deverá ser no SU, pela especialidade
de Medicina Interna; como já anteriormente referido, é fundamental
entrevistar familiar ou cuidador, com especial atenção à evolução do
quadro clínico (cronologia) e sintomas associados, antecedentes médico-
-cirúrgicos, medicação habitual do doente e ajustes recentes. No exame
objetivo, que deverá ser dirigido aos “sintomas”, além de parâmetros vitais
e exame físico geral, deverá ser realizado exame neurológico e avaliação
cognitiva sumários em todos os doentes.
MCDTs
Se concluirmos, pela história clínica, que a causa é uma alteração
terapêutica, poderá nem vir a ser necessária a realização de meios com-
plementares de diagnóstico (ou quase nenhum), variando de caso para
caso. No geral, na abordagem do delirium, deve solicitar-se avaliação
EXCLUSÃO DE CAUSA NÃO PSIQUIÁTRICA 217
CATATONIA
A catatonia é uma síndrome essencialmente psicomotora, caracteri-
zada por sinais/sintomas típicos, sendo necessários (em ambos os sistemas
de classificação – CID-10 e DSM-5) três dos seguintes: estupor, catalep-
sia, flexibilidade cérea, mutismo, negativismo, maneirismo, estereotipa,
agitação psicomotora, grimacing, ecolalia, ecopraxia.
Atendendo à associação entre a catatonia e a doença psiquiátrica ao
longo da História, ainda hoje existem alguns conceitos errados, o que traz
implicações diagnósticas e prognósticas. A catatonia não é voluntária,
e é mais frequente do que o que se pensa (existe uma falsa perceção de
218 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Abordagem
A catatonia deverá ser sempre abordada em contexto urgente, prefe-
rencialmente em urgência, com presença de Medicina Interna, Neurolo-
gia e Psiquiatria. A extensão da investigação depende das circunstâncias
clínicas apuradas na anamnese. A mortalidade aumenta quando se
“aguarda” consentimento, pelo que a ausência da capacidade para con-
sentir não deve impedir o avanço na investigação e implementação de
tratamento.
EXCLUSÃO DE CAUSA NÃO PSIQUIÁTRICA 219
Outros
• Urina – Pesquisa de corpos cetónicos (baixa ingesta); toxicologia,
se clinicamente justificável.
• ECG (sempre, se ponderada eletroconvulsivoterapia);
• Neuroimagem – No primeiro episódio de doença neuropsiquiá-
trica, em apresentações atípicas e exclusão de lesões estruturais do
SNC para eletroconvulsivoterapia.
• EEG – Exame de excelência na catatonia; mesmo nas catatonias
“psiquiátricas”, mostra frequentemente alterações e pode fazer
diagnóstico diferencial com estado mal epilético não convulsivo,
por exemplo.
PERTURBAÇÕES NEUROCOGNITIVAS
As perturbações neurocognitivas são aquelas que em consulta
suscitam mais frequentemente uma investigação.
Segundo o DSM-5 existem dois tipos de perturbação neurocognitiva,
a minor (antigo défice cognitivo ligeiro) e a major (demência).
A diferença entre elas reside, sobretudo, na gravidade.
Qualquer domínio cognitivo (linguagem, funcionamento execu-
tivo, aprendizagem e memória, função percetiva/motora, cognição
social, atenção complexa) pode ser afetado, em exclusivo ou mais do
que um.
Para o diagnóstico de perturbação neurocognitiva, são importantes a
preocupação manifestada pelo próprio, a informação de terceira pessoa
ou a deteção de declínio cognitivo por parte do médico assistente.
220 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Demência
O diagnóstico de demência pode ser feito geralmente a partir dos
40 anos, sendo a causa mais frequente a doença de Alzheimer. Além
desta, existem outras demências como a doença de corpos de Lewy,
demência frontotemporal, demência vascular, e como causas menos
frequentes, as demências associadas ao álcool (induzida pelo álcool,
s. Wernicke-Kosakoff), síndromes genéticas (d. Huntington), traumatis-
mos cranioencefálicos e hidrocefalia de pressão normal, doenças infec-
ciosas (Creutzfeldt-Jacob, HIV, sífilis), metabólica, entre outras.
Existem algumas causas potencialmente reversíveis/tratáveis de
demência, nomeadamente neurológicas (lesão ocupante do espaço,
hidrocefalia de pressão normal, hematomas intracranianos, doenças
inflamatórias/imunomediadas do SNC), metabólicas (insuficiências
renal e hepática), nutricionais (défice de B12, de ácido fólico ou tiamina),
infecciosas (neurossífilis, HIV), endócrinas (hipo/hipertiroidismo, hipo-
paratiroidismo, insuficiência adrenal, d. Cushing), sistémicas (doenças
EXCLUSÃO DE CAUSA NÃO PSIQUIÁTRICA 221
Abordagem
A abordagem das perturbações neurocognitivas inicia-se geralmente
em consulta de Medicina Geral e Familiar, com eventual referenciação
posterior a consultas de Neurologia, Psiquiatria Geriátrica ou Neuropsi-
quiatria. Como exceção, estão as demências rapidamente progressivas,
cuja avaliação urgente pode ser necessária.
MCDTs
• Avaliação analítica com hemograma, PCR, provas de função
hepática, função renal, ionograma alargado, homocisteína, perfil
lipídico, função tiroideia, níveis de vitamina B12 e ácido fólico,
tiamina, serologias de sífilis e VIH;
• Neuroimagem – TC-CE ou RMN-CE (a ressonância é preferível
em doentes mais jovens ou em declínio rápido, ou com apresen-
tação subcortical);
• Medicina nuclear – PET-FDG (por exemplo, suspeita de DFT,
doença inflamatória, etc.), DatScan (quando suspeita de parkinso-
nismo degenerativo);
• Biomarcadores – -amilóide, proteína Tau; neurofilamento;
• Outros: EEG, testes genéticos – Suspeita clínica.
PSICOSES
Os sinais/sintomas principais ou nucleares da psicose são as aluci-
nações (que podem ser em uma ou mais modalidades – acústico-verbal,
visuais, tácteis, somáticas/viscerais, odores, paladar), os delírios, e altera-
ções do pensamento e discurso. Existem também sinais/sintomas acompa-
nhantes, importantes no estabelecimento de diagnóstico, como sintomas
222 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Etiologias
Em termos etiológicos, a investigação dependerá da apresentação
e evolução do quadro psicótico em questão. As causas não são muito
diferentes daquelas que estão na base das síndromes confusionais agu-
das ou das catatonias, podendo também ter origem em doenças neu-
rodegenerativas e havendo maior frequência de etiologia tóxica (uso de
substâncias psicoativas). Apesar das diferenças entre a psicose primária
(maior frequência de alterações formais do pensamento, alucinações em
várias modalidades, sintomatologia persistente no tempo, apesar da des-
continuação do tóxico, menor crítica para o estado mórbido, presença
de sintomatologia, ainda que subtil, anterior ao início dos consumos) e a
psicose induzida por tóxicos, existe uma tendência ao sobrediagnóstico
da segunda, com consequente subdiagnóstico das psicoses primárias,
acompanhamento deficitário e irregular destes doentes, subtratamento da
psicose primária e respetivas implicações prognósticas. Mesmo que a psi-
cose seja induzida por tóxicos, a relação com posterior desenvolvimento
EXCLUSÃO DE CAUSA NÃO PSIQUIÁTRICA 223
de psicose primária está bem estabelecida (até 33%), com maior risco
de conversão para os canabinoides e pelo seu uso em idades cada vez
mais precoces. A comorbilidade é o mais frequente na prática clínica,
e na dúvida entre ambas, o doente deverá ser tratado como tendo uma
psicose primária.
Abordagem
Na abordagem dos quadros psicóticos, o médico de família tem um
papel fundamental, pelo conhecimento privilegiado das histórias pes-
soal e familiar do doente. O tipo de referenciação/encaminhamento do
doente depende do impacto global dos sintomas, independentemente
da etiologia; se existir risco para o próprio ou terceiros, deverá ser feita
referenciação ao SU. Devem ser abordados em consulta quando a ins-
talação é insidiosa, face à ausência de sinais/sintomas de alarme e ao
baixo impacto funcional. Se o quadro for agudo/subagudo, com sinais de
alarme, agitação psicomotora, impacto funcional importante, risco de
suicídio, psicose puerperal, deve ser encaminhado para o SU, se neces-
sário utilizando os mecanismos da Lei de Saúde Mental.
MCDTs
Quando o quadro psicótico é de instalação insidiosa-crónica, na
ausência de sinais/sintomas de alarme e com baixo impacto funcional,
a pesquisa de causas orgânicas é semelhante àquela realizada nas pertur-
bações neurocognitivas (mas adequada à idade), podendo ser realizada
em consulta. Quando a instalação é aguda/subaguda, existem sinais/
/sintomas de alarme, agitação psicomotora, sinais/sintomas catatónicos e
impacto funcional significativo, a pesquisa de causas secundárias deverá
ser semelhante àquela realizada em contexto de delirium, com adequa-
ção à idade. Em qualquer das situações, deverá ser solicitado eletrocar-
diograma para eventual introdução de antipsicótico.
224 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
DEPRESSÃO
Os critérios de depressão, segundo o DSM-5, consistem nos seguintes
(≥ 5, com ponto 1 ou 2 presente):
1. Humor depressivo > parte do dia, quase todos os dias.
2. interesse ou prazer em todas/quase todas as atividades,
> parte do dia, quase todos os dias.
3. peso (s/ dieta) ou peso; / apetite quase todos os dias.
4. Lentificação do pensamento e movimentos (objetivado por
outros, não só subjetivamente).
5. Fadiga ou perda de energia quase todos os dias.
6. Sentimentos de desesperança ou culpa inapropriada/excessiva
quase todos os dias.
7. capacidade de pensar ou concentrar, indecisão, quase todos
os dias.
8. Pensamentos recorrentes de morte, ideação suicida recorrente
c/ ou s/ plano, TS.
Abordagem
A abordagem preferencial da depressão é feita em consulta. Em casos
particulares, como a depressão na gravidez, pós-parto, quando existe risco
suicidário, auto/heterolesivo ou sintomas psicóticos ou catatónicos, a ava-
liação deverá ser realizada em urgência.
MCDTs
• Semelhante à pesquisa realizada nas perturbações neurocognitivas,
com a perspetiva de excluir doenças/fatores agravantes;
• Havendo lugar à introdução de fármacos antidepressivos – moni-
torização de segurança.
PERTURBAÇÕES DE ANSIEDADE
As perturbações de ansiedade mais relevantes na prática clínica são a
perturbação de ansiedade generalizada (PAG) e a perturbação de pânico.
Segundo o DSM, a PAG cursa com: A. Ansiedade e preocupações exces-
sivas sobre algumas atividades/eventos, a > parte dias por ≥ 6m; B. O indi-
víduo tem dificuldade em controlar as preocupações; C. As preocupações
estão associadas a ≥ 3 dos seguintes: sensação de nervosismo, não conse-
guir relaxar, cansaço fácil, dificuldades de concentração, irritabilidade,
tensão muscular, alterações do sono (insónia inicial ou intermédia, sono
não reparador). D. A ansiedade, preocupação ou sintomas físicos causam
disfunção significativa.
Na perturbação de pânico, segundo o DSM -5: A. Ataques de
pânico recorrentes e inesperados. Ataque de pânico – paroxismo
abrupto de medo ou desconforto intensos, com pico em minutos,
e durante o qual 4/+ dos seguintes sintomas ocorrem: palpitações ou
FC acelerada, sudorese, tremores, sensação de falta de ar, sensação
de asfixia/sufoco, dor ou desconforto torácico, náusea ou desconforto
abdominal, tonturas, sensação de desequilíbrio, lipotimia, calafrios/
/calores, parestesias, desrealização ou despersonalização, medo de
perda de controlo ou de “ficar louco”, medo de morrer; B. Pelo menos
226 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Etiologias
As causas secundárias ou comórbidas de perturbações de ansiedade
devem ser excluídas, sobretudo quando existem paroxismos. Entre as
etiologias mais relevantes estão as doenças cardiovasculares (cardiopatia
isquémica, tromboembolismo pulmonar, arritmias, etc.), mas também
endócrinas (disfunção tiroideia, feocromocitoma, d. Cushing, síndrome
carcinoide, disfunção suprarrenal, etc.), doenças neurológicas e outras
doenças sistémicas (asma, doenças infecciosas, etc.), para além do uso de
tóxicos (fármacos e/ou substâncias psicoativas).
Abordagem
A abordagem destas perturbações de ansiedade é preferencialmente
em consulta, sobretudo quando o quadro é muito sugestivo, idade jovem
sem fatores de risco, ausência de sinais de alarme no exame físico.
No caso de crise/ataque refratário ou que não melhora com ansiolítico,
presença de antecedentes médico-cirúrgicos relevantes para doença
súbita/grave, independentemente da idade e/ou na presença de sinais
de alarme no exame físico, o doente deverá ser avaliado em contexto
de urgência.
A terapêutica sintomática ansiolítica pode ser introduzida precoce-
mente, mesmo com investigação em curso.
EXCLUSÃO DE CAUSA NÃO PSIQUIÁTRICA 227
MCDTs
O pedido de MCDTs deverá ser adequado ao contexto. Se em con-
sulta, os MCDTs deverão ser dirigidos às causas mais frequentes e pro-
váveis (como ECG, função tiroideia, toxicologia). Quando em urgência,
os MCDTs deverão ser dirigidos às causas mais frequentes/prováveis face
aos sinais e sintomas mais exuberantes – ECG, marcadores de necrose
miocárdica, D-dímeros, função tiroideia, toxicologia, etc.
REFERÊNCIAS
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manual of mental disorders.
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Hosker, C., & Ward, D. (2017). Hypoactive delirium. BMJ (Clinical
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228 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
EPIDEMIOLOGIA
Em termos de experimentação, na população portuguesa, o álcool é
a substância com a qual há maior contacto. Depois segue-se a nicotina,
canábis (10 a 15% tem contacto), ecstasy, cocaína, LSD, anfetaminas e,
230 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
EVOLUÇÃO DO DIAGNÓSTICO
Utilizamos para a categorização nosológica das dependências (ou adi-
ções) o manual diagnóstico e estatístico – DSM (The Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders). Este manual concebe um
conjunto de critérios predeterminados extensível a todas as substâncias
psicoativas. O valor clínico do diagnóstico de dependência, que hoje
encontra significado descritivo no termo “adição”, tem passado por várias
transformações ao longo dos anos. Nas suas primeiras edições, (1952-
-1968), a “adição a drogas” estava enquadrada na categoria de “Pertur-
bação de personalidade”, o que reforçava a conceptualização da adição
enquanto desvio de personalidade. Só na década de 1980 se assume a
autonomia comportamental do diagnóstico com as entidades “Abuso” e
“Dependência”. De uma maneira geral, o abuso caracterizava um padrão
recorrente de problemas relacionados com os consumos, enquanto a
dependência descrevia a perda de controlo e as dimensões fisiológicas da
tolerância e síndrome de privação. A inexistência de validade científica
na distinção entre os diagnósticos de abuso e dependência conduziu à
fusão numa entidade única, graduada por gravidade clínica, com a deno-
minação de “Perturbações de adição e de uso de substâncias”. Definiu-se
um diagnóstico de perturbação de uso de substâncias, com quatro níveis
de gravidade clínica (sem diagnóstico, ligeiro, moderado, grave),
constituído por 11 critérios. A novidade nesta nova classificação foi a
introdução do conceito craving (impulso, ânsia para o consumo) como
critério clínico formal.
Uma vez que a adição envolve normalmente a negação ou ambiva-
lência face a problema (as pessoas fogem, tentam resolver o problema
sozinhas), o diagnóstico não deve ser feito em forma de inquérito, mas
sim em modo de conversação. Se o doente se sentir avaliado, vai retrair-se
e reforçar as suas defesas.
232 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
No estilo de vida
• Abandono de atividades do quotidiano;
• O uso representa perigo para a integridade física;
• Verifica-se uso continuado, apesar de problemas despoletados pela
adição (incapacidade de mudar face a consequências);
• Muito tempo despendido em atividades necessárias à obtenção;
• Fracasso no cumprimento de obrigações.
Fisiológicas
• Tolerância;
• Abstinência.
Comportamentais
• Consumo em quantidades superiores ou por um período mais
longo do que o pretendido;
• Perda de controlo (não é linear, em algumas situações podendo
existir a capacidade de controlo) – desejo ou esforços para diminuir
ou controlar;
• Craving – sintoma clínico de adição.
Consumo do álcool
O consumo do álcool tem uma ampla variação individual e contex-
tual. Na verdade, relacionamo-nos com o “objeto” álcool de várias formas
e é nessa relação que pode radicar o comportamento-problema. Ao longo
CONSUMO DE SUBSTÂNCIAS 233
Risco moderado
3-4 bebidas para homem
Uso ocasional 2-3 bebidas para mulher Perturbação do uso
Pressão social (Benefícios?*) Substâncias
Tolerância
Risco alto
> 4 bebidas para homem
> 3 bebidas para mulher.
Uso regular Adição
Regras Binge-drinking
Mimetiza adulto ≥ 5 bebidas para homem
pares ≥ 4 bebidas para mulher
1.ª alcoolização (em menos de 2h)
Aglutina grupo (Vulgo pre-drinking)
*
Consumo compulsivo num curto período (normalmente duas horas)
CONSUMO DE SUBSTÂNCIAS 235
ENTREVISTA CLÍNICA
• Avaliar o valor percebido da substância – qual a função que a
substância ocupa no funcionamento da pessoa;
• Perceber que efeitos procura o doente (embriaguez, lidar com
depressão, ansiedade);
• Pedir que descreva alguns dos efeitos “positivos” da substância; e
levar a pessoa a pensar nas consequências negativas, mostrando que
não a vamos condenar;
• Perguntar diretamente: “Quando para de consumir por uns dias,
a sua condição melhora ou piora?”, “Quando não bebe por uns
meses, o que o ajudou a manter-se abstinente?”;
CONSUMO DE SUBSTÂNCIAS 237
MENSAGENS-CHAVE
Para concluir, gostaria finalmente de expor aqueles que consideramos
os pontos essenciais quando se fala de adição, ou adições, e que vale a
pena ressalvar:
• É, fundamentalmente, um problema que se relaciona com o com-
portamento compulsivo – A adição é definida pela incapacidade
de controlar o comportamento;
• O comportamento compulsivo ativa-se fora da consciência – Exis-
tem fatores (estímulos condicionados) que ativam os cravings;
• Componente hereditário explica até 50% dos fenómenos, com
padrão de herança bastante complexo;
• Comorbilidade psiquiátrica é a regra – Uma adição muitas vezes
instala-se numa doença psiquiátrica já existente (pode até mascarar
o quadro psiquiátrico);
• Perturbação crónica recidivante – Necessidade de vigilância a
longo prazo;
240 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
REFERÊNCIAS
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for 195 countries and territories, 1990-2016: a systematic analysis
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line no. 115). Obtido de: https://www.nice.org.uk/guidance/cg115
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Giovino, G. A., West, R., Hall, W., Griffiths, P., Ali, R., Gowing, L.,
Marsden, J., Ferrari, A. J., Grebely, J., Farrell, M., & Degenhardt, L.
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status report. Addiction (Abingdon, England), 113(10), 1905-1926.
https://doi.org/10.1111/add.14234
14. PSIQUIATRIA DE LIGAÇÃO
LUCAS MANARTE
HISTÓRIA
Vários fatores contribuíram para o surgimento da Psiquiatria de Liga-
ção, também conhecida como “Liaison Psychiatry”. O seu desenvolvi-
mento centra-se sobretudo no século xx, mas nos últimos 30 anos teve um
grande crescimento. Olhando um pouco para trás no tempo e referindo o
caso português, é relevante mencionar que a história da Psiquiatria portu-
guesa ficou marcada indelevelmente pela fundação do primeiro hospital
psiquiátrico, em 1848, o Hospital Miguel Bombarda. Neste, os doen-
tes psiquiátricos viram a sua mortalidade reduzir-se significativamente,
sobretudo graças à melhoria das condições de higiene e de transmissão
da tuberculose, então uma importante causa de morte.
Depois de muitos anos sem meios eficazes e seguros para conter o
comportamento dos doentes mais agitados, em particular os que sofriam
de psicose (quer sofressem de esquizofrenia, quer de doença bipolar), a
meio do século xx, em 1953, surge a cloropromazina e inicia-se um longo
desenvolvimento da chamada Psiquiatria “biológica”. Foi Henri Laborit,
cirurgião francês, quem trouxe a cloropromazina da anestesia cirúrgica,
no pós-Segunda Guerra Mundial. Contudo, o uso deste e de outros anti-
psicóticos arrastou consigo efeitos secundários (como as hepatites tóxicas,
pneumonias de aspiração a sedação excessiva e, até, arritmias e enfartes
agudos do miocárdio) que fizeram os doentes psiquiátricos necessitar de
cuidados médicos gerais.
É importante perceber que, nesta época, se por um lado os neuro-
logistas se dedicavam cada vez mais às causas orgânicas das doenças e
davam, portanto, menos atenção ao tratamento e estudo do comporta-
mento humano, por outro era crescente o movimento psicanalítico e a
242 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
INTRODUÇÃO
• A Psiquiatria de Ligação é uma especialidade de contexto – Não é
especializada em nenhuma patologia;
• Todos os diagnósticos e todos os doentes podem passar pela Psi-
quiatria de Ligação;
• Não se define pelo tipo de patologia;
• Inclui a adaptação à doença crónica grave (DPOC grave; ICC;
diabetes; doenças muito incapacitantes, como fibrose quística ou
doenças desmielinizantes, amputações, etc.);
• Ao mesmo tempo, qualquer doente psiquiátrico pode ter uma
pneumonia, EAM ou outra doença que necessite de cuidados
hospitalares – e continuam a necessitar de acompanhamento
enquanto internados por essa patologia não psiquiátrica.
PSIQUIATRIA DE LIGAÇÃO 243
NO HOSPITAL GERAL
Como já comentado, a Psiquiatria de Ligação é a “embaixadora” da
Psiquiatria junto das outras especialidades – os psiquiatras de Ligação
são quase sempre o único psiquiatra que os colegas conhecem. São os
que vêm “resolver problemas”: para tal, é necessário estar disponível, ser
prático, assertivo e atencioso.
O psiquiatra de Ligação pode e deve ser fonte de informação psiquiá-
trica para todos os outros profissionais: médicos, mas não só. Isto porque
pode haver outros médicos com ideias acerca do que deve ser o trata-
mento psiquiátrico que nem sempre coincidem com as da psiquiatria.
Numa primeira avaliação, é fundamental que o doente saiba e
aceite que vai ser observado por um psiquiatra, devendo esses médicos
identificar-se como tal.
Devemos, inicialmente, recolher informação prévia acerca do doente.
De seguida, deve-se consultar a equipa médica, trocar ideias e avaliar
as necessidades de quem pede a observação.
É fundamental incluir a equipa de enfermagem e perceber quais as
principais preocupações quanto ao doente em concreto.
Ansiedade
A ansiedade pode, muitas vezes, ser vista como apropriada à situa-
ção clínica geral, e nem sempre todos os doentes têm critérios para uma
perturbação. No entanto, isto não significa que a ansiedade que o doente
sente não possa interferir com procedimentos médicos e/ou com os tra-
tamentos.
É fundamental estarmos atentos às diversas causas: resposta de adap-
tação à doença, ausência de substâncias consumidas em ambulatório
(benzodiazepinas, tabaco, álcool e outras), expressão do humor depres-
sivo.
Pesquisar causas não psiquiátricas, como: iatrogenia, endócrinas, car-
díacas, pulmonares (hipoxia), intoxicação com substâncias.
Depressão
Uma das causas mais frequentes de pedido de observação. É importante
não confundir com delirium hipoativo.
Pode ser uma resposta à patologia não psiquiátrica, sendo comum,
e pode ser apropriada. É muito frequente nos doentes com AVC (sobre-
tudo quando o doente começa a melhorar e a ter consciência da sua
situação).
Devemos atentar nalgumas causas não psiquiátricas: corticoides,
endócrinas, doença cardíaca.
É importante deixar o doente descrever subjetivamente o seu humor:
a entrevista pode ser terapêutica.
É essencial explorar a sintomatologia cognitiva da depressão. Seria
importante, se possível, fazer uma comparação com o humor anterior à
doença atual.
PSIQUIATRIA DE LIGAÇÃO 245
Psicose
Motivo menos frequente de pedidos de observação na Psiquiatria de
Ligação, mas mais difícil de avaliar por outras especialidades.
Há muitos tipos diferentes de “psicose”: pode ser um doente com
esquizofrenia que é internado por outro motivo (p. ex., neoplasia da
mama...); pode ser uma resposta ao contexto hospitalar (o doente com
vulnerabilidade individual que reage de forma paranoide e que se sente
perseguido no internamento); pode ser no contexto de resposta a procedi-
mentos muito invasivos; pode resultar do esvaziamento das vesículas pré-
-sinápticas de dopamina após trauma cranioencefálico ou neurocirurgia;
ou pode ainda ser uma reação adversa como a corticoides ou levodopa
(alucinações vs. pseudoalucinações).
Não devemos confundir com síndrome confusional agudo hiperativo.
Devemos fazer sempre uma história clínica em pormenor: verificar data
de início, relacionar com procedimentos e medicação, avaliar status prévio
ao contacto com o serviço de saúde, verificar se há flutuações temporais.
O tratamento normalmente exige medicação e deverá, em geral, ser
reavaliado em 15 dias a um mês, no máximo.
Suicídio
É um motivo de pedido que mais ansiedade gera nos médicos das
outras especialidades. No entanto, devemos ter em mente que não há
nenhuma forma absoluta de prever o comportamento suicida de um ser
humano. Pode-se, sim, avaliar o risco geral e, com isso, tomar decisão
quanto ao procedimento a adotar.
Há que distinguir entre comportamentos autolesivos (caráter de regu-
lação de emoções), vontade em desaparecer e vontade de morrer – têm
riscos diferentes. Os manipuladores levantam desafios à decisão clínica,
pois se, por um lado, se deve reconhecer o papel manipulador, por outro,
o risco suicidário não deve ser negligenciado.
Há que avaliar o risco com base no conhecimento atual (através de
fatores de risco: idade 15-25 ou mais de 65; sexo masculino; antecedentes
246 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Delirium
É um motivo muito frequente de pedido de apoio. Existe ainda uma
falta de treino das equipas médicas neste diagnóstico e tratamento.
Nunca se deve esquecer de avaliar e verificar as causas não psiquiátricas.
Não devemos esquecer que a simples saída de casa e permanência
numa enfermaria hospitalar pode ser motivo de síndrome confusional em
pessoas com pouca reserva cognitiva – não se deve deixar de falar com o
doente e manter o contacto, pois reduz os níveis de ansiedade/agitação.
Evitar benzodiazepinas e também doses sedativas de antipsicóticos:
será melhor fracionar em pequenas doses. Há que ter paciência com o
início da melhoria e saber tranquilizar as equipas médicas que querem
respostas imediatas.
Nunca subestimar as medidas “higiénicas”: luz natural, calendários,
relógios, pessoas familiares próximas.
Pode ser necessária a contenção física, que, apesar de mais aparatosa,
tem menos efeitos orgânicos sistémicos.
CONSENTIMENTO
A Lei de Saúde Mental não se aplica a outras áreas da Medicina.
Este é um tema de gestão complexa, com dimensões éticas, sociais e
legais que geram dilemas.
A situação mais frequente na prática clínica é o doente que recusa
um procedimento invasivo ou um tratamento demorado no tempo com
efeitos secundários. O simples abandono do doente à sua sorte é contrain-
tuitivo para a vocação da profissão médica.
PSIQUIATRIA DE LIGAÇÃO 247
SINTOMAS INEXPLICÁVEIS
É um situação muito frequente na Psiquiatria de Ligação, sendo
motivo de perplexidade nos profissionais de saúde e abala a crença na
ciência médica.
Nunca devemos saltar passos no diagnóstico de um caso concreto,
mesmo que já tenham sido dados anteriormente. Tal implica o conheci-
mento do conceito de conversão e das teorias do inconsciente.
A Psiquiatria de Ligação aparece como a área final destes quadros – os
doentes podem sentir-se “ofendidos”, ou sentir que as suas queixas foram
desvalorizadas por estarem “em Psiquiatria”. Nestas situações, é impor-
tante trabalhar a relação médico-doente e os significados da doença.
A ausência de causa não psiquiátrica não tem de implicar a alta da
consulta respetiva: deve-se trabalhar em equipa com os médicos que
referenciam.
É importante envolver a família e conhecer a experiência de médicos
e doentes noutras partes do mundo.
248 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
HIPOCONDRIA
É muito frequente e exigente. Trata-se da preocupação com a exis-
tência de uma doença letal ou grave que permanece, apesar de tudo;
e relaciona-se com ruminações e pessimismo.
É importante reconhecer os aspetos da personalidade e do tempera-
mento envolvidos.
Exige trabalhar o significado da doença e avaliar possíveis “ganhos
secundários”.
Nunca se deve subestimar a iatrogenia de exames complementares.
Há que recolher informação acerca do percurso do doente e formar uma
visão global: normalmente, o doente já passou por muitos colegas e está
sempre pronto para “mais um exame”. Assim, trabalhar em articulação
entre colegas permite poupar tempo e meios.
Tratamento: reconhecer as necessidades subjetivas e identificar os
mecanismos de defesa do doente e/ou terapia cognitivo-comportamental.
Pode usar-se medicação. Pode haver codiagnóstico com depressão, ansie-
dade ou POC.
ASPETOS PRÁTICOS
De seguida exponho algumas linhas de orientação para o ajuste de
medicação a diferentes quadros e patologias.
INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA
Grupo Recomendações
Imipramina com aumento gradual da dose, ou paroxetina
Antidepressivos
e citalopram, cujas doses devem subir muito gradualmente.
CONCLUSÕES
• A Psiquiatria de Ligação, em alguns hospitais, foi o início do surgi-
mento do Serviço de Psiquiatria;
• Será a subespecialidade da Psiquiatria com a qual a generalidade
dos médicos irá contactar mais;
• Os doentes são comuns: as pessoas circulam entre cuidados de
saúde, não há doentes “puros”. Os doentes com esquizofrenia tam-
bém morrem de enfarte agudo do miocárdio, por exemplo;
• A saúde mental é fundamental para a melhoria da restante saúde:
não há saúde sem saúde mental;
• As equipas médicas também precisam de trabalhar questões na sua
relação com a doença e com o doente, através da Psiquiatria de
Ligação;
• A Psiquiatria também precisa de uma Medicina de Ligação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
David D., Fleminger S., Kopelman M., Lovestone S. & Mellers J. (2012).
Lishman's Organic Psychiatry: A Textbook of Neuropsychiatry (4.ª ed.).
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Harrison , P., Cowen , P., Burns, T., & Fazel, M. (2017). Shorter Oxford
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Schatzberg A., & DeBattista C. (2019). Schatzberg's Manual of Clinical
Psychopharmacology (9.ª ed.). Amer Psychiatric Pub Inc.
Semple D., & Smyth R. (2013). Oxford Handbook of Psychiatry
(3.ª ed.). Oxford: Oxford Medical Handbooks.
15. PERTURBAÇÕES
DE PERSONALIDADE
CÁTIA MOREIRA
INTRODUÇÃO – A PERSONALIDADE
A Personalidade define-se pelo conjunto de características indivi-
duais e relativamente estáveis ao longo do tempo (traços de personali-
dade) que determinam padrões de perceção, de relação e de pensamento
acerca do próprio e do seu meio envolvente e que, naturalmente, se expri-
mem numa grande variedade de contextos sociais e pessoais.
• Por que razão a personalidade é tão importante nas doenças mentais?
Por um lado, a personalidade pode ser um fator patoplástico de uma
doença, ou seja, pode influenciar a expressão clínica, a evolução e a
resposta ao tratamento de uma doença psiquiátrica. Por outro, a perso-
nalidade pode representar um fator de vulnerabilidade para o desenvol-
vimento de determinadas patologias.
• Perturbações da personalidade – A partir de quando se classificam?
Classificam-se quando temos traços de personalidade que são infle-
xíveis e desadaptativos e, por isso mesmo, causam sofrimento e impacto
funcional bastante significativo.
PERTURBAÇÕES DA PERSONALIDADE
As perturbações da personalidade (PP) caracterizam-se por um
padrão de comportamento e experiência interna:
• Pouco flexível;
• Persistente e estável ao longo do tempo, tendencialmente com o
início na infância tardia, adolescência ou idade jovem adulta;
• Que se desvia marcadamente daquilo que são as expectativas da
sua cultura;
254 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
ESTADO MENTAL
O diagnóstico de perturbações da personalidade é um desafio na prática
clínica, tendo em conta que abrange um grupo muito heterogéneo de sin-
tomas. Esta heterogeneidade levanta questões diagnósticas, pelo que nem
a CID-10, nem a CID-11, nem o DSM-5 têm concordância nas mesmas.
De facto, há algumas perturbações de personalidade que só existem no
DSM-5 e não na CID-10 (perturbação narcísica, por exemplo). Por outro
lado, existem algumas variantes, nomeadamente da perturbação da persona-
lidade esquizotípica, que a CID-10 já não considera como uma perturbação
de personalidade, mas sim como fazendo parte do espectro da esquizofrenia.
A divisão por clusters só acontece no DSM-5. Os novos manuais
provavelmente já virão com outro tipo de classificações, isto porque o
PERTURBAÇÕES DE PERSONALIDADE 255
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O diagnóstico diferencial das perturbações da personalidade é bas-
tante amplo, incluindo-se não só nas perturbações não-psiquiátricas,
como em outras doenças psiquiátricas.
• Perturbações não-psiquiátricas – Estas podem ocorrer frequen-
temente porque existem doenças que, de uma forma insidiosa, se
apresentam com sintomas de alterações do comportamento passí-
veis de mimetizar uma perturbação da personalidade. No entanto,
a grande diferença prende-se com o facto de nas perturbações médicas
(ou não-psiquiátricas) estas alterações surgirem de forma concomi-
tante (ou pouco antes) do aparecimento dos sintomas físicos/primei-
ros sinais/alterações analíticas. Os sintomas regridem, também, com
o tratamento da doença não psiquiátrica de base.
• Iatrogenia – Os medicamentos, tanto em mono como em polite-
rapia, podem causar efeitos secundários, entre eles as alterações do
comportamento, do humor ou do pensamento. Quando tomados
de uma forma crónica, esses efeitos podem mimetizar uma pertur-
bação de personalidade. No entanto, no caso da iatrogenia, os ditos
efeitos cessam aquando da interrupção farmacológica;
256 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
TRATAMENTO
Não existe uma evidência robusta sobre qual é o tratamento mais
adequado nas perturbações da personalidade. Por um lado, o número de
estudos existentes é escasso e de fraca qualidade, havendo um número
limitado de estudos de follow-up a longo prazo do tratamento. Por
outro, quando estes estudos existem, a maioria foca-se na perturbação
de personalidade borderline (e, em menor medida, na perturbação de
personalidade antissocial). Além disso, existe também uma elevada hete-
rogeneidade da população com perturbações de personalidade.
Não obstante, as intervenções psicoterapêuticas e sociais devem consti-
tuir a base do tratamento, devendo reservar-se o tratamento farmacológico
para situações sintomáticas agudas (com interrupção do mesmo após a reso-
lução de sintomas) e para o tratamento das comorbilidades psiquiátricas.
PERTURBAÇÕES DE PERSONALIDADE 257
PROGNÓSTICO
O prognóstico depende da gravidade dos sintomas e da presença (ou
não) de doença mental associada. Estudos demonstram que existe uma
morbilidade e mortalidade mais elevadas, com uma redução na espe-
rança média de vida de 20 anos e uma maior incidência de suicídio.
Além disso, é notório um maior risco de mortalidade por doenças não
psiquiátricas (cardiovascular e respiratórias), parcialmente explicado por:
elevadas taxas de consumo de tabaco, álcool e substâncias ilícitas; e a pre-
sença de dificuldades relacionais, com impacto na relação médico-doente
e, consequentemente, na redução da qualidade do acompanhamento.
A comorbilidade psiquiátrica (incluindo o diagnóstico de duas ou
mais perturbações de personalidade em simultâneo) está particularmente
associada com um prognóstico negativo.
No entanto, e ao contrário do que se assumia inicialmente, as per-
turbações de personalidade não são completamente estáveis ao longo da
vida, podendo verificar-se, ao longo da evolução da doença, um agrava-
mento, mas também uma melhoria ou mesmo remissão dos sintomas.
Realça-se que as intervenções psicoterapêuticas existem, precisamente,
para tentar alterar estes padrões classicamente considerados inflexíveis.
Tratamento
• Psicoterapêutico – Terapia cognitivo-comportamental (a única
com alguma evidência de eficácia, baseada em estudos de caso);
terapia focada na mentalização; psicanálise; terapia de grupo (deve
ser evitada, os doentes não colaboram);
• Farmacológico – A evidência não é suficiente para recomendar
algum tipo de tratamento farmacológico na perturbação de per-
sonalidade paranoide, exceto em situações sintomáticas agudas,
durante o menor tempo de utilização possível.
Diagnóstico diferencial
• Perturbação do espectro do autismo – Dificuldade na interação
social e restrição de interesses. No entanto, ao contrário da PP
esquizoide, estes apresentam, também, alterações da linguagem
e da psicomotricidade. Da mesma forma, normalmente, são diag-
nosticadas no início da infância, enquanto a perturbação de perso-
nalidade tem início na adolescência/idade adulta;
• Esquizofrenia – Afetos mais restritos, atividades solitárias. No
entanto, numa perturbação de personalidade a sintomatologia psi-
cótica não é frequente (apenas perante eventos de maior stress).
Na esquizofrenia, os sintomas negativos tendem a agravar progres-
sivamente e representam um corte claro perante o funcionamento
pré-mórbido;
• Fobia social – Interação social evitada. Contudo, na fobia, esta é
motivada por ansiedade extrema, sendo que a pessoa sofre com isso.
260 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Tratamento
Não existem estudos de qualidade sobre o tratamento da perturbação
de personalidade esquizoide, não sendo possível fazer recomendações
baseadas na evidência. Aplicam-se os princípios gerais do tratamento de
uma perturbação de personalidade.
Diagnóstico diferencial
• Esquizofrenia – Pela presença de ideias de autorreferência, pensa-
mento mágico e bizarrias do comportamento e discurso.
No entanto, a perturbação de personalidade é relativamente estável
e persistente ao longo da vida, não se verificando um corte claro
do funcionamento, como é comum na esquizofrenia. Os sintomas
psicóticos, a existirem, surgem no contexto de reação aguda ao
stress, com uma duração breve. Outra característica distinta é a
ausência de sintomatologia negativa franca, que condicione declí-
nio progressivo;
• Perturbação de personalidade paranoide;
• Perturbação de personalidade esquizoide e perturbação de perso-
nalidade evitante;
• Perturbação de personalidade borderline.
Tratamento
• Psicoterapêutico – Não existe psicoterapia com evidência compro-
vadamente superior às restantes alternativas;
• Farmacológico – A evidência atual não permite recomendar a uti-
lização de psicofármacos no seu tratamento.
Não obstante, a risperidona e a olanzapina podem ser usadas e têm
alguma evidência (ainda que limitada).
Antidepressivos: todos os estudos com antidepressivos utilizaram
amostras de doentes com perturbação de personalidade esquizotí-
pica comórbida com perturbação obsessivo-compulsiva ou pertur-
bação de personalidade borderline, não permitindo tirar conclusões
em relação ao seu benefício no tratamento desta patologia.
Diagnóstico diferencial
Não existem perturbações psiquiátricas que façam diagnóstico dife-
rencial com esta perturbação de personalidade.
• Perturbação de personalidade narcísica;
• Perturbação de personalidade histriónica;
• Perturbação de personalidade borderline.
PERTURBAÇÕES DE PERSONALIDADE 263
Tratamento
• Psicoterapêutico – Focado na prevenção de novos delitos; com
possível benefício de intervenções cognitivo-comportamentais,
especialmente em contexto de grupo e em doentes com uso de
substâncias comórbido. A intervenção precoce poderá ser benéfica;
• Farmacológico – A evidência científica atual não é suficiente para
recomendar qualquer tipo de tratamento farmacológico.
No caso de perturbações psiquiátricas comórbidas, deverá ser ofe-
recido tratamento farmacológico indicado, habitualmente, para a
patologia em causa.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial mais importante a ter em conta é a doença
afetiva bipolar.
Um episódio hipomaníaco no contexto de uma doença afetiva bipolar
pode cursar com ideias de grandiosidade e autoestima aumentada, que
também se observam numa perturbação narcísica. No entanto, as altera-
ções descritas, no contexto de uma perturbação afetiva bipolar, surgem ape-
nas durante um episódio agudo, não persistindo nos períodos intercríticos;
estas alterações associam-se também a outros sintomas, como aumento de
energia, diminuição da necessidade de dormir e impulsividade.
• Perturbação de personalidade histriónica;
• Perturbação de personalidade antissocial;
• Perturbação de personalidade borderline.
Tratamento
A ausência quase total de estudos de tratamento de perturbação de
personalidade narcísica não permite fazer recomendações em relação ao
tratamento, devendo ser seguidas as recomendações daquilo que constitui
o consenso para qualquer perturbação de personalidade.
O caráter egossintónico e as suas características nucleares de grandio-
sidade, autoconceito elevado e necessidade de admiração dificultam a
aceitação de necessidade de tratamento e o processo terapêutico, levando
a elevadas taxas de abandono de seguimento.
O diagnóstico comórbido de perturbação de personalidade narcísica
condiciona o tratamento de outras perturbações psiquiátricas, aumen-
tando a probabilidade de desistência e o tempo até à remissão sintomática.
Na abordagem ao doente com perturbação de personalidade narcí-
sica, particularmente na presença comórbida de traços antissociais/para-
noides, é importante:
• Monitorizar e gerir contra-atitude;
• Estabelecer limites, particularmente na suspeita de ganhos secun-
dários.
PERTURBAÇÕES DE PERSONALIDADE 265
Diagnóstico diferencial
Também não existe nenhum diagnóstico psiquiátrico primário como
diagnóstico diferencial.
• Perturbação de personalidade borderline;
• Perturbação de personalidade antissocial.
Tratamento
A ausência quase total de estudos de tratamento de perturbação de
personalidade histriónica não permite fazer recomendações em relação
266 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Diagnóstico diferencial
• Perturbação afetiva bipolar.
Podem envolver sintomas de instabilidade afetiva (depressão, irritabi-
lidade), impulsividade aumentada e gestos suicidas.
No entanto, os episódios de labilidade afetiva são, geralmente, espo-
letados por eventos de vida adversos; nos períodos intercríticos da per-
turbação afetiva bipolar (e na ausência de um diagnóstico comórbido
de perturbação de personalidade borderline), não se mantém o padrão
de impulsividade e instabilidade afetiva/comportamental.
O diagnóstico diferencial entre estas duas patologias é frequente-
mente difícil, particularmente quanto à distinção entre perturbação de
personalidade borderline com episódio depressivo comórbido e doença
bipolar tipo II.
Quando temos esta dificuldade, podemos perguntar: “No próprio,
está bem e está mal?” Se sim, é muito mais a favor de uma perturbação
da personalidade.
• Perturbação de personalidade histriónica;
• Perturbação de personalidade narcísica e paranoide;
• Perturbação de personalidade antissocial;
• Perturbação de personalidade dependente.
Tratamento
Psicoterapêutico
• Terapia comportamental-dialética (TCD) – Psicoterapia baseada
na terapia cognitivo-comportamental, desenvolvida especifica-
mente para perturbação de personalidade borderline e focada na
redução de sintomas, nomeadamente comportamentos autolesi-
vos e regulação emocional;
• Terapia baseada na mentalização (TBM) – Terapia psicodi-
nâmica estruturada em manual e de duração definida, que
promove a melhoria e desenvolvimento da capacidade de
mentalização;
268 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Farmacológico
Reservado para tratamento de doenças psiquiátricas comórbidas ou
tratamento sintomático de situações agudas. Não existe consenso quanto
ao tratamento farmacológico.
Princípios gerais:
• Evitar a polifarmácia;
• Evitar fármacos com toxicidade elevada em sobredosagem;
• Evitar fármacos com potencial de abuso ou dependência;
• Ter em conta o perfil de efeitos adversos na escolha do fármaco;
• Usar o fármaco escolhido na menor dose possível, enquanto houver
benefício clínico; apesar de as recomendações da NICE (2009)
desencorajarem a sua manutenção por mais de uma semana, a revi-
são sistemática mais recente da Cochrane (2015) conclui que há
evidência para manter tratamento farmacológico por mais tempo,
se benéfico;
• Na ausência de benefício terapêutico, descontinuar fármaco em
curso.
Por outro lado, a revisão sistemática mais recente conclui que a evi-
dência disponível não é suficiente para motivar a atualização de guidelines
de tratamento desta perturbação de personalidade, nem para recomendar
nenhuma classe de fármaco específica.
• Antidepressivos, incluindo a classe dos SSRI – Não existe evidên-
cia atual do seu benefício no tratamento da perturbação de perso-
nalidade borderline (não invalidando o seu uso em perturbações
comórbidas que assim o justifiquem);
• Benzodiazepinas e anti-histamínicos – As guidelines da NICE (2009)
admitem a sua utilização, pelo efeito sedativo, em contexto de crise
e numa duração não superior a uma semana – vai um pouco contra
o que se faz na prática.
Diagnóstico diferencial
• Perturbação de personalidade borderline – Medo de abandono;
de resto, muito diferente;
• Perturbação de personalidade evitante.
Tratamento
Psicoterapêutico
Reestruturar distorções cognitivas de incapacidade e ineficiência do
“Eu” e estimular autonomia.
• Terapia comportamental;
• Terapia cognitivo-comportamental;
• Terapia psicodinâmica;
• Treino de competências sociais.
PERTURBAÇÕES DE PERSONALIDADE 271
Farmacológico
A evidência científica atual não é suficiente para recomendar qual-
quer tipo de tratamento farmacológico na perturbação de personalidade
dependente. Devido à falta de evidência científica, o recurso a psicofár-
macos deve ser evitado.
Diagnóstico diferencial
• Perturbações de ansiedade social.
Ansiedade relacionada com situações sociais, com medo de rejeição e
embaraço, que levam a evitamento. No entanto, na PP evitante, os compor-
tamentos de evitamento são, habitualmente, mais frequentes e difusos a mais
áreas de vida/situações sociais, com maior restrição de relações interpessoais.
272 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Tratamento
Psicoterapêutico
Os dois tipos de psicoterapias que demonstraram mais benefício são
a terapia cognitivo-comportamental (TCC) e a terapia focada nos esque-
mas.
Farmacológico
A evidência científica atual não é suficiente para recomendar qual-
quer tipo de tratamento farmacológico na PP evitante, embora possa ser
medicada com, por exemplo, SSRI.
Diagnóstico diferencial
• Perturbação do espectro do autismo – É frequente quem sofre de
autismo ter rigidez e inflexibilidade do pensamento;
• Perturbações do humor – Podem cursar com pensamentos rumina-
tivos. No entanto, numa PP obsessivo-compulsiva, as preocupações
excessivas não são necessariamente acompanhadas de depressão
do humor;
• Perturbações de ansiedade;
• POC – Apesar das semelhanças na nomenclatura, a POC distingue-
-se facilmente da PP obsessivo-compulsiva pela presença de verdadei-
ras obsessões e/ou compulsões, e caráter habitualmente egodistónico.
Tratamento
Psicoterapêutico
Terapia cognitivo-comportamental.
Farmacológico
A evidência científica atual não é suficiente para recomendar
nenhum tipo de tratamento farmacológico na PP obsessivo-compulsiva.
274 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
REFERÊNCIAS
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16. ENVELHECIMENTO E
DECLÍNIO COGNITIVO
MANUEL GONÇALVES PEREIRA
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EPIDEMIOLOGIA
Estas alterações dinâmicas que afetam o cérebro da mulher durante a
gravidez e maternidade parecem ser, em certa medida, adaptativas. Para-
lelamente a uma vantagem adaptativa, parecem também conferir uma
maior vulnerabilidade para o desenvolvimento de uma doença mental.
O pós-parto imediato é um período de particular risco para novos epi-
sódios ou para a recorrência de doença mental, em especial de doença
mental grave.
• Estima-se que uma a duas em cada 1000 mulheres necessitem de
internamento nos primeiros meses após o parto;
296 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
IMPACTO ECONÓMICO
Um estudo conduzido por um centro de saúde mental no Reino
Unido em conjunto com a London School of Economics estimou que
os problemas de saúde mental perinatal acarretam um custo total de
8,1 mil milhões de libras por cada coorte de nascimento por ano no Reino
Unido, o que equivale a cerca de 10 mil libras por cada nascimento no
país. Curiosamente, destes custos, quase 3/4 estão relacionados com os
DOENÇA MENTAL PERINATAL 297
Psicose pós-parto
Caracteriza-se por:
• Delírios;
• Alucinações;
• Perplexidade;
• Confusão;
• Flutuações de humor;
• Ansiedade;
• Insónia;
• Agitação/comportamento bizarro.
DOENÇA MENTAL PERINATAL 299
A maioria tem início até às duas semanas após o parto (> 50% tem iní-
cio 1-3 dias após). Apresenta normalmente um início súbito, com deterio-
ração rápida, sendo frequentes as flutuações na intensidade dos sintomas.
Há um maior risco associado nas mulheres com diagnóstico de
doença bipolar, se psicose pós-parto prévia (> 50%), história familiar de
psicose pós-parto.
Quando falamos de um quadro de psicose pós-parto, este pode ocor-
rer no contexto de várias doenças psiquiátricas: episódio maníaco, episó-
dio misto, depressão psicótica, etc. Da mesma forma, pode ocorrer em
doenças sistémicas ou do sistema nervoso central comuns no pós-parto e
que podem surgir acompanhadas com sintomas psicóticos, pelo que são
importantes de excluir, nomeadamente eclâmpsia, delirium, patologia
tiroideia, infeção, autoimune.
Como comentado previamente, o risco de suicídio é um fator de
preocupação e o período de maior risco parece ser entre o 9.º e 12.º mês
após o parto.
Sociais Psicológicos
• Baixo nível socioeconómico
• Problemas conjugais/violência
doméstica
• Trauma/eventos de vida negativos
/stress
• Fraco suporte familiar e social
• Alteração de rotinas
300 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Fatores protetores
• Baixos níveis de stress;
• Rendimento económico mais elevado;
• Elevada autoestima;
• Bom apoio social;
• Ser casada ou estar em união de facto;
• Elevada religiosidade;
• Gravidez planeada.
Psicofármacos na gravidez
A gravidez afeta os níveis plasmáticos dos fármacos, e estes podem
causar potenciais prejuízos no feto/recém-nascido ao atravessarem a bar-
reira placentária ou passarem para o leite materno em graus variáveis.
Alguns fármacos podem estar associados a malformações, sobretudo se
utilizados no primeiro trimestre. Outros, se usados no terceiro trimestre,
podem acarretar toxicidade neonatal, podendo também implicar ris-
cos para a mãe (fármacos que aumentam a prolactina estão associados,
por exemplo, a amenorreia, infertilidade, galactorreia). Por outro lado,
302 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Psicofármacos e aleitamento
As mulheres são geralmente encorajadas a amamentar por pelo
menos seis meses. Um dos fatores que pode condicionar essa decisão é
a segurança da medicação durante o aleitamento materno. Com algu-
mas exceções, a maioria do psicofármacos deve ser mantida durante a
amamentação, por um lado pelos benefícios desta, e, por outro, pela
falta de evidência em relação a eventuais malefícios da maioria dos
fármacos. A segurança individual dos fármacos no aleitamento deve
ser um aspeto a considerar quando se iniciam tratamentos em mulhe-
res em idade fértil e que pretendem engravidar. Devem ser pesados
os benefícios do aleitamento vs riscos dos fármacos; normalmente,
é inapropriado suspender o aleitamento exceto quando a medicação
prescrita é absolutamente contraindicada durante a amamentação; nes-
tes casos, e sendo o tratamento da doença mental materna a prioridade,
a medicação não deve ser suspensa, mas a mulher deve ser informada
de que não deverá amamentar. A medicação não deve ser alterada no
fim da gravidez/pós-parto pelo elevado risco de recaída. Manter o tra-
tamento efetuado na gravidez durante o aleitamento é normalmente a
opção mais apropriada, até porque poderá minimizar o risco de sinto-
mas de privação no bebé. Devem ser preferidos fármacos com semivida
curta; fármacos com semivida longa podem acumular no leite materno
e consequentemente na circulação do bebé. Sempre que possível, deve
usar-se a menor dose eficaz e evitar polifarmácia.
Existem algumas exceções: lítio, clozapina e benzodiazepinas. Sobre-
tudo o lítio e a clozapina são contraindicados no aleitamento. Contudo,
mulheres que mantiveram estes dois fármacos durante a gravidez têm
especial risco de agudização da doença se suspenderem (portanto, o risco
de parar é maior). Assim, não devem suspender a medicação e, por-
tanto, não devem amamentar.
304 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Medidas não-farmacológicas
Hábitos de vida:
• Dieta;
• Exercício físico;
• Abstinência de álcool e drogas;
• Medidas de higiene de sono.
Intervenções psicológicas:
• Terapia cognitivo-comportamental;
• Terapia interpessoal;
• Terapia familiar.
Eletroconvulsivoterapia – pode ser considerada em determinadas
situações clínicas, como:
• Doença mental grave;
• Catatonia;
• Risco de suicídio;
• Outras situações com risco de vida;
• Contraindicação para psicofármacos.
O PAPEL DO PAI
O pai poderá ter um fator protetor na doença mental da mãe, dado
que o facto de ser casado, estar em união de facto, ter um bom ambiente
familiar e conjugal e ter um bom apoio social são fatores protetores da
doença mental materna.
Também existe doença mental perinatal paterna. Embora seja menos
prevalente no homem, sabe-se que a prevalência de depressão e pertur-
bações de ansiedade durante a gravidez e o pós-parto é maior do que
fora deste período; sobretudo em homens com história prévia de doença
mental, que têm maior perceção de stress, com pior saúde em geral,
desempregados e que têm níveis inferiores de satisfação com a relação.
Acontece sobretudo nas primeiras gestações e se a mãe tiver também
depressão perinatal.
A depressão paterna tem um impacto negativo na mulher e na criança,
por um lado por menor capacidade de suporte à mãe e por outro pelo
impacto negativo na saúde mental da criança e seu desenvolvimento.
REFERÊNCIAS
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18. CRIANÇA E ADOLESCENTE
JOANA MESQUITA REIS e DANIEL SAMPAIO
PARTE I – A CRIANÇA
Joana Mesquita Reis
PRIMEIRA INFÂNCIA
A saúde mental da primeira infância constitui um campo de estudos
recente (trabalhos pioneiros de Spitz, Bowlby, Stern, Brazelton, Greenspan,
entre outros).
Neste período, a observação do comportamento e da interação na ava-
liação e intervenção é muito relevante (de facto, e uma vez que os bebés
ainda não conseguem utilizar a linguagem verbal, torna-se fundamental
atender às outras modalidades de comunicação). Adicionalmente, é uma
fase na qual é particularmente importante envolver os cuidadores e apoiar
a função parental, identificar situações de risco psicopatológico e intervir
precocemente em patologias com impacto no desenvolvimento.
Sabemos atualmente que a primeira infância constitui o período do
desenvolvimento mais determinante e em que o crescimento é mais ace-
lerado. Em nenhuma outra etapa teremos a capacidade de fazer tantas
aprendizagens como nesta, e nenhum outro período vai ser tão definidor
daquilo que seremos.
Nascemos com milhões de neurónios, e nestes primeiros anos o nosso
cérebro vai selecionar quais as ligações cerebrais que devem ser forta-
lecidas e quais as que devem ser eliminadas – processo conhecido por
pruning, sendo este processo fortemente influenciado pelas nossas expe-
riências precoces. Deste modo, o ambiente relacional em que nascemos
vai ter um impacto direto no desenvolvimento cerebral (a nível neuro-
químico, mas também a nível estrutural).
Apesar deste nosso imenso potencial ao nascer, quando nascemos
somos uma das espécies mais dependentes e imaturas do reino animal.
Se olharmos as outras espécies, só quando atingimos os 9-12 meses de
idade é que temos um nível de desenvolvimento próximo ao de outros
mamíferos quando nascem. Quando olhamos para outros animais,
312 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Algoritmo clínico
Na suspeita de uma perturbação do espectro do autismo, pode ser
útil a utilização do M-CHAT (instrumento de rastreio). Em todo o caso,
deve ser realizado o encaminhamento para uma consulta hospitalar
e deve ser realizada referenciação para a equipa local de intervenção
precoce.
A nível hospitalar, a criança deve ter seguimento por uma equipa
multidisciplinar. Em termos de acompanhamento médico, deve ser
avaliada e acompanhada por um pedopsiquiatra e por um pediatra de
CRIANÇA E ADOLESCENTE 317
Perturbações do humor
A perturbação depressiva da primeira infância constitui uma pertur-
bação do humor que, quando não tratada, pode ter um impacto muito
negativo ao nível do desenvolvimento.
O quadro clínico da depressão na primeira infância é muito seme-
lhante ao encontrado nos adultos.
Assim, são sinais de depressão no bebé:
• Afeto plano;
• Evitamento do olhar;
• Funcionamento em atraso do desenvolvimento;
• Choro frequente, irritabilidade;
• Ar triste, poucos sorrisos;
• Alterações do sono e alimentares;
• Perda de peso;
• Poucas vocalizações;
• Pouco interesse nos outros;
• Infeções frequentes.
CRIANÇA E ADOLESCENTE 319
1.º grupo:
• Início mais precoce e agudo;
• Consequências de roturas relacionais bruscas;
• Ausência de patologia grave parental;
• Remissão rápida;
• Melhor prognóstico.
2.º grupo:
• Início insidioso;
• Insuficiência crónica dos cuidados;
• Patologia do meio;
• Recuperação lenta ou ausência de remissão dos sintomas.
SEGUNDA INFÂNCIA
Na segunda infância, a linguagem verbal emerge ou torna-se mais
fluente; o pensamento abstrato vai-se aprimorando e a autonomia vai
sendo conquistada.
Neste período, a criança vai-se descentrando dos seus cuidadores,
passando a estabelecer uma rede maior de interações, e com isto as exi-
gências sociais crescem e estabelecem-se as primeiras amizades. Para mui-
tas crianças, é a fase de entrada na escola, e começam os desafios com a
aprendizagem da leitura, da escrita e do cálculo, que exigem da criança
capacidades acrescidas de atenção, memorização e planeamento.
Esta é também a idade das perguntas: O quê? Porquê? Como? Quando?
Onde?, como forma de encontrar um entendimento para o funcionamento
das coisas e do mundo.
O jogo simbólico (ou faz-de-conta) tem um importante papel no
desenvolvimento psicoafetivo desta fase, permitindo à criança experi-
mentar, através do brincar, diferentes papéis e emoções (nomeadamente,
acontecimentos e emoções mais difíceis e negativas). O jogo serve tam-
bém para treinar a resolução de problemas e de conflitos, bem como
aprender a lidar com a derrota e com outras frustrações.
A criança passa a fazer parte de um leque mais vasto de contextos
(além do agregado familiar) e, portanto, na avaliação, é fundamental
explorar os novos ambientes (escola, atividades, etc.) e relações.
Em termos diagnósticos, surgem outras designações e classificações.
Assim, atualmente, a partir dos cinco anos, utiliza-se mais comumente
na prática clínica o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (5.ª edição) – DSM-5.
Em termos psicopatológicos, é neste período que surgem, mais
frequentemente, as patologias com impacto no desempenho escolar,
nomeadamente as perturbações específicas da aprendizagem e as pertur-
bações de hiperatividade e défice de atenção. Há também uma prevalên-
cia crescente das perturbações de oposição e desafio e das problemáticas
do foro ansioso e depressivo.
CRIANÇA E ADOLESCENTE 321
PARTE II – A ADOLESCÊNCIA
Daniel Sampaio
ADOLESCÊNCIA
Conceito e fases
Há sempre uma construção social no conceito de adolescência, o que
significa que, quando intervimos no adolescente, temos, obrigatoria-
mente, de intervir no contexto.
Quando começa e termina a adolescência? Começa com a menarca
(primeira menstruação na rapariga e primeira ejaculação no rapaz) – há
já uma diferença contextual: a menstruação é frequentemente falada em
família e pouco se fala da ejaculação no rapaz.
A puberdade começa com essas manifestações e, depois, desenvol-
ver-se-á com outras, havendo a continuidade da maturação do cérebro.
A adolescência termina aos 20 anos, de acordo com a OMS (temos cada
vez mais dados de que a adolescência se começa a prolongar no tempo),
ao passo que estudos com base em ressonância magnética demonstra-
ram que o cérebro do adolescente se continua a desenvolver até aos
24 anos.
Do ponto de vista social, vemos o prolongamento da adolescência pela
permanência em casa dos pais e com a dependência emocional destes.
O final da adolescência caracteriza-se, então, por um projeto de
vida (estudos, profissionais), maturidade a nível social, identidade
sexual resolvida e pela saída de casa dos pais (socialmente marca a
idade adulta).
A adolescência é também bastante importante por marcar o início de
muitas doenças psiquiátricas. A saúde mental tem uma parte preventiva
crucial – se conseguirmos identificar e intervir, estamos a promover a
saúde mental.
322 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
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Zero TO Three. (2016). DC:0-5™: Diagnostic Classification of Mental
Health and Developmental Disorders of Infancy and Early Childhood.
Washington: ZERO TO THREE: National Center for Infants, Tod-
dlers, & Families.
REFERENCIAÇÃO CSP – PSIQUIATRIA
OS PEDIDOS
Os pedidos de consulta de CSP para serviços de Psiquiatria são feitos
por médicos da área da Medicina Geral e Familiar. Esses pedidos devem
reunir determinados critérios, que se listam, de acordo com a patologia/
intervenção necessárias:
Perturbações depressivas
• Se ausência de resposta ao tratamento, i.e., dois esquemas com
diferentes antidepressivos (SSRI, SNRI) em doses terapêuticas
durante pelo menos quatro semanas cada um;
• Se sintomas graves (p. ex.: sintomas psicóticos, negativismo);
• Se antecedentes de episódios graves (depressão major com ou sem
sintomas psicóticos);
• Se existência de comorbilidades não psiquiátricas que dificultem
tratamento;
• Se risco de suicídio (mas se iminente encaminhar para o SU).
328 PSIQUIATRIA – STEP BY STEP
Perturbações de ansiedade
• Se ausência de resposta ao tratamento, i.e., dois esquemas com
diferentes antidepressivos (SSRI, SNRI) em doses terapêuticas
durante pelo menos quatro semanas cada um;
• Se existência de comorbilidades não psiquiátricas que dificultem
tratamento;
• Se risco de suicídio (mas se iminente encaminhar para o SU).
Perturbações bipolares
• Sempre que existir este diagnóstico já estabelecido e sem segui-
mento psiquiátrico;
• Sempre que existir suspeita fundamentada deste diagnóstico.
Perturbações psicóticas
• Sempre que existir este diagnóstico já estabelecido e sem segui-
mento psiquiátrico;
• Sempre que existir suspeita fundamentada deste diagnóstico.
Demências
• Sempre que existirem suspeita deste diagnóstico se realizados pre-
viamente MCDT referidos para exclusão de causas reversíveis;
se o diagnóstico já estiver estabelecido e apresentarem-se com sin-
tomas comportamentais e/ou psiquiátricos não controlados.
TABELAS ÚTEIS
DOSE MÍNIMA
FÁRMACOS DOSE MÁXIMA
EFICAZ
Escitalopram 10 mg 20 mg
Fluoxetina 20 mg 60 mg
Duloxetina 60 mg 120 mg
Mirtazapina 15/30 mg 45 mg
Vortioxetina 10 mg 20 mg
BENZODIAZEPINAS/ DOSE
ABSORÇÃO SEMIVIDA
/Z-DRUGS EQUIVALENTE
REFERÊNCIAS
INFARMED
Lao, K.S.J., He, Y., Wong, I.C.K. et al. Tolerability and Safety Profile of
Cariprazine in Treating Psychotic Disorders, Bipolar Disorder and
Major Depressive Disorder: A Systematic Review with Meta-Analysis
of Randomized Controlled Trials. CNS Drugs 30, 1043–1054 (2016).
https://doi.org/10.1007/s40263-016-0382-z
Manual de Tratamento da Ansiedade, Pedro Morgado, Lidel, (2022)
Maudsley Prescribing Guidelines in Psychiatry, 12th Edition
Prata Ribeiro, H., & Ponte, A. (2018). Urgências Psiquiátricas (1.ª ed.).
Lisboa: Lidel.
Salagre, Estela, et al. “Vortioxetine: a new alternative for the treatment
of major depressive disorder.” Revista de Psiquiatría y Salud Mental
(English Edition) 11.1 (2018): 48-59
Título
Psiquiatria – Step by Step
Coordenação
Daniel Sampaio e Henrique Prata Ribeiro
Autores
Adriana Moutinho, André Ponte, Cátia Moreira, Daniel Sampaio, Diogo Guerreiro,
Filipa Moutinho, Gustavo Jesus, Henrique Prata Ribeiro, Joana Mesquita Reis,
José Luís Pio Abreu, José Oliveira, Lucas Manarte, Manuel Gonçalves Pereira,
Miriam Marguilho, Pedro Morgado, Rui Durval, Samuel Pombo e Tiago Duarte
Grafismo
Augusto Nunes
Desenvolvimento de conteúdos
Gestão de conteúdos
Miguel Sampaio Peliteiro
Impressão
Tipografia Lousanense, Lda.
ISBN
978-989-53666-8-2
Depósito Legal
514 412/23
info@parsifal.pt