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atividade psíquica ou uma faculdade da alma, ao lado de outras, a saber, ao lado
• 11·.. 11 perceber o ser. A percepção do ser não é somente recepção e acolhimen-
sentir e do querer. Pensar, aqui, não é nem mesmo o ato pelo qual a consciência
111. ,, l,1mbém recolhimento . O pensar é um perceber recolhido e um recolhimen-
constitui como consciência, o ato pelo qual o eu se põe a si mesmo como sujei
" 1·pt Ivo, aquilo que os gregos chamaram de ÀE"{EtV (légein) . Pensar é colher e
representador do real e o não-eu como objeto representado . Pensar, aqui, não é u
'" 1, .ip ree nder e compreender o ser como Àoyoç (logos), isto é, como o Um
possibilidade que o homem tem. É, antes, uma possibilidade que tem o homem,
11 li 11 de tudo. Pensar é deixar-ser a unidade do ser na multiplicidade dos entes
sua raiz, no seu fundo, na sua essência, antes mesmo de toda e qualquer represent
1il t1 pli idade dos entes na unidade do ser. É deixar-ser a identidade na diferença
ção e raciocínio, também antes de toda e qualquer consciência de alguma coisa.
na identidade. Esse deixar-ser, porém, é, fundamentalmente, uma deci-
pensar não é uma propriedade do homem; o homem é que é uma propriedade
11111 11idado. Pensar é cuidar do Todo, é obediência ao apelo, que veio à tona no
pensar e isso no seu todo . Na raiz, isto é, no fundo e na essência do ser humano, s , p11Pta Periandro, e que diz: µEÀE'ta. 'CO rra.v (meléta to pan): cuida do ser em
e pensar é o mesmo .
111 11•.
Entendemos, aqui, a palavra " pensar" num sentido ontológico e essencial.
li, 1111 1, po rtuguesa ainda guardou, na semântica do verbo "pensar" , esse senti-
pensar, nesse sentido ontológico e essencial, enquanto constitui a humanidade d
1I11 li1do. Num uso mais raro e arcaico, com efeito, pensar significa "cuidar ou
homem no seu fundo, acontece antes de toda e qualquer consciência e reflexão. E
111Iv nientemente de alguma coisa". É nesse sentido que Manuel Bandeira
funda, rege, perpassa e consuma todo o comportamento humano com todo e qua
11 11111 verso: "As grandes mãos da sombra evangélica pensam/ as feridas que
quer ente enquanto ente, tanto com o ente que ele é, quanto com o ente que ele n
d,, Iu m cada peito" 2 . As mãos pensam feridas no sentido de cobri -las de
é. O pensar é a própria -~esença humana no seu modo de ser, isto é, enquant
t , rlt • tra tá-las com desvelo, de encobri -las de proteção, de, através do trata-
existência, enquanto abertura disposta e exposta para a relação com o ser. O pen s
,l,·1x:1-las curar, isto é, deixar que o corpo mesmo, na sua vitalidade, reconstitua
é o próprio fundo da humanidade do homem enquanto relação com o ser.
t. 1 li lacerado, reintegre o que está cortado, recobre vigor e dê consistência
A humanidade do homem consiste em ser o lugar onde irrompe e se instaura nfermo . Pensar é curar, isto é, é cuidar de reconduzir tudo ao vigor
percepção do ser, aquilo que os gregos dos primórdios, em especial Parmênid er, que tudo une e reúne, que tudo congrega e integra.
chamaram de noein (vot:iv). Esse perceber é, fundamentalmente, um receber e ac
por colher, acolher e recolher o sentido do ser em toda a concreção do
lher o presentear-se do ser, dando-se e retirando-se, desvelando-se e velando-se, e
11, 111•1 1• na formação da palavra latina intel/ectus. Essa nos remete ao verbo
toda apresentação e representação do ente enquanto ente.
,,., 1u se compõe de inter ou intus mais /egere que significa "ler". Nesse
O pensar é um ver. Um ver simples e imediato. Aquele ver que acontece como 1 , , , v1•rbo intelligere pode ser interpretado como ler por entre as linhas, ler nas
evidência do ser. Aquele ver que nos constitui como o espaço de abertura da ilumi n,1 111! .t•,, i\tO é, recolher o fio dourado do sentido do ser por entre as tessituras
ção do ser, e, por conseguinte, da configuração do mundo. Esse ver coincide com 11111 11,1 õ s do ente. Tomás de Aquino distinguia o intellectus da ratio . O
simples fato de existirmos. Pois existir é ser esse ver, é ser essa iluminação, es 111·, ,.. , 1, pa ra a ratio como o repouso para o movimento, como a plenitude do
claridade do ser. Ser homem é suportar essa abertura. Esse ver somos nós mesm 11,, , ,.11,1 ca rência da busca. O intellectus se dá como simples aprehensio, ou
Entretanto, nem sempre vemos que vemos. Nem sempre apreendemos essa apreen 111111 ·,1mples apreensão, a saber, simples e direta captação do ser. Simples é a
são do ser, que somos nós mesmos. Nem sempre nos damos conta de que somo " , 1 do ,; r, pois o ser se dá todo, inteiro, a cada vez, e de maneira direta e
esse ver e que o simples fato de existirmos já nos constitui como essa abertura 1 i1 1, I11 Irni'I evidência origi nária, tão originária que não chama atenção para si,
iluminação do ser. Se essa apreensão da evidênci a do r (Ju no faz ser o qu ,111 •d1• \ ~ i mesmo om qu há d mais comum e ordinário, retraindo-se
somos, nem sempre estamos acordados para m ,, rn .1 <·vid 11r i.i , vid ênci d
" eu sou", onde o " sou" põ o próprio u I d,1·, .i ·, •, 11.1•, 1111•,•.i11il1d.iclt'\ ,
M, 1111 1,·I / •,/11•/,1 , /,, vi, /., 11,1,,11 ,1 i• 1 1 1•1111 l l,d, 11111., l 1•111 •ii. 1, /\ 111 i•ll1J li . Oltion, ,lo 1\1111 lin, Vl' l'lwl \•
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no pudor de sua humildade. O mistério de ser, d1e fato, se dá igualmente e todo p 11 "'J pensando . Sua ação não produz nada. Não é um fazer isso ou aquilo. Sua
toda parte e a todo momento, no aparecer de cada coisa, da mais sublime à ma , 1,, o onsiste num fazer, mas num perfazer, num consumar. O que o pensamen-
ordinária. Como nos conta uma história chinesa, que evoca a onipresença do mist •11•, 1Irn ? Consuma a relação do homem com o ser. Pois pensar é cuidar do ser.
rio de ser sob o nome do Tao (caminho): 1 p1·I1•.,1r, o homem se torna o pastor do ser4. Mas, em que consiste a dinâmica do
, 11 ,.,,q uanto cuidado com o ser?
Mestre Tung Kwo perguntou a Chuang: "mostre-me onde pode o Tao ser encontr
do". Respondeu Chuang-Tzu : "não há lugar onde ele não possa ser encontrado". 1I1·.,1r é, antes de tudo, guardar a memória do ser. Pensar é recordar. Recordar
primeiro insistiu : "Mostre-me, pelo menos, algum lugar preciso onde o Tao possas 1
1 ,L ,r e resguardar do esquecimento. Esquecimento é retraimento. Aquilo de
encontrado". "Está na formiga", disse Chuang. "Está ele em algum dos seres inferi 1,•.
1 1· quecemos se nos retrai, " passa batido", desapercebido. Pensar é recordar
res?" "Está na vegetação do pântano". "Pode você prosseguir na escala das coisas
• ,, o111 rig inária e primigênia do ser. Trata--se dessa doação principiai, fontal, que,
"Está no pedaço de taco" . "E onde mais?" "Está neste excremento" . Com isto, Tu
,11I1·11l' por se dar como princípio, fonte e início, já sempre se retraiu em si mes-
Kwo nada mais podia dizer. Mas Chuang continuou : "Nenhuma de suas perguntas
pertinente. São como perguntas de fiscais no mercado, controlando o peso dos po il>lra iu a si mesma, para deixar ser o que a partir dela mesma se principia,
cos, espetando-os nas suas partes mais tenras. Por que procurar o Tao examinan 11 1 ,, in icia: os cursos e percursos do ente, suas vicissitudes e peripécias na preci-
'toda escala d~ r', como se o que chamássemos 'mínimo' possuísse quantida ' , 1lo tempo. Pois a fonte só é fonte à medida que se ab-nega como fonte, para
inferior do Tao? O Tao é Grande em tudo, Completo em tudo, Universal em tud mananciais que dela emanam . Dessa memória do ser que é o pensar,
Integral em tudo. Estes três aspectos são distintos, mas a Realidade é o Uno 3 . 111 1,11110s quase sempre esquecidos. Quase sempre nós só nos ocupamos e nos
Pensar é ser. É ser a abertura da revelação da Grandeza de ser, dando-se e retr ,q ,,1mos mesmo com os entes, empenhando-nos junto a eles e no meio deles.
indo-se, como presença e ausência, em toda parte e a todo momento. A Grandeza , 1• 111 •ndia que aprender é recordar. Recordar, no sentido grego, é resgatar do
11 1·11 1 >, do retraimento, do encobrimento (aÀri0euew - a/êteúein) . Aprender é
ser não é maior nas coisas grandiosas e sublimes e menor nas coisas pequenas
ordinárias. A Grandeza de ser é grande em tudo: completa, universal, íntegra e 111 lc•1 o que já sempre nos foi dado: a própria possibilidade de apreender a
tudo. O pensar é a exposição e o recolhimento dessa Grandeza de ser. E esta é ia do ser. A memória do ser os gregos celebraram no mito e na arte como
essência do intelecto . A palavra intel/ectus diz, aqui, portanto, não uma potênc 1,1 11 ·-vn , a filha do Céu e da Terra, que, unindo-se ao deus do raio, Zeus, concebe
entre outras da mente, mas a essência mesma da mente: à "flor do intelecto" (nó 11 o1 •, rnu as de todas as artes. O pensar, com efeito, não é memória meramente
anthos) de Proclo, o ápice da mente (apex mentis) de Boaventura, o fundo da ai "li , l Iv , do real, é, ao contrário, memória criativa do possível, ou seja, recordação
(Grund der Seele) de Mestre Eckhart . Trata-se daquela abertura abissal e originár empre às fontes de ser, às possibilidades guardadas e resguardadas na
em que a alma se dá como centelha (scíntílla) do espírito, isto é, enquanto faísca 1 111. ,., d sse modo, é também uma memória projetiva, precursora e inventiva,
cintilação do fogo divino, cujo abrir-se e fechar--se instantâneo, constituem o lug , , 111 1 •11 1 ri , enfim, que antevê e antecipa sempre de novo novas possibilidades de
do salto em que o mundo se faz mundo. rea l. Enquanto memória cordial que recorda a dádiva do ser, pensar
,1 1•111., , denken) é agradecer (danken). Agradecer é receber cordialmente a doa-
1
' " ili.r i d dádiva. A cordialidade do receber se consuma na jovialidade do empe-
2 O pensar como memória e espera da parusia do ser n 1.. l.r, r frutificar a dádiva doada, como a terra agradece ao céu a dádiva da
destinações do tem po , v1•1 lc1 j11 ndo-se, florescend o-se e frutificando-se nas plantas e árvores.
Somente por ser um ser é que o pensar pod E: ser t ambém um agir. Sem o penh
do pen sa r como ser não haveri a o mp nh o d mp nh do p n ar orn o ag ir.
1
M IIU(lN 111111111\ , H11 f, ,(/i11 111•1 / 11 l',>111 1p11l1 •, V111..-. 1111'(111 f,f) I' 111/ 1111
Pensar é também, mas de modo não menos originário, espera do ser. Esper il1 ilo1 d que se esquece de si para se dar no sim cord ial de uma liberdade criativa .
não é, aqui, tecer expectativas sobre os entes. Nlfo é calcular de antemão as possi , .,, d ixa, se abandona, se esquece de si, para deixar-ser, cada vez na configura-
!idades dos entes . Aqui, esperar o ser é, ao contrário, não se fechar em nenhu ,!,, 11rna época, o aparecimento do ente no seu todo como mundo histórico.
expectativa em relação aos entes. Esperar é, pois, abandonar e desprender-se , d1•ixa r-ser o ser libera o ente para aparecer no tempo-espaço de uma época do
todo o cálculo do autoasseguramento e abrir-se na disponibilidade para o puro ad ,, 1,, sse tem pó-espaço constitui a moldura a partir da qual o homem pensa,
e sobrevir do ser, em suas irrupções e iluminações repentinas em meio às tempest 1111<1, f unda e institui formas de convivência .
des e bonanças do tempo . A espera do ser é espera do inesperado, como já diz
C)11ando o filósofo começa a pensar, o sacerdote a oferecer o sacrifício, o homem de
Heráclito (no frag . 18). É que o pensar não espera nada, melhor, só espera mesmo
,•·,tado a dominar e o artista a formar, já se decidiu - de modo epocal - sobre as
nada . Esperar o nada não é desesperança e nem desespero . É esperança genuín
1,1olduras fundamentais do seu fazer7 .
pois é aguardar o inusitado e o imprevisível, o advir da gratuidade, que torna possív
a impossibilidade. Por saber esperar, o pensar é cuidado pela maturação do ser, q .. 1 moldura constitui a verdade do ser: a sua parousía, ou seja, o modo como o
se dá somente no tempo devido, azado, oportuno (no Kmpoç; - kaírós) . Por que sa ilo1 " retraindo, se presenteia se retirando, se destina se resguardando . Pensar
esperar, o pensar é lerdo, moroso, pachorrento, sobretudo para um mundo que vi ,"I'',, pensar a verdade do ser, quer dizer, é seguir o seu sentido, acolhendo os
da velocidade do progresso científico e tecnológico . Entretanto, a lerdeza do pens , , ,1v1 , recolhendo os seus acenos, deixando-se atra ir pela força de tração de
é indicativa de sua magnanimidade e de sua paciência ante as demoras e as recus , 11 o1 11nento . Pensar é escutar a palavra do ser, dando-se nas falas e silêncios do
do ser na aridez do tempo. O pensar sabe que é pela paciência que o homem sal 1 •nsar é cuidar da verdade do ser. O ser mesmo se confia ao cuidado do
1
o vigor de sua vida. Compreende que o crescer da liberdade humana é como todo I' i • carece do seu desvelo, isto é, da correspondência cuidadosa do homem .
crescer. Implica a paciência de lançar raízes na escuridão da terra para poder ergu
1·, II•,o1r é apreender o dar-se do ser, é guardar a memória do ser, esperar a sua
se na claridade do céu . Pois :
'"· •. •g uir o seu sentido, guardar a sua verdade. Mas, o que diz, afinal, a pala-
crescer significa abrir-se à amplidão dos céus, mas também deitar raízes na escurid ,,,
da terra . Tudo o que é maduro, só chega à maturidade, se o homem for, ao mes
tempo, ambas as coisas: disponível para o apelo do mais alto céu e abrigado Mo1 ' o Ser - o que é o Ser? É ele mesmo. O pensamento vindouro terá de aprender a
proteção da terra, que tudo sustenta 5 . l,11 r essa experiência e a dizê-la . O "Ser" não é nem Deus nem um fundamento do
111l1 nd o. O Ser está mais distante do que todo ente e, não obstante, está mais próximo
O pensar é histórico. Pensa sempre a partir de uma época. Dá-se sempre IP que qualquer ente, seja um rochedo, um animal , uma obra d'arte, uma máquina,
correspondência ao apelo do ser no tempo. Pois o tempo é o pronome do ser. Pens ·. r•J.i um anjo ou Deus. O Ser é o mais próximo. E, todavia, para o homem é a proximi-
é auscultar o apelo silencioso do ser nas vicissitudes e peripécias de uma época . Cad rl,1 1 o que lhe está mais distante. Em primeira aproximação, o homem se atém sem-
época é um deter-se, um reter-se e um conter-se do ser (rnoxTJ - epoché). É um mod i'' ' somente ao ente. Sem dúvida, sempre que o pensamento representa o ente
como o ser se destina ao homem, no jogo de vigência e retraimento, de presença , , ,rn ente, refere-se ao Ser. No entanto, não pensa, na verdade, senão o ente como
ausência . Ser é tempo, não como XP0Voç; (chronos), nem mesmo como Kmpoç; (kaíró 1.1 1 , nunca o Ser como tal .. .8
mas antes como mrov (aion). Do ser como tempo, diz um fragmento de Heráclit • 1 •,,., ' imples . É o simples. Só a muito custo é que o homem se comporta de
mcov nmç; E<Ht rcmÇcov, rcrnorncov -rcmfoç; TJ ~amÀTJlTJ (aiôn paí's esti paízôn, pesseú ô priado para com o simples . Para tal, o homem precisa caminhar o mais
paidós he basileíe- o tempo é criança jogando, j ogando o jogo das pedras : o reina f
da criança) 6 . O modo de ser da criança é a inocência do divertimento, ou sej a,
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longo de todos os caminhos, que é o caminho que nos conduz ao que nos está m, , 1 , ..,pfrito constitui cada vez uma configuração humana do mundo. Não obstante, ele
próximo. É que, centrado e fechado nos horizontes de sua consciência e de sua su , 111 1 em toda a riqueza de manifestação do mundo histórico. Ele está em movimen-
jetividade, o homem já não tem mais um sentido para o ser, pois todo o sentido já '"• 1 ma ndo-se e perecendo. Mas quando perece, então ele está se transformando
, 111 •1u tras e novas figuras . Ele vive. Permanece atuante, caso se encontrem suas figu-
reduziu a funcionalidade e objetividade, instrumentalidade e recurso . Hoje, em m
' ,•. " aso elas conquistem, a partir do confronto vivo, cada vez sua nova forma . O
ao domínio total da complexidade, já não temos olhos para o simples. Por isso,
• •li I i l'o, aquilo que nós denominamos assim, é possível somente enquanto o evento
caminho do pensar requer uma longa espera, a ,espera de um crescimento e amad
11111. nquanto o infindável diálogo do homem e da história do mundo 12 .
recimento que não seja intempestivo. Num tempo onde só se experimenta a vel
, r l. ilar em espírito tornou-se algo altamente questionável, não só por causa
transitoriedade de todas as coisas, esta espera parece por demais longa .
, ,1,• 11o1li mos, mas também por causa dos espiritualismos. É que, tanto uns
O simples guarda na verdade o enigma do que permanece e é grande. De cho
, 111 11 ros são pólos de um mesmo movimento da metafísica enquanto forma
surge inesperado entre os homens e, não obstante, necessita crescer e amadure
111•11 ia do ser do ente, da verdade do ser e da existência do homem no oci-
durante longo tempo. No invisível do que é sempre o Mesmo, protege seus dons
1, 1 11•1 a de dois mil e quinhentos anos. Vivemos hoje não simplesmente uma
alcance e a envergadura de todas as coisas maduras, que demoram em torno
Caminho, é que instauram mundo . Como diz Eckhart, o velho mestre de vida e leit 111 11 1u 1, nem uma crise do espírito, mas a crise do espírito. Trata-se de uma
ra: no não dito de sua linguagem é que Deus é Deus 9. , ,, io1 I Tu do aquilo que fazia respirar e dava alento ao homem ocidental sofreu
11 11•. ,1 perd a de valência histórica . O espírito foi se expirando na lenta morte
A espera do inesperado é, na verdade, a acolhida perseverante e paciente
1 "· ' J.'1 lguns séculos. Com essa morte lenta, vão perdendo vigor a ética, a
doação e retraimento, da presença e ausência do mistério de ser, dito e não-dito n
1 11 direito, a educação e a religião . A única dimensão da vida humana que
cursos, percursos e discursos do tempo . É que a autoridade do mistério nada tem
,, 11 11 por com todo o vigor é a economia . Assim, no campo da ação cotidiana
ver com a violência do poder da subjetividade e de seus projetos de conquista
111 1,11 1 sofre uma imensa pressão que o compele a reduzir todos os parâmetros
terra. A autoridade do mistério de ser consiste em um poder que soa como impot '
, 11111 t10s critérios do interesse e da utilidade pragmática. Os valores que valem
eia, pois seu vigor e rigor são fraqueza e ternura .
1111•• 111 acabam sendo os econômicos e somente a partir deles é que se medem
Por ser simples, o Ser permanece misterioso, a proximidade calma de um vigor (Walte '""• {•l icos, estéticos e religiosos. Já não há mais infra e superestrutura. Arte,
que não se impõe 10 .
, Direito, Educação, Religião, tudo se fragmenta. O ente metafísico que
Pensar é cuidar do ser. O cuidado do ser é a vida do espírito, na qual o homem 11. 11•111. já não é o Estado ou a Sociedade, mas o Mercado, na dinâmica de um
experimenta a si mesmo como homem em confronto com o seu mundo e em relaç, •111 1.di mo, o capitalismo globalizado. A ciência moderna revelou sua essência
primordial com a terra: 111111 11, pi netário da técnica e no triunfo da razão instrumental. Universidades e
,111 11", 1 pesquisa funcionam nesta lógica da razão instrumental a serviço do
No aberto desta relação do Ser para com a essência do homem, nós experimentam,
o "espírito" - ele é o que suavemente reina (das Waltende) vigorando a partir do 11111 qlnl ai. A educação universitária se nivela a qualificação profissional para o
e, presumivelmente, em favor do ser 11 . 11 I, 1 H<•nuncia-se à universalidade do saber e à pretensão de formação do ser
, "", •·tll \ Ua integralidade. Em meio ao domínio da política única, da economia
Mas, o que significa, aqui, a palavra "espírito"? Ela diz a dinâmica histórica da v,
, , ,111 " p n amento" único, haverá ainda possibilidade de criação? Haverá ainda
dade do ser a partir da qual se dá o incessante e vivo diálogo do homem com o mund
•1111 1q1 1 • f, .a os ossos ressequidos do desértico mundo atual se erguer e ganha-
"11 '" ,, •,., ngue, vitalidade, sensibilidade e compreensão?
• 1-1 IDE ,ER. M. il minh o do ,1n11JU (1 ')11 ') ) /11 ' ll,·v /, 1,. V1 ,, , .;,, ' "'" 11 , 111 , o/• ,1,, 1tJ // , 11 li, p i, /
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Tudo se torna, hoje, uma questão de produção e de consumo. Tudo se tor , 111 não crê tem na consciência uma vida fugaz •
insumo para a sociedade da produção, que, ultimamente se apresenta como soe 1, (Il i seja, pela capacidade de se ater ao verdadeiro, de se apoiar na verda-
dade do conhecimento . Mas o conhecimento já não é outra coisa do que know-ho II w 111 "e põe de pé e insiste e resiste nas demoras do tempo, crescendo e
Tudo se funcionaliza e se torna componente de algum sistema . Entretanto, podem , ,•iH I , fundando o que permanece. O homem histórico é, pois, desafiado a
reprimir as perguntas mais radicais, que tocam de cheio o ser humano no mais ín d1• , ter-se ao verdadeiro e somente atendo-se ao verdadeiro é que ele
mo e na radicalidade de sua existência e historicidade? Não estamos todos por 1 1• p •rmanece de pé na passagem do tempo .
mais abalados em nossos próprios fundamentos? A partir donde construir possib
, 1 u ,t , 0 verdadeiro não é verdadeiro a não ser por força e graça da verdade.
dades novas de passagem e ultrapassagem dessa crise? Pode o espírito que mo
1, " " é o verdadeiro. A verdade é o que torna tal o verdadeiro . O verdadeiro
nos presentear com uma nova parusia, com uma nova presença, vigor e vitalidad
, , " i•nte como a verdade está para o ser. Se chamarmos de " fé" o ater-se ao
Pensar em meio à morte do espírito não requer fé? Mas, há uma fé do pensar? E
1111 ri> nte, não deveríamos chamar de "fé" ainda mais ao ater-se à verdade
que consiste esta fé?
rJ, 11 1 poderíamos entender de modo novo o "crer" do pensar, no sentido
1 11ir , como o seu modo de se relacionar e de se comportar com o ser, isto
3 O "crer" do pensar 1, 1, ,1 lo de estar atento, recordar, esperar, seguir e custodiar a verdade do ser?
ir i.1·, ) la vras, não poderíamos entender o "crer" do pensar como o estar de
1
O que é, no contexto do pensar, crer? Tomemos como fio condutor uma ind i
• ",, , 11 •rn na relação com o ser, como o cuidar do ser na morada da linguagem,
ção de Nietzsche:
, vrV!' r a vida do espírito na correspondência ao apelo e ao silêncio do ser
O que é uma fé? Como ela surge? Toda fé é um ter-por-verdadeiro 13 . 11•, ,lavras do tempo? E a reverência, a veneração, a piedade desse "crer"
11
,1, , 1,11,, justamente, na disposição de, sempre de novo e de modo novo, per-
Em alemão, a expressão aqui traduzida por "ter-por-verdadeiro" se diz Für-wah
halten. Fé é atinência (Ha/tung) ao verdadeiro. O verbo ha/ten, aqui traduzido p , I1I, .. ,li nar, buscar, indagar o sentido do ser?
"ter", diz, na verdade, ater-se, no sentido de apegar-se a, apoiar-se em. Nesse senl 1,-
1 1lc, pensar, nesse caso, não seria o contrário do saber. Seria, antes, o saber
do, fé é apegar-se ao verdadeiro, quer dizer, é apoiar-se, reger-se, sustentar-se, fi , ,1 1· 1ll ndido como o saborear, em que ao homem é dado o gosto, a afeição,
de pé, amparando-se no verdadeiro. Segundo essa compreensão de fé, o verdad eu , 111, 1. 1 r velação do ser. Trata-se, pois, de um saber que cresce e matura a partir
é o apoio (Halt) em que o homem se apóia, para poder ficar de pé na sua existênc1 t. r que indaga, sempre de novo, pelo sentido do ser. Se entendermos
1 1111 1 I
Esse ficar de pé, porém, para o homem criativo, "que não acredita em mais nad,1 ,, ', 1,, 1" e o " saber", então, merecem o nome de crentes, propriamente, aque-
isto é, que pensa criativamente, à medida que conhece, cria e ama, só se dá a pa i t
1I,•I pinta m, sondando o sentido do ser:
do salto de sua liberdade. É nesse sentido que Nietzsche adverte:
11,. pi•r untadores deste tipo são os originária e propriamente crentes, ou seja, aque-
Vós, os que conseguis ficar de pé por si mesmos -vós deveis aprender a colocar-vo, 1• , qu . fundamentalmente, tomam a sério a verdade mesma e não somente o verda-
vós mesmos de pé, do contrário caireis 14 . d••tr o, , queles que põem a decisão se a essência da verdade vige e se esta vigência
,
11 1
,,q,1 conduz a nós, os que sabem, os que crêem, os que agem, os que criam , em
A fé do pensar é exercício de extrema e radical autonomia da liberdade, ond
hi stóricos 16 .
homem se posiciona a si mesmo a partir de si mesmo, ou seja, a partir do verdad ir
por ele encontrado na busca do questionar. Soment a utonomia dá vigor 1
resistência e consistência à exist ência do hom m . p , i,,r q 11 1• Ni 1- he adv rtt·
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Entretanto, o ser só aparece como fundo e fundamento do ente à medida qu 11 .. 11 , pois, um salto . Trata-se, porém, de um salto que, justamente ao saltar,
apreendido a partir do ente! Nele mesmo e a partir dele mesmo, o ser não t dll', mO em que salta . Esse salto é a verdadeira passagem. Trata-se, porém, de
fundo, nem fundamento, justamente por ser fundo e fundamento do ente, ou s , .•.. ItJ m que, j ustamente ao passar, lança uma ponte sobre o abismo, rece-
do fato de haver alguma coisa e não nada. Isso 1quer dizer que, nele mesmo e a pa ', 11,10 em que se apóiam os seus próprios passos. Por isso, o sa lto para dentro
dele mesmo, o ser vige e vigora como o que não tem fundamento, como aquilo 1111 1cio nada da gratuidade não é um salto para o sem -chão. É antes, o salto
relação ao qual não faz sentido pergunta r "por quê", com outras palavras, o ser v1 .1 I,mergi r o chão, a Terra, onde o pensar, por consegu inte, a existência do
e vigora, nele mesmo, como o sem-fundo, o não-ente, isto é, como o abismo 11 ,. , , ontra demora e morada, recolhendo-se na sua fin itude.
nada, melhor ainda, como o abismo do nada do "sem por quê", como o abismo
1 •,< h nos fala desde uma experiência do pensar, em que a radicalidade do
nada da gratuidade.
,11. 11 que busca as origens conduz ao deserto da solidão e da angústia e, por
O abismo do nada da gratuidade foi apreendido no pensamento místico de Eckh 11111 nu ma passagem inusitada, reencontra o sagrado em meio à desolação da
(séc. XIV) e de Angelus Silesius (séc. XVII) . Convém, aqui, reportar os seus ditos, a f •,•,11 11, numa anotação para o Zaratustra, datada de 1883, ele escreve:
de acenarmos para esse nada, para esse abismo da gratuidade. Para o vivente, s 1111 .i lrás das origens - o que me alienou de todas as venerações: e tudo ao redor se
viver, recorda Eckha rt . E no Sermão V da sua obra latina, ele diz : 111111 u solitário e estranho para mim . Mas, por fim, do seio do mistério rebentou de
Fosse possível perguntar sem fim à vida: o que é viver e por que vida ?, a resposta s 1111v o venerando mesmo - e eis que nasceu para mim a árvore do futuro . Agora vivo
sempre a unidade da vida no viver, a identidade de vida e viver: vivo porque vivo, v 1•1 1t.1do em sua sombra20 •
por e para viver 17 .
1,.• ,1•,<1 r impõe, na sua radicalidade, a capacidade de "alienar-se de todas as
Por sua vez, o abismo do nada da gratuidade que rege e sustenta o nascer, cr , 111• ·," , ou seja, a capacidade de des-crer. "Eu não creio em mais nada - esse é
cer e consumar de todo o viver foi cantado nos versos pensantes do médico, poe t , 11 111cl de pensar de um homem criativo", diz Nietzsche21 • Esse não crer em
místico Johannes Schafler, sob o pseudônimo de Ange/us Silesius (o Anjo da Si/és1 111 1,111.10 é indicação de ceticismo ou niilismo. Não é desespero diante de todo
111 11• 111 e ação . Não é fugir de toda decisão e tomada de posição . Se assim
A rosa é sem por quê / floresce por florescer/ não olha pra seu buquê / nem pergur
se alguém a vê 18 . ,1, 1 , •,t•ria um modo de pensar ajustado ao modo de ser de um homem criativo.
11 , .. 111 11.10 aposta na possibilidade do conhecimento e da ação e não arrisca
No abismo do nada da gratuidade, que deixa ser (sein /asst) o aparecer e o t
, ,. lomadas de posição jamais pode ser criativo . O não crer em mais nada,
nar-se presente de todo o ente, o pensar repo usa e se recolhe. A ele o pensar
11111 111·,to modo de pensar de um homem criativo, deve significar, pois, outra
abandona e se entrega (sich verlasst) . No vigorar de seu mist éri o (Geheimnis) , o pI
1,lv,,, \ig nifi que, justamente, a precisão e o rigor crítico do pensar, enquanto
17 M e trc Ec kh art. apud LEÃO. E. . Aprcnrlc•nrlo ., / Jí'/11, ,, / 11 ,,, •., ... ,,,1,·1111111, 111111/,•111/<f.11 /, , , , , ,., 1<'ilr1f. "(,,,11. ,111, M /Jf,, /\ 11 riul. ln: H •id íJIJ P I , I111l iPn, Vol. 1O, 1994, Berlin : Dun cker & Humblot, p. 9.
num nt;idn <' r ·vi•:Jdíl), Tl'rP·,ópo ll-.. 0,1 ii11or1 dilo1.i, )( )(i li p !, 1 1 1, 1 ( 1lo·1d,•qq1·1 ,. ,1 (• 11," 111 1/,•v"'" t, ·1111111 11,.1 •. //('i10 , n. 1 7, Rio <Ir l,,nr iro, 700'1. p.
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esse não está disposto a acolher sem mais o que lhe é dado. Para o pensar nada e
dado pronto, tudo é uma tarefa de responsabi lização humana . O pensar não se
Liberdade em John Stuart Mill:
na realidade, antes, ele deixa ser as possibilidades sempre novas e criadoras da vi
O pensar não se detém nas formas rígidas e estereotipadas da vida, ao contrá rio, Positiva ou negativa?
se dá na forma de um olhar projetivo e criativo, que intui no fundo da vida possi
dades novas de configuração. A capacidade de intuir essas possibilidades latent es
vida e de trazê-las à fala faz do pensar um modo de ser criativo, isto é, que co mun
a vitalidade da vida em toda obra. Essa capacidade criativa irmana o pensar ao e
e ao amar. "Todo criar é comunicar. Aquele que conhece, aquele que cria e aqu Emmanuel lfeka Nwora •
que ama são um" , diz Nietzsche22 . Por isso, o pensador, o art ista e o santo são um
partir do f undo abissal da vida.