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Pensar hoje

Marcos Aurélio Fernandes ·

O que maximamente a partir de si mes-


mo dá a pensar - o que mais cabe pen-
sar cuidadosamente - deve mostrar-se no
fato de ainda não pensarmos' .

O presente artigo é uma meditação sobre o pensar em nossos dias.


Entende o pensar não no sentido psicológico ou lógico, mas
ontologicamente, isto é, como referência fundamental do ser ao ho-
mem. O pensar é apresentado como memória e espera do ser em sua
parusia nas destinações do tempo. Em seguida, procura-se evidenciar o
momento presente como uma provocação para o pensamento. Trata-
se da provocação do kairós de uma crise radical. Neste kairós, a provo-
cação se torna convocação para a passagem, o que requer do homem
que ama pensar a paciência e a perseverança e uma fé que deve ampa-
rar aqueles que, no deserto da época contemporânea, buscam cuidar
do espírito, isto é, da referência fundamental do ser ao homem .

Palavras-chave: pensar, ser, memória, espera, tempo, crise, cuidado, fé .

1 O que provoca e evoca o pensar?


Nós não entendemos, aqui, a palavra "pensar" no
sentido psicológico e lógico como o ato de representar,
julga r, raciocinar, inferir. Nem entendemos, propriamen-
r ·"' 11,1 Universidade Ca-
1 1l n ll1t1•!/1 1t1 t , u o do verbo "pensar" no sentido mais amplo, ou
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atividade psíquica ou uma faculdade da alma, ao lado de outras, a saber, ao lado
1·, 11·.. 1r perceber o ser. A percepção do ser não é somente recepção e acolh imen-
sentir e do querer. Pensar, aqui, não é nem mesmo o ato pelo qual a consciência
,. ,, t. mbém recolhimento . O pensar é um perceber recolhido e um recolhimen-
constitui como consciência, o ato pelo qual o eu se põe a si mesmo como suj ei
' 1, 1•pl ivo, aq ui lo que os gregos chamaram de ÀE°{êtV (légein) . Pensar é colher e
representador do real e o não-eu como objeto representado. Pensar, aqui, não é u
1111 1, .1p reender e compreender o ser como Ãoyoç; (logos) , isto é, como o Um
possibilidade que o homem tem. É, antes, uma possibilidade que tem o homem,
" li li de t udo. Pensar é deixar-ser a unidade do ser na multiplicidade dos entes
sua raiz, no seu fundo, na sua essência, antes mesmo de toda e qualquer represent
,,11 1tIpli idade dos entes na unidade do ser. É deixar-ser a identidade na diferença
ção e raciocínio, também antes de toda e qualquer consciência de alguma coisa.
t, 11• 11 a na identidade. Esse deixar-ser, porém, é, fundamentalmente, uma deci-
pensar não é uma propriedade do homem; o homem é que é uma propriedade
111 11 < 11idado. Pensar é cuidar do Todo, é obediência ao apelo, que veio à tona no
pensar e isso no seu todo. Na raiz, isto é, no fundo e na essência do ser humano, s
1, 1 po ta Periandro, e que diz : µ EÀE't<X 'tO nav (meléta to pan) : cuida do ser em
e pensar é o mesmo .
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Entendemos, aqui, a palavra " pensar" num sentido ontológico e essencial.


lI11 q11, po rtuguesa ainda guardou, na semântica do verbo "pensar", esse senti-
pensar, nesse sentido ontológico e essencial, enquant o constitui a humanidade d
' 111d,1do. Num uso mais raro e arcaico, com efeito, pensar significa "cuidar ou
homem no seu fundo, acontece antes de toda e qualquer consciência e reflexão. E
, I1 11v nient emente de alguma coisa ". É nesse sentido que Manuel Bandeira
funda, rege, perpassa e consuma todo o comportamento humano com todo e qua
11 111n verso : " As grandes mãos da sombra evangélica pensam/ as feridas que
quer ente enquanto ente, tanto com o ente que ele é, quanto com o ente que ele na
d 111 11 em cada peito" 2 . As mãos pensam feridas no sentido de cobri-las de
é. O pensar é a própria -Pt:_esença humana no seu modo de ser, isto é, enquant
1 , d1• tratá- las com desvelo, de encobri-las de proteção, de, através do trata-
existência, enquanto abertuh disposta e exposta para a relação com o ser. O pens
, I, ·tXL -las curar, isto é, deixar que o corpo mesmo, na sua vitalidade, reconstitua
é o próprio fundo da humanidade do homem enquanto relação com o ser.
, t. 1 fi lacera do, reintegre o que está cortado, recobre vigor e dê consistência
A humanidade do homem consiste em ser o lugar onde irrompe e se instaura nf ermo. Pensar é curar, isto é, é cuidar de reconduzir tudo ao vigor
percepção do ser, aquilo que os gregos dos primórdios, em especial Parmênide er, que tudo une e reúne, que tudo congrega e integra.
chamaram de noein (voeiv). Esse perceber é, fundamentalmente, um receber e ac
por colher, acolher e recolher o sentido do ser em toda a concreção do
lher o presentear-se do ser, dando-se e retirando-se, desvelando-se e velando-se, e
, , 111 •1 ,, na formação da palavra latina intellectus. Essa nos remete ao verbo
toda apresentação e representação do ente enquanto ente.
1 11 ·, que se compõe de inter ou intus mais /egere que significa "ler" . Nesse
O pensar é um ver. Um ver simples e imediato. Aquele ver que acontece como 11 11 v 1 •rbo intelligere pode ser interpretado como ler por entre as linhas, ler nas
evidência do ser. Aquele ver que nos constitui como o espaço de abertura da ilumin,1 l11 l1o1·., i t o é, recolher o fio dourado do sentido do ser por entre as tessituras
ção do ser, e, por conseguinte, da configuração do mundo. Esse ver coincide com 1111 111 o1 ões do ente. Tomás de Aquino distinguia o intellectus da ratio . O
simples fato de existirmos. Pois existir é ser esse ver, é ser essa iluminação, es 111•, 1",lÓ pa ra a ratio como o repouso para o movimento, como a plenitude do
claridade do ser. Ser homem é suportar essa abertura . Esse ver somos nós mesm ca rência da busca . O intellectus se dá como simples aprehensio, ou
Entretanto, nem sempre vemos que vemos. Nem sempre apreendemos essa apreen 11 1111 •.1inples apreensão, a saber, simples e direta captação do ser. Simples é a
são do ser, que somos nós mesmos. Nem sempre nos damos conta de que som 1 11 ,. , tio 5 r, pois o ser se dá todo, inteiro, a cada vez, e de maneira direta e
esse ver e que o simples fato de existirmos já nos constitui como essa abertura d vid ênci a ori ginári a, tão originária que não chama atenção para si,
iluminação do ser. Se essa apreensão da evid ência do qu no faz ser o qu i me mo om qu há de mais comum e ordinário, retra indo-se
somos, nem sempre estamos acord ados para e m ,, n 1o1 1•v1cl 11 i.i, vi dênci d
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atividade psíquica ou uma faculdade da alma, ao lado de outras, a saber, ao lado
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sentir e do querer. Pensar, aqui, não é nem mesmo o ato pelo qual a consciência
111. ,, l,1mbém recolhimento . O pensar é um perceber recolhido e um recolhimen-
constitui como consciência, o ato pelo qual o eu se põe a si mesmo como sujei
" 1·pt Ivo, aquilo que os gregos chamaram de ÀE"{EtV (légein) . Pensar é colher e
representador do real e o não-eu como objeto representado . Pensar, aqui, não é u
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possibilidade que o homem tem. É, antes, uma possibilidade que tem o homem,
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sua raiz, no seu fundo, na sua essência, antes mesmo de toda e qualquer represent
1il t1 pli idade dos entes na unidade do ser. É deixar-ser a identidade na diferença
ção e raciocínio, também antes de toda e qualquer consciência de alguma coisa.
na identidade. Esse deixar-ser, porém, é, fundamentalmente, uma deci-
pensar não é uma propriedade do homem; o homem é que é uma propriedade
11111 11idado. Pensar é cuidar do Todo, é obediência ao apelo, que veio à tona no
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Entendemos, aqui, a palavra " pensar" num sentido ontológico e essencial.
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é o próprio fundo da humanidade do homem enquanto relação com o ser.
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A humanidade do homem consiste em ser o lugar onde irrompe e se instaura nfermo . Pensar é curar, isto é, é cuidar de reconduzir tudo ao vigor
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1/
no pudor de sua humildade. O mistério de ser, d1e fato, se dá igualmente e todo p 11 "'J pensando . Sua ação não produz nada. Não é um fazer isso ou aquilo. Sua
toda parte e a todo momento, no aparecer de cada coisa, da mais sublime à ma , 1,, o onsiste num fazer, mas num perfazer, num consumar. O que o pensamen-
ordinária. Como nos conta uma história chinesa, que evoca a onipresença do mist •11•, 1Irn ? Consuma a relação do homem com o ser. Pois pensar é cuidar do ser.
rio de ser sob o nome do Tao (caminho): 1 p1·I1•.,1r, o homem se torna o pastor do ser4. Mas, em que consiste a dinâmica do
, 11 ,.,,q uanto cuidado com o ser?
Mestre Tung Kwo perguntou a Chuang: "mostre-me onde pode o Tao ser encontr
do". Respondeu Chuang-Tzu : "não há lugar onde ele não possa ser encontrado". 1I1·.,1r é, antes de tudo, guardar a memória do ser. Pensar é recordar. Recordar
primeiro insistiu : "Mostre-me, pelo menos, algum lugar preciso onde o Tao possas 1
1 ,L ,r e resguardar do esquecimento. Esquecimento é retraimento. Aquilo de
encontrado". "Está na formiga", disse Chuang. "Está ele em algum dos seres inferi 1,•.
1 1· quecemos se nos retrai, " passa batido", desapercebido. Pensar é recordar
res?" "Está na vegetação do pântano". "Pode você prosseguir na escala das coisas
• ,, o111 rig inária e primigênia do ser. Trata--se dessa doação principiai, fontal, que,
"Está no pedaço de taco" . "E onde mais?" "Está neste excremento" . Com isto, Tu
,11I1·11l' por se dar como princípio, fonte e início, já sempre se retraiu em si mes-
Kwo nada mais podia dizer. Mas Chuang continuou : "Nenhuma de suas perguntas
pertinente. São como perguntas de fiscais no mercado, controlando o peso dos po il>lra iu a si mesma, para deixar ser o que a partir dela mesma se principia,
cos, espetando-os nas suas partes mais tenras. Por que procurar o Tao examinan 11 1 ,, in icia: os cursos e percursos do ente, suas vicissitudes e peripécias na preci-
'toda escala d~ r', como se o que chamássemos 'mínimo' possuísse quantida ' , 1lo tempo. Pois a fonte só é fonte à medida que se ab-nega como fonte, para
inferior do Tao? O Tao é Grande em tudo, Completo em tudo, Universal em tud mananciais que dela emanam . Dessa memória do ser que é o pensar,
Integral em tudo. Estes três aspectos são distintos, mas a Realidade é o Uno 3 . 111 1,11110s quase sempre esquecidos. Quase sempre nós só nos ocupamos e nos
Pensar é ser. É ser a abertura da revelação da Grandeza de ser, dando-se e retr ,q ,,1mos mesmo com os entes, empenhando-nos junto a eles e no meio deles.
indo-se, como presença e ausência, em toda parte e a todo momento. A Grandeza , 1• 111 •ndia que aprender é recordar. Recordar, no sentido grego, é resgatar do
11 1·11 1 >, do retraimento, do encobrimento (aÀri0euew - a/êteúein) . Aprender é
ser não é maior nas coisas grandiosas e sublimes e menor nas coisas pequenas
ordinárias. A Grandeza de ser é grande em tudo: completa, universal, íntegra e 111 lc•1 o que já sempre nos foi dado: a própria possibilidade de apreender a
tudo. O pensar é a exposição e o recolhimento dessa Grandeza de ser. E esta é ia do ser. A memória do ser os gregos celebraram no mito e na arte como
essência do intelecto . A palavra intel/ectus diz, aqui, portanto, não uma potênc 1,1 11 ·-vn , a filha do Céu e da Terra, que, unindo-se ao deus do raio, Zeus, concebe

entre outras da mente, mas a essência mesma da mente: à "flor do intelecto" (nó 11 o1 •, rnu as de todas as artes. O pensar, com efeito, não é memória meramente
anthos) de Proclo, o ápice da mente (apex mentis) de Boaventura, o fundo da ai "li , l Iv , do real, é, ao contrário, memória criativa do possível, ou seja, recordação
(Grund der Seele) de Mestre Eckhart . Trata-se daquela abertura abissal e originár empre às fontes de ser, às possibilidades guardadas e resguardadas na
em que a alma se dá como centelha (scíntílla) do espírito, isto é, enquanto faísca 1 111. ,., d sse modo, é também uma memória projetiva, precursora e inventiva,
cintilação do fogo divino, cujo abrir-se e fechar--se instantâneo, constituem o lug , , 111 1 •11 1 ri , enfim, que antevê e antecipa sempre de novo novas possibilidades de
do salto em que o mundo se faz mundo. rea l. Enquanto memória cordial que recorda a dádiva do ser, pensar
,1 1•111., , denken) é agradecer (danken). Agradecer é receber cordialmente a doa-
1
' " ili.r i d dádiva. A cordialidade do receber se consuma na jovialidade do empe-
2 O pensar como memória e espera da parusia do ser n 1.. l.r, r frutificar a dádiva doada, como a terra agradece ao céu a dádiva da
destinações do tem po , v1•1 lc1 j11 ndo-se, florescend o-se e frutificando-se nas plantas e árvores.
Somente por ser um ser é que o pensar pod E: ser t ambém um agir. Sem o penh
do pen sa r como ser não haveri a o mp nh o d mp nh do p n ar orn o ag ir.

1
M IIU(lN 111111111\ , H11 f, ,(/i11 111•1 / 11 l',>111 1p11l1 •, V111..-. 1111'(111 f,f) I' 111/ 1111
Pensar é também, mas de modo não menos originário, espera do ser. Esper il1 ilo1 d que se esquece de si para se dar no sim cord ial de uma liberdade criativa .
não é, aqui, tecer expectativas sobre os entes. Nlfo é calcular de antemão as possi , .,, d ixa, se abandona, se esquece de si, para deixar-ser, cada vez na configura-
!idades dos entes . Aqui, esperar o ser é, ao contrário, não se fechar em nenhu ,!,, 11rna época, o aparecimento do ente no seu todo como mundo histórico.
expectativa em relação aos entes. Esperar é, pois, abandonar e desprender-se , d1•ixa r-ser o ser libera o ente para aparecer no tempo-espaço de uma época do
todo o cálculo do autoasseguramento e abrir-se na disponibilidade para o puro ad ,, 1,, sse tem pó-espaço constitui a moldura a partir da qual o homem pensa,
e sobrevir do ser, em suas irrupções e iluminações repentinas em meio às tempest 1111<1, f unda e institui formas de convivência .
des e bonanças do tempo . A espera do ser é espera do inesperado, como já diz
C)11ando o filósofo começa a pensar, o sacerdote a oferecer o sacrifício, o homem de
Heráclito (no frag . 18). É que o pensar não espera nada, melhor, só espera mesmo
,•·,tado a dominar e o artista a formar, já se decidiu - de modo epocal - sobre as
nada . Esperar o nada não é desesperança e nem desespero . É esperança genuín
1,1olduras fundamentais do seu fazer7 .
pois é aguardar o inusitado e o imprevisível, o advir da gratuidade, que torna possív
a impossibilidade. Por saber esperar, o pensar é cuidado pela maturação do ser, q .. 1 moldura constitui a verdade do ser: a sua parousía, ou seja, o modo como o
se dá somente no tempo devido, azado, oportuno (no Kmpoç; - kaírós) . Por que sa ilo1 " retraindo, se presenteia se retirando, se destina se resguardando . Pensar
esperar, o pensar é lerdo, moroso, pachorrento, sobretudo para um mundo que vi ,"I'',, pensar a verdade do ser, quer dizer, é seguir o seu sentido, acolhendo os
da velocidade do progresso científico e tecnológico . Entretanto, a lerdeza do pens , , ,1v1 , recolhendo os seus acenos, deixando-se atra ir pela força de tração de
é indicativa de sua magnanimidade e de sua paciência ante as demoras e as recus , 11 o1 11nento . Pensar é escutar a palavra do ser, dando-se nas falas e silêncios do
do ser na aridez do tempo. O pensar sabe que é pela paciência que o homem sal 1 •nsar é cuidar da verdade do ser. O ser mesmo se confia ao cuidado do
1

o vigor de sua vida. Compreende que o crescer da liberdade humana é como todo I' i • carece do seu desvelo, isto é, da correspondência cuidadosa do homem .
crescer. Implica a paciência de lançar raízes na escuridão da terra para poder ergu
1·, II•,o1r é apreender o dar-se do ser, é guardar a memória do ser, esperar a sua
se na claridade do céu . Pois :
'"· •. •g uir o seu sentido, guardar a sua verdade. Mas, o que diz, afinal, a pala-
crescer significa abrir-se à amplidão dos céus, mas também deitar raízes na escurid ,,,
da terra . Tudo o que é maduro, só chega à maturidade, se o homem for, ao mes
tempo, ambas as coisas: disponível para o apelo do mais alto céu e abrigado Mo1 ' o Ser - o que é o Ser? É ele mesmo. O pensamento vindouro terá de aprender a
proteção da terra, que tudo sustenta 5 . l,11 r essa experiência e a dizê-la . O "Ser" não é nem Deus nem um fundamento do
111l1 nd o. O Ser está mais distante do que todo ente e, não obstante, está mais próximo
O pensar é histórico. Pensa sempre a partir de uma época. Dá-se sempre IP que qualquer ente, seja um rochedo, um animal , uma obra d'arte, uma máquina,
correspondência ao apelo do ser no tempo. Pois o tempo é o pronome do ser. Pens ·. r•J.i um anjo ou Deus. O Ser é o mais próximo. E, todavia, para o homem é a proximi-
é auscultar o apelo silencioso do ser nas vicissitudes e peripécias de uma época . Cad rl,1 1 o que lhe está mais distante. Em primeira aproximação, o homem se atém sem-
época é um deter-se, um reter-se e um conter-se do ser (rnoxTJ - epoché). É um mod i'' ' somente ao ente. Sem dúvida, sempre que o pensamento representa o ente
como o ser se destina ao homem, no jogo de vigência e retraimento, de presença , , ,rn ente, refere-se ao Ser. No entanto, não pensa, na verdade, senão o ente como
ausência . Ser é tempo, não como XP0Voç; (chronos), nem mesmo como Kmpoç; (kaíró 1.1 1 , nunca o Ser como tal .. .8

mas antes como mrov (aion). Do ser como tempo, diz um fragmento de Heráclit • 1 •,,., ' imples . É o simples. Só a muito custo é que o homem se comporta de
mcov nmç; E<Ht rcmÇcov, rcrnorncov -rcmfoç; TJ ~amÀTJlTJ (aiôn paí's esti paízôn, pesseú ô priado para com o simples . Para tal, o homem precisa caminhar o mais
paidós he basileíe- o tempo é criança jogando, j ogando o jogo das pedras : o reina f
da criança) 6 . O modo de ser da criança é a inocência do divertimento, ou sej a,
U•IJ ,,, rlr-s ,piç1,•1 ,·1!1 111 11 li d, ,, 1111(11·1 ,ur Fu nd me nta lgesch ic ht e d e r Me nschhe it. Frei burg/
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longo de todos os caminhos, que é o caminho que nos conduz ao que nos está m, , 1 , ..,pfrito constitui cada vez uma configuração humana do mundo. Não obstante, ele
próximo. É que, centrado e fechado nos horizontes de sua consciência e de sua su , 111 1 em toda a riqueza de manifestação do mundo histórico. Ele está em movimen-

jetividade, o homem já não tem mais um sentido para o ser, pois todo o sentido já '"• 1 ma ndo-se e perecendo. Mas quando perece, então ele está se transformando
, 111 •1u tras e novas figuras . Ele vive. Permanece atuante, caso se encontrem suas figu-
reduziu a funcionalidade e objetividade, instrumentalidade e recurso . Hoje, em m
' ,•. " aso elas conquistem, a partir do confronto vivo, cada vez sua nova forma . O
ao domínio total da complexidade, já não temos olhos para o simples. Por isso,
• •li I i l'o, aquilo que nós denominamos assim, é possível somente enquanto o evento
caminho do pensar requer uma longa espera, a ,espera de um crescimento e amad
11111. nquanto o infindável diálogo do homem e da história do mundo 12 .
recimento que não seja intempestivo. Num tempo onde só se experimenta a vel
, r l. ilar em espírito tornou-se algo altamente questionável, não só por causa
transitoriedade de todas as coisas, esta espera parece por demais longa .
, ,1,• 11o1li mos, mas também por causa dos espiritualismos. É que, tanto uns
O simples guarda na verdade o enigma do que permanece e é grande. De cho
, 111 11 ros são pólos de um mesmo movimento da metafísica enquanto forma
surge inesperado entre os homens e, não obstante, necessita crescer e amadure
111•11 ia do ser do ente, da verdade do ser e da existência do homem no oci-
durante longo tempo. No invisível do que é sempre o Mesmo, protege seus dons
1, 1 11•1 a de dois mil e quinhentos anos. Vivemos hoje não simplesmente uma
alcance e a envergadura de todas as coisas maduras, que demoram em torno
Caminho, é que instauram mundo . Como diz Eckhart, o velho mestre de vida e leit 111 11 1u 1, nem uma crise do espírito, mas a crise do espírito. Trata-se de uma
ra: no não dito de sua linguagem é que Deus é Deus 9. , ,, io1 I Tu do aquilo que fazia respirar e dava alento ao homem ocidental sofreu
11 11•. ,1 perd a de valência histórica . O espírito foi se expirando na lenta morte
A espera do inesperado é, na verdade, a acolhida perseverante e paciente
1 "· ' J.'1 lguns séculos. Com essa morte lenta, vão perdendo vigor a ética, a
doação e retraimento, da presença e ausência do mistério de ser, dito e não-dito n
1 11 direito, a educação e a religião . A única dimensão da vida humana que
cursos, percursos e discursos do tempo . É que a autoridade do mistério nada tem
,, 11 11 por com todo o vigor é a economia . Assim, no campo da ação cotidiana
ver com a violência do poder da subjetividade e de seus projetos de conquista
111 1,11 1 sofre uma imensa pressão que o compele a reduzir todos os parâmetros
terra. A autoridade do mistério de ser consiste em um poder que soa como impot '
, 11111 t10s critérios do interesse e da utilidade pragmática. Os valores que valem
eia, pois seu vigor e rigor são fraqueza e ternura .
1111•• 111 acabam sendo os econômicos e somente a partir deles é que se medem
Por ser simples, o Ser permanece misterioso, a proximidade calma de um vigor (Walte '""• {•l icos, estéticos e religiosos. Já não há mais infra e superestrutura. Arte,
que não se impõe 10 .
, Direito, Educação, Religião, tudo se fragmenta. O ente metafísico que
Pensar é cuidar do ser. O cuidado do ser é a vida do espírito, na qual o homem 11. 11•111. já não é o Estado ou a Sociedade, mas o Mercado, na dinâmica de um
experimenta a si mesmo como homem em confronto com o seu mundo e em relaç, •111 1.di mo, o capitalismo globalizado. A ciência moderna revelou sua essência
primordial com a terra: 111111 11, pi netário da técnica e no triunfo da razão instrumental. Universidades e
,111 11", 1 pesquisa funcionam nesta lógica da razão instrumental a serviço do
No aberto desta relação do Ser para com a essência do homem, nós experimentam,
o "espírito" - ele é o que suavemente reina (das Waltende) vigorando a partir do 11111 qlnl ai. A educação universitária se nivela a qualificação profissional para o
e, presumivelmente, em favor do ser 11 . 11 I, 1 H<•nuncia-se à universalidade do saber e à pretensão de formação do ser
, "", •·tll \ Ua integralidade. Em meio ao domínio da política única, da economia
Mas, o que significa, aqui, a palavra "espírito"? Ela diz a dinâmica histórica da v,
, , ,111 " p n amento" único, haverá ainda possibilidade de criação? Haverá ainda
dade do ser a partir da qual se dá o incessante e vivo diálogo do homem com o mund
•1111 1q1 1 • f, .a os ossos ressequidos do desértico mundo atual se erguer e ganha-
"11 '" ,, •,., ngue, vitalidade, sensibilidade e compreensão?
• 1-1 IDE ,ER. M. il minh o do ,1n11JU (1 ')11 ') ) /11 ' ll,·v /, 1,. V1 ,, , .;,, ' "'" 11 , 111 , o/• ,1,, 1tJ // , 11 li, p i, /
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15
Tudo se torna, hoje, uma questão de produção e de consumo. Tudo se tor , 111 não crê tem na consciência uma vida fugaz •

insumo para a sociedade da produção, que, ultimamente se apresenta como soe 1, (Il i seja, pela capacidade de se ater ao verdadeiro, de se apoiar na verda-
dade do conhecimento . Mas o conhecimento já não é outra coisa do que know-ho II w 111 "e põe de pé e insiste e resiste nas demoras do tempo, crescendo e
Tudo se funcionaliza e se torna componente de algum sistema . Entretanto, podem , ,•iH I , fundando o que permanece. O homem histórico é, pois, desafiado a
reprimir as perguntas mais radicais, que tocam de cheio o ser humano no mais ín d1• , ter-se ao verdadeiro e somente atendo-se ao verdadeiro é que ele
mo e na radicalidade de sua existência e historicidade? Não estamos todos por 1 1• p •rmanece de pé na passagem do tempo .
mais abalados em nossos próprios fundamentos? A partir donde construir possib
, 1 u ,t , 0 verdadeiro não é verdadeiro a não ser por força e graça da verdade.
dades novas de passagem e ultrapassagem dessa crise? Pode o espírito que mo
1, " " é o verdadeiro. A verdade é o que torna tal o verdadeiro . O verdadeiro
nos presentear com uma nova parusia, com uma nova presença, vigor e vitalidad
, , " i•nte como a verdade está para o ser. Se chamarmos de " fé" o ater-se ao
Pensar em meio à morte do espírito não requer fé? Mas, há uma fé do pensar? E
1111 ri> nte, não deveríamos chamar de "fé" ainda mais ao ater-se à verdade
que consiste esta fé?
rJ, 11 1 poderíamos entender de modo novo o "crer" do pensar, no sentido
1 11ir , como o seu modo de se relacionar e de se comportar com o ser, isto

3 O "crer" do pensar 1, 1, ,1 lo de estar atento, recordar, esperar, seguir e custodiar a verdade do ser?
ir i.1·, ) la vras, não poderíamos entender o "crer" do pensar como o estar de
1
O que é, no contexto do pensar, crer? Tomemos como fio condutor uma ind i
• ",, , 11 •rn na relação com o ser, como o cuidar do ser na morada da linguagem,
ção de Nietzsche:
, vrV!' r a vida do espírito na correspondência ao apelo e ao silêncio do ser
O que é uma fé? Como ela surge? Toda fé é um ter-por-verdadeiro 13 . 11•, ,lavras do tempo? E a reverência, a veneração, a piedade desse "crer"
11
,1, , 1,11,, justamente, na disposição de, sempre de novo e de modo novo, per-
Em alemão, a expressão aqui traduzida por "ter-por-verdadeiro" se diz Für-wah
halten. Fé é atinência (Ha/tung) ao verdadeiro. O verbo ha/ten, aqui traduzido p , I1I, .. ,li nar, buscar, indagar o sentido do ser?
"ter", diz, na verdade, ater-se, no sentido de apegar-se a, apoiar-se em. Nesse senl 1,-
1 1lc, pensar, nesse caso, não seria o contrário do saber. Seria, antes, o saber
do, fé é apegar-se ao verdadeiro, quer dizer, é apoiar-se, reger-se, sustentar-se, fi , ,1 1· 1ll ndido como o saborear, em que ao homem é dado o gosto, a afeição,
de pé, amparando-se no verdadeiro. Segundo essa compreensão de fé, o verdad eu , 111, 1. 1 r velação do ser. Trata-se, pois, de um saber que cresce e matura a partir
é o apoio (Halt) em que o homem se apóia, para poder ficar de pé na sua existênc1 t. r que indaga, sempre de novo, pelo sentido do ser. Se entendermos
1 1111 1 I
Esse ficar de pé, porém, para o homem criativo, "que não acredita em mais nad,1 ,, ', 1,, 1" e o " saber", então, merecem o nome de crentes, propriamente, aque-
isto é, que pensa criativamente, à medida que conhece, cria e ama, só se dá a pa i t
1I,•I pinta m, sondando o sentido do ser:
do salto de sua liberdade. É nesse sentido que Nietzsche adverte:
11,. pi•r untadores deste tipo são os originária e propriamente crentes, ou seja, aque-
Vós, os que conseguis ficar de pé por si mesmos -vós deveis aprender a colocar-vo, 1• , qu . fundamentalmente, tomam a sério a verdade mesma e não somente o verda-
vós mesmos de pé, do contrário caireis 14 . d••tr o, , queles que põem a decisão se a essência da verdade vige e se esta vigência
,
11 1
,,q,1 conduz a nós, os que sabem, os que crêem, os que agem, os que criam , em
A fé do pensar é exercício de extrema e radical autonomia da liberdade, ond
hi stóricos 16 .
homem se posiciona a si mesmo a partir de si mesmo, ou seja, a partir do verdad ir
por ele encontrado na busca do questionar. Soment a utonomia dá vigor 1
resistência e consistência à exist ência do hom m . p , i,,r q 11 1• Ni 1- he adv rtt·
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Para o pensar, "crer" é encontrar demora (Aufenthalt) na verdade do ser; é 11 1n tn=i a serenidade (Ge/assenheit) da origem, onde todas as coisas encontram
contrar apoio e amparo (Halt) no ser mesmo. Pensar é sondar (ergründen) o 1 11 . m-casa e onde o homem encontra a sua demora mais própria (Aufenthat) .
como fundo e fundamento (Grund) do ente. Afinal, a pergunta fundamental do p 1... ,I,rir se aquieta no saber jovial e sereno da liberdade criativa .
sarnento não é a pergunta pelo fundamento mesmo de todo o ente? Não é aqu IJ r , porém, é justamente o Ser, que todo ente, a cada vez e sempre de novo, deixa
pergunta que Leibniz tão bem formulou ao indagar: "porquoi li y a plutot quel ,, .,, que é e como é, o Libertador, o que deixa cada coisa repousar em sua essência,
chose que rien?" (por que há alguma coisa, em vez do nada?). 1•, 10 , o que a cada ·coisa trata com cuidado e carinho 19 •

Entretanto, o ser só aparece como fundo e fundamento do ente à medida qu 11 .. 11 , pois, um salto . Trata-se, porém, de um salto que, justamente ao saltar,
apreendido a partir do ente! Nele mesmo e a partir dele mesmo, o ser não t dll', mO em que salta . Esse salto é a verdadeira passagem. Trata-se, porém, de
fundo, nem fundamento, justamente por ser fundo e fundamento do ente, ou s , .•.. ItJ m que, j ustamente ao passar, lança uma ponte sobre o abismo, rece-
do fato de haver alguma coisa e não nada. Isso 1quer dizer que, nele mesmo e a pa ', 11,10 em que se apóiam os seus próprios passos. Por isso, o sa lto para dentro
dele mesmo, o ser vige e vigora como o que não tem fundamento, como aquilo 1111 1cio nada da gratuidade não é um salto para o sem -chão. É antes, o salto
relação ao qual não faz sentido pergunta r "por quê", com outras palavras, o ser v1 .1 I,mergi r o chão, a Terra, onde o pensar, por consegu inte, a existência do
e vigora, nele mesmo, como o sem-fundo, o não-ente, isto é, como o abismo 11 ,. , , ontra demora e morada, recolhendo-se na sua fin itude.

nada, melhor ainda, como o abismo do nada do "sem por quê", como o abismo
1 •,< h nos fala desde uma experiência do pensar, em que a radicalidade do
nada da gratuidade.
,11. 11 que busca as origens conduz ao deserto da solidão e da angústia e, por
O abismo do nada da gratuidade foi apreendido no pensamento místico de Eckh 11111 nu ma passagem inusitada, reencontra o sagrado em meio à desolação da
(séc. XIV) e de Angelus Silesius (séc. XVII) . Convém, aqui, reportar os seus ditos, a f •,•,11 11, numa anotação para o Zaratustra, datada de 1883, ele escreve:
de acenarmos para esse nada, para esse abismo da gratuidade. Para o vivente, s 1111 .i lrás das origens - o que me alienou de todas as venerações: e tudo ao redor se
viver, recorda Eckha rt . E no Sermão V da sua obra latina, ele diz : 111111 u solitário e estranho para mim . Mas, por fim, do seio do mistério rebentou de
Fosse possível perguntar sem fim à vida: o que é viver e por que vida ?, a resposta s 1111v o venerando mesmo - e eis que nasceu para mim a árvore do futuro . Agora vivo
sempre a unidade da vida no viver, a identidade de vida e viver: vivo porque vivo, v 1•1 1t.1do em sua sombra20 •
por e para viver 17 .
1,.• ,1•,<1 r impõe, na sua radicalidade, a capacidade de "alienar-se de todas as
Por sua vez, o abismo do nada da gratuidade que rege e sustenta o nascer, cr , 111• ·," , ou seja, a capacidade de des-crer. "Eu não creio em mais nada - esse é
cer e consumar de todo o viver foi cantado nos versos pensantes do médico, poe t , 11 111cl de pensar de um homem criativo", diz Nietzsche21 • Esse não crer em
místico Johannes Schafler, sob o pseudônimo de Ange/us Silesius (o Anjo da Si/és1 111 1,111.10 é indicação de ceticismo ou niilismo. Não é desespero diante de todo
111 11• 111 e ação . Não é fugir de toda decisão e tomada de posição . Se assim
A rosa é sem por quê / floresce por florescer/ não olha pra seu buquê / nem pergur
se alguém a vê 18 . ,1, 1 , •,t•ria um modo de pensar ajustado ao modo de ser de um homem criativo.
11 , .. 111 11.10 aposta na possibilidade do conhecimento e da ação e não arrisca
No abismo do nada da gratuidade, que deixa ser (sein /asst) o aparecer e o t
, ,. lomadas de posição jamais pode ser criativo . O não crer em mais nada,
nar-se presente de todo o ente, o pensar repo usa e se recolhe. A ele o pensar
11111 111·,to modo de pensar de um homem criativo, deve significar, pois, outra
abandona e se entrega (sich verlasst) . No vigorar de seu mist éri o (Geheimnis) , o pI
1,lv,,, \ig nifi que, justamente, a precisão e o rigor crítico do pensar, enquanto

17 M e trc Ec kh art. apud LEÃO. E. . Aprcnrlc•nrlo ., / Jí'/11, ,, / 11 ,,, •., ... ,,,1,·1111111, 111111/,•111/<f.11 /, , , , , ,., 1<'ilr1f. "(,,,11. ,111, M /Jf,, /\ 11 riul. ln: H •id íJIJ P I , I111l iPn, Vol. 1O, 1994, Berlin : Dun cker & Humblot, p. 9.
num nt;idn <' r ·vi•:Jdíl), Tl'rP·,ópo ll-.. 0,1 ii11or1 dilo1.i, )( )(i li p !, 1 1 1, 1 ( 1lo·1d,•qq1·1 ,. ,1 (• 11," 111 1/,•v"'" t, ·1111111 11,.1 •. //('i10 , n. 1 7, Rio <Ir l,,nr iro, 700'1. p.
'" \ 111 \llJ\ , f\ ( lw111/,,11/•.tll!'IW.111,l,•1 ·. 111,11111 / l//',,l/,•11/111,,1/,,,,,1,1,,,11 li 111,,,,,11 1•.,.,111,., l'l ' l /, 11 ll'i, p 1 W•'I ~• •, 11, 1' / ',IJ /\1111dl!lll•l 1,,,11 1 1 N1,•l",, l 11• / \l1 1ilq.111 N, ... k,· , l'l'lH, 1, J/1(,
esse não está disposto a acolher sem mais o que lhe é dado. Para o pensar nada e
dado pronto, tudo é uma tarefa de responsabi lização humana . O pensar não se
Liberdade em John Stuart Mill:
na realidade, antes, ele deixa ser as possibilidades sempre novas e criadoras da vi
O pensar não se detém nas formas rígidas e estereotipadas da vida, ao contrá rio, Positiva ou negativa?
se dá na forma de um olhar projetivo e criativo, que intui no fundo da vida possi
dades novas de configuração. A capacidade de intuir essas possibilidades latent es
vida e de trazê-las à fala faz do pensar um modo de ser criativo, isto é, que co mun
a vitalidade da vida em toda obra. Essa capacidade criativa irmana o pensar ao e
e ao amar. "Todo criar é comunicar. Aquele que conhece, aquele que cria e aqu Emmanuel lfeka Nwora •
que ama são um" , diz Nietzsche22 . Por isso, o pensador, o art ista e o santo são um
partir do f undo abissal da vida.

Nosso tempo é um tempo de passagem . O homem da passagem deve poder


Resumo: Este artigo pretende anal isar o conceito de liberdade e seu
um homem criativo. Ele deve poder passar da desolação e angústia gerada pel a b
alcance político e social, apresentar seus dois polos - neg ativo e posi-
ca radical do pensamento, e sua conseqüente " perda de veneração", para o reenc tivo - no discurso de lsaiah Berlin, com o objetivo de entend er melhor
tro livre, jovial e sereno do que é por si mesmo digno de veneração. O homem q a defesa que John Stuart Mill faz da liberdade individual. Mill é um
arrojado defensor da liberdade individual na soci edade sociopolítica.
pensa deve poder ser não somente aquele que se encontrou no deserto da dúvi Ele afirma que há um limite para a interferência legítima da autorida-
isto é, no ermo e na desolação do questionamento, mas também aquele que de civil e da opinião pública na vida particular do indivíduo. Muitos
autores enxergam em Mill um defensor apenas da liberdade negati-
encontrou com o inusitado e inesperado irromper da "árvore do futuro" e que pô va; no entanto, meu argumento é que há suficientes provas indutivas
aprender a descansar à sua sombra . e textua is em Mill para considerá-lo também um defensor da liberda-
de positiva .
Palavras-chave: liberdad e, coerção, indivíduo, lsaiah Berlin, John Stuart
Mill.

1 Biografia de John Stuart Mill


John Stuart Mill nasceu em 20 de maio de 1806 em
Pentoville, então subúrbio de Londres. Seus pais, James e
Harriet Mill tiveram nove filhos e John Stuart era o mais
velho. Desde cedo, James Mill sujeitou seu filho, John
, " 1li ,· J Nwora é gra-
Stuart, a uma educação e formação intelectual rigorosas.
"' 1,1, ,·.,> fici pela Univer-
,11 11111 i. 1 Urba nia na, Ele acreditava que a mente de uma criança é uma tabula
" i,11 ,f, ...,, r de filoso-
,, 11 ,, ,, 11 > MJior Espírito rasa que precisava de um regime rigoroso para ser ade-
1 il11 1o1 •./ I de 2004-
, ,1.,,,. ,,1, ,, l· 111 stranclo quada mente cultivada e educada. Essa convicção o levou
11 ll11iv1 '1\irl;id c d
1 11.1
,1 i~ol.11' John tuart de outros meninos da sua idade, pa ra
, , ·"''' ''"' o~ 11oi; i-
• 1 •I ' ,, 11 11 , 111 11l .ii , 1/ I 1 •.1q, •!lo1 lo o1 11111 \q u ma d form açã o int elect ual co m di-
1,1 11',' ' I li Ili 1 1,1o1 1I
11 Ni 1• 11·.ii1 ",Wl'1k••, Xll , p / ', () /\p1 11l l-lll lll (1(, ll 1, M Nll'I 1/11 1 1t11!,p11 fl, I" 1111111, p 1'1/ 11 1u 11 1111y, 1lio11 1 o 11l• 11 •1ln 1111 •11 .i." 11111.i IHll.t li (1ri ,1 Ir· rr r i .

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