Resumo
Partindo de considerações gerais sobre o cuidado, o texto aborda algumas contribuições feren-
czianas para a ética psicanalítica, enfocando a hospitalidade, a empatia e, especialmente, a saú-
de (cuidado de si) do analista como figuras do cuidado na clínica contemporânea. A questão
técnica da transferência negativa na situação analítica é destacada como um momento crucial
para o analista e decisivo na travessia de uma análise.
tantes para suscitar nelas a vontade de mor- mesmo jeito que a família precisa se adaptar
rer”. Possuíam uma capacidade insuficiente às necessidades da criança, a técnica do ana-
de adaptação e quando não utilizavam um lista deverá ser flexível e elástica para acolher
dos numerosos meios orgânicos para desa- e entrar em sintonia com o infantil presente
parecer rapidamente, conservavam um certo em cada paciente adulto.
pessimismo, ceticismo e desconfiança como A empatia é a tendência do analista ser
traços de caráter, além de algum grau de in- sensível às comunicações verbais e não ver-
fantilismo emocional. Diante de tais casos de bais de seu paciente, podendo colocar-se em
diminuição do prazer de viver é que Ferenczi seu lugar, sem, entretanto, perder os referen-
fez suas tentativas de elasticidade da técnica, ciais próprios e, a partir de então, sentir e
quando se viu pouco a pouco na obrigação pensar como se fosse o paciente. A empatia,
de reduzir cada vez mais as exigências quanto dessa forma, indica uma habilidade relacio-
à capacidade de trabalho dos pacientes: nal de identificação (KAHTUNI, 2009). Pos-
tular que sentimentos e ideias de analista e
Deve-se deixar, durante algum tempo, o pa- paciente podem entrelaçar-se e que o outro
ciente agir como uma criança [na situação à minha frente não é “uma representação de
analítica, permitindo-lhe] “desfrutar pela pri- meu ego”, mas um ser real com quem posso
meira vez a irresponsabilidade da infância, o me identificar, explicita um reconhecimento
que equivale a introduzir impulsos positivos do outro em termos éticos, em uma ampli-
de vida e razões para se continuar existindo. tude até então pouco valorizada nos textos
Somente mais tarde é que se pode abordar, psicanalíticos (COELHO JÚNIOR, 2004).
com prudência, essas exigências de frustra- O tato psicológico, por sua vez, designa
ção, que, por outro lado, caracterizam as nos- tanto a capacidade do analista de distinguir
sas análises (FERENCZI, 1992, p.51). e escolher o momento justo da intervenção
terapêutica adequada quanto o modo de re-
Ao preconizar o princípio do relaxamento alizar essa intervenção. O tato se relaciona
na situação analítica, Ferenczi pretendia dar com o ritmo e o tom da intervenção.
espaço às vivências traumáticas da infância. Para Ferenczi, os processos empáticos, de
Diferentemente da técnica ativa, o relaxamen- tato e de avaliação crítica de um analista bem
to e a neocatarse buscam uma repetição dife- analisado, não se desenrolarão no incons-
renciada, na medida em que o analista age de ciente, mas no nível pré-consciente. Ou seja,
forma diferente daquela vivida pelo paciente antes de valorizar a empatia como a marca
na infância. A posição do analista precisa do inefável, que teria sua origem nas pro-
oscilar entre a frustração e o acolhimento fundidades de um insondável inconsciente,
benevolente (MAIA, 2003). De acordo com Ferenczi criteriosamente situa a possibilida-
Ferenczi (1992), “a semelhança entre a situa- de empática de um analista (diríamos ‘bem
ção analítica e a situação infantil incita mais, analisado’) no nível pré-consciente.
portanto, à repetição; o contraste entre as
duas favorece a rememoração”(FERENCZI, V – Saúde do analista
1992, p.76). Com efeito, para Ferenczi, a análise profunda
do analista seria a segunda regra fundamental
IV – Empatia da psicanálise. Enquanto a regra fundamen-
Em “Elasticidade da técnica psicanalítica” tal (o uso da associação livre pelo paciente
(1928), Ferenczi destacará o valor da empa- e da atenção flutuante pelo analista) é uma
tia na situação analítica e do tato psicoló- recomendação técnica que visa à instauração
gico do analista frente às singularidades do da situação analítica, a segunda regra é, em
paciente e às dificuldades de cada caso. Do especial, uma exigência ética, ressaltando a
responsabilidade do analista na condução destas por uma sessão, Phillips afirma: “Não
do processo de seus pacientes e a única base quero fazer parte da cultura que acredita que
confiável para uma boa técnica analítica. uma coisa é boa se for cara”. Sobre raramente
Em outro trabalho (BOUWMAN, 2009) aceitar celebridades como pacientes, ele re-
procuramos demonstrar como Ferenczi, ao força: “Essa é exatamente a cultura da qual
longo de sua trajetória clínica, esboçará uma eu não quero fazer parte”. Furtando-se a con-
“metapsicologia dos processos psíquicos do ferências profissionais, Phillips prefere falar
analista durante a análise”, revelando a com- a estudantes universitários, que “têm mais
plexidade do trabalho do analista. Ferenczi vida, são mais engajados, mais apaixonados
(1919) descreveu as diferentes tarefas do e mais destemidos” (NAPARSTEK, 2010).
analista durante cada sessão – atenção flutu- São exemplos que dão conta de um posicio-
ante, controle da contratransferência e ativi- namento do analista que visa, entre outras
dade intelectual – e, em “O problema do fim coisas, manter a sua saúde.
da análise” (1928), insistiu que, para exercer Entramos inevitavelmente no campo
a sua função, é indispensável para o analista da singularidade de cada analista e de suas
uma análise profunda, destacando o difícil idiossincrasias. Para cuidar dos outros é ne-
lugar do analista como objeto da transferên- cessário cuidar de si mesmo, logo a dinâmica
cia. Diante da dificuldade e especificidade de existencial entre saúde e doença do analista
seu ofício, o analista precisa cuidar de sua deve interferir em cada análise sob sua res-
saúde. ponsabilidade, em cada paciente sob seus
cuidados.
No decorrer de sua longa jornada de trabalho,
[o analista] jamais pode abandonar-se ao pra- VI – Xeque ao rei!
zer de dar livre curso ao seu narcisismo e ao A figura do analista está em xeque, mas dis-
seu egoísmo, na realidade, e somente na fanta- põe de boas e diversas defesas para escapar
sia, por breves momentos. Não duvido de que do mate! Desenvolvendo um pouco mais
tal sobrecarga – que, por outra parte, quase essa metáfora, existem três defesas possíveis
nunca se encontra na vida – exigirá cedo ou contra um xeque no jogo de xadrez. Captu-
tarde a elaboração de uma higiene particular rar a peça agressora, colocar uma peça de de-
do analista (FERENCZI, 1992, p.40). fesa entre a agressora e o rei ou movimentar
o próprio rei. O analista pode se defender da
Cabe nesta reflexão ampliar o cuidado de “violência” transferencial com uma reação
si do analista para além de sua análise pesso- contratransferencial (atuação), com um ato
al. As questões que se colocam agora são de interpretativo (análise) ou dando movimen-
como o analista repõe as suas reservas aními- to à sua autoanálise (primeiro, sobrevivendo
cas (também as corporais e as mentais) para aos ataques, depois, controlando e analisan-
um bom exercício de sua função e de como do a sua contratransferência).
o analista se posiciona eticamente, perante a Não se trata de abafar uma reação agressi-
cultura atual e, por que não dizer, politica- va nem de medir forças com o analisante, mas
mente também. de manter a análise no nível simbólico, pro-
Sobre hospitalidade, empatia e saúde do movendo, quando possível, insights e trans-
analista me reporto a uma entrevista de Adam formações. A ideia de elasticidade da técnica
Phillips, psicanalista inglês, lida recentemen- trazida por Ferenczi diz respeito à atitude do
te, na qual ele ressalta, como única exigência analista de procurar colocar-se no diapasão
para aceitar um paciente, a de que se sinta afetivo do paciente, sentir com ele todos os
“sensibilizado com aquilo que faça o paciente seus caprichos, todos os seus humores, mas
sofrer”. Sobre o fato de cobrar quantias mo- também ater-se com firmeza, até o fim, à
SOBRE O AU TOR