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Como citar este material:

ERDOS, Andrea de Paiva; GONÇALVES, Robson Ribeiro. Neurobusiness: fundamentos,


performance e resultado. Rio de Janeiro: FGV, 2023.

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deste material são protegidos por direitos autorais e outros direitos de propriedade intelectual, de
forma que é proibida a reprodução no todo ou em parte, sem a devida autorização.
INTRODUÇÃO
Nos dias de hoje, a Neurociência representa uma das três grandes
fronteiras do conhecimento humano. As outras duas são a Física
Quântica – que cuida dos fenômenos ligados ao incrivelmente pequeno –
e a Astrofísica Relativista – que aborda os fenômenos ligados ao
incrivelmente grande. No entanto, das três, a Neurociência é a única que
busca compreender as escolhas e ações de nosso cotidiano e, dessa forma,
trabalha em uma escala propriamente humana. Ao mesmo tempo, a
Neurociência leva consigo, para as fronteiras do conhecimento, múltiplas
disciplinas do campo da Gestão Empresarial e, ao fazer isso, gera um novo
espaço de pesquisa e aplicação, o Neurobusiness. É a partir desse cenário
que o conteúdo do material, a seguir, está situado, convidando nossos
alunos a conhecer melhor a máquina orgânica mais complexa que já surgiu
ao longo dos bilhões de anos da evolução da vida em nosso planeta: o
cérebro humano.
Desde meados do século XX, o avanço da tecnologia permite que,
na atualidade, estudemos essa máquina em ação, buscando compreender
não apenas o seu funcionamento biológico. O propósito do
Neurobusiness é desvendar as relações entre o funcionamento do cérebro
e o contexto social no qual estamos inseridos na vida corporativa, na
gestão de nossas carreiras, nos processos de tomada de decisão, entre
outros aspectos. Nesse sentido, o objetivo principal é lançar uma nova
luz sobre disciplinas tradicionais da Gestão de negócios, como Liderança,
Negociação, Marketing, Finanças, Comportamento do Consumidor,
etc. Dessa forma, ao permitir um diálogo denso entre essas áreas, sempre
com apoio da Neurociência e da sua própria evolução, o Neurobusiness se
mostra muito mais do que um campo interdisciplinar; ele é, na verdade,
transdisciplinar, pois dilui as fronteiras entres as várias áreas de aplicação.
Chama a atenção, nesse sentido, a incorporação da Neuroarquitetura,
que passa a dialogar, nesse novo contexto, diretamente com aquelas
disciplinas tradicionalmente associadas ao campo da Gestão Empresarial.
Desse modo, o material a seguir visa contribuir para o aprimoramento de habilidades
essencialmente ligadas à percepção – intra e interpessoal –, à gestão dos aspectos múltiplos do
processo de tomada de decisão – incluindo os emocionais e os racionais – e às relações humanas,
onde quer que elas se mostrem relevantes, seja portas a dentro das empresas, seja na relação com
clientes, fornecedores ou investidores, seja na compreensão de nossos próprios potenciais e limites
em termos de criatividade, relacionamento ou expressão. A promessa do Neurobusiness é ousada.
No entanto, os resultados se mostram surpreendentes, permitindo conciliar performance e
qualidade de vida com respeito às limitações biológicas de nossa máquina cerebral.
Agora, nosso objetivo é compreender o campo de pesquisa e de atuação da Neurociência
aplicada à Gestão Empresarial, ou seja, do Neurobusiness. Para tal, iremos:
 identificar os conteúdos neurocientíficos de maior interesse para a aplicação ao mundo dos
negócios;
 explicitar as relações entre comportamento, relacionamento, tomada de decisão e escolhas
com os mecanismos de funcionamento do sistema nervoso, e
 aprimorar o desempenho e a produtividade, dentro e fora da vida corporativa, a partir das
aplicações da Neurociência.
SUMÁRIO
MÓDULO I – FUNDAMENTOS DO NEUROBUSINESS ....................................................................... 9

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 9
ERRO DE DESCARTES – RELAÇÕES ENTRE CORPO, MENTE E CÉREBRO ...................................10
Platão e a analogia da carruagem .........................................................................................10
De Ramón y Cajal à década do cérebro ................................................................................11
Caso Phineas Gage ..................................................................................................................12
TEORIA DO CÉREBRO TRIUNO – CONCEITUAÇÃO E DESCONSTRUÇÃO ...................................13
Paul MacLean e a formulação original da teoria .................................................................13
Neuroevolução .........................................................................................................................14
Características do cérebro triuno ..........................................................................................16
MacLean desconstruído ..........................................................................................................17
MEMÓRIA – MECANISMOS DE FORMAÇÃO E A SUA RELEVÂNCIA.............................................19
Inato versus adquirido ............................................................................................................19
Plasticidade cerebral..................................................................................................................22
Tipos de memória ....................................................................................................................23
APLICAÇÕES – VISÃO GERAL DO CAMPO DO NEUROBUSINESS................................................25
Delimitação das fronteiras .....................................................................................................25
Transdisciplinaridade ..............................................................................................................26
Nojo do chefe: um diálogo neurocientífico entre economia, liderança e arquitetura ...27
Aversão à perda .......................................................................................................................28
CONCLUSÃO .....................................................................................................................................29

MÓDULO II – PERCEPÇÃO DO MUNDO ......................................................................................... 31

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................31
SENTIDOS E PERCEPÇÃO.................................................................................................................32
Sentidos.....................................................................................................................................32
Atenção seletiva .......................................................................................................................34
Interpretação da realidade .....................................................................................................34
HEURÍSTICAS .....................................................................................................................................36
Pensar cansa.............................................................................................................................36
Eureka!.......................................................................................................................................37
Tipos de heurística...................................................................................................................38
Vieses cognitivos ......................................................................................................................40
NUDGE – ARQUITETURA DA ESCOLHA ..........................................................................................41
Indução de comportamentos por meio do nudge ..............................................................41
Quando usar o nudge? ............................................................................................................42
Aplicando nudges ....................................................................................................................43
CONCLUSÃO .....................................................................................................................................44
MÓDULO III – APLICAÇÕES EM BUSINESS ..................................................................................... 45

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................45
NEUROECONOMIA ...........................................................................................................................46
O mito do Homos economicus ..............................................................................................46
Economia comportamental: a forma importa tanto quanto o resultado ........................47
Ultimato.....................................................................................................................................48
Rápido e devagar .......................................................................................................................49
NEUROARQUITETURA ......................................................................................................................50
Relação com o ambiente construído.....................................................................................50
Caso Disney ..............................................................................................................................51
Impactos da arquitetura na saúde e no bem-estar ............................................................52
NEUROVENDAS.................................................................................................................................53
De Maslow a Damásio .............................................................................................................53
Demolição da pirâmide ...........................................................................................................55
Funil de vendas e decisão de compra ...................................................................................56
Gatilhos e o reptiliano .............................................................................................................58
NEUROLIDERANÇA ...........................................................................................................................61
Princípios da neuroliderança .................................................................................................61
Modelo Scarf.............................................................................................................................61
Metacognição do líder .............................................................................................................62
Líder alfa....................................................................................................................................64
CONCLUSÃO .....................................................................................................................................65

MÓDULO IV – AUTOCONHECIMENTO E PERFORMANCE .............................................................. 67

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................67
NEUROBUSINESS E ÉTICA ...............................................................................................................68
Neuroética – origem e conceituação.....................................................................................68
Neuroética e ética do Neurobusiness ...................................................................................69
Princípios da ética do Neurobusiness...................................................................................71
PLASTICIDADE CEREBRAL................................................................................................................72
Discussão sobre a plasticidade ..............................................................................................72
Use ou perca: a competitividade do cérebro .......................................................................73
Neurônios usados juntos trabalham juntos ........................................................................74
CRIATIVIDADE ...................................................................................................................................75
O que é a criatividade..............................................................................................................75
Pensamento criativo ................................................................................................................76
Estímulo à criatividade ............................................................................................................76
MINDFULNESS: PERFORMANCE E QUALIDADE DE VIDA ............................................................77
Conceituação ............................................................................................................................77
Desenvolvimento dos três pilares do mindfulness .............................................................79
SNACK de minfulness ..............................................................................................................80
Meditação .................................................................................................................................81
CONCLUSÃO .....................................................................................................................................82

CONCLUSÃO................................................................................................................................... 83

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................ 84

BIBLIOGRAFIA COMENTADA.......................................................................................................... 87

PROFESSORES-AUTORES................................................................................................................ 90

ANDRÉA DE PAIVA ............................................................................................................................90


FORMAÇÃO ACADÊMICA .........................................................................................................90
EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS ...............................................................................................90
PRÊMIOS E PUBLICAÇÕES .......................................................................................................90
ROBSON GONÇALVES......................................................................................................................91
FORMAÇÃO ACADÊMICA .........................................................................................................91
EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS ...............................................................................................91
PRÊMIOS E PUBLICAÇÕES .......................................................................................................91
MÓDULO I – FUNDAMENTOS DO
NEUROBUSINESS

Neste módulo, serão apresentados os conceitos fundamentais da Neurociência aplicáveis ao


mundo corporativo. Também veremos uma visão geral das estruturas e das grandes áreas cerebrais,
bem como dos mecanismos neuronais mais relevante. Exploraremos os mecanismos de formação
de memórias, muito ligados a comportamento e aprendizado, e avançaremos para uma visão geral
do potencial de aplicações no âmbito da Gestão Empresarial.

Introdução
Este primeiro módulo visa oferecer uma abordagem introdutória ao Neurobusiness, voltada
para aqueles que têm pouca familiaridade com o tema ou que conhecem apenas aspectos de algumas
das suas principais disciplinas.
Nesse sentido, apresentaremos uma breve referência histórica sobre a evolução da
Neurociência e, rapidamente, passaremos a explorar as relações fundamentais entre corpo, mente e
cérebro. A seguir, conheceremos as grandes áreas do cérebro e as suas relações de maior interesse, e
3 trataremos de um tema fundamental para todas as aplicações na Neurociência ao mundo
corporativo: memória.
Por fim, abrindo espaço para o conteúdo dos demais módulos, teremos uma visão geral sobre
os potenciais de aplicação da Neurociência à Gestão de Negócios, isto é, o próprio campo de
interesse do Neurobusiness.
Erro de Descartes – relações entre corpo, mente e cérebro
Platão e a analogia da carruagem
O termo neurociência é muito novo, uma vez que o seu uso só se tornou corrente, designando
um ramo específico da Biologia e da Neurologia, a partir do início da década de 1970 (TIEPPO,
2019 e WICKENS, 2015). Ao mesmo tempo, questões relativas à função do cérebro no
comportamento e nas escolhas que fazemos remontam à Grécia antiga e também apontam para
pesquisas futuristas, como a Neurorrobótica, a inteligência artificial e as pesquisas com células
tronco.
Por tudo isso, ao estudar as aplicações da Neurociência às disciplinas típicas da Gestão
empresarial, o Neurobusiness se caracteriza como um campo de vanguarda, dialogando com
pesquisadores que estão na fronteira do conhecimento humano, ao mesmo tempo em que leva
adiante a pesquisa filosófica iniciada na Antiguidade.
Nesse sentido, um dos temas mais típicos do Neurobusiness se refere ao papel – relevância e
limitações – da racionalidade como guia para compreender nossos comportamentos, nossas
preferências, escolhas e decisões. A visão de que instinto, emoção e razão representam elementos
conflitantes no comportamento humano foi proposta por Platão (427-347 a.C.). No seu famoso
diálogo Fedro (cerca de 370 A.C.), o filósofo já afirmava que a alma humana – o termo moderno
seria mente – é como um carro puxado por dois cavalos: um afetivo e outro instintivo. Esses cavalos
estariam amarrados ao carro, e o caminho que ele segue é resultado do equilíbrio instável e da
contínua disputa entre ambas as forças que tentam levá-lo cada qual para um caminho. O condutor
é a razão, que tem a difícil tarefa de manter a carruagem no rumo que ele mesmo define.
Posteriormente, muitos estudiosos como o próprio Aristóteles (384-322 a.C.), o maior
filósofo de todos os tempos, expressaram a tese de que a inteligência, a razão e a memória estavam
localizadas no coração. Por isso, até hoje, quando guardamos algo de memória, dizemos que
“sabemos de cor”, isto é, “de coração”. Para ele, a função do cérebro era apenas esfriar o sangue.
Por isso, até hoje, quando dizemos “esfrie a cabeça”, estamos querendo dizer “acalme-se” e, sem
querer, estamos pagando um tributo à visão errônea de Aristóteles.
No final do século passado, o neurocientista português António Damásio (nascido em 1944)
expôs a compreensão, já bastante consolidada pela Neurociência, de que razão, emoção e instinto
são processos neuronais envolvendo uma ou mais áreas do sistema nervoso central e periférico. Mais
do que isso, a separação entre mente e corpo, sugerida no Discurso sobre o Método de René
Descartes (1596-1650), é completamente falsa, já que o cérebro não é, de forma alguma, apenas
uma “ponte de comando” do corpo que executa as decisões cerebrais. Daí o nome da obra mais
impactante de Damásio, O erro de Descartes, publicada em 1996 pela primeira vez.

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A relevância dessas breves referências para o estudo do Neurobusiness pode ser resumida da
seguinte forma: o estudo das ações, escolhas, dos comportamentos e das relações humanas, típicas da
vida corporativa, ganharam um novo e imenso campo a partir dos novos conhecimentos sobre o
funcionamento de nosso sistema nervoso; e os elementos racionais que estão na base de todos esses
aspectos se mostram, nos dias de hoje, tão ou mais relevantes do que os instintivos e emocionais.

Neurobusiness: o que é?

O Neurobusiness se caracteriza por ser o campo transdisciplinar de aplicação de elementos da


Neurociência às disciplinas tradicionais da Gestão Empresarial.

As suas disciplinas adotam, como regra, um padrão de análise comportamental, sempre


referido a processos típicos da vida corporativa, como as decisões de consumo e investimento
(Neuroeconomia), as relações interpessoais dentro das organizações (Neuroliderança), os
processos de comunicação (Neurocomunicação e Neurolinguística), a influência do ambiente
construído sobre a percepção e as condutas humanas (Neuroarquitetura), etc.

O seu aspecto transdisciplinar decorre das amplas vias de diálogo que se abrem entre áreas
anteriormente isoladas entre si, como Arquitetura e Liderança, por exemplo, ou entre Economia
e Comunicação.

De Ramón y Cajal à década do cérebro


O avanço da Neurociência e, consequentemente, de suas aplicações como as do Neurobusiness
deve muito ao avanço da tecnologia de pesquisa. Nesse sentido, ao final do século XIX, o cientista
(1852-1934), considerado o “pai da Neurociência”, foi o primeiro a observar células nervosas ao
microscópio ótico. Desde então, os novos instrumentos dedicados ao estudo do sistema nervoso
evoluíram rapidamente, passando pelos microscópios eletrônicos e eletroencefalogramas e, nas
décadas finais do século passado, aos equipamentos de neuroimagem, com destaque para a
ressonância magnética funcional.
Atualmente, podemos observar o cérebro humano não apenas vivo, mas em pleno
funcionamento e sujeito a estímulos relevantes para as aplicações à vida corporativa. Estudos assim
estão na origem de disciplinas como o Neuromarketing, que teve um impulso decisivo quando, em
2004, foram testadas as reações de 67 voluntários que aceitaram beber Pepsi ou Coca-Cola, tendo
as suas reações cerebrais registradas por meio de neuroimagens (ver MCCLURE e outros, 2004).
Confirmando que a separação entre corpo e mente é equivocada, esses testes revelaram que
as reações de consumidores não se prendem apenas a aspectos sensoriais, como o paladar, uma vez
que os resultados sugerem a influência direta da marca sobre os processos cerebrais associados ao
ato de ingerir o refrigerante.

11
Caso Phineas Gage
Um dos casos mais amplamente estudados pela Neurociência, mesmo antes que esse termo
fosse utilizado, é a história de Phineas Gage (1823-1860). Gage era um trabalhador nas obras de
instalação de linhas ferroviárias nos EUA em meados do século XIX. No fatídico dia 13 de setembro
de 1848, ele foi o encarregado de colocar a pólvora em um profundo buraco aberto na rocha. O
objetivo, é claro, era explodir a pedra para dar continuidade às obras da ferrovia. No momento em
que ele pressionou a pólvora para dentro do orifício, utilizando um vergalhão metálico, o atrito
provocou uma faísca. A explosão fez a barra, de cerca de 1,5 metro de comprimento, ser projetada
em direção ao seu rosto em alta velocidade. O vergalhão penetrou a cabeça de Gage pela bochecha,
atravessou a parte frontal do seu cérebro e saiu pelo topo do crânio. Incrivelmente, apesar de perder
muito sangue, ele sobreviveu, mesmo perdendo completamente a visão do olho esquerdo. Depois
de alguns dias, ele era plenamente capaz de falar, caminhar e mesmo continuar trabalhando nas
obras da ferrovia.
O que mais interessa para o estudo neurocientífico e comportamental são as mudanças na
personalidade de Gage. Relatos de pessoas próximas dizem que ele passou a ter atitudes estranhas
para a personalidade que tinha antes do acidente. Passou a dizer blasfêmias, palavras chulas,
comportamentos arriscados e até repulsivos do ponto de vista social. Ele perdeu a capacidade de
pensar no futuro e agia de forma imediatista e inconsequente.

Figura 1 – Retrato de Phineas Gage e ilustração do vergalhão que atravessou o seu crâneo

Fonte: https://theoriesonx.wordpress.com/2017/04/24/the-curious-case-of-phineas-gage-the-frontal-lobe/
Acesso em: maio 2023.

A interpretação atual do caso de Phineas Gage sugere que razão e emoção trabalham muito
mais juntas do que se imaginava. Em O Erro de Descartes, Damásio explora outros casos de pessoas
com lesões do córtex frontal que desenvolveram uma incapacidade por vezes absoluta de tomar
decisões. Por estranho que pareça, isso foi decorrência da dificuldade de reagir aos próprios estados
emocionais. A partir dessa observação, o autor sugere que decisões racionais decorrem de uma
avaliação sobre nossas emoções. Segundo Damásio, a razão envolve, é claro, nossa capacidade de
avaliar custos e benefícios, mas a tomada de decisão surge quando damos um basta a essa avaliação.

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No entanto, ao que tudo indica, a razão, por si só, não sabe quando começar ou parar de avaliar
custos e benefícios para poder tomar uma decisão. Parece que nossas memórias emocionais são
decisivas para que uma decisão seja escolhida e adotada, motivando a ação.
O quadro de emoções que guardamos na memória nos dá elementos para selecionar opções.
E, dado que as emoções envolvem reações corporais – batimento cardíaco, dilatação da pupila,
respiração, sudorese, etc. –, o “erro de Descartes” se torna ainda mais evidente.

Teoria do cérebro triuno – conceituação e desconstrução


Paul MacLean e a formulação original da teoria
A chamada teoria do cérebro triuno foi formulada, originalmente, por Paul MacLean (1913-
2007), médico e neurocientista norte-americano. Na atualidade, essa teoria é considerada radical
demais, pois exagera na especialização das três grandes áreas cerebrais. No entanto, ainda se mostra
um excelente ponto de partida para a compreensão da anatomia e da fisiologia do sistema nervoso
central.
Essencialmente, a teoria de MacLean destaca que o cérebro humano atual é resultado de um
processo evolutivo. Mais do que isso, as marcas dessa evolução persistem em nós até hoje de tal
forma que as três grandes áreas de nosso sistema nervoso central – o sistema reptiliano, o sistema
límbico e o neocórtex – surgiram sucessivamente, desempenhando funções que vão desde as mais
primitivas no reptiliano, especialmente comportamentos de luta ou fuga, até as mais avançadas e
cognitivas, típicas do neocórtex e, sobretudo, da sua região pré-frontal.
Entre as várias críticas à teoria, destacam-se a excessiva linearidade em termos evolutivos e o
excesso de “localizacionismo”, isto é, a atribuição de funções cerebrais específicas a áreas relativamente
isoladas do cérebro. No entanto, como vimos anteriormente, até as escolhas racionais, típicas do
neocórtex na visão de MacLean, possuem componentes associados à memória e à emoção – processos
vinculados, sobretudo, ao sistema límbico.
Desse modo, é importante expor a teoria do cérebro triuno como um referencial didático útil
para, em seguida, desconstruí-la, deslocando a ênfase do elemento trino – três cérebros e uma só
mente – para o elemento uno – a relevância dos circuitos que integram várias áreas em cada função
típica do cérebro.

13
Paul MacLean

Paul Donald MacLean (1913-2007) – médico e neurocientista, na Yale Medical School e no


National Institute of Health (NIH) – foi oficial médico do exército norte-americano durante a
Segunda Guerra Mundial. Foi um dos primeiros a utilizar o termo sistema límbico a partir de
estudos sobre epilepsia (1952). Em 1964 e 1966, deu as palestras Thomas William Salmon na
Academia de Medicina de Nova York. Em 1972, recebeu o Prêmio G. Burroughs Mider
Lectureship do NIH. Em 1971, MacLean tornou-se Chefe do recém-inaugurado Laboratório de
Evolução e Comportamento Cerebral, Poolesville, Maryland. Foi, ainda, chefe do Laboratório de
Evolução e Comportamento Cerebral de 1971 a 1985.

A sua teoria do cérebro triuno foi elaborada e apresentada em 1990, no livro The Triune Brain
in evolution: role in paleocerebral functions.

Neuroevolução
A história evolutiva de nosso cérebro pode nos dar pistas importantes para compreender o
seu funcionamento atual. Hoje em dia, nossa espécie, o Homo sapiens, possui o maior cérebro entre
os primatas em termos absolutos, e o aumento progressivo desse tamanho está bem documentado
nos registros fósseis. Nos últimos 2 milhões de anos, esse processo registrou grande aceleração (ver
Figura 2).
Uma característica importante dessa neuroevolução é que nosso cérebro evoluiu, espacialmente,
de dentro para fora e, no caso das camadas mais externas, o córtex, de trás para frente. Com isso, as
áreas mais primitivas do sistema nervoso central, que MacLean chamou de sistema reptiliano, estão
localizadas bem no interior do crânio, quase como um simples prolongamento da medula e
diretamente ligadas a ela. Até hoje, o cérebro dos répteis e dos peixes – menos desenvolvidos do que
o dos mamíferos, por exemplo – está quase inteiramente limitado a essa área.

14
Figura 2 – Evolução do crânio humano. Dimensão em centímetros cúbicos (cc).

Fonte: elaboração dos autores.

Voltando ao cérebro humano, sobre as estruturas do reptiliano, encontra-se o que MacLean


chamou de sistema límbico, bem mais desenvolvido em espécies animais com comportamentos
sociais e de bando. Por fim, sobre esses dois sistemas, surge o córtex, a chamada massa cinzenta,
tipicamente enrugada – com sulcos – e que, no caso dos primatas e do ser humano em especial,
ocupa a maior parte do volume total de nosso encéfalo. O córtex também está presente, por
exemplo, nas aves, mas é bem menos desenvolvido nesses animais. As camadas mais externas dessa
grande estrutura, ausente nas aves e típica dos mamíferos, é chamada de neocórtex. Dentro dessa
grande área cinzenta, uma subárea em especial faz de nós, humanos, o que somos: o neocórtex pré-
frontal, a região cerebral bem atrás de nossas testas. Essa é uma área muito desenvolvida nos seres
humanos em comparação com outros animais. É a área essencialmente executiva do sistema
nervoso, capaz de processos associados à análise de causa e efeito, avaliação de riscos, autocontrole,
projeção de cenários futuros, sejam de ameaça ou de recompensa, precisamente a área mais afetada
pelo acidente de Phineas Gage, visto na Unidade anterior.

15
Características do cérebro triuno
Mantendo em mente que a teoria do MacLean é apenas uma primeira aproximação didática
para o estudo do cérebro, podemos resumir da caracterização das três grandes áreas do cérebro da
seguinte forma (Gonçalves e Paiva, 2018, p. 29):
a) Cérebro reptiliano – parte mais primitiva e instintiva do cérebro. Nessa área,
concentram-se processos involuntários, menos conscientes e instintivos voltados para
satisfazer as necessidades básicas, como reprodução, dominação, autodefesa, medo, fome,
fuga, etc. A área também é responsável pelos processos automáticos, como a respiração e
o ritmo cardíaco, e se localiza no tronco encefálico, no diencéfalo e nos gânglios da base.
Muitas reações instintivas, como puxar o braço quando a mão encosta em uma superfície
quente ou pontiaguda, envolvem reflexos medulares que, primariamente, sequer
envolvem o encéfalo.
b) Cérebro paleomamífero ou sistema límbico – parte do cérebro responsável pelos
sentimentos e experiências emocionais. Também está associado ao armazenamento e à
recuperação de memórias permanentes. Segundo MacLean, está presente tanto no
cérebro de mamíferos como no de aves. É formado pela parte média da superfície cerebral
(parcela mais interna do córtex) e por estruturas como o hipocampo, a amígdala cerebral
e o núcleo acúmbens.
c) Cérebro neomamífero ou neocórtex – parte lógica, racional e executora do cérebro.
Especializada em processos de compreensão de causa e efeito, autocontrole, codificação e
decodificação de elementos da linguagem, sobretudo visuais. Corresponde às camadas
mais exteriores do córtex e é bastante desenvolvida em mamíferos superiores e,
principalmente, no ser humano.

Figura 3 – Três grandes áreas do cérebro humano

Fonte: Gonçalves e Paiva (2018, p. 39).

16
Pode-se ver que MacLean sugere que o cérebro humano guardou marcas estruturais da sua
evolução na sua estrutura atual. No centro, está o velho cérebro, o reptiliano. Logo depois, vem o
cérebro intermediário ou sistema límbico, que se desenvolveu muito ao longo da história evolutiva,
com as primeiras gerações de mamíferos, inclusive antes do surgimento dos primatas e, por isso,
também é chamado de cérebro paleomamífero. E, na periferia, por fim, o neocórtex – a parte mais
externa do encéfalo atual e que recobre as estruturas mais velhas.

MacLean desconstruído
Apesar de muito didática, a teoria do cérebro triuno deve ser vista com cautela, pois, em
grande medida, tornou-se datada. Os avanços da “década do cérebro” e das pesquisas que se
seguiram revelaram que é preciso descontruir amplamente a visão do MacLean. Autores como
Tieppo (2019) esclarecem que a visão de MacLean é excessivamente linear e, frente aos estudos
mais recentes sobre o funcionamento dinâmico do cérebro, está superada. Em boa medida, essa
crítica se apoia nas novas teorias da evolução. Esse é um processo que se dá por ramos, como os
galhos das árvores, e não de forma retilínea. O próprio cérebro dos répteis, por exemplo, continuou
evoluindo e encontrou soluções diferentes para a perpetuação da sua espécie, se comparado ao dos
primatas, por exemplo. De modo semelhante, o neocórtex é, de fato, menos desenvolvido nas aves.
E, como essa área está muito associada às habilidades motoras e à capacidade de aprendizado, além
de habilidades complexas de comunicação, como compreender o fato de que tais habilidades
estejam tão presentes em algumas espécies de pássaros? Ao mesmo tempo, sabe-se que os não
mamíferos não possuem um neocórtex propriamente dito, composto por seis camadas de neurônios
ao todo. Apesar disso, esses animais têm regiões no pálio dorsal – área mais interna do córtex – que
desempenham funções semelhantes às do neocórtex dos mamíferos – o que inclui percepção,
aprendizado e memória, tomada de decisão e controle motor.
Outra crítica possível se refere às interações entre as diferentes regiões cerebrais,
negligenciadas pelo excessivo “localizacionismo” da teoria do cérebro triuno. Diante de uma
expectativa de recompensa, por exemplo, as áreas mais primitivas do reptiliano podem disparar um
neurotransmissor chamado dopamina. Essa substância percorre um caminho em nosso encéfalo –
chamado de circuito dopaminérgico –, interagindo com áreas do límbico e do neocórtex. A
excitação típica da expectativa de recompensa – seja um prêmio em dinheiro, um alimento saboroso
ou a perspectiva de fazer sexo – envolve todas as grandes áreas cerebrais, de modo que nosso
comportamento não pode ser compreendido de maneira correta por meio de uma visão
excessivamente segmentada das grandes áreas cerebrais.
O esquema a seguir corresponde a uma visão mais atualizada a respeito das diferentes áreas
de nosso sistema nervoso.

17
Classificação anatômica básica do Sistema Nervoso Central

SNC

Encéfalo

Cérebro Cerebelo Tronco Encefálico

Telencéfalo Diencéfalo Medula


espinhal
Núcle Tálamo,
Córtex Córtex Núcleos
os da hipotálamo, Mesencéfalo Ponte Bulbo
cerebral cerebelar profundos
base epitálamo
Estruturas do sistema límbico

Fonte: adaptado de LENT, 2015, p. 21.

Tudo isso mostra que nosso cérebro é muito mais uno do que trino e, como já sugeriu António
Damásio (1996), mesmo nossas decisões mais racionais exigem certa avaliação emocional baseada
em nosso repertório de memórias afetivas.

18
Resumindo:

O neocórtex corresponde às três últimas camadas do córtex cerebral. Assim, é uma espécie de
“capa” ou superfície mais externa do nosso encéfalo.

O neocórtex se desenvolveu mais recentemente na escala de evolução. Por isso, recobre outras
áreas corticais denominadas (em algumas classificações mais aceitas) de mesocórtex e
alocórtex.

Nos humanos, o neocórtex corresponde a 90% do córtex total, restando ao mesocórtex-


alocórtex os 10% restantes.

A complexidade e a capacidade de processamento do necórtex são muito superiores. Já o


alocórtex responde por algumas funções, como o processamento olfativo.

Figura 4 – Camadas do córtex cerebral

Fonte: https://human-memory.net/allocortex/

Memória – mecanismos de formação e a sua relevância


Inato versus adquirido
Quando observamos diferentes grupos de pessoas, fica claro que diferenças na constituição
física (cor da pele, altura, cabelo e outras) são biológicas. No entanto, as diferenças comportamentais
costumam confrontar o observador com um problema: elas são determinadas cultural ou
geneticamente? Ao longo da história, grande parte das discussões sobre as origens ou causas do
comportamento nos revela a existência de uma questão altamente controversa. Trata-se da questão
inato-adquirido, tema que será discutido neste tópico.

19
No campo da filosofia, o debate entre inato-adquirido se torna bastante acirrado. Filósofos
como John Locke (1632-1704) defendiam que o ambiente é o principal responsável pela formação
das características básicas do homem, especialmente da sua capacidade intelectual. Segundo ele, a
mente do recém-nascido era uma tábula rasa, que seria preenchida pelas experiências vividas. O
psicólogo John B. Watson (1878-1958), fundador do behaviorismo nos Estados Unidos, foi um
dos adeptos mais importantes dessa ideia. Ele defendia uma explicação "cultural" ou "ambiental"
do desenvolvimento do comportamento humano. Para ele, os humanos são seres infinitamente
maleáveis, quase totalmente a mercê do seu ambiente. Por outro lado, filósofos como René
Descartes (1596-1650) defendiam a ideia de que muitos dos nossos comportamentos são inatos.
Ou seja, nós nascemos com determinadas tendências e propensões, que não podem ser alteradas
por aprendizagem. Afinal, quais são as diferenças entre comportamentos inatos e adquiridos?
De modo geral, comportamentos inatos são bastante previsíveis e apresentados de uma
maneira bastante similar por todos os membros de uma espécie. Por exemplo, um recém-nascido
sugará qualquer coisa que toque o palato superior da sua boca, garantindo que ele consiga se
alimentar. Esse é um tipo de comportamento inato, já que o bebê não precisa aprender como nem
quando se faz. Nesse caso, o ato de sugar é um reflexo instintivo que já vem pré-programado no
bebê desde o seu nascimento.
Outro tipo de comportamento inato são os padrões fixos de ação, que é uma série previsível de
ações desencadeadas por um estímulo-chave. Um exemplo desse tipo de comportamento é o que
ocorre com os gansos-bravos. Se o ovo de uma fêmea rola para fora do seu ninho, ela usará,
instintivamente, o seu bico para empurrá-lo de volta ao ninho em uma série de movimentos
previsíveis. A visão de um ovo fora do ninho é o estímulo que desencadeia o comportamento de
recuperação. Esse padrão de comportamento inato é muito útil para garantir a sobrevivência da
espécie, já que a recuperação do ovo garante uma chance maior de nascer mais um filhote. No entanto,
se o ovo que rola para fora do ninho é levado embora, a mãe-ganso continuará movimentando a
cabeça como se estivesse empurrando um ovo imaginário. Com isso, percebemos que os padrões fixos
de ação se mantêm depois de engatilhados, mesmo quando eles não são mais necessários.
Comportamentos adquiridos ou aprendidos, por sua vez, permitem que um ser vivo único –
e não toda a sua espécie, necessariamente – adapte-se às mudanças no ambiente vivenciadas por ele.
Ou seja, comportamentos aprendidos são modificados por experiências anteriores. São exemplos de
comportamentos aprendidos a habituação, o condicionamento clássico, o condicionamento
operante e a cognição.
Habituação é um comportamento simples aprendido no qual um animal, gradualmente, para
de responder a um estímulo após um período de exposição repetida. Quando mudamos de
emprego, as rotinas e a forma de trabalho de uma empresa com a qual não estamos acostumados
podem gerar algum nível de incômodo. No entanto, com o passar dos meses, vamo-nos habituando
às novas rotinas, e elas passam a acontecer de forma mais automática.

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No condicionamento clássico, uma resposta já associada a um estímulo é associada a um novo
estímulo, com o qual não havia conexão prévia. O exemplo mais famoso de condicionamento
clássico vem de um dos experimentos de Ivan Pavlov, no qual cães eram condicionados a salivar –
uma resposta previamente associada à comida – ao ouvirem o som de um sino. Todas as vezes que
um cachorro recebia comida, um sino era tocado ao mesmo tempo. Isso repetido muitas vezes faz
com que o cão passe a associar o som do sino com a comida, provocando a salivação mesmo quando
a comida não estava presente (PAVLOV, 1927).
Por sua vez, o condicionamento operante – investigado pelo psicólogo B. F. Skinner – não
depende de uma combinação estímulo-resposta existente. Quando o organismo executa um
comportamento aleatório, como pressionar uma alavanca, ele é punido ou recompensado. De
acordo com a punição ou com a recompensa, o organismo é estimulado a repetir ou não o mesmo
comportamento (GODDARD, 2017).
O condicionamento e cognição são comportamentos aprendidos mais complexos. Ratos, por
exemplo, aprendem a navegar em ambientes complexos, como labirintos. Já os chipanzés
conseguem prever resultados de ações antes mesmo de executá-las, conforme percebeu o cientista
alemão Wolfgang Köhler. Para isso, ele pendurou bananas na gaiola dos chimpanzés em uma altura
que eles não as alcançavam e espalhou várias caixas aleatoriamente no chão. Vendo esse dilema,
alguns dos chimpanzés empilharam as caixas, subiram em cima delas e pegaram a banana. Ou seja,
tal comportamento sugere que eles podiam visualizar o resultado de empilhar as caixas antes mesmo
de realizarem a ação.
Em resumo, o comportamento inato é geneticamente determinado em um organismo e pode ser
apresentado em resposta a um estímulo sem que haja experiência prévia. Já o comportamento adquirido
é aquele que um organismo desenvolve como resultado de experiências vividas. Não obstante,
atualmente, a neurociência comprova que há uma interação direta entre biologia e experiência. Alguns
genes com os quais nascemos podem vir a se manifestar – ou não – a depender do ambiente em que
vivemos, como é o caso do gene da esquizofrenia. Nesse caso, o gene é inato, mas a sua expressão é
desencadeada pela interação com o meio. Ou seja, inato-adquirido é uma via de mão dupla na qual a
biologia influencia a experiência e, por sua vez, a experiência transforma a biologia.

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Paul Ekman (nascido em 1934)

As emoções são um assunto bastante discutido em neurociência. Debates sobre como elas
acontecem no organismo, os seus gatilhos e impactos no comportamento ainda geram bastante
polêmica. No entanto, antes de mais nada, uma das primeiras perguntas que surge acerca desse tema
é se as emoções são culturais ou inatas.

Para respondê-la, o psicólogo Paul Ekman foi estudar tribos primitivas isoladas da Papua Nova Guiné.
Com pouco contato com pessoas de fora e sem influência da globalização, os membros das tribos
apresentavam as mesmas expressões faciais que empresários de Wall Street (EKMAN, 2007).

Paul Ekman identificou, pelo menos, 7 expressões que são idênticas: alegria, tristeza, raiva, desprezo,
surpresa, nojo e medo. Ou seja, as emoções são inatas, nós já nascemos pré-programados para
apresentá-las como resposta a determinados gatilhos.

Plasticidade cerebral
Há algumas décadas, acreditava-se que o cérebro humano se desenvolvia até o final da adolescência
e que, depois de atingir a maturidade, apenas definharia ao longo do tempo – processo esse que se
intensificaria quanto mais velho o indivíduo. No entanto, na década de 1990, neurocientistas conseguiram
comprovar que o cérebro humano é plástico. Ou seja, ele continua a se transformar após a maturidade: se
estimulado corretamente, ele pode não apenas aumentar o número de conexões entre os neurônios
(sinapses), ou fortalecer aquelas já existentes, como também produzir novos neurônios em áreas específicas.
O neurocientista Michael Merzenich estudou como pequenos aprendizados, como utilizar uma
ferramenta manual, podem alterar as conexões entre os neurônios. Ele também contribuiu para definir os
dois períodos da plasticidade cerebral: o período crítico – que acontece durante a infância enquanto o
cérebro está em desenvolvimento e quando ele estabelece os processos neurais básicos a partir dos estímulos
que recebe – e a plasticidade adulta – quando o cérebro refina os processos de acordo com os estímulos
recebidos durante essa fase (MERZENICH et al., 2014).
Já os neurocientistas Fred H. Gage e Peter Eriksson (1998) descobriram que, durante a fase adulta,
o cérebro não só pode alterar as conexões neuronais como também pode produzir novos neurônios em
algumas áreas específicas – processo conhecido como neurogênese (BELZUNG e WIGMORE, 2014).
Atividades como o exercício físico estimulam a produção de novos neurônios no hipocampo.
Sendo assim, o meio em que vivemos, tanto físico como social, a cultura dos vários grupos que
fazemos parte e nossas vivências pessoais transformam o nosso cérebro de maneira única e individual. A
neurocientista Eleanor Maguire, por exemplo, comprovou que o hipocampo – região responsável pelo
processamento da memória de longo prazo e envolvida também nos processos de orientação e navegação
pelo espaço – apresentava tamanho diferente nos taxistas de Londres (MAGUIRE et al. 2000). Devido ao
seu maior uso para memorizar os nomes das ruas e pontos de referência, e para navegar constantemente
pelo espaço complexo da cidade, essa região se desenvolve mais do que em pessoas cujas profissões exigem
um menor uso dela.

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Estudos da plasticidade cerebral mostram que as escolhas que fazemos e as atividade que
praticamos com frequência têm o potencial de nos transformar. Assim como mantemos nossa saúde
física nos exercitando com frequência, precisamos exercitar o cérebro para que ele se mantenha – ou
fique ainda mais – criativo, rápido, preciso e com boa capacidade de gravar e recuperar memórias.

Tipos de memória
Definir a memória e entender o seu funcionamento não é uma tarefa fácil. Os estudos do
neurocientista Erik Kandel sobre como as memórias são formadas e armazenadas no cérebro
renderam a ele o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina no ano 2000. Em termos gerais, memória
é uma mudança que acontece em um sistema que pode alterar o seu funcionamento no futuro
(KANDEL, 2001).
Partindo dessa premissa, é possível afirmar que comportamentos inatos são estimulados por
memórias primitivas, que foram sendo gravadas no nosso DNA ao longo da evolução. Elas se
dividem em dois grupos: aquelas que são da espécie, ou seja, um conjunto de genes que são
semelhantes para todos os membros da mesma espécie, a não ser que haja alguma mutação em casos
específicos; aquelas que são únicas de cada um, uma combinação de genes particular de cada um,
que é o que possibilita que os exames de DNA se diferenciem de uma pessoa para outra.
Por outro lado, comportamentos adquiridos resultam de memórias que formamos ao longo
da nossa vida. A partir do nascimento, cada experiência que vivemos é absorvida pelo organismo
com a criação de novas memórias, que podem ser sensoriais de curto prazo ou de longo prazo.
A memória sensorial retém informações que chegam através dos sentidos. A maioria das
informações que são trazidas por nossos sentidos são armazenadas em nosso cérebro por poucos
segundos. Quando a informação é considerada importante, ela passa a ser armazenada pela memória
de curto prazo. Por isso, quando sentimos uma dor física muito forte, como a dor do parto, não
conseguimos reviver essa memória depois que ela passa. Nós podemos lembrar que a dor era muito
forte (memória declarativa de longo prazo), mas é impossível sentir novamente a mesma dor, a não
ser que o estímulo que a gerou volte a acontecer.
As memórias de curto prazo – também conhecidas como memórias de trabalho – são aquelas
armazenadas por um curto período de tempo. Elas estão relacionadas à manutenção temporária e
ao processamento da informação durante a realização de tarefas diversas. Esse tipo de memória
consome bastante recurso e, por isso, a sua capacidade é bastante limitada. Um exemplo de memória
de trabalho é o que acontece quando tentamos fazer um cálculo mental. Quanto é 11 x 15? Perceba
como é uma experiência lenta e cansativa fazer esse cálculo apenas de cabeça, isso porque a memória
de curto prazo, nesse caso, tem de armazenar muita informação para a resolução do cálculo.

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Já a memória de longo prazo – aquela que permanece por períodos maiores ao longo da vida –
pode ser dividida em implícita e explícita. A primeira, chamada de procedural, é inconsciente e
armazena habilidades práticas, como a destreza para tocar um instrumento ou o equilíbrio para dar
uma pirueta. A segunda, chamada de explícita, é consciente e armazenada por meio da linguagem.
Ela pode ser semântica, consistindo em fatos e conceitos, ou episódica, que são lembranças de eventos
e experiências.

Figura 5 – Classificação dos tipos de memória

Fonte: Autores. Baseado nos estudos sobre memória de Atkinson e Shiffrin (1968); Craik e Lockhart (1972); Kendal (2001)
e outros.

Quando adquirimos novas memórias, o nosso cérebro vai-se transformando plasticamente.


No entanto, principalmente no caso da memória declarativa, a sua formação nem sempre é tão
simples de acontecer. Não é à toa que temos de estudar antes de uma prova. A formação de
memórias declarativas de longo prazo, no geral, depende de dois fatores para acontecer de forma
eficiente: emoção ou repetição. No caso do estudo antes da prova, quando ficamos lendo e relendo
nossas anotações e fazendo revisões, nós estamos repetindo o conteúdo que queremos memorizar.
No entanto, para alguns eventos na nossa vida, basta vivê-los apenas uma vez para ficarem na nossa
memória, como o nascimento de um filho, uma viagem para um lugar especial ou uma homenagem
no trabalho. Isso porque, nesses casos, o conteúdo emocional dessas experiências foi tão forte que
impulsionou a formação da memória de longo prazo.
Por último, vale destacar o termo “use ou perca”, bastante discutido em neurociência. Quanto
mais estimulamos nosso cérebro a reviver memórias, mais elas tendem a se fortalecer. Por outro
lado, quanto menos estimularmos o cérebro nesse sentido, maiores são as chances de que algumas
dessas memórias se apaguem e as áreas que eram responsáveis pelo seu processamento passem a
processar outra memória que esteja sendo mais utilizada. Por isso, muitas vezes, estudar antes da

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prova pode ajudar a tirar uma nota boa, mas se, depois da prova, nunca mais retornamos àquele
conteúdo, seja por meio de leituras ou de aplicações práticas, a tendência é que ele vá sendo
esquecido com o passar do tempo.

Aplicações – visão geral do campo do Neurobusiness


Delimitação das fronteiras
Ao final deste módulo, já é possível definir os limites ou fronteiras do Neurobusiness.
Compreendido como a aplicação da Neurociências às disciplinas típicas da Gestão Empresarial,
nosso campo de estudo se caracteriza como um desdobramento peculiar das ciências biológicas.
Mais do que isso, traz para o centro da análise o próprio ser humano como um animal dotado de
imensa capacidade cognitiva, analítica e racional, mas também sujeito a processos instintivos e
afetivos que, lado a lado com a racionalidade, moldam nosso comportamento (individual ou em
grupo), nossas escolhas, decisões e ações.
Esse é, exatamente, o trio de elementos que o Neurobusiness busca entender a partir da
compreensão das interações entre cérebro, corpo, mente, meio social e ambiente construído:
comportamento, escolhas e ações.
Nesse sentido, o Neurobusiness é herdeiro direto de diversas escolas de pensamento chamadas
de comportamentais. Um bom exemplo é a Economia. Na sua versão clássica, essa ciência social
visava estudar as escolhas ou decisões racionais, baseadas em critérios de maximização de utilidade
(no caso do consumidor) ou de lucro (no caso das empresas), amplamente expressáveis por
algoritmos (linguagem matemática). Comportamentos que não fossem pautados por tais critérios
eram taxados de irracionais e, desse modo, desprezados como não econômicos ou, pelo menos, não
explicáveis por meio da teoria econômica tradicional. A partir da década de 1960, diversos estudos
interdisciplinares envolvendo elementos vindos da Psicologia e da Sociologia começaram a buscar
padrões comportamentais que, apesar de não estritamente racionais, eram igualmente passíveis de
serem previstos e compreendidos.
Entre esses pioneiros da Economia Comportamental, destacam-se Daniel Kahneman
(nascido em 1934), ganhador do Nobel de Economia de 2002, e Amos Tversky (1937-1996). O
avanço em direção à Neuroeconomia ocorreu por conta do avanço tecnológico que permite, na
atualidade, estudar o cérebro humano em ação, seja diante de estímulos ligados à vida econômica
ou a outras áreas do Neurobusiness. Como regra, as disciplinas neuro não desmentem as suas
antecessoras comportamentais. Pelo contrário, estão confirmando os resultados das gerações
anteriores de pesquisas.

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Aqui, surge o primeiro contorno das fronteiras do nosso campo de estudo: onde quer que
comportamentos, escolhas ou ações possam ser melhor compreendidos por meio de estudos sobre
o funcionamento do cérebro no universo corporativo, haverá sempre oportunidades para explorar
a abordagem típica do Neurobusiness e fazê-la avançar.

Transdisciplinaridade
Muitas vezes, o Neurobusiness é caracterizado como interdisciplinar. Afinal, faz uso de um
arcabouço originado na Biologia do cérebro e o aplica a campos variados, o que inclui desde Finanças
e Economia até Liderança e Arquitetura. No entanto, o termo mais correto para as aplicações feitas é
transdisciplinaridade. Isso porque, ao criar um campo comum de referência e discussão para áreas do
conhecimento tão variadas, o Neurobusiness permite que cada um ofereça, aos demais, aportes que
seriam difíceis de imaginar antes. Isso pode ser ilustrado pelo fato de o ganhador do Nobel de
Economia de 2002, Daniel Kahneman, ser psicólogo por formação. Do mesmo modo, o Nobel de
Medicina de 2014 foi atribuído a John O'Keefe, May-Britt e Edvar Moser por conta dos seus estudos
sobre como o cérebro forma a noção de localização especial (wayfinding) – um tema essencial para a
Neuroarquitetura. Para deixar ainda mais clara essa característica do Neurobusiness, vale explorar
alguns exemplos diretamente referidos a estruturas cerebrais.
A ínsula é uma estrutura do córtex localizada bem no meio do encéfalo, uma região conhecida
como face interna do lobo temporal. Por conta da sua localização, ela pode ser considerada uma
área evolucionariamente mais antiga do que as camadas mais externas, como nosso pré-frontal. De
fato, a ínsula está associada a certos comportamentos de maior conteúdo emocional ou instintivo,
por exemplo, o reconhecimento de odores que causam repulsa ou nojo. Diversos estudos também
associam a ínsula ao medo e, no caso de transtornos emocionais, às fobias.
No campo do Neurobusiness, o estudo dos níveis de atividade da ínsula pode interessar, a um
só tempo, à Neuroeconomia, Neuroliderança e Neuroarquitetura. Cada uma dessas áreas pode não
só dialogar com as demais como também contribuir com um melhor entendimento dos temas
típicos de cada uma.

Figura 6 – Localização da ínsula abaixo das camadas mais externas do córtex

Fonte: http://atlasdeanatomiahumano.blogspot.com/2013/04/sistema-nervoso.html
Acesso em: maio 2023.

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Desse modo, quando pagamos algo caro em dinheiro vivo, sobretudo quando colocamos em
dúvida se a relação custo-benefício é justa, é possível identificar um maior nível de atividade da
ínsula. Em outras palavras, podemos dizer que o gasto gera, em nós, um sentimento de desgosto,
quase um nojo. No entanto, quando o pagamento é feito com cartão de crédito e, com isso, o
desembolso efetivo do valor em dinheiro é adiado, a atividade da ínsula é tipicamente menor.
O curioso é que, no âmbito das relações de liderança, um feedback considerado injusto por
um colaborador também está associado a uma maior atividade dessa estrutura. Ou seja, quando nos
sentimos tratados de maneira injusta no ambiente de trabalho, tipicamente por alguém acima de
nós na hierarquia da empresa, também temos uma sensação de nojo, uma repulsa essencialmente
instintiva com forte conteúdo emocional.
Por fim, quando estamos diante de ambiente caracterizado por pontas e quinas, várias estruturas
associadas ao medo e ao alerta se tornam mais ativas no cérebro. Além da ínsula, também a amigdala
cerebral. Isso também acontece quando olhamos – apenas olhamos – uma montanha russa. O “frio
na espinha” diante de um brinquedo assim pode causar uma atitude de afastamento, pelo menos para
os que têm mais medo de brinquedos violentos do que espírito de aventura. Toda essa discussão é
típica da Neuroarquitetura, que estuda as interações entre cérebro e ambiente construído.

Nojo do chefe: um diálogo neurocientífico entre economia, liderança e


arquitetura
Agora, vamos juntar tudo isso. As estruturas ligadas à modulação de emoções, como a ínsula
e a amígdala, também atuam na formação de memórias, como vimos em tópico anterior. Mais
ainda: é por meio de nossa autobiografia, nossa coleção de referências emocionais memorizadas,
que avaliamos e buscamos avaliar ou julgar o mundo ao nosso redor. Nesse sentido, imagine a
situação do colaborador de uma empresa que tenha se sentido injustiçado na distribuição do bônus
de final de ano. Ele atribui essa “ameaça” a seu bolso ao chefe que o avaliou. Meses depois, eles
terão uma reunião para que o colaborador receba um feedback de rotina. Ao entrar na sala em que
essa reunião ocorrerá, o fato de se lembrar daquele chefe já deixa a sua ínsula bastante ativa. Afinal,
o cérebro distingue mal fatos concretos que ocorrem no presente e lembranças do que já ocorreu
no passado ou expectativas do que ocorrerá no futuro. O colaborador já se imagina sendo,
novamente, tratado de forma injusta.
Até aqui, vemos elementos de Neuroeconomia – um valor de bônus aquém do esperado
causando uma atividade cerebral de repulsa – e de Neuroliderança – o estado emocional do
colaborador antes mesmo da reunião de feedback. É nesse momento que a Neuroarquitetura pode-
se mostrar valiosa. Os elementos do ambiente daquela sala devem favorecer sensações de
relaxamento e minimizar o sentimento de ameaça. A presença de plantas (biofilia), a temperatura
amena, as janelas abertas proporcionando a visão da paisagem lá fora, baixos níveis de ruído, tudo
isso pode contribuir para a redução do estresse que o colaborador já carregou para dentro da sala.

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Caso contrário, mesmo um feedback positivo e uma tentativa do líder de elevar o ânimo e a
autoestima do colaborador podem não conseguir romper a barreira do “nojo” que, conscientemente
ou não, aquele funcionário criou em relação ao chefe.

Aversão à perda
Outra aplicação tipicamente transdisciplinar se refere à aversão à perda. Esse é um tema
explorado pela Economia desde os tempos de Adam Smith (1723-1790). De forma muito sintética,
trata-se de um comportamento humano típico. É muito mais difícil fazer alguém abrir mão de algo
que já é seu do que convencer esse mesmo alguém a adquirir algo que ainda não possui. Dito de
outra forma, a dor de perder algo que se tem é duas vezes mais poderosa do que o prazer de ganhar
essa mesma coisa. Do ponto de vista comportamental e neuroevolutivo, essa atitude é associada a
nosso sentimento de territorialidade. Quando nossos ancestrais vagavam na savana africana e o
alimento era escasso, o domínio sobre o território poderia fazer a diferença entre a vida e a morte.
Exames de neuroimagem mostram maiores níveis de atividade da ínsula e da amigdala cerebral em
situações de perda do que de recompensa.
Esse é um achado valioso para a disciplina de Neurovendas. Gerar um sentimento de posse
pode influenciar a decisão de um comprador. Alguém que já se sente dono de algo terá um
sentimento emocionalmente desagradável caso desista da compra. Desse modo, proporcionar a um
potencial comprador de um automóvel a chance de um test drive pode acender nele a aversão à
perda, compensando aquele outro sentimento desagradável de fazer um gasto expressivo em
dinheiro. Neuroeconomia e Neurovendas explorando os mesmos fenômenos – tudo bem distante
do paradigma da racionalidade, típico da velha Economia tradicional.
Aqui, a Neuroarquitetura entra em cena novamente. A decisão de compra de um imóvel pode
ser bastante impactada pela visita a um apartamento modelo decorado. Permitir que a visita se dê na
companhia do cachorro da família pode ampliar ainda mais o sentimento de posse. Por fim, voltando
ao campo da disciplina de Neurovendas, enfatizar que restam poucas unidades disponíveis também
pode despertar um sentimento de urgência – ou simples ameaça –, que amplifica ainda mais a aversão
à perda. Tudo é uma questão de disputa territorial, irracional e ancestral.
É claro que, no momento de dimensionar o valor das parcelas do financiamento diante da
renda da família ou avaliar a distância em relação aos locais de estudo e de trabalho, as áreas e os
processos racionais do cérebro serão essenciais. O córtex pré-frontal irá projetar e analisar situações
financeiras futuros, avaliando o risco de inadimplência e os sacrifícios necessários em termos de
outras possibilidades de compra que serão sacrificadas para pagar o financiamento, seja do carro ou
do apartamento. Ao final, serão apenas mais um aspecto da decisão de compra e, de forma alguma,
vão explicar tudo o que se passou na mente e no próprio corpo dos compradores.

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Aversão à perda e o “utilitômetro”

Um estudo clássico de Kahneman e Tversky (1979) estimou que o coeficiente de aversão à


perda em todo o mundo é da ordem de 2,5.

É fácil compreender isso se imaginarmos que reagimos ao ganho ou à perda com variações de
temperatura corporal. Só que o termômetro mediria nosso nível de satisfação ou utilidade,
como um “utilitômetro”.

Dessa forma, quando alguém ganha um valor X em dinheiro, imagine que a sua temperatura
sobe 2 ºC. Se essa pessoa perder o mesmo valor X, a sua temperatura cairá 5 ºC, isto é, 2 ºC
multiplicado pelo coeficiente de aversão à perda, que é 2,5.

Conclusão
O primeiro módulo teve como objetivo introduzir os conhecimentos básicos da neurociência
aplicada aos negócios. Antes de mais nada, é importante entender a complexidade do cérebro e
como a sua compreensão exige, muitas vezes, a desconstrução de teorias sobre o seu funcionamento.
O entendimento sobre as diferenças entre memórias inatas ou adquiridas também é uma peça
importante para a posterior aplicação do Neurobusiness. Por fim, no tópico 4 deste módulo, foram
abordados os alguns dos potenciais de aplicação da Neurociência à Gestão de Negócios, para que o
aluno possa compreender a utilidade e relevância do curso.

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MÓDULO II – PERCEPÇÃO DO MUNDO

O módulo explora a ideia, amplamente aceita no campo da Neurociência, de que o cérebro


não é apenas um órgão executor e de comando, mas, em sentido oposto, é a verdadeira sede de
nossa capacidade de percepção e compreensão do mundo ao nosso redor. Os mecanismos de
percepção serão apresentados e explorados com foco nos processos heurísticos e de tomada de
decisão. Por fim, o módulo discute influências sutis e intencionais sobre a forma como nosso
cérebro percebe o ambiente e orienta nossas escolhas – nudge.

Introdução
Nosso complexo sistema nervoso é fruto de um longo e antigo processo de evolução. Na
origem, os primeiros vertebrados dispunham apenas de uma estrutura assemelhada à atual medula
espinhal. Entre outras coisas, essa estrutura servia para mediar as reações daqueles organismos à sua
percepção ainda muito primitiva e estritamente sensorial do mundo. Até hoje, quando esbarramos
em uma superfície aquecida, por exemplo, o impulso primário de puxar o braço é apenas um arco-
reflexo, isto é, uma “decisão” instintiva motivada por um mecanismo que envolve apenas a medula
espinhal, que recebe a informação sensorial e reage, de forma reflexa, contraindo a musculatura.
Na atualidade, nossa percepção do mundo passar pela interpretação das informações e
estímulos sensoriais, que envolve, por sua vez, a recuperação (implícita ou explícita) de experiências
pregressas de natureza semelhante e também uma avaliação racional. No entanto, tanto o
comparativo com nossas referências autobiográficas quanto a avaliação racional estão sujeitas a
falhas e erros. Dessa forma, a seguir, iremos explorar o complexo mecanismo de percepção do
mundo a partir dos sentidos, chegando, por fim, aos processos de tomada de decisão.
Sentidos e percepção
Sentidos
O cérebro dedica áreas específicas para o processamento das informações trazidas por cada um
dos nossos 5 sentidos: visão audição, olfato, tato e paladar. São os sentidos que fazem a ponte do
mundo exterior com o cérebro, possibilitando que a gente compreenda, de forma consciente ou não,
e se adapte ao meio em que se encontra. Ou seja, nossa principal fonte de conhecimento vem dos
sentidos, e a capacidade de juntar as informações provenientes de cada um deles para a construção de
nossa percepção sobre o mundo é muito importante para todas as nossas funções cerebrais.
A percepção de um objeto, de uma pessoa ou situação pode acontecer por meio de apenas
um sentido, como quando ouvimos uma notícia na rádio ou lemos um livro. No entanto, o conceito
construído sobre o elemento percebido se torna mais rico quando temos mais informações sensoriais
a respeito dele. O cérebro é mais estimulado quando mais diversificados são os estímulos sensoriais,
já que não apenas mais áreas se ativarão para processar as informações de cada sentido como também
as conexões entre as áreas cerebrais envolvidas com as sensações para a construção da percepção
serão muito mais abundantes. Quando temos informações visuais, táteis, auditivas e olfativas sobre
determinado fato, todas essas entradas sensoriais farão parte da memória desse conceito. E se, em
algum momento, qualquer um desses sentidos é estimulado de forma semelhante ao momento de
absorção da informação, será mais fácil acessá-la, também ampliando muito a sua capacidade de
recuperação de memórias armazenadas.
Nesse sentido, quando queremos chamar a atenção e aumentar as chances de memorização
das pessoas para determinada situação, quanto mais estímulos sensoriais, melhor. Por exemplo, um
professor tem de saber utilizar essa estratégia muito bem. Se a aula for apenas falada, com ele parado
na frente da sala de aula, a tendência é que as pessoas tenham mais dificuldade de prestar atenção
e, consequentemente, de memorizar o conteúdo passado. Um professor mais comunicativo, que
também use o seu corpo para passar a mensagem, que mostre imagens sobre o tema discutido e
provoque os alunos para que eles também se coloquem sobre o tema, tende a aumentar,
consideravelmente, as chances de aprendizado dos alunos. Quanto mais sentidos envolvermos em
um processo de obtenção de novas informações sobre o mundo, melhor será a nossa capacidade de
fixar essas informações e de mantermos acesso a elas por diferentes vias.
Quando pensamos nos 5 sentidos básicos, em geral, a visão é aquele que mais nos chama a
atenção. Isso não acontece à toa: a parcela do córtex cerebral dedicada ao seu processamento é maior
do que as parcelas dedicadas a todos os outros sentidos. Ou seja, o seu processamento demanda
energia e esforço. Por isso, é comum que, ao fechar os olhos, a gente passe a prestar mais atenção
nos outros sentidos. Sons, cheiros e texturas, que antes passavam despercebidos, passam a chamar
a atenção. Por isso também, ao longo de um processo criativo, o simples fato de fechar os olhos
pode ajudar o cérebro a ter insights, já que ele deixa de gastar energia (oxigênio e glicose) com o
processamento da visão e pode dedicar a energia remanescente para outras tarefas.

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Os demais sentidos básicos também desempenham papel muito importante para nossa
compreensão de mundo. A audição, por exemplo, é o sentido que consegue captar informações que
estão mais distantes do corpo. Alguns sons podem ser ouvidos a quilômetros de distância. Não é à toa
que as cidades medievais contavam com tantas igrejas espalhadas pelo seu território. Os sinos eram
um importante elemento de comunicação tanto para marcar as horas como para avisar a população
quando aconteciam eventos importantes, tais como algum perigo ou a morte de alguém importante.
O tato, por sua vez, é um dos primeiros sentidos desenvolvido, quando o feto ainda se
encontra no ventre da mãe. Além disso, ele conta com o maior órgão sensorial do corpo humano:
a pele. O tato está diretamente ligado às relações sociais já que, no geral, nós tocamos mais (abraço,
carinho, beijo) aqueles que conhecemos e confiamos. Estudos comprovam a importância do tato
para o desenvolvimento saudável de bebês e crianças (OLIVEIRA e LENT, 2018), e como, quando
pessoas internadas em hospitais são mais tocadas pelos enfermeiros de forma carinhosa, os níveis de
estresse tendem a baixar (FISHMAN et al., 1995). Vale destacar que o contato físico com alguém
só é positivo se existe alguma relação de confiança se estabelecendo. Forçar o contato físico quando
não há confiança é algo bastante invasivo e pode aumentar os níveis de estresse.
O olfato também merece ser mencionado aqui. As informações trazidas pelo olfato são
processadas em áreas como as amígdalas cerebrais – responsáveis pelo processamento das emoções –
e o hipocampo – responsável pelo processamento de memórias de longo prazo. Por isso, é comum
que determinados cheiros que sentimos ativem, de forma rápida e involuntária, memórias antigas,
como as de eventos da nossa infância.
Vale destacar que os cientistas consideram a existência de outros sentidos além dos 5 básicos.
O equilíbrio, a capacidade de se orientar e navegar pelo espaço (wayfinding), a percepção de estímulos
internos (interocepção), das temperaturas e da posição de partes do corpo e contração muscular
(propriocepção) fazem parte de um conjunto de sentidos também estudados em neurociência.

Propriocepção

A propricocepção é uma expressão usada, primeiramente, por Sherrington, em 1900, para


definir toda a referência posicional ou postural levada ao sistema nervoso central por meio dos
receptores localizados nos ligamentos, tendões, músculos, pele ou articulações (MCGEE, 2018,
1991). Ela é a percepção de movimentos e posturas.

A partir da compreensão da propriocepção, é possível concluir que a conexão cérebro-corpo é


uma via de mão dupla. Ou seja, assim como o cérebro envia informações para o corpo, o corpo
também manda informações para o cérebro.

Esse é um dos temas estudados pela psicóloga Amy Cuddy, que defende que as posturas físicas
que adotamos ao longo do dia podem alterar nossas emoções e níveis hormonais, impactando,
diretamente, como nos sentimos e nos comportamos.

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Atenção seletiva
A não ser que a gente bloqueie, fisicamente, nossos órgãos sensoriais, como ao fechar os olhos
ou tampar o nariz, eles estão constantemente captando informações, quer a gente queira, quer não.
Ou seja, a captação de informações por meio dos sentidos é involuntária e permanente. Como
consequência, a quantidade de informação absorvida pelos sentidos é imensa, e o cérebro não tem
capacidade de processar tudo isso conscientemente. Por isso, nossa atenção é seletiva: apenas
informações mais relevantes serão processadas de forma consciente. Desse modo, quando estamos
dirigindo, um farol vermelho tende a chamar a nossa atenção e a nos fazer parar no semáforo,
mesmo quando estamos distraídos conversando com alguém que esteja no carro com a gente.
Segundo o neurocientista Eric Kandel, prestar atenção em algo significa dar foco a
determinados aspectos e, ao mesmo, eliminar (ou ignorar) vários outros que estão ao redor. Kandel
afirma que “a atenção é como um filtro”, a partir do qual alguns itens ganham maior destaque em
detrimento de outros: a todo momento, os animais são inundados por um vasto número de
estímulos sensoriais e, apesar disso, eles prestam atenção a apenas um estímulo ou a um número
muito reduzido dele, ignorando ou suprimindo os demais. A capacidade do cérebro de processar a
informação sensorial é mais limitada do que a capacidade dos seus receptores para mensurar o
ambiente. Desse modo, a atenção funciona como um filtro, selecionando alguns objetos para
processamento adicional. Em nossa experiência momentânea, concentramo-nos em informações
sensoriais específicas e excluímos (mais ou menos) as demais (KANDEL, 2007 e 2014).

Interpretação da realidade
Como já discutimos, quanto mais diversificadas forem as informações sensoriais, maior é a
chance de memorização da situação exterior que está sendo percebida. No entanto, não apenas a
memória se beneficia com a variedade de estímulos. A nossa capacidade de compreensão da situação
aumenta quanto mais informações recebemos. Isso ocorre porque o cérebro integra todas as
informações recebidas pelos sentidos para criar o seu próprio entendimento da realidade. Durante
o processo de percepção, a mente cria uma experiência completa. Nesse sentido, a percepção não é
uma impressão passiva e uma combinação de elementos sensoriais, mas uma organização ativa dos
elementos, de modo a formar uma experiência coerente.
Imagens como a famosa ilustração do cartunista William Ely Hill, a seguir, exemplificam
bem como a percepção da realidade é uma criação do cérebro a partir da sua interpretação das
informações trazidas pelos sentidos. Olhe bem para elas e preste atenção no que você vê.

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Figura 7 – A dama e a velha

Fonte: http://temlogica.blogspot.com/2009/01/dama-e-velha.html

Acesso em: maio 2023.

O que você viu? Uma moça de perfil ou uma senhora idosa na segunda? Nessa ilustração,
as duas interpretações são possíveis. A mesma imagem mostrada para pessoas diferentes pode ser
percebida de formas distintas. Esse é um exemplo de como o cérebro cria as suas interpretações
da realidade.
Em um estudo realizado no Instituto de Psicologia da Johannes Gutenberg University, em
Mainz, na Alemanha, cerca de 500 pessoas participaram de um experimento no qual elas tinham
de provar um vinho, dar a opinião delas e falar o quando pagariam por ele (OBERFELD et al.,
2009). O que chama a atenção é que, ao experimentar o mesmo vinho em salas com iluminação
verde, azul, branca ou vermelha, a percepção sobre ele mudava. A maioria gostou mais e ofereceu
um valor mais alto quando tomou o vinho na sala vermelha e na sala azul. Além disso, as pessoas
percebiam o mesmo vinho como mais frutoso quando este era provado na sala vermelha. Ou seja,
ao integrar as informações sensoriais, informações trazidas por um sentido podem alterar a
percepção dos demais sentidos.
Essas interpretações são diretamente influenciadas pelas nossas memórias, sejam elas
primitivas ou adquiridas. Por isso, entender quem é o nosso público-alvo – na hora de vender um
produto, liderar uma equipe ou projetar um edifício, por exemplo – é fundamental para garantir
que haja um alinhamento entre o que a gente quer que os outros percebam e a percepção que cada
um ou cada grupo vai criar a partir das suas memórias e da sua experiência.

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Heurísticas
Pensar cansa
Nosso cérebro é responsável por pouco menos de 5% de nossa massa corporal. E, ainda assim,
consome cerca de 20% de nossa glicose e de nosso oxigênio diariamente. Ele é o órgão
energeticamente mais caro do corpo humano. Em segundo lugar, está o sistema digestivo,
responsável por pouco menos do que o consumo cerebral. Já o coração, apesar do seu
funcionamento contínuo e o trabalho mecânico, responde por “apenas” 10% do consumo diário
de energia no ser humano.
O motivo de o cérebro ser tão “caro” pode ser explicado pelo seu funcionamento contínuo.
Mesmo em repouso, ou até mesmo dormindo, esse órgão permanece ativo. A rigor, ele começa a
trabalhar durante a gestação e, se deixar de funcionar, pode-se afirmar que houve morte, ao menos
morte cerebral.
Infelizmente, não é possível emagrecer apenas pensando. Nossos neurônios gastam, em
média, de 7 a 10 miligramas de glicose por minuto para cada 100 gramas de massa cerebral, e o
cérebro pesa, em média, 1400 gramas. Isso equivale a 0,028 e 0,040 quilocalorias por minuto ou
cerca de 16 quilocalorias a cada oito horas, o equivalente à energia contida em apenas uma bala (ver
ATTWELL e LAUGHLIN, 2001).
Por conta dessa característica, ao longo da evolução, surgiram vários padrões de
funcionamento do cérebro e mesmo de comportamento que visam minimizar esse gasto de energia.
No campo comportamental, é possível citar o comportamento de bando ou efeito manada. Dessa
forma, sobretudo entre os mamíferos, quando um integrante do bando sai em disparada, o
comportamento padrão é observar todos os demais membros do bando fazendo o mesmo. Não é
preciso que cada um veja o predador ou outro perigo iminente: basta correr também.
É claro que essa disparada pode começar por conta de uma percepção errada, um membro
do bando que se assustou com algo que parecia ser um perigo real. O mesmo acontece com os
seres humanos quando se comportam segundo padrões heurísticos. Avaliamos uma situação ou
mesmo dada informação a partir de um conjunto mínimo de evidências, mas que consideramos
crítico ou relevantes o suficiente para levar a determinado comportamento ou avaliação. Esses
verdadeiros “atalhos mentais” reduzem o consumo de energia pelo cérebro e agilizam análises e
tomadas de decisão. No entanto, estão igualmente sujeitos a erros de avaliação. E, quando tais
erros se tornam recorrentes, podem se tornar vieses, isto é, avaliações seguidamente erradas das
evidências disponíveis.

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Eureka!
Etimologicamente, a palavra heurística tem origem no grego heurísko, isto é, eu encontro.
Tem parentesco com o termo eureca que significa, literalmente, achei ou encontrei a resposta. Isso
significa que heurísticas são formas rápidas de busca por respostas. Daí, poderem ser definidas como
atalhos mentais. Se, do ponto de vista neuroevolucionário, as heurísticas são formas de reduzir o
consumo já tão elevado de energia pelo cérebro, do ponto de vista comportamental, elas servem
para tornar nossas escolhas e decisões mais ágeis e mais rápidas. Nesse processo, atribuímos um
significado crítico e crível a um conjunto de evidências, cognitivas ou sensoriais, de modo a confiar
na evidência que nos é passada e, em seguida, fazemos escolhas ou tomamos decisões.
Nosso comportamento diário é cheio de escolhas ou avaliações heurísticas. O simples ato de
procurar uma peça de roupa em uma gaveta cheia e meio desorganizada é um bom exemplo.
Procuramos por algum tempo e reviramos algumas das peças que estão na gaveta até que algo nos
diz: “O que estamos procurando não está aqui”. Consideramos que a evidência analisada é suficiente
e decidimos procurar em outro lugar. Infelizmente, acontece de estarmos errados muitas vezes.
Um aspecto contraditório das análises heurísticas é que elas são baseadas em experiências
anteriores bem-sucedidas. Dessa forma, quanto mais tenhamos obtido sucesso ao agir de
determinada forma, mais tendemos a repeti-la de forma mais ou menos automática e, portanto,
menos cognitiva.
A relação entre heurística e percepção pode ser encontrada em alguns experimentos da Gestalt –
também chamada de Teoria da Forma ou Psicologia da Forma. Nesse sentido, observe a figura, a seguir,
chamada de triângulo de Kanizsa, e conte quantos triângulos você vê.

Figura 8 – Triângulo de Kanizsa

Fonte: http://blogdopg.blogspot.com/2009/03/o-triangulo-de-kanizsa.html
Acesso em: maio 2023.

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Se a resposta foi qualquer coisa diferente de zero, você errou. Deve ter utilizado um atalho
mental e se esqueceu que um triângulo é uma figura fechada e, rigorosamente, não há nada assim
na figura. A informação visual foi avaliada a partir da sua “biblioteca de experiências
autobiográficas”, fazendo você projetar várias figuras fechadas sobre a imagem, sem que elas existam
de fato. O mesmo acontece com a Ilusão de Jastrow (figura 8 a seguir). Por estamos acostumados a
linhas verticais ou horizontais, interpretamos erradamente o tamanho de cada elemento do lado
esquerdo da figura e temos a impressão de que B é maior do que A, quando, na verdade, ambos
têm as mesmas dimensões.

Figura 9 – Ilusão de Jastrow

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jastrow_illusion.svg
Acesso em: maio 2023.

O alerta sobre as vantagens e desvantagens da interpretação heurística do mundo é evidente.


De um lado, rapidez e menor consumo de energia. De outro, a repetição das mesmas respostas e dos
mesmos padrões de análise, muitas vezes de forma inconsciente e, não raro, com erros de avaliação.

Tipos de heurística
Interpretar o mundo por meio de atalhos mentais é um padrão de comportamento que
interessa a várias áreas do Neurobusiness. Para que essas aplicações fiquem mais claras nos módulos
adiante, vale a pena mostrar uma tipologia de heurísticas. Todos os tipos mostrados revelam
julgamentos rápidos e baseados em evidências escassas ou, às vezes, inexistentes. No entanto, as
diferenças entre eles mostram como esses padrões de avaliação e decisão podem ser variados e
comuns ao mesmo tempo. Vejamos:
a) Heurística da representatividade – É a mais simples das heurísticas. Baseia-se em
escolher entre alternativas com base em nossas memórias. Consideramos mais
representativo aquilo de que lembramos mais ou melhor. Essa heurística se aplica muito
ao comportamento do consumidor. Um produto que tenha uma embalagem tradicional
ou seja líder de mercado (ver figura a seguir) nos induz a não reconhecer um produto
similar caso a sua embalagem seja muito diferente, tanto em termos de cor ou de formato.

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Figura 10 – Embalagens de amido de milho

Fonte: https://www.istockphoto.com/br/fotos/maizena?phrase=maizena&sort=mostpopular

b) Heurística take-the-best – Essa é uma forma de tomada de decisão baseada em apenas


uma evidência. Desse modo, um investidor por escolher entre vários fundos de renda
fixa, observando apenas a rentabilidade dos últimos meses, e não prestar atenção, por
exemplo, na taxa de administração ou em um histórico mais longo. Do mesmo modo,
um consumidor pode observar apenas o tamanho da embalagem em vez de procurar pelo
peso ou volume do produto.
c) Heurística de julgamento – Decisões baseadas em similaridade e enquadramento. Uma
pessoa de terno e gravata tende a ser considerada, mais provavelmente, um advogado em
comparação com outra que esteja trajando uma camisa polo e tênis. Um produto
alimentício com um rótulo vermelho pode ser avaliado como sendo apimentado na
comparação com outro que não tenha essa cor no rótulo.
d) Heurística de disponibilidade – Processo de julgar a frequência de dados segundo a
facilidade com que similaridades vêm à mente. É comum em pessoas que desejam
comprar um modelo de automóvel e acreditam que estão vendo um maior número de
carros semelhantes circulando apenas pelo fato de que estão mais atentos àquele modelo.
e) Heurística de ancoragem – A heurística da ancoragem ou de ajustamento baseia-se na
dificuldade de se modificar um julgamento ou avaliação inicial de forma que este se ajuste
a novas informações. É comum em consumidores que escolhem marcas tradicionais,
ainda que estejam diante de novos lançamentos, ou a alguém que muda de residência
várias vezes, mas escolhe sempre o mesmo bairro apenas por não avaliar com mais critério
as vantagens de viver em outra parte da cidade. Na política, também é comum que muitos
eleitores votem em nomes conhecidos, em lugar de avaliar amplamente as opções ao seu
dispor de forma mais objetiva e meritória.

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Vieses cognitivos
Os aspectos negativos das análises e comportamentos heurísticos podem resultar em erros
sistemáticos de avaliação e de tomada de decisão (ver KAHNEMANN, SIBONY e SUNSTEIN,
2021). Quando isso ocorre, estamos no campo dos chamados vieses cognitivos. A ocorrência desses
vieses está relacionada aos limites da racionalidade como elemento para a tomada de decisão.
É preciso estar atento para o fato de que diversos vieses cognitivos estão associados a algumas
heurísticas, mas também decorrem de outros fatores, como pressões sociais, influência excessiva de
emoções ou mesmo motivações puramente individuais. Também decorrem, às vezes, de nossa
incapacidade de processar informações necessárias para que uma decisão coerente seja tomada.
Como no caso das heurísticas, vale a pena ilustrar os vieses cognitivos listando os exemplos
mais comuns:
a) Viés de excesso de confiança – Esse viés se caracteriza por uma valorização excessiva da
própria opinião ou do próprio conhecimento. Erros eventuais são sempre atribuídos a
fatores externos ou à ação de terceiros. Em geral, isso decorre do excessivo valor que
damos às informações que temos, negligenciando a opinião de outros. Esse viés é um dos
elementos mais críticos na relação médico-paciente, sobretudo quando o paciente busca
informações na internet e acredita ser capaz de fazer um diagnóstico melhor do que o
profissional de medicina.
b) Viés de status quo – Ocorre devido a uma insistência em manter as coisas como estão,
ainda que haja alternativas supostamente melhores disponíveis. Muitas vezes, leva ao
imobilismo ou à insistência em manter uma decisão já tomada. Esse viés revela uma
aversão irracional à mudança. É comum quando adiamos a atualização de um software ou
de um sistema operacional, ainda que outros usuários afirmem que a nova versão é
superior. Também ocorre com aplicadores em cadernetas de poupança.
c) Viés da ilusão de controle – Ocorre quando alguém garante ter o controle de uma
situação, mas isso não está ocorrendo. Isso faz as pessoas mais otimistas quanto aos
desfechos das suas decisões, negligenciando ou ignorando os riscos. Viés típicos de pessoas
que fazem uso de cigarro, abusam de álcool ou dirigem com sono. Também ocorre com
praticantes de jogos de azar diante de perdas relevantes.
d) Viés de confirmação – Ocorre quando tentamos justificar uma escolha feita apontando
para outras pessoas que fizeram o mesmo. Afinal, se outros escolheram comprar o mesmo
carro ou investiram o seu dinheiro na mesma ação, isso é (interpretado como) sinal de
que a escolha feita é a melhor ou mais adequada. Em geral, aqueles que se pautam por
esse viés sobrevalorizam a ocorrência de fatos que confirmam a sua decisão e minimizam
as evidências em contrário.
e) Efeito manada ou prova social – Esse é um dos vieses cognitivos mais claramente
associados a heurísticas. Fazer o que todos estão fazendo é uma forma de decidir a partir
de pouca ou nenhuma análise racional das situações envolvidas. Isso se transforma em

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viés quando atribuímos racionalidade ao efeito, que pode não ter nada de racional. Por
exemplo, ocorre quando é feito um “bolão” de loteria em nosso local de trabalho. Tudo
se passa como se a probabilidade de o grupo ganhar o prêmio parecesse maior caso
decidíssemos não participar do “bolão”. Esse comportamento é um tipo específico de
aversão ao risco, mas o risco envolvido não está sendo analisado racionalmente. É apenas
o medo de ser o único a vir trabalhar na segunda-feira.
f) Falácia dos custos irrecuperáveis (sunk costs falacy) – Tendência de persistir em uma
atitude ou atividade apenas por conta do tempo ou dinheiro que foi gastou até aquele
momento. Por exemplo, ocorre quando alguém compra ingressos para uma partida de
futebol (custo já incorrido e irrecuperável). No dia da partida, o tempo fecha a começa
uma chuva torrencial. O trânsito estará péssimo até o estádio, existe o risco de uma gripe
e o gramado estará em condições muito ruins. No entanto, como a pessoa já comprou o
ingresso, ela diz para si mesma que “tem de ir” e que “não é um cenário tão mal assim”.
O mesmo ocorre com alguém que pediu um prato no restaurante e não gostou, mas se
obriga a comer mesmo assim já que vai ter de pagar pelo prato de todo jeito. Nesse viés,
o custo irrecuperável é usado como argumento para se tomar uma decisão que piora ainda
mais a condição do decisor.
g) Viés de adesão – Consiste em escolher algo que já foi ou está sendo escolhido pela maioria
ou por um grupo suficientemente grande. Diferentemente da prova social, que se dá de
uma forma mais instantânea e impulsiva, o viés de adesão se manifesta em um timing um
pouco mais longo. Um exemplo é acreditar que você escolheu o restaurante errado se, ao
entrar, notar que o local está quase vazio. Também é comum casos em que os eleitores
votam no candidato que está à frente nas pesquisas para “não jogarem o voto fora” ao
invés de avaliarem qual dos candidatos o representa melhor.

Como se pode ver, comportamentos explicados na origem pela busca de se gastar menos
energia com a atividade cerebral podem resultar em padrões de ação que não são apenas pouco
racionais como também podem, no caso dos vieses, gerarem perdas relevantes.

Nudge – arquitetura da escolha


Indução de comportamentos por meio do nudge
Como acabamos de ver, muitas vezes, o nosso cérebro recorre a atalhos já conhecidos como
forma de poupar energia. A compreensão de como funciona esse mecanismo possibilita que
determinados comportamentos possam ser induzidos por meio de “pistas”. Tais pistas podem levar
as pessoas a alterarem o seu comportamento sem se darem conta da existência das pistas e sem
perceberem essa alteração. Essas pistas são o que Richard Thaler – vencedor do Nobel de Economia
de 2017 – e Cass Sunstein chamam de nudge. Traduzido para o português, o termo quer dizer

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empurrão ou, no caso, “empurrãozinho”. O nudge parte do princípio de que tomamos decisões
diferentes dependendo da forma como a questão é apresentada – processo também conhecido como
arquitetura da escolha (THALER e SUSTEIN, 2008).
O nudge parte do princípio de que tomamos decisões diferentes dependendo da forma como
a questão é apresentada. Com base nisso, o empurrão acontece a partir dessa moldagem do formato
das situações para transformar escolhas e comportamentos. Cass Sunstein define o termo como uma
intervenção que preserva a liberdade de escolha, ainda que possa influenciar a tomada de decisão.
Ou seja, a ideia por trás dos empurrões não é coagir nem enganar, mas induzir. Sendo assim, um
nudge altera o comportamento das pessoas de forma previsível, de maneira voluntária e discreta. Há
uma grande diferença, por exemplo, entre banir junk food da lanchonete de uma escola ou deixar
as comidas saudáveis no nível dos olhos e ao fácil alcance das crianças, e a junk food ser deixada em
um canto mais discreto. A segunda opção é um exemplo de nudge.
Em resumo, um nudge pode ser usado para influenciar, de forma positiva – por meio da
indução ou persuasão, e não da coerção ou do engano –, os usuários a mudarem as suas escolhas.
Entendendo o padrão de funcionamento cerebral por meio das heurísticas e vieses, os nudges podem
ser aplicados para criar novos atalhos mentais. Ou seja, como vimos no tópico anterior, as
heurísticas são atalhos mentais criados com base na nossa experiência para economizar energia em
escolhas futuras. Com os nudges, é possível induzir a criação de novas heurísticas e, como
consequência, velhos hábitos e comportamentos podem ser alterados.

Quando usar o nudge?


Nudges são criados, voluntária e involuntariamente, há muito tempo. O próprio desenho de
ruas e passeios, por exemplo, funciona como nudge, fazendo com que a maioria das pessoas siga o
caminho delimitado no chão, não invadindo nenhuma propriedade privada ou pisando em um
canteiro de flores. No entanto, há um conjunto de situações nas quais pensar a arquitetura da
escolha é uma opção ainda mais interessante e com maior chance de obter sucesso. Entre elas,
destacamos três:
a) Decisões que envolvam escolhas nas quais os custos e os benefícios se apresentam em
tempos diferentes
As partes mais primitivas do nosso cérebro foram programadas para reagir a estímulos no
tempo presente, e o nosso córtex pré-frontal – o planejador de longo prazo – demanda muito
recurso para funcionar no seu potencial máximo. Por isso, quando os benefícios e os custos de uma
escolha são muito distantes no tempo, a tendência é que nosso “piloto automático”, que visa os
ganhos no presente, fale mais alto do que o “planejador de longo prazo”. Decisões simples, como a
de passar o fio dental todas as noites, por exemplo, podem ser influenciadas por isso. Ela pode ser
percebida como um custo no momento presente – o tempo gasto – com um benefício no futuro –
dentes saudáveis. E a decisão de não passar o fio dental, por sua vez, pode ser percebida como um

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ganho no presente – não gastar tempo com a atividade – com custos muito distantes no tempo –
dentes não saudáveis no futuro. Por isso, a opção de passar o fio dental todos os dias exige esforço
e autocontrole.

b) Decisões com alto grau de dificuldade


Por exemplo, quando você decide qual o investimento financeiro mais adequado para seu
perfil: em geral, quando há uma decisão complexa a ser tomada sobre um assunto com o qual não
estamos muito familiarizados, nós buscamos entender o que outras pessoas fizeram, nos
inspirando nessa informação para tomar nossa própria decisão, processo conhecido também como
prova social.

c) Decisões para redução de esforço cognitivo por opção padrão ou defaults


São opções pré-selecionadas, que valerão se o indivíduo não fizer nada. Por exemplo, versões
opt-in e o opt-out. Nesse tipo de situação, a decisão já está tomada, ou seja, só é necessário o
esforço cognitivo caso a pessoa queira ir contra tal decisão. No entanto, a tendência é que,
seguindo o padrão de funcionamento do cérebro de economizar energia, a maioria das pessoas
não se dê o trabalho de alterar o padrão, aceitando permanecer no default selecionado.

Aplicando nudges
No caso do plano de pensão norte-americano 401K, Richard Thaler modificou a opção
padrão – default – para alterar a forma como a escolha de adesão ao plano de pensão era realizada.
Antes da intervenção, os funcionários deveriam preencher um formulário para aderir ao plano
de aposentadoria 401k (Opt-in), ou seja, era um processo de adesão voluntária. Thaler propôs
transformar a adesão de voluntária para automática. Dessa forma, novos trabalhadores eram
automaticamente inscritos para poupar para aposentaria via 401k e, somente caso não quisessem,
deveriam preencher um formulário para se desligar do plano (Opt-out). Isso resultou no aumento
das adesões. Nesse caso, o nudge: reduziu o esforço cognitivo, pois a escolha já havia sido realizada
previamente, ou seja, o trabalhador já estaria inscrito no plano de aposentadoria; ajudou a evitar
uma tomada de decisão no momento presente, no qual temos a tendência de desejar os benefícios
imediatos desprezando os mesmos no futuro; fortaleceu influência de provas sociais nas escolhas
dos trabalhadores, que, ao saber que a maioria dos colegas também estava inscrita no plano, tendia
a seguir o bando e se manter no plano também (THALER e SUSTEIN, 2008).
Na arquitetura, outro exemplo de aplicação de nudges foi uma campanha criada pela
Volkswagen em Estocolmo, na Suécia, a The Fun Theory (ver site
https://www.thefuntheory.com/piano-staircase/). Nessa campanha, foram feitas algumas
intervenções divertidas pela cidade, tal como, na saída de uma estação de metrô, a transformação
da escada tradicional em uma “escada piano”, cujos degraus funcionavam emitindo sons como as

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teclas de um piano quando alguém pisava neles. O resultado foi um aumento de 66% no uso da
escada tradicional em vez da escada-rolante. Esse exemplo mostra a importância da adoção de
soluções lúdicas e divertidas para transformar comportamentos por meio de nudges.
Vamos chegando ao final desse módulo, no qual entendemos melhor como as pessoas
percebem o mundo ao seu redor, como essas informações vão sendo gravadas de modo a criar
heurísticas, que são atalhos mentais de fácil e rápido acesso. Também vimos que, muitas vezes, esses
atalhos podem gerar vieses, que são erros sistemáticos de avaliação e de tomada de decisão. Por
último, vimos também que podemos nos aproveitar desse padrão de funcionamento do cérebro
com base em heurísticas para criar nudges, que funcionam como discretos empurrões que pode
transformar hábitos e comportamentos das pessoas.

Conclusão
Neste módulo, discutimos como o cérebro percebe o mundo, seja por meio da criação das
suas próprias interpretações das informações trazidas pelos sentidos, seja pela criação de heurísticas
com base nas experiências já vividas. Também exploramos alguns vieses cognitivos, alertando para
como os vieses afetam o processo de tomada de decisão. Finalmente, discutimos o nudge, apontando
para algumas situações em que podemos criar soluções simples que ajudem a induzir os
comportamentos mais adequados.

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MÓDULO III – APLICAÇÕES EM BUSINESS

Neste módulo, apresentaremos quatro aplicações típicas da Neurociência à Gestão


Empresarial: Neuroeconomia, Neuroarquitetura, Neurovendas e Neuroliderança. O principal
objetivo é discutir a forma como cada uma dessas disciplinas se serve do conhecimento
neurocientífico para abordar velhas e novas questões. Também veremos o caráter transdisciplinar
do Neurobusiness ao tratar dos temas comuns compartilhados por essas quatro aplicações.

Introdução
Atualmente, existe o consenso de que o grande avanço em termos das aplicações da
Neurociência ao mundo dos negócios, registrado nas últimas décadas, deve-se ao progresso da
tecnologia de neuroimagens. Essa tecnologia está permitindo mapear o funcionamento do cérebro –
sobretudo humano – em condições saudáveis e sujeito a estímulos controlados. Tudo muito diferente
das inferências feitas desde Phineas Gage a partir de lesões cerebrais.
Adicionalmente, como já foi esboçado, as aplicações da Neurociência às disciplinas clássicas
da Gestão de negócios criaram múltiplas vias de diálogo entre áreas que, anteriormente, pouco ou
nada se relacionavam, dando caráter transdisciplinar ao Neurobusiness.
A partir desse referencial, veremos o conteúdo básico de um núcleo de disciplinas,
pontuando, sempre que for o caso, as suas interrelações e os temas de diálogo.
Neuroeconomia
O mito do Homos economicus
Desde o século XIX, a ciência econômica tradicional delimitou o seu campo de interesse à
ação humana de caráter racional com vistas à maximização de objetivos bem-definidos (utilidade
para o consumidor e lucro para a empresa) e a partir da utilização alternativa de recursos escassos
(renda no caso do consumidor, trabalho e capital, no caso das empresas). Com isso, surgiu a figura
do Homos economicus, uma figura retórica e meramente ilustrativa, derivação ou mutação do Homo
sapiens cujo comportamento se dá exatamente de acordo com os pressupostos da teoria econômica
tradicional. Elementos não racionais eventualmente presentes na atuação dos agentes econômicos
(consumidores ou empresas) são considerados não econômicos e, por conta disso, relegados a outras
ciências comportamentais, como a Sociologia ou a Psicologia.
Mais do que isso, a ciência econômica tradicional postula que o comportamento do
conjunto de agentes econômicos pode ser corretamente derivado do comportamento de cada
agente. Esse é um dos fundamentos da chamada Teoria da Escolha Racional. Compreendendo-
se cada indivíduo, compreende-se o conjunto de indivíduos. Esse individualismo metodológico
não deixa espaço algum para efeitos do tipo prova social, entre outros efeitos amplamente
estudados hoje em dia pela Neurociência.
Em resumo, o Homo economicus parece ter apenas as áreas mais racionais e cognitivas do
cérebro, adequando meios a fins, de forma fria, racional e previsível, com vistas à maximização de
objetivos bem-definidos e fazendo uso de recursos bem-conhecidos.

Decisão racional

Se realmente existisse, como o Homos economicus tomaria a simples decisão de, por
exemplo, sair de casa levando ou não um guarda-chuva? As opções são simples: sim (levar)
ou não (não levar o guarda-chuva).

Suponha que esse ser não gosta de carregar peso à toa, mas não gosta de se molhar. Ele
deveria ser capaz de atribuir valores de satisfação ou insatisfação (utilidade) a cada uma das
situações. Algo como:
 Sim, levou e não choveu: –10
 Sim, levou e choveu: +6
 Não levou e não choveu: +50
 Não levou e choveu: –20

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Em seguida, ele consultaria a previsão do tempo. Supondo que a probabilidade de chuva é de
50%, ele ponderaria os níveis de satisfação de cada escolha:

Sim: 50% x (-10) + 50% x (+6) =


= –5 + 3 = –2

Não: 50% x (+50) + 50% x (–20) =


= +25 – 10 = +15

A decisão racional é sair e não levar o guarda-chuva.

Economia comportamental: a forma importa tanto quanto o resultado


Na sua origem mais remota, a Economia não aderiu à Teoria da Escolha Racional. Adam
Smith (1723-1790), fundador da ciência econômica, chegou a considerar a relevância de
sentimentos relacionados ao senso de justiça nas relações econômicas. Somente a partir do final do
século XIX, a abordagem baseada nas decisões exclusivamente racionais ganhou força, tornando-se
referência por décadas.
Ocorre que a capacidade preditiva da Teoria da Escolha Racional passou a ser questionada já
em meados do século XX. Já nos anos de 1960, psicólogos como Ward Edwards, Amos
Tversky e Daniel Kahneman começaram a comparar os seus modelos de tomada em condições de
risco e incerteza com modelos econômicos tradicionais, questionando a relevância desses últimos.
Estava lançada a base para a Economia Comportamental – uma área interdisciplinar que buscava
explicações psicológicas e sociais para as ações econômicas.
Em lugar de explorar, excessivamente, o campo fértil da Economia Comportamental, vale
ilustrar a sua abordagem com um exemplo. Imagine que dois amigos estão andando em um parque
conversando sobre amenidades. Inesperadamente, eles se deparam com duas maçãs no chão: uma
grande e a outra pequena. Um deles se abaixa e pega as maçãs, dá a pequena para o colega e fica
com a outra. Imediatamente, o colega que recebeu a maçã pequena protesta: “Você é egoísta. Ficou
com a maçã grande e me deu a menor!”. Admirado, o amigo que havia pego as frutas no chão
pergunta: “Se fosse você quem tivesse pego as maçãs no chão, o que teria feito?”. Ainda bastante
aborrecido, o outro responde: “Não tenho dúvidas! Eu teria ficado com a menor e lhe dado a
grande!” Então, o primeiro responde: “Mas foi exatamente o que eu fiz!”
Do ponto de vista da Teoria da Escolha Racional, essa situação é quase anedótica. O que
importa é apenas o resultado, não a forma como a escolha foi feita. Desse modo, se o segundo amigo
se sentiria bem com a maçã pequena, não há motivo algum para protestar com o resultado da divisão
feita pelo colega que pegou as maçãs no chão. Os economistas tradicionais deixariam a explicação
da cena por conta dos psicólogos ou sociólogos, classificando aquele comportamento indignado de
não econômico. A Economia Comportamental teria outra abordagem. Segundo os economistas
comportamentalistas, a forma como uma divisão é feita é tão importante quanto o seu resultado.
Somos propensos a aceitar melhor uma divisão não igualitária se a escolha for voluntária. Uma
desigualdade imposta desperta nossa indignação e nos faz questionar os critérios de divisão.

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Essa é a ideia fundamental da contribuição de autores como Dan Ariely (2010 e 2022):
encontrar padrões que orientem a ação econômica que, muito embora não estritamente racionais,
também não são aleatórios, sendo passíveis de previsão.
No entanto, é importante notar que as análises tipicamente comportamentalistas não fazem
uso explícito nem direto da Neurociência. Não há referência ao modo como o cérebro está atuando,
quais áreas estão sendo mais diretamente envolvidas ou quais as substâncias neuroquímicas em jogo
para explicar aqueles padrões de ação e escolha. Isso só se dá na Neuroeconomia.

Ultimato
Um dos desafios mais populares à Teoria da Escolha Racional, e que nos permite introduzir
a abordagem típica da Neuroeconomia, refere-se a um experimento chamado de Ultimatum Game
ou Jogo do Ultimato – desenvolvido, originalmente, em Werner Güth, Rolf Schmittberger e Bernd
Schwarze (GÜTH e outros, 1982). Nesse experimento, dois jogadores devem dividir uma quantia
em dinheiro, como R$ 1 mil. O primeiro jogador é o proponente. Ele deverá sugerir um critério
de repartição definido quanto do valor ficará para si mesmo e quanto ficará para o segundo jogador,
o respondente. Para tornar a mensagem do jogo mais explícita, imagine que o mínimo que o
proponente poderá deixar para o respondente seja 10% do total, ou seja, R$ 100. Uma vez que o
proponente faça a sua sugestão, o respondente poderá aceitá-la ou rejeitá-la, pois se trata de um
ultimato. Se o respondente aceitar, o valor será dividido segundo a proposta original; se o
respondente rejeitar, o valor é recolhido e os dois jogadores não receberão nada. Detalhe
importante: os dois conhecem bem as regras do jogo, o valor a ser repartido e o mínimo de 10%.
Dessa forma, caso os dois jogadores se comportassem segundo a Teoria da Escolha Racional,
qual seria o desfecho? A resposta é: o jogador proponente sugeriria ficar com R$ 900, deixando
R$ 100 para o respondente, e o respondente aceitaria. Afinal, o respondente prefere, racionalmente,
R$ 100 a nada e o jogador proponente, sabendo disso, maximizaria o valor atribuído a si mesmo.
Infelizmente, na maioria das vezes em que o experimento é aplicado, valores muito diferentes
de 50% são rejeitados pelo respondente. Em outras palavras, frente à indignação com uma
desigualdade imposta, o segundo jogador prefere sair do jogo sem nada a aceitar uma divisão que
considera injusta.
A questão é: como a Neuroeconomia interpreta esse resultado? Afinal, o que conceitos como
racionalidade e indignação tem a ver com nosso cérebro e os seus padrões de tomada de decisão?
Em um experimento com imagens cerebrais em participantes do Ultimato, Sanfey e outros
(2003) observaram que propostas muito desiguais ativavam nos jogadores respondentes áreas da
ínsula, região do cérebro que, como vimos, estão associadas ao nojo e, portanto, à rejeição. Nesse
sentido, ainda que as áreas mais cognitivas e racionais do cérebro, como o neocórtex pré-frontal,
estejam analisando a proposta e sugerindo que qualquer valor positivo é melhor do que nada, o
impulso mais primitivo de repulsão a uma proposta injusta acaba prevalecendo.

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Outro experimento interessante foi realizado por Zak, Stanton e Ahmadi (2007). Os pesquisadores
procuraram elevar os níveis de empatia nos jogadores que formulavam as propostas no Ultimato
ministrando a eles ocitocina intranasal, em um grupo, e placebo, em outro. O grupo que recebeu ocitocina
registrou aumento de 80% na proposição de ofertas generosas (próximas de 50% para cada participante)
na comparação com o grupo que recebeu apenas placebo.
Por sua vez, Kirk, Downar e Montague (2011) realizaram experimentos envolvendo ressonância
magnética funcional em jogadores de Ultimato praticantes de meditação (ver GLIMCHER e FEHR,
2013). Quando colocados na posição de respondedores e recebiam ofertas injustas, esses participantes
revelavam menores níveis de indignação e, dessa forma, tendiam a aceitar mais valores pequenos. A
ressonância mostrou que a atividade nas áreas insulares desses jogadores era mais reduzida na comparação
a um grupo de controle de não meditadores, o que sugere um menor sentimento de nojo, contribuindo
com respostas mais racionais.
Nesse ponto, podemos voltar à incrível história da “lobotomia” de Phineas Gage. Estudos de
Koenigs e Tranel (2007) confirmaram o esperado: pessoas com lesão no córtex frontal ventromedial
tendem a ser menos racionais, ponderar de modo menos cognitivo as propostas no Ultimato e, quando
expostas a valores mais desiguais (perto de 10% para o jogador respondedor), tendem a recusar a oferta,
preferindo sair com nada (ver GLIMCHER e FEHR, 2013).
Com esses exemplos, é possível notar como a Neuroeconomia avançou a partir da contribuição da
Economia Comportamental. Agora, é possível mapear as áreas do cérebro que estão mais ou menos ativas
e testar o efeito de neurotransmissores no processo de tomada de decisão envolvendo valores em dinheiro.
Desse modo, a racionalidade se mostra como apenas um dos aspetos do comportamento econômico e, de
longo, não é o mais relevante em muitas situações.

Rápido e devagar
Uma contribuição decisiva para a Neuroeconomia foi dada pelo ganhador do Nobel de Economia
de 2002, Daniel Kahneman. No seu livro Rápido e devagar: duas formas de pensar (Kahneman, 2012), o
autor propõe um modelo de funcionamento de nosso cérebro a partir de dois sistemas. O Sistema 1 –
associado a comportamentos mais primitivos, instintivos e afetivos – é capaz de processar informações
muito mais rapidamente do que o Sistema 2. Esse último – relacionado aos processos mais racionais e
cognitivos – está associado às regiões evolucionariamente mais jovens do cérebro.
Nesse sentido, processos e decisões mais rápidas tendem a ter menor conteúdo racional, pois a
informação tende a ser processa nas áreas mais antigas e com menor consumo de energia de nosso cérebro.
Um bom exemplo é a memória olfativa. Um perfume característico, como o cheio de bolo de chocolate,
é capaz de nos fazer recordar, rapidamente, lembranças de infância. O mesmo pode ocorrer com a trilha
sonora de um filme ou um musical ao evocar lembranças até mesmo dos locais em que estivemos quando
ouvimos aquelas músicas pela primeira vez. Já o processamento racional, sobretudo de informações novas,
é realizado pelas áreas mais recentes e mais energeticamente caras do cérebro.

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Se voltarmos ao uso de nudges, podemos notar que, em alguns casos, eles são estímulos para
que nossa decisão seja tomada de forma mais rápida e, portanto, pelo Sistema 1, com menor
conteúdo racional. O mesmo ocorre no Ultimato. Quando o jogador respondedor recebe uma
proposta injusta (próxima do mínimo de 10%), é o Sistema 1 que recebe e processa a informação
inicialmente. Se a resposta precisa ser dada rapidamente, o mais provável é que predomine o
comportamento menos racional de preferir sair sem nada. Também é possível que esse jogador se
arrependa depois, quando, finalmente, o Sistema 2 tiver convencido esse jogador que R$ 100 é
infinitamente maior do que nada.
Outra aplicação do modelo de Kahneman nos leva de volta às heurísticas. Por exemplo, a
heurística de disponibilidade pode ser explicada pelo consumo elevado de energia e pela lentidão
do Sistema 2. Alguém que deseja comprar um modelo de carro tem A sua atenção voltada para
automóveis semelhantes em circulação gerando a sensação de que, subitamente, surgiram muito
mais carros daquele modelo de uma hora para outra. É mais fácil para o cérebro prestar atenção em
algo que se deseja (Sistema 1) do que contar, efetivamente, a proporção de automóveis daquele tipo
que estão em circulação (tarefa do Sistema 2). Quando nossa atenção no supermercado se foca em
determinado produto, mas a embalagem mudou radicalmente, ainda que o nome do produto esteja
escrito em letras garrafais em um cartaz, é comum não encontrarmos o que estamos procurando. A
lembrança da velha embalagem é facilmente evocada pelo Sistema 1, mas a leitura do cartaz e a
compreensão racional de que a embalagem mudou é feita, lentamente, pelo Sistema 2. Como eles
agem juntos, é possível que esse consumidor desinformado tenha descartado rapidamente a
possibilidade de o produto ter mudado de embalagem.

Neuroarquitetura
Relação com o ambiente construído
O espaço é uma das dimensões sensoriais mais ricas, e nós interagimos com ele não só por
meio da visão. Todos os nossos sentidos influenciam a nossa percepção do espaço e o nosso
comportamento em determinado ambiente, como veremos adiante.
Os avanços recentes da neurociência revelaram que a interação entre cérebro, corpo e meio
ambiente é muito mais complexa do que se imaginava. Ou seja, a arquitetura tem profunda relação
com nosso cérebro e comportamento. Não é à toa que certas construções conseguem nos
emocionar, mexem conosco de uma maneira que, muitas vezes, não conseguimos explicar, pois
estimulam diferentes partes de nosso cérebro, criando uma experiência única e complexa.

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Wayfinding

Wayfinding é a capacidade de orientação e navegação pelo espaço.

Os cientistas John O'Keefe, May-Britt Moser e Edvard Moser – vencedores do Nobel de Medicina
e Fisiologia de 2014 – descobriram onde está localizado o nosso "GPS cerebral". Esses cientistas
descobriram que duas áreas no cérebro estão diretamente ligadas à capacidade de orientação:
o hipocampo e o córtex entorrinal.

O cientista John O'Keefe, em 1971, descobriu as células de localização (ou place cells, em inglês)
localizadas no hipocampo, responsáveis pela identificação de espaços por onde circulamos.
May-Britt e Edvard Moser, por sua vez, perceberam, no córtex entorrinal, um sistema de células
rede (ou grid cells, em inglês), que é responsável pela navegação espacial.

Juntos, o sistema de células de localização e o sistema de células rede tornam possível nossa
orientação e navegação pelos ambientes, atuando como um GPS cerebral.

Imagine os espaços de três lugares completamente diferentes: McDonald’s, um boteco de


esquina qualquer e o Hard Rock Café. Não só nossas sensações serão diferentes dentro de cada um
deles, mas também nossa expectativa com relação à comida. Para alguns, entrar no boteco da
esquina pode provocar receio com a higiene da cozinha e até certo medo de comer algo ali, por
exemplo. Provavelmente, no Hard Rock Café, essa sensação seria bem diferente. Se, por um lado,
a preocupação com a higiene é menor, por outro, ao se perceber em um lugar com arquitetura tão
rebuscada, a preocupação com o tamanho da conta a pagar também pode afetar o comportamento
de alguns consumidores. Talvez, no McDonald’s, essas pessoas estivessem mais confortáveis, pois
poderiam comer sem se preocupar tanto com a conta no final. Todas essas sensações, percepções e
expectativas, geradas apenas ao considerarmos o ambiente construído, tem o poder de alterar a
experiência que vivemos em cada situação.

Caso Disney
A Disney é um grande exemplo de uma empresa que sabe usar uma combinação de elementos
do espaço físico para gerar expectativas e experiências únicas.
Grande parte dos elementos presentes nos parques nos remete aos personagens e histórias que
conhecemos de longa data, seja na decoração dos espaços externos e internos, ou quando cruzamos
com algum desses personagens posando para tirar fotos e abraçar os fãs. Essa riqueza de informações
sensoriais (imagens, cheiros, sons, texturas) ativa a memória involuntária. Esse é o tipo de memória
que surge nos nossos pensamentos de forma automática, sem o nosso esforço. Isso acontece quando
os elementos sensoriais, de alguma forma, são semelhantes aos elementos presentes quando a
memória foi formada.

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Antes mesmo de chegar no parque, as expectativas são muito altas, já que todo mundo que
vai passear lá já teve algum contato com a marca. Ou seja, antes mesmo de chegar ao parque, o seu
cérebro e o seu corpo já se preparam para uma experiência incrível, colocando você em um estado
mais aberto e descontraído.
Até entradas dos parques contribuem para isso. Todo o percurso do estacionamento, o trem
que leva do carro à entrada, a disposição espacial da entrada, que esconde o parque, mas já revela
alguns elementos da magia do lugar, como um jardim cujas cores das flores definem o rosto de um
personagem ou cujo corte das plantas define uma cena clássica de um dos filmes. Todo esse
conjunto de elementos serve para colocar você no estado mental adequado para esquecer os
problemas do mundo real e curtir a experiência de estar no mundo da fantasia.
Finalmente, ao entrar nos parques, nós nos percebemos inseridos no mundo da fantasia.
Todos os funcionários são sorridentes e extremamente gentis. Todos os lugares são limpos, não tem
nenhum lixo no chão. Para todos os lados, vê-se sorrisos e pessoas se divertindo. O cheiro de cada
restaurante é irresistível. Os personagens da sua infância estão espalhados pelo parque, prontos para
abraçar você e tirar uma foto. Até mesmo as filas dos brinquedos são cheias de elementos para nos
distrair e nos manter nesse mundo da fantasia.
Vale destacar que as áreas mais primitivas do nosso cérebro não sabem definir ao certo o que
é realidade e o que é ficção. Por isso, assistir a um filme de terror de madrugada, sozinho em casa,
pode ser tão assustador. Conscientemente, você sabe que aquilo não é real, mas seu coração dispara
mesmo assim e você dá um pulo da cadeira, preparando o seu corpo para entrar no estado de luta
ou fuga, como se você estivesse vivendo aquela história. No caso da Disney, os efeitos podem ser
mais sutis, mas eles também acontecem. Parte de você (a parte mais primitiva) vive aquela
experiência como se ela fosse real.

Impactos da arquitetura na saúde e no bem-estar


O ambiente construído nos afeta o tempo todo. Parte disso é facilmente perceptível, como
quando entramos na Sagrada Família de Gaudi, em Barcelona, e ficamos arrepiados ou com os
olhos marejados. Muitos dos efeitos do ambiente construído passam despercebidos, principalmente
aqueles que acontecem no longo prazo, depois de deixarmos o ambiente que o engatilhou. Por isso,
para melhor compreender os efeitos do ambiente construído no cérebro, é importante compreender
a diferença entre os efeitos de curto prazo e os efeitos de longo prazo.
No curto prazo, ou seja, enquanto ainda ocupamos determinado ambiente, estamos sendo
diretamente afetados por ele. Isso significa que ele pode alterar as emoções, a memória de curto
prazo, a cognição e o comportamento. Um escritório sem janelas e com pé-direito mais baixo pode
provocar uma sensação de opressão e claustrofobia. Como consequência, a tendência é que nossa
capacidade criativa e cognitiva diminua enquanto estivermos nesse ambiente. Por sua vez, uma sala
de aula bem arejada e iluminada estimula a atenção e a retenção de informações por parte dos

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alunos. Esses são exemplos de alguns dos efeitos de curto prazo gerados pelo ambiente construído.
Perceba que tais efeitos duram apenas a ocupação do espaço em questão ou somente até algumas
horas depois, e não mais do que isso.
No longo prazo, quando ocupamos determinados espaços por períodos de tempo mais longos
e com maior frequência, estes tendem a alterar nosso cérebro de forma mais persistente. São alguns
exemplos de efeitos de longo prazo a alteração física do cérebro – criação, reforço ou eliminação de
sinapses –, a criação de memórias de longo prazo e a ativação genética. Esta acontece quando o
meio serve de estímulo para ativar algum gene que está presente no DNA de um indivíduo, mas
que estava inativo. Por exemplo, no caso do gene da esquizofrenia, estudos comprovam que, nas
cidades grandes, é maior o número de pessoas que desenvolve a doença, se comparado com o
número de pessoas que vivem em zonas rurais ou vilarejos. Ou seja, no caso das pessoas que nascem
com esse gene, o ambiente e o estilo de vida da cidade grande podem levar esse gene a se manifestar.

Neurovendas
De Maslow a Damásio
O comportamento do consumidor é um tema de interesse para várias disciplinas ligadas à
gestão de empresas. Economia, marketing, psicologia social – todas elas procuram compreender os
elementos e processos por trás das decisões de compra. Nesse sentido, é possível aplicar a
neurociência ao estudo desse tema, chamando a disciplina que emerge como síntese de
Neurovendas.
Um bom ponto de partida é a velha teoria das necessidades de Maslow, por vezes conhecida
como pirâmide de Maslow, revisitada pela neurociência. Afinal, como já discutido nos tópicos
anteriores, nosso principal propósito biológico é sobreviver e deixarmos descendentes. No entanto,
as decisões de compra podem envolver desejos ou aspirações que vão muito além desse propósito
fundamental, exatamente como sugere a análise de Maslow. Tendo isso em mente, a didática da
teoria do cérebro triuno pode ser útil para compreender como o “animal consumidor” se comporta
na floresta das oportunidades de consumo.
A despeito das críticas, a ideia de uma “pirâmide de necessidades” continua sendo referência
no estudo do comportamento humano, em geral, e do consumidor, em particular. Necessidades
fisiológicas e de segurança, em sintonia com nosso propósito biológico fundamental, estão na base
da hierarquia proposta por Maslow. Esses elementos, ligados à sobrevivência do indivíduo e à
perpetuação da sua espécie, remetem ao cérebro reptiliano, aos seus processos de caráter mais
automático e menos consciente e, com isso, ao campo dos instintos.

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Abraham Maslow

Abraham Harold Maslow (1908-1970) foi um psicólogo norte-americano nascido em Nova


Iorque. Trabalhou no MIT – Massachusetts Institute of Technology – e fundou o centro de
pesquisa National Laboratories for Group Dynamics.

Para Maslow, na sua hierarquia das necessidades, as necessidades fisiológicas e de segurança


precisam ser saciadas primeiro. Estas, se saciadas, abrem campo para as necessidades sociais,
que, se saciadas, abrem espaço para as necessidades de autoestima. Se uma dessas
necessidades não está saciada, há incongruência.

Quando todas estiverem de acordo, abre-se espaço para a autorrealização, que é um aspecto
de felicidade do indivíduo.

Em uma primeira avaliação muito ingênua, a disciplina de Neurovendas teria muito pouco
ou nada a fazer para estimular o consumo de alimentos em uma comunidade de pessoas famintas,
por exemplo. Ameaçados no seu propósito biológico, esses “consumidores” fariam de tudo para
satisfazer as suas necessidades da base da pirâmide, e o instinto seria a sua real motivação. Do mesmo
modo, ao ouvirem o sinal conhecido de um alarme de incêndio, todos procurariam as saídas de
emergência sem que fossem necessários outros estímulos.
Essa busca de sobrevivência e reprodução pouco distingue o ser humano de outros animais.
No entanto, ao subirmos para os níveis seguintes da velha pirâmide (ver Figura 11), chegamos a
elementos mais propriamente humanos das tais necessidades: sociabilidade, pertencimento, criação.
A associação desses elementos com a parcela mais sociável de nosso cérebro, o sistema límbico, é
imediata. Afinal, somos mamíferos, descendentes de ancestrais que aprenderam a viver em bando,
e nosso cérebro manteve o registro neuroevolutivo nas estruturas e nos processos límbicos.

Figura 11 – Representação da tradicional pirâmide de Maslow

Fonte: Gonçalves e Paiva (2008, p. 326).

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Por fim, o topo da pirâmide está ocupado por elementos que vão além da autoestima,
chegando ao sentimento de realização pessoal. Isso requer relações sociais mais complexas e, como
diria Antonio Damásio (2010), algum sentido de consciência autobiográfica, ou seja, a consciência
de nossa própria história pessoal e de nossas aspirações para o futuro. Isso significa que o sentimento
de autorrealização requer um exercício consciente e cognitivo de reflexão sobre nossas experiências
passadas, de nossos desejos, realizados ou não, tanto no campo individual quanto interpessoal.
Recordar, avaliar, confrontar expectativas que formamos com a história efetivamente vivida são
atividades do que Damásio chama de “eu autobiográfico”. É esse eu quem satisfaz ou não as suas
necessidades relacionadas à autorrealização e à autoestima. Esse nível de consciência e de avaliação
consciente de nossa própria história está muito ligado ao neocórtex pré-frontal.

Demolição da pirâmide
Todas essas associações entre a pirâmide das necessidades e a abordagem didática do cérebro
triuno são válidas, mas apenas como uma primeira aproximação à disciplina de Neurovendas. No
entanto, felizmente ou infelizmente, o animal consumidor é mais complexo do que essas associações
sugerem. As críticas, tanto a Maslow quanto a MacLean, podem servir de base para avançarmos na
compreensão dos mecanismos e das técnicas de neurovendas. É preciso compreender o aspecto uno
do cérebro, as relações entre as suas várias áreas, sem excesso de ênfase no seu aspecto trino.
Por exemplo, até que ponto o medo, muito ligado aos comportamentos primitivos de luta ou
fuga, pode afetar sensações como as de pertencimento ou de autorrealização, aparentemente
associadas ao límbico e ao neocórtex? Outro exemplo: o CEO de uma grande empresa, com a sua
carreira super bem-sucedida no mercado, deveria estar no topo da pirâmide de Maslow e, quase
todas as noites, deveria estar, mentalmente, dando os parabéns para si mesmo, contemplando os
seus troféus mentais de autorrealização. Certo? No entanto, será que o medo que ele causa nos seus
colaboradores não é capaz de dar a ele ainda mais satisfação do que o seu cargo de CEO?
Em Neurovendas, a primeira lição é relativizar a hierarquia proposta por Maslow. Desse
modo, na forma mais crua de interpretar a tal pirâmide, conclui-se que é preciso satisfazer as
necessidades mais básicas primeiro para, só então, passar para outros patamares de necessidade,
certo? Não haveria por que manter a elegância durante a fuga de um prédio em chamas, por
exemplo. Afinal, a segurança está colocada, hierarquicamente, antes da preocupação social com a
opinião dos outros, ainda que eles sejam membros do nosso bando. Do mesmo modo, uma pessoa
faminta aceitaria correr certos riscos para se alimentar uma vez que a necessidade biológica da
alimentação é, hierarquicamente, superior à busca de segurança. Tudo estritamente maslowiano.
Do ponto de vista da teoria do cérebro triuno, isso sugere que o reptiliano tem uma voz tão forte
e feroz que é capaz de calar as outras áreas do cérebro se nossas necessidades básicas de sobrevivência
estão sob ameaça. Não obstante, tanto do ponto de vista comportamental quanto neuronal, essas são
visões equivocadas. É preciso desconstruir – ou, talvez, demolir – a pirâmide de Maslow!

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A um só tempo, nosso grande executivo está sujeito a diversos sentimentos autobiográficos
que, por sua vez, remetem a diferentes patamares da pirâmide e a diferentes interações cerebrais. Os
diversos patamares não estão empilhados, mas são bastante paralelos na prática. O seu sentimento
de autorrealização, aparentemente tão racional e cortexiano, não está isento de uma sensação
primitiva de poder para a qual os seus níveis de testosterona colaboram muito. No campo
psicológico, ele pode estar sempre pensando no quanto a sua mãe se sente orgulhosa dele, e esse
pensamento eleva sutilmente os seus níveis de ocitocina no sangue. Tudo gira em torno da sua
posição de CEO, mas os elementos instintivos, afetivos e racionais se misturam.

Necessidades e desejos

O binômio necessidades versus desejos é essencial no marketing e ainda mais relevante no


neuromarkerting.

Necessidades não precisam ser satisfeitas de modo sequencial e hierárquico, como algumas
leituras de Maslow sugerem. Do mesmo modo, o consumo de um produto ou marca pode estar
simultaneamente associado a necessidades básicas e a outras mais sofisticadas.

Nos processos de compra há muito mais elementos inconscientes e processos automáticos


envolvidos do que as análises tradicionais sugerem, sobretudo as originadas na teoria
econômica tradicional, com sua ênfase nos processos racionais e voluntários.

Funil de vendas e decisão de compra


Para compreender que desejos e necessidades jamais serão uma questão totalmente racional
nem totalmente impulsiva, é preciso avançar e mostrar o potencial que o conhecimento de
neurociência oferece em termos de elevação efetiva do volume e do valor das vendas. Uma forma
de seguir nessa direção é recorrer ao velho conceito de funil de vendas. Essa é uma ferramenta
analítica simples e útil para compreender a disciplina de Neurovendas na sua dimensão de caixa de
ferramentas táticas e estratégicas.
Desse modo, tudo começa no universo amplo dos “não clientes”, esse contingente humano
gigante dos que ainda não conhecem ou, pelo menos, não compram os produtos de uma empresa
(ver Figura 12). O seu primeiro contato se dá na condição de passantes ou visitantes: caminham
pela calçada na frente da loja, veem anúncios na internet, visitam os stands de vendas das feiras e
eventos. Para realmente caírem no funil de vendas, esses passantes e visitantes precisam ser atraídos,
precisam se aproximar, física ou virtualmente, do produto. Como fazer isso? Ir até eles com um e-
mail marketing? Fazer propaganda no intervalo da novela? O marketing é uma ferramenta poderosa,
mas também pode ser uma das formas mais inúteis de se gastar recursos.

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Em um segundo momento, caso seja realmente atraído, o visitante de passagem pode-se
interessar, minimamente, por nosso produto. Ainda não realizou a compra, mas teve uma parcela
da sua atenção capturada. A questão é: será que foi fisgado mesmo? Será que, inconscientemente,
já tomou a decisão de comprar? Nessa fase, em geral, nem ele mesmo sabe. Agora, estamos diante
de um lead que entrou no stand, respondeu ao e-mail marketing ou se cadastrou no site. Ele já não
é mais um passante, um estranho, e a atração do funil começou a operar sobre ele.

Figura 12 – Funil de vendas e os seus objetivos

Fonte: Gonçalves e Paiva (2008, p. 327).

Agora, chegamos à fase crítica: a conversão do lead em comprador. A decisão de compra precisa
ser efetivada, e o dinheiro precisa entrar no caixa. O que mais o animal consumidor precisa para
completar o processo? Crédito, acessórios, serviços complementares, entrega? É vital que as ações de
marketing levadas a efeito nas etapas anteriores não caiam na armadilha de gerar expectativas e desejos
complementares que não possam ser satisfeitos. Rigorosamente, não é o marketing quem satisfaz
desejos, mas a experiência da compra e da fruição do produto (bem ou serviço).
Por fim, compradores eventuais podem ou não se tornar clientes, fregueses, aquele comprador
que volta, que se torna lead novamente logo depois de cada compra. Evidentemente, o termo-chave
aqui é a fidelização.
Nesse ponto, voltamos àquela visão crítica da pirâmide de Maslow. Afinal, um cliente
fidelizado teve ou não uma necessidade satisfeita? Talvez, sim. No entanto, certamente, ficou um
“gosto de quero mais”, um desejo de, cedo ou tarde, renovar a experiência de compra e de consumo.
O funil de vendas sugere uma questão central para a disciplina de neurovendas: afinal,
quando a decisão de compra foi tomada? A resposta parece óbvia: isso aconteceu quando o lead se
tornou comprador. Nesse caso, estaríamos confundindo a decisão de comprar com a efetivação da
compra, a escolha com a sua execução. Esse seria um pecado grande demais a essa altura. Alguém
não iniciado em Neurobusiness, talvez, confundisse as atividades executoras, conscientes e
voluntárias do neocórtex pré-frontal com o processo de escolha, no qual as áreas menos conscientes
do cérebro desempenham um papel relevante, automatizando algumas avaliações.

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Gatilhos e o reptiliano
Diversos profissionais e pesquisadores do Neurovendas e de Neuromarketing têm enfatizado
que as suas técnicas costumam ser mais efetivas quando o impacto se dá sobre as áreas mais
primitivas do cérebro – o reptiliano. No seu livro Neuromarketing (Renvoise e Marin, 2008) Patrick
Renvoise e Christophe Marin destacam cinco mecanismos ou gatilhos que o marketing pode
disparar, resultando em compras efetivas, e que envolvem típicas reações e impulsos reptilianos:
 autocentrado;
 contrastante;
 resultado tangível;
 início e fim;
 estímulo visual e
 apelo à emoção.

O sucesso no processo de vendas a partir dos aportes da neurociência decorre do uso seletivo
desses gatilhos a partir da identificação de qual deles é mais adequado a cada situação, produto e perfil
de cliente. Não existe uma fórmula única, e a prática da empatia é de importância fundamental.
O gatilho autocentrado apela para o conhecido foco do reptiliano na sobrevivência e, dessa
forma, em comportamentos de certa forma egoístas por parte dos potenciais compradores. Nesse
sentido, como empatia e paciência não são típicos do reptiliano, a recomendação é que as mensagens
transmitidas pelos vendedores ou pelas peças de marketing sejam dirigidas diretamente para o
público. A recomendação básica é destacar os benefícios que um lead teria em se tornar cliente.
Oferecer benefícios em lugar de produtos e serviços é a síntese da sugestão dos autores. Segundo
essa análise, esse foco faz disparar o gatilho reptiliano do autointeresse, que nada mais é do que uma
busca por sobrevivência sofisticada.
O gatilho contrastante está fundamentado na percepção meio tosca que o reptiliano tem do
mundo. Sabemos que essa área do cérebro é especializada em comportamentos de luta ou fuga e,
desse modo, o seu padrão de decisão é sim ou não, vai ou fica. Situações complexas e cenários
variados tendem a ser traduzidos nessas escolhas binárias. Por isso, o contraste coloca o reptiliano
em alerta e facilita a tomada de decisão, pois expressa as possibilidades de forma simples. Para o
design de páginas na internet, por exemplo, esse é um fato muito relevante. O botão de comprar ou
realizar o pagamento deve ter cores que se destaquem em comparação com a matriz de cor
predominante do site. Outra forma de utilizar o contraste se refere a sugestões de compras
adicionais. Desse modo, quem comprou um item mais caro como um sapato ou um terno tende a
achar que complementos como alguns pares de meia ou algumas gravatas são (relativamente)
baratos. Por fim, existe o típico apelo ao “antes e depois”. Utilizado há anos, sobretudo em setores
ligados à estética corporal, o mecanismo desse recurso foi desvendado pela neurociência. Ele tende
a disparar o gatilho decisório do reptiliano ao oferecer a esse sistema uma visão simples dos
resultados ou efeitos decorrentes de uma compra.

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O gatilho dos resultados tangíveis sugere que o reptiliano não é muito sensível a
argumentos complexos nem à linguagem falada, com a sua estrutura altamente articulada.
Argumentos racionais, sobretudo em forma de mensagens lógicas e complexas, são a especialidade
do neocórtex e tendem a ser processados lentamente pelo Sistema 2 de Kahneman (ver tópico
sobre Neuroeconomia). Decisões mais rápidas e relativamente impulsivas são consequência de
um apelo direto à visão do reptiliano, muito centrada em resultados. Muitas peças publicitárias
transmitem mensagens assim, diretas. Nas capas de revista dedicadas à saúde e ao bem-estar, é
comum ver mensagens do tipo “perca 10 kg em tantos dias”. Também é possível encontrar o
apelo a esse tipo de gatilho decisório no segmento business-to-business. Plataformas e ferramentas
de gestão que dizem ser capazes de elevar o faturamento das empresas clientes estão fazendo uso
da linguagem direta do reptiliano.
Por sua vez, o gatilho do início e o fim tem como fundamento algo que a psicologia já sabia
há muitos anos: temos grande dificuldade de manter nossa atenção focada em algo por muito
tempo. Isso acontece porque o reptiliano é bastante sensível às mudanças ao nosso redor. Começos
e finais são, exatamente, as fases em que as coisas mudam e, por isso, despertam mais nossa atenção.
A mensagem de neurovendas aqui é algo que está muito presente na indústria cinematográfica típica
de Hollywood: toda abordagem de vendas deve ter, preferencialmente, um início eletrizante e um
final comovente ou surpreendente. Isso é válido tanto em uma negociação, que começa com as
vantagens da compra e termina com o anúncio de um desconto, quanto em eventos de vendas.
Já o gatilho do estímulo visual é uma qualificação de elementos que vincula alguns dos
anteriores. Afinal, essa é a linguagem que tem maior apelo ao reptiliano. E, por uma razão simples:
a fotossensibilidade, que está na base do sentido da visão, foi um dos primeiros sentidos a surgir
durante a evolução. Não é por outra razão que o estímulo visual chega ao cérebro passando pela
parte de trás do córtex, a área occiptal, bem lá perto da nossa nuca. E o apelo visual não precisa
recorrer a imagens sensuais, que também sensibilizam nosso cérebro mais primitivo. Boas marcas
possuem bons logotipos. Ao mesmo tempo, peças de publicidade ou mesmo sites muito carregados
de imagens confundem nosso pobre réptil interior. Ele prefere mensagens diretas também do ponto
de vista visual (veja o exemplo da propaganda da Volkswagen na figura seguir).

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Figura 13 – Peça publicitária desenvolvida por Bill Bernbach da agência,
a Doyle Dane Bernabach (DDB), em 1959

Fonte: Gonçalves e Paiva (2008, p. 345)

Por fim, o gatilho da emoção se refere, mais uma vez, ao Sistema 1 de Kahneman, que inclui
tanto o reptiliano quanto o límbico. Essas são as áreas do cérebro capazes de processar e reagir mais
rapidamente em contraste com nosso cérebro mais cognitivo e racional – o neocórtex ou Sistema
2. O que nos emociona sempre é capaz de nos fazer recuperar memórias antigas, armazenadas em
nosso inconsciente. Pessoas que não conseguem deixar de chorar durante um casamento, ainda que
os noivos não sejam assim tão próximos, são bons exemplos. Histórias que nos recordam a infância
ou aquele cheiro de bolo de cenoura que nos traz à memória cenas da casa da avó. E a importância
das emoções como parte essencial do processo de tomada de decisão é algo destacado, entre outros,
pelo cientista António Damásio (1996). Esse autor faz referência a estudos com pessoas com danos
cerebrais que diminuem a sua capacidade de sentir emoções e, consequentemente, têm muito mais
dificuldade de fazer escolhas. Isso sugere algo simples: emocionar o cliente é fundamental para
influenciar o seu comportamento em favor de um produto, serviço ou marca, ainda que, no nível
consciente, ele não reconheça isso.

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Neuroliderança
Princípios da neuroliderança
Por que é tão difícil motivar a ação conjunta e coordenada de grupos humanos, ainda que o
objetivo estratégico esteja bem-definido, ainda que haja recompensas em caso de atingimento da
meta e ainda que o fracasso possa resultar em prejuízos para todos os evolvidos no grupo? Ao mesmo
tempo, que processos cerebrais estão por trás dos casos de líderes de sucesso, sejam grandes generais
da Antiguidade ou empresários do século XXI?
Um dos maiores experts em neuroliderança, David Rock (2020) sugere que esse tema deve
ser discutido no que ele chama de Neurociência Social (social neuroscience). Segundo o autor, boa
parte de nosso comportamento social, que sofre forte influência dos processos que se passam no
límbico, visa a um objetivo muito simples: minimizar as ameaças e maximizar as chances de
recompensa (GORDON, 2000). Ainda segundo Rock, esse comportamento social é semelhante,
do ponto de vista cerebral, à busca por necessidades básicas de sobrevivência – processo claramente
associado ao reptiliano.
Um exemplo amplamente citado pelo autor se refere ao que ele denomina dor moral ‘versus’
dor física. As áreas do cérebro que se mostram ativas quando recebemos um golpe no estômago, por
exemplo, são as mesmas que reagem a um mau desempenho no trabalho que resulte em uma bronca
do chefe.
Isso mostra que as relações sociais modernas, muito embora sejam altamente complexas em
termos evolucionários, também sofrem a influência de processos mais antigos e mais primitivos,
muito presentes em nosso cérebro triuno. Límbico e reptiliano trabalham muito juntos nas
situações de convívio social, o que inclui o ambiente corporativo.

Modelo Scarf
Uma das maiores contribuições de David Rock para o desenvolvimento da neuroliderança é o
modelo Scarf. O nome deriva das iniciais das palavras inglesas status, certainty, autonomy, relatedness e
fairness (ROCK, 2020). Partindo do binômio tipicamente reptiliano de ameaça e recompensa, o
modelo desenvolve essas cinco dimensões do convívio social que estão continuamente em evidência,
seja no ambiente de trabalho, familiar, escolar ou mesmo em eventos sociais.
O autor defende a tese de que nossa ação social e, com isso, nossa contribuição para o
atingimento de um objetivo comum no âmbito da neuroliderança é influenciado por combinações
das cinco dimensões do modelo. Em cada uma delas, queremos minimizar ameaças e maximizar
recompensas. E o que significa cada uma delas? Vamos ver isso com mais detalhes antes de avançar.
 Status é algo que se refere à nossa importância relativa no grupo, a como nos sentimos e nos
vemos em termos relativos quando nos comparados aos que estão ao nosso redor.

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 Certainty (certeza ou ausência de incerteza) diz respeito ao nosso sentimento em relação ao
futuro, à nossa capacidade de saber – ou acreditar que sabemos – como as coisas vão evoluir
a nosso redor e nos afetar, seja em nossa carreira, no desempenho de nossa empresa ou em
qualquer aspecto do convívio social.
 Autonomy (autonomia) é uma sensação de poder, de capacidade de decidirmos nosso
próprio destino, de não estarmos sendo levados pela corrente ou coagidos pelo poder de
outros.
 Relatedness (companheirismo) é um sentimento de segurança no grupo, de estar entre
amigos, não entre rivais – a tranquilidade de estar entre pessoas nas quais podemos confiar.
 Fairness é uma percepção de que estamos sendo tratados de forma justa, não
necessariamente igualitária, mas segundo regras claras e que são plenamente aceitas por nós.
Enquanto o companheirismo (relatedness) se refere à confiança nos membros do grupo, a
fairness se refere à confiança nas regras do jogo no convívio social.

Note que essas dimensões parecem amplamente associadas ao sistema límbico e ao âmbito
social da nossa existência, seja no trabalho, na família ou em qualquer outro ambiente de
convivência interpessoal. Rock defende a ideia de que as cinco dimensões Scarf estimulam impulsos
básicos reptilianos associados à percepção de situações de ameaça ou recompensa.
Desse modo, uma ameaça a nosso status na empresa ativa mecanismos muito semelhantes
aos que operam em nosso cérebro durante um assalto – evento que representa uma ameaça potencial
à nossa vida. Em outras palavras, vamos procurar defender nosso território, ameaçado por alguém
que quer nossa posição para si ou para dá-la a outros.
O autor vai além e também associa as dimensões do seu modelo a processos cortexianos. Uma
percepção de que o ambiente de trabalho se tornou mais justo (fair) atua no cérebro de forma
semelhante ao ganho de uma recompensa monetária. Isso apesar de a percepção de regras honestas
no ambiente de trabalho estimular, em princípio, um aumento no sentimento de confiança na
instituição e naqueles que fazem valer as regras do jogo – processos tipicamente límbicos.

Metacognição do líder
A metacognição é um campo de estudos relacionado à consciência e ao automonitoramento
do ato cognitivo. Ou seja, ela consiste na aprendizagem sobre o processo da aprendizagem, na
apropriação e maior controle dos recursos internos e automáticos do cérebro primitivo.
Conhecer, analisar e gerir as percepções das cinco dimensões Scarf na convivência social e no
trabalho em equipe é um atributo essencial da liderança instruída pela neurociência, um exercício
amplo de metacognição. Sem essa compreensão da compreensão, muito da dinâmica corporativa,
tanto nos casos de sucesso quanto nos de fracasso em termos de liderança, ocorre de forma
incompreensível, isto é, não cognitiva. Não existe liderança autêntica sem metacognição.

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Desse modo, o sucesso ou o fracasso dos líderes, segundo o modelo Scarf, depende da sua
capacidade de reconhecer fatores que desencadeiam reações regressivas (fuga da ameaça) ou
progressivas (busca da recompensa) em cada uma das cinco dimensões. Em outros termos, trata-se de
combinar esses elementos da maneira mais favorável à busca conjunta do objetivo comum sem ignorar
a força que os processos reptilianos têm em termos de gerar atenção, motivação e engajamento.
Pode-se dizer que uma liderança de sucesso exige um design motivacional adequado em temos
dos fatores neurossociais da interação entre os membros da equipe, incluindo o próprio líder. Isso
pode parecer complexo à primeira vista. Por isso, vamos usar alguns exemplos para ilustrar melhor
a ideia de design motivacional compatível com o modelo Scarf.
Um dos elementos amplamente destacados por David Rock (2020) se refere às ameaças ao
status dos membros de um grupo. Imagine um indivíduo que não esteja se saindo bem em uma
equipe, seja de trabalho, social ou um time de futebol, não importa. O seu comportamento não
contribui para o objetivo comum e ele se mostra insensível aos estímulos do líder. No limite, a sua
negligência pode comprometer o sucesso da estratégia.
No âmbito corporativo, uma ferramenta padrão para sinalizar que a empresa não está
satisfeita são as avaliações de desempenho. Muitas vezes, essas ferramentas são usadas como estímulo
porque o crescimento de cada colaborador na carreira ou a participação no bônus de final de ano
depende delas.
No entanto, a experiência mostra que avaliações de desempenho não costumam ser muito
efetivas em termos de mudança de comportamento e podem, inclusive, gerar o efeito contrário. E
por que as pessoas resistem a mudar a sua postura e não respondem aos estímulos racionais da
promoção ou do bônus?
Isso acontece pelo simples fato de que um feedback muito ruim por parte do chefe é
interpretado como uma ameaça de status. Se os colegas forem promovidos ou ganharem um bônus
maior, a condição relativa desse colaborador (o seu status) será reduzida.
Ameaças desse tipo reduzem a capacidade cognitiva, inibindo a ação mais racional típica do
neocórtex. O empregado mal avaliado tende a sentir o seu espaço ameaçado e irá defendê-lo. Ele
vai adotar uma postura regressiva, fincando pé nos seus comportamentos e perdendo a identificação
com o líder que o avaliou. Focado na sua sobrevivência, na defesa da sua posição na organização,
um colaborador mal avaliado tende a agir de forma instintiva, não racional, inclusive do ponto de
vista da adesão ao esforço coletivo em busca de um objetivo corporativo comum. Tudo isso reduz
o seu engajamento com a estratégia. Nesse caso, a busca de sobrevivência é não cognitiva, isto é, ele
mesmo não saberia responder, ao certo, por que age dessa forma. Afinal, ao adotar a postura
regressiva, esse indivíduo pode estar, inclusive, piorando a sua situação na organização e caindo no
conceito do chefe que o avaliou. É por isso que algumas pessoas mal avaliadas entram em uma
espécie de espiral.

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Empatia

Empatia significa a capacidade psicológica para sentir o que sentiria outra pessoa caso estivesse
na mesma situação vivenciada por ela. Ou seja, é olhar com o olhar do outro, considerando a
possibilidade de uma perspectiva diferente da sua. Consiste em tentar compreender
sentimentos e emoções, procurando experimentar, de forma objetiva e racional, o que sente
outro indivíduo.

A falta de empatia leva a criação de pré-conceitos e vieses de julgamento.

Os líderes devem observar as atitudes dos liderados e praticar a empatia. Com isso, é possível
prever situações com antecedência e se liderar a equipe de forma mais eficiente.

Líder alfa
A dominação racional é facilmente adaptável para o mundo do Neurobusiness. Ela é típica dos
líderes cumpridores de regras. “Cumpra-se o regulamento” é seu lema. No entanto, será que um
líder estritamente racional consegue tirar o melhor dos seus liderados, motivar as suas equipes,
favorecer o comprometimento e a criatividade? A resposta é não.
Se o exercício da liderança se limita a exigir o cumprimento das regras, dos contratos e dos
estatutos, não estamos diante de um líder de verdade, mas de um bedel, um simples inspetor de
alunos cujo papel é apenas evitar bagunça no pátio durante o intervalo. É claro que a racionalidade,
o cumprimento das regras é algo necessário no mundo corporativo e em qualquer sociedade
moderna, mas a liderança é muito mais do que isso.
Deter o poder e ser líder são coisas, muitas vezes, diferentes. Talvez, eu obedeça a alguém na
empresa que tenha o poder de me avaliar ou demitir. No entanto, essa pessoa, caso se limite ao
exercício desse poder, não irá tirar o melhor de mim.
Os grandes ditadores como Hitler ou Stalin exerceram um poder tirânico. Nada muito
diferente do Terror de Roberspierre durante a Revolução Francesa, mas as suas experiências de
liderança não foram muito longe nem estimularam a criatividade ou verdadeiro engajamento.
Um líder exclusivamente racional poderá apelar para o estímulo do bônus. Irá criar regras
para a avaliação de desempenho e, no final do ano, todo orgulhoso, vai anunciar os “campeões” da
empresa. As maiores vendas, o maior número de processos analisados, o menor índice de
reclamações. Com isso, estará criando equipes que serão pouco mais do que ratinhos de laboratório.
Essa é a liderança cortexiana: racional, objetiva, fria e pouco animadora.
Já a liderança baseada no medo, na ameaça constante de demissão, de demora na promoção
ou de transferência para um setor menos nobre das organizações é a liderança reptiliana com o seu
lema: você me obedece ou eu o devoro!

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A liderança alfa é uma liderança afetiva e autêntica, baseada essencialmente, mas não
exclusivamente, nos processos do sistema límbico. A liderança alfa é centrada no afeto, mas não
abre mão da metacognição, do pensar as emoções para fazer as melhores escolhas, e também não se
sustenta sem uma pitada de temor reptiliano. Nesse caso, o exercício do poder é baseado na
identificação de bando e na empatia.
O líder alfa, além da habilidade tipicamente límbica de compartilhar sentimentos, precisa
também processar essa percepção de forma estritamente racional e cognitiva. Um médico diante de
um paciente com hemorragia deve conter os seus sentimentos empáticos e procurar, de forma
racional, a melhor forma de intervir para deter a perda de sangue. Em uma única palavra, o líder
alfa deve praticar, a um só tempo, a capacidade empática e a metacognição. Não deve ser frio e
racional a ponto de dizer: “Esse não é um problema meu!” Ao mesmo tempo, tendo compartilhado
a emoção dos seus liderados, deve-se perguntar: “Como devo agir no sentido de superar, deter ou
manejar o estado emocional dos meus seguidores.”
Em resumo, o líder afetivo ou líder alfa é um gestor de sentimentos. Procura compreender
de maneira profunda os estados emocionais dos seus seguidores, o que exige identificação com o
bando, percebida pelos seus integrantes e sentida por ele mesmo. Essa é a parte límbica da liderança
afetiva. Ao mesmo tempo, o seu exercício do poder é racional, exigindo o máximo de atenção e
percepção cognitiva de si e dos demais membros do grupo. Caso contrário, se vacilar, se ficar
desatento, ele não será reconhecido como líder alfa. Em alguns casos, é saudável que os membros
do bando sintam uma ponta de medo do líder. Afinal, a sua permanência no grupo depende, em
muitos casos, das decisões dele. Esse é o aspecto reptiliano da liderança. Por fim, não pode faltar ao
líder a capacidade de processar tudo isso e tomar decisões racionais, orientadas pelos objetivos
estratégicos do grupo, seja ele uma empresa ou não.
Do ponto de vista cerebral, pode-se concluir que o líder alfa é um elemento raro e que o
exercício dessa liderança, essencialmente afetiva, mas não só, não é uma tarefa fácil.

Conclusão
Neste módulo, discutimos quatro aplicações típicas da Neurociência à Gestão Empresarial:
Neuroeconomia, Neuroarquitetura, Neurovendas e Neuroliderança. Aplicando os insights trazidos
pela neurociência às áreas já bem-estabelecidas e estudadas há muito tempo, como a Economia e a
Arquitetura, foi possível notar como questões já bastante debatidas podem ser revistas e repensadas,
algumas se reafirmando e outras se mostrando ultrapassadas. Também vimos que a aplicação da
Neurociência permite o surgimento de ideias e conceitos novos, que transformam o nosso
entendimento de situações já familiares.

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MÓDULO IV – AUTOCONHECIMENTO E
PERFORMANCE

Neste módulo, demonstraremos que algumas das questões filosóficas mais clássicas também
são abordadas pelo Neurociência, entre as quais, o autoconhecimento merece destaque. Temas
como senciência e metacognição serão aprofundados e tratados dentro da esfera de interesse do
Neurobusiness, isto é, a busca de melhor performance no mundo corporativo sem que se perca de
vista o objetivo de sustentar a qualidade de vida, dentro e fora do trabalho. Além disso,
apresentaremos elementos éticos específicos. Por fim, veremos uma breve apresentação dos
elementos mais relevantes da prática do mindfulness.

Introdução
Um dos maiores objetivos da aplicação da Neurociência ao mundo empresarial é permitir
que o conhecimento existente sobre o funcionamento do cérebro humano contribua tanto com a
performance quanto com a qualidade de vida no âmbito de nossa vida profissional.
Em outros termos, a grande meta do Neurobusiness é permitir que um melhor conhecimento
de nós mesmos, como seres biológicos, transforme-se em resultados mais efetivos, seja em termos
de nosso padrão de vida material, do resultado das empresas ou da evolução de nossas carreiras.
Tudo isso, sem abrir mão de dois outros princípios:
 a busca contínua da qualidade de vida, dentro fora do trabalho, e
 a ação ética na geração e no emprego do conhecimento neurocientífico aplicado.

Por essa razão, iniciamos o módulo com uma breve – e densa – discussão sobre a ética do
Neurobusiness e concluiremos com o mindfulness – uma prática cada vez mais associada à qualidade
de vida, dentro e fora do mundo empresarial.
Neurobusiness e ética
Neuroética – origem e conceituação
O primeiro uso conhecido do termo neuroética ocorreu em 1973, em um artigo de Anneliese
Pontius (1973). O texto analisou questões éticas relacionadas à pesquisa neurológica com recém-
nascidos. Desde então, o uso do termo tem-se ampliado. Em 2002, realizou-se, em San Francisco,
a conferência Neuroethics: mapping the field. Outro marco importante ocorreu em 2006, com a
criação da INS – International Neuroethics Society -, cuja missão é promover o desenvolvimento e a
aplicação responsável da neurociência em nível internacional, incluindo as suas aplicações
interdisciplinares, caso típico do Neurobusiness.
O interesse por esse campo também fica evidente pelo número crescente de publicações, tais
como as revistas Neuroethics, American Journal of Bioethics, American Journal of Law and Medicine,
Bioethics e Cambridge Quarterly of Healthcare Ethics, entre outras.
Em termos conceituais, pode-se definir neuroética como o estudo das implicações éticas,
sociais e jurídicas dos avanços da neurociência e das suas múltiplas aplicações. Partindo da ética
clássica, a neuroética visa aprofundar a discussão das questões morais relativas à pesquisa e à
aplicação do conhecimento no campo neurocientífico. Vejamos:

Figura 14 – Da ética à neuroética

Fonte: Gonçalves e Paiva (2018, p. 450).

Evidentemente, no contexto do Neurobusiness, o interesse em questões éticas recai sobre a


aplicação da neurociência. Esquematicamente, neuroética tem um campo comum com a bioética
e, ao mesmo tempo, trata de temas próprios, como sugere a Figura 14.

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Neuroética e ética do Neurobusiness
A partir da compreensão da neuroética, é preciso avançar e definir o campo da ética do
Neurobusiness. Esses dois campos, apesar de possuírem áreas e temáticas em comum, não se
confundem. Dessa forma, a ética do Neurobusiness se caracteriza como uma extensão da neuroética,
que, por sua vez, possui toda uma relação com a bioética. No entanto, existe um campo da ética do
Neurobusiness que lhe é próprio, fora das fronteiras da neuroética e da bioética. A figura, a seguir,
ilustra esses vários campos e as suas interseções.

Figura 15 – Ética do Neurobusiness além da neuroética

Fonte: Gonçalves e Paiva (2018, p. 453).

O que a figura acima destaca é que a neuroética abrange parte da temática da bioética, ao
mesmo tempo em que possui uma área externa a ela. O mesmo ocorre com a ética do Neurobusiness,
pois ela possui uma área ampla nos limites da neuroética, mas também possui um campo próprio,
que vai além desses limites.
Avançando ainda mais, é possível afirmar que a ética Neurobusiness, possui três dimensões. A
primeira é uma extensão da ética na pesquisa neurocientífica, dentro do campo da neuroética e da
bioética (área 1 da Figura 16, abaixo). Nessa área, discute-se a conduta dos pesquisadores em
estudos de neurociência com potencial de aplicação no campo dos negócios. A influência das
emoções nos processos decisórios ou os mecanismos de formação de memórias são bons exemplos
dessa primeira área.

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Figura 16 – Três áreas da ética do Neurobusiness

Fonte: Gonçalves e Paiva (2018, p. 454).

A segunda área se refere, especificamente, à ética da pesquisa aplicada, própria das disciplinas
do Neurobusiness (área 2 da Figura 16). O estudo clássico do neuromarketing, envolvendo Coca e
Pepsi, situa-se nessa área. Pesquisas assim, de caráter diretamente aplicado ao Neurobusiness,
também exigem uma conduta ética dos pesquisadores (área 1), mas o foco recai sobre a relação entre
os consumidores (voluntários dos experimentos e das pesquisas) e as suas marcas de refrigerante
preferidas (área 2).
Por fim, existe um terceiro campo que se refere ao uso feito por empresas e profissionais de
do conhecimento e das ferramentas geradas pelo Neurobusiness em uma clara interface com a ética
empresarial ou ética dos negócios (área 3 da Figura 16 e da Figura 17).

Figura 17 – Ética do Neurobusiness e ética empresarial

Fonte: Gonçalves e Paiva (2018, p. 455).

Desse modo, questões como assédio moral, igualdade de gênero, relações de poder dentro das
empresas, formas de motivação com ou sem apelo a ganhos financeiros e altruísmo podem e devem
ser abordadas tanto do ponto de vista da ética clássica quanto da neurociência aplicada. Por
exemplo, o uso aplicado do conhecimento neurocientífico no âmbito das relações empresariais está
sendo feito eticamente? Ou estamos usando esse conhecimento para influenciar o comportamento
de outros agentes, dentro e fora da organização, de forma moralmente inadequada?

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Princípios da ética do Neurobusiness
No livro Triuno: neurobusiness e qualidade de vida, os autores desta apostila definiram cinco
princípios para a ética do Neurobusiness inspirados na bioética (GONÇALVES e PAIVA, 2018, pp.
471-475). São eles:
 Princípio da não maleficência – Princípio em comum com a bioética e a neuroética
aplicada à pesquisa neurocientífica pura. Sejam quais forem as práticas do Neurobusiness, é
preciso assegurar que os agentes envolvidos não sofrerão mal algum, seja do ponto de vista
da sua integridade física, no caso das pesquisas envolvendo neuroimagem com voluntários,
por exemplo, seja do ponto de vista moral no que tange às suas opiniões, crenças e escolhas.
 Princípio da transparência – Idealmente, é desejável que os participantes de um
experimento em Neurobusiness tenham conhecimento dos propósitos e métodos do teste,
desde que isso não venha a interferir nos resultados. Se o consumidor ou comprador
soubesse do uso das técnicas, a sua eficácia seria comprometida? Infelizmente, não há uma
resposta consolidada para essa questão, de modo que ela merece ampla discussão.
 Princípio da autonomia – Influenciar sem condicionar comportamentos e escolhas é a
síntese desse princípio. A prática do nudge deixa claro que as ações de Neurobusiness – sejam
no âmbito do consumo ou para incentivar comportamentos mais altruístas, como a doação
de órgãos – mantêm níveis elevados de autonomia para os agentes, algo eticamente muito
desejável.
 Princípio da privacidade – Esse princípio destaca que é fundamental garantir a privacidade
das pessoas envolvidos tanto na pesquisa neurocientífica aplicada quanto nas práticas do
Neurobusiness. O uso de recursos de eye tracking, por exemplo, pode demonstrar que um
consumidor que visite um ponto de venda teve o seu interesse voltado para a vendedora,
muito mais do que para os produtos em exposição. Esse interesse estaria completamente
fora do objetivo da pesquisa e associado a questões de natureza pessoal. Descartar tal
informação seria a atitude ética mais recomendável, desde que não tenha avido assédio em
relação à profissional. O mesmo se passa, em escala muito mais ampla, com a utilização de
técnicas de Big Data, associadas ou não com o Neurobusiness, que rastreiam nossos hábitos
de consumo.
 Princípio do controle comportamental e controle social – As técnicas originadas nas
aplicações da neurociência não devem ser utilizadas para o monitoramento e potencial
controle comportamental nas organizações, o que, em um contexto amplificado, poderiam
resultar em controle social. Dessa forma, por exemplo, a medição do nível de certas
substâncias no sangue poderia sugerir comportamentos potenciais indesejados de um
colaborador, indicando que ações “corretivas” deveriam ser tomadas pela empresa.

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Em resumo, o grande desafio da ética aplicada ao Neurobusiness é influenciar sem limitar a
autonomia, emocionar sem dramatizar, proporcionar experiências atrativas de forma explícita e não
velada. Esse é, em suma, o equilíbrio desafiador proposto pela ética aplicada ao Neurobusiness.

Plasticidade cerebral
Discussão sobre a plasticidade
Como vimos no primeiro módulo, ao contrário do que se pensava até o final do século
passado, o número de células cerebrais não é algo fixo que sofre um declínio lento e contínuo ao
longo da vida. A depender das experiências que vivemos ao longo da vida, nosso cérebro se
transforma plasticamente não apenas alterando o seu número de neurônios, mas, principalmente,
alterando as conexões entre os neurônios existentes. Ou seja, sinapses podem ser criadas, eliminadas
ou reforçadas.
Exercícios físicos estimulam a produção de novos neurônios, além de oxigenar o cérebro e
adestrar nossa habilidade motora. Exercícios mentais, como aprender uma nova língua ou a tocar
um instrumento, atuam plasticamente no cérebro mudando a sua formação, deixando-o mais alerta
e preparado para novos desafios, além de ajudar a prevenir doenças como Alzheimer.
No entanto, se a plasticidade é estimulada pelo treinamento do cérebro, o contrário também
vale: sem estímulo, as células cerebrais podem ser perdidas e as conexões entre os neurônios
existentes podem ser enfraquecidas, perdendo velocidade e precisão. Como veremos adiante, para
nosso cérebro vale o lema: “use ou perca”.
Muitas pessoas que sofrem acidentes vasculares cerebrais (AVC) sofrem danos que atingem
partes inteiras do cérebro. Alguns perdem totalmente a sua capacidade de controle motor ou ficam
com a fala comprometida, por exemplo. Ainda assim, muitos conseguem se recuperar e voltar às
suas atividades normais depois de alguns meses. Como isso acontece?
As diversas técnicas de neuroimagem têm demonstrado que, de fato, as áreas comprometidas
não se recuperam. Com isso, se as habilidades afetadas pelo AVC foram total ou parcialmente
recuperadas, elas tiveram que ser “reaprendidas” por outras partes do cérebro. Por isso, o tratamento
para aqueles que sofreram AVC é tão lento e difícil. Nosso cérebro precisa “desaprender” habilidades
básicas, isto é, deixar de utilizar as antigas áreas cerebrais no exercício dessas habilidades – um hábito
exercitado por anos – e reaprender essas mesmas habilidades, isto é, passar a utilizar outras áreas para
poder executá-las. De certa forma rearrumamos nossa “casa cerebral”, atribuindo antigas funções a
áreas do cérebro que jamais tinham feito aquilo, exatamente como já havíamos feito quando crianças.
Essa é uma realidade dramática e, ao mesmo tempo, fascinante. Se o cérebro é plástico, então
o seu tamanho e a distribuição de funções nas suas diversas regiões podem mudar. Até certo ponto,
nós mesmos podemos orientar essas mudanças, direcionando a plasticidade cerebral.
Outro exemplo, menos dramático do que o das vítimas de AVC, ocorre com os violinistas.
Quando esses músicos são destros, é possível observar, por meio de técnicas de neuroimagem, que

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a área do cérebro associada à mão esquerda é maior e mais ativa que a sua correspondente no outro
hemisfério cerebral. Isso porque, assim como ocorre com os que tocam outros instrumentos da
mesma família, a mão esquerda precisa de grande habilidade para pressionar de forma rápida e
coordenada as cordas do instrumento. Enquanto isso, a tarefa da mão direita é mais simples e se
limita aos movimentos do arco.

Reserva cognitiva

A reserva cognitiva é a resistência da mente às lesões no cérebro. Ou seja, ela é a resiliência da


mente, sendo avaliada em termos comportamentais, enquanto os danos neuropatológicos são
avaliados em termos histológicos.

Um cérebro que tem a sua plasticidade estimulada tende a aumentar a sua reserva cognitiva.
Sendo assim, ainda que desenvolva algum tipo de problema, como o Alzheimer, a reserva
cognitiva pode fazer com que o cérebro consiga, de certa forma, driblar a doença. Existem
diversos casos de pessoas que desenvolveram Alzheimer e nunca exibiram os sintomas.

Use ou perca: a competitividade do cérebro


A plasticidade do cérebro tem natureza competitiva. Tudo se passa como se nossas diferentes
habilidades disputassem espaço no sistema neural. Desse modo, se pararmos de exercitar determinadas
habilidades mentais, a região do cérebro associada a ela poderá ser ocupada por outras funções. É o famoso
termo da neurociência: “use ou perca”.
Um bom exemplo são aquelas aulas de química ou física do período pré-vestibular. Talvez, você até
se lembre de um ou outro detalhe da tabela periódica ou de alguma aplicação da segunda lei de Newton.
No entanto, é bastante provável que muitas das fórmulas aprendidas já tenham sido esquecidas se você
não as usou mais depois de entrar na faculdade. Isso ocorre porque as áreas que armazenaram aquelas
informações foram demandadas por outros fatos, habilidades e dados, deslocando o que não foi usado.
Esse aspecto competitivo da plasticidade cerebral também explica por que é tão difícil aprender uma
segunda língua depois de adulto. Antes de tudo, como vimos, existe um período crítico para aprender
línguas. Quando esse período acaba, as novas línguas que aprendemos serão armazenadas e controladas
em outras regiões do cérebro, áreas diferentes das que guardam as línguas aprendidas no período crítico e
que são as regiões ideais para essa tarefa.
Além disso, ao aprender uma língua depois de adulto, o mais difícil é que, quanto mais falamos
uma mesma língua, mais dominante ela se torna em nosso cérebro. Por isso, muitas pessoas que vão morar
em outro país têm maior facilidade em aprender a língua do que só fazendo algumas aulas por semana.
Em um país diferente, a língua dominante do cérebro perde um pouco da sua força, já que será pouco
utilizada, enquanto a língua nova começa a ser realmente essencial para o conforto e sobrevivência, sendo
usada de forma intensiva. Em outras palavras, nosso cérebro, realmente, muda em função dos hábitos.
Quanto mais intensamente exercitarmos novos hábitos, mais rápida será a mudança.

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Essa é uma das lições mais importantes ensinadas pela neuroplasticidade. Hábitos estão associados
a atividades específicas e disputam espaço em nosso cérebro. Quando descobrimos isso e passamos a
prestar atenção aos processos por trás da neuroplasticidade, nossa capacidade de aprendizado e de
desenvolver novas habilidades aumenta muito.
Quando chegamos à fase adulta, por volta dos 40 anos, nossa vida, finalmente, acalma um pouco.
A estabilidade profissional já foi atingida, adquirimos um conhecimento maior de nós mesmos e dos
nossos objetivos de vida e carreira. Se, por um lado, essa estabilidade é muito boa, já que podemos
aproveitar mais a vida, por outro lado, temos de tomar certo cuidado. Muitas vezes, ficamos
acomodados e deixamos de buscar novas experiências, desafios, aprendizados realmente inéditos. Dessa
forma, ao chegarmos nos 70 anos, se tivermos seguido esse padrão, teremos acostumado nosso cérebro
a não usar todo o seu potencial de plasticidade que, afinal, não se esgota no final da infância.
O mesmo acontece com nosso corpo. Nós nos acostumamos a sentar na mesma posição no
trabalho, ficar de pé para nos locomovermos e deitar na hora de dormir. Deixamos de nos alongar,
pular, dançar, correr, desenhar, tocar instrumentos, brincar. Quanto menos fazemos essas tarefas, menor
nosso controle sobre movimentos que necessitam precisão, força, alongamento ou resistência.
Da mesma forma que nossos músculos vão perdendo a sua precisão motora, força e rapidez
quando não fazemos exercícios, nosso cérebro sofre as mesmas consequências. Por isso, buscar desafios
ao longo de toda a vida é algo extremamente positivo. Não que trabalhar ou criar um filho não sejam
desafios, mas são ações já conhecidas pelo cérebro, pois já existe alguma parte dele que se dedique a
funções relacionadas a isso.
Realmente, exercitar o cérebro é pisar em algum terreno desconhecido, fazer algo totalmente
novo, como aprender a dançar, tocar algum instrumento, aprender alguma língua estrangeira, entre
outras várias possibilidades.
Em resumo, com alguns conhecimentos de neuroplasticidade, podemo-nos preparar para viver
uma vida muito mais saudável, buscando estimular diferentes áreas do cérebro de acordo com nossas
necessidades. Além disso, nosso autoconhecimento se torna muito maior e também nossa compreensão
do comportamento de outras pessoas. Isso é muito útil não só na medicina, mas gestores de pessoas
também podem utilizar conhecimentos da neuroplasticidade em seu favor e em favor da organização!

Neurônios usados juntos trabalham juntos


Esse conceito da neurociência foi introduzido por Donald Hebb ainda nos anos de 1940: se
treinarmos nosso cérebro a associar tarefas diferentes, ele vai aprender a fazer a associação sozinho. Seria
como aprender pelo hábito, como já visto antes. Se, no começo de um aprendizado, é preciso se policiar
para lembrar de dizer “obrigado” toda vez que alguém nos faz um favor, depois de certo tempo, isso
passa a ser natural e, às vezes, até nos escapa um “obrigado” quando nem queríamos falar. Ou quando
trancamos a porta de casa tão automaticamente que, depois, ficamos sem saber se realmente lembramos
de trancar ou não.

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Quando aprendemos algo novo, como dirigir, precisamos conciliar diversas atividades ao
mesmo tempo, como olhar para frente, olhar no retrovisor, virar a direção, mudar a marcha, pisar
na embreagem, respirar e ainda prestar atenção se tem alguma criança correndo no meio da rua.
No entanto, ao treinarmos nosso cérebro com a prática, ele começa a dar conta de tudo isso com
facilidade e nos deixa tão tranquilos a ponto de conseguir cantar alguma música que toque no rádio
enquanto dirigimos.
Os vícios que adquirimos ao longo da vida também estão ligados a essa capacidade de
associação do nosso cérebro. Muitas pessoas que tentam largar o cigarro comentam que, além da
dependência da nicotina, os hábitos também são muito difíceis de serem abandonados. Como
fumar sempre depois de tomar café ou em situações estressantes. Situações assim envolvem, antes
de tudo, um aprendizado associativo ou um condicionamento.
Pensando no dia a dia, estamos acostumados a fazer associações ainda mais banais, que
acabam influenciando nossa vida negativamente, tais como vincular o fato de ter de falar em público
com algo negativo, o que provoca um nervosismo maior do que o necessário e uma queda da
qualidade da performance, além do estresse que realimenta o problema.
Pascual-Leone, professor de neurologia na Faculdade de Medicina de Harvard, tem uma
metáfora que ilustra bem as situações observadas aqui. Ele diz que a neuroplasticidade é como uma
montanha de neve fofa. Ao descermos a montanha de trenó, podemos ser flexíveis, pois temos várias
opções de caminho na neve fofa. No entanto, se toda vez que descermos a montanha nós o fizermos
pelo mesmo caminho, uma trilha vai ficar marcada na neve, e cada vez mais funda, dificultando um
desvio. Nossa rota ficará mais rígida, como as ligações dos nossos neurônios quando repetimos
diversas vezes a mesma tarefa até ela se tornar dominante e automática.

Criatividade
O que é a criatividade
A criatividade é a capacidade de recombinar informações já existentes para resolver problemas
de maneiras novas. É a habilidade de perceber o mundo de formas diferentes, de perceber padrões
escondidos, fazer conexões entre elementos aparentemente não relacionados e gerar soluções novas
em qualquer área da vida.
Essa habilidade se desenvolve mais intensamente durante a infância. Por isso, crianças são tão
criativas e conseguem criar um mundo novo por meio da sua imaginação. Ainda assim, como vimos
na unidade anterior, nosso cérebro é plástico mesmo durante a fase adulta. Se treinarmos o nosso
cérebro a pensar de forma criativa, aprenderemos a ser mais criativos em qualquer situação.
Assim como uma pessoa que exercite os músculos do braço na academia vai ter braços fortes
em qualquer situação, seja jogando tênis ou levantando uma caixa pesada, quem exercita o cérebro
criativamente consegue aplicar esse mesmo padrão de pensamento em diversas situações.

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Pensamento criativo
No final dos anos 1990, o neurocientista inglês Stephen Kosslyn mostrou que a imaginação,
isto é, a capacidade de visualizar mentalmente o que não está acessível aos sentidos, ativa as mesmas
partes do cérebro que recebem informações dos sentidos (KOSSLYN, 2005). Ou seja, de certa
forma, quando imaginamos alguma ideia ou situação na nossa cabeça, o cérebro a simula utilizando
as mesmas áreas que seriam usadas para perceber a situação real.
A capacidade de encontrar novos caminhos entre ideias e conceitos – também conhecida
como insight – depende do esforço conjunto de regiões dos dois lados do cérebro que também
participam de outras atividades, tais como da memória de trabalho e da memória de longo prazo,
da representação de objetos e ações, das emoções, entre outras. Ou seja, ela resulta da combinação
da atividade de sistemas com funcionalidades diferentes. Sendo assim, não existe, exatamente, um
centro da criatividade cerebral.
O neurocientista Roger Beaty identificou que o pensamento criativo ocorre, sobretudo, a
partir de três sistemas neurais (BEATY et al., 2018). São eles o sistema de modo padrão, usado
quando o cérebro está gerando ideias e imaginando; o sistema de controle executivo, controlado
principalmente pelo córtex pré-frontal e ativado para a tomada de decisões e avaliações de ideias, e
a rede de saliência, que ajuda a discernir quais ideias são relevantes e a facilitar a transição das ideias
entre os modos padrão e executivo. Essa última rede tem uma função importante, ao fazer uma
ponte entre o mecanismo de geração de ideias e o de avaliação destas e ao trazer ideias que estão
“flutuando” no subconsciente para o nível da consciência.

Estímulo à criatividade
Existem diversas maneiras de estimular a criatividade individual. Exercícios que se utilizem
de elementos lúdicos para ativar a imaginação e façam rir para descontrair são um bom começo.
Eles funcionam como um “aquecimento cerebral”. Assim como o esportista aquece o corpo para
entrar em campo preparado para a atividade física que vai executar, o primeiro passo para estimular
a criatividade é aquecer o cérebro.
Como um segundo passo, é importante ter em mente que ideias surgem a partir da criação
de novas conexões cerebrais, mas que elas têm como base referências anteriores. Por isso, busque a
diversidade, entrando em contato com diferentes áreas, informações, pessoas, culturas, etc. No caso
da criação coletiva, como acontece em muitas reuniões de brainstorm, por exemplo, uma solução
interessante é convidar participantes externos, sejam eles de outras áreas da empresa ou, até mesmo,
alguém de fora, com outras experiências de vida e com boa capacidade de comunicação para saber
se colocar e contribuir.
Outro elemento que pode contribuir para o processo criativo é o espaço em que ele acontece.
Muitas vezes, quando estamos com a criatividade travada, basta sair do lugar em que estamos,
mudar de sala ou dar uma volta no jardim para ajudar a mudar o “estado mental”. Criar as famosas

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“salas de guerra” também é uma boa solução. Elas são espaços nos quais se encontram todos os
registros do processo criativo, desde elementos para inspiração e entendimento do problema até a
coletânea das ideias que surgiram ao longo do processo. Nesses ambientes, tais informações estão
registradas de forma simples e visual, como em cartazes nas paredes e post-its. Desse modo, a
consulta a qualquer uma delas pode ser feita de forma rápida e simples.
Finalmente, para entrar no famoso estado alpha, no qual o padrão de ondas cerebrais
desacelera da velocidade beta para a alpha e o pensamento criativo consegue fluir melhor, é
importante conseguir relaxar. É no estado alpha que essas novas conexões neuronais são criadas e
ele é alcançado em momentos de relaxamento, como quando ouvimos música, praticamos
atividades físicas, tomamos banho ou vamos dormir.
No trabalho, para entrar em alpha, é importante que o ambiente da empresa ou do momento
de brainstorm seja favorável. Ou seja, não podemos nos sentir ameaçados nem com medo de errar.
As ideias bobas são fundamentais para o processo criativo já que, mesmo que elas não venham a ser
desenvolvidas, elas podem inspirar alguém a pensar na solução ideal. Um ambiente ameaçador
estimula áreas no cérebro que vão ativar comportamentos de preservação (luta ou fuga) e, nessas
situações, é muito mais fácil usarmos estratégias antigas do que criar novas soluções. Nesses casos,
a maioria dos limitados recursos cerebrais serão reservados para o caso de uma eventual necessidade
de fuga ou luta, restando poucos recursos para o pensamento criativo.
Em resumo, quando queremos ser mais criativos ou estimular a criatividade na nossa equipe,
precisamos criar as condições adequadas para estimular tal estado mental. Sem as condições
necessárias, é mais difícil ter ideias inovadoras.

Flexibilidade cognitiva

Os diferentes sistemas de pensamento envolvidos na criatividade não funcionam


simultaneamente. Por exemplo, quando se ativa a rede de controle executivo, a padrão pode
deixar de trabalhar. Por isso, para que o pensamento criativo aconteça, é necessária a
flexibilidade cognitiva, que nada mais é do que a capacidade de alternar esses sistemas de
pensamento de forma eficiente. Na hora de ser criativo, o cérebro usa a si mesmo de outra
maneira e descobre um caminho alternativo para resolver o problema em questão.

Mindfulness: performance e qualidade de vida


Conceituação
A tradução mais imediata de mindfulness é “estado de atenção plena”. Também pode ser
definido como um estado mental atualmente usado com fins terapêuticos e que é alcançado por
alguém que foca a atenção consciente no momento presente, reconhecendo e aceitando com calma
os seus sentimentos, pensamentos e sensações corporais. No entanto, tudo isso diz pouco. Afinal,
nosso interesse na prática do mindfulness encontra-se no campo do Neurobusiness e, desse modo, da
aplicação da neurociência ao campo da vida corporativa e dos negócios.

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Nesse contexto, o mindfulness se mostra como uma prática mental estritamente alinhada com
a busca da utilização do conhecimento que temos hoje sobre o funcionamento do cérebro e a busca
pela conciliação entre boa performance profissional e qualidade de vida, dentro e fora do trabalho.

Pelo mundo

No Reino Unido, a prática de mindfulness é adotada nas escolas de ensino fundamental há


mais de uma década, contando com mais de cinco mil professores treinados atualmente.

Na França, a Initiative Mindfulness é uma organização voltada para a sensibilização dos


governantes e formadores de opinião sobre os benefícios da atenção plena.

No Brasil, o Centro Mente Aberta (Brazilian Center for Mindfulness and Health Promotion)
promove e divulga a prática. O Centro coordena o programa de extensão social da Universidade
Federal de São Paulo (UNIFESP) – um grupo de pesquisa certificado pela UNIFESP e pelo CNPq –
e segue as diretrizes da UK Network for Mindfulness-Based Teacher Trainers.

A discussão feita em praticamente todos os tópicos anteriores enfatizou as limitações de nossa


capacidade de processamento cognitivo, a importâncias dos processos neuronais de caráter mais
automático e a influência de nossos estados emocionais em nossas ações e decisões. Também foi
destacado, várias vezes, como as áreas mais cognitivas do cérebro estão associadas a alto consumo
de energia.
Desse modo, um dos maiores méritos das práticas de minfulness – que não se limitam à
meditação – é a busca de manter a mente em uma condição saudável e em linha com as limitações e
características mencionadas. Muito embora tenha as suas raízes na meditação oriental, sobretudo nas
culturas hindu e budista, essas práticas passaram a ser aceitas nos meios médicos e de saúde, em geral,
dos EUA a partir da década de 1970, em boa medida graças ao trabalho de Jon Kabat-Zinn (1944-),
professor emérito de Medicina e diretor fundador da Clínica de Redução do Stress e do Centro de
Atenção Plena em Medicina, na Escola Médica da Universidade de Massachusetts. Kabat-Zinn
estudou budismo zen e é membro fundador do Centro Zen de Cambridge e do seu programa de
Redução de Estresse Baseado em Mindfulness (MBSR), criado em 1979. Graças aos benefícios
comprovados dessa prática para a saúde física e mental, tanto de pacientes com transtornos
psiquiátricos ou condenados à prisão como para pessoas consideradas saudáveis, o trabalho do MBSR
vem inspirando inúmeros programas e iniciativas semelhantes em todo o mundo.
A prática do minfulness pode ser compreendida a partir de algumas características desse estado
mental. Antes de tudo, ele envolve uma atitude consciente e voluntária de focar a atenção. Essa é
uma característica que se contrapõe aos níveis elevados de dispersão que o atual excesso de
informações vem nos impondo, sobretudo pelo abuso da tecnologia, das mídias e das redes sociais.

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Outro elemento se refere ao objeto da atenção. O mindfulness destaca que elementos
aparentemente pouco importantes do ponto de vista racional e concreto podem ser de grande valia
para o exercício da atenção plena. Observar com atenção o sorriso de uma pessoa amiga – esteja ela
dizendo algo ou não –, a brincadeira de uma criança ou mesmo nuvens no céu podem parecer ações
inúteis do ponto de vista da vida prática. No entanto, são de grande valia para o exercício da atenção
plena, além de estarem amplamente disponíveis todos os dias inúmeras vezes.
A curiosidade é outra característica importante. Uma mente atenta não se deixa levar pela
correnteza do cotidiano e está continuamente se questionando: afinal, por que estou fazendo isso?
Qual o propósito do que estou fazendo? Que outras pessoas estão envolvidas nos processos dos
quais faço parte?
Essas atitudes exigem, pelo menos, três características mais gerais, que são a base do estado
de atenção plena: o foco no momento presente, a aceitação e a limitação de processos cognitivos.

Desenvolvimento dos três pilares do mindfulness


Quando se sugere foco no momento presente, a recomendação pode parecer um convite a
atitudes imprevidentes. Afinal, não devemos nos preocupar com o futuro ou com o que aconteceu
de relevante no passado? A resposta do mindfulness no âmbito do Neurobusiness é: não de forma
consciente, não com o seu neocórtex pré-frontal! E o que significa isso?
Suponha que você terá uma reunião importante no trabalho na segunda-feira seguinte. Uma
semana antes, avisado sobre esse evento, você se preparou, reuniu dados, selecionou informações,
conversou com pessoas. No final de semana, saiu com a família, brincou com o cachorro e assistiu
a uma partida de futebol com o seu filho. Conscientemente, você esteve focado sempre no momento
presente. Durante a semana, a tarefa era se preparar. No final de semana, o foco recaiu sobre o lazer.
Talvez, você até tenha dado uma olhada rápida no material que preparou para a reunião no
domingo no meio da tarde. No entanto, se estava realmente atento ao seu estado mental e
emocional, verificou que estava preparado para a tal reunião. Vista assim, essa história se desdobrou
como uma sucessão de momentos “aqui-agora” e, em instante algum, você foi imprevidente.
Alimentou os seus centros cerebrais de memórias permanentes o quanto pôde e deixou as áreas
cognitivas do cérebro – muito sujeitas à exaustão – descansarem durante o fim de semana.
Outra característica do mindfulness é a aceitação. O aqui-agora tem características que não se
pode mudar. Ao chegar àquela reunião, você pode perceber que não salvou a última versão do
arquivo de apresentação no pendrive, e não vai haver tempo para telefonar para casa e pedir que
alguém mande a versão que ficou no HD do seu computador. Nessa situação, não se deve alocar
“espaço mental” com pensamentos do tipo “eu deveria ter feito isso ou aquilo”. Esses pensamentos
irão apenas atrapalhar o seu desempenho durante a apresentação, já que são representações mentais
de um presente que não ocorreu e uma avaliação crítica de um passado que já não voltará mais. A
atitude recomendada pelas técnicas de atenção plena é aceitar e apresentar da melhor forma possível

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o material disponível. Ficar criando, mentalmente, cenários de consequências futuras também nos
tira do aqui-agora e caracteriza uma não aceitação do que está se passando. Projetar esses cenários
disputará espaço na sua pequena mesa mental – as áreas executoras do pré-frontal –,
comprometendo a qualidade da apresentação.
Com tudo isso, nota-se que uma atitude de atenção plena se caracteriza pela utilização,
neurocientificamente orientada, de nossos recursos mentais. Reconhecemos que a formação de
memórias exige tempo, poupamos as áreas executoras do cérebro para o momento crítico e, durante
todo o tempo, procuramos executar apenas um processo cognitivo de cada vez.
Infelizmente, boa parte dos profissionais têm poucas oportunidades de adotar esses elementos
no seu dia a dia de trabalho. Tudo é urgente, tudo deve ser feito paralelamente a outras atividades,
temos pouco tempo para nos preparar e estamos sempre nos preocupando com o que já foi ou com
o que será enquanto procuramos viver o aqui-agora. Talvez, isso explique o número crescente de
pessoas que faz uso de medicamentos psiquiátricos e os casos cada vez mais comuns da Síndrome
de Burnout.

SNACK de minfulness
A pesquisadora Carla Naumburg sugere um conjunto de cinco práticas simples a serem
praticadas, cotidianamente, como exercícios de mindfulness. Ela chama esse pequeno conjunto de
snack de atenção plena – as iniciais de stop, notice, accept, curious e kindness 1. O conteúdo, a seguir,
está inspirado no trabalho de Carla Naumburg:
 Stop – Apenas pare, por um instante, no meio do dia de trabalho. Você poderá retomar as
suas tarefas em seguida! Então, observe o seu estado mental e os seus sentimentos. Você se
sente culpado ou negligente por ter dado um tempo tão pequeno a si mesmo? Se sente
ansioso? Onde está a sua atenção nesse momento? Você consegue parar de pensar
conscientemente no que estava fazendo e apenas olhar pela janela para o dia lá fora?
 Notice – Observe o que se passa a seu redor. Algum colega de trabalho parece triste ou
exausto? Há alguma pessoa nova no andar? Como está a temperatura do ambiente? Há
quantas horas você não se levanta da sua mesa e vai tomar um copo de água ou uma xícara
de café? Ou será que as tarefas do trabalho estão conduzindo você de tal forma que, mesmo
que alguém sofresse um ataque cardíaco ao seu lado, você não notaria?
 Accept – Reconheça que está cansado; aceite que não vai acabar o relatório a tempo ou com
a qualidade que você deveria. Você foi rude com alguém ontem. Só que isso foi ontem!
Existe alguma coisa que você possa fazer quanto a isso no aqui-agora? Sim? Então, faça.
Não? Então, aceite e coloque a sua atenção plenamente no momento presente.

1
Para saber mais, acesse: https://www.mindful.org/how-to-take-mindful-snack/

80
 Curious – Qual o propósito do que você está fazendo? Quem é a pessoa para a qual você está
mandando um e-mail agora? Qual a real importância da sua função na empresa? Reconhecer o
seu lugar no mundo, ainda que seja no mundo da corporação em que você trabalha, é
fundamental para que tudo faça sentido e para que a sua mente esteja atenta.
 Kindness – Aconteça o que acontecer, mantenha a calma e a gentileza. Estados emocionais
alterados são o caminho mais curto para atitudes das quais podemos nos arrepender em breve.
Você está cronicamente irritado? A sua paciência está por um fio? Bem, então é preciso procurar
a causa. Quem tem atenção plena no aqui-agora só estará irritado se estiver no lugar errado.

O grande mérito dessa abordagem comportamental para o mindfulness, sugerida por Carla
Naunburg, é a facilidade de praticar o snack. Ao mesmo tempo, todos os seus elementos convidam à
observação consciente, voluntária e focada de nosso próprio estado mental e emocional, sempre com
vistas à conciliação entre performance e qualidade de vida, dentro e fora do trabalho.

Meditação
A discussão sobre mindfulness não estaria completa sem referência à meditação. Essa é uma prática
muito antiga, igualmente voltada para a obtenção de foco e clareza mentais, bastante presente em
culturas e religiões orientais, como o budismo, mas que tem correspondentes nas práticas monásticas
cristãs, como a contemplação mística.
Existem várias definições para essa prática ou estado mental, e não há consenso entre os
estudiosos. Em linha com nosso objetivo de discutir a neurociência aplicada aos negócios, e no âmbito
do mindfulness, pode-se dizer que o estado meditativo é o intervalo de tempo entre dois pensamentos.
Essa definição parece um tanto radical e sua prática quase impossível em um primeiro momento.
Mas, considerando que o pensamento é o exame cognitivo, reflexivo e crítico de informações,
lembranças ou emoções, tudo se esclarece. Essas são atividades típicas do neocórtex pré-frontal e, como
tais, são conscientes, processuais e, via de regra, racionais, ainda que com forte conteúdo heurístico,
como já vimos. Assim, o intervalo entre dois pensamentos, ou silêncio mental, como preferem alguns,
seria um estado no qual abrimos mão do exame cognitivo de informações, lembranças ou imagens que
por ventura nos venham à mente consciente. Nesse estado, alguns praticamente focam em apenas uma
imagem ou um sentimento, educando a mente para limitar os processos cognitivos e estar totalmente
presente no aqui-agora, a essência do mindfulness.
Estudos como os de Harrington e Dunne (2015) revelam os benefícios neuronais da prática
meditativa. Foi constatada grande presença de onda gama em praticantes de meditação, característica
que sugere sincronia entre as várias áreas do cérebro. Os níveis de atenção e foco na resolução de questões
e problemas cotidianos também costumam ser maiores nessas pessoas. Por fim, estudos realizados pela
pesquisadora Sara Lazar da Universidade de Harvard sugerem que praticantes de meditação
desenvolvem grande reserva cognitiva, reduzindo os níveis de perda de massa cerebral e de funções
cognitivas mesmo em idade avançada (LAZAR e outros, 2005).

81
Conclusão
O último módulo abordou questões filosóficas mais clássicas, mas muito importantes no
contexto da aplicação da neurociência em áreas distantes da medicina. Conhecimentos sobre
ética, quando discutimos como influenciar ou induzir comportamentos, por exemplo, mostram-se
fundamentais para que o Neurobusiness seja sempre utilizado da melhor forma. Temas como
senciência, metacognição e mindfulness também foram aprofundados, visando não apenas a busca
de melhor performance no mundo corporativo, mas também, e principalmente, a qualidade de
vida dentro e fora do trabalho.

82
CONCLUSÃO

Ao concluir esse material, os autores esperam, essencialmente, ter atingido dois objetivos. Em
primeiro lugar, ter levado o leitor a refletir sobre si mesmo. Afinal, a fronteira científica representada
pela Neurociência diz respeito à nossa própria humanidade, dado que é nosso cérebro, incrivelmente
complexo e desenvolvido, que nos faz animais essencialmente distintos de todos os outros, sobretudo
graças à nossa capacidade cognitiva e às suas relações incríveis com emoção e instinto.
Além disso, fizemos um convite implícito para que nossos leitores e alunos sigam em frente,
uma vez que aquela mesma fronteira tem avançado continuamente nos últimos anos e continuará
a fazê-lo nos anos à frente, à medida que a tecnologia e o estudo científico desvendarem novos
mistérios da mente humana.
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Manual de introdução ao Neurobusiness escrito pelos autores do curso. Os capítulos
indicados exploram vários aspectos relacionados ao autoconhecimento com vistas à
melhoria de performance sem comprometimento da qualidade de vida.

GONÇALVES, R. e PAIVA, A. Triuno: Neurobusiness e qualidade de vida. São Paulo: Clube de


autores, 2018, capítulos 1, 2, 6, 7, 8 e 10.
Manual de introdução ao Neurobusiness escrito pelos autores do curso. Os capítulos
indicados oferecem uma visão ampla sobre os fundamentos explorados na apostila e
exploram, sinteticamente, elementos típicos das aplicações apresentadas.

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KANDEL, E. Princípios de Neurociências. Porto Alegre: Artmed, 2014.
Referência para uma compreensão ampla da Neurociência e dos seus avanços ao longo do
século XXI.

KANDEL, E. Em busca da memória: o nascimento de uma nova ciência da mente. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009.
Obra de referência de um dos neurocientistas mais conceituais da atualidade. O autor é
ganhador do Nobel de Medicina de 2000.

KANEHMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. São Paulo: Objetiva, 2013.
O autor é ganhador do Nobel de Economia de 2002 e referência em Neurobusiness. O
livro explora a forma como processamos informações para tomar decisões e perceber o
ambiente externo.

LINDSTROM, M. Buy-ology. Nova York: Crown Business, 2008.


Obra relevante para compreender aspectos biológicos das decisões de compra.

OLIVEIRA, R. M.; LENT, R. O desenvolvimento da mente humana. In: Lent,


Roberto; Buchweitz, Augusto; Mota, Mailce B. (Orgs). Ciência para educação: uma
ponte entre dois mundos. São Paulo: Atheneu, 2018, p. 25-49.

PAIVA, A. Neuroscience for Architecture: how building design can influence behaviors and
performance. Journal of Civil Engenering and Archtecture, 2018, 12 (2):132-138.
Artigo original de uma das professoras do curso, que explora a influência do ambiente
construído sobre o processo de tomada de decisão.

PENMAN, D. e WILLIAMS, M. Atenção plena – mindfulness. Rio de Janeiro: GMT Editores, 2015.
Guia rápido para compreender o estado de atenção plena e a sua relevância.

ROCK, D. Your brain at work. 2. ed. Nova York: Harper, 2020.


O autor explora diversos mecanismos cerebrais úteis para todas as aplicações. A abordagem
é feita por meio de storytelling envolvendo situações da vida cotidiana analisadas a partir de
conteúdos de Neurociência aplicada. A segunda edição foi revista e ampliada.

ROCK, D. e RINGLED, A. Handbook of NeuroLeadership. Lexington: NeuroLeadership


Institute, 2013.
Coletânea de artigos explorando diversos elementos da Neuroliderança.

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THALER, R. e SUSTEIN, C. Nudge: o empurrão para a escolha certa. Rio de Janeiro: Elsiever, 2008.
Thaler é ganhador do Nobel de Economia de 2017 e referência para o tema nudge, isto é,
nas influências sutis e intencionais sobre nosso comportamento, típicas de diversas
aplicações da Neurociência tratadas pelo Neurobusiness.

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PROFESSORES-AUTORES
ANDRÉA DE PAIVA
FORMAÇÃO ACADÊMICA
 Master of Arts (MA) em Arquitetura pela Middlesex
University, em Londres.
 Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela USP.
 Certificada em Personal Coaching pela The Coaching
Academy de Londres e em Design
Thinking pelo Massachusetts Institute of
Technology (MIT).
 Formada em Teatro pelo Teatro-Escola Célia Helena.

EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS
 Consultora na FGV Projetos.
 Cordenadora-adjunta e professora do curso de Neurobusiness da FGV.

PRÊMIOS E PUBLICAÇÕES
 Coautora do livro Triuno: neurobusiness e qualidade de vida.
 Autora do site www.neuroau.com.

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ROBSON GONÇALVES
FORMAÇÃO ACADÊMICA
 Mestre em Economia pela Unicamp.
 Bacharel em Economia pela USP.

EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS
 Técnico do Banco Central do Brasil e pesquisador do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
 Coordenador da FGV Projetos, atua como consultor
desde 2007.

PRÊMIOS E PUBLICAÇÕES
 Coautor do livro Triuno: neurobusiness e qualidade de vida.

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