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Anais - Artigos

Ciências Humanas - História 4761

Ciências Humanas

História
Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4762

A CARÊNCIA DO ENSINO FUNDAMENTAL NO ESTUDO DA


PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
P. S. S. Silva1; B. R. L. Lopes2
1
Discente do 4ª ano do Curso Técnico em Administração, na forma integrada – IFRN, Campus Nova Cruz.
E-mail: paulosergio.ifrn2012@gmail.com. 2Professora de História - IFRN, Campus Nova Cruz.
E-mail: bruna.lima@ifrn.edu.br

RESUMO: O principal objetivo deste trabalho é expo uma deficiência no ensino de história
durante o nível fundamental, em relação à Primeira Guerra Mundial, este tema muitas vezes é
deixado de lado e não é trabalhado com a importância que deveria, para mudar esse cenário
esse trabalho objetiva mostrar a importância desse tema para a vida acadêmica dos alunos e
em meio uma parceria com a secretaria de municipal educação, elabora uma proposta para
inclusão de maneira efetiva desse tema durante o ensino fundamental, para a execução desse
trabalho foi aplicado um questionário sobre o ensino de história durante o nível fundamental,
aos alunos do ensino médio integrado, do IFRN campus Nova Cruz, os resultados
impressionam quase 40% dos entrevistados afirmaram não ter estudado esse tema no ensino
fundamental, e os que estudaram este assunto, mais de 40% afirmaram que este conteúdo foi
lecionado de forma superficial, esse tema é de suma importância pelo fato de servi como base
para demais assuntos e facilitar aprendizagem de temas como Segunda Guerra e Guerra fria, a
inclusão deste assunto de maneira efetiva no ensino fundamental é algo essencial para o
desenvolvimento do aluno, temos que evita que este tipo de situação continue acontecendo
esse é apenas o primeiro passo de uma reforma de extrema importância.
Palavras-chave: carência, ensino fundamental, primeira guerra mundial.

A LACK OF BASIC EDUCATION IN THE STUDY OF


THE FIRST WORLD WAR
ABSTRACT: The main objective of this work is to expose a deficiency in teaching history
during fundamental level, about the First World War, this topic is often overlooked and is not
working with the importance it deserves, to change that this work aims show the importance
of this issue for the academic life of students, and through a partnership with the municipal
education secretariat draw up a proposal for inclusion effectively this issue during elementary
school for the implementation of this study was a questionnaire on the history education
during elementary level, students of the integrated high school, the campus IFRN Nova Cruz,
the results are impressive almost 40% of respondents said they had not studied this subject in
fundamentalschool, and who have studied this subject, more than 40% said that this content
was taught in a superficial way, this topic is very important because to serve as a basis for
other matters and facilitate learning themes such as World War II and Cold War, the inclusion
of this issue effectively in primary education is something essential for the development of the
student, we have to prevent this type of situation to continue going this is just the first step in
a reform of utmost importance.
KEYWORDS: lack, elementary school, world war.

INTRODUÇÃO
A primeira guerra mundial teve inicio em 1914, podemos dizer que vários motivos
culminaram para o acontecimento da guerra, varias potências européias estavam descontentes
e indignadas com a partilha das colônias da África e Ásia, na qual a Alemanha e Itália se
sentiram prejudicadas e a França e Inglaterra foram beneficiada, com as colônias com maior

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potencial, em termos de localização e recursos naturais, as potencias européias estava bastante


focada no desenvolvimento de armamento, isso criou um clima hostil no continente, sendo
que havia algumas rivalidades entre alguns territórios como a França e o Império Alemão.
Já que no século XIX havia ocorrido um conflito por causa de territórios, porem o que
marcou o ponta pé inicial da guerra, foi o assassinato do príncipe do império Áustria-Hungria
Francisco Ferdinando durante uma visita a região dos Balcãs no sudeste europeu. O assassino foi
identificado como um militante de uma facção conhecida como Mão Negra que supostamente
teria ligação com o governo sérvio, indignado com as medidas tomada pela servia em relação ao
crime, no dia 28 de julho de 1914 o império austro-húngaro declarou guerra a Servia.
Com o apoio da Alemanha e Itália, deu-se início a primeira guerra mundial foi formada
duas alianças militares, a tríplice aliança composta principalmente por Reino Unido, (Rússia até
1917), Servia e França, tivemos também a tríplice entende formada pelo Império Alemão,
Império Austro-Húngaro, Império Otomano e Bulgária e Itália que posteriormente mudaria de
lado, 1917 marcou a entrada dos Estados unidos na guerra apoiando a tríplice aliança e a saída da
Rússia devido à revolução russa, a entrada dos estados unidos na guerra foi algo fundamental,
pois os estadunidenses haviam se preparado ferozmente, usando novas táticas de batalha e uma
tecnologia de mais avançadas como novos carros de batalha, a Alemanha não resistiu à pressão e
no dia 11 de novembro de 1918. Acabou se rendendo, assinado o Tratado de Versalhes que
envolvia uma serie de restrições aos países derrotados. (Sondhaus, Lawrence; 2013)
É inadmissível que se estude segunda guerra mundial e guerra fria sem ter vista a primeira
guerra mundial, pois ela influenciou diretamente, para que esses outros dois fatos históricos
ocorressem, podemos dizer sem sombra de dúvidas que a primeira grande guerra, culminou
diretamente para que houvesse a revolução russa, graças à revolução russa existiu a União
soviética, graças à união soviética, Alemanha foi derrotada na segunda guerra, e com isso
tivemos a bipolarização a mundial, aonde presenciamos a guerra fria, protagonizada por união
soviética e Estada Unidos, cada um com sua ideologia de modelos de produção respectivamente
são comunismo e capitalismo, graças a isso a humanidade também presenciou um dos estágios
de maior desenvolvimento tecnológico da humanidade a corrida espacial.
Também podemos citar as consideráveis mudanças geográficas das divisões territórios
que ocorreram após a primeira guerra como o nascimento da união soviética, o fim dos
impérios principalmente o império Russo, império Germânico e Império Austro-Húngaro.
Este trabalho pretende apontar a deficiência no ensino da Primeira Guerra Mundial,
através de uma pesquisa entre os alunos e do IFRN campus Nova Cruz, procurando uma
solução pratica com maneiras dinâmicas de se trabalhar esse tema com os alunos, dessa forma
apresenta uma proposta da inclusão de maneira efetiva desse tema no ensino fundamental no
município, deixando assim uma contribuição para o sistema educacional municipal.
Durante toda vida escolar algumas matérias são de suma importância para a formação do
aluno, acompanhado-lo durante toda sua vida acadêmica, desde o primário, passando pelo
ginásio até a conclusão no ensino médio, são elas português, matemática, historia, geografia e
ciências que também é vista como física química e biologia, possuir o conhecimento básico
sobre tais matérias é imprescindível não apenas para a formação do aluno, mas também a
caracterização do cidadão, pois esses conhecimentos serão necessários para eventuais situações
cotidianas tanto no âmbito familiar social quanto nas ocasiões mais formais como trabalho.
Um assunto de suma importância que deveria se trabalhado profundamente em vários
estágios do ensino fundamental na disciplina de história não é tratado com a devida
importância, estou me referindo a Primeira Guerra Mundial, segundo a SEDU a secretaria
nacional de educação esta presente na sua ementa a seguinte trecho:

4° ciclo: A crise do sistema colonial e o capitalismo. As Américas. A expansão


capitalista e a divisão internacional do trabalho. O Império brasileiro. A República
no Brasil. Economia, sociedade e trabalho no século XX: a 1ª Guerra, a Revolução

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Russa, a Crise de 29, o Totalitarismo, a 2ª Guerra e as novas formas de capitalismo.


A América e o Brasil no século XX. Questões Contemporâneas.

Como foi visto na citação acima este assunto é tido justamente como indispensável,
porém na atual realidade do ensino brasileiro é deixado de lado, levando se em conta que
durante essa etapa acadêmica é estudado de forma repetitiva assuntos como feudalismo,
segunda guerra mundial e guerra fria, algo inadmissível é estudar a Segunda guerra sem ter
visto de forma considerável o conteúdo da primeira, pois uma está diretamente relacionada à
outra, segundo alguns historiadores as duas guerras podem ser vista com uma só guerra que
teve um cessar-fogo de pouco mais de vinte anos. Sem contar o fato de que tratasse de um
assunto extremamente dinâmico que oferece diferentes maneiras de serem estudados através
de filmes, series, analise de imagens entre outros modos.

MATERIAL E MÉTODOS
Para a elaboração desse trabalho foi feita uma pesquisa através de um questionário
fechado, aplicado virtualmente com o suporte do Google formulário, aonde o questionário foi
destinado a uma amostra de alunos que cursam o ensino médio integrado do IFRN campus
Nova Cruz, o formulário é composto por quatro questões múltiplas escolha referente ao
ensino sobre a primeira guerra mundial durante o ginásio.
Questionário aplicado com o propósito de obter dados para analise dos resultados, a onde
estão presentes as seguintes perguntas, “você estudou o assunto da primeira guerra mundial no
ensino fundamental?”, a onde foi deixada duas opções de respostas são elas: sim e não, segunda
pergunta “se sim, como avalia a maneira que ele foi lecionado?”, e desta vez foi dado três
alternativas de resposta, bom, razoável ou superficial, a terceira pergunta foi “Independentemente
de ter estudado ou não, este assunto no ensino fundamental, como você avalia seu conhecimento
sobre a primeira guerra?” nesta pergunta temos três opções de respostas que são: bom, razoável e
péssimo, a quarta e ultima pergunta, “Você considera este tema como algo imprescindível no
ensino de história, durante o ginásio?” com duas alternativas sim e não.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Abaixo estão exibidos os resultados obtidos através da pesquisa com os alunos do
ensino media integrado do IFRN campus, Nova Cruz, o questionário é referente ao ensino da
primeira guerra mundial no nível fundamental sendo respondido por quarenta alunos.
A primeira questão busca saber quantos entrevistados estudaram esse assunto no ensino
fundamental, 62,5% disseram que estudaram já 37,5 afirmaram não ter visto esse assunto no
nível fundamental de ensino.

Figura 1 - você estudou o assunto da primeira guerra no ensino


fundamental? IFRN, 2015.

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De acordo com os resultados obtidos como resposta na primeira pergunta do


questionário, vemos que uma grande quantidade equivalente a 37,5% dos entrevistados
afirmaram não ter estudado qualquer assunto referente à primeira guerra mundial, esse é um
dado relevante por se tratar de suma importância levando em conta que segundo a secretaria
nacional de educação, que deveria ser ensinado no 3º e 4º ciclo do ensino fundamental.
Já a segunda questão busca saber como os que afirmam ter estudado historia no ensino
fundamental, ou seja, aqueles que marcaram sim na questão anterior a maneira em que o
conteúdo foi lecionado, apenas, 23,1% responderam como bom outros 34,6% disseram o
conteúdo foi lecionado razoavelmente e incríveis 42,3% disseram te visto esse assunto apenas
de maneira superficial.

Figura 2 - Se sim, como você avalia a maneira que ele foi


lecionado? IFRN, 2015.

De acordo com esse resultado podemos reforça a idéia de que este assunto é pouco
trabalhado não apenas quantitativamente, mas, também em relação à intensidade com que é
lecionado, podemos perceber isto facilmente ao vermos que 42,3% dos entrevistados
alegaram ter estudado de maneira superficial.
A terceira pergunta tem o objetivo de saber o quanto os entrevistados, avaliam seu
conhecimento sobre a primeira guerra mundial, com três opções de respostas que equivalem
em nível de conhecimento sobre este tema, são eles, bom, razoável e péssimo, aonde apenas
12,5% dos entrevistados marcaram como bom 70% como razoável e 17,5 % como péssimo,
assusta saber que o numero de pessoas que classificam o conhecimento como péssimo é
superior aos que classificam como bom.

Figura 3 - Independentemente de ter estudado ou não, este assunto


no ensino fundamental, como você avalia seu conhecimento sobre a
primeira guerra? IFRN, 2015.

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Partindo do ponto que esse tema é considerado um dos pilares do ensino de História no
nível fundamental, deveríamos chegar à conclusão que a grande maioria deveria considerar
seu conhecimento neste assunto como algo bom, porém não é isso que acontece apenas 12,5%
consideram seu conhecimento como bom em relação a este assunto.
A última questão consiste em saber a opinião dos entrevistados sobre o ensino da primeira
guerra mundial durante o nível fundamental, o resultado impressiona para 95% dos
entrevistados, afirmam que o ensino desse tema deveria ser algo imprescindível, na disciplina
de historia durante o nível fundamental, porém como vemos não é isso que acontece na pratica.

Figura 4 - Você considera este tema como algo imprescindível no


ensino de hitória no ginasío? IFRN, 2015.

Podemos ver que quase uma unanimidade na resposta dessa questão, 95% dos
entrevistados disse que esse assunto é de suma importância, sabendo disto podemos ver uma
grande contradição entre como deveria ser feito o ensino da primeira guerra nas escolas de
nível fundamental e como realmente ele é abordado, de maneira vaga e pouco trabalhado.

CONCLUSÃO
Como foi visto nos resultados obtidos através do questionário, o assunto da primeira
guerra mundial não é lecionado com a efetividade que merece, um percentual significativo
dos entrevistados disse que este assunto deve ser tido como algo de grande importância para a
formação acadêmica dos alunos, porém, não é trabalhado com a importância que deveria,
espero que esse trabalho exponha essa deficiência no ensino deste tema, para que futuramente
possamos evita que este tipo de situação aconteça, evitando que muitos estudantes sejam
prejudicados e facilitando seu aprendizado nos níveis mais elevados de ensino.
Podemos afirma que ao falarmos da primeira guerra mundial, estamos falando de um
dos episódios mais importantes da historia da humanidade, devido a sua contribuição para as a
sociedade, podemos dizer que a historia eu como uma torre de cartas aonde todas as cartas são
de extrema importância para forma a base, que ira suportar as outras cartas que ainda estão
por serem montadas, muitos dos avanços da humanidade nasceu da necessidade do campo de
batalha, novos meios de se conservar alimentos, remédios, a primeira cirurgia plástica ocorreu
durante a primeira guerra, também temos que lembra os milhões de soldados que lutaram de
forma patriótica para defender os interesses e a segurança do seu país, lamentar os milhões de
inocentes que morreram, compreendendo os fatores sociais, políticos e econômicos que
provocaram a guerra, é essencial que a escola ensine de maneira significativa e completa,
temas de grande relevância como este, pois a historia não se resume apenas a quando
aconteceu, mas sim a o porque aconteceu, como aconteceu é o que esse acontecido implica na
nossa atual realidade.

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REFERÊNCIAS

CAIME, F. Por que os alunos (não) aprendem História? Reflexões sobre ensino,
aprendizagem e formação de professores de História, Niterói. Tempo, V. 11. 2006.

REIS, G.:TERRA, A. Desenvolvimento da formação histórica dos alunos do ensino básico


de escolas públicas. s/e: São Paulo, 2010.

SOTANA, E. Anais eletrônicos do XXII Encontro Estadual de História da ANPUH-SP.


3. ed. Santos.2014.

SONDHAUS, L. A Primeira Guerra Mundial História completa. São Paulo. 2013. 550 p.

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A EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA EM BERÇO ANCESTRAL:


OS AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS RETORNADOS
À ÁFRICA NOS SÉCULOS XIX E XX
Wítano de Oliveira Santos1, Marinalda Pereira de Sousa2,
1
Discente do curso técnico em Meio Ambiente – IFMA. email: witano.oliveira@gmail.com;
2
Professora de História – IFMA. email: marinalda@ifma.edu.br

RESUMO: No período colonial aqui no Brasil existia uma a grande demanda de mão de obra
para os trabalhos mais “pesados”, os donos de terra necessitavam de pessoas capazes para
suprir essas necessidades e, assim, trouxeram, forçadamente, escravos da África. Após a
abolição da escravatura muitos desses escravos retornaram para a sua terra de origem ou a terra
de onde vieram seus ancestrais próximos e lá muitas vezes sofriam preconceito. Os agudás,
assim denominados os africanos libertos que retornavam para o Benin, África, eram vistos por
alguns como se fossem pessoas que não se encaixavam mais nos padrões daquela cultura, ou
seja, além de todo sofrimento suportado por eles enquanto escravos, ainda tinham que lidar
com o preconceito sofrido ao tentarem retornar à sua casa. Levando em consideração a
problemática da aceitação desse povo, o presente projeto teve como objetivo a investigação do
processo de migração de africanos e afro-brasileiros que atravessaram o Atlântico em busca de
suas raízes e de sua ancestralidade em território africano, no contexto da movimentação
abolicionista e da extinção oficial da escravidão no Brasil – nos séculos XIX e XX.
Palavras-chave: agudás, afrobrasileiros, benin, brasil, escravos.

A FOREIGN EXPERIENCE IN ANCIENT COT:


AFRICAN AND AFRICAN-BRAZILIAN RETURNED
TO AFRICA IN THE XIX AND XX CENTURIES
ABSTRACT: In the colonial period in Brazil there was a large labor demand for more jobs
"heavy", the landowners needed people able to address these needs and thus brought forcibly,
slaves from Africa. After the abolition of slavery many of these slaves returned to their
homeland or the land where their ancestors came near and there often suffered prejudice. The
acute, so named the freed Africans returning to Benin, Africa, were seen by some as if they
were people who did not fit more in the patterns of that culture, that is, beyond all suffering
endured by them as slaves, they had yet to deal with the prejudice suffered as they tried to
return home. Taking into account the issue of acceptance of this people, this project aimed to
research the African migration process and african-Brazilian who crossed the Atlantic in
search of his roots and his ancestry in African territory, in the context of the abolitionist
movement and the official extinction of slavery in Brazil-in the XIX and XX centuries.
KEYWORDS: acute, afrobrazilian, benin, brazil, slaves.

INTRODUÇÃO
O Brasil, enquanto Estado Nação, é produto da expansão comercial e territorial da
Europa, levada a cabo pelo projeto das Grandes Navegações. Nesse contexto, o
expansionismo português chegou a essa parte do território da América (posteriormente
denominado Brasil) que se tornou colônia de Portugal. Com a montagem da estrutura colonial
no Novo Mundo, um elemento era, peculiarmente, importante para o progresso do projeto
colonizador: a oferta de mão de obra. Por razões que não cabe, nesse texto, fazer-se um
aprofundamento, a obtenção do trabalho das populações nativas não foi suficiente para o
adequado implemento da colonização. Diante desse fato, o dirigente português optou por

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abastecer os colonos portugueses com homens oriundos do continente africano. Assim, o


projeto colonial português teve por base a utilização do trabalho de africanos feitos cativos
nas colônias lusas. A utilização do trabalho escravo (em sua maioria, composto por africanos)
tornou-se a base de sustentação da produção e desenvolvimento da economia colonial. Daí
que a necessidade de obtenção de cativos era cada vez maior. Foi nesse cenário que o Brasil
recebeu milhares de africanos originários das mais diversas regiões daquele continente. Eram,
portanto, povos de origem étnica bem distinta. Muitos deles, inclusive, pertenciam a tribos
rivais. Contudo, ao chegarem à colônia foram alocados em uma única categoria: escravos.
A escravidão e os seus desdobramentos provocaram uma gama de sentimentos e posturas
entre escravizados, bem como seus descendentes. A partir disso, é possível identificar dentre os
diversos desejos dos escravizados, libertos e seus descendentes livres, aquele relacionado com
um possível retorno à sua terra, isto é, à África. Esse desejo, alimentado por muitos africanos e
afrodescendentes, tornou-se concretude para muitos “retornados”, ou seja: africanos e
afrodescendentes que retornaram à África nos séculos XIX e XX.
A escravidão moderna – em outras palavras, aquela amplamente praticada pelos estados
nacionais modernos (em suas colônias), no contexto de expansão do capitalismo mercantilista
– promoveu a migração forçada de milhares de africanos que foram “arrancados” de seus
vilarejos e levados aos portos africanos, de onde eram trazidos para a América, ou levados
para outros pontos nos quais os europeus necessitavam daquela mão de obra. É de se notar
que a escravidão moderna foi um processo tão bem estruturado, a ponto de ter se
transformado de uma prática cuja representação se inseria, apenas, no âmbito da produção
econômica, para uma representação que extrapolou o espaço da economia e repercutiu no
processo de empoderamento no âmbito das relações sociais e políticas.
Com base nisso, observa-se que a escravidão e seus desdobramentos deixaram marcas
profundas, tanto entre os povos africanos como entre as sociedades onde a mesma foi
praticada, seja em menor ou maior intensidade. Essas marcas são ainda mais visíveis no
interior daquelas sociedades que se forjaram no seio da escravidão. No Brasil, por exemplo,
embora a miscigenação seja um forte elemento originário da mistura dos povos indígenas,
portugueses e africanos, observa-se que as tensões sociais, no tocante às questões étnicas,
ainda são muito fortes e, por isso mesmo, povoam os debates em espaços acadêmicos,
políticos, sociais e culturais.
Os africanos trazidos para o Brasil, no contexto da agricultura canavieira, extração
mineradora e da cafeicultura, trouxeram consigo, não apenas as suas forças para o trabalho,
mas um leque de subjetividades que foram sedo moldados para possibilitarem àqueles sujeitos
um processo de “adaptação” mais favorável à preservação de seus valores, costumes e
saberes. A entrada desses sujeitos no Brasil e o deslocamento deles para as diversas áreas
territoriais promoveu a divisão de grupos parentais, bem como o contato e a coexistência de
pessoas pertencentes a grupos (comunidades) distintos. Como exemplo, pode-se mencionar, a
junção de pessoas da etnia “banto” com outras da etnia “ioruba”. Nesse cenário, propício às
tensões constantes, a força e a vigilância do colonizador – representada pela figura do feitor –
nortearam a construção de uma vivência e convivência desses sujeitos. O contato com o
“outro”, entendido, aqui, não apenas com os portugueses e as populações nativas, mas
também com outros africanos integrantes de grupos étnicos distintos, embora tenha sido o
alicerce para a miscigenação e formação da população brasileira, que até bem pouco tempo
apregoava o “orgulho” de ser miscigenada, não foi capaz de evitar os constantes choques
ideológicos que permanecem até os dias atuais.
Nina Rodrigues, já à sua época, em “Os africanos no Brasil”, procura estabelecer uma
linha de distinção entre a presença negra nos Estados Unidos e na América Latina, com ênfase
no Brasil. Em seu texto já fica evidente essa questão das tensões que se forjam partir do
processo de instalação das relações escravistas na América.

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A condição de raça negra na América latina é completamente diversa da situação em


que ela se encontra nos Estados Unidos da América do Norte. Sitiada pela raça
branca, que se abstém, quando pode, de cruzar com ela, a raça negra concentra-se e
isola-se no Blachk Bell do Sul e centro da grande federação norte-americana. E
assim, discriminados os campos, tem-se ali o tempo preciso para discutir com vagar
a sorte que, na luta pela vida social, o futuro reserva à raça fraca. Na América latina,
em particular no Brasil, a raça negra, predominou muitas vezes pela superioridade
numérica, incorporou-se à população local no mais amplo e franco mestiçamento.
Se, pois, ao norte-americano pouco importam os matizes de raças e nacionalidades
dos seus negros, compreendidos todos, com os mestiços, na rubica coloured men –
fórmula de condenação à mais formal exclusão de qualquer tentativa de largo
mestiçamento –, no Brasil, onde sobre eles, puros ou mestiçados, se levantou a nossa
nacionalidade, cumpre julgá-los separadamente, discriminando as suas capacidades
relativas de civilização e progresso. Entende esta questão com o cerne mesmo da
constituição da nossa nacionalidade, em que intimamente se fundiram com o negro
americano em parte, mas sobretudo o branco. Em torno deste fulclo – mestiçamento
–, gravita o desenvolvimento de nossa capacidade cultural e no sangue negro
havemos de buscar, como em fonte matriz, com algumas das nossas virtudes, muitos
dos nossos defeitos.1

O referido autor ao falar sobre a necessidade que demandou o comércio de africanos


direto da África para a América lusa, afirma que

[...] O grande tráfico iniciou-se pouco menos de uns 50 anos após a descoberta do
Brasil com alguns navios, por particulares, enviados à África. Ainda assim, o
problema étnico devia surgir aos poucos e muito depois, que nos primeiros tempos
não havia povo brasileiro, mas europeus que estendiam ao Brasil uma parte da nação
portuguesa, para a qual os negros, sem laços de sangue, nem de outras comunhões
sociais, ainda estrangeiros na América, mais não eram do que simples máquinas ou
instrumentos de trabalho.2

Ora, é importante perceber que Nina Rodrigues, à sua época, já apontava para a falta de
uniformidade étnica do homem africano. Ele lembra ainda que nos Estados Unidos, a
necessidade de justificar o processo discriminatório deu lugar ao aparecimento de curiosos
estudos – sobre os negros norte americanos – frutos do “simples interesse científico”. Com
relação ao Brasil, o autor afirma: “[...] não consta que, no Brasil, se tivesse empreendido nesse
sentido a tentativa mais desvalorizada.”3 Contudo, o que se observa é que a questão étnica no
Brasil é um problema econômico, social, político e cultural.
Há muito vem se discutindo as diversas representações das tensões envolvendo a
questão étnica e como produto dessas discussões e análises o governo brasileiro aprovou, em
janeiro de 2003, a Lei Nº 10.6394 (que trata da obrigatoriedade de implementação nos
estabelecimentos de ensino – da rede oficial – públicos ou privados, da temática que
contempla o Ensino de “História e Cultura Afro-Brasileira e História da África e dos
Africanos no Brasil”) e, em março de 2008, a Lei Nº 11.645 (que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”). As referidas

1
Nina RODRIGUES. Os africanos no Brasil. 1982, p. 13-14.
2
Idem, p. 14.
3
Idem, p. 15-16.
4
A Lei Nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que foi modificada pela Lei Nº 10.639 de 9 de janeiro de 2003 –
que determina a inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira” –, foi novamente alterada pela Lei Nº 11.645 de 10 março de 2008 – que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.

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leis têm como objetivo subsidiar as instituições de ensino no trabalho com as múltiplas
identidades do povo brasileiro. Nesse sentido, a compreensão da cultura como patrimônio
universal da humanidade cria a necessidade de se fortalecer e afirmar a identidade cultural do
educando. Desse modo, entende-se como relevante e necessário estreitar as distâncias entre o
referencial teórico e a vivência cultural concreta. A partir dessa necessidade de se
implementar (no currículo escolar) os conteúdos propostos pelas leis supracitadas, bem como,
de se discutir (no espaço escolar) a temática da etnicidade, surgiu o interesse em se buscar
elementos que possam subsidiar o trabalho com a temática da “Educação para as relações
étnico raciais” em âmbito local e objetivando por meio desse processo fazer dos educandos
participantes (sujeitos ativos) no processo de pesquisa e criação de novos conhecimentos de
forma que eles adquiram mais informações sobre a presença dos afrodescendentes no Brasil e
também adquiram maior consciência do seu pertencimento social, ético e étnico-cultural.
Diante do exposto, a presente pesquisa tem como objetivo a investigação do processo de
migração de africanos e afro-brasileiros que atravessaram o Atlântico em busca de suas raízes
e de sua ancestralidade em território africano, no contexto da movimentação abolicionista e da
extinção oficial da escravidão no Brasil – nos séculos XIX e XX.

MATERIAL E MÉTODOS
A palavra pesquisa, quando entendida em sua acepção mais geral indica “[...] o conjunto
de atividades que tem como finalidade descobrir novos conhecimentos, seja em que área ou
em que nível for.5” Maria Lúcia de M. Prestes, em suas notas introdutórias sobre “Pesquisa”,
apresenta como conceito de pesquisa científica:

[...] investigação feita com a finalidade de obter conhecimento específico e


estruturado a respeito de determinado assunto, resultante da observação dos fatos, do
registro de variáveis presumivelmente relevantes para futuras análises. Ela é um
processo reflexivo, sistemático, controlado e crítico que leva a descobrir novos fatos
e a perceber as relações estabelecidas entre as leis que determinam o surgimento
desses fatos e a sua ausência.6

Pedro Demo, em sua obra: “Pesquisa – princípio científico e educativo”, propõe-se a


tarefa de “desmistificação” conceitual da prática da pesquisa relacionada ao universo
acadêmico. Nesse sentido o autor afirma que a “desmistificação mais fundamental, porém,
está na crítica à separação artificial entre ensino e pesquisa.”7 Por isso mesmo, na obra citada,
encontra-se um capítulo onde ele se propõe a refletir sobre “a pesquisa como princípio
educativo”. Logo em sua abordagem introdutória, Demo ressalta que naquele capítulo
procura-se:

[...] questionar o espaço educativo da pesquisa, que vamos restringir ao ambiente da


escola e da atuação do professor de educação básica. Essa restrição é apenas útil
para concretizar melhor a discussão, mas não insinuamos que a pesquisa como
princípio educativo se esgote nesse horizonte. Por outra parte, também na escola
deve emergir o desafio da ciência, até porque, em nome da pesquisa, todo
“professor” deve ser cientista.8

5
Maria Lucia de Mesquita PRESTES. A pesquisa e a construção do conhecimento científico: do planejamento
aos textos, da escola à academia. 2008, p. 24.
6
Idem, p. 24-25
7
Pedro DEMO. Pesquisa: princípio científico e educativo. 1999, p. 11-12.
8
Idem, p. 77.

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Tendo como referência a ideia do progresso da ciência e ampliação da educação, bem


como a melhoria quantitativa e qualitativa de seus índices, é salutar as propostas de incentivos
que algumas instituições e agências de fomento têm apresentado para as instituições de
Educação Básica. Já é visível o quanto o estímulo à pesquisa por alunos da Educação Básica
tem contribuído para a descoberta de novas potencialidades desse alunado e o bom
desempenho dos mesmos no quadro geral das disciplinas. Diante do exposto, a pesquisa aqui
proposta, tem como objetivo fazer uma análise do processo empreendido por vários africanos
e afro-brasileiros, que em decorrência da conquista da alforria (antes de 1888) ou após a
abolição da escravidão no Brasil, migraram para o continente africano.
O desenvolvimento da pesquisa pautar-se-á no método dialético. E, em decorrência da
dimensão da temática, far-se-á uma pesquisa de natureza básica e de caráter exploratório.
Tendo como norte a produção de uma abordagem do tipo qualitativa e utilizando-se da
pesquisa bibliográfica como fonte principal do processo investigativo.
O desenvolvimento das atividades que contemplam a concretude do presente projeto
dar-se-á em duas etapas. Na primeira, procede-se a continuidade do levantamento
bibliográfico e webliográfico sobre o tema. Em seguida a leitura, análise e apontamentos do
material coletado. Na segunda, realização da produção textual (relatórios preliminares,
material para apresentação em eventos e em escolas municipais, estaduais e federais e, por
fim, o relatório final).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A proposta de analisar o processo de migração de africanos e afro-brasileiros para o
continente africano – no contexto da movimentação abolicionista e da extinção (oficial) da
escravidão no Brasil – nos séculos XIX e XX, contempla a orientação das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico Raciais.
Quando da primeira fase de levantamento das referências sobre o tema, a maioria do
material encontrado foi de natureza webliográficos (matérias audiovisuais, artigos, etc), quase
sempre dos mesmos autores. A grande referência até aquele momento era a indicação do livro
de Milton Guran. Contudo, só mais recentemente foi possível a aquisição dessa obra, a qual
continua sendo estudada com mais atenção. Além disso, foi possível, por meio da mesma,
tomar-se conhecimento de várias outras obras que já trataram sobre o assunto.
No desenvolvimento do trabalho de análise e realização de apontamentos do material de
consulta procurou-se:
Primeiro, identificar de quais regiões do Brasil houve maior número de migrantes para a
África. As referências consultadas apontam a Bahia como um dos estados de onde ocorreu
maior número de migrantes para a África, principalmente a região conhecida como “antiga
costa dos escravos”, na regia do golfo do Benin, África Ocidental. Segundo Milton Guran,

A antiga Costa dos Escravos, sobretudo o Benin, parece constituir o único exemplo
no mundo de implantação de uma cultura de origem realmente brasileira que
conseguiu levar uma vida própria e independente. De fato, a presença brasileira foi
tão forte nesta região entre os séculos XVIII e XIX que poderíamos falar de uma
colonização informal. Foi principalmente por intermédio dos brasileiros – em
consequência direta do tráfico de escravos – que esta região teve acesso, de forma
sistemática, a bens manufaturados, como as armas de fogo, e a uma língua de
expressão universal [...].9

Terceiro, refletir sobre os possíveis fatores que levaram “um” grupo de africanos e seus
descendentes brasileiros a promoverem a travessia do Atlântico com destino à África. Essa é

9
Milton GURAN. Os Agudás: os “brasileiros” do Benim. 2000, p. 02.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4773

uma das questões mais complexa nesse processo de interpretação dos anseios daqueles que
desejaram voltar. Mas em linhas gerais, a busca pela referência no aspecto da identidade e do
pertencimento, parece ter sido um dos fatores mais fortes nesse tomada de decisão. Para Guran,

A presença brasileira nesta região da África ganhou força a partir da construção do


Forte de São João Baptista de Ajuda, em Uidá, que era ligado administrativamente
ao vice-rei do Brasil, e se constituiu em ponto de apoio fundamental à atividades
dos negreiros baianos lá estabelecidos. Mas a paisagem humana da região se
modificou profundamente com o retorno dos antigos escravos do Brasil, após a
deportação de centenas dele que tinham participado da grande revolta na cidade da
Bahia (sic) em 1835. Por diferentes razões, milhares de escravos libertos no Brasil
tomara então o caminho de volta á África até o começo do nosso século. Esses
antigos escravos tinham origens diversas e se organizaram socialmente a partir da
experiência vivida no Brasil, o que lhes permitiu se assimilarem aos brasileiros já
estabelecidos na região.10

Quarto, apresentar noções de como se deu o processo de inserção dos migrantes entre
os grupos locais, atentando para a percepção desses sobre os “estrangeiros” e, destes
últimos, para com seus “anfitriões”. Essa é uma das questões bem interessante desse
fenômeno. De acordo com a literatura consultada, o principal fato que marcou esse encontro
foi o elemento do estranhamento. Observa-se que tantos os africanos foram resistentes aos
retornados, quanto estes outros em relação aos nativos. No propósito de se apresentar uma
melhor representação desse fenômeno, recorre-se novamente a Guran, que trabalhou essa
questão com bastante clareza.

Libertos no Brasil, esses antigos escravos retornados não o eram, entretanto, na


África, onde continuavam sendo considerados escravos pela grande maioria dos
autóctones. De fato, sejam vendidos ou dados, estes indivíduos que tinha partido
como escravos – portanto já excluídos desta sociedade à qual estão de volta – se
encontram então completamente alienados da estrutura social autóctone. Eles são
diferentes dos outros, vestem-se como brancos, comem com talheres e se dizem
católicos, na maioria, ou muçulmanos. Pedreiros, marceneiros, carpinteiros,
alfaiates, comerciantes no sentido capitalista do termo, entre outras profissões, além
de serem muito frequentemente alfabetizados, considerando-se do lado do progresso
e da modernidade diante de uma sociedade que eles percebiam antes de tudo como
primitiva e selvagem. Essa sociedade, por sua vez, continuava vendo-os como
escravos, a despeito e suas “maneiras de branco”.11

Quinto, refletir porque alguns povos migrantes, os agudás do Benin, têm lutado para
preservar práticas e saberes da cultura brasileira em território africano. Trata-se de uma
questão bem interessante dentro desse cenário, pois pode parecer estranho, mas existem
retornados (brasileiros) que ainda procuram manter as tradições de sua vivência (ou de seus
antepassados não muito distantes) no Brasil em solo africano. Uma leitura, ainda não
conclusiva, demonstra que a falta de identificação com a cultura local, promovei a
necessidade dessa prática, ou seja, o culto às tradições da cultura colonial brasileira.

CONCLUSÕES
Esse estudo faz se importante, à luz das leis 10.639/2003 e 11.645/2008 e das
“Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana”, primeiro por ter sido uma proposta
em que se coloca o educando como agente nesse processo de investigação. Segundo porque,

10
___________. Agudás, de africanos no Brasil a brasileiros na África. P. 01.
11
Milton GURAN. Agudás, de africanos no Brasil a brasileiros na África. P. 02

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4774

levanta uma questão bem interessante no tocante aos desdobramentos da escravidão e da


abolição no Brasil. Ou seja, pensar sobre os africanos que decidiram voltar pode levar, a partir
do senso comum, à crença de que essa decisão foi fácil e bem sucedida e, talvez até a mais
acertada. Contudo, a literatura revela que essa experiência pautou-se no clima da tensão. E o
africano, estrangeiro no Brasil, tornou-se estrangeiro em território africano. É muito
interessante se observar essa construção do estranhamento. O liberto que busca suas raízes, se
vê estranhado por sua “ancestralidade” que não o reconhece como um da terra. Em
contrapartida, o regressante não se identifica com o lugar, coma a pessoas, com as
permanências e, diante disso, resgata o seu ar de superioridade – de quem tem muitas
experiências de vida, saberes – e passa a negar as permanências, o nativismo do lugar.

REFERÊNCIAS

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científico: do planejamento aos textos, da escola à academia. São Paulo: Rêspel, 2008.
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“brasileiros” do Benin. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/7049.pdf
acesso em 31/08/2015

FIGUEIREDO, Eurídice. Os brasileiros retornados à África. Disponível em:


http://www.capoeiravadiacao.org/attachments/187_Os%20brasileiros%20retornados%20a%2
0%C3%81frica.pdf acesso em: 31/08/2015

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4775

A FESTA DO MANDIN EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA


PEDAGÓGICA PARA CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO EM
ESCOLAS DE SENA MADUREIRA-AC
Italva Miranda da Silva¹, Ricardo Francisco Waizbort²

¹Docente de história do Instituto Federal do Acre – IFAC, italva.silva@ifac.edu.br;


²Pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz – IOC, ricardopgebs@gmail.com

RESUMO: Este artigo buscou articular uma manifestação cultural, a Festa do Mandin em
Sena Madureira no Estado do Acre com um conjunto maior de festas populares existente no
Brasil e para, além disso, apresenta uma proposta pedagógica para o currículo do Ensino
Médio em escolas do município que tenha como ponto de partida a própria festa. A hipótese é
que a inserção da Festa do Mandin no currículo potencializará o intercâmbio entre os diversos
componentes curriculares de modo que as dinâmicas estruturais e identitárias no interior e
fora da escola possam ser visibilizadas de maneira mais concreta. O artigo foi brotado a partir
das análises de textos discutidos nas aulas da disciplina de Educação Intercultural, de
documentos legais como a Lei 12. 796/2013, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio (DCNEM-2011), os PCNs (1997), leituras sobre Currículo e a articulação
destas com a pesquisa de tese em andamento.
Palavras-chave: currículo, escola, festa do mandin.

SHOWER MANDIN IN THE CLASSROOM: A PROPOSAL


FOR TEACHING SECONDARY EDUCATION CURRICULUM IN
SCHOOLS SENA MADUREIRA-AC
ABSTRACT: This paper aims to articulate a cultural event, the Festival of Mandin in Sena
Madureira in Acre with a larger set of existing popular festivals in Brazil and at the same time
provide a pedagogical proposal for the high school curriculum in local schools that has as its
starting point the party itself. The hypothesis is that the insertion of Mandin festival in the
curriculum will enhance the exchange of experiences between the various curricular
components so that the structural dynamics and identity inside and outside of school can be
visualized in a more concrete way. The article was sprung from the text analysis discussed in
class the discipline of Intercultural Education, legal documents such as Law 12 796/2013, the
National Curriculum Guidelines for Secondary Education (DCNEM-2011), NCPs (1997),
readings on Curriculum and the articulation with the thesis research in progress.
KEYWORDS: curriculum, school, farty of mandin.

INTRODUÇÃO
O currículo como objeto de estudo há muito tempo vem sendo discutido no Brasil.
Existe inclusive, uma vasta literatura tratando das mais variadas dimensões deste no âmbito
dos sistemas educacionais. Já há bastante tempo o currículo deixou de ser uma área
meramente técnica, voltada para questões relativas a procedimentos técnicas e métodos para,
tornar-se um campo em permanente investigação crítica. Passa a ser visto como um artefato
social e cultural refletindo em muitos aspectos as dinâmicas estruturais e conjunturais da
sociedade e seus conteúdos, em grande medida, definidos pelas forças políticas, ideológicas e
pelas pressões do contexto histórico vigente.
O estudo das festas populares por sua vez, tem adquirido nas duas últimas décadas uma
importância considerável e, independente dos interesses em jogo, aproximou instituições e
grupos sociais. Segundo Del Priore (2000), as festas tradicionais brasileiras não “nasceram” no

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4776

Brasil, foram transplantadas pelos colonizadores portugueses e invasores do período colonial


que as consolidaram, dando-lhes certas especificidades. Também por constituírem um domínio
da cultura do qual emergem as identidades que singularizam grupos humanos e sociedades
inteiras, as festas vêm ganhando importância social, política e econômica e assim vêm sendo
assunto de diversos debates em especial do IPHAN (CAPONERO & LEITE, 2010).
O título desse trabalho articula pelo menos dois grandes temas: currículo e cultura no
âmbito da escola. Pensados a partir de um, e não de dois temas busca-se trilhar uma
abordagem que visibilize possibilidades pedagógicas de ampliações temáticas a partir de
manifestações culturais. Parte-se da ideia que a Festa do Mandin pode tornar-se importante
componente do currículo escolar do Ensino Médio das escolas de Sena Madureira no Estado
do Acre. Como o mais importante evento da cultura local, a festa mobiliza instituições,
pessoas, mercadorias, artefatos materiais e símbolos interfaceando realidade e imaginários.

MATERIAL E MÉTODOS
Para o artigo foram utilizados leituras e análises de textos, livros e legislação educacional
além de consulta às bases de dados da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível
Superior- CAPES. Como instrumento de coleta de dados primários forma utilizados diário de
bordo, câmera fotográfica para registro de áudio e vídeo, questionários e entrevistas semi
estruturadas com alunos, pescadores, ex- pescadores, feirantes, professores e autoridades locais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em pesquisa preliminar no Banco de teses e dissertações da CAPES em setembro de
2014 foram encontrados apenas (dois registros) de Festa popular no currículo; Cultura e
currículo no Ensino Médio (sessenta e três registros); cultura local no currículo escolar
(trinta e dois registros); Cultura local e escola (90 registros) e Currículo interdisciplinar
(cento e onze registros). Utilizando os mesmos descritores foi realizada recentemente uma
busca na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – BDTD ligada a IBICT –
Instituto Brasileiro de Informação em Ciências e Tecnologia com os seguintes dados: Festa
popular no currículo (dois registros); Cultura e currículo no Ensino Médio (setenta e quatro
registros); cultura local no currículo escolar (trinta e oito registros); Cultura local e escola
(quinhentos e oitenta e dois registros) e Currículo interdisciplinar (cento e noventa
registros). Esses dados certamente serão revistos, sobretudo, em razão da disparidade no
penúltimo descritor da busca que traz 90 e 582 resultados respectivamente. Esse
levantamento prévio mostra que os temas envolvendo cultura popular e currículo parece ser
bastante fecundo para um redesenho curricular.
O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do
conhecimento social e, exatamente por isso cabe considerar a importância dos fazeres e
saberes populares no mesmo. O currículo está imerso em relações de poder, transmitindo as
visões particulares e interessadas de grupos dominantes com as incontáveis resistências e
contradições. Não é também um elemento transcendente e atemporal – ele tem uma história
vinculada a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação
(MOREIRA & TADEU, 2011). Ao inserir uma manifestação da cultura local no currículo
escolar não apenas se faz cumprir um dispositivo legal, mas, sobretudo, possibilita ao nosso
estudante confrontar diferentes temporalidades e espacialidades, valores e visões de mundo.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (2011) em seu Art. 7º, afirmam:

A organização curricular do Ensino Médio deve constituir-se de uma base


nacional comum e uma parte diversificada e que estas não devem constituir
blocos distintos, mas um todo integrado, de modo a garantir tanto
conhecimentos e saberes comuns necessários a todos os jovens, quanto uma

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4777

formação que considere a diversidade e as características locais e


especificidades regionais. (DCNEM, 2011, art. 7º)

Tomando o Art. supracitado, como ponto de partida, acredita-se que, introduzir uma
manifestação da cultura local ou regional no currículo do Ensino Médio constitui-se numa
importante oportunidade dos estudantes conhecerem e dialogar com sua própria cultura. E, do
ponto de vista do currículo, uma possibilidade de contraposição aos valores da cultura
dominante na formação das identidades locais.
A Lei 12. 796/2013, no art. 26, afirma que os currículos da educação básica devem ter
base nacional comum, a ser completada pelas características regionais e locais da sociedade,
da cultura e da economia dos educandos. Ainda nesta direção, os Parâmetros Curriculares
Nacionais PCNs (1997) nos ditos temas transversais – “Pluralidade Cultural”, no item,
“Temas Locais” pretendem contemplar os temas de interesse específico de uma determinada
realidade a serem definidos no âmbito do Estado, da cidade e/ou da escola.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Resolução CMNE/CEB nº
02 de 30 de janeiro de 2012) reforçam essa tendência ao propor a necessidade de redesenho
curricular. Com este redesenho curricular a unidade escolar poderá direcionar seus currículos
a atividades que busquem garantir o direito à aprendizagem e ao desenvolvimento dos
estudantes, reconhecendo e valorizando as especificidades regionais e a cultura local. Situar a
Festa do Mandin num conjunto maior de festas e eventos tradicionais é também uma
oportunidade de compreender a festa para além da festa. De percebê-la como momentos de
grande importância social, cultural e simbólico, pois as festas são instantes especiais, cíclicos,
da vida coletiva, em que as atividades comuns do dia-a-dia dão lugar às práticas diferenciadas
que as transcendem, com múltiplas funções e significados sempre atualizados (IKEDA e
PELLEGRINI, 2008).

CULTURA E INTERCULTURALIDADE
A centralidade que o tema cultura vem ocupando nos debates e abordagens nos últimos
anos é um fato quase indiscutível. A carga de complexidade, fluidez e nuances trazido por sua
dimensão, permite encontrá-la em quase todos os aspectos da vida humana e a sensação que
se tem é a de que, ao mesmo tempo em que através dela podemos explicar quase tudo, não
conseguimos explicar quase nada. Hall (1997) esclarece que reconhecer a centralidade da
cultura nas sociedades de hoje não significa reduzir toda e qualquer atividade a cultura, mas
entender que os significados produzidos nas práticas sociais trazem uma dimensão cultural.
Em outras palavras, práticas políticas e práticas econômicas distinguem-se claramente da
cultura, mas todas dependem da maneira como os indivíduos as entendem e as definem. O que
teria então tornado o campo dos estudos culturais tão proeminentes assim?
A resposta a esta pergunta talvez esteja relacionada aos intensos processos de
deslocamentos humanos vividos nos últimos sessenta anos provocados, principalmente, pelos
desdobramentos do fim da Segunda Guerra Mundial e da descolonização de colônias
africanas e asiáticas que, colocaram em contato direto povos, sociedades e culturas de
distintas regiões do planeta. Esses contatos nem sempre são pacífico, pelo contrário,
geralmente são marcados por tensões e hostilidades mesmo que veladas e silenciosas. Junto a
isso, a globalização em seu acelerado movimento de massificação cultural, tende a
transformar todas as culturas e uma só cultura, diluindo as diferenças em padrões
uniformizados de gostos, vestimentas, falas, símbolos e outros acessórios.
Globalizar nesta perspectiva significa diluir identidades, extinguir linguagens e códigos
das culturas consideradas inferiores. Para Fleuri (2013), nesse final de milênio, trata-se não
mais de lutar pela sobrevivência física ou material dos grupos marginalizados, mas lutar pela
própria possibilidade de sua existência no campo do simbólico. Ainda sobre essa discussão,
Candau & Moreira afirmam que:

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4778

Embora seja possível observar tendências à homogeneização que contribuem


para diluir características particulares e locais, as consequências desse
processo são contraditórias e incluem, ao mesmo tempo, o esforço de
diferenças culturais e a criação de alternativas híbridas. A cultura
transformou-se, assim, em um dos elementos mais dinâmicos e imprevisíveis
das mudanças históricas na contemporaneidade. ( p. 8, 2014)

Trata-se nessa perspectiva da emergência dos multiculturalismos, tendência mundial


que coloca frente a frente povos, culturas e valores num movimento de contato permanente.
Seus efeitos são sentidos também no campo educacional e diversos estudiosos vêem a muito
se debruçando acerca do assunto, surgindo assim à chamada Educação Intercultural. Para
Candau (2014), educação intercultural é um conceito polissêmico, admitindo, portanto,
diferentes significados e aproximações, mas situa-se numa perspectiva intercultural pautada
em três grandes abordagens: o multiculturalismo assimilacionista, o multiculturalismo
diferencialista ou monoculturalismo plural e o multiculturalismo interativo ou a
interculturalidade. Na perspectiva do multiculturalismo assimilacionista promove-se uma
política de universalização dos sistemas escolar sem, no entanto, colocar em questão o caráter
monocultural e homogeneizador presente em sua dinâmica tanto no que se refere aos
conteúdos do currículo quanto as relações entre os diferentes atores, as estratégias utilizadas
em sala de aula e aos valores privilegiados.
A segunda abordagem é o multiculturalismo diferencialista. Este parte da ideia de que,
quando se enfatiza a assimilação acaba-se por negar as diferenças e silenciá-las, fato que pode
promover verdadeiras apartheids identitários. Ainda sobre essas abordagens ou classificações
a autora diz se situar na terceira perspectiva, ou seja, no multiculturalismo interativo por
entender que este é mais adequado para a construção de sociedades democráticas e inclusivas
que articulem políticas de igualdade com políticas de identidades.
Em que pese às diferentes classificações em torno da temática, o fato é que, no campo
educacional aplicar práticas interculturais pode ser uma resposta positiva ao contexto cultural
do momento. Num tempo em que as identidades parecem diluir-se, camuflar-se por entre
outras tantas ou mesmo hibridizar-se, torna-se imprescindível que a escola incorpore, crie e
desenvolva mecanismos de diálogos ou intervenção junto a este processo de massificação
cultural.

A FESTA DO MANDIN COMO UNIDADE INTEGRADORA


A Festa do Mandin foi historicamente o principal evento cultural da região mobilizando
instituições públicas, empresas e milhares de pessoas, dentre elas, turistas e visitantes do
Estado e também de outras partes do país, com o intuito de “celebrar” a mais importante
riqueza do lugar: o peixe popularmente conhecido na região como “Mandin”. Na perspectiva
da Educação Comparada, o estudo de festas populares no currículo pode constituir-se em
importante instrumento de análise, tanto pela possibilidade de comparação dos sistemas ou
modelos educacionais quanto por seu caráter interdisciplinar. Segundo Bonitatibus (1989),
não faria o menor sentido “pinçarmos” sistemas educacionais desvinculando-os de seus
contextos sociais mais amplos, a fim de estudá-los comparativamente. Por ser um subsistema
social e não uma unidade independente, a apreensão, compreensão e interpretação destes
sistemas educacionais só podem ganhar significado quando referenciados ao conjunto da vida
social, unidade integradora da ação educativa.
A integração desta unidade implica por sua vez, lançar mão de saberes e práticas
advindas de diversas áreas do conhecimento. A complexidade e dinâmica na estrutura da
Festa do Mandin poderá apresentar-se como um campo fértil para práticas pedagógicas, pois
além de ser um evento do cotidiano local, vivenciado e experimentado pela comunidade,
abarca elementos ou campos interdisciplinares distintos. Do ponto de vista biológico, por

X Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação 2015


Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4779

exemplo, foi possível relacionar o Mandin no conjunto das demais espécies de pescado da
região e seu ambiente natural, identificando semelhanças e diferenças tanto do ponto de vista
de sua fisiologia quanto de seu habitat. Como elemento da economia local, permite-nos situá-
lo no contexto das atividades econômicas da cidade, mostrando dentre outros aspectos que,
embora a pesca de açude tenha ganhado força nos últimos anos, e que a pecuária tenha
despontado como mais importante atividade econômica local, o Mandin como pesca artesanal,
continua no topo da preferência do consumidor. Sua pesca mobiliza um considerável número
de pessoas, que sobrevivem inclusive dessa prática cotidiana. Foram apontadas aqui apenas
duas possibilidades pedagógicas com a apropriação da festa confirmada pelo estudo, isto é,
biológica e econômica. Estão em andamento análises no campo da história e cultura local, da
geografia, da matemática e outras.

CONCLUSÕES
Embora ainda pouco amadurecida e com mais dúvidas que certeza, teceu-se algumas
considerações em torno da relação currículo e cultura popular. Por meio de revisão literária,
de dados preliminares da tese e da experiência docente apresentou-se uma proposta de ensino
que articulam dimensões curriculares, manifestações da cultura popular e educação
intercultural.
O interesse que direcionou a escrita deste artigo teve como ponto de partida, indagações
oriundas do projeto de tese relacionadas ao currículo do Ensino Médio. A hipótese proposta
como foi apontado é a de que a Festa do Mandin poderá constituir-se num importante canal de
comunicação entre escola e práticas sociais locais materializando-se na relação dialógica entre
os diversos atores do processo educativo. Sua inserção no currículo permitirá ainda um
diálogo com a interculturalidade ao confrontar universalidade com diversidade. Este
confronto visa ampliar zonas de contato, indo mais fundo em direção ao encontro com o
outro, com o diverso. Importante também neste estudo ver a festa como resultado de práticas
cotidianas e não como realidades impostas. Festa é sempre uma produção do cotidiano, uma
ação coletiva, que se dá em tempo e lugar definido, implicando a concentração de afetos e
emoções em torno de um objeto que é celebrado e comemorado, e cujo produto principal é a
simbolização da unidade dos participantes na esfera de uma determinada identidade.
Dessa forma, trabalhar a Festa do Mandin junto a crianças e jovens nas escolas pode ser
um meio fecundo de apropriação da história. Pode ser ainda, uma oportunidade para os alunos
compreenderem que seu movimento não é linear, nem feito apenas de grandes homens ou de
grandes eventos, mas também de personagens “anônimos” com suas “pequenas” histórias
nem por isso menos importantes, marcadas por continuidades e rupturas.

REFERÊNCIAS

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4781

A IDENTIDADE DE LAGARTO CONTADA POR UM MEMORIALISTA.


Anselmo Machado1, kelly Santos Souza 2, Jeisa Raiana Souza santos 3,
Acácio Nascimento Figueroa 4
1
Professor do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Sergipe-IFS. Campus Lagarto. Graduado
em História na UFBA e Mestre em História pela UEFS. Pesquisador do Grupo de Estudo em Educação, Ciência
e Tecnologia-IFS. Email: machado30anselmo@gmail.com. Este artigo é resultado do projeto do Pibic Jr.
intitulado: A construção da identidade cultural lagartense: interface entre o conhecimento histórico, a memória
local, suas fontes e o uso do cinema em sala de aula e suas implicações teórico- metodológicas, financiado pela
Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão- PROPEX- IFS.2Discente egressa do curso técnico em Edificações – IFS.
Bolsista Pibic Jr do IFS. e-mail: k.ellysantos@hotmail.com; 3 estudante do curso integrado de Edificações e
bolsista do PIBIC JR. Email: jeisaraiana@hotmail.com
4
Professor coorientador e pesquisador IFS – Campus Lagarto. Email: acacioian@zipmail.com.br

RESUMO: A presente proposta de pesquisa trata de investigar a identidade cultural


lagartense, a partir da obra do memorialista Adalberto Fonseca. Esta identidade lagartense ou
lagartinidade pode ser considerada como um conjunto de características que marcam a
identidade cultural de Lagarto a exemplo de sua religiosidade, as suas manifestações culturais
típicas, seus “filhos ilustres”, sua culinária, sua imagem pública (a forma como se mostram os
lagartenses), seus eventos e/ou tradições construídas como a vaquejada, enfim, todos os
aportes que identificam de forma sui generis a cidade de lagarto e seus moradores.
Consideramos Lagarto como uma comunidade imaginada, na afirmativa de Benedict
Anderson, pois seus moradores mesmo sem se conhecerem na totalidade, e morando em
distintas partes da cidade se identificam com uma narrativa ou conjunto de valores
identitários.
Palavras-chave: História – Identidade – Lagarto- Memória.

THE IDENTITY OF LIZARD COUNTED BY A MEMOIRIST WAS


UNAWARE.
ABSTRACT: This research proposal is to investigate the cultural identity lagartense, from
the work of the memoirist was unaware Adalbert Fonseca. This identity lagartense or
lagartinidade can be considered as a set of characteristics that mark the cultural identity of
Lizard the example of their religiosity, their cultural manifestations typical, their "sons
distinguished", its cuisine, its public image (how are the lagartenses), their events and/or
traditions built as the Padres, finally, all the contributions that identify so sui generis the city
of lizard and its inhabitants. We believe Lizard as a community imagined, in the affirmative
of Benedict Anderson, because its inhabitants without even getting to know them at all, and
living in different parts of the city are identified with a narrative or set of defining values.
KEYWORDS: History - Identity - Lizard- Memory

INTRODUÇÃO

Vibra Lagarto cheia de glórias. Que através da tua história. É esta grandeza
envolvida em ternura. Assuero Cardoso

Boa parte das cidades, sobretudo do interior, tem seu memorialista, ou memorialistas.
Eles cumprem a função de escrever a história do lugar sem a preocupação do rigor acadêmico
e epistemológico. Com isso, são importantes fontes de estudo para a historiografia, pois
guardam as memórias que vivenciaram e que construíram sobre a cidade. Adalberto Fonseca,
natural de Campo do Brito-Sergipe, mas, lagartense de coração, nasceu em 1917, e

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transcorreu sua vida pelas paragens baianas e cariocas até chegar em Lagarto1 onde casou-se e
constituiu família pelos anos de 1940. Ele mesmo nos diz da importância do seu livro História
de Lagarto, que começou a escrever em 1960, mas que somente fora publicado décadas
depois. Assim relata, Adalberto Fonseca, que “Não quis fazer apenas um livro de História,
mas penetrar nas entranhas de um povo e colher o melhor por ele produzido. Conhecer seus
costumes, narrar fatos que ao longo do tempo poderiam ser esquecidos por estarem apenas na
memória de alguns poucos mais atentos” (FONSECA, 2002:326)
Sua obra, portanto, cumpre, a nosso ver, uma dupla função, a primeira de salvaguarda
da memória local, como disse o historiador Eric Hobsbawm, “uma das tarefas do historiador é
lembrar o que os outros esquecem” (HOBSBAWM, 1995); e a segunda, a constituição de um
corpus documental para pesquisas futuras, haja vista, além do acionamento de sua própria
memória, Adalberto Fonseca nos disponibiliza em seu texto as fontes nas quais pesquisou a
história de Lagarto.
Adalberto Fonseca nos informa que outro memorialista deixou seu testemunho sobre
Lagarto. Tratava-se do Desembargador Gervásio de Carvalho Prata, que no início do século
XX havia deixado para a posteridade, a brochura “O Lagarto que eu vi”, obra que não
tivemos acesso. Porém, optamos, mesmo sabendo da existência deste memorialista, pela
escolha de “História de Lagarto” de Adalberto Fonseca, livro de memórias que nos
contempla com um quadro cronológico dos sujeitos políticos locais, dos sujeitos jurídicos,
personalidades de destaque da cidade, como os notáveis Silvio Romero e Laudelino Freire 2,
com um mapeamento das manifestações artístico/culturais de Lagarto, das imagens e
iconografia, desde freguesia, passando por vila no Século XVIII até chegar ao status de cidade
em fins do XIX. Relatou as particularidades, falou dos “causos”, das taieiras, dos parafusos
aos fragmentos e relatos da presença da escravidão em Lagarto, mesmo deixando em um
plano secundário a presença negra na cidade. Para quem nunca ouviu falar de Lagarto, como
foi o caso deste pesquisador logo de início, ler Adalberto suscita o interesse em conhecer
mais, ter uma idéia geral do que a cidade representou para o estado de Sergipe e para o Brasil,
fato que o sujeito mais famoso de Lagarto não se preocupou em compilar de forma específica.
Na visão do memorialista:

Como é sabido, Lagarto foi celeiro da cultura brasileira de onde saíram valores dos
mais variados, tendo como exemplo, o imortal Silvio Romero. Este, porém, jamais
se preocupou em dar a Lagarto, contada em livros, a narrativa de um povo nascente
dos mais tradicionais motivos que o fizeram publicar a maior obra até hoje no

1 Cidade localizada a 78 km da capital Aracaju, na região Centro-Sul de Sergipe e que conta com pouco mais de
100 mil habitantes.
2 Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero (Vila do Lagarto, atual Lagarto, SE 1851 - Rio de Janeiro RJ
1914). Crítico literário, poeta, ensaísta, pesquisador de folclore e filósofo. Cursa a Faculdade de Direito do
Recife, entre 1868 e 1873. Nesse período, colabora como crítico em jornais pernambucanos e cariocas. Em 1878,
estreia como poeta com Cantos do Fim do Século e publica o livro A Filosofia no Brasil. Membro da
chamada Escola de Recife, é influenciado pelo positivismo e pelo pensamento de Kant, em seguida pelas ideias
evolucionistas de Herbert Spencer e por fim pela Escola de Ciência Social.. É um dos membros-fundadores da
Academia Brasileira de Letras (ABL).Extraído de< http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa1871/silvio-
romero> Acesso em 30/01/2015.
Laudelino de Oliveira Freire, escritor, filólogo e lexicógrafo brasileiro, nasceu em Lagarto/SE, em 26 de janeiro
de 1873 e faleceu no Rio de Janeiro, em 19 de junho de 1937.
Advogado, Catedrático de Geometria no Colégio Militar do Rio de Janeiro, Deputado Estadual em Sergipe
(1894, 1896 e 1898). Foi membro e presidente da Academia Brasileira de Letras. De sua vasta produção,
destacam-se as obras: Escritos diversos (1895), Corografia de Sergipe (1900), Sílvio Romero (1900), Os
próceres da crítica (1911), Estudos de filosofia e moral (1912), Introdução ao curso de Psicologia e Lógica
(1919), Clássicos brasileiros (1923) e Verbos portugueses (1934).
Extraído de< http://lagartonet.com/2011/04/05/laudelino-freire/> Acesso em 30/01/2015.

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gênero, História da literatura brasileira. Por que nenhum dos valores apontados no
dicionário do Dr. Armindo Guaraná tiveram a lembrança de fazer isto. Coube a
mim, homem sem cultura, sem diploma, sem anel, essa tarefa de realizar.
(FONSECA, 2002:16)

A partir deste depoimento, percebemos que Adalberto Fonseca iconiza Silvio Romero
como um dos referenciais que dão vida à cidade, nacional e internacionalmente (Hoje também
representada pelo jogador lagartense Diego Costa que atua no futebol europeu), mas também
se coloca como um dos que, mesmo sem a “legitimidade” acadêmica, escreveu sobre e para
Lagarto.

MATERIAL E MÉTODOS
Além do livro de memória de Adalberto Fonseca foram registradas várias entrevistas a
partir do método da História oral, além da coleta de materiais impressos e iconográficos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A obra de Adalberto para nós cristaliza muitas memórias sobre a identidade local,
mesmo sabendo que as identidades na contemporaneidade são fragmentadas, segundo Hall,
sobretudo pelos processos da globalização. Então pomos em xeque as identidades fixas, e
estamos nos reelaborando constantemente. Isto acontece com Lagarto, em um misto de cidade
rural com os ventos modernos, que representa a perda gradativa de suas características mais
tradicionais com a ressignificação de novos valores. (HALL, 1999)
Estas características mais recorrentes de Lagarto, percebidas na obra de Adalberto, nos
faz pensar que o mesmo institui mitos de fundação. Adalberto Fonseca inventa seu Lagarto -
algo parecido com o que Marilena Chauí chamou de mito fundador -, para depois muitos a
inventarem do seu jeito e consoante seus interesses. A idéia de mito como momento
imaginário da vida dos lagartenses que se legitima como início, como algo que fosse perene,
pois aconteceu num dado período de tempo e se perpetua como uma representação constante
na cabeça da população. (CHAUÍ, 2000)
Adalberto promove o debate, por exemplo, sobre a chegada dos primeiros colonizadores
e o porquê da designação Lagarto, apontando duas vertentes explicativas e instituindo um
debate ainda recorrente hoje em dia na cidade. (FONSECA, 2002:66-67)3 Adalberto Fonseca
se autoproclama detentor da cultura de Lagarto, desta lagartinidade, quando perguntado sobre
sua participação na vida política da cidade afirma:

Certo dia, uma terça ou quarta, eu ia passando pela porta da prefeitura, que eu não
exerço função política nenhuma, não preciso. Mas eles sabem que as coisas que
Lagarto tem... se tem uma bandeira fui eu que fiz, se tem um hino fui eu que fiz, se
tem uma denominação fui eu que pesquisei. O que Lagarto tem culturalmente foi
feito por mim. (SANTOS, 2008:149)4

Nesta mesma entrevista se refere à sua importância no surgimento das Taieiras dos
Parafusos e dos Cangaceiros, grupos folclóricos que o mesmo julga ter incentivado e levado
para conhecimento além das fronteiras da cidade de Lagarto. Além, do hino, da bandeira e do
brasão, ícones identitários, conformam-se numa comunidade imaginada5 ao seu gosto e que,

3 A primeira Hipótese seria um brasão das primeiras famílias colonizadoras que tinha um símbolo de Lagarto e a
segunda, seria uma pedra de granito com forma de lagarto encravadas no rio homônimo que percorria os
arredores da cidade.
4 Entrevista concedida por Adalberto Fonseca aos autores em 22/12/1997.
5 A região, comparativamente com idéia de nação, obviamente que em menor escala, é também
intencionalmente imaginada resguardados os seus limites e sua soberania. Uma imagem de comunhão foi

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ao lado dos eventos cívicos nacionais como o 7 de Setembro, dos grupos folclóricos,
sobretudo os parafusos, caracterizariam uma cidade de intensa vida cultural. (ANDERSON,
2008) Adalberto atribui suma importância à religiosidade católica lagartense como fragmento
importante de sua identidade. Na sua obra, traça a religiosidade católica como fio condutor de
outras manifestações a ela agregadas e como a comunidade se integrava, desde à época do
festejado Monsenhor Daltro6 até em despedidas de religiosos exaltando Lagarto e seu povo
como um importante centro religioso do estado:

Aqui chegando em 1968 Mário Rino Silvieri, quando foi nomeado coadjutor da
Paróquia de Nossa senhora da piedade, como bem faz constar em seu curriculum
vitae, 29 anos foram passados e a mesma predestinada cidade de Lagarto que com
26 anos de idade, com a missão de bem conduzir ou ajudar a conduzir a maior
unidade católica do interior do estado.(FONSECA, 2002:299)

Sobre os parafusos assim os define, e ainda tece críticas ao incentivo e à manutenção


destas manifestações em face de outras mais cosmopolitas, digamos. Nas palavras do
memorialista:

Os parafusos, grupo originalmente formado por ex-escravos que fugindo das


fazendas e vivendo em mocambos tiveram na hora de sua libertação razões para se
manifestarem num ato de gozação aos seus antigos senhores, vestindo
indumentárias roubadas das sinhás. Poderíamos ter levado outros grupos se o
poder público tivesse nos ajudado, porém o que levamos foi fruto do nosso próprio
esforço. Eu, Elza, Soledade e Amparo, numa tremenda luta, conseguimos recursos
que pedimos ao comércio e a pessoas da comunidade. Poderíamos ter levado outros
grupos como: Cacumbi, Taieiras, Reisados, Caboclinhos, encomendação das almas,
Cana-Verde, Lanceiros, Zabumba, Samba de Coco, Marujada e outros. Mas levar
como? O poder público gasta somas fabulosas colocando nas ruas trio-elétricos em
vez de apoiar a formação dos grupos folclóricos para se apresentarem em dias de
festejos. (FONSECA, 2002:215)7

Notamos aí a ausência de políticas públicas municipais para custeio e apoio aos grupos
folclóricos, mesmo em nível nacional o folclore ter sido prioridade durante a política cultural
da ditadura militar (CARVALHO, 2013)8. Segundo Adalberto Fonseca foi na gestão do
prefeito José Ribeiro de Souza (1970-1972), que obteve ajuda para fixar o marco de Santo
Antonio, Cruz das almas, como núcleo fundador da cidade cuja placa leva seu nome como
idealizador, e que teve apoio ao seu livro. Talvez, influenciado pelo momento cultural do país,
vigência da ditadura militar, marcada pelo civismo e pela construção de uma identidade
nacional homogeneizadora. Inclusive, numa parte de seu livro de memórias relata a passagem
do ditador Figueiredo na cidade de Lagarto e o entusiasmo com que o povo o recebera. Isto
ratifica, portanto, as influências indiretas na escrita do nosso memorialista que se preocupou
em firmar marcos que instituem a história de Lagarto.

pensada para a Lagarto e conformada para os lagartenses, mesmo que, a maioria destes não se conhecessem na
sua totalidade.
6 SANTOS, Claudefranklin Monteiro.(Org). Monsenhor de Carvalho Daltro- Apontamenos e fragmentos
biográficos.Lagarto, Prefeitura Municipal, Faculdades AGES,2011.
7 Sobre Folclore Lagartense e sobre a ida destes grupos citados ao Décimo oitavo festival do Folclore de
Olímpia São Paulo em 1982. Ainda na página 221, o autor ratifica a originalidade dos parafusos e a sua
especificidade como sendo de Lagarto em debate narrado pelo autor com uma pesquisadora da cidade de
Laranjeiras-SE.
8 Ver o primeiro capítulo que versa sobre a prioridade do Conselho Federal de Cultura dada ao folclore.

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Ademais, podemos nos arriscar a falar de lugares de memória, na acepção de Pierre


Nora, pois nos ajuda a pensar os lugares de memória da cidade de Lagarto, sejam eles, os
memorialistas, os monumentos, as formas de ver e dizer Lagarto e os lagartenses, que não são
cristalizados na sua totalidade, muito pelo contrário, ganham vida através da memória, pela
qual as pessoas se identificam e reproduzem.9 Ainda, segundo, Nora, “os lugares de memória
são, antes de mais nada, restos. [...] São rituais de uma sociedade sem ritual, sacralidades
passageiras em uma sociedade que dessacraliza, ilusões de eternidade.” (NORA, 1993:7-23)
Podem ser divididos em três categorias, a saber: lugares materiais onde a memória
social se sustenta e pode ser apreendida pelos sentidos; lugares funcionais porque têm ou
adquiriram a função de alicerçar memórias coletivas e os lugares simbólicos onde
essa memória coletiva – a identidade lagartense, por exemplo - se expressa e se revela.10 A
obra de Adalberto é, portanto, uma encruzilhada de lugares carregados de uma vontade de
memória.
Podemos pensar as apropriações da memória de Lagarto pelos novos sujeitos a partir da
memória de Adalbeto Fonseca. Como reproduzem ou desconstroem alguns aspectos que nos
traz nosso memorialista. As lutas de representações, as memórias, a oralidade, as práticas
homogeneizadoras constituem o processo da diversidade do fazer histórico. Por isso, a
definição e construção da cidade, da história e do político decorrem também, dentre outras
coisas, das maneiras como se conformam os discursos: se para silenciar ou se para afirmar
tradições/valores já perpetuados.
Cabe-nos a seguinte problematização: como as memórias de Adalberto Fonseca são
apropriadas pelos lagartenses e quais novas elaborações identitárias estão sendo recriadas e/ou
incorporadas ao arsenal das memórias antigas?
Como vimos, as identidades reproduzidas e/ou reforçadas a partir do memorialista
reafirmam a nosso ver a cidade de Lagarto como uma terra de intelectuais (em todas as
entrevistas é citada esta referência), da política mais conservadora e calcada em valores
patrimonialistas, muitas vezes visibilizada nas festas cívicas da cidade. Com seu vasto
patrimônio imaterial e material, a exemplo dos casarios e igrejas com seus festejos e um
extenso calendário anual, seu jeito peculiar de ser; a cidade de Lagarto foi sendo inventada
pelo memorialista e pelos que reproduziam estas identidades. Todavia, concomitante a isso,
novas configurações identitárias surgem, afirmando também, mas fissurando esta identidade
consolidada, como por exemplo, levantamos a hipótese da cena teatral contemporânea11, a
Vaquejada da cidade – misto de tradição inventada e evento turístico12-, a música13, a poesia
local14, a Academia Lagartense de Letras15, esta última reforçando a tradição de Silvio

10 Por exemplo, os lugares materiais elencados na obra como as praças, as escolas, as ruas com nome dos
notáveis, os funcionais como o marco fundamental da cidade e os simbólicos como o nome de lagarto, os grupos
folclóricos etc.
11 Captaneado, sobretudo, pelo grupo teatral Cobras & Lagartos.
12 Ver o GUIA DO COMERCIO DE LAGARTO. Lagarto: 2 ed Editora Info graphics, 2010-2011. A
vaquejada aparece no Box “Shows e eventos/ Atrativos turísticos” onde é ressaltada a sua existência há 50 anos
atraindo muitos visitantes que se concentram no Parque Zezé Rocha, de propriedade do ex- prefeito da cidade e
idealizador do evento.
13 SANTOS, Claudefranklin Monteiro & CARDOSO, Assuero (Org). Nos Bailes da vida. Aracaju: J Andrade,
2013. Livro que conta a saga da banda Los Guaranis, talvez a maior expressão musical da cidade.
14 Destaco aqui a obra que tivemos acesso. CARDOSO, Assuero. Lagarto em verso & trova. Aracaju: J
Andrade, 2013
15 Ver site. http://allsergipe.com/ A ACADEMIA LAGARTENSE DE LETRAS, também designada pela
sigla ALL, fundada em 16 de fevereiro e instalada em 19 de abril de 2013, é pessoa jurídica de direito privado,
associação de fins não econômicos e de duração por tempo indeterminado, sediada no prédio da OACI Idiomas

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4786

Romero e Laudelino, como um lugar de produção literária, mas buscando ressignificar outros
valores como aponta um acadêmico alertando que, “o intuito da Academia de Letras é
preservar a memória, congregar uma entidade que se possa discutir essas questões voltadas
aos interesses da comunidade, notadamente os interesses culturais”.16
Para a juventude atual, a Lagarto de Adalberto Fonseca está muito longe, até mesmo
por conta da distancia temporal stricto sensu, mas, sobretudo pela ressignificação dos espaços,
das atitudes e das apropriações do passado. Quando perguntado sobre Sílvio Romero e
Adalberto Fonseca, o que eles representavam? O jovem responde sobre o primeiro “ Em mim
nada. Até porque ele não fala de Lagarto. E era totalmente conservador” e sobre o segundo
“pouco conhecia”.17 Mas também, carregam consigo também as influências, num misto entre
passado e presente:

A característica, dessa vontade dessa nova geração que ta surgindo em Lagarto e


buscar mais para o lado da poesia, para o lado da escrita, geralmente eu escrevo
algumas coisas assim que também é publicado nesses saraus que a gente organiza,
então nessa vontade de trazer o que por um tempo ficou abafado, ficou esquecido
em Lagarto, essa vontade de trazer de novo para o jovem, a vontade de expor o que
você faz e saber da sua origem lagartense né, fazendo com que privilegiar a cidade
por meio da sua arte mesmo, é essa a vontade.18

CONCLUSÕES
Ao tratar de temas referentes às identidades culturais nos remetemos às formas como
uma sociedade se manifesta através da cultura, dos sujeitos históricos e de suas impressões
deixadas no tempo e no espaço. Sendo assim, a cidade de Lagarto é marcada por esta
lagartinidade que se configura no tempo, mas que também vai se adaptando e se
transformando, assim como o réptil lagarto, cuja existência é atrevida em muitos habitats na
natureza. Decerto, é uma memória assentada na produção cultural intensa, seja ela letrada – da
qual recorremos- ou, das expressões orais que refletem as mais variadas construções
memorialísticas.

AGRADECIMENTOS
À Propex IFS que financiou a pesquisa e a todos que colaboraram direta e
indiretamente, em especial os entrevistados e bolsistas.

REFERÊNCIAS

FONSECA, Adalberto. História de Lagarto. Banese, 2002.

(Espaço das Letras), localizado na Rua Cel. Souza Freire, 54, Centro, com sede e foro no município de Lagarto,
Estado de Sergipe.
16. Depoente 03. Entrevista concedida ao pesquisador Anselmo Machado em 12/01/2015.

17 Depoente 07. Pedro Cazoy.Entrevista concedida ao pesquisador Anselmo Ferreira Machado Carvalho.
Lagarto, 13/01/2015.
18 Todo fim de mês acontece o Sarau, espaço de sociabilidade onde jovens lagartenses se reúnem na praça da
Caixa D’água para recitar, tocar e cantar. Como relata uma depoente “Bom, eu venho aqui poucas vezes, mas
todas as vezes que eu venho, eu sempre dou de cara com essa questão poética. Toda vez que eu venho eu sempre
vou ver o que? Tem um grupo que se junta lá caixa d’água (baixo da caixa d’água, não sei se é isso) que é uma
praça aqui, e eles sempre fazem isso, poesia, música, eles exploram muito essa questão poética” Depoente 12.
Tina Thais. Entrevista concedida ao pesquisador Anselmo Ferreira Machado Carvalho. Lagarto, 15 de dezembro
de 2014.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4787

GUIA DO COMERCIO DE LAGARTO. Lagarto: 2 ed Editora Info graphics, 2010-2011.

ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. São Paulo: Cia das Letras, 2008.

CARVALHO, Anselmo F. M. A Bahia Constrói o seu futuro sem destruir o seu passado.
Feira de Santana: EDUEFS, 2013.

CHARTIER, Roger. “Por uma sociologia histórica das práticas culturais” IN: A história
cultural: entre práticas e representações Lisboa: DIFEL; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1990.

CHAUI, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Editora
Perseu Abramo, 2000.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro, DP & A 1999.

HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. — São Paulo: Companhia das
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HOBSBAWN, Eric & RANGER, Terence (org.). Introdução. In: A invenção das tradições.
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NORA, Pierre. Entre história e memória: a problemática dos lugares. Revista Projeto
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SANTOS, Claudefranklin Monteiro(org.) Uma cidade em pé de guerra: Bole Bole x


saramandaia. Aracaju: Gráfica J.,2008.

SANTOS, Claudefranklin Monteiro.(Org). Monsenhor de Carvalho Daltro- Apontamenos


e fragmentos biográficos.Lagarto, Prefeitura Municipal, Faculdades AGES,2011

SANTOS, Claudefranklin Monteiro & CARDOSO, Assuero (Org). Nos Bailes da vida.
Aracaju: J Andrade, 2013.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4788

A TRAJETÓRIA MILITANTE DE ANTONIO BERNARDO CANELLAS


NA CIDADE DE VIÇOSA EM ALAGOAS NA SEGUNDA DÉCADA DO
SÉCULO XX (1916-1917)
Bruno Rodrigo Travares Araujo1
1
Professor de História do Instituto Federal de Alagoas – IFAL. e-mail: bruno.t81@hotmail.com

RESUMO: O trabalho teve o objetivo de descrever a trajetória e atuação do militante


Antonio Bernardo Canellas na cidade de Viçosa no estado de Alagoas, na segunda década do
século XX, em virtude da importância para a historiografia nacional do movimento operário
fora do eixo Rio – São Paulo, sobretudo no Nordeste. Acrescenta-se ainda o objetivo de
apresentar os aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais de Viçosa. Para descrição da
trajetória, utilizou-se as publicações do periódico Tribuna do Povo, editado pelo militante
entre 1916-1917 e publicações como livros e autobiografias. Concluiu-se que Canellas foi
atuante no movimento operário em Alagoas e que o anarquismo foi à ideologia refletida e
incentivada pelo militante.
Palavras-chave: Anarquismo, Movimento operário, Nordeste.

THE TRAJECTORY OF MILITANT ANTONIO BERNARDO


CANELLAS VIÇOSA CITY IN ALAGOAS AT THE SECOND DECADE
OF THE XX CENTURY (1916-1917)
ABSTRACT: The study aimed to describe the history and activities of the militant Antonio
Bernardo Canellas in Viçosa city in the state of Alagoas, in the second decade of the
twentieth century, because of the importance to the national historiography of the labor
movement outside the Rio - Sao Paulo especially in the Northeast. It is further the aim of
presenting the social, economic, political and cultural Viçosa. For description of the course,
we used the periodical publications People's Tribune, published by militant between 1916-
1917 and publications such as books and autobiographies. It was concluded that Canellas
was active in the labor movement in Alagoas and that anarchism was the ideology reflected
and encouraged by militants.
KEYWORDS: Anarchism, Labor movement, Northeast.

INTRODUÇÃO
O movimento operário no Nordeste durante muito tempo não foi alvo das pesquisas na
historiografia nacional e durante décadas, em virtude do “avanço” do capitalismo, o eixo
Rio – São Paulo foi considerado pela historiografia tradicional, como sendo os únicos
estados que de fato tiveram movimento operário. No entanto, hoje, as pesquisas vêm
trazendo contribuições consideráveis que não sejam apenas restritas a esse eixo e esse
remodelamento da historiografia vem ampliando os conhecimentos acerca de outras
contribuições para o movimento operário no Brasil. Neste sentido, a descrição da trajetória
do militante Antonio Bernardo Canellas em Viçosa –AL, no Nordeste, busca revelar o
contexto dos acontecimentos e mostrar que houve de fato movimento operário em Alagoas
nas primeiras décadas do século XX (1916-1917), enriquecendo a história do movimento
operário no Brasil, no referido corte temporal.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4789

MATERIAL E MÉTODOS
Para contemplar o referido estudo, utilizou-se como fonte primária, o periódico Tribuna
do Povo, editado por Antonio Bernardo Canellas no período de 1916 à 1917 em Viçosa – AL.
Outras fontes foram pesquisadas, para ampliar as possibilidades de conhecimento, de atuação
e prática do militante e do contexto histórico em que ocorreram as mobilizações operárias.
Para entender e analisar tais fatos, foi acrescentado as seguintes fontes: relatórios do
governador da época, jornais da “grande impressa”, autobiografias de militantes que atuaram
e conviveram com Canellas e bibliografias acerca da temática.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O militante Antonio Bernardo Canellas nasceu e viveu em Niterói, no estado do Rio de
Janeiro, no dia 18 de abril de 1898. A sua vinda para o estado de Alagoas ocorreu quando este
ainda era jovem, com apenas 17 anos de idade. Não são precisamente conhecidos os motivos
de sua vinda para Viçosa - AL, mas de acordo com Iza Sales, a migração foi motivada em
face da campanha dos Libertários contra a Guerra e a autora comenta ainda que segundo
amigo de Canellas, Everardo Dias, em seu livro de memórias, o militante migrou a fim de
participar da organização sindical naquele estado e também, como ocorreu posteriormente, no
estado de Pernambuco. Já para Sílvia Petersen, o motivo de sua vinda para o Nordeste se deu
por conta de perseguições, fato comum aos militantes do movimento operário.
Em Viçosa, o militante e tipógrafo, publicou o periódico Tribuna do Povo, sendo este,
seu primeiro jornal voltado para a classe operária, posteriormente e até o final de sua vida,
publicou pelo menos mais quatro jornais. Em Viçosa – AL, foram publicadas 18 edições com
início em 17 de agosto de 1916, sendo a última publicação em 8 de janeiro de 1917. Viçosa
era nesta época, a maior economia do interior e a segunda maior cidade do estado de Alagoas
e com grande desenvolvimento econômico e de uma vida cultural fervorosa. Em virtude desse
desenvolvimento a cidade abrigava problemáticas quanto às questões políticas (política
conservadora típica do período: nepotismo, utilização do bem público em detrimento de
benefícios pessoais, autoritarismo, etc.), sociais e de trabalho, por ser naquela época uma
cidade com características feudais, com uma sociedade bastante complexa, abarcando
diversos grupos, classes e tipos sociais.
É importante frisar o expressivo papel desempenhado por Canellas em sua militância
com a publicação e divulgação desse periódico. Ao longo das edições, Canellas incorporou a
defesa pelas classes menos favorecidas, mencionando a falta de apoio aos trabalhadores do
meio rural, relatando as horas excessivas de trabalho, acrescentando os casos de denúncia de
desvio de verbas e as ações dos congressistas voltadas para a criação e aumento de impostos.
Denuncia as fraudes nas eleições e em suas publicações há alguns editoriais chamando a
atenção para necessidade de uma organização classista, com divulgação de notícias referentes
à exploração dos trabalhadores em Viçosa e em outras cidades do estado (Maceió, Pilar, etc.).
Em suas publicações Canellas divulgava e chamava a atenção para os altos índices de
analfabetismo, já elevados naquela época, comentava sobre a precariedade da infraestrutura
do município, mencionando, ainda, a política oligárquica, implantada em Alagoas.
Através de seu jornal, Canellas, militou por uma sociedade mais justa e igualitária,
divulgando o anarquismo, quando em uma de suas publicações (além de outras) ele indica que
a classe trabalhadora deve utilizar uma agitação extra parlamentar (princípio anarquista) para
conseguir mudanças efetivas na luta contra a exploração capitalista. Chama atenção também a
receptividade aos ideais anarquistas pelo redator tipógrafo quando da escolha de seus
colaboradores, em sua maioria, com posicionamentos anarquistas, embora este aspecto não
esteja de forma muito evidenciada seus artigos. Entretanto, considera-se exequível abordar
este aspecto da divulgação do anarquismo, tendo em vista, a defesa e divulgação majoritária
da referida ideologia por Canellas.

X Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação 2015


Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4790

Desta forma, a divulgação do periódico Tribuna do Povo, permitiu identificarmos os


problemas, os sujeitos anônimos, a cultura de Viçosa e o “início” da propagação de uma
ideologia emancipadora. Portanto, conhecer e entender a experiência de Canellas e da
sociedade de sua contemporaneidade, oportuniza conhecermos um pouco mais acerca da
história política e social de Viçosa e da própria história social do trabalho no Nordeste,
somando-se ainda, parte da vida do militante Antonio Bernardo Canellas.
Canellas, devido à sua postura de ir frontalmente de encontro ao pensamento dominante
e ao senso comum hegemônico, provocou desagrados com grandes repercussões por suas
publicações. Em uma de suas publicações declara ter sido vencido pelas dificuldades
materiais; vencido pela guerra que se faz à porta voz da imprensa livre; vencido pela
impossibilidade de vencer. Assim ele põe fim à publicação do seu periódico e posteriormente
migra para a cidade de Maceió.
É possível afirmar que nessa pesquisa os objetivos elencados foram contemplados e foi
de fundamental importância, para o conhecimento da trajetória de Antonio Bernardo Canellas
e da história do movimento operário em Alagoas, no Nordeste.

CONCLUSÕES
A trajetória de Antonio Bernardo Canellas em Viçosa-AL foi marcada por experiências
e atuações através da publicação do periódico Tribuna do Povo, que teve repercussão
evidente, sendo vendido, inclusive, em Maceió. Outro detalhe em relação ao percurso do
militante, diz respeito a seu posicionamento ideológico, com a divulgação do anarquismo
enquanto meio para se ter uma sociedade mais justa e igualitária.
A atuação do militante, não foi somente de divulgação de ideologias, mas também, de
incentivos para mobilizações classistas, da necessidade de participação e organizações
classistas, inclusive de agricultores, algo não comum para o período, sem falar da divulgação
dos males do sistema político vigente, ou seja, chamando a atenção para os problemas
advindos da política oligárquica e consequentemente social.
Através da trajetória de Canellas e das publicações do periódico, foi possível, também,
visualizar características da sociedade, economia e da cultura de Viçosa – AL, inclusive,
inter-relacionado a outras cidades de Alagoas, como por exemplo, Maceió, Pilar, União dos
Palmares, etc.
Enfim, um estudo que possibilitou novos conhecimentos e informações acerca do
movimento operário fora do eixo Rio- São Paulo, acrescentando, ainda, a experiência de
Canellas e de sujeitos anônimos, que foram partícipes das mobilizações classistas ocorridas
em todo país, sendo, muitas vezes, pouco conhecidas em suas especificidades e regionalidades
acerca do estudo/ensino sobre o movimento operário no Brasil.

REFERÊNCIAS

DIAS, Everardo. História das lutas sociais no Brasil. 2. ed. São Paulo, Alfa – Omega, 1977.

PETERSEN, Silvia Regina. Cruzando fronteiras: as pesquisas regionais e a história


operária brasileira. Anos 90 (UFRGS), Porto Alegre, UFRGS. v.3, 1995.

SALES, IZA. Um cadáver ao sol. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.


D-ROM.

X Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação 2015


Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4791

CORUMBIARA: A ATUALIDADE DA QUESTÃO AGRÁRIA


Márcio Marinho Martins1, Marilsa Miranda de Souza2

Professor de História – IFRO/Campus Vilhena. e-mail: marcio.martins@ifro.edu.br; 2Professora –


1

Departamento de Educação –UNIR/Campus de Rolim de Moura. e-mail: msmarilsa@hotmail.com;

RESUMO: O artigo apresenta os resultados parciais de pesquisa em andamento que investiga


conflitos agrários no Cone Sul de Rondônia nos últimos cinco anos (2011-2015) associando-
os ao processo de organização e resistência dos acampados da fazenda Santa Elina
(Corumbiara) como fator mobilizador na região. A região do Cone Sul de Rondônia, foi
cenário do maior conflito agrário do Estado, conhecido como “Massacre de Corumbiara”,
ocorrido há 20 anos (09 de agosto de 1995). Nossa opção metodológica é pelo Materialismo
Histórico-Dialético que nos permite entender as contradições internas da estrutura social do
período a ser estudado, a relação entre estrutura e superestrutura, considerando que a história
é um processo contínuo. Para esta pesquisa utilizamos como fontes de dados: pesquisa
bibliográfica, análise documental e fotográfica. Os dados coletados da pesquisa apontam um
processo crescente de conflitos agrários em Rondônia. A análise dos dados aponta, ainda, para
uma ascendência em termos de conflitos agrários e números de famílias envolvidas na região
objeto de nossa pesquisa. O crescente processo organizativo dos camponeses da região do
Cone Sul de Rondônia se dá a partir de 2011, um ano após a retomada da antiga fazenda Santa
Elina, ocupada por camponeses em 2010, progressivamente ocupada por famílias camponesas
de vários municípios da região e motivou inúmeras novas tomadas de terra na região. Os
dados iconográficos e de conflitos agrários de 2015 ainda estão em fase de levantamento,
estudo e análise para a conclusão da pesquisa que se encerrará no ano de 2016.
Palavras-chave: Conflitos Agrários, Corumbiara, Movimentos Sociais.

CORUMBIARA: THE PRESENT OF THE AGRARIAN QUESTION


ABSTRACT: The article presents the partial results of in progress research that in the last
five years investigates agrarian conflicts in the South Cone of Rondônia (2011-2015)
associating them it the process of organization and resistance of camped of the farm the Elina
Saint (Corumbiara) as mobilizador factor in the region. The region of the South Cone of
Rondônia, was scene of the biggest agrarian conflict of the State, known as “Slaughter of
Corumbiara”, occurrence has 20 years (09 of August of 1995). Our metodológica option is for
the Description Materialism that in allows to understand them the contradictions of the social
structure of the period internal to be studied, the relation between structure and superstructure,
considering that history is a continuous process. For this research we use as sources of data:
bibliographical, documentary analysis and photographic research. The collected data of the
research point an increasing process of agrarian conflicts in Rondônia. The analysis of the
data points, still, with respect to an ancestry in terms of agrarian conflicts and numbers of
involved families in the region object of our research. The increasing organizativo process of
the peasants of the region of the South Cone of Rondônia if of the one from 2011, one year
after retaken of the old farm Elina Saint, busy for peasants in 2010, gradually busy for
families peasants of some cities of the e region motivated innumerable new taken of land in
the region. The iconographic data and of agrarian conflicts of 2015 still are in phase of
survey, study and analysis for the conclusion of the research that will be locked in in the year
of 2016.
KEYWORDS: Agrarian conflicts, Corumbiara, Social Movements.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4792

INTRODUÇÃO
O presente artigo é uma análise preliminar da Questão Agrária no Cone Sul de
Rondônia tendo como base a investigação dos conflitos agrários nos últimos cinco anos
(2011-2015) associando-os ao processo de organização e resistência dos acampados da
fazenda Santa Elina (Corumbiara) como fator mobilizador na região. A região do Cone Sul de
Rondônia, foi cenário do maior conflito agrário do Estado, conhecido como “Massacre de
Corumbiara”, ocorrido há 20 anos (09 de agosto de 1995) e que resultou na morte de 10
camponeses e 02 policiais militares. O Estado de Rondônia, figura como um dos Estados com
maior incidência de conflitos agrários, ficando apenas atrás do Estado do Pará. Por essa razão,
nossa pesquisa, ainda em andamento, quer investigar a situação atual dos camponeses que
vivem e trabalham na antiga fazenda Santa Elina, hoje área de assentamento, bem como
identificar novas ocupações de terra e conflitos agrários no Cone Sul de Rondônia.

MATERIAL E MÉTODOS
Nossa opção metodológica é pelo Materialismo Histórico-Dialético que nos permite
entender as contradições internas da estrutura social do período a ser estudado, a relação entre
estrutura e superestrutura, considerando que a história é um processo contínuo. O
materialismo histórico-dialético é o método para, interpretar e mudar o mundo ao mesmo
tempo (HOBSBAWM, 1998) e implica numa “vinculação epistemológica dialética entre
presente e passado” (CARDOSO, 1997, p. 25). Nossa preocupação é com a constante
integração empírico-teórica de forma a estabelecer conexões, mediações e contradições dos
fatos que constituem a problemática que nos propomos pesquisar.
Nosso campo de pesquisa está relacionado ao Cone Sul do Estado de Rondônia, em
áreas de conflito. Realizaremos um levantamento preliminar das áreas onde ocorreram os
maiores conflitos agrários nos municípios de Corumbiara, Cerejeiras, Vilhena, Colorado
D’Oeste, Cabixi e Chupinguaia.
Para esta pesquisa utilizamos como fontes de dados: pesquisa bibliográfica, análise
documental e fotográfica. O uso destes instrumentos será detalhado nos procedimentos de
pesquisa, a seguir.
A coleta de dados é desenvolvida utilizando-se os seguintes instrumentos:
a) Levantamento bibliográfico: Buscaremos as produções bibliográficas sobre a história
agrária de Rondônia, articulando-as aos estudos mais amplos sobre a questão agrária no país.
b) Análise documental: Serão objetos de análise os documentos sobre os conflitos
agrários, como: manifestos e declarações dos Movimentos Sociais; relatórios e
pronunciamentos da Ouvidoria Agrária Nacional, INCRA e CPT além de matérias
jornalísticas de sites e jornais da região.
c) Análise de fotografias: Será feito registros fotográficos nas áreas camponesas pelos
pesquisadores, coleta de registros fotográficos feitos pelos Movimentos e Sindicatos e
registros de arquivos pessoais.
Na análise dos dados, buscamos interpretar a realidade objetiva e subjetiva em termos
de categorias básicas: totalidade e contradição, A análise será realizada em dois níveis:
O primeiro nível tem por eixo a questão agrária, que procura analisar o contexto da
exclusão dos camponeses da terra e o monopólio da propriedade da terra na Amazônia e suas
raízes históricas, evidenciando o projeto de sociedade implícito ou explicito construído pelos
movimentos sociais do campo e os conflitos ideológicos apresentados pelos camponeses em
relação à luta e seus objetivos estratégicos.
No segundo nível utilizaremos a categoria totalidade e contradição para analisar os
aspectos históricos econômicos e políticos onde se dá a luta pela terra em Rondônia.
Entendemos que a problemática que envolve a luta pela terra é complexa e deve ser

X Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação 2015


Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4793

compreendida em sua totalidade, ou seja, deve ser compreendida a partir do desvendamento


de todas as “leis” que a produzem e da ação concreta dos sujeitos históricos que dela fazem
parte. A premissa de que tudo se relaciona é o principio da totalidade (KOSIK, 1976, p. 42).
O princípio da contradição é central na apreensão da realidade, pois em todas as coisas
existem forças que se opõem e que simultaneamente formam uma unidade. Em todas as coisas
e fenômenos existe contradição (ENGELS, 1979, p. 102). A análise das contradições será
alicerçada nas teorias dos Movimentos Sociais, por meio das quais buscaremos compreender a
essência do movimento na sua luta contra o latifúndio e o poder instituído (fenômeno social),
ou seja, quais as “leis” sociais e históricas e que forças reais o constitui enquanto tal, pois
entendemos que “o conhecimento da realidade histórica é um processo de apropriação teórica-
isto é, de crítica, interpretação e avaliação dos fatos- processo em que a atividade do homem,
do cientista é condição necessária ao conhecimento objetivo dos fatos” (KOSIK, 1976, p. 45).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Sendo a concentração de terras o problema central da Questão Agrária, observamos que
a estrutura agrária brasileira mantém-se na mesma lógica da grande propriedade fundada na
semifeudalidade. Buscaremos discutir a Questão Agrária a partir de um marco teórico e
metodológico que orienta o Movimento Camponês na luta que se trava no campo pela
democratização da terra. O debate acerca do desaparecimento ou reprodução do campesinato
ainda se mantém no espaço acadêmico, contudo, compartilhamos com Wanderley (1996) de
que o campesinato se reproduz nas sociedades atuais integradas ao mundo moderno,
mantendo uma tradição camponesa, sendo que sua história no Brasil pode ser definida como
registro das lutas para conseguir um espaço próprio na economia e na sociedade, sendo que
este campesinato mundial, no século XXI supera a metade da população, milhões destes,
camponeses pobres sem terra, desenvolvem lutas, por meios pacíficos ou armados, para
garantir a posse da terra (MARTIN MARTIN, 2007).
Partimos do pressuposto de que o campesinato – em que pese o debate sobre seu fim ou
sua reprodução – é uma classe revolucionária e de que este está inserido num recorte espacial
de objeto de pesquisa a ser estudado, nossa análise se dá num espaço de conflitos sociais no
campo, partindo da premissa de que o espaço é cenário “por excelência, da luta de classes”
(LINHARES, 1995, p. 19).
Mais do que uma análise dos conflitos territoriais na expansão da fronteira agrícola na
Amazônia ou da análise descritiva das organizações camponesas, esta pesquisa se propõe a
oferecer uma contribuição sobre as experiências de resistência camponesa, em contraposição
às ações da grande propriedade latifundiária, já que consideramos ser esta, a principal
contradição existente no campo brasileiro. Nosso papel busca propiciar um debate sobre a
necessidade de investigação apontando os principais fatos que compõem a história recente de
Rondônia, de forma mais precisa a região do Cone Sul, com base em levantamento
bibliográfico sobre a ocupação e conflitos agrários.
Conforme Oliveira “a estrutura agrária concentradora de terra, poder e renda, torna
inviável a categoria histórica dos camponeses como elemento dinamizador do processo
histórico, além de manter sobre eles constante ameaça de violência e morte” (OLIVEIRA,
2007, p. 23). Com o acirramento das contradições no campo, os camponeses se organizam
contra o latifúndio e o Estado “pela simples razão de que já não podiam mais aguentar porque
não se resignavam a morrer calada e mansamente” (LÊNIN, 1979, p. 71).
A luta contra o latifúndio é feita na maioria dos casos de forma organizada na forma de
Movimento Social, que pode ser compreendido nas ações de sujeitos sociais articulados em
um espaço de um país ou região e que se estrutura a partir de “temas e problemas em conflito,
litígios e disputas vivenciados pelo grupo na sociedade” por meio de uma identidade coletiva

X Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação 2015


Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4794

e interesses comuns, tendo como princípios “valores culturais e políticos compartilhados em


espaços coletivos não-institucionalizados” (GOHN, 2002, p. 251).
No contexto de desenvolvimento do imperialismo o Estado brasileiro amplia este
processo de concentração destinando a terra e seus recursos naturais – madeira, minérios,
água, etc. – para empresas privadas nacionais e estrangeiras.
A persistência do problema agrário no contexto do imperialismo é fruto do
desenvolvimento de um tipo de capitalismo atrasado, burocrático, ligado aos grandes capitais
monopolistas que controlam a economia do país, associados ao capital dos grandes
latifundiários, que se combina com o poder estatal, usando os meios econômicos do Estado
enquanto uma alavanca econômica para acumulação de capital (MARTÍN MARTÍN, 2007a,
p.14-15).
Mariátegui partiu da análise de dependência das nações sob o domínio imperialista,
identificando a concentração de terras como fator central nesta relação de dependência já que
“o regime de propriedade da terra determina o regime político e administrativo de toda nação”
e onde “sob uma economia semifeudal não podem prosperar nem funcionar instituições
democráticas e liberais” (MARIÁTEGUI, 2008, p. 70). O Brasil fundou-se como uma
economia semifeudal e semicolonial e como não houve o processo de revolução democrática,
nunca se superou essa condição, mantendo-se ainda hoje as relações de semifeudalidade no
campo, já que o “o latifúndio só poderia manter seus privilégios se encontrasse o apoio
constante e poderoso do imperialismo” (SODRÉ, 1983, p. 194).
Na atualidade, os conflitos agrários na Amazônia (aqui incluídos posseiros, indígenas e
extrativistas) acentuam-se para além da pressão exercida pelo latifúndio. Agora a pressão dos
agentes do imperialismo na Amazônia é exercida sob dois discursos contraditórios: o da
preservação ambiental via “desenvolvimento sustentável” e a reedição do nacional
desenvolvimentismo através das grandes obras de infraestrutura do Programa de Aceleração
do Crescimento – PAC. Rondônia é hoje o retrato de uma estrutura fundiária arcaica, mantida
por uma política estatal de opção pelo grande latifúndio de velho e novo tipo (agronegócio),
pela entrega dos recursos naturais para os grandes grupos capitalistas estrangeiros, pela
repressão sistemática contra camponeses e povos indígenas que se organizam em luta pela
terra (SOUZA, 2014).
Os dados coletados da pesquisa apontam um processo crescente de conflitos agrários
em Rondônia. A principal fonte de dados coletados é dos Relatórios de Conflitos Agrários da
Comissão Pastoral da Terra, que apresentam dados nacionais e por Unidade Federativa. Nossa
análise incluiu a especificação de conflitos agrários e famílias envolvidas na região do Cone
Sul de Rondônia, nosso objeto de pesquisa. Optamos por quantificar os resultados por meio
de tabelas que possibilitam uma melhor visualização dos dados.

Tabela 1. Conflitos Agrários e camponeses envolvidos – ANO 2011. CPT, 2012.


CONFLITOS CAMPONESES ENVOLVIDOS (Famílias)
BRASIL 1.035 460.565
RONDÔNIA 55 2.649
Cone Sul de Rondônia 15 631

No ano de 2011, Rondônia destaca-se como um dos Estados com maior incidência de
despejos e ameaças de morte acompanhando o percentual de 85% das ameaças de morte que
estão concentradas na região Norte. Do total de conflitos registrados em Rondônia, 27%
concentra-se na região do Cone Sul. Do total de famílias envolvidas (acampados, posseiros,
assentados, etc.), 24% são desta região de Rondônia.

X Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação 2015


Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4795

Tabela 2. Conflitos Agrários e camponeses envolvidos – ANO 2012. CPT, 2013.


CONFLITOS CAMPONESES ENVOLVIDOS (Famílias)
BRASIL 1.067 458.675
RONDÔNIA 70 3.995
Cone Sul de Rondônia 20 1.011

Em 2012, o número de conflitos agrários e famílias envolvidas têm um aumento


considerável em Rondônia. O aumento também é seguido na região do Cone Sul de
Rondônia, e em termos percentuais corresponde a 29% dos conflitos agrários do Estado,
envolvendo 1.011 famílias (25% do total).

Tabela 3. Conflitos Agrários e camponeses envolvidos – ANO 2013. CPT, 2014.


CONFLITOS CAMPONESES ENVOLVIDOS (Famílias)
BRASIL 1.007 435.075
RONDÔNIA 46 2977
Cone Sul de Rondônia 16 798

Em 2013 observa-se uma queda no número de conflitos agrários e famílias


envolvidas. Esta queda é registrada a nível nacional e Estadual. A região do Cone Sul de
Rondônia, apresenta em termos percentuais um aumento em relação ao ano anterior no
número de famílias envolvidas em conflitos agrários no Estado de Rondônia: salta de
25% para 27%. O número de conflitos agrários, em termos comparativos às estatísticas
estaduais salta de 29% para 35%.

Tabela 4. Conflitos Agrários e camponeses envolvidos – ANO 2014. CPT, 2015.


CONFLITOS CAMPONESES ENVOLVIDOS (Famílias)
BRASIL 1.018 600.240
RONDÔNIA 55 2.805
Cone Sul de Rondônia 17 1.073

Os dados de 2014 apontam novo crescimento no número de conflitos em escala global,


regional e local. Neste ano, o percentual de conflitos agrários no Cone Sul de Rondônia tem
uma leve queda em termos percentuais (31%). Contudo, neste ano a participação de famílias
envolvidas em conflitos chega ao patamar mais elevado da sequencia de anos: 38%.
A análise dos dados aponta para uma ascendência em termos de conflitos agrários e
números de famílias envolvidas na região objeto de nossa pesquisa. Os dados de 2015 ainda
estão em fase de levantamento e da mesma forma os dados em relação às principais causas de
conflitos agrários na região e o perfil das famílias envolvidas. Identificamos que há diversos
movimentos sociais que organizam as ocupações de terra na região: A Liga dos Camponeses
Pobres (LCP), Movimento Libertário, Movimento Agrário Popular (MAP), Federação dos
Trabalhadores na Agricultura de Rondônia (FETAGRO), Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Em relação à violência no campo, identificamos que o número de assassinatos teve um
substancial aumento em 2014 em relação aos anos imediatamente anteriores, com 36 casos
registrados neste ano. Os assassinatos no campo nos Estados do Pará, Maranhão, Mato Grosso

X Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação 2015


Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4796

e Rondônia concentram 66,66% do total registrado em todo o Brasil. A região norte também
lidera as ocorrências de pistolagem com 49% do total nacional (CPT, 2014).
A pesquisa, ainda, está organizando um banco de dados com base nas informações de
Jornais impressos e online sobre os conflitos agrários na região, além dos dados coletados junto
aos Movimentos Sociais e Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTRs).

CONCLUSÕES
A presente pesquisa ainda está na sua fase de conclusão, portanto, apenas com
resultados preliminares. Constatamos um crescente processo de mobilização de famílias
camponesas na região do Cone Sul de Rondônia. Como é parte do nosso objeto de pesquisa
junto aos Movimentos Sociais, conseguimos um banco de dados de mais de 1.000 fotografias
para análise, além do registro fotográfico de acampamentos e famílias mobilizadas. Há um
fator de dificuldades quanto aos registros oficiais de conflitos agrários, considerando que a
Ouvidoria Agrária Nacional, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA),
responsável por acompanhar e dirimir conflitos agrários não tem disponibilizado seus
relatórios nos últimos anos. Será preciso uma análise in loco nos arquivos do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA e da Ouvidoria Agrária Regional para
um melhor detalhamento dos dados da pesquisa, confrontando com dados disponibilizados
pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimentos Sociais e Meios de Comunicação. A
previsão para a conclusão da pesquisa é para julho de 2016.
A pesquisa aponta para um crescente processo organizativo dos camponeses da região
do Cone Sul de Rondônia a partir de 2011, um ano após a retomada da antiga fazenda Santa
Elina, palco do conflito agrário conhecido como “Massacre de Corumbiara” ou “Combate da
Fazenda Santa Elina” no ano de 1995 (MARTINS, 2009). A área, ocupada por camponeses
em 2010, foi progressivamente sendo ocupada por famílias camponesas de vários municípios
da região e motivou inúmeras novas tomadas de terra. Contudo, nossa pesquisa ainda
encontra-se em fase preliminar, sendo necessários mais elementos para que apontem para a
vinculação direta entre esta ocupação e as demais que têm mobilizado camponeses na região
do Cone Sul de Rondônia.

AGRADECIMENTOS
Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia - IFRO, por
oportunizar o desenvolvimento desta pesquisa.

REFERÊNCIAS

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Nacional, 2015. 216p.

_____. Conflitos no Campo – Brasil 2013. Goiânia: CPT Nacional, 2014. 198p.

_____. Conflitos no Campo – Brasil 2012. Goiânia: CPT Nacional, 2013. 188p.

_____. Conflitos no Campo – Brasil 2011. Goiânia: CPT Nacional, 2012. 182p.

ENGELS, F. Anti-Dühring. São Paulo: Paz e Terra, 1979. 231p.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4797

GOHN, M. G. Teoria dos Movimentos Sociais. Paradigmas Clássicos e Contemporâneos.


São Paulo: Edições Loyola, 2002. 383p.

HOBSBAWM, E. J. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 344p.

KOSIK, K. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. 230p.

LÊNIN, V. I. O imperialismo: fase superior do capitalismo. Tradução de Olinto


Beckerman. 1. ed. São Paulo: Global, 1979. 127p.

LINHARES, M. Y. História Agrária. In: CARDOSO, C. F.; VAINFAS, R. (Orgs). Domínios


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MARIÁTEGUI, J. C. Sete ensaios de interpretação da realidade peruana. São Paulo:


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http://www.unicamp.br/cemarx/anais_v_coloquio_arquivos/arquivos/comunicacoes/gt7/sessa
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Santa Elina e seus desdobramentos. 2009. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Núcleo
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X Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação 2015


Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4798

DEMÊNCIAS E APATIA INFLUENCIANDO A MEMÓRIA


AUTOBIOGRÁFICA E O ESQUECIMENTO: ESTUDO DE CASO COM
SUJEITOS LEMBRANTES DA CIDADE DE RIO BRANCO – ACRE
Reginâmio Bonifácio de Lima1
1
Professor EBTT de História da Universidade Federal do Acre – Ufac. Pesquisador Senad e CNPq. Rio Branco
– Acre. E-mail: reginamiobonifacio@yahoo.com.br

RESUMO: Os homens se relacionam mutuamente, construindo várias possibilidades de


sociabilizações ao mesmo tempo em que se percebem enquanto sujeitos da ação que pela
memória se fazem representar. De acordo com Gauer e Gomes (2007), lembrar-se de eventos
altamente emocionais, sejam eles positivos ou negativos, pode ajudar a prevenir situações ruins
e tomar a direção do sucesso; por outro lado, não dispor de todos os eventos irrelevantes do
cotidiano é útil ao funcionamento cognitivo normal. Para esses autores, muitas das habilidades
de promover lembranças específicas são cerceadas na memória por transtornos específicos,
demências, depressões e outras doenças. Diante disso, esta pesquisa tem como objetivo analisar
como os sujeitos lembrantes, que atualmente são idosos e presenciaram os momentos de lutas,
rupturas e soerguimentos nos processos de ocupação dos bairros formadores de Rio Branco-
Acre, tentaram “reconstruir”, a partir de suas falas registradas em entrevistas, suas memórias,
lembranças e esquecimentos, representando uma parte de suas trajetórias de vida. Embasamos
teoricamente nosso estudo com as obras de Ecléa Bosi e Paul Thompson a partir do método de
pesquisa com memórias de velhos e história oral. O objetivo do trabalho com a memória aqui
retratada compreende o armazenamento e vitalização prática em diversas situações do que foi
armazenado, enfocando a capacidade intelectual disposta pelo cérebro para lembrar,
contextualizar, recriar e recontextualizar, conscientemente ou não, as informações associadas às
vivências cotidianas, ainda que empíricas, dos sujeitos lembrantes.
Palavras-chave: memória autobiográfica, demências, sujeitos lembrantes.

DEMENTIAS APATHY AND INFLUENCING THE


AUTOBIOGRAPHICAL MEMORY AND FORGETTING: A CASE
STUDY WITH THE MEMENTOS SUBJECT CITY OF RIO BRANCO-AC
ABSTRACT: Men relate to each other, building a number of possibilities for socialization
the same time that they see themselves as subjects of action by the memory are represented.
According to Gauer and Gomes (2007), remember to highly emotional events, either positive
or negative, can help prevent bad situations and take the direction of success; On the other
hand, do not have all the irrelevant everyday events is useful to normal cognitive functioning.
For these authors, many of the memories of promoting specific skills are curtailed in memory
for specific disorders, dementia, depression and other diseases. Thus, this research aims to
analyze how mementos subjects, who are currently seniors and witnessed moments of fights,
breaks and uplift in occupancy processes of Rio Branco-Acre, tried to "rebuild", from their
recorded speeches in interviews, his memories, memories and forgetfulness, representing a
part of their life trajectories. Theoretically, our study is based on the works of Ecléa Bosi and
Paul Thompson from the research method with memories of old and oral history. The
objective of the research here, portrayed memory comprises storage and practice vitalization
in different situations than was stored, focusing on the intellectual capacity ready by the brain
to remember, contextualize, recreate and recontextualize, consciously or not, the information
associated with daily experiences, even though empirical, of the mementos subject.
KEYWORDS: autobiographical memory, dementia, mementos subject.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4799

INTRODUÇÃO
A maioria das pessoas sofre, em algum grau, com o ato de esquecer. O que comumente
chamamos de “branco”. É comum não lembrarmos de algumas coisas que temos para fazer ou
onde pusemos determinados objetos. Aliás, nunca se cobrou tanto da memória quanto nessa
“sociedade da informação”. Há tantas coisas a lembrar: nomes, lugares, situações que o
cérebro não comporta, tantas informações a serem disponibilizadas em qualquer momento.
Entretanto, naturalmente, a perda de memória é, muitas vezes, mais séria do que isso.
O cérebro, como o restante de nosso organismo, passa por modificações com o
envelhecimento, o que faz com que, em muitos casos, a perda de memória seja normal. O
psiquiatra Samuel Gershon afirmou que

perdermos cabelo, ficamos grisalho, nossa pele perde elasticidade, não conseguimos
manter a velocidade na corrida, nossos olhos não vêem com a mesma nitidez. Tudo
isso faz parte do processo normal de envelhecimento. No sistema nervoso central,
ocorrem também, mudanças características. Células nervosas morrem. Estabelece-se
menor número de conexões. Reduz-se o peso do cérebro, em conseqüência da perda
de certos tipos de célula nervosas. Tudo isso faz parte do envelhecimento normal”.
(Cershon Appud Defelice, 1989, p.12).

Existem lapsos normais de memória e a perda anormal de memória, como no caso da


doença de Alzheimer. Quase tudo em nossa vida envolve um tipo de memória, mesmo o que
chamamos de bom-senso. Nosso intento não é tipificar ou qualificar a memória, isso os
neurologistas, gerontologistas, psiquiatras, sócio-etnólogos dentre outros pesquisadores, já
fizeram muito bem. A memória aqui retratada compreende o armazenamento e vitalização
prática em diversas situações do que foi armazenado, enfocando a capacidade intelectual
disposta pelo cérebro para lembrar, contextualizar, recriar e recontextualizar, conscientemente
ou não, as informações associadas às vivências cotidianas, ainda que empíricas, dos sujeitos
lembrantes.

MATERIAL E MÉTODOS
De acordo com Sonia Brucki (2007), as demências ligadas à memória acontecem se
ocorrerem várias pequenos derrames ou um derrame grande em uma área importante do
cérebro ou um traumatismo craniano. Contudo, a demência mais freqüente que atinge as
pessoas na velhice é a doença de Alzheimer, onde as informações novas não são aprendidas, e
com a progressão da doença, o paciente vai perdendo a memória recente, até o esquecimento
das habilidades cotidianas, sociais e motoras.
Por ser uma doença degenerativa cerebral progressiva, o Alzheimer incide diretamente
na perda de habilidades como pensar, memorizar, raciocinar. Essa perda de habilidades se dá
pela formação de feixes de uma proteína chamada betaamilóide nos neurônios, diminuição da
estrutura interna dos neurônios, diminuição do neurotransmissor chamado acetilcolina no
cérebro e aumento da concentração de alumínio no cérebro (SONIA BRUCKI, 2007).
As várias experiências com a memória cristalizam os conhecimentos e os tornam
fluídos. À capacidade de utilizar o conhecimento acumulado chamamos de “inteligência
cristalizada”, enquanto à capacidade de lidar com a informação ou utiliza-la de forma
diferente da utilização antiga, comumente agindo em elaboração de juízos e resolução de
problemas, chamamos de “inteligência fluida”. Ambas são necessárias em um ou outro
momento da vida e às vezes, em ambos como por exemplo, ao tentar entender uma notícia de
jornal (Defelice, 1989).
Às vezes nos sentimos traídos pela memória, por lapsos comuns que na quase
totalidade, não deveriam nos preocupar. É comum esquecer o nome das pessoas que foram

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4800

recentemente apresentadas, ou acordar, pela manhã, e não lembrar do sonho que tivemos, ou,
ainda, planejar uma palestra e esquecer de citar pontos que consideramos argumentos fortes.
Para Defelice (1989), nossa percepção sofre com as deficiências ocasionadas pela
distração durante o momento de apreensão da informação, como também pelo estresse
ocasionado pela preocupação com a possível perda de memória. Com isso, a falta de interesse
pelas situações nos rodeiam, com o álcool que inibe temporariamente o cérebro, o nervosismo
ocasionado pela ansiedade que mina toda a mente, a desorganização, o medo da senilidade, a
repreensão a algo que se quer esquecer, excesso de televisão e até uma vida de desafios.
Defelice afirma que:

A perda grave de memória (ou o que chamamos comumente de senilidade”) não é


necessariamente uma decorrência irreversível da idade (...). As pessoas mais velhas
têm pelo menos a mesma ou talvez mais memória total ou informação do que os
jovens, mas lembram-se de coisas diferentes. De modo geral, cada um recupera
melhor a informação que é importante para a sua própria vida. Como a vida muda na
velhice, assim mudam também as categorias de informação que os idosos se
lembram. E a “sabedoria” – uma espécie de memória que não tem medida em
escalas psicológicas – aumenta com o passar dos anos.
É perigosa a crença de que a idade torna inevitável o declínio mental. Inúmeras
pessoas inteligentes permitem que sua mente se reduza àquilo que não passa de falta
de vontade de viver. (1989, p. 55 e 57).

Marion Perlmutter (1989) afirmou que o cérebro começa a envelhecer no início da idade
adulta, embora as pessoas só percebam essa perda bem mais tarde. O fato de associar a
velhice com a perda de memória, em muitos dos casos, é exagerada, porque é colocada de
muito medo. Muitas pessoas não levam em consideração o fato de a forma de processamento
da informação estar intimamente ligada com a fixação da memória ou a falta dela quando do
armazenamento das informações.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Compreendemos que a memória não é algo do passado. Ela é o passado representado no
tempo contínuo da lembrança; e só é possível se lembrar no presente, portanto a memória é a
lembrança presente da representação do que se supõe, ou pressupõe passado, mas que na
verdade não findou porque é atualizado.
Ao analisar as lembranças expressas nas entrevistas, percebemos, nos sujeitos
lembrantes, que a sensação de conhecimento obtuso dos lugares exala a experiência da ideia
de não pertencimento. É como se eles conhecessem intimamente um lugar e depois, da mesma
forma, vissem intimamente o outro lugar, mas tivessem sensação de não pertencer
completamente a nenhum dos dois. O enigma de uma “chegada” sempre adiada é a sensação
de trânsito que perpassa os corações e mentes desses moradores.
Além da perda de memória considerada comum ou reversível, existem as perdas
irreversíveis de memória que são ocasionadas por distúrbios, demências ou doenças que
ocasionam perda ou bloqueio permanente de capacidades mentais. Embora não tenhamos
acesso aos exames mentais, a família de dona Nena constantemente afirma que ela está doente
ou demente. E isso fica claro no final do período de entrevistas executadas com ela.
Passamos quatro anos acompanhando o estado de dona Nena. Sua memória, sua saúde,
seu desejo de viver foram gradativamente sendo tomados pelas demências e doenças que ela
sofre. Abaixo, colocaremos alguns trechos de entrevistas, alguns produzidos em 2003, dois
períodos em 2004 (quando do agravamento da demência) e outros em 2007 para compararmos
as dificuldades pelas quais ela passa.
Dona Nena falou de suas lembranças em 2003:

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4801

(...) Quando minha irmã morreu eu tinha quatro anos e ela [irmã] tinha três, mas
ainda hoje eu me lembro da minha irmã como se fosse hoje (...)
(...) Meu padrasto não me dava uma caixa de fósforo, um palito... Aí ela [mãe] foi
comprar, um metro e não sei quanto de uma fazenda. Eu ainda me lembro o nome
dessa fazenda... fazenda ainda vermelha, com umas pintinha branca... (...)
(...) [Durante o inverno] A gente andava pelo meio do campo pra não ficar atolado.
Quando eu cheguei aqui, em 70 ... em 71... alagou, que a água veio até aí a escola.
Eu me lembro que meu menino que tava ontem aqui, ele tinha uma canoa.

Quando conhecemos dona Nena, ainda era uma senhora lúcida. Tinha orgulho de
“arrumar a própria casa sem precisar de empregada”. Cultivava dezenas de plantas em seu
“quintal”. Uma senhora doente e solitária que ainda andava, trabalhava e se orgulhava de ter
sua casa limpa e pronta a receber visitas.
O tempo passou e, em fins de 2004, as dezenas de caixas de remédios pareciam não
ajudá-la como antes.A casa já não tão arrumada. Algumas plantas morreram, o “quintal” já
não tão limpo. Não tinha forças para encher uma garrafa de água. A demência já parecia estar
influindo mais incisivamente em seu corpo e sua memória.

(...) A reunião aqui da comunidade era na igreja mesmo. Aí, eu não sei mais... (...)
(...) Quando eu cheguei aqui não tinha Igreja, o pessoal se reunia pra ir pro bairro
da... aquele bairro que vai pro rumo daculá... Eu sou tão esquecida... (...)

A família se aproximou mais dela, mas as doenças também. No início de 2007, quando
do fim da coleta e transcriação do corpus das entrevistas, pudemos perceber frases inteiras
como as que se seguem:

(...) Eu nasci em... Não me lembro o nome da colocação, sei que nasci em
Tabatinga, no Seringal Novo Tabatinga, que eu nasci... (...)
(...) Eu não me lembro mais... Olha, depois que passou pela minha cabeça, aí
pronto... (...)
(...) Eu não sei mais em que ano nós começamos... Eu não me lembro mais que
ano eu cheguei aqui... Eu não me lembro mais de nada, meu filho. Eu fiquei
assim tão esquecida... (Nena, grifo nosso em todas as falas).

Como dona Nena, outros entrevistados sofrem de perda de memória irreversível, muitos
delas acompanhadas de depressão.
Algumas demências são afetadas e agravadas pelo excesso de remédios. Dona Nena
afirma que o médico já trocou sua medicação várias vezes porque ela passava mal ao ingerir
determinados medicamentos. E quando ela ia para o hospital, consultar um médico “que
estivesse de plantão”, ele passava mais remédios, nem perguntava o que ela estava tomando
“só passava mais remédio”. O que alguns médicos que atenderam dona Nena e outros sujeitos
lembrantes parecem não saber ou não atentar é o que Gershon chama de primeiro erro clínico.
Ele afirma que:

O primeiro erro clínico consiste em não verificar quais as drogas que o paciente
idoso está tomando. Alguns pacientes tomam de dez a vinte remédios diferentes. É
de fato possível que a medicação esteja causando desequilíbrio cognitivo
significativo (SAMUEL GERSHON apud DEFELICE, 1989).

Perda de memória e depressão acompanham muitos dos velhos. Eles geralmente


apresentam esses sintomas após se aposentarem. Por ficar somente em casa, pouco saírem,
quase não reencontrarem os amigos, passarem dias “remoendo” as agruras do passado. Ao
ficarem ociosos, sem ter com que ocupar a mente, muitos ficam entristecidos. Queixam-se de
problemas físicos que estão, em grande parte, relacionados à depressão.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4802

Os sintomas de apatia, desconfiança e desilusão em muitos casos são disfarçados como


demências, não conseguindo as pessoas deprimidas responder a perguntas feitas pelo
pesquisador. Várias vezes ficam em silêncio; outras, choram; às vezes, compulsivamente. E
essas ações são vistas como respostas, embora não verbais, são respostas ininteligíveis,
respostas que, muitas vezes, não podem ser traduzidas em palavras. Assim, eles agem lenta e
reservadamente.
Uma das entrevistadas aparenta ter esse perfil de apatia, embora somente um cientista da
saúde ou da neuropsiquiatria possa diagnosticar sua real condição. Contudo, em algumas entrevistas
dona Laura já não lembra tão bem coisas que para ela são importantes e trazem felicidade:

Daí eu me casei com, viche nem me lembro mais a idade, tenho nem idéia. Passei
trinta anos casada, meu marido morreu em [mil novecentos e] noventa e quatro,
deixa eu ver... me ajuda... [treze anos, mais ou menos]. É acho que foi isso, por aí
assim (Laura – colchetes são intervenções do pesquisador).

A maior parte das lembranças de dona Laura são tristes. Ao analisar suas falas,
percebemos os momentos felizes sendo postos à tona com menor intensidade que os tristes. À
frente, teremos um contraponto de lembranças felizes e tristes em uma mesma fala. Nela
percebemos a ênfase dada às tristezas:

Daí nós tivemos seis filhos, mas criou-se só dois, aí um mataram, né? Tiraram a vida
do meu filho, ficou só um que é o pai do Dario. Só criou-se dois, nascia e morria,
né? Aí criou-se dois, que era o Jorge, que mataram, e ficou o Ribamar, que é o pai
dessa galera. Hoje só tenho um filho.

Suas tristezas não são apenas pela família, mas pelo próprio lar em que queria
transformar sua humilde casa.

Minha casinha era coberta de palha, fechada de palha, não tinha piso, era só o chão
mesmo. Só cabia a cama, um fogãozinho, era bem pequenininha. Era uns três por
cinco, acho.

Mas nem só de adversidades vivem os velhos entrevistados. Alguns têm na lembrança,


ainda vivas, as marcas do chamado “Esquadrão da morte”. E isso para eles parece ser
insuperável. Dona Laura passou períodos de fome, de doença, depressão, falta de moradia,
enchentes, mas sua maior tristeza parece ter sido o assassinato de seu filho.

Então, ele... aconteceu isso... Eu ainda não sei por que e nem me interessa mais,
porque meu menino não vai voltar mais, né? Então eu não quero saber mais de nada.
Ele tinha dezesseis anos na época. Mataram ele em 1984 (Laura, entrevista no início
de 2005).
(...)No fundo, eu não vivo feliz... O meu menino, às vezes eu penso... ele, com uma
paciência, beijando a mão de Deus, que Deus é o juiz. Eu não tenho notícia desse
moço nem nada, que Deus faça sua justiça (Laura, entrevista em fins de 2006).

As entrevistas evidenciaram a importância das lembranças no campo da memória


autobiográfica, quando o sujeito lembrante se demonstra capaz de experienciar
conscientemente uma representação mental de algo específico, real ou imaginado.

CONCLUSÕES
Existem lapsos normais de memória e a perda anormal de memória – como no caso da
doença de Alzheimer. Além da perda de memória considerada comum ou reversível, existem

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4803

as perdas irreversíveis de memória que são ocasionadas por distúrbios, demências ou doenças
que ocasionam perda ou bloqueio permanente de capacidades mentais.
Os sonhos se misturam com os pesares e a depressão parece envolver os sujeitos
lembrantes. As demências que parecem não ter atingido a memória, atingem o corpo e
influenciam diretamente o modo de pensar e as relações que se têm com as pessoas próximas.
É como se um pedido de socorro emanasse de seus corpos cansados. Buscam insistentemente
melhorias que, em muitos dos casos, não vêm. Então, eles choram suas lágrimas vertidas, por
seus sonhos não realizados e pela possibilidade de melhoria se tornar cada vez mais distante.
Ao ver seu filho e seus netos passarem por dificuldades, dona Laura bem representa os outros
sujeitos lembrantes que tentam melhorar a vida de seus familiares. Entretanto, em seu caso
específico, ela só consegue prover o básico e, às vezes, nem isso:

Tem vez que eu vejo algum chorando com fome aqui, dou roupas, porque minha
nora, ela não tem emprego, meu filho trabalha assim... serviço hoje, amanhã, às
vezes... recebe... às vezes, não recebe... Aí aperta...
Eu sou uma mulher que sente mais tristeza que alegria. A gente não consegue o que
quer. Eu tô viva, porque Deus que multiplica, porque eu mesma não posso fazer
nada pra viver. Eu tenho um Deus, que pela misericórdia dEle, Ele me faz viva,
conserva as minhas crianças com saúde, meu filho com saúde, minha nora... É ele
quem cuida de nós (Laura).

A esperança de dona Laura está em Deus. Ele é seu socorro presente, embora em sua
fala fique demonstrado que esse socorro nem sempre é como ela gostaria que fosse. Contudo,
fica-nos a impressão de que a esperança em Deus é uma unanimidade entre os entrevistados.
Eles crêem que podem melhorar suas vivências a partir de suas atuações e com a permissão de
Deus. Muitos deles têm sofrido demências, depressões e apatias. Muitas de suas doenças são
consideradas incuráveis pela medicina moderna, mas eles permanecem com sua fé em Deus
como alicerce a partir do qual estabelecem a busca para uma vida melhor.
A memória autobiográfica é um construto que se refere à habilidade de recordar
conscientemente as experiências individuais vividas no passado. A maioria das pessoas sofre,
em algum grau, com o ato de esquecer, o que comumente chamamos de “branco”.
É comum não nos lembrarmos de algumas coisas que temos para fazer ou onde
pusemos determinados objetos. Aliás, nunca se cobrou tanto da memória quanto nessa
“sociedade da informação”. Há tantas coisas a lembrar: nomes, lugares, situações que o
cérebro não comporta, tantas informações a serem disponibilizadas a qualquer momento.
Entretanto, naturalmente, a perda de memória é, muitas vezes, mais séria que isso.
A memória, como qualquer outra parte do corpo, necessita de exercícios e ambientes
que favoreçam conforto e situações nas quais se possam exercer atividades que levem ao
processamento das informações. É necessário manter-se mentalmente ativo, evitar tensões e
manter contato social. O ato de fazer novos amigos e comentar as vivências traz à tona as
lembranças há muito guardadas na memória, além de possibilitar novas perspectivas ao fluir
da memória na aplicabilidade prática do cotidiano.

REFERÊNCIAS

BOSI, E. Memória e sociedade. São Paulo: T.A. Queiroz - Editora da Universidade de São
Paulo, 1987.

DEFELICE, Stephen L. Perda de Memória. Trad. Maria Pia Brito de Macedo. São Paulo:
Nobel, 1989.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4804

GAUER, G.; GOMES, W.B. A experiência de recordar em estudos da memória


autobiográfica: aspectos fenomenais e cognitivos. Memorandum, (2006).

LIMA, R. B.. Memórias de velhos. Rio Branco (AC): Boni, 2008.

PERLMUTTER, Marion; HALL, Elizabeth. Adult development and aging. 2nd ed. New
York, Publisher: Wiley, 1992.

THOMPSON, Paul. A voz do passado - História Oral. 4 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2002.

BUCKI, Sonia. Alzheimer e outras Demências. Disponível em:


<www.mentalhelp.com/alzheimer.htm>. Acesso em: 25 de agosto de 2007.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4805

DO DIREITO AO VOTO À CONQUISTA DOS CARGOS PÚBLICOS:


A PARTICIPAÇÃO FEMININA NA HISTÓRIA POLÍTICA DO RIO
GRANDE DO NORTE (1927; 2008-2014)
Taynara Ewerlyn Barbosa Ramalho1, Eliel Silva da Costa2, João Marcos da Cunha
Silva3, Bruna Rafaela de Lima Lopes4
1
Discente do curso técnico em administração – IFRN. e-mail: taynara_ramalho@hotmail.com;
2
Discente do curso técnico em administração – IFRN. e-mail: elielsilva95@hotmail.com;
3
Discente do curso técnico em administração - IFRN. e-mail: marcos-cunha991@hotmail.com;
4
Professora de História – IFRN. e-mail: bruna.lima@ifrn.edu.br

RESUMO: No Brasil o direito ao voto só foi concedido às mulheres em 1932, por meio do
Decreto-Lei 21.076 pelo presidente Getúlio Vargas, no entanto no ano de 1927 a professora
Celina Guimarães Viana, residente na cidade de Mossoró/RN, apresentou um ação inovadora
ao requerer junto ao juiz do município que o seu nome fosse incluído na lista de eleitores da
cidade, tornando-se assim a primeira mulher a exercer o voto não apenas no estado do Rio
Grande do Norte como também no Brasil. Essa ação empreendedora de Celina abriu as portas
para uma crescente participação feminina não apenas da política local como também da política
nacional. O presente estudo objetiva identificar como a professora Celina Guimarães
influenciou na política nacional e na conquista das brasileiras pelo direito ao voto, buscando
compreender qual a herança deixada do ponto de vista histórico e social para o estado, além de
analisar a representatividade feminina no atual cenário político do Rio Grande do Norte.
Palavras-chave: Participação feminina, política, Rio Grande do Norte, voto.

THE RIGHT TO VOTE THE CONQUEST OF PUBLIC POSITIONS:


PARTICIPATION OF WOMEN IN HISTORY RIO GRANDE DO
NORTE POLICY (1927; 2008-2014)
ABSTRACT: In Brazil the right to vote was only granted to women in 1932, through Decree-
Law 21,076 by President Getulio Vargas, however in 1927 to teacher Celina Guimarães
Viana, resident in the city of Mossoró / RN, presented an innovative action the request by the
county judge that his name be included in the city's voters list, thus becoming the first woman
to exercise their voting rights not only in the state of Rio Grande do Norte as well as in Brazil.
This entrepreneurial action Celina opened the door to a growing female participation not only
at local politics but also at the national policy. This study aims to identify how Celina
Guimarães teacher influence in national politics and in the conquest of brazilian the right to
vote, trying to understand what the legacy of the historical and social point of view for the
state, in addition to analyzing women's representation in the current scenario political of Rio
Grande do Norte.
KEYWORDS: Female participation, policy, Rio Grande do Norte, vote.

INTRODUÇÃO
A sociedade carrega dentro de si inúmeros preconceitos estabelecidos erroneamente a
respeito de diversos temas, tornando o convívio social difícil para algumas classes, como é o
caso dos índios, negros e mulheres. Esses preconceitos são estabelecidos antes mesmo do
nascimento de novos indivíduos, estando arraigados na cultura local que passa a enxergá-los
com normalidade.
No entanto, com o passar dos anos, é natural que tais conceitos sejam questionados e que
a classe oprimida passe a sentir a necessidade de reivindicar seus direitos como é o caso do

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4806

Gênero Feminino, que ao longo dos anos se viu alvo de diversas formas de exclusão e
inferioridade, desenvolvendo uma vontade de lutar por um mundo mais justo, onde pudessem
ter representatividade para enfim, deixar de ser tratado como o “Outro” e passar a ser tratado
como “Um” também.
Ao longo deste estudo será destacada uma das mais importantes conquistas da mulher: o
direito ao voto, pois é a partir dessa conquista que o ser humano passa a escolher seus
representantes e sente-se responsável pelo destino da comunidade e do ambiente em que vive.
O voto feminino foi assegurado no Brasil apenas no ano de 1932, através de uma reforma no
Código Eleitoral com a assinatura do Decreto-Lei 21.076 pelo Presidente Getúlio Vargas, mas
apesar da conquista, apenas as mulheres casadas – e devidamente autorizadas por seus maridos
–, as viúvas e solteiras que tivessem renda própria poderiam votar.
Porém, vale destacar que apesar do voto feminino ter sido assegurado através de uma lei
em 1932, no Rio Grande do Norte esse direito foi obtido alguns anos antes pela professora
Celina Guimarães Viana, que - segundo Rocha Neto; Carvalho (2011) -, requereu no dia 25 de
novembro de 1927 o registro como eleitora na cidade de Mossoró. O requerimento da
professora – ainda segundo Rocha Neto e Carvalho – constava da seguinte solicitação:

Celina Guimarães, [...] residente nesta cidade, achando-se habilitada, como prova com
os documentos juntos, para se alistar como eleitora, requer a V. Exa, que se digne
mandar incluí-la no rol dos eleitores deste município [...]. Na mesma data, um
despacho do juiz interino do município, Sr. Israel Ferreira Nunes, defere o pleito,
torna-se ela a primeira brasileira com direito a votar. (RODRIGUES, 2003, p. 72 apud
ROCHA NETO; CARVALHO, 2011, p. 04).

Através da solicitação de Celina Guimarães o Rio Grande do Norte passou a viver um


momento de transição política, impulsionando assim o desenvolvimento político e social do
estado, bem como do país. Sendo assim, se busca, com o presente estudo, identificar como a
professora Celina Guimarães influenciou na política nacional, na conquista do voto feminino e
a herança deixada - do ponto de vista histórico e social – para o estado, destacando a
representatividade feminina no cenário político atual do Rio Grande do Norte.

MATERIAL E MÉTODOS
Para alcançar os objetivos propostos anteriormente se fará uso de diversas fontes, como
artigos científicos, artigos presentes em sites, dados do Tribunal Superior Eleitoral e
depoimentos orais realizados com três moradores locais, sendo eles: Maria de Fátima da Costa,
professora e vereadora da cidade de Nova Cruz – RN, Olivar Viana Barbosa, auxiliar do poder
legislativo e funcionário há 35 anos da Câmara Municipal de Nova Cruz – RN, e Abílio Alves
de Lima, fotógrafo e um dos moradores mais antigos da cidade, tendo um rico conhecimento
não apenas da política local, bem como da política do estado, tendo participado de inúmeros
fatos marcantes da cidade. A partir das informações coletadas se fará um confronto entre elas
para uma melhor compreensão e visão do tema abordado.
No decorrer do estudo também será apresentada uma breve análise com relação aos
aspectos abordados pela socióloga francesa Simone de Beauvoir através do livro O Segundo Sexo
– A Experiência Vivida, que traz ao longo de seu conteúdo constatações a respeito do destino
tradicional das mulheres na sociedade, demostrando o estreito universo em que estão inseridas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para entender as lutas femininas por direitos e igualdade de gênero, é importante que
todos os leitores entendam um pouco a respeito dessas lutas, observando através de Beauvoir
que tais lutas não são recentes na sociedade, mas que já existem há muitos séculos e ainda
continuam a ocorrer.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4807

Ao longo deste tópico serão destacados alguns apontamentos de Beauvoir a respeito da


condição feminina ao longo dos anos, destacando as influências culturais e socioeconômicas
sob o comportamento da mulher, demonstrando o momento de transição que sofreram e ainda
sofrem ao longo dos anos no que diz respeito à busca por direitos e melhores condições de
representatividade.
Apesar das diferenças biológicas existentes entre os sexos masculino e feminino, essa é a
única coisa que, inicialmente, pode lhes diferenciar como seres humanos. Outras questões como
a forma de se vestir e andar são inseridas em ambos os sexos a partir de seu nascimento, quando
passam a conviver em sociedade. “NINGUÉM nasce mulher: torna-se mulher [...]”
(BEAUVOIR, 1967, p. 09.), ou seja, é a partir do convívio social que surgem as diferenças
comportamentais e, com isso, passam a surgir também alguns conceitos que de alguma forma,
acabam por prejudicar a vida da mulher, que passa a ser reconhecida como o “sexo frágil”.
Uma importante conquista adquirida pelo gênero feminino e que contribuiu imensamente
para a ascensão social foi o direito de poder trabalhar fora de casa. É a partir do trabalho que as
mulheres podem obter certa independência, não só financeira, como também social, tendo em
vista que, elas deixam de ser tratadas como um ser dependente e passam a externar cada vez
mais que a ideia de “sexo frágil” é ultrapassada e já deveria ter sido abolida.
A partir desse ponto se pode fazer um paralelo com o contexto social e político vivido na
década de 1920, momento em que ascendiam no Brasil inúmeros movimentos feministas
atrelados à busca pelo direito ao voto, oriundos da necessidade de participar ativamente da
sociedade, como exposto por Rocha Neto; Carvalho (2011):

Com o movimento feminista e na esteira das reivindicações pelo voto, o que lhes
possibilitaria maior atuação política e social, a domesticidade foi invadida e as
mulheres passaram a atuar no espaço público exigindo igualdade de direitos, de
educação e profissionalização. (ALMEIDA, 1998, p. 27 apud ROCHA NETO;
CARVALHO, 2011, p. 02).

Beauvoir – como exposto a seguir – reforça o pensamento de que o trabalho se apresenta


como algo libertador para a mulher e que quebrará as barreiras impostas pela sociedade, além
de afirmar que apenas a conquista do direito ao voto não é o bastante para que a mulher adquira
de uma vez por todas sua independência social, atribuindo aos costumes a culpa pelas
imposições sofridas. Segue o trecho de Beauvoir:

A mulher sustentada — esposa ou cortesã — não se liberta do homem por ter na mão
uma cédula de voto; [...]. Foi pelo trabalho que a mulher cobriu em grande parte a
distância que a separava do homem; só o trabalho pode assegurar-lhe uma liberdade
concreta. Desde que ela deixe de ser uma parasita, o sistema baseado em sua
dependência desmorona; entre o universo e ela não há mais necessidade de um
mediador masculino. (BEAUVOIR, 1967, p. 449).

Com os trechos citados acima é possível observar como dois autores de épocas diferentes
podem dialogar através de seus escritos: Almeida (apud ROCHA NETO; CARVALHO) aponta
uma sociedade marcada pela luta feminina na busca por direitos, como a profissionalização. Já
Beauvoir aponta a profissionalização como sendo uma possível solução acerca da distância
existente entre o masculino e o feminino, destacando que de nada adianta o direito ao voto se a
mulher continuar cercada de costumes que a colocam na condição de submissa.
A História Potiguar foi formada através da colaboração de inúmeros sujeitos históricos
que participaram de forma positiva para a construção de uma sociedade melhor, dentre eles
encontra-se a professora Celina Guimarães Viana que através de suas lutas em prol da
participação feminina na sociedade norte-rio-grandense, conquistou o direito de escolher seus
representantes através do voto, o que levou várias outras brasileiras da época a reivindicarem o

X Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação 2015


Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4808

mesmo direito. Celina buscou também assegurar que as gerações futuras pudessem exercer uma
participação maior e mais igualitária no âmbito social, não só no estado do Rio Grande do
Norte, como no Brasil.
Segundo Rocha Neto; Carvalho (2011), Celina Guimarães – portadora do título de
eleitora na cidade de Mossoró/RN – solicitou junto ao Senado Federal a aprovação de um
projeto que regulamentasse de uma vez por todas a situação feminina perante o direito ao voto,
sendo amparada pela Constituição vigente na década de 1920. A partir dessa solicitação se
percebe a importância de Celina que, além de ser a pioneira no que diz respeito ao voto
feminino, não se contentou apenas com o seu próprio voto, pois queria garantir também que
outras mulheres pudessem alcançar tal direito.
Celina Guimarães Viana foi muito importante para o desenvolvimento do cenário político
do Rio Grande do Norte na década de 1920, mas vale acrescentar que inúmeras outras mulheres
fizeram História posteriormente nesse âmbito e continuam a fazer constantemente, sobretudo
durante o século XXI, demonstrando dessa forma que – com o passar dos anos – esse desejo
feminino pela participação continua vivo. Daí a importância de mencionar durante esta pesquisa
figuras como Wilma de Faria, Fátima Bezerra, Micarla de Souza e Rosalba Ciarlini, que
desempenharam papeis importantes no cenário estadual por terem ocupado cargos públicos
geralmente ocupados apenas por homens.
Todavia, apesar das mulheres estarem tomando cada vez mais para si um espaço
anteriormente destinado apenas aos homens, muita coisa ainda precisa ser feita. Como
destacado através do depoimento oral da Vereadora Fátima Costa – da cidade de Nova Cruz/RN
– a mulher, ao assumir um cargo público, se depara com situações de preconceito, onde pessoas
com pensamento machista fazem questão de não abdicar ao seu espaço, pressionando e
dificultando ao máximo suas vidas no plenário. Segue um trecho da entrevista:

[...] Ainda existe uma discriminação, se não existisse nós teríamos mais mulheres na
câmara de vereadores, hoje só temos uma representação [...]. No meu primeiro
mandato em 2000 eu me candidatei a presidente e teve um vereador - um homem -
que disse que não ia votar em mim porque não se via administrado por uma mulher
[...]. (COSTA, 2014.)

Além de considerar a representação feminina fraca na Câmara Municipal da cidade de


Nova Cruz/RN, Fátima também se vê alvo de preconceito pelos vereadores do sexo oposto.
Assim, é notório que mesmo com todos os avanços e direitos alcançados ao longo dos anos a
discriminação ainda existe e é demonstrada através de pequenas ações como esta.
A participação da mulher vem crescendo com o passar dos anos. Este fato pode ser
confirmado através de dados coletados no site do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), onde se
percebe um crescente número de eleitoras no intervalo de seis anos, ocupando um número
superior ao de eleitores do sexo oposto, como expresso na Figura 1 a seguir.

Figura 1. Distribuição do Eleitorado no Rio Grande do Norte


– Evolução. IFRN, 2014.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4809

A Figura 1 destaca que da quantidade total de eleitores do RN, mais de 50% são mulheres,
mas a quantidade de candidatas continua baixa (Figuras 2). Outro depoimento oral colhido,
dessa vez com Abílio Alves, que é natural da cidade de Nova Cruz/RN e residente na mesma,
demonstra a opinião do mesmo a respeito da representatividade feminina nos cargos públicos.
O entrevistado considera que o número de representantes femininas no poder tende a aumentar,
justamente pelo fato das mulheres ocuparem uma porção superior à dos homens no que diz
respeito à quantidade de eleitores.

Figura 2. Quantidade de Candidatos por Sexo nas Eleições de 2008 (esquerda)


e 2012 (direita). IFRN, 2014.

A Figura 2 traz informações referentes ao número de candidatos nas eleições municipais


nos anos de 2008 e 2012, com isso se pode observar que o número de mulheres que pretendiam
concorrer a cargos de prefeita e vereadora apesar de estar aumentando, continua baixo se
comparado com o sexo masculino. Esse quadro de participação poderá ao longo dos anos mudar
para que no futuro as mulheres estejam com um número similar ou até mesmo maior que o
número de candidatos homens. Perguntada a respeito da representatividade feminina em cargos
públicos no futuro, Fátima Costa baseou sua opinião a partir de uma prospecção futura, ou seja,
a Vereadora falou que a tendência é que esse número sempre se manter em crescimento. Ela
também ressaltou a importância dos eleitores avaliarem os candidatos pelos trabalhos realizados
e não pelo gênero.
Algo muito importante na sociedade é a ocorrência da quebra de preconceitos quanto ao
sexo feminino por parte do sexo masculino. Isto ocorrer no momento em que o homem deixa
de tratar a mulher como alguém inferior, passando dessa forma a reconhecer sua importância.
Através do depoimento oral concedido por Abílio Alves é possível exemplificar este fato,
pois ele considera que a mulher tem um papel importante e que vai muito além de cuidar da
casa e do marido, além de destacar algumas características que – a seu ver – tornam a mulher
como alguém indispensável. A seguir, um trecho de sua fala.

A mulher é o suporte da sociedade, é o suporte da família, em todo lugar diz que é a


parte fraca [...] eu não acredito nisso, porque a crise de valores é do masculino e não
do feminino [...] por isso que eu vejo a importância da mulher hoje [...] necessária
num meio da sociedade [...] na política, porque quando ela vai fazer uma coisa, ela
nunca quer fazer só, ela quer mais participação [...]. (LIMA, 2014.)

Segundo o entrevistado a mulher além de se caracterizar como um suporte para a


sociedade, ainda tem algumas características que desconstrói o mito de que ela é o “sexo frágil”.
Abílio Alves também faz alusão à importância feminina na Política, caracterizando-as como
seres que sempre buscam a participação coletiva, pondo os interesses coletivos sempre à frente
dos interesses individuais.
Outro entrevistado – Olivar Viana Barbosa – também afirma considerar que a
participação feminina na Política é muito importante, destacando que essa representação é feita
de forma eficiente. Ambos os entrevistados têm em comum o fato de serem abertos ao tema,
reconhecendo a importância feminina não só em ambiente familiar, como também na política,
demonstrando mais uma vez que a sociedade vive um momento de transição em que o homem

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4810

está abandonando certos preconceitos tidos antes como normais, e passando a reconhecer a
contribuição feminina no meio social.

CONCLUSÕES
A participação feminina no âmbito social é uma temática importante para a construção de
uma sociedade mais justa e igualitária. Através das fontes utilizadas foi possível observar a
importância e correspondência que obras escritas em épocas diferentes podem ter com o
contexto social de épocas anteriores – como o contexto em que foi concedido o direito ao
primeiro voto feminino – bem como com épocas atuais – como o caso em que se encontra
Fátima Costa.
Celina Guimarães pode ser considerada como uma importante figura, pois além de
contribuir para uma conquista das mulheres de sua época, deixou uma grande herança para
aquelas que vieram a nascer após o seu primeiro voto, instigando dessa forma outras mulheres
a participarem de forma mais ativa na construção da política do Rio Grande do Norte, que com
o passar dos anos, passou a ter não apenas um número de eleitoras superior ao de eleitores,
como também um número considerável de representantes femininas.
Neste artigo procurou-se evidenciar a importância da desconstrução do mito de que a
função da mulher se baseia apenas nas atividades relacionadas ao lar, além de demonstrar que
está havendo ao longo dos anos a quebra de algumas barreiras. Em 1927 ocorreu o primeiro
voto, em 2014, já se observa na esfera estadual mais de 50% dos eleitores sendo do sexo
feminino, além do aumento significativo nas candidaturas efetuadas pelas mulheres.
Entretanto, vale ressaltar que o número de candidatas ainda é pouco se comparado com o
número de candidatos, ou seja, mesmo com o sexo feminino ocupando mais da metade do
número total de eleitores ainda é de extrema importância que esse interesse por ocupar cargos
públicos seja incentivado, para que no futuro se possa ter uma representação mais efetiva.
Dentre os vários fatores incutidos na sociedade e que atribuíram ao gênero feminino à
condição de inferior, se observa a cultura como sendo uma enorme barreira, pois é a partir do
contato com ela que o indivíduo começa a agregar em seu interior inúmeros preconceitos.
Para acabar com tais preconceitos é imprescindível que todos os seres humanos – de
ambos os sexos – reconheçam desde sua infância que nenhum dos gêneros tem um papel
específico e isolado na sociedade, mas sim, que ambos desempenham papéis indispensáveis e
complementares.

REFERÊNCIAS

82 ANOS da conquista do voto feminino no Brasil. Disponível em: <http://www.tre-


es.jus.br/noticias-tre-es/2014/Fevereiro/82-anos-da-conquista-do-voto-feminino-no-brasil>.
Acesso em: 19 ago. 2014.

ABÍLIO ALVES DE LIMA. Mulheres na Política potiguar. 10 set. 2014. Nova Cruz/RN.
Entrevista concedida a João Marcos da Cunha Silva e Taynara Ewerlyn Barbosa Ramalho.

BEAUVOIR, S. O Segundo Sexo: A Experiência Vivida. 2 ed. Tradução de Sérgio Milliet.


São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967.

BUONICORE, A. As mulheres e os direitos políticos no Brasil. Disponível em:


<http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=2115&id_coluna=10>. Acesso
em: 18 ago. 2014.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4811

MARIA DE FÁTIMA DA COSTA. Mulheres na Política potiguar. 02 set. 2014. Nova


Cruz/RN. Entrevista concedida a João Marcos da Cunha Silva.

OLIVAR VIANA BARBOSA. Mulheres na Política potiguar. 29 ago. 2014. Nova


Cruz/RN. Entrevista concedida a Eliel Silva da Costa, João Marcos da Cunha Silva e Taynara
Ewerlyn Barbosa Ramalho.

PROFESSORA Celina Guimarães Vianna, primeira eleitora do Brasil. Disponível em:


http://www.tse.jus.br/imagens/fotos/professora-celina-guimaraes-vianna-primeira-eleitora-do-
brasil>. Acesso em: 04 ago. 2014.

ROCHA NETO, M. P.; CARVALHO, I. C. M. Revista Pedagogium (1925): A missão da


mulher norte-rio-grandense na década de 1920. In: III Seminário Nacional Gênero e Práticas
Culturais Olhares diversos Sobre a Diferença. João Pessoa, 2011. Disponível em:
<http://www.itaporanga.net/genero/3/07/36.pdf>. Acesso em: 04 ago. 2014.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4812

DO “NATURAL” AO “ATRASADO”: DUAS IMAGENS


RECORRENTES SOBRE OS ÍNDIOS NO JORNAL ESTADÃO
DE RONDÔNIA NA DÉCADA DE 1980
Lourival Inácio Filho1, Maíra Garcia de Andrade2, Lizianne de Matos Emerick3,
Jucicleide Araújo4, Waldelaine Rodrigues Hoffmann5 Adalberto Alves da Silva6,
1
Professor de História – IFRO. e-mail: Lourival.filho@ifro.edu.br; 2Discente do curso técnico em química –
IFRO. e-mail: mairag.andarade@gmaiul.com; 3Discente do curso técnico em química – IFRO. e-mail:
lizianneemerick@gmail.com; 4Assistente Social – SESAU/RO email: jucicleidearaujo@hotmail.com; 5Discente
do curso técnico em florestas – IFRO. e-mail: waldelaine-hoffmann@hotmail.com; 6Professor de química –
IFRO. e-mail: Adalberto.alves@ifro.edu.br

RESUMO: A história da ocupação de Rondônia foi pautada por um imaginário de terra de


providência e local inacabado. Neste aspecto o outro, o que veio de fora, foi visto como agente
civilizador dos povos “primitivos” que aqui se encontravam. Qual foi o papel da mídia impressa
neste processo? Esta pesquisa é um esforço de método serial, que busca entender as
reverberações dos índios na imprensa local durante a década de 1980, período em que as frentes
de expansão do mercado se lançavam sobre os nativos em nome do ideal de progresso
capitalista. Utilizou-se como fonte o jornal Estadão de Rondônia entre 1981 e 1985, no qual
foram analisadas 244 reportagens.
Palavras-chave: Imprensa, Hegemonia, índio, Rondônia.

THE "NATURAL" TO THE "LATE": TWO RECURRENT PICTURES


ABOUT THE INDIANS IN THE NEWSPAPER ESTADÃO FROM
RONDÔNIA IN THE 1980s
ABSTRACT: The history of the occupation of Rondônia was guided by an imaginary land
of providence and unfinished place. In this respect, the other who came out, it was seen as
civilizing agent of "primitive" peoples that were here found. What was the role of media in
this process? This research is an exertion of serial method, that seeks to understand the
reverberations of the Indians in the local media during the 1980s, period in which the market
expansion fronts were thrown on the natives in the name of ideal capitalist progress. It was
used as a source the newspaper Estado de Rondônia between 1981 and 1985, in which were
analyzed 244 reports.
KEYWORDS: Written Media, Hegemony, Indian, Rondônia.

INTRODUÇÃO
Esta pesquisa busca romper com a história cronológica centrada em datas, tempo e heróis.
Para tanto buscou criticar fontes primárias jornalísticas no intuito de uma história vista por
“baixo”, por outra ótica que não aquela ligada ao mito dos “desbravadores” e “pioneiros” tão
em voga na Amazônia. Por meio da análise da inserção de conflitos sociais - neste caso pelas
representações dos povos indígenas e a ampliação das fronteiras econômicas, geográficas,
sociais entre outras – na qual se utilizou e se utiliza, em larga escala, a propaganda midiática
que geralmente confirma tais discursos e silencia aspectos importantes de minorias locais. A
imprensa local potencializou imagens estereotipadas e por vezes até preconceituosas contra os
nativos, cuja preocupação no início dos anos 1980, centrava-se em narrar e promover a
instalação do novo estado com símbolos de progresso representados pela Hidrelétrica de
Samuel, a pavimentação da BR-364 e o desenvolvimento urbano acelerado.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4813

MATERIAL E MÉTODOS
Utilizou-se o método serial com técnicas de análise de conteúdo para o tratamento,
sistematização e manuseio das fontes jornalísticas (jornal Estadão de Rondônia). O recorte
temporal abrange 1981 a 1985 (fase de criação e estruturação do estado de Rondônia e de forte
processo migratório). Nortearam a pesquisa os conceitos de hegemonia e manipulação da
imprensa na busca de entendimento dos consensos dentro das notícias, pontuando os locais das
falas e silêncios a cerca do fenômeno estudado. Todas as reportagens foram selecionadas e
digitalizadas de um universo amostral de 244 reportagens. Depois de lidas com maior
profundidade, construiu-se um quadro serial que facilitou a investigação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nas reportagens analisadas, percebe-se três elementos simbólicos de representação
indígena reverberada na imprensa: 1) a imagem ufanista de primeiro “brasileiro”; 2) o selvagem
integrado a natureza; 3) O primitivo/arcaico que impede a chegada do “progresso”.
As comemorações cívicas foram reverberações pela qual a imprensa se utilizou e se utiliza
quando trata a figura indígena de forma geralmente genérica, distante e muitas vezes
romantizada da realidade da colonização e criação do estado de Rondônia. As reportagens
utilizaram o “índio” por esta forma ufanista, ligada às comemorações alusivas ao seu “dia” e/ou
a sua “semana” que se comemora no Brasil a partir do dia 19 de abril. O índio era lembrado
como representação nacionalista de “primeiro brasileiro”. Havia muitos concursos de redações
nas escolas públicas, geralmente atrelados ao ato cívico de hasteamento da bandeira nacional.
Em reportagem de 20 de abril de 1982, o jornal Estadão destaca em sua capa uma imagem
que reforça a representação ufanista, índios Suruí e Karipuna hasteando a bandeira nacional,
junto a alunos de escola pública numa espécie de conciliação imagética e simbólica entre índios
e civilização longe das disputas trágicas que ocorriam no interior da floresta em quase todo o
estado (figura 01).
Esse simples ato de hasteamento da bandeira por “representantes” indígenas era algo
relativamente importante naqueles períodos de criação e implantação do estado no qual a grande
migração precisava de consensos que identificassem os migrantes com Rondônia. Não era fácil
criar o Novo Eldorado ou a “Terra da Providência” em meio à repercussão de violências
factuais. A comunhão entre índios e brancos se fazia necessária - ainda que simbólica - em
certos momentos pelas páginas da imprensa.

Figura 01 – Momento cívico com índios Suruí e Karipuna


Fonte: O Estadão de Rondônia, 01/04/1982.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4814

O dilema daquelas representações seguidas por atos cívicos simbólicos era justamente a
tentativa arbitrária de unir mundos diferentes com signos representativos de uma nação que
avançava de forma violenta sobre aqueles povos. A imagem representava por duas etnias locais
e que se apresentavam no processo colonizador paradoxalmente como os “atrasados” que
dificultavam o “progresso” ao mesmo tempo em que reverenciavam um símbolo (a bandeira)
que era arbitrariamente inserido dentro de seus campos simbólicos tradicionais.
Não escapam a um primeiro olhar o fato de que, à medida que a colonização se ampliava
- e isso significava um real avanço cronológico de 1981 a 1985 - a questão indígena ia se
tornando um assunto espinhoso para o jornal, preocupado que estava em reverberar as imagens
do Eldorado e da Terra da Providência.
A tônica jornalística era centrar sua pauta sem parcimônia nas ideias de progresso para a
região com interesses hegemônicos múltiplos, inclusive ligados ao sucesso de
empreendimentos aplicados na instalação e ampliação do próprio jornal Estadão que se tornaria
o primeiro do Estado a trabalhar com máquina off set, acelerando sua produção e
consequentemente aumentando seu número de leitores se tornando altamente rentável
comercialmente.
O desmazelo com questões da vida cotidiana indígena se evidencia em tais reportagens
pela despreocupação com a temática ligada, entre outras, à questão da saúde daqueles povos.
Constatamos no universo amostral pesquisado que havia pouca divulgação e/ou ocultação. Não
por acaso reportagens sobre as questões de saúde indígena somam menos de 2,7 por cento das
reportagens. Mesmo este número pequeno de notícias, dava conta dos fracassos da intervenção
estatal junto à situação de contato com o mundo civilizado.
De maneira geral o que se destaca de forma mais preeminente nas reportagens é a
percepção do aspecto trágico como elemento central. A maioria das abordagens do jornal não
produz o “índio”, mas reproduz imagens - com raras exceções - que por múltiplas que pareçam
ser geralmente se cristalizam numa dicotomia de longa duração que renasce na epopeia pela
qual passou o Território Federal de Rondônia para se transformar em estado.
Pode-se apontar, em consonância com o sociólogo, experiente em etnologia indígena
Rinaldo S. V. Arruda (2001), duas representações recorrentes no jornal Estadão: 1) O índio
como metáfora de liberdade natural; 2) O índio como imagem de “atraso” a ser superada. De
forma diversa e por vezes subdividida nas clássicas imagens de selvagens, primitivos e/ou
primeiros habitantes. Muitas delas presentes nas representações analisadas.
O índio como o selvagem que ataca seringais.

Um grupo de índios, ainda não identificados, vem invadindo e saqueando casas de


seringueiros na região de Porto Acres, a 90 km desta capital. A informação foi dada
pelo delegado local da Contag (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura), José
Tavares e confirmada por outros seringueiros. Há poucos dias, os índios invadiram a
casa do seringueiro Raimundo Arcanjo e levaram tudo o que havia (O Estadão de
Rondônia, 16/09/1981, p. 01).

O primitivo isolado que necessita do contato para receber a “proteção” do Estado.

No último sábado, os índios Uru Eu Wau Wau voltaram a visitar o posto de atração
da Funai, denominado Alta Lídia. Segundo o Delegado da Funai, Apoena Meireles,
“agora só esperamos o convite, para que possamos ir até a aldeia, o que não deverá
demorar, pois as visitas estão constantes” (O Estadão de Rondônia, 08/12/1981, p.03).

E a forma ufanista de primeiros habitantes antes da civilização, geralmente ligada a atos


cívicos numa construção arbitrária de patriotismo com pretensões estratégicas.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4815

Será comemorado amanhã, dia 19 em todo o país o “Dia Nacional do Índio”, data
consagrada àqueles que são considerados os primeiros habitantes da Terra, antes da
civilização. Aqui em Porto Velho, no período de 19 a 23 do corrente mês, a 8ª
Delegacia Regional da FUNAI estará desenvolvendo vasta programação sobre o
evento, objetivando principalmente a divulgação da cultura dos índios de Rondônia
(O Estadão de Rondônia, 18/04/1982, p.03).

Nas entrelinhas dessas reportagens, encontramos sem muito esforço o aspecto que não
aparece de forma clara ou oficial na ideia de “atraso”, diante de novos tempos e da construção
de novos espaços, os povos indígenas vão se isolando cada vez mais em terras menores, pois
os grandes espaços de locomoção e morada já não lhes pertencem, a não ser que se adaptem as
novas paisagens com café, arroz e, posteriormente, gado.
Essa visão sobre a modernidade se retroalimentando da expropriação do outro é mais bem
trabalhada por Hanna Arendt (1995) em sua crítica a Modernidade, quando localiza nas origens
do capitalismo a exploração do outro como algo retroalimentar que continua na
contemporaneidade.

O que torna estes acontecimentos do início da era moderna diferentes de ocorrências


paralelas do passado é que a expropriação e o acúmulo de riqueza não resultaram
simplesmente em novas propriedades nem levaram a uma nova redistribuição da
riqueza, mas realimentaram o processo para gerar mais expropriações, maior
produtividade e mais apropriações (id. ib. p. 267).

Dentro das posturas ideológicas de pretensões hegemônicas apresentadas no jornal


Estadão de Rondônia, podemos perceber uma tentativa discursiva e imagética de colocar os
índios fora do nosso futuro. Visão cristalizada sobre o polissêmico conceito de cultura e
criticada por Arruda (2001), que discorda dos que vêem os índios como “excrescências
arcaicas” teimosas de nossa “pré-brasilidade”. Para este autor a própria Antropologia Clássica
teria ajudado em tal representação, apoiando-se na noção de aculturação que tendia a ver as
sociedades indígenas na perspectiva do “presente etnográfico”, descritas por aquele autor como:

Sociedades de reprodução infinita, sem história, formas resistentes à mudança,


marcadas por um equilíbrio permanente; sociedades igualitárias por oposição à nossa
sociedade histórica, cheia de dinamismo e mudanças sociais alimentadas pela
desigualdade (id. ib. p. 43-44)

Tal visão cultural cristalizada e imutável de sociedade em relação aos povos indígenas se
torna a-histórica e, de certa forma, e por vezes camufladas de “boas intenções” se reproduzem
pelas páginas do jornal. É claro que essas visões não ocorrem em todas as reportagens, porém,
imagens jornalísticas que respeitem à alteridade indígena são realmente exceções nas produções
aqui estudadas.

CONCLUSÃO
Fato concreto é que as etnias indígenas geralmente passam a existir para o jornal a partir
de algum tipo de conflito advindo do contato com alguma frente de expansão, sendo esse
aspecto trágico de exploração o que os lança de forma inicial a Modernidade.
Ambas as visões sobre os índios, a de “liberdade natural” ou a de “atraso”, estão presentes
pelos padrões de manipulação em busca de hegemonias, provocadas pelos múltiplos interesses
da mídia jornalística impressa.
A desnaturalização da grande imprensa nesta pesquisa se fez pela constatação das
intenções múltiplas do veículo impresso que não são outras se não aquelas ligadas aos interesses
corporativistas da empresa de mídia escrita. Ao estar ligado à criação do estado de Rondônia,
o jornal buscou constantemente equilibrar suas arbitrariedades com o que julgava “vontades

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4816

coletivas”, ajudadas pelo contexto da época que, em última instância, trabalhava na manutenção
de um status quo que buscava significação sobre um local que deveria se negar em seus espaços
naturais e de memória para receber o “novo”.

REFERÊNCIAS

ABRAMO, Perceu. Padrões de manipulação da grande imprensa. São Paulo: Fundação


Perseu Abramo, 2003.

ARENDT, Hanna. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

ARRUDA, Rinaldo S. V. Arruda. “Imagens do Índio: Signos de Intolerância”, In: GRUPIONI,


Luís Donizete B. Grupioni et. al., Povos indígenas e tolerância: construindo práticas de
respeito e solidariedade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere: os intelectuais. O princípio educativo. Jornalismo.


Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

_________. Os jornais e os operários. Marxists Internet Archive, 2005. Disponível em:


http://www.marxists.org/portugues/gramsci/1916/mes/jornais.htm. Acesso em: 18 março.
2011.

Índios. O Estadão de Rondônia, Porto Velho, 16 de set. 1981, Capa.

Dia do índio comemorado ontem em Porto Velho, O Estadão de Rondônia. Porto Velho, 20
de abril 1982, Capa.

Índios Uru Eu Wau Wau fizeram nova visita ao posto Alta Lídia. O Estadão de Rondônia,
Porto Velho, 8 de dez. 1981, p.3.

Rondônia possui cerca de 4 mil índios. O Estadão de Rondônia, Porto Velho, 18 de abril 1982,
p.03.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4817

ENTRE A GRIPE E A MALÁRIA: RELAÇÕES INTERÉTNICAS


E A TRANSMISSÃO DE DOENÇAS EM EIRUNEPÉ - AM
Kelven Klim Barroso Prazad1, Rodrigo Ferreira de Lima2, Samira Guimarães da Silva3,
Shirley Almeida de Araújo4, Francisca Évila Cardoso da Cunha5, Paulo de Oliveira
Nascimento6
1
Discente de Nível Médio Integrado em Informática – IFAM. e-mail: kelven.jk14@gmail.com;
2
Discente de Nível Médio Integrado em Informática – IFAM. e-mail: ferreirarodrigo230@gmail.com;
3
Discente de Nível Médio Integrado em Informática – IFAM. e-mail: samiraifam@gmail.com;
4
Discente de Nível Médio Integrado em Informática – IFAM. e-mail: shirleyaraujo15@hotmail.com;
5
Discente de Nível Médio Integrado em Informática – IFAM. e-mail: evilaifam@gmail.com;
6
Professor EBTT de História. e-mail: paulo.nascimento@ifam.edu.br

RESUMO: Este trabalho teve como objetivo a realização de um estudo acerca das “trocas
patológicas” entre indígenas e não indígenas no município de Eirunepé – AM. Sabe-se que os
contatos entre europeus e indígenas trouxe uma série de doenças para os nativos, ao passo que
também ocorreu o movimento inverso. Neste estudo, realizamos uma análise (a) dos casos de
malária entre os não indígenas do município de Eirunepé – AM em 2014 e (b) os casos de
gripe registrados entre os indígenas deste município. Metodologicamente, realizamos uma
pesquisa de campo – através de entrevista e busca em banco de dados da saúde – e uma
pesquisa bibliográfica, das quais resultaram uma análise comparativa. Com a realização deste
trabalho, pode-se constatar que, assim como no passado, os contatos interétnicos entre
indígenas e não indígenas acarretam num intercâmbio patológico prejudicial a todos, sendo
necessárias medidas profiláticas mais efetivas e eficazes para a redução dos problemas de
saúde entre aqueles grupos.
Palavras-chave: doenças, relações interétnicas, indígenas, não indígenas, Eirunepé – AM.

BETWEEN THE FLU AND MALARIA: INTERETHNIC RELATIONS


AND THE TRANSMISSION OF DISEASES IN EIRUNEPÉ – AM
ABSTRACT: This study aimed to conduct a study about the "pathological changes" between
indigenous and non-indigenous in the municipality of Eirunepé - AM. It is known that the
contact between Europeans and indigenous brought a number of diseases to the natives, while
there was also the opposite movement. In this study, we conducted an analysis (a) of malaria
cases among indigenous not the city of Eirunepé - AM in 2014 and (b) flu cases registered
among the natives of this city. Methodologically, we conducted a field survey - through
interviews and searches at health database - and a literature search, which resulted in a
comparative analysis. With this work, it can be seen that just as in the past, inter-ethnic
contacts between indigenous and non-indigenous causes a harmful pathological exchange to
all, requiring more effective and efficient preventive measures to reduce health problems
among those groups.
KEYWORDS: diseases, interethnic relations, indigenous, non-indigenous, Eirunepé - AM.

INTRODUÇÃO
As relações interétnicas estabelecidas entre os indígenas americanos e os europeus, a
partir do século XVI, trouxeram uma série de mudanças significativas na vida de ambos os
grupos sociais, pautadas especialmente nas diferenças entre estes grupos. Tais relações
sempre se mostraram bastante problemáticas, especialmente para os indígenas, que foram
tomados como passíveis de (a) escravização, (b) catequização, (c) expropriação, todas estas
tomadas como formas de dominação política, econômica e cultural. Todavia, não se pode

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4818

perder de vista o domínio biológico empreendido contra estes nativos americanos, algo que se
deu principalmente através da introdução – acidental ou propositada – de doenças.
O isolamento em que viviam os indígenas americanos desde quando chegaram no
continente fez com que estes sujeitos não tivessem imunidade contra os vírus e bactérias
oriundas de outros continentes. Esta condição os tornavam deficientes de resposta imune Th2
para microorganismos causadores de doenças como a gripe, o sarampo, a varíola e as
disenterias (GURGEL, 2009, p. 7). Daí, tem-se registros significativos nas Américas de que
entre os séculos XVI e XIX, a varíola, o sarampo e a gripe teriam sido responsáveis pela
morte de cerca de 80% das populações indígenas no continente (UJVARI, 2012).
Se, por um lado, os europeus foram os responsáveis pela introdução destas doenças e de
suas terríveis consequências nas Américas, por outro também foram afetados por patologias
que ocorriam aqui. A priori, conforme os primeiros relatos produzidos sobre o Novo Mundo,
acreditava-se que os indígenas eram sujeitos “sadios” e “robustos”, na medida em que eram
vistos no contexto de uma natureza exuberante. Todavia, um exemplo bastante significativo
de que aqui haviam doenças ainda não conhecidas pelos europeus é a sífilis, que foi contraída
nas Américas e levada para a Europa, de onde se espalhou pelo resto do mundo (BAIDA;
CHAMORRO, 2011, p. 2). Conforme observamos as “trocas patológicas” fazem parte da
história tanto dos nativos americanos contactados a partir do século XVI quanto dos europeus
que os contactaram, o que torna a relação entre ambos os grupos étnicos um tanto complexa.
Diante do exposto acima, este trabalho teve como principal objetivo atentar para a
malária e a gripe enquanto patologias que são “trocadas” entre não indígenas e indígenas,
respectivamente, no contexto das relações estabelecidas entre estes dois grupos na cidade de
Eirunepé - AM. Tendo surgido a partir da execução do projeto de pesquisa “VISITANDO A
CIDADE: Motivações das Visitas de Indígenas Aldeados à cidade de Eirunepé – AM” -
vinculado ao Departamento de Ensino, Pesquisa e Extensão do IFAM/Campus Eirunepé - o
presente trabalho pretende - ao discutir a relação entre doenças, indígenas e não indígenas -
oferecer subsídios para pesquisas futuras, em cujos objetivos estejam a busca de soluções para
as questões da saúde pública no município de Eirunepé - AM.

MATERIAL E MÉTODOS
O A partir dos objetivos elencados neste trabalho, fizemos uso da modalidade de
pesquisa chamada “pesquisa de campo” (TOZONI-REIS, 2007). No que diz respeito às
técnicas e instrumentos de pesquisa, realizaremos: a) observação; b) registro etnográfico; c)
entrevista e questionário; d) transcrição de entrevista; e) pesquisa documental; f) análise de
conteúdo; e g) produção textual. Sobre a pesquisa de campo, diz-se que “é a observação dos
fatos tal como ocorrem e não permite isolar e controlar as variáveis, mas perceber e estudar as
relações estabelecidas” (RODRIGUES, 2007, p. 4). Considerando as proposições de
Gonçalves (2011, p. 18) a respeito da pesquisa de campo – quando atenta para o “como?”, o
“onde?” e o “como?” – fizemos observações e registro in loco com os sujeitos elencados,
além de realizar entrevistas temáticas. Sobre as entrevistas, tomamos como base os preceitos
das Ciências Sociais naquilo que diz respeito às “entrevistas temáticas”, entendidas como
aquelas “que versam prioritariamente sobre a participação do entrevistado no tema escolhido”
(ALBERTI, 2005, p. 175). Feitas as entrevistas, passou-se para a produção documental, tanto
em áudio e vídeo quanto na forma textual, daquele material produzido. Para a realização das
entrevistas, foram utilizados gravador de voz e câmera contidos em nossos aparelhos
celulares, a fim de registrar em áudio e vídeo, os depoimentos durante as entrevistas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A cidade de Eirunepé sedia um dos municípios mais distantes da capital do Estado do
Amazonas, na medida em que está localizada a cerca de 1.160 km de distância em linha reta e

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4819

a cerca de 3.800 km, quando medida a distância pela via fluvial. O município ocupa uma área
de 15.832 km², ao passo que o perímetro urbano ocupa apenas 4,3172 km². A população do
município está estimada em 33.580 pessoas, de acordo com o censo de 2014, realizado pelo
IBGE. Daí, conclui-se ser este o vigésimo município mais populoso do Amazonas e o
primeiro mais populoso da microrregião do Juruá, além de ser um centro sub-regional do
estado (FUNAI, s/d, s/p.).
Dos 33.580 habitantes do município de Eirunepé, 2.200 são indígenas, distribuídos em
38 aldeias, sendo que destas 18 são da etnia kanamari e 20 da etnia kulina. Estas aldeias estão
localizadas nas (a) terras indígenas Kanamari, do Rio Juruá, (b) Kulina, do Médio Juruá e (c)
Mawetek, constituindo cerca de 7.000 km². Além destas, há cerca de 15 famílias residentes na
sede do município, o que constitui um grupo de cerca de 50 pessoas (FUNAI, s/d, s/p.).
Apesar de a grande maioria dos indígenas neste município viverem como os seus
ancestrais pré-cabralinos – nas aldeias, retirando seu sustento da agricultura, da coleta de
frutos silvestres, da pesca artesanal, e da caça. Alguns também vivem do comércio de
artesanato, vendendo principalmente nos centros urbanos. Também tem-se um número de
aproximadamente 50 indígenas que trabalham no serviço público de educação e saúde, 116
famílias cadastradas no Programa Bolsa Família e aproximadamente 80 indígenas que são
beneficiários de aposentadoria por idade e/ou invalidez (FUNAI, s/d, s/p.). Daí, tem-se uma
das principais motivações para o contato destes indígenas aldeados com os grupos não
indígenas e urbanos.
Uma outra motivação para a vinda dos indígenas aldeados ao centro urbano de
Eirunepé é a busca de atendimento à saúde. Sabe-se que o atendimento à saúde indígena
dar-se tanto “em aldeia” quanto na cidade. O atendimento urbano é realizado no âmbito da
Casa de Saúde Indígena – CASAI, que é o centro de atendimento à saúde indígena daqueles
sujeitos que se deslocam das aldeias para serem atendidos no centro urbano de Eirunepé.
Além do atendimento na CASAI, estes indígenas são alocados na Casa do Índio, localizada
no centro da cidade, onde podem morar o tempo que acharem necessário (TISS;
HERNANDES, [2007], p. 2).
Se no passado, os contatos interétnicos ocorriam motivados pelos não indígenas,
durante o processo de colonização da região, nos dias atuais – com os não indígenas já
estabelecidos – o processo ocorre de maneira inversa: são os indígenas que adentram a
sociedade não indígena, em busca (a) de trabalho e renda (b) de benefícios sociais fornecidos
pelo Estado e (c) de atendimento à saúde, também fornecido pelas instituições do Estado
Brasileiro. Nisto, detectamos as “trocas patológicas” neste novo contexto.
Sobre este fenômeno, o Diretor da CASAI de Eirunepé – AM, quando perguntado
acerca das doenças que afetam os indígenas, nos diz o seguinte: “diarreias, pneumonia,
tuberculose, malária, desnutrição, essas são as principais patologias que nós tratamos na
CASAI”. Dito isto, perguntamos se as doenças tratadas nos indígenas diferiam daquelas que
afetam os não indígenas, da qual obtivemos a seguinte resposta: “(...) não muito, porque as
patologias (...) não divergem muito (...) não é muito diferente. Geralmente elas se associam,
principalmente com os que passam muito tempo na cidade, como eles falam, contraem as
doenças do branco, vem pra cá, aí pegam gripe e tal aí adoecem e levam doença do branco
pra lá [para a aldeia] (...)”.
Em estudo realizado entre setembro de 2000 e agosto de 2001, Tiss e Hernandes
([2007]) nos apresentam dados bastante significativos, se atentarmos para a relação entre a
gripe e a malária que afetam os indígenas. Os dados apresentados pelas autoras dão conta de
que – no período – foram registrados 90 casos das Infecções Respiratórias Altas – IRAS – nas
quais estão incluídos os casos de gripe - e apenas 13 casos de malária entre os indígenas
atendidos pelo serviço de saúde indígena no município de Eirunepé, tanto o atendimento
realizado “em área” – diga-se, nas aldeias – quanto o atendimento realizado na CASAI. Num

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olhar comparativo entre (a) o atendimento em área e (b) o atendimento na casa de saúde,
sendo que 53 casos ocorreram em área e 37 na CASAI, respectivamente (TISS;
HERNANDES, [2007], p. 3).
A gripe é uma doença contagiosa resultante da infecção pelo vírus influenza, que ataca o
nariz, os seios nasais, a garganta, os pulmões e os ouvidos. Nos seres humanos, o vírus se liga
à mucosa do aparelho respiratório e é mais perigosa em crianças, idosos e pessoas com
resposta imunológica deficiente (ROCHE, 2013). Já afirmamos que a gripe foi uma daquelas
doenças introduzidas pelos europeus nas Américas, tendo sido responsável pela morte de
parcela significativa da população nativa, que não dispunha de resposta imunológica ao
ataque dos vírus. Ademais, a gripe – bem como outras “doenças de brancos” que afetam os
indígenas - destaca-se como uma patologia que possui como características principais (a) o
alto poder de contágio e (b) a ação coletiva sobre todo o grupo, atacando as populações
indígenas em grande escala (CARNELO; BUCHILLET, 2006, p. 253).
A (a) gripe tem se tornado uma patologia cada vez mais “comum” - quando tomada
como uma “doença externa” (dsamacoma) entre os indígenas da etnia Kulina, ao lado (b) da
diarreia, (c) das doenças dermatológicas, (d) de ferimentos e (e) de mordidas de animais -
sendo percebida como uma patologia “fugaz” (POLLOCK apud TISS; HERNANDES,
[2007], p. 15). Todavia, o vírus influenza (causador da gripe) tem sido alvo das políticas
públicas na área da saúde indígena, na medida em que – até maio de 2015 - 183 mil dozes
foram aplicadas aos indígenas em todo o país e, até o final do ano, se pretende alcançar a
universalização desta vacinação em todo o país (BRASIL, 2015).
No que tange à questão da malária, perguntamos acerca da transmissão da doença dos
indígenas para os não indígenas, na medida em que seriam os indígenas os responsáveis por
“trazerem a malária para a cidade”, no sentido de que o vírus estaria encubado nos seus
corpos e o mosquito transmissor, picaria o indígena infectado e, a posteriori, picaria o não
indígena, infectando-o. Para esta questão, o Diretor da CASAI disse: “(...) é comum, nós
temos relatos que aqui na cidade não tinha nem um caso de malária. Quando os indígenas
começaram a vir, já vieram infectados e na cidade tinha o transmissor, o anofelino. Então ele
infectou o anofelino e o anofelino se encarregou de infectar a população, os moradores do
bairro (...) mas é comum isso (...) já aconteceu sim (...) antigamente o branco transmitia pro
índio, mas nesse sentido aí é outro né [?!] porque eles [os indígenas] “levam” [a gripe], mas
também trazem”.
Sabe-se que a malária é uma doença causada pelo parasito do gênero Plasmodium, um
agente etiológico que provoca malária humana a partir de quatro espécies, sejam (a) o
Plasmodium falciparum, responsável pela forma mais grave e letal da doença, (b) P. vivax, (c)
P. marariae e (d) P. ovale, sendo que esta última só foi registrada, até o momento, na África.
Sobre a transmissão desta doença, a mesma “(...) ocorre por meio da picada de fêmeas
infectadas de mosquitos do gênero Anopheles, sendo mais importante a espécie Anopheles
darlingi, cujos criadouros preferenciais são coleções de água limpa, quente, sombreada e de
baixo fluxo, muito frequentes na Amazônia brasileira” (BRASIL, 2010, p. 9).

A infecção inicia-se quando os parasitos (esporozoítos) são inoculados na pele pela


picada do vetor, os quais irão invadir as células do fígado, os hepatócitos. Nessas
células multiplicam-se e dão origem a milhares de novos parasitos (merozoítos), que
rompem os hepatócitos e, caindo na circulação sanguínea, vão invadir as hemácias,
dando início à segunda fase do ciclo, chamada de esquizogonia sanguínea. É nessa
fase sanguínea que aparecem os sintomas da malária. (BRASIL, 2010, p. 9).

Dentre os principais sintomas, destacam-se (a) dores de cabeça e no corpo, (b) fraqueza,
(c) febre alta, (d) calafrios, (e) dores abdominais e ainda (f) dores nas costas, (g) tontura, (h)
náuseas e (i) vômito (BRASIL, 2010).

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4821

Os casos de malária no Brasil têm diminuído gradativamente. Entre 2000 e 2010, houve
uma redução de cerca de 70% dos óbitos no Brasil, mesmo sendo a malária considerada a
quinta doença que mais mata no mundo (BRASIL, 2012). Entre as principais estratégias para
a redução destes números está (1) o diagnóstico precoce, (2) o tratamento oportuno e eficaz
dos casos e (3) a promoção de medidas específicas de controle do mosquito transmissor.
Todavia, há – ainda – um quadro preocupante da doença, na medida que, em 2008, foram
registrados cerca de 300 mil casos da doença, sendo que 99,9% destes ocorreram na
Amazônia Legal. Deste total, cerca de 90% dos casos foram provocados pelo Plasmodium
vivax (BRASIL, 2010, p. 7). Para o estado do Amazonas, foram registrados 62.416 casos de
janeiro a novembro de 2014, enquanto que o município de Eirunepé registrou um total de
5.201 casos, o que representa 8,33% do total de casos no estado, ficando apenas atrás do
município de Lábrea – com 7.016 casos – e à frente de Manaus, que registrou 5.025 casos no
mesmo período (G1, 2015).
Quando analisamos os casos de malária registrados em Eirunepé – AM, percebemos o
quão preocupante é a situação de risco para os grupos sociais, tanto os indígenas quanto os
não indígenas. Se aqueles possuem uma resposta imunológica significativa daquela doença, os
não indígenas acabam por serem mais afetados. Daí, serem necessárias medidas profiláticas
que reduzam os danos desta patologia naquele município.
Dada a existência de populações indígenas que vivem no município de Eirunepé – AM
e que mantém contatos com grupos não indígenas – especialmente no núcleo urbano e em
contatos motivados (a) pelo trabalho, seja no serviço público, seja no comércio de artesanatos,
(b) pelo recebimento de benefícios sociais e (c) pelos tratamentos de saúde – são criadas
condições insatisfatórias de transmissão de doenças entre estes dois grupos étnicos, sejam
indígenas e não indígenas.

CONCLUSÕES
Com a realização deste trabalho, pode-se perceber que as “trocas patológicas” entre
indígenas e não indígenas ainda são bastante significativas, tendo se constituído enquanto um
fenômeno histórico que persiste até os dias de hoje.
Pode-se perceber, ainda, que as idas dos indígenas à cidade acabam por propiciar o
contato dos indígenas com as chamadas “doenças de branco” – notadamente a gripe – doenças
estas que são contraídas e “levadas” para as aldeias, o que acaba por acarretar num contágio
coletivo daqueles indígenas que não tinham tido contato com a doença.
Se, por um lado, há um contágio dos indígenas com as “doenças de branco”, estes
também sofrem com aquelas patologias trazidas das aldeias para a cidade, como é o caso da
malária, que tem afetado parcela significativa da população de Eirunepé – AM.
Por fim, concluímos que este trabalho atenta para os contatos interétnicos e o
intercâmbio patológico que se mostra bastante prejudicial a todos. Desta forma, o trabalho –
ainda que limitado – inaugura uma discussão que precisa desembocar em medidas profiláticas
mais efetivas e eficazes para a redução dos problemas de saúde entre os indígenas e os não
indígenas.

AGRADECIMENTOS
Agradecimentos ao Chefe da CASAI de Eirunepé, o Senhor Deuzimar, que nos
concedeu entrevista e nos forneceu dados acerca do atendimento à saúde indígena.
Agradecimentos também aos Diretores do IFAM/Campus Eirunepé - o Professor
Orlando (Diretor de Ensino), o Professor Feitosa (Diretor Administrativo) e o Roquelane
(Diretor Geral) - pelo apoio dado à pesquisa.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4822

REFERÊNCIAS

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4824

A IMPLANTAÇÃO DA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA


EM CODÓ/MA
Antonio Carlos Mesquita de Souza1, Luis Fernandes de Sousa Filho2,
Ana Karla Araujo Silva3, Patrícia Nepomuceno dos Santos4,
Erisvaldo Silva de Oliveira5, Nathália de Moraes Sousa6
1
Discente do curso de Licenciatura em Ciências Humanas/História – UFMA.
e-mail: acmdefe@yahoo.com.br; 2Discente do curso Licenciatura em Química – IFMA. Bolsista do PIBID.
e-mail: luisquimica2014@gmail.com; 3Discente do curso de Licenciatura em Química- IFMA.
e-mail: anakarlaaraujosilva@outlook.com; 4Discente do curso de Licenciatura em química – IFMA.
e-mail: patricianepomuceno415@hotmail.com; 5Discente do curso de Licenciatura em Química – IFMA.
e-mail: erisvaldo.senju@gmail.com; 6Discente do curso Licenciatura em Química – IFMA. Bolsista do PIBID.
e-mail: nathalia.moraes45@gmail.com

RESUMO: O artigo tratou de buscar realizar um levantamento histórico da Pedagogia da


Alternância desde a sua origem na França até sua chegada à cidade de Codó - MA,
especificamente na comunidade quilombola de Monte Cristo, tal pretensão foi realizada pelos
bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a docência (PIBID) da
Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal da Educação Superior (CAPES), do Curso de
Licenciatura em Ciências Humanas do Campus VII da Universidade Federal do Maranhão
(UFMA), destacando brevemente os pontos que podem ter contribuído para a invenção desse
método inovador de formação integral do ser humano pelos campesinos, empobrecidos, e
oprimidos pelo capital, mas também, denunciar a ineficácia na atuação do Estado junto às
populações campesinas.
Palavras-chave: camponeses, comunidade quilombola, método inovador, pedagogia da
alternância, PIBID.

IMPLEMENTATION OF PEDAGOGY OF ALTERNATION


IN CODO/MA
ABSTRACT: The article tried to get hold a historical survey of the Pedagogy of Alternation
from its origin in France until his arrival in the city of Codó - MA, specifically in the maroon
community of Monte Cristo , this claim was made by scholars of the Institutional Program
Initiation Scholarships teaching (PIBID) of the Higher Education Staff Development
Coordination (CAPES), Course of Degree in Humanities Campus VII of the Federal
University of Maranhão Sciences (UFMA), briefly highlighting the points that may have
contributed to the invention of this innovative method of integral formation of the human
being by the campesinos, impoverished , and oppressed by capital, but also denounce the
inefficiency in state action with the peasant populations.
KEYWORDS: peasants, maroon community, innovative method, the alternation pedagogy,
PIBID.

INTRODUÇÃO
O presente artigo tem a pretensão de divulgar parte do estudo elaborado pelos bolsistas
do Programa de Institucional de Bolsas de Iniciação a docência (PIBID) da Coordenação de
Aperfeiçoamento do Pessoal da Educação Superior (CAPES), do Curso de Licenciatura em
Ciências Humanas do Campus VII da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), no
período de três anos e dez meses (agosto/2011 a junho/2015) de atuação como bolsistas, cuja
parte em destaque trata da implantação da Pedagogia da Alternância (PA) na Escola Família
Agrícola Irmã Rita Lore Wicklein, conhecida como EFA Codó, estando localizada na

X Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação 2015


Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4825

comunidade Quilombola Monte Cristo, distante a cerca de 40 quilômetros da sede do


Município de Codó.
O município de Codó está localizado na mesorregião leste maranhense, na Microrregião
Codó, a uma distância de 290 km de São Luis - a capital do estado, tendo uma população
urbana de 81.045 e Rural de 36. 993, totalizando 118.072 habitantes, disposta em uma área de
4361, 341 Km² (Censo 2010)1.
A cidade se desenvolveu às margens de uma das principais bacias hidrográficas do
Maranhão, para ser mais preciso, a segunda maior bacia genuinamente maranhense de acordo
com Feitosa (2002), o Rio Itapecuru que corta a cidade de Codó e foi eternizado nas letras de
seu hino, esse mesmo rio que em suas proximidades se desenvolveram partes significativas da
história do Estado do Maranhão.
O trabalho buscou realizar um levantamento histórico da Pedagogia da Alternância
desde a sua origem até sua chegada aqui no Brasil e sua abrangência à cidade de Codó/MA,
destacando brevemente os pontos que podem ter contribuído para a invenção desse método
inovador de formação integral do ser humano pelos campesinos empobrecidos.
Mas também de forma indireta, denunciou a ausência de políticas públicas ou políticas
adequadas para as populações urbanas adotadas de forma imperativa para as comunidades
campesinas, que em sua essência termina por fortalecer o êxodo rural, o abandono escolar,
aumento das favelas nos centros urbanos sem infraestrutura, dentre outras problemáticas.

MATERIAL E MÉTODOS
A análise teórico-empírica partiu das observações, registros infográficos e relatórios de
mais de três anos como bolsista do PIBID/CAPES do curso de Licenciatura Interdisciplinar
em Ciências Humanas - História, durante as práticas pedagógicas realizadas na Escola Família
Agrícolas (EFA) Irmã Rita Lore Wicklein na comunidade quilombola do povoado Monte
Cristo, zona rural de Codó – MA (SOUZA, 2015).
Para o levantamento de dados que abordou o histórico da EFA fez-se uso de pesquisas
no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola em questão, de entrevista com o
docente/monitor Pedro Auri Lopes, por se tratar de um dos monitores que está na instituição
desde sua fundação, relatório da instituição e de busca de referencial bibliográfico. A seguir
realizou-se uma série de entrevistas com os pais dos discentes buscando saber sua motivação
da escolha da EFA Codó para matricularem seus filhos. Esta última etapa encontra-se ainda
em andamento, não tendo sido possível relatar seus resultados preliminares (SOUZA, 2015).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Pedagogia da Alternância (PA) é um movimento educativo que vem se aprimorando
ao longo do tempo e do espaço, tendo nascido no seio da comunidade camponesa na França,
como resposta à ausência de uma escola no meio rural que oferecesse uma educação, onde a
sua prática de ensino partisse do tangível, da realidade do camponês, da sua vida familiar, em
comunidade e das suas atividades cotidianas, para o global, valorizando e dando sentidos ao
sujeito em formação, seu trabalho e suas tradições locais. De acordo com Wolochen (2008), a
PA é um modelo de educação que nasceu da insatisfação dos jovens franceses.

A Pedagogia da Alternância é uma proposta educacional que surgiu, na França


nascida da insatisfação dos filhos dos agricultores com o modelo educacional
francês que pouco considerava o meio rural. A insatisfação dos jovens franceses
propiciou muita discussão, pois, estes não sentiam motivação para freqüentar uma
escola com conteúdos que não tinham significado para sua vida e para a profissão de
agricultores. É nesse contexto que surge a Pedagogia da Alternância como uma

1
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/estadosat_censodemog2010 Acessado 11/02/2015 às 16h20min.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4826

forma de educação escolar capaz de atender as especificidades educacionais para


jovens agricultores.

Nessa pedagogia os agentes são os diferentes atores, “alternantes 2”, sendo esses os
discentes. Seus pais, os monitores e monitoras, a associação, etc. completam o time que
culmina nesse projeto, onde a ênfase maior recai logicamente nos ombros dos jovens em
formação. Segundo Gimonet (2007, p. 19) esses “jovens (pré-adolescentes, adolescentes ou
jovens adultos)” não se tratam de alunos convencionais, eles são atores protagonistas nesse
processo de ensino-aprendizagem, inseridos numa dada conjuntura de vida e em um dado
território.
Observou-se que nas pesquisas realizadas sobre a Pedagogia da Alternância, o monitor
(nome dado aqueles que exercem a função de lecionar as disciplinas, visitar as famílias,
interagir diretamente com os discentes, ser o motor motivacional no grupo, etc.), têm suas
funções ampliadas, ao se comparar aos professores das demais instituições de ensino, seja
pública ou privada, localizadas independentemente da sede ou Zona Rural da cidade, de
acordo com Gimonet (2007, p.20) “os ‘monitores’ têm uma função e papeis bem mais amplos
que aqueles de um docente ou professor.”
“A formação por alternância [...] parte da experiência da vida quotidiana (familiar,
profissional, social) para ir em direção à teoria, aos saberes dos programas acadêmicos, para
em seguida, voltar à experiência, e assim sucessivamente” (GIMONET, 2007, p. 16). A esse
processo dar-se o nome de tempo escola - tempo comunidade.
Segundo Silva (2006, p. 6), “a alternância, enquanto princípio pedagógico, mais que
característica de sucessões repetidas de seqüências, visa desenvolver na formação dos jovens
situações em que o mundo escolar se posiciona em interação com o mundo que o rodeia”, ou
seja, alternância não se traduz em tempos onde, um dedica-se ao trabalho enquanto o outro ao
estudo, ela diz respeito à forma de interação desses tempos para produção de conhecimento.
É inegável que a pedagogia da alternância tem metodologia e instrumentos pedagógicos
próprios para aplicação e desenvolvimento de sua ação educativa, onde o discente traz de casa
o conhecimento empírico. Esse se torna objeto de problematização no ambiente escolar
(tempo escola). Durante o convívio com os demais agentes alternantes e logo após esse
período na escola, esse discente retorna à sua localidade buscando agir sobre a sua realidade
com uma compreensão da causa bem maior (tempo comunidade). Fazendo uso desses
instrumentos metodológicos, ao que Gimonet (2007, p. 29) relata que “a experiência deve ser
considerada, ao mesmo tempo, como suporte de formação, reservatório de saberes e cadinho
educativo3”.
Além disso, pode-se perceber que a Pedagogia da alternância está fundamentada sobre
“quatro pilares”, segundo Gimonet (2007, p. 15) os dois pilares de ordem das Finalidades:
formação integral (projeto pessoal) e Desenvolvimento do meio (socioeconômico, humano,
político...) e dois pilares de ordem dos Meios: Alternância (um método pedagógico) e a
Associação (pais, famílias, profissionais, instituições).
É notório que a pesar dessa metodologia pedagógica se parecer de fácil compreensão e
simples aplicabilidade, a PA é complexa e, essa complexidade exige de seus agentes um
grande comprometimento com a causa. A Pedagogia da Alternância (PA) é um movimento
pedagógico que prognostica a Pedagogia da Complexidade, como qualifica Gimonet (1998, p.
47), ser ela:

2
Termo usado por Juan Cano para designar os atores desse movimento - Presidente da Associação Internacional
dos Movimentos Familiares de Formação Rural - MFR, no prefácio do Livro de Jean-Claude Gimonet – Praticar
e Compreender a Pedagogia da Alternância dos CEFFAS.
3
Lugar onde coisas ou pessoas se misturam – Dicionário Informal. Disponível em
<www.dicionarioinformal.com.br>. Acessado em 22/07/2015.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4827

uma necessária educação sistêmica que considera a pessoa nas suas diferentes
dimensões, na sua trajetória de vida, no seu meio ambiente; que considere a
multiplicidade e diversidade das fontes do saber e seus meios e difusão, que coloca o
aprendiz mais como um produtor do seu saber do que como consumidor como
sujeito de sua formação.

Em consonância com esse método pedagógico, Edgar Morin (2003, p. 13) propõe uma
reforma no pensamento, uma mudança que transforme radicalmente a maneira de pensar,
ensinar e aprender. Além de defender a valorização de um pensamento não fragmentado
(ensinamento interdisciplinar), que permita que homens e mulheres enxerguem o mundo e a
humanidade de maneira contextualizada, abrangente e completa (sistêmica).
Para tratarmos da implantação da Pedagogia da Alternância na cidade de Codó, achou-
se por bem realizar-se uma abordagem espaço-temporal linear desde a chegada desse método
inovador ao país.
Nestes termos o projeto das EFA começou a ser constituído no Brasil partir de 1968,
sob liderança do padre jesuíta Humberto Pietogrande, da Companhia de Jesus, que se
solidarizou com a população empobrecida daquele Estado e notou a necessidade da
implantação da Pedagogia da Alternância no Espírito Santo, local de sua missão pastoral onde
havia chegado em 1965, em virtude do enorme êxodo rural, aumento crescente do
desemprego e criminalidade nos centros urbanos, à mão-de-obra não qualificada da maioria
dos migrantes alemães e italianos desta região (PESSOTI, 1978).
Funda-se assim sob coordenação de pároco Pietogrande, o MEPES (Movimento de
Educação Promocional do Espírito Santo) em 1968, instituição civil e que se tornaria a
mantenedora da EFA e com o apoio financeiro de outras entidades, dentre elas a Associação
dos Amigos do Estado do Espírito Santo (AES), organização não governamental (ONG)
criada na Itália para ajudar na implantação e manutenção da PA no Brasil (NOSELLA, 1977).
Já no Maranhão para compreendermos o porquê da adoção dessa pedagogia precisamos
destacar alguns dados que ainda se fazem atuais nesta conjuntura. O Estado do Maranhão
destaca-se pelas questões fundiárias e uma intensa disputa por terras, levando a um grande
índice de violência no campo registrada e denunciada por pesquisadores e lideranças de
movimentos sociais deste estado.

Em 1985, de acordo com dados do Plano Regional de Reforma Agrária, registraram-


se mais de cem conflitos de terras que envolviam mais de 15.000 lavradores, numa
área estimada em mais de dois milhões de hectares (ALMEIDA, 1995). Ressalta-se
que, nos anos anteriores, conforme citado no segundo capítulo, o número de
conflitos já era elevado e, entre os anos de 1981 e 1982, envolviam mais de 11 mil
trabalhadores (SILVA, 2013, apud ALMEIDA, 1995, 1982, p. 100).

No que se refere à educação do estado o relatório de estudos do Instituto de Pesquisa


Econômica Aplicada – IPEA e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE,
divulgados ainda em 2009, já apontavam que no estado o percentual de analfabetos de faixa
etária de 15 ou mais anos era de 19%, na Região Nordeste de 18,7%, enquanto a média
nacional ficava aproximadamente em 9,7%. Significa dizer que a porcentagem de analfabetos
no Estado do Maranhão supera e muito a media nacional, sendo um pouco maior que a da
Região Nordeste (BRASIL, 2010).
Segundo o levantamento do Programa das Nações unidas para o Desenvolvimento –
PNUD (2011, p. 18) em parceria com o estado do Maranhão, a média de ano de estudos da
população maranhense de 15 anos ou mais é 5,6 anos. O Maranhão também fica atrás da
média do Brasil, essa se fixando em 7,2 anos de estudos.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4828

O Estado do Maranhão tem alcançado em porcentagem 15% da população campesina


para o Ensino Médio e 20% para os anos finais do Ensino Fundamental, ou seja, mais da
metade da população está sem estudar por falta de ofertas de vagas (PNUD, 2011, p. 19).
Todas essas problemáticas apresentadas no Estado do Maranhão fizeram essa população
sofrida, trabalhadora, empobrecida e campesina mobilizar-se com o apoio das paróquias que
assistenciaram-nas a se organizarem para implantação de uma escola à proposta pedagógica
diferenciada, feita pelo povo do campo, no campo e para o povo do campo.
O começo da história da EFA no Maranhão se deu na década de 1980, com o apoio da
Vice Província Franciscana da Assunção (Piauí e Maranhão), por ocasião dos diversos
conflitos por terra e a expropriação do trabalhador campesino do meio de sustento de sua
família, a terra. Os padres da Vice Província contribuíram com a formação motivando e
municiando um grupo de liderança e os incentivaram a fazerem uma visita às EFA do estado
do Espírito Santo, o que teve como conseqüência criação da EFA de Porção de Pedras
(UAEFAMA, 2011).

Hoje, o Estado do Maranhão conta com exatos vinte e uma (21) EFAs, porém uma
(1) encontra-se fechada, por conta do tempo e da limitação da pesquisa, ficou
inviável a investigação das principais motivações que resultaram no fechamento da
instituição, assim como um levantamento mais aprofundado se faz necessários sobre
as demais EFAs do Estado (SOUZA, 2015).

Em Codó os percursos para a implantação da Pedagogia da Alternância têm algumas


semelhanças em relação à do Brasil assim como a do Maranhão, entretanto, também
apresenta certas peculiaridades, haja vista os agentes protagonistas em questão a pesar de
serem campesinos, têm vivências diferentes, pode-se dizer que são homens e mulheres do
seu tempo.
Codó registra um índice de desenvolvimento humano (IDH) por volta de 0,558, o qual
está abaixo da média nacional e mesmo da média estadual. Seu índice de desenvolvimento na
educação básica (IDEB, 2013) para os anos finais do Ensino Fundamental foi de 3,0, abaixo
da meta estabelecida para o município, estimada ao IDEB em 3,7. Para os anos iniciais do
Ensino Fundamental, o município também não atingiu a meta de 3,9 em 2013, ficando com
índice de 3,6 de IDEB.
Quanto ao número de estabelecimentos de ensino da rede municipal, existem na Zona
Urbana da cidade, de acordo com dados da Secretaria de Municipal de Educação (SEMED)
sessenta e três escolas (63). O fato de na Zona Rural haver uma quantidade significativa de
escolas, quando comparadas a da zona urbana, não significa necessariamente que esse ensino
ofertado para as populações campesinas de Codó seja de qualidade igual ou superior que no
perímetro urbano, para responder essa indagação precisa-se de estudos mais aprofundados,
que por conta do tempo não foi possível.
De acordo com os dados fornecidos pela SEMED 2015, das cento e sessenta e duas
(162) escolas da Zona Rural da cidade, sessenta e quatro (64) dessas são construídas de taipa,
três (03) dessas escolas são as capelas (construção de taipa) das comunidades que foram
cedidas para que os filhos dos agricultores, juntamente com os das demais comunidades
circunvizinhas pudessem estudar.
Uma unidade de nome: Escola Municipal Cristo Rei (alvenaria) no povoado Vila São
Miguel, é uma casa alugada, outra no povoado KM 17, a 17 km da sede do município é de
alvenaria, mas de particulares. Temos ainda uma escola de taipa que funciona em um galpão
cujo nome: Escola Municipal Deus é Grande, localizada na comunidade Buriti Corrente, as
demais instituições educacionais situadas na Zona Rural são edificações de alvenaria.
(SEMED, 2015).

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4829

A EFA Codó se constituiu a partir das aspirações de um jovem conhecido popularmente


como Dute, “Raimundo Pereira do Nascimento” (PPP, s/d), tornou-se conhecedor da PA
quando esteve estudando na Escola Família Agrícola de Coroatá/MA, ao ver uma instituição
nos mesmos moldes em Codó. Sendo o mesmo um jovem atuante em sua comunidade e bem
articulado, que partilhava nas reuniões e nos encontros das comunidades, a metodologia
aplicada por aquela instituição;

Rapaz é uma história LONGA (o professor demora em dar prosseguimento ao


diálogo, acredita-se que esse silêncio tenha sido para melhor elaborar sua resposta).
Na década de noventa havia um jovem (durante a entrevista o nome desse jovem não
foi citado pelo entrevistado) no povoado Rumo que conhecia a Escola Família do, de
Coroatá, e ele trouxe essa idéia que espalhou-se por, por toda região da, da
comunidade paroquial de Santa Terezinha a um momento, quando a gente chegou,
por exemplo: 96, 97 (o professor demonstra nesse momento que as memórias a
respeito das datas estão falhas), havia um (as palavras do professor ficam inaudível),
já mais alunos de Codó em Coroatá do que do próprio município de Coroatá 4

A Equipe de Jovens Missionários Cristãos (EJOMIC) da paróquia de Santa Terezinha,


localizada na periferia da cidade de Codó, no bairro Santa Terezinha, tem atuação com ações
sociais nessa periferia, mas também em comunidades rurais de abrangência da paróquia.
Juntamente com a “Região da Sentada: Bom Jesus, Mocorongo, Barro Branco, Bate Calado
do Marcolino, Soledade, Santa Luz e Lagoa do Costa” fundaram em 1991 o Conselho
Comunitário Rural de Codó (CCR), onde mais tarde incorporaram em seus quadros as
comunidades da Região de Santo Antonio dos Pretos às quais são: Livramento, Matões, Boa
Esperança da Orcaisa e Centro do Expedito. (Relatório cedido pela equipe pedagógica da
EFA, s/d).
O CCR desenvolveu trabalhos de cunho social nas comunidades que prestavam
assistência, segundo o relatório cedido pela equipe pedagógica, e em colaboração com o
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) e a Comunidade dos Padres e
das Irmãs Palotinas de Codó, almejando a articulação e organização das comunidades rurais
em busca da inclusão:

Excluídos, discutíamos em nossas reuniões e encontros os direitos do cidadão,


entre eles a moradia, terra, trabalho, saúde e educação de qualidade.
Representando a comunidade Santa Luzia do Povoado Rumo, veio compor o
conselho, o jovem ex-aluno da Escola Família Agrícola de Coroatá – EFA,
Raimundo Pereira do Nascimento, daí passamos a conhecer a Pedagogia da
Alternância e a sua importância para as nossas comunidades. Em 1994 alguns
alunos das comunidades de Bom Jesus, Rumo, Sentada, e Centro do Expedito
foram estudar na EFA de Coroatá, daí iniciou-se uma série de cursos, encontros e
seminários sobre a Pedagogia da alternância organizados por aquela EFA, onde
pais e lideranças comunitárias do município de Codó participavam. Em 1995 foi
instituída a EQUIPE DE ARTICULAÇÃO PARA IMPLANTAÇÃO DA EFA
CODÓ, esta era composta por Mario Sergio, José Luis, Maria da Piedade e
Raimundo Pereira (dute) (PPP, s/d, p. 4).

Após encontros como o citado acima e uma série de mobilizações, em 13 de julho de


2003, depois de três (3) dias de discussões sobre a Escola que temos e a escola que
queremos, com a presença de sessenta (60) comunidades, foi instituída a Associação das

4
LOPES, Pedro Auri. Constituição da EFA – CODÓ na cidade. Escola Família Agrícola Irmã Rita Lore
Wicklein. 16 de março de 2015 - Com monitor mais antigo da instituição, o qual vivenciou os dez anos de
existência da EFA e tendo 10 anos de EFA, este monitor tem dedicado boa parte de sua vida a essa escola, que é
um exemplo de resistência das populações campesinas aos modelos de educação impostos no campo.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4830

Famílias Rurais Alunos e Ex-alunos da Escola Família Agrícola de Codó (AFRAEEFAC),


segundo o PPP (s/d). E em 25 de abril de 2005 foi construída a Escola Família Agrícola Irmã
Rita Lore Wicklein tendo 65 alunos participantes.

No final de 2004. Recebemos através da União das Associações das Escolas


Famílias Agrícolas do Maranhão (UAEFAMA) de uma organização belga a
Solidariedade Internacional dos Movimentos de Formação Rural (SIMFR), a quantia
de R$ 49.186,53, com esse recurso demos início a construção do prédio, durante a
construção recebemos R$ 10.000,00 da Comunidade dos Padres Palotinos de Codó,
com a construção inacabada, deu-se inicio as aulas no dia 25 de abril de 2005 com
65 alunos participando (PPP, s/d, p. 5).

CONCLUSÕES
Essa pesquisa tornou possível conhecer, ainda que superficialmente, a formação por
alternância desenvolvida na Escola Família Agrícola, escola onde se busca uma formação
integral do ser humano, que visa um cidadão comprometido com as questões sociais,
ambientais, econômicas, intelectuais, etc., sem, contudo, um desses se sobrepor aos outros.
Por fim, temos uma escola construída pela própria comunidade quilombola organizada,
que consciente de seus direitos assume a educação de seus filhos e luta por melhorias no
IDEB, além da busca de qualidade de vida tanto no ambiente escolar quanto no convívio no
campo. E por fim se faz necessário enfatizar as limitações que persistem nesse artigo, uma vez
que a situação das EFAs no estado do Maranhão, assim como no país ainda carecem de
estudos mais aprofundados.

AGRADECIMENTOS
Essa pesquisa só foi possível com o apoio das seguintes instituições CAPES - PIBID –
UFMA; Grato ao prof. Dr. José Carlos Aragão Silva, diretor do Campus VII da Universidade
Federal do Maranhão - UFMA, e coordenador do Subprojeto do PIBID de Ciências Humanas;
Grato ao IFMA Campus Codó/MA, com o auxílio do Prof. Me. Alvaro Itauna Schalcher
Pereira, doutorando em Engenharia em Ciências de Alimentos pela UNESP – Campus São
José do Rio Preto.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, F. A. C. A experiência educativa de uma casa familiar rural e suas


contribuições para o desenvolvimento local. Trabalho de Conclusão de Curso (Mestrado em
Planejamento do Desenvolvimento Socioambiental) Belém, 2005. Universidade Federal do
Pará.

BRASIL (2010). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por


Amostra de Domicílios 1992-2012. Rio de Janeiro: IBGE.

FEITOSA, A. C.: A degradação ambiental do rio Itapecuru na sede do município de Codó-


ma. Caderno de Pesquisa, São Luís, v. 13, n. 1p. 31-45,jan./jun. 2002.

GIMONET, Jean-Claude: Praticar e compreender a Pedagogia da alternância dos


CEFFAS; tradução de Thirry de Burghgrave. - Petrópolis, RJ: Vozes, Paris: AIMFR –
Associação Internacional dos Movimentos Familiares de Formação Rural, 2007.

X Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação 2015


Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4831

LOPES, Pedro Auri. Constituição da EFA – CODÓ na cidade. Escola Família Agrícola
Irmã Rita Lore Wicklein. 16 de março de 2015 - Com monitor mais antigo da instituição, o
qual vivenciou os dez anos de existência da EFA e tem 10 anos de EFA.

MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento; tradução Eloá


Jacobina. 8ª Ed. - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. 128p.

NOSELLA, Paolo. Uma educação para o meio rural: sistematização e problematização


da experiência educacional das escolas da Família Agrícola do Movimento de Educação
Promocional do Espírito Santo. Trabalho de Conclusão de Curso (Mestrado em Filosofia
da Educação) - PUC/SP: 1977 - São Paulo, 1977.

PESSOTTI, Alda Luzia. A Escola Família Agrícola: uma alternativa para o ensino rural.
1978. 194 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Mestrado em Educação) – Fundação Getúlio
Vargas, Rio de Janeiro, 1978.

PROGRAMA DAS NAÇÔES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Relatório do


Diagnóstico da Educação Básica no Estado do Maranhão: Projeto de Cooperação
Técnica. Brasília: MEC; PNUD, 2011.

Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola Família Agrícola Irmã Rita Lore Wickein.

SEMED – Secretaria Municipal de Educação de Codó – Documento cedido pela instituição,


ano 2015.

SILVA, C. Desenvolvimento sustentável: um modelo analítico integrado e adaptativo.


Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2006.

SOUZA, A. C. A Escola Família Agrícola Irmã Rita Lore Wicklein na Perspectiva dos
Pais dos Discentes. 2015. 78p. Trabalho de Conclusão do Curso (Graduação em Ciências
Humanas/História) – UFMA Universidade Federal do Maranhão, Codó, 2015.

UAEFAMA (União das Escolas Família Agrícolas do Maranhão), documentação


pedagógica do arquivo da instituição, Bacabal, 2011.

WOLOCHEN, Maria Bernadete. A casa familiar rural e a pedagogia da alternância:


evidência e desenvolvimento local. 2008. 142p. Trabalho de Conclusão do Curso (Mestrado
em Organização e desenvolvimento) – FAI Centro Universitário Franciscano do Paraná -
Curitiba, 2008.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4832

INFÂNCIA NEGRA E ÍNDIA NOS REGISTROS


DE BATISMO EM MANAUS (1814-1834)
Ivanelison Melo de Souza¹, Orientador: Ygor Olinto Rocha Cavalcante²

¹Discente de Manutenção e Suporte em Informática – IFAM – Campus Coari. Bolsista do Pibic jr.
*ivanelisonmelodesouza@gmail.com; ²Mestre em História Social da Amazônia (PPGH/UFAM), discente do
curso de Especialização em Psicologia Clínica e Psicanálise (PPG/UNIARA); Chefe de Departamento de
Ensino, Pesquisa e Extensão – IFAM - Campus Coari. ygor.cavalcante@ifam.edu.br

RESUMO: A pesquisa vai estudar como as crianças negras e índias nascidas na Manaus nos
anos de 1814 a 1834 estavam colocadas na sociedade manauara através dos registros de
batismos, serão levantadas questões sobre a legitimidade, sistema de compadrio, redes de
poderes e como eles se transformaram em ferramentas para os escravos saírem da escravidão.
Palavras-chave: infância negra e índia, registros de batismo, redes de compadrio.

BLACK CHILDHOOD AND INDIA


IN BAPTISM RECORDS IN MANAUS (1814-1834)
ABSTRACT: The research will study how black children born and Indians in Manaus in the
years 1814-1834 were placed in Manaus society through baptismal records, they will be
raised about the legitimacy, crony system, power networks and how they became tools for
slaves come out of slavery.
KEYWORDS: black and Indian childhood, baptism records, crony networks.

INTRODUÇÃO
A presente comunicação tem como objetivo apresentar os registros de batismos de
crianças negras e índias, nos anos de 1814 a 1834, como uma fonte que possibilita a
identificação de vestígios dos processos educativos e de elementos do cotidiano privado das
crianças negras e índias nascidas na Manaus oitocentista. Os escravos da Manaus do século
XIX utilizaram o batismo como ferramenta contra a escravidão, eles criaram redes de
apadrinhamentos. O sistema de compadrio é uma das formas que as famílias escravas
acharam para que seus filhos pudessem transitar entre o mundo livre e o escravo. Os livros de
batismos também revelam a presença de diferentes etnias na cidade de Manaus naquela época.
Algumas dessas etnias viviam em rios muito distantes da cidade de Manaus, colocando em
questão situações de migrações forçada e escravização ilegal.

MATERIAL E MÉTODOS
Os métodos consistem em alguns aspectos teóricos e técnicos, através de conceitos e
procedimentos de abordagem. O primeiro conceito utilizado para a realização da pesquisa é o
de “redes de poderes” que, de acordo com a historiadora Hebe Mattos, subsidiada pela
reflexão de Michel Foucault, é a prática relacional que espelha objetivos precisos, individuais
ou de grupos, que se podem observar a partir de suas relações de continuidade no que se
refere aos principais grupos econômicos do período – os grandes negociantes e proprietários
de terras e de escravos – e as antigas famílias que controlavam os poderes locais e estendiam
sua esfera de influência não só para além dos próprios limites provinciais como em direção ao
poder central, cobrindo a geopolítica de antigas redes comerciais. As configurações de redes
de poderes acabavam por organizar uma determinada estrutura social onde a própria
identidade individual ainda se encontrava fortemente vinculada às relações familiares e às
redes sociais às quais estavam associadas. O que fazia com que, com frequência, antes de

X Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação 2015


Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4833

serem homens públicos, fossem os representantes dos interesses e negócios dos grupos e
famílias que os aproximaram do poder.

No sentido das aspirações políticas, outra estratégia importante representou a


preparação educacional das elites luso-brasileiras para ocupações de cargos
burocráticos, quando se observa a prática de se educarem nas melhores
universidades europeias desde meados do século XVIII, (...). Tal comportamento,
associado à acumulação das funções de controle administrativo no nível local,
permitiu uma aproximação maior ao poder central. (MARTINS, 2007, p. 428)

Vários escravos recorriam a essas pessoas para serem padrinhos de seus filhos, para que
eles tivessem melhor chance de entrar no tecido social. Essa estratégia de criar melhores
condições sociais para as famílias escravizadas, que os pais escravos usavam, era chamada de
“sistema de compadrio”. Os escravos da Manaus do século XIX utilizaram o batismo como
ferramenta contra a escravidão, eles criaram a redes de apadrinhamentos. O sistema de
compadrio é uma das formas que as famílias escravas acharam para que seus filhos pudessem
transitar entre o mundo livre e o escravo. Isso nos leva ao terceiro aspecto metodológico que é
a construção do “parentesco espiritual”, isto é, as relações sócio-parentais dos envolvidos a
partir da celebração do batismo que davam condições de solidificar convivências mais íntimas
entre todos os segmentos sociais. Na lógica católica, o padrinho é o “segundo pai”, e por isso
era aspirado por diversos indivíduos na medida em que poderia assegurar melhores condições
de vida. O quarto aspecto refere-se às abordagens propriamente antropológicas dos sujeitos
históricos investigados nos registros de batismo. Assim, o conceito de etnias é relevante, pois
os índios trazidos para a cidade de Manaus no século XIX eram diferentes social e
culturalmente. A questão da legitimidade das uniões parentais no século XIX também pode
ser observada nos registros e é importante para compreendermos, nos termos daquele
momento histórico, a situação de vulnerabilidade social da criança. Segundo estudos recentes,
que abarcam um período posterior ao estudado aqui, a legitimidade está presente em toda a
Manaus oitocentista e perpassa sujeitos de diferentes cores e origens sociais.

Diante dessas informações, podemos perceber a questão étnica também presente no


universo da legitimidade, confirmando que nem só de pessoas brancas e livres se
compunha, como poderia supor (ainda) o senso comum. (SAMPAIO, 2006, p. 189)

Nessa direção, com o trabalho prévio de análise realizado até o momento, a


documentação vem indicando que certas pessoas e grupos se aproveitaram das oportunidades
proporcionadas no século XIX visando ao acrescentamento em suas qualidades e a
consolidação de suas posições na Hierarquia Social. Essas pessoas vão se interligar às redes
de poderes e ao sistema de compadrio. Com esses métodos será possível realizar uma
abordagem ampla e que possa contribuir com o conhecimento histórico a respeito da infância
negra e índia no Amazonas Oitocentista.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O livro de batismo da cúria metropolitana de Manaus permite aprofundar discussões
teóricas já abordadas na historiografia sobre o sistema de compadrio, revelando as estratégias
utilizadas pelos escravizados para sair da escravidão. O registro de batismo revela algumas
crianças escravas que foram batizadas como adultas aos oito anos de idade, mostrando que a
pia batismal era algo importante para definir o que a criança iria ser. Esses dados indicam
noções diferentes para a infância no século XIX, pois muitos batizados, ao completarem sete
anos de idade, eram registradas como adultas, isto é, habilitadas para a vida religiosa, bem
como para as responsabilidades do mundo do trabalho. Dessa forma, a pia batismal era um
espaço simbólico importante para definir como a criança escrava e índia viveria na sociedade.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4834

Nesse sentido, as crianças negras e índias (de diferentes etnias: como os Muras, Baniwas,
Pixunas, Guaupés, Jurunas, Catuquinas, Macus e Miranhas, Catauxis, Juris, Buca Preta,
Uratuás, Ararás, Pafoés, Passés, Marahãos, Muinanbús, Macunãs, Miraiãs, Urainunrãs,
Marahãs, Maraús) que tinham padrinhos livres estavam mais protegidas de situações de
preconceito e de discriminação, assegurando, assim, melhor convivência na sociedade, pois,
sendo os padrinhos envolvidos em redes de poderes, seus afilhados estavam inseridos em
poderosas redes de colaboração e proteção. Por outro lado, a situação das crianças negras e
índias batizadas sejam por pessoas livres pobres, seja por pessoas escravizadas certamente
enfrentavam situações de maior vulnerabilidade social, isto é, essas crianças viveriam uma
liberdade precária, ou seja, elas podiam ser vendidas e sequestradas.

Figura 1. Crianças batizadas como escravas, legitimas, adultas, pais


escravos e gentios, padrinhos pertencentes a redes de poderes e a existência
de várias etnias na sociedade manauara. IFAM, 2015.

CONCLUSÕES
Portanto, as relações sócio-parentais dos envolvidos a partir da celebração do batismo,
davam condições de solidificar convivências mais íntimas entre todos os segmentos sociais,
por isso era aspirado por diversos indivíduos, que buscavam melhores condições de vidas.
Com os dados que os vigários anotaram nos livros de batismos, hoje é possível estudar melhor
os indivíduos que viveram no século XIX na sociedade manauara, incluindo a infância das
crianças negras e índias da Manaus oitocentista e seus relacionamentos com os indivíduos que
pertenciam a redes de poderes.

AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu professor Ygor Olinto, que me ajudou nessa pesquisa, e a minha
amiga Thaiza Colares, que me auxiliou com conselhos do que deveria fazer, a Bianca
Kynsseng que sempre me animava quando eu estava muito estressado e aos meus pais, que
me motivam nos meus estudos e nunca desistem de mim.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Vitória Fernanda Schettini. Batismo e apadrinhamento de filhos de mães


escravas. São Paulo do Muriaé, (1852-1888). / Dissertação de Mestrado-Universidade
Severino Sombra, Vassouras: USS, 2006.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4835

MATTOS, Hebe. Guerra Preta: cultura políticas e hierarquias sociais no mundo atlântico. In.
João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa (org.). Na trama das redes: política e negócios no
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de Franca uma fonte para o estudo do cotidiano privado das crianças negras livres na
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Civilização Brasileira, 2007.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4836

LEVANTAMENTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E


ARQUITETÔNICO DE SALGUEIRO
Antônio Alef de Brito1, Elis Mayane Carvalho Sá2, Márcia Farias de Oliveira e Sá3,
Camila Macedo Medeiros4, Fabricio Reymes Neves Rodrigues5
1
Discente do curso técnico em edificações EMI – IF Sertão PE. Bolsista do Pibic Jr.
e-mail: antonioalef.if@gmail.com; 2Discente do curso técnico em informática – IF Sertão PE. Bolsista do Pibic
Jr. voluntaria. e-mail: elismayanecarvalho@gmail.com; 3Professor de História – IF sertão PE.
e-mail: marcia.farias@ifsertao-pe.edu.br; 4Professor de Edificações – IF Sertão PE.
e-mail: camilamedeirosm@gmail.com; 5Professor de Edificações – IF Sertão PE.
e-mail: fabricioreimes@hotmail.com.

RESUMO: Conhecer de perto a riqueza do patrimônio histórico e arquitetônico do município


de Salgueiro faz perceber as imbricações da história local com a história do mundo. A partir
de uma revisão bibliográfica e de contato com órgãos ligados ao patrimônio traçou-se um
roteiro de busca pelo patrimônio edificado, onde percebeu-se as pessoas, as relações de poder
estabelecidas, os usos e ocupações dos espaços. A memória do sertão está diante dos olhos,
por trás do aglomerado de pedra, tijolo e cal existem historias não ouvidas daqueles que
construíram monumentos e vidas numa região árida, no entanto rica de possibilidades e que
atraiu desde os grupos pré-históricos aos colonizadores que expulsaram os indígenas, serviu
de abrigo aos quilombolas e estabeleceu o poder dos latifundiários brancos.
Palavras-chave: patrimônio, história, georreferenciamento.

SURVEY OF HISTORICAL AND ARCHITECTURAL


HERITAGE OF SALGUEIRO (PE)
ABSTRACT: Getting to know the wealth of historical and architectural heritage of the
Salgueiro city made him realize the overlapping of local history with the history of the world.
From a literature review and contact with bodies linked to the equity was done a search script
for built buildings heritage, where people realized the power relations established, the uses
and spaces occupations. The hinterland memory is before the eyes, behind the stone
agglomerate, brick and lime are stories not heard of those who built monuments and lives in
an arid region, however rich in possibilities and attracted since the prehistoric groups to the
colonists expelled the Indians, he served as a shelter for the Maroons and established the
power of white landowners.
KEYWORDS: Heritage, history, georeferencing..

INTRODUÇÃO
A cidade de Salgueiro está localizada no entroncamento das BR’s 116 e 232, o que lhe
garante uma localização geográfica privilegiada. Como muitas cidades da região tinha sua
economia pautada na agricultura e pecuária de subsistência, e no pequeno comercio varejista.
A implementação das grandes obras federais, Transposição das águas do São Francisco e
Transnordestina, ampliaram o leque de oportunidades de emprego na região, alavancando os
setores da construção civil e hotelaria, principalmente. No aspecto educacional a implantação
do campus da UPE bem como o próprio Instituto Federal, contribuem para que haja uma
qualificação profissional que busca atender a essas novas demandas. O município é rico em
tradições características da vida do sertanejo nordestino, mas também abriga inúmeros
referencias pertinentes a história brasileira e a memória do mundo. A área rural abriga sítios
arqueológicos e paleontológicos datados do período pleistocênico. A área urbana,
especialmente a do quadrante da praça da antiga igreja matriz, hoje Catedral, mantem

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4837

construções do final do século XIX e início de século XX que estão protegidas por força de
uma lei municipal, segundo informações da prefeitura Municipal de Salgueiro. No entanto
temos outras áreas urbanas e rurais as quais não há estudos ou caracterizações a respeito.
Além desse patrimônio arquitetônico, ainda há as comunidades remanescentes de quilombo
de Conceição das Crioulas e Santana, e a aldeia indígena dos Atikum, que até onde há
registros, concentra um dos últimos refúgios indígenas do semiárido pernambucano. Diante
dessa gama de material patrimonial disponível, o projeto visa identificar o patrimônio cultural
existente no município para daí tentar traçar estratégias que garantam a conservação do acervo
em parceria com órgãos responsáveis no poder público.

MATERIAL E MÉTODOS
O projeto seguiu as seguintes etapas metodológicas: Revisão bibliográfica, visitas de
campo para a identificação dos locais, coleta da coordenada geográfica do local utilizando o
GPS, coleta de imagens dos locais georreferenciados.
1. Revisão Bibliográfica A Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e
Natural da UNESCO de 1972 define o patrimônio cultural como sendo compostos por
monumentos, grupos de edifícios ou sítios que tenham um excepcional e universal valor
histórico, estético, arqueológico, científico, etnológico ou antropológico. Quando analisado o
que há sobre o patrimônio cultural do município de salgueiro, há apenas uma lei municipal que
garante preservação do casario da Praça da Igreja, que contempla um número muito pequeno de
residências que mantem características arquitetônicas do final do século XIX e início do século
XX. Outros espaços de destacada representatividade encontram-se fora da abrangência da lei.
As áreas compreendidas como sítios arqueológicos em Conceição das Crioulas e Serra das
Letras, foram registradas pelo pesquisador da UFPE Marcos Galindo entre 1993 e 1994, os
trabalhos resultaram em sua dissertação de mestrado que foi publicado sob o título de Caminhos
do Passado na Terra Nova. Apesar de registrado as áreas encontram-se ainda sem devida
proteção e sem estudos mais aprofundados. A salvo as referências contidas na obra de Galindo,
o site da prefeitura (http://www.salgueiro.pe.gov.br/munic_guia_turistico.htm) se propõem a
apresentar um guia turístico da cidade, no entanto não aponta localização ou meios de acesso
das áreas. A gama de acervo cultural que compreende hoje o município é de uma riqueza
histórica ímpar. Visando a preservação do patrimônio histórico cultural do município, o projeto
se empenhou em identificar e catalogar os bens, possibilitando que se concretize aquilo que
preconiza a Convenção, no que concerne proteger, conservar, valorizar e transmitir às gerações
futuras o patrimônio cultural e natural situado em seu território. O Instituto Federal também
cumpre o seu papel no sentido de cooperar nos aspectos científico e técnico na preservação e
catalogação deste acervo representativo da história local e nacional. Dada a gama de bens
culturais disponíveis e das especificidades técnicas dos cursos oferecidos pelo campus, nos
deteremos mais nos bens arquitetônicos e sítios arqueológicos e paleontológicos. Esperava-se
que a partir dessa ação pudesse se dar o tombamento formal desses bens, garantindo os aspectos
legais da preservação por parte do Estado e o despertar a consciência cidadã para a constituição
das identidades e memória coletivas, tarefa da educação patrimonial. Além disso, a
possibilidade de colocar o município no roteiro turístico do Estado de Pernambuco, gerando
novas fontes de renda para a população que convive com os rigores do semiárido. Ao fazer o
geoprocessamento busca-se associar o patrimônio ao conjunto de novas tecnologias capazes de
coletar e tratar informações georreferenciadas. Neste sentido, as tecnologias que são englobadas
nesta concepção, e que a cada momento fazem cada vez mais parte do nosso dia-a-dia, são o
Sensoriamento Remoto (SR), o Sistema de Informação Geográfica (SIG) e o Sistema de
Posicionamento Global (GPS), este último mais conhecido pela sua sigla em inglês. Em janeiro
de 2004, a revista britânica Nature indicou que os negócios relativos ao Geoprocessamento
estão entre os três mercados emergentes mais importantes da atualidade, junto com a

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4838

nanotecnologia e a biotecnologia. Atualmente, as aplicações das tecnologias em


Geoprocessamento ramificaram-se para várias áreas do conhecimento, como a Geografia, a
Biologia, a História, a Engenharia, a Arquitetura, os Sistemas de Informação, entre outros.
Segundo Murta e Goodey (1995, p.18): A interpretação do patrimônio cumpre uma dupla
função de valorização. De um lado, valoriza a experiência do visitante, apresentando-lhes sítios
preservados e interpretados para sua melhor compreensão; por outro lado, valoriza o próprio
patrimônio, transformando-o em recurso da indústria turística.
2. Contato com órgãos governamentais responsáveis pelo patrimônio Apesar de não
constar no cronograma inicial de trabalho, foi realizado uma visita aos órgãos que tem relação
com o objetivo do projeto: as Secretarias de Cultura e Esporte e de Desenvolvimento
Econômico do Município de Salgueiro, e ao INAPAS (Instituto Nacional de Arqueologia,
Paleontologia e Ambiente Semiárido). Nestes órgão foi possível colher informações sobre o
patrimônio identificado tanto pelo município quanto pela união. Averiguou-se também se
havia alguma ação da prefeitura que buscasse o tombamento e preservação desse patrimônio.
Percebeu-se que essas ações são tímidas e que não recebem a devida atenção. Já os artefatos
encontrados no trecho da transposição estão ainda em fase de registro e datação, sendo dessa
forma vedado o acesso.
3. Visita de campo para a identificação dos locais, coleta das coordenadas geográficas e
das imagens para fins de organização das informações foi elaborada uma ficha de
identificação do patrimônio. As primeiras visitas foram feitas na sede do município,
identificando o patrimônio edificado do quadrante da igreja matriz, área tombada por lei
municipal a qual não foi disponibilizada o acesso. Em cada bem patrimonial, foi feito a coleta
da coordenada geográfica e das imagens. Além disso, foi realizado entrevistas com os atuais
moradores de cada habitação que através de relatos orais revelaram informações relevantes
sobre o local, que de início não foram registradas pelo fato de não estarem programadas,
porém no decorrer do trabalho percebeu-se que esse registro seria necessário e passou a ser
feito nas visitas seguintes. Ainda no espaço urbano foi visitado outros espaços situados a
Avenida Agamenon Magalhães, pertencentes a família de um dos últimos coronéis da guarda
nacional do Brasil, o Coronel Veremundo Soares. Além das edificações opulentas, que
chamam a atenção num primeiro olhar, percebeu-se também outras residências, que mesmo
sem imponência guardam vestígios da arquitetura do final do século XIX e do início do século
XX. Construções que contam a história de outros personagens que não tem nomes citados na
historiografia do município, são pequenos fazendeiros ou até mesmo trabalhadores rurais, que
alugavam sua força de trabalho. Saindo do perímetro urbano, na área rural há várias
construções que remontam do início do século XIX até o início do século XX. A edificação
mais antiga registrada é a casa do hoje sítio Bezerro dos Lopes, que tem no peitoril gravado o
ano de 1808. A construção apresenta singularidades na sua estrutura: que vão desde grades de
madeira para impedir a fuga das moças, até um muro de pedra, que segundo entrevista com
um antigo morador da região era trabalho de cativos, não se sabendo de indígenas ou
africanos. A residência abriga ainda inúmeros artefatos da vida rural que remontam ao
período. Há na região ruinas de outras habitações que guardam características bem
semelhantes. O sitio Icó, abriga uma residência datada de 1910, aproximadamente. A casa que
está com a estrutura da parede dos fundos comprometida e chamou a atenção pelo piso feito
com pedras retiradas do riacho próximo a habitação. A casa dispõe de dois andares, e uma
dispensa, no estilo de alcova, que segundo o proprietário serviu de cela para os moradores
numa disputa com o cangaceiro Virgulino Ferreira, vulgo Lampião. O sítio Tordilho abriga as
ruinas da antiga Usina de Beneficiamento de Caroá. O produto era exportado para região
sudeste. Muito pouco se tem de vestígios edificados, apenas algumas poucas paredes, que
guardam vestígios da exploração de mão de obra dos habitantes pobres da região que
trabalhavam por produção, em troca de um vale no barracão da própria usina. Os vestígios

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4839

apontam uma estrutura moderna para meados do século XX na região, já dispunha de poço e
tanque para armazenamento de água, movidos por bombas a diesel, roldanas que desfiavam e
beneficiava o caroá, no entanto a extração e o transporte dos fardos, que chegavam a pesar
quase 100kg, era feito por mão de obra braçal. Um trabalho árduo e arriscado, que por não ser
registrado não contava com nenhum tipo de proteção do estado. A comunidade quilombola de
Conceição Das Crioulas conta com uma diversidade de patrimônios que vão desde o
edificado, à sítios arqueológicos e paleontológicos, numa mescla de cultura, tradições e
memórias dos africanos e indígenas, que ainda hoje dividem os espaço, sendo limítrofe da
comunidade o território da aldeia indígena dos Atikuns. A pedra da abelha e a pedra da mão,
apresentam pinturas rupestres que devido a exposição as intemperes e a falta de proteção
encontram- se ameaçadas. O caldeirão dos ossos, onde foram encontrados fosseis de animais
da megafauna, abriga ainda locais de possíveis estudos. O material encontrado está espalhado
desde a casa de moradores, que o guardaram por acreditar que sendo valioso conteria ouro,
um osso está no museu da cidade e os demais estão, até onde se sabe, entre o Espaço Ciência
em Recife a um museu na Holanda. A vila abriga inúmeras construções com a fachada com as
características muito próximas as do quadrante da Igreja, no entanto em escala simplificada. O
último local visitado foi o distrito de Umãs. Não há registros formais conhecidos sobre a
fundação da Vila, mas os relatos descrevem a ocupação da área, antes território indígena,
pelos descendentes dos colonizadores portugueses. Os depoimentos indicam a existência de
um cemitério que pertenceu a uma antiga tribo indígena que habitava a região. Como a
própria cidade, o distrito se organiza com a expulsão dos nativos e da edificação de casas. Um
fato que chama a atenção é que a data oficial de surgimento da vila remonta a primeira feira
organizada na área central, no entorno da primeira capela. O casario antigo, apresenta também
características semelhantes a de outros locais visitados, alguns já em fase de demolição para
abrigar novos ambientes, outros reformados mas mantendo as fachadas originais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
As informações obtidas nesta pesquisa, deveriam ser organizadas em um mapa digital o
qual conteria: localização, imagens e uma ficha descritiva de cada patrimônio. Em virtude da
espera pelo recurso do auxílio ao pesquisador, as visitas da área rural foram atrasadas e de
acordo com a disponibilidade de veículo institucional. Esse atraso comprometeu a visita de
algumas áreas que constavam no cronograma e automaticamente a geração do mapa. A
caracterização arquitetônica do patrimônio edificado foi substituída por um olhar sobre as
memorias dos espaços. Percebeu-se que esta caracterização não teria tanta relevância, já que
desde o tempo da construção do patrimônio até os dias atuais os métodos construtivos não
sofreram tantas modificações, daí seria equivalente a explicar a execução de uma obra
comum, o que não é interessante para a pesquisa.
A pesquisa revelou a existência de um grande acervo patrimonial, que se encontra nas
mais diversas situações: desde aqueles que encontram-se tombados e protegidos pela força da
lei, aqueles que se encontram protegidos pela consciência dos proprietários, como é o caso da
edificação número 24 do quadrante da igreja matriz, vista na Imagem 1. Ainda há aqueles que
num processo de “melhoria” vão gradualmente perdendo suas singularidades históricas.
Outros ainda encontram-se abandonados, a mercê das intempéries e das ações depreciativas
daqueles que ainda não despertaram para a consciência e valorização do patrimônio histórico
e edificado da cidade, como é o caso do grafismo rupestre da pedra da mão, localizada no
distrito de Conceição das crioulas, mostrada na Imagem 2. Percebeu-se que poucas pessoas
têm consciência da importância da preservação. Estas habitam o centro da cidade e possuem
educação formal elevada, de modo que essa consciência para a preservação vem de família,
diferentemente das pessoas que habitam a zona rural e que não tiveram essa instrução. Ficou
evidente que o patrimônio edificado que está preservado, é aquele que pertence a uma elite

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4840

branca, descendentes dos primeiros colonizadores da região. Os vestígios referentes as


camadas populacionais mais humildes aparecem apenas no trabalho anônimo de construtores
a artesãos que não tem seus nomes gravados.

Figura 1. Casa número 24 do quadrante da igreja matriz cuja fachada está protegida por
lei municipal segundo a secretaria de cultura de Salgueiro (a pesquisa não teve acesso a
lei). Preservada por iniciativa da viúva do proprietário. IF Sertão PE, 2014.
Foto: Márcia Farias.

Os nativos da região deixaram vestígios fantásticos que segundo datação de Galindo


remontam à pelo menos 15 mil anos. São pinturas e grafismo rupestres que indicam a
ocupação humana do território muito anterior a chegada do colonizador europeu. Nos relatos
coletados a menção é sempre de dizimação e extermínio, sendo que seus espaços e vestígios
mais recentes foram sendo sistematicamente apagados. Carece um maior aprofundamento da
pesquisa neste tocante, inclusive com entrevistas aos cidadãos mais antigos que guardam
ainda na memória relatos que ouviram dos seus antecessores e que se não forem registrados se
perderam para sempre, constituindo-se assim uma lacuna na história local. A comunidade
quilombola de Conceição das Crioulas é memória viva da luta e da resistência dos negros e
negras pela manutenção da sua cultura e dos seus espaços. A educação desenvolvida pelos
meios formais e informais preserva a memória, no entanto, o mesmo não acontece com os
vestígios arqueológicos e paleontológicos. Foi encontrado corretivo em grafismos rupestres
da Pedra da Abelha feito por alunos, segundo a guia, em visita guiada de uma escola local. No
tocante ao poder público, além da ação do governo Federal em monitorar as áreas de
construção da Transposição e da Transnordestina, que tem revelado um passado até então
desconhecido, a outra ação é a de restauração do Prédio da Antiga Casa da Cultura, outrora
próspero centro comercial. Um dado importante é que na primeira licitação feita não
apareceram concorrentes que se habilitassem ao restauro, haja vista a pouca demanda no
mercado e a escassez de mão de obra qualificada.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4841

Figura 2. Grafismo rupestre na pedra-da-mão, com aproximadamente 15 mil anos


segundo datação feita por Galindo, localizada na região do quilombo de Conceição das
crioulas. Encontra-se desprotegido por parte das autoridades competentes e exposto as
intempéries e ações de vândalos. IF Sertão PE, 2014.
Foto: Márcia Farias.

CONCLUSÕES
Urge um trabalho de educação patrimonial como política pública para a população do
município despertando a consciência de preservação e valorização histórica das memórias
individuais e coletivas. Devido a riqueza dos bens até então referenciados e do estado em que
se encontram atualmente, é reforçada a necessidade de ações no sentido de garantir a
preservação tanto governamental por meio dos tombamentos, bem como conscientizar cada
pessoa do seu papel na preservação do patrimônio, enquanto cidadão salgueirense. Cada
vestígio é um marco concreto da história do município e dos seus habitantes, retratam seus
traços primordiais e que ainda são possíveis de se identificar, contam histórias daqueles que
antecederam no tempo, constroem espaços de memória coletiva e dão sentido a existência.

REFERÊNCIAS

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FILHO. Nestor Goulart Reis. QUADRO DA ARQUITETURA NO BRASIL. SÃO PAULO:


Editora Perspectiva, 2000.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4842

MEMÓRIAS SERTANEJAS: SABERES E OFÍCIOS


Fabiane Pereira de Sousa1, José Oliveira da Silva Filho2, Elisangela Tavares da Silva 3
Marília Ellen Fonsêca da Silva Holanda4
1
Discente de graduação em Administração IFMA Campus São João dos Patos. e-mail: fabianeps@hotmail.com;
Professor Msc. do IFMA Campus São João dos Patos . e-mail: joseoliveira@ifma.edu.br; 3 Professora Esp. do
IFMA Campus São João dos Patos. e-mail: elisangela.silva@ifma.edu.br; 4Discente de graduação em
Administração IFMA Campus São João dos Patos. e-mail: marilyaellen@outlook.com

RESUMO: A pesquisa buscou compreender a trajetória de trabalhadores que fizeram de seus


saberes e ofícios uma forma de sobrevivência no sertão maranhense, e que contribuíram para
o desenvolvimento da cidade de São João dos Patos. Dessa forma, elaborou-se um acervo
memorialístico através de entrevistas que demonstraram as experiências de patoenses com
idade igual ou superior a setenta e cinco anos. A partir do olhar do idoso buscou-se
reconstituir a história do trabalho na região.
Palavras-chave: trabalho, memória, história.

SERTANEJAS MEMORIES: KNOWLEDGE AND CRAFTS

ABSTRACT: The research seeks to understand the trajectory of workers who made their
knowledge and crafts a form of survival in the backwoods of Maranhão, and contributed to
the development of the city of São João dos Patos. Thus, we intend to develop a
memorialistic collection through interviews that demonstrate the patoenses experiences with
aged seventy- five years. From the perspective of the elder sought to reconstruct the history
of work in the region.
Keywords: labour, memory, history.

INTRODUÇÃO
O sertão nordestino já serviu de fonte de inspiração para alguns escritores da ficção, no
entanto, historicamente existe uma escassez de informações sobre como era a vida do
sertanejo, seus trabalhos, suas aspirações e suas dificuldades no dia a dia para manter a
sobrevivência mediante uma vida de muitas privações como falta de infraestrutura,
dificuldades ao acesso à educação, saúde, lazer e até mesmo informação. Buscando
compreender o mundo sertanejo e resgatar sua história, a pesquisa utilizou o método da
memória oral como forma de conhecer os saberes e ofícios de trabalhadores do sexo
masculino e feminino, com idade igual ou superior a setenta e cinco anos, que contribuíram
para o desenvolvimento da cidade de São João dos Patos-MA.
O livro “Memória e Sociedade – Lembranças de Velhos” de Ecléa Bosi, no qual a
pesquisadora utilizou-se da memória oral como método de pesquisa, é um bom exemplo de
como o tema “trabalho” é determinante na produção das lembranças dos recordadores e de
como essas memórias são capazes de contribuir para a construção da história. Através das
narrativas o leitor consegue visualizar, conhecer fatos históricos, e até mesmo entender como
foi o desenvolvimento da cidade de São Paulo.
Segundo Barbosa, “o que define a classe social é a posição ocupada pelo sujeito nas
relações objetivas de trabalho”. (BOSI, 1998 apud BARBOSA, 1998, p. 11). Mas mesmo
tendo como temática “o trabalho”, foi elaborado um questionário com o intuito de conhecer
toda a história de vida dos entrevistados, pois as lembranças da infância, por exemplo, podem
demonstrar como era o trabalho de terceiros e suas classes sociais, traçando assim uma visão
mais concreta e ampla da vida dos patoenses na primeira metade do século XX.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4843

Com relação ao ato de lembrar, Barbosa faz também uma observação: “[...] o tempo de
lembrar traduz-se, enfim, pelo tempo de trabalhar. ” (BOSI, 1998 apud BARBOSA, p. 15).
Portanto, a memória só se concretiza e pode ser explorada quando encontra a existência vivida
através do trabalho.
Através da memória oral foi possível traçar a história da sociedade patoense da primeira
metade do século XX e preservá-la para gerações futuras. A narrativa é, portanto, a
transformação de lembranças vivas em história. Para Bosi, “a história deve reproduzir-se de
geração a geração, gerar muitas outras, cujos fios se cruzem, prologando o original, puxados
por outros dedos.” (BOSI, 1998, p. 90).

METODOLOGIA
Para o bom desenvolvimento da história oral é preciso um projeto que guie todos os
procedimentos do começo ao fim. Além da escolha do tema (Memórias Sertanejas), definição
da colônia (trabalhadores da cidade de São João dos Patos), formação da rede (homens e
mulheres com idade igual ou superior a setenta e cinco anos), a produção de documentos
através de entrevistas seguiu técnicas e métodos específicos que englobam um questionário
previamente elaborado, local, tempo de gravação, transcrição, edição e carta de cessão.
A princípio, a idade escolhida era igual ou superior a oitenta anos, mas no decorrer da
pesquisa foi feita a mudança na formação de rede. Questões como filho com idade de setenta
e cinco anos e pai de noventa e sete no qual o filho complementava as informações colhidas
pelo pai, patoenses com rica memória oral com idades inferiores a oitenta anos e a fragilidade
de algumas personalidades previamente escolhidas fizeram com que essa mudança em relação
a idade fosse indispensável.
Para a concretização deste trabalho de investigação foram utilizados um gravador
digital, câmera fotográfica, colhimento de fotografias e livros. Quanto a estratégia
metodológica, foram seguidos os seguintes passos:
- Estudo bibliográfico com o objetivo de apropriar-se dos métodos e técnicas de história
oral. “O objetivo é registrar a voz e, através dela, a vida e o pensamento de seres que já
trabalharam por seus contemporâneos e por nós. ” (BOSI, 1998, p. 37);
- Elaboração de questionário, previamente elaborado para ser aplicado junto aos
entrevistados. Segundo Meihy (2000), mesmo com o questionário estruturado, o primeiro
entrevistado servirá de guia capaz de orientar as demais entrevistas. Sendo assim, as questões
acerca da temática não foram fechadas, de modo a não limitar o trabalho de rememoração dos
entrevistados e também existiu uma flexibilidade em relação às perguntas devido a fatos
importantes expostos pelos primeiros entrevistados. Ou seja, de acordo com o andamento da
pesquisa, novos questionamentos surgiram, sendo necessário novas entrevistas com pessoas já
abordadas;
- Realização de entrevistas com os perfis previamente selecionados de modo a atender
os critérios previamente instituídos no projeto de pesquisa. Segundo o método, é
indispensável a escolha de uma colônia e rede. E conforme orientação de Bosi, “antes de
iniciar a entrevista é preciso explicar com bastante clareza aos entrevistados o motivo da
pesquisa para que eles tenham autoridade sobre o registro de suas lembranças e consciência
de sua obra.” (1998, p. 37). Esta precaução inicial evitou possíveis transtornos e até mesmo
contribuiu para melhores resultados;
- Transcrição das entrevistas de modo a compor um banco de entrevistas. Este passo
refere-se a passagem da gravação para o escrito. Alguns grupos defendam a transcrição
absoluta, que significa a passagem total dos diálogos. Mas visto com olhos no receptador, a
transcrição destina-se a dar visibilidade ao tema proposto. Cada entrevista durou em média 1
hora e meia, e para cada hora gravada foi preciso 5 horas de transcrição.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4844

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A iniciativa de entrevistar cidadãos de diversos tipos de profissões e de registrar a
história de São João dos Patos se deu pela necessidade de repensarmos a História de modo a
ampliar nossa perspectiva sobre a mesma, fazendo com que esta vá além de nomes de líderes
políticos, mártires, cidades onde se concentrava o poder, datas comemorativas, entre outros.
Conhecer o dia-a-dia de pequenas cidades, pessoas e trabalhadores comuns é uma forma de
compreender claramente que fatores ocasionaram as mudanças que levaram aos fatos
históricos. Tudo isso vai de encontro as ideias de Montenegro quando diz que a

[...] história aprendida nos bancos escolares decorre do fato de esta expulsar os
homens e as mulheres comuns da história. Ou seja, o conhecimento da história
resume-se de forma predominante a um ato de memorização de nomes de diferentes
categorias de líderes e datas de acontecimentos denominados históricos. Dessa
forma, o operar cotidiano e coletivo não pertenceria à história. Em outros termos,
esse tipo de história escolar ensina uma maneira de pensar, de sentir, de imaginar,
em que o social e miúdo não tem nenhuma relação com a história da sociedade.
(MONTENEGRO, 2006, p.97)

Sendo assim, a pesquisa teve como função a inserção do sertão maranhense na história e
de promover uma fonte de conhecimento, buscando nos mais jovens o interesse pela
informação acerca do que já passou na sua terra natal, e demonstrar como todos são
construtores da História.
A história oral tem como finalidade a reconstrução do passado através de fontes orais,
seja de forma direta ou após uma análise mais elaborada, segundo James Fentress e Chris
Wickham (1994, p. 9). Sendo assim, a discussão sobre tal método é a respeito da veracidade
das fontes orais, mas ao mesmo tempo não se pode descartar a memória social de um
indivíduo pelo fato de não sabermos se é algo verdadeiro ou não.

O significado social da memória, tal como a sua estrutura interna e o seu modo de
transmissão, é pouco afectado pela sua verdade; o que interessa é que se acredite,
pelo menos até certo ponto – pois há que não desprezar os contos populares, que
também são comemorações do passado, embora muitas vezes não sejam sequer
narrados como rigorosamente críveis. (FENTRESS; WICKHAM, 1994, p. 10)

Portanto, mesmo com as preocupações devido à falta de objetividade que envolve os


meandros da memória, muitos historiadores estão utilizando o registro oral como fonte de
conhecimento histórico. De acordo com Montenegro:

A história vivida não tem mais a exigência de ser pensada em termos de totalidade
única. As fontes documentais escritas, orais, iconográficas, arqueológicas não são
mais consideradas como reflexos verdadeiros ou falsos do passado. Antes,
representam formas de certos grupos, segmentos, classes se permitiram pensar,
sentir, sonhar, desejar determinados acontecimentos, algumas experiências, certos
períodos. (MONTENEGRO, 2006, p. 108-109)

Os relatos orais podem ser sobre a história de vida ou temático. Nesta pesquisa temos
como tema o trabalho, mas as entrevistas seguiram um roteiro dos dois tipos de relatos de
forma simultânea. O trabalhador ao lembrar da sua infância, lembrou dos seus pais e do que
eles fizeram para sustentar a família, na sua vida escolar lembrou dos seus melhores e piores
professores, na iniciação ao trabalho teve a pessoa que o ensinou o ofício, ao lembrar da vida
conjugal lembrou sobre o trabalho do cônjuge, ou seja, não existe forma de separar história de
vida da temática trabalho. Nessa perspectiva,

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4845

[...] grande parte da memória está ligada à inclusão em grupos sociais de diversos
tipos. Com efeito, Maurice Halbwachs, o primeiro teórico do que chamamos
memória <<colectiva>>, afirmou que toda a memória se estrutura em identidades de
grupos: recordamos a nossa infância como membros da família, o nosso bairro como
membros da comunidade local, a nossa vida profissional em função da comunidade
da fábrica ou do escritório e/ou de um partido político ou de um sindicato, e assim
por diante; que estas recordações são essencialmente memórias de grupo e que a
memória do indivíduo só existe na medida em que este indivíduo é um produto
provavelmente único de determinada intersecção de grupos (Halbwachs 1925; 1950)
(FENTRESS; WICKHAM, 1994, p. 7)

Para Montenegro (2006), a psicanálise é também muito importante para a história,


principalmente no que se refere ao aparelho psíquico usado como sinônimo de aparelho de
memória ou aparelho de linguagem. E segundo Freud (apud MONTENEGRO, 2006), só
desenvolvemos nosso aparelho de memória quando estamos em contato com um outro. Não
se trata, portanto, de uma evolução biológica como acontece em outras partes do nosso corpo,
pois sabemos que desenvolvemos a linguagem em contato com outras pessoas. Na ficção
temos o Tarzan como exemplo de como é imprescindível este contato, e na vida real sabemos
que um deficiente auditivo não consegue desenvolver a linguagem.
Todas essas reflexões servem para entendermos como o significado acerca do mundo ao
redor resultam da forma como as relações sociais e culturais os constituem.

Assim, a percepção do mundo, das coisas materiais que constituem o que se


denomina real, não apresenta objetos ou coisas que trazem em si um significado
positivo, evidente, claro, como pensava a ciência clássica. São as redes que
constroem o mundo, à medida que lhe atribuem significados. E estas são múltiplas,
diversas, em constante combate. Logo, a história não persegue um passado positivo
que, em algum momento, foi capturado, apreendido ou produzido por um
documento, uma fotografia, um relato de memória uma peça arqueológica. Antes,
tem naquela fonte documental, naquele registro, formas de como, para alguns, um
certo presente foi visto, vivido, sentido. (MONTENEGRO, 2006, p. 111)

Como mencionado anteriormente, o livro “Memória e Sociedade – Lembranças de


Velhos” de Ecléa Bosi é um bom exemplo de como a memória oral é eficaz. Além de servir
como guia sobre este método, o livro nos leva a conhecer a cidade de São Paulo no início do
século XX, e também demonstra um teor poético nas narrativas. Segundo Bosi (1998), é nas
lembranças das pessoas idosas que podemos analisar uma história social bem desenvolvida.

[...] elas já atravessaram um determinado tipo de sociedade, com características bem


marcadas e conhecidas viveram quadros de referência familiar e cultural igualmente
reconhecíveis: enfim, sua memória atual pode ser desenhada sobre um plano de
fundo mais definido do que a memória de uma pessoa jovem, ou mesmo adulta, que,
de algum modo, ainda está absorvida nas lutas e contradições de um presente que a
solicita muito mais intensamente do que a pessoa de idade.” (BOSI, 1998, p. 60)

A pesquisadora demonstrou que a memória pessoal integra as recordações sociais,


familiares e grupais, ou seja, não existe lembranças de forma isolada ou individual.

Um mundo social que possui uma riqueza e uma diversidade que não conhecemos
pode chegar-nos pela memória dos velhos. Momentos deste mundo perdido podem
ser compreendidos por quem não os viveu e até humanizar o presente. A conversa
evocativa de um velho é sempre uma experiência profunda: repassada de nostalgia,
revolta, resignação pelo desfiguramento das paisagens caras, pela desaparição de
entes amados, é semelhante a uma obra de arte. (BOSI, 1998, p. 82)

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4846

As entrevistas foram realizadas com trabalhadores do sexo masculino e feminino, com


idade igual ou superior a setenta e cinco anos, que contribuíram para o desenvolvimento da
cidade de São João dos Patos - MA. Os escolhidos recordaram toda sua trajetória, pois “a
narração da própria vida é o testemunho mais eloquente dos modos que a pessoa tem de
lembrar. É a sua memória. ” (BOSI, 1998, p. 68)

O ato de lembrar não é um processo simples, pois a memória não segue um roteiro e
também não é concisa em relação ao que se viveu, “na maior parte das vezes, lembrar
não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as
experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho.” (BOSI, 1998, p. 55)

O entrevistado 1 nasceu no dia 07 de julho de 1932 no povoado Lages, município de


São João dos Patos – MA. Aos 17 anos começou a exercer a profissão na qual está até hoje, a
de alfaiate. Além de contribuir com a pesquisa o entrevistado nos forneceu algumas fotos que
contam sobre sua trajetória de vida, enriquecendo ainda mais nosso trabalho.
A entrevistada 2 nasceu no 30 de agosto de 1933, na Malhada da Areia, povoado do
município de São João dos Patos – MA. Aos 18 anos foi contratada pela Prefeitura para
trabalhar como professora na sede do município, cargo no qual ficou por apenas 2 anos,
passando a exercer posteriormente um cargo na SAGRIMA (Secretaria de Estado da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Maranhão). A recordadora contribuiu bastante com
lembranças de acontecimentos ocorridos na cidade de São João dos Patos.
A entrevistada 3 nasceu no dia 15 de julho de 1931, no município de São João dos patos
- MA. Após muito força de vontade, concluiu o Magistério e foi uma das grandes educadoras
da cidade, trabalhou como professora e diretora em algumas escolas, e depois de aposentada
chegou a ser bibliotecária de uma escola particular. A educadora, hoje totalmente aposentada,
se dedica exclusivamente às suas poesias e crônicas, e nos presenteou com exemplares de dois
livros de sua autoria.
O entrevistado 4 nasceu no dia 05 de novembro de 1926 e é natural de São João dos
Patos. Foi criado por uma tia, principal “parteira” da região. Seu primeiro trabalho foi como
“carregador de água” aos 12 anos de idade utilizando um animal e fornecendo água para as
casas que o contratavam, pois na cidade não havia água encanada. Aos 16 anos começou a
profissão de carpinteiro como aprendiz e fez desse ofício um meio de ganhar a vida. Hoje é
estabelecido financeiramente, possui imóveis e desde 2010 encontra-se afastado da sua
atividade.
A entrevistada 5, natural do povoado Malhada da Areia no município de São João dos
Patos, nasceu no dia 29 de julho de 1929. Após o falecimento da sua mãe aos 42 anos de
idade, teve que interromper seus estudos em Floriano ainda na Escola Normal para ajudar a
criar os irmãos mais novos, e já casada concluiu o curso de Magistério, exercendo desde então
a profissão de educadora. Sua vida é marcada por tragédias, conquistas e também pelo
preconceito, pois por ser neta de uma negra teve que conviver com situações constrangedoras
no povoado onde nasceu, um lugar onde negros e brancos não se misturavam. Hoje é
aposentada e traz na voz e no olhar bastante sabedoria e doçura.
O entrevistado 6 nasceu no dia 08 de março de 1917 no povoado Pequi no município de
São João dos Patos. Foi lavrador e adoeceu aos 63 anos vítima de um derrame que o deixou
debilitado e na cadeira de rodas, mas que não afetou sua boa memória. Muito sábio e contador
de “causos” forneceu detalhes sobre a educação da época e histórias interessantes.
O entrevistado 7 nasceu em São João dos Patos no dia 16 de setembro de 1936. Músico,
tocador de saxofone, participou da principal banda musical da cidade. Seu primeiro trabalho
foi aos 24 anos de idade como aprendiz de marceneiro, mas acabou fazendo atividades
particulares para seu mestre como pilar arroz. O seu pai foi o principal pedreiro da cidade e

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4847

acompanhava o filho no gosto pela música. Tocou bastante nos carnavais da região, hoje é
aposentado, mas ainda faz alguns serviços como marceneiro.
O entrevistado 8 nasceu no dia 26 de setembro de 1930 em Matões, atualmente povoado
de Sucupira do Riachão. Foi lavrador e desde a década de 70, quando passou a morar em São
João dos Patos, exerce a atividade de comerciante. Sua família foi produtora de rapadura,
produto muito importante na época. Com muito trabalho conseguiu dar uma educação de
qualidade para os filhos.
O entrevistado 9 nasceu em 26 de maio de 1926 na cidade de São João dos Patos.
Trabalhou bem jovem como lavrador, foi “carregador de água” na mesma época do
entrevistado 4, e depois de um tempo passou a exercer a função de motorista e funcionário da
família “Rocha Santos”, bastante tradicional da cidade. Em 1950 adoeceu com problemas no
pulmão e foi trabalhar nas máquinas de algodão também propriedade dos seus patrões.
O entrevistado 10 nasceu em Floriano – PI no dia 15 de fevereiro de 1929. Aos 15 anos
de idade veio tentar ganhar a vida na cidade de São João dos Patos, acolhido pela família
Rocha Santos aprendeu a profissão de motorista e mecânico.
A entrevistada 11 nasceu em Guadalupe – PI no dia 04 de janeiro de 1928. Foi a
segunda esposa de um grande empresário da região. Aos 23 anos começou a trabalhar na
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, e trabalhou nessa instituição durante 30 anos.
Chegou a exercer função de gestora na área da saúde no município de São João dos Patos.
O entrevistado 12 é bastante carismático, costuma dizer que na época dele era
“cangaceira” a vida, ou seja, muito difícil, e exalta as facilidades da atualidade. Nasceu no dia
07 de julho de 1931, no povoado Malhada da Areia. Embora tivesse aptidão como lavrador,
até mesmo por ter sido criado por um pai que acreditava que o homem só tinha respeito
quando tinha um cavalo para montar e uma terra para cuidar, foi também um grande
carpinteiro, profissão que aprendeu sozinho e que fez dela outro fonte de renda para o sustento
da família. O entrevistado é um exímio contador de causos.
A entrevistada 13 nasceu no dia 18 de julho de 1924, no povoado Baixão do Coco,
município de São João dos Patos. Sua família tinha um padrão de vida razoavelmente
confortável em relação à muita família da época, pois possuía sítio e roça e empregava
algumas pessoas na época da colheita, vindo até mesmo pessoas de outros estados para
conseguir o sustento através do trabalho nas terras de seus pais. A entrevista foi modista e
comerciante.
O entrevistado 14 nasceu no dia 23 de dezembro de 1934 em União-PI, antes povoado,
atualmente é uma cidade. Foi sacristão, fez trabalhos na lavoura, trabalhou em padaria,
mercearia e bar até conseguir ter seu próprio negócio.
O entrevistado 15 nasceu na cidade de São João dos Patos, no dia 29 de maio de 1921.
Estudou o suficiente apenas para aprender a ler e escrever. Exerceu a função de alfaiate, mas
atualmente administra o próprio aviamento.
Cada recordador trouxe consigo uma bagagem riquíssima de história, emocionam, nos
fizeram refletir, viajar no tempo e no espaço. Em algumas narrativas foi possível vivenciar
situações como as alegrias da infância, as tristezas pelas idas de entes queridos, as viagens
demoradas de outrora, as travessuras da infância, as brigas de valentões da época, os sonhos,
festas, amores, dores, dificuldades, trabalhos árduos da infância, alegrias devido o primeiro
salário, vidas inteiras. A cada entrevista ficou nítido todo o sofrimento do povo nordestino,
um povo esquecido pelo Estado, pessoas que construíram suas vidas com muito suor e muita
vontade de vencer e de proteger seus descendentes, que encontraram em São João dos Patos
seu porto seguro.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4848

CONCLUSÃO
Foi possível constatar com a riqueza de detalhes colhidas através dos entrevistados uma
compreensão sobre como era a vida dos nordestinos do sertão maranhense. Suas dificuldades
na maior parte dos relatos eram devido à falta de infraestrutura, informação, e perspectiva de
vida. As profissões escolhidas eram impostas muitas vezes como único meio de
sobrevivência. Os que tiveram acesso à educação contaram com a ajuda de pais conscientes
que, assim como alguns pais atualmente, possuem como riqueza apenas a vontade e força para
lutar por um futuro melhor para seus filhos. Os pais de outrora que tiveram esse discernimento
foram os que conseguiram formar filhos professores, ou cidadãos que alcançaram melhor
desempenho econômico na vida. Em casos como o do alfaiate, o entrevistado 1, foi questão de
aptidão, vocação esta que lhe garantiu a sobrevivência no sertão maranhense.
As histórias se complementaram, se entrelaçaram e ganharam cada vez mais força em
relação ao que foi lembrado por cada um, formando com o decorrer das entrevistas um
mosaico de detalhes que somados formaram um todo. É um interessante processo de
construção onde peças se encaixam cada vez melhor, e onde a história de toda uma cidade
ganha forma e sentido cada vez mais concretos.

REFERÊNCIAS

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade - lembranças de velhos. 3ed. São Paulo: Cia das Letras,
1994.

ERTZOGUE, Marina Haizenreder e PARENTE, Temis Gomes (org). História e


Sensibilidade. Brasília: Paralelo 15, 2006.

FENTRESS, James; WICKHAM, Chris; Memória Social. Novas Perspectivas sobre o


Passado. Lisboa: Editorial Teorema, 1994.

FREITAS, Sônia Maria de. História Oral: possibilidades e procedimentos. São Paulo:
Humanitas/FFLCH/USP: Imprensa Oficial do Estado, 2002.

MEIHY. José Carlos Sebe Bom. Manual de História oral. São Paulo: Editora Loyola. 2000.

MONTENEGRO, Antonio Torres. Ciência, história e memória: Questões


metodológicas. In ERTZOGUE, Marina Haizenreder e PARENTE, Temis Gomes
(org). História e Sensibilidade. Brasília: Paralelo 15, 2006.

PROTELLI. Alessandro. A lógica das narrativas e a aprendizagem da diferença na


pesquisa de campus. In WHITAKER, Dulce Consuelo Andreatta, VELÓSO. Thelma Maria
Grisi (org). Oralidade e subjetividade: Os meandros infinitos da Memória. Campina
Grande: EDUEP, 2005.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4849

MENSAGENS EPISCOPAIS NO BOLETIM INFORMATIVO “NÓS


IRMÃOS” DURANTE A DITADURA MILITAR
Gustavo Monteiro da Silval1, Kersey Barbosa Moraes2, Reginâmio Bonifácio de Lima3
1
Discente de História Licenciatura – UFAC. Bolsista PIBIC/UFAC. e-mail: gustavomonteiro.ms@hotmail.com;
2
Discentede História Bacharelado – UFAC. Bolsista PIBIC/UFAC. e-mail: kerseybmoraes@gmail.com;
3
Professor de História EBTT no CAp - UFAC. e-mail: reginamiobonifacio@yahoo.com.br

RESUMO: Esta pesquisa tem como base as cartas escritas pelo Bispo da Prelazia
Acrepuruense da Igreja Católica, publicadas no Boletim Informativo “Nós, Irmãos”, criado
durante a Ditadura Militar brasileira. A metodologia constou de leitura de materiais de
referencial teórico e crítico que serviram como base de conhecimentos para a elaboração do
subprojeto. Foi realizado um estudo dirigido sobre a formulação das epístolas que
fundamentaram o trabalho realizado. O referencial teórico está embasado na história
representativa, de Roger Chartier e nos pressupostos de memória e identidade baseados nos
escritos de Joël Candau. O Boletim “Nós, Irmãos”, nas décadas de 1970 e 1980, tinha um
papel social: desde sua primeira edição, publicada no ano de 1971, teve como um de seus
objetivos informar a população acreana sobre notícias da Igreja Católica, bem como
orientações do Bispo sobre questões sociais como o conflito pela posse das terras no Acre.
Palavras-chave: boletim informativo, ditadura militar, igreja católica.

INTRODUÇÃO
O Brasil no período de 1964 a 1985 sofreu um golpe militar, neste golpe os militares
tomaram o poder politico em todo o país. A igreja católica no inicio havia aprovado o
Regime Militar, e com o tempo passou a se posicionar contra o Regime Militar devido às
injustiças que eram visíveis contra as pessoas. Em 1961 houve o concílio do Vaticano II,
onde a igreja se reuniu com o objetivo de estruturar uma atuação maior do clero nos
assuntos relacionados a sociedade e também a construção de uma igreja mais voltada para
os pobres e como a censura já estava estabelecida nos meios de comunicação e jornais
presentes no Acre, a igreja católica já não mais tão conservadora resolveu agir através de
meios de informativos, com a criação de boletins.

“Em dezembro de 1971, foi lançado o Boletim Informativo intitulado “Nós Irmãos”,
que divulgava a ação religiosa e orientava as CEBs sobre as formas de trabalho e as
noticias de várias comunidades” (LIMA, Reginâmio Bonifácio de. 2006).

No Boletim “Nós Irmãos” a igreja inseriu vários temas relacionados aos seus grupos e
movimentos sociais, principalmente constantes avisos e notícias sobre suas paróquias, suas
comunidades eclesiais de base, textos do evangelho para que fossem analisados e refletidos
por seus leitores mensalmente. A igreja católica demonstrou a sua opção pelo auxílio das
pessoas e prioritariamente pelas mais carentes, o que em pleno período de ditadura militar
veio a ser considerada de certa maneira como “subversão” e, através de seu boletim “Nós
Irmãos”, veio a servir de instrumento de comunicação social.
Um Boletim é uma espécie de publicação regular que tem como objetivo noticiar seus
leitores sobre assuntos determinados, podendo conter em seu conteúdo cartas e em algumas
de suas edições o Boletim “Nós Irmãos” continha cartas, sendo eles de líderes das
comunidades, Padres e também do Bispo Dom Moacyr Grechi. Dentre as cartas destacam-se
as cartas episcopais publicadas por Dom Moacyr Grechi por serem um método de orientação
que existiu para guiar as pessoas em suas ações. As cartas eram destinadas as pessoas das
comunidades eclesiais de base, o Boletim serviu de instrumento de comunicação social e por

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4850

tal importância das comunicações escritas pelo Bispo Dom Moacyr Grechi, que há a
importância para esse projeto ser executado outro motivo para que o projeto seja realizado é o
simples fato de fazer com que a história das comunidades de base e paróquias não seja
esquecida, pois,

“Enquanto a memória é sempre viva e presente na vida das pessoas de uma


comunidade, esta se transforma em história quando deixa de estar viva e é enviada
aos arquivos” (MONTENEGRO, Antônio Torres. 2003.).

No Estado do Acre as terras durante a Ditadura Militar estavam sob um processo de


expansão agropecuária, aondegrande empresários de outras regiões compravam terras e
colocavam os seringueiros e trabalhadores para fora de suas propriedades lhes negando o
mínimo de condições de subsistência. E devido ao regime ditatorial, os meios de comunicação
sendo censurados preferiam se omitir em questões a respeito das terras, se mantendo em
silêncio a respeito das questões agrárias no meio rural.
No Estado os jornais encontravam dificuldades para serem implantados, jornais eram
necessários para a construção do conhecimento social, conhecimento este onde as pessoas
necessitavam de um meio de comunicação social.

Com o advento do Estado em 1962, inicia-se a terceira fase da imprensa


riobranquense (1963-1984), sendo marcada pela estruturação empresarial dos
jornais, devido, principalmente, à reformulação da linguagem jornalística,
caracterizada, neste novo momento, pelo estilo direto e objetivo de narração, pela
instituição de da diagramação e do departamento de texto , pela criação do
colunismo social como temos hoje e pela dinamização da fotografia, que deixou de
ser mera ilustração para se transformar em fonte de informação. (ASSMAR,
BONIFÁCIO, LIMA, 2007, p.84).

Com a necessidade de um meio de comunicação e as injustiças com os mais pobres


igreja católica deixou de lado seu papel conservador, mostrando-se ativamente a sociedade
publicando o Boletim Informativo “Nós Irmãos”, o boletim serviu para unificar e integrar as
comunidades de base, pois o mesmo serviu como instrumento de comunicação social. O
Boletim Informativo “Nós Irmãos” serviu como homilia para os encontros das comunidades
de base. Existiam vários temas, sendo estes relacionados com os movimentos e ações sociais
da igreja, todos numa perspectiva da Teologia da Libertação, baseada no que fora proposto no
pelo Concílio do Vaticano II.
No Boletim Informativo “Nós Irmãos”, existiam várias cartas escritas pelo Bispo Dom
Moacyr Grechi. As cartas episcopais continham mensagens que por diversos fatores foram
influenciadas, tais fatores podem ter sido as consequências do Regime Militar, como a
censura. A Teologia da Libertação baseada no concílio do Vaticano II também pode ter sido
utilizada pelo Bispo em seus escritos influenciando Dom Moacyr a ampliar sua relação com a
comunidade.
A expansão agropecuária no Estado do Acre teve vários resultados, a maioria deles
negativos para o trabalhador rural, que em sua grande parte resultou em problemas
habitacionais nos mais diversos municípios da região.

Com as constantes expulsões de seringueiros e venda indiscriminada de terras, mais


de 600 famílias xapurienses foram obrigadas a migrar para a Bolívia; Brasiléia,
Tarauacá e Feijó, tiveram grandes áreas vendidas a empresários sulistas; foram
muitas as ameaças de morte e os conflitos no campo. (LIMA, 2006).

Com todos esse problemas relacionados à posse das terras o Boletim Informativo
“Nós Irmãos” adquiriu seus métodos de difundir suas orientações e informações a sociedade

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4851

em assuntos relacionados a conflitos relacionados as terras, de forma que a Igreja Católica


apoiou nas formações de sindicatos nas zonas rurais, mobilizando as comunidades em busca
de condições mais dignas de vida para aqueles que foram expulsos de suas residências nas
zonas rurais.
Como a Igreja Católica brasileira e sua hierarquia eram progressistas, serviram a favor
da democracia, guiando a participação da população numa luta em busca da democracia em
pleno período ditatorial, gerando um processo histórico. E com todo esse apoio os
movimentos de base como a Juventude e a Ação Católica, desempenharam um papel
importante nas mudanças desenvolvidas pela igreja católica, mudanças derivadas das
influências da hierarquia da base católica.
Tivemos como objetivo geral, analisar como foi construído o discurso que se fez
presente nas mensagens do Bispo Dom Moacyr Grechi, publicadas nessas cartas, buscando,
especificamente, identificar a quem eram direcionadas essas mensagens, observando qual o
contexto e finalidades da escrita dessas missivas, e discutir as contribuições das cartas do
Bispo provocadas no contexto social em que foram escritas, levando em conta seu contexto.

MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa começou com um estudo dirigido sobre a formulação de cartas e missivas,
antes mesmo de partir para o referencial teórico, foi necessário ampliar a base de
conhecimento sobre o tema a ser estudado. O referencial teórico que embasa o projeto é
embasado na história representativa, de Roger Chartier. A pesquisa se dará em três etapas.
Em sua primeira etapa a pesquisa teve como ponto de partida a solicitação ante a
Diocese de Rio Branco para uma reunião com o atual Bispo da Igreja Católica do Acre Dom
Joaquín Pertíñes Fernández durante a reunião com o Bispo foi lhe dito a importância do
Boletim Informativo “Nós Irmãos” para a sociedade acreana, pelo fato do mesmo conter
informações sobre movimentos sociais, ações sociais da prelazia da Igreja, informações
sobre as comunidades eclesiais de base e orientações do Bispo Dom Moacyr Grechi e dos
líderes das comunidades para o trabalhador rural. os Boletins Informativos foram lhe
solicitados para que a pesquisa pudesse ser continuada, O Bispo Dom Joaquín Pertiñes
permitiu que o “Nós, Irmãos” fosse utilizado gerando então uma série de determinados
processos que compõem o projeto.
Os processos que compõem o projeto são a digitalização de todos os Boletins
Informativos “Nós, Irmãos”, a seleção dos Boletins a serem trabalhados, a catalogação dos
Boletins Informativos e a digitação dos Boletins “Nós, Irmãos”. A etapa da digitalização teve
como ponto de inicio a solicitação de material de digitalização(scanner, computador e sala
para manuseio dos arquivos a serem digitalizados) ao Arquivo Central da Universidade
Federal do Acre que em resposta ao pedido nos cedeu o material solicitado de bom grado, o
processo de digitalização é metódico, as páginas do Boletim Informativo devido serem muito
frágeis devido ao tempo de existência rasgam-se e amassam-se com mais facilidade em
relação as páginas de livros atuais.
Devido a esta fragilidade das páginas os jornais tem que ter suas páginas digitalizadas
uma a uma manualmente e com cuidado para que não seja danificado por ser um documento
antigo e estar com suas folhas em condições não tão adequadas ao manuseio constante teve
todas as suas edições digitalizadas para que fosse utilizado com mais facilidade e também
como meio de preservar os originais. Ainda durante este processo há a necessidade de editar
as páginas digitalizadas, tendo em vista que algumas delas ficam de cabeça para baixo devido
os boletins terem sido encadernados em forma de livro e com o fim da edição tem que salvar
o arquivo em PDF para que seja guardado para a próxima parte do processo.
A próxima etapa do processo foi a seleção dos boletins a serem trabalhados dentre as
mais diferentes seções do interior do “Nós, Irmãos” dentre as quais para a realização do

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4852

projeto foi selecionado as cartas do Bispo Dom Moacyr Grechi, em seguida da seleção veio a
catalogação dos Boletins Informativos “Nós, Irmãos”. Este processo que também constitui a
primeira etapa do projeto foi tão complexo quando a digitalização, nela se deu por necessário
realizar a leitura de todas as edições dos Boletins e fazer uma espécie de sumário dos itens
que constituem uma edição do Boletim, numerá-los de acordo com o ano, edição e mês.
Processo com o objetivo de agilizar a busca por assuntos no interior das edições e economizar
tempo durante o decorrer da pesquisa.
O processo de digitação se deu sobre as Cartas do Bispo Dom Moacyr Grechi, das quais
foram digitadas todas desde 1971, quando surgiu o Boletim Informativo até o fim de 1985
com o fim da Ditadura Militar, cada carta tem em média uma página e meia, mas existem
cartas que chegam a ter três páginas em edições especiais.
Cartas, missivas, editoriais, avisos, textos do evangelho, escritos de mulheres, todos
estes eram membros que compunham os Boletins “Nós Irmãos” e em nossa pesquisa foi
necessário realizar uma separação de tais membros de acordo com seus estilos, gêneros,
contexto, ano, assunto e projeção social.
Ainda na terceira etapa a pesquisa tem inicio com a análise das Cartas do Bispo Dom
Moacyr Grechi, na análise se busca descobrir determinados pontos de relação do Bispo Dom
Moacyr com a prelazia da Igreja Católica do Acre, a representação social do Bispo perante a
sociedade, o significado de suas ações e as contribuições sociais das cartas escritas por Dom
Moacyr durante o período do Regime Militar.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com todos os processos realizados no percorrer do projeto foram obtidos resultados que
fazem jus ao pesquisado, com todas as digitalizações dos Boletins Informativos “Nós,
Irmãos” foram digitalizados um total de 158 Boletins Informativos que se compreendem do
período de 1971 à 1985. Relacionados a catalogação dos Boletins foram catalogados também
um total de 158 boletins, gerando um total de 158 fichas técnicas ainda dentro do período da
pesquisa e foram digitadas um total de 120 Cartas do Bispo Dom Moacyr Grechi, um número
um pouco menor, pois, nem em todas as edições mensais do Boletim Informativo existem
cartas escritas pelo Bispo Dom Moacyr Grechi que foi bispo da Prelazia Acrepuruense.
E com base nos estudos, os resultados obtidos foram compreender como se dá a relação
do Bispo Dom Moacyr a sua prelazia, através de suas cartas, tais cartas eram enviadas nas
homilias para sua comunidade, as cartas de Dom Moacyr tinham em seu contexto assuntos de
cunho religioso e social, o Bispo é um líder e lidera ante as necessidades do povo, pois ele
dizia aos fiéis resistirem aos abusos sofridos, também sabia como orientar as pessoas estavam
sendo exploradas, expropriadas de suas terras e orientava estas pessoas com o Boletim “Nós
Irmãos” que continha seções de orientação ao trabalhador.
Nas cartas escritas pelo Bispo Dom Moacyr Grechi existia, mensagens e algumas destas
mensagens eram voltadas para os governantes, para que os governantes possam visualizar que
a Igreja tinha relações com o povo e para que também pudesse esclarecer ao povo que eles são
os donos das terras, e um destes meios de demonstrar que o povo era o dono das terras foi
através da Pastoral da Terra contida em algumas edições do Boletim Informativo “Nós
Irmãos” que falam de assuntos da área religiosa, mas também na área social saber como o
Bispo se relaciona com a prelazia da Igreja Católica.
A relação do Bispo com a prelazia da Igreja Católica é uma questão de importância,
pois, através do Bispo que pessoas das comunidades eclesiais de base tem um líder, um líder
que os orienta e guia em suas ações, auxiliando as pessoas que necessitam de apoio, exibindo
assim uma abnegação essencial em um convívio social, principalmente em sua relação com a
comunidade. Sendo que o Bispo Dom Moacyr foi um líder que levou seu povo a lutar de
forma pacífica por seus direitos, através de suas orientações presentes no Boletim Informativo

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4853

“Nós Irmãos”, foi um Bispo que também deixou claro que a Igreja Católica faz preferência
pelos pobres.

CONCLUSÕES
Com todo o projeto de pesquisa foi possível concluir que é possível ter acesso a
documentos da Igreja Católica, porque o Boletim Informativo “Nós Irmãos” é acessível a nós,
embora haja atualmente apenas duas cópias existentes. O Boletim Informativo “Nós Irmãos”
não era apenas uma homilia de domingo, mas sim um boletim que trazia dados sobre politica,
sobre sociedades e os modos de vivencia.
O material digitalizado existente é um material de boa qualidade, sendo que foi possível
fazer a digitalização de todas as edições do Boletim “Nós Irmãos” de forma que possam ser
preservados ao longo do tempo possibilitando futuros estudos, os jornais também tiveram
todas as suas edições digitadas de forma a preservá-lo e facilitar estudos. Pode-se concluir
também que existiam algumas dezenas de cartas do Bispo Dom Moacyr Grechi, tais cartas
continham mensagens de liderança, mensagens para os governantes, orientações para a
prelazia e comunidades eclesiais de base.
O Boletim Informativo “Nós Irmãos” da prelazia Acre e Purus da Igreja Católica por ser
um boletim que foi criado com o objetivo de informar a população sobre: os mais diversos
acontecimentos, dar as noticias sobre as comunidades eclesiais de base, paróquias, cursos de
formação de monitores da Igreja Católica, conter cartas de padres, do Bispo, dos lideres
comunitários e até mesmo servir de orientador para os colonos e pessoas que enfrentam
problemas com a posse da terra foi um instrumento social essencial para a comunicação da
sociedade acreana no período em que foi publicado. O mesmo serviu de meio alternativo, já
que censura que estava acontecendo no período ditatorial no Acre chegou até mesmo interferir
na publicação de jornais de Rio Branco.

“Um dos fatos que influenciaram esta nova fase da imprensa da capital acreana, a
qual estendeu-se até 1985, foi o golpe militar de 1964, quando a imprensa passou a
estar sob vigilância permanente dos órgãos de censura. O surgimento do primeiro
jornal-empresa da capital acreana, o jornal O Rio Branco, em 1969, marcou na
prática transformação do jornalismo riobranquense segundo os padrões na nova
imprensa”. (BONIFÁCIO, 2007).

Com todo o processo de elaboração do projeto pode-se concluir que o Boletim


Informativo “Nós Irmãos” pertencente à prelazia Acre e Purus da igreja católica, é um
documento de suma importância, pois, o mesmo contém fatos ocorridos no período ditatorial
brasileiro que precisam ser lembrados, trazidos à memória novamente para que por meio
dessas memórias a sociedade possa compreender melhor como foram às ações e intervenções
repressoras daquele período de forma que não sejam repetidas novamente na nação brasileira,
sendo que se possível o mesmo seja utilizado como objeto de pesquisa

AGRADECIMENTOS
Agradecemos à Universidade Federal do Acre e ao CNPq pelo apoio para a realização
da pesquisa.

REFERÊNCIAS

ASSMAR, Olinda Batista. BONIFÁCIO, Maria Iracilda Gomes Cavalcante. LIMA, Gleyson
Moura de. O imaginário social: estudo dos editoriais nos jornais de Rio Branco – Século
XX. Olinda Batista Assmar, Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio, Gleyson Moura de
Lima. Vol. 1. João Pessoa: Idéia: 2007.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4854

BONIFÁCIO, Maria Iracilda Gomes Cavalcante. Ideologia e poder: Uma análise do


discurso dos jornais “O Rio Branco” e “Varadouro” durante a Ditadura Militar (1977-
1981). Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio. Rio Branco: CIDA, 2007.

CANDAU, Joël. Memória e Identidade / JoëlCandau: tradução Maria Leticia Ferreira. – 1.


ed., 2ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2004. Título original: Mémoireetidentité.

CHARTIER, Roger. Práticas de leitura. Trad, Cristiane Nascimento. São Paulo. Estação
Liberdade, 1996.

CHARTIER, Roger: A historia cultural entre praticas e representações; tradução de Maria


Manuela Galhardo. -Rio de Janeiro : Bertrand Brasil ; 1990.

DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História Oral – Memória, tempo e identidades.


Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

GERVINUS, Georg Gottfried. Fundamentos de Teoria da História/ Georg Gottfried


Gervinus; tradução de Sara Baldus e Julio Bentivoglio; apresentação e notas de Julio
Bentivoglio. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

LIMA, Reginâmio Bonifácio de. Sobre terras e gentes: o terceiro eixo ocupacional de Rio
Branco / Reginâmio Bonifácio de Lima. João Pessoa: Idéia, 2006.

MONTENEGRO, Antônio Torres. História Oral e Memória: cultura popular revisitada.


São Paulo: Contexto, 2003.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4855

MUDANÇAS DOS HÁBITOS ALIMENTARES NO DECORRER DA


HISTÓRIA E SUA INFLUÊNCIA NA SAÚDE DO NORDESTINO
Alina Leal Viana da Câmara¹ Joycimara de Morais Rodrigues²

¹Discente de médio tecnológico de Alimentos – IFRN. e-mail: alinalealc@hotmail.com


²Professora de História – IFRN. e-mail joycimara.rodrigues@ifrn.edu.br

RESUMO: O trabalho a seguir expõe um diagnóstico do histórico da formação da cultura


alimentar nordestina, a partir da compreensão das mudanças da mesma com o decorrer do
tempo, além das influencias dessas tais mudanças para a saúde das pessoas dessa região.
Baseada em autores que se dedicam aos fenômenos alimentares desde a antiguidade até os dias
de hoje em todo o mundo e entrevistas com idosos nordestinos que relataram suas experiências
pertinentes ao tema através de suas respostas mediante um questionário para dissolução de
questões relevantes levantadas durante a pesquisa.
Palavras-chave: cultura alimentar, história, mudanças alimentares, nordestina, saúde.

CHANGES IN EATING HABITS AND THEIR INFLUENCE ON


NORTHEASTERN’S HEALTH
ABSTRACT: The paper then presents a diagnosis of the history of formation of the
Northeastern food culture, from the understanding of the changes thereof with the passage of
time, in addition to these influences such changes for the health of the people of this region.
Based on authors who are dedicated to food phenomena from antiquity to the present day
worldwide and interviews with Northeastern seniors who reported their relevant experience to
the topic through their responses through a questionnaire for dissolution of relevant issues
raised during the search.
KEYWORDS: food culture, history, changes food, northeastern, health.

INTRODUÇÃO
A globalização do mundo permitiu que as peculiaridades de cada lugar em distintos
tempos pudessem ser estudadas e compreendidas por todos, independentemente de sua
origem. Porém pode-se destacar que a sua função principal foi ter sido o maior influenciador
para que essas mudanças acontecessem. Junto com a globalização temos fatores religiosos,
culturais, políticos e financeiros que influenciam diretamente naquilo que vai para a nossa
mesa todos os dias. Por se tratar de uma das mais básicas necessidades do homem, a
alimentação assume um papel não só biológico para a sobrevivência, mas também funções
sociais e culturais em todos os âmbitos de nossa sociedade desde seus primórdios. Tal fato é
evidenciado nos costumes e rituais que envolvem a comida e as pessoas no mundo inteiro,
como por exemplo, as festas de rua, quermesses, festas de padroeiro (os eventos mais
importantes dos calendários de cidades interioranas), além de festivais, dentre outras festas
em que a comida é inerente ao próprio evento.
Ao falar em alimentação é indispensável chegar ao assunto saúde, nos dias de hoje cada
vez mais as pessoas demonstram preocupação com aquilo de que se alimentam. O consumo dos
alimentos ditos funcionais é cada vez maior, e todos os dias pode-se observar novos produtos
nessa linha, que atendem a necessidade cada dia maior desse mercado em ascensão. Porém
sempre existiu o pensamento de que aquilo que comemos tem relação direta com nossa saúde,
e que alguns alimentos podem até mesmo curar doenças, sendo os alimentos, os primeiros
modelos de fármacos que as civilizações conheceram. O Brasil é muito heterogêneo
culturalmente, e a alimentação muda bastante de região para região.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4856

No caso do Nordeste, houve um predomínio da influência Africana na culinária, onde


permaneceram pratos típicos, com algumas modificações, onde se incrementou condimentos
típicos, além de alterações forçadas pela seca que sempre assolou essa região do país. No
nordeste há um costume mítico de associar problemas de saúde peculiares à alimentação
daquele dia, esse é um costume centenário desde a época da escravidão que pode ser percebido
ainda com muita intensidade nos pequenos municípios interioranos dessa região. Nesse
contexto, o estudo dos hábitos alimentares e a influência que eles exercem na saúde de todos
são imprescindíveis para a valorização dessa cultura, além da manutenção desse patrimônio
imaterial que se revela nos hábitos peculiares dessa sociedade. Procura-se compreender a
influência da alimentação na cultura, modo de vida e saúde do Nordestino a partir de todos os
aspectos que compõe os hábitos alimentares, como por exemplo, o comportamento a mesa, os
recursos disponíveis, as diferenças sociais, e as peculiaridades do local a ser estudado.

MATERIAL E MÉTODOS
Os estudos foram encaminhados a partir de uma revisão bibliográfica de obras, entre
livros e artigos, que tem como tema a cultura alimentar em diferentes épocas da história e
lugares do mundo. Além de uma entrevista realizada na cidade de Currais Novos, interior do
Rio Grande do Norte, no dia 02 de Dezembro de 2014, com uma turma da EJA (Educação
Jovens e Adultos), no turno noturno da Escola municipal professora Trindade Campelo. Que
contemplou alunos com idades entre 43 e 63 anos, estabelecendo um total de 19 entrevistados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
No Brasil, os hábitos alimentares formaram-se a partir da miscigenação das culinárias
indígena, portuguesa e africana e, com o decorrer do tempo, foram adquirindo características e
peculiaridades. Cada região do país desenvolveu uma cultura popular rica e diversificada, onde
figura uma culinária própria, devido à influência das correntes migratórias e adaptações ao
clima e disponibilidade de alimentos.
Em seu livro “Casa: Pequena História de uma ideia” (2002), o historiador escocês Witold
Rybczynski afirma que até o Século XVII, nas casas do Ocidente, eram raros os ambientes com
funções específicas. A especialização dos cômodos está atrelada ao desejo por privacidade, uma
inovação do século XVIII. As famílias passam a fazer refeições em salas fechadas, onde podem
conversar tranquilamente. A partir do século XIX a alimentação oriunda do continente Europeu
começa a influenciar diretamente os hábitos alimentares Ocidentais.
Em sua obra “História da alimentação” Ulpiano T. Bezerra de Meneses e Henrique
Carneiro (1997) explicam que o tomate, a batata, o milho entre outras espécies alimentares
americanas começaram a se desenvolver no modo de produção agrícola Ocidental. Esse
intercâmbio cultural possibilitou aos Europeus conhecer e adotar para sua dieta alimentos ditos
exóticos, como o cacau, pimentão, café, e o chocolate, por exemplo. Nesse momento o açúcar
passa a desenvolver um papel imprescindível na economia e cultura Europeia.
Muitos fatores auxiliaram no processo de transformação do sistema alimentar, a Reforma
protestante, por exemplo, desestruturou uma regulamentação eclesiástica que detinha uma
unidade da alimentação ocidental na Idade Média pois “[…] os grãos vendidos no mercado
provinham principalmente dos eclesiásticos beneficiários do dízimo…” (MENESES;
CARNEIRO, 1997, p. 53), sendo assim, a reforma não diversificou somente os modos de
pensar, mas também teve papel fundamental na diversificação da cozinha. Outro exemplo a ser
citado é a dominação econômica dos países do norte da Europa, tal fator favoreceu a produção
e o consumo de álcool. O desenvolvimento científico, mais especificamente da química,
auxiliou o progresso também em termos alimentares, “…que interrompe por um tempo a
tradicional relação da cozinha com a dietética”. (IDEM, p. 512), e por fim, o desenvolvimento

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4857

da imprensa, que difundiu as ideias, mudanças e os livros de cozinha, a partir da escrita, que
nesse momento passa a ser mais socializada.
A mudança de estilo de produção acarretado pelo crescimento acelerado e contínuo das
cidades, de uma agricultura de subsistência para uma agricultura de mercado que gerou um
aumento significativo de terras que seriam destinadas ao plantio, a demanda crescia junto com
as terras, além de que nesse momento passava-se pela volta do crescimento demográfico, já que
“A população da Europa, estimada em 90 milhões [...] passou para 125 milhões no início do
século XVIII e, em seguida, cresceu [...]145 milhões em meados do século e 195 no final.”
(IDEM, p. 533). Isso somado ao fato de que as elites conquistavam cada dia mais as terras
aráveis gerou um refinamento da culinária para as camadas mais altas da sociedade, e um
aumento da desnutrição para os camponeses, esses fatores aceleraram o processo de
transformação desses países para economia de mercado

[…] enquanto os laticínios, os ovos, a carne, o vinho e os legumes — todo o resto,


em suma, com exceção da caça — eram produzidos principalmente nas pequenas
explorações camponesas. Essa divisão é lógica, se se considera que cada um vende
seus excedentes, e testemunha o desenvolvimento da agricultura de mercado.
(IDEM, p. 535)

A falta de alimentos foi responsável por inúmeras crises mundiais, matando milhares de
pessoas no mundo todo, na França, Alemanha, Inglaterra, Espanha e Itália, por exemplo. No
século XIX a época industrial possibilitou uma revolução nos meios de produção dos alimentos,
o que gerou uma oferta ainda maior de comida, e isso estruturou a balança comercial de países
em franco desenvolvimento, como a Inglaterra, por exemplo. Porém, representou a morte de
milhares de pessoas em colônias como o Marrocos (um quarto da população) e a China (20
milhões de mortos).

No balanço geral do final do século XIX, o sacrifício total de seres humanos dessas
três ondas de seca, fome e epidemias não deve ter sido inferior a 30 milhões de
vítimas. Cinqüenta [sic] milhões de mortes é considerado como um cálculo mais
realista. (IDEM, p. 33)

Durante o século XX milhares de pessoas ainda morriam de fome, não só em colônias


isoladas, mas de forma generalizada, através de endemias decorrentes da fome.
Em “Comida e sociedade, uma história de alimentação” (2003), Henrique Carneiro
preconiza que a alimentação é uma das mais básicas necessidades humanas e desenvolve
funções não só biológicas, como, também sociais, sexuais, políticas, religiosos, éticos e
estéticos; estabelecendo até mesmo relação direta com o poder. Segundo Carneiro os estudos
relacionados a alimentação nos últimos dois séculos lhe dão quatro temáticas a serem
trabalhadas, sendo elas: biológica, o econômico, o social e cultural. Nessas temáticas podem-
se selecionar questões a serem discutidas com relação ao futuro da nossa alimentação, que
remete ao problema da falta de alimento por grande parte da população, desde a antiguidade até
hoje. (CARNEIRO, 2003, p.3). Além dessas vertentes, a alimentação torna-se multidisciplinar,
por ser estudada por diversas áreas como, Botânica, Zoologia, Medicina, Arqueologia,
Economia, Geografia, Agronomia, Antropologia, Sociologia, História que fundamentam
teoricamente todos os estudos na área de alimentos.
A função da alimentação não se restringe em nada, aos aspectos nutricionais, a comida é
um método de aproximação das pessoas desde os primórdios, tendo relação direta com os
enlaces afetivos e sexuais – “Em relação ao sexo, sobretudo (a doçura do amor, a lua de mel
etc.)” (IDEM, p.5). Além disso podemos destacar também sua ligação ao saber e conhecimento,
a palavra “saber” deriva do mesmo radical em Latim (sapere, “ter gosto”), da palavra “sabor”.
Na medicina o ato de comer vem sendo estudado cada dia mais, pois é fato que a alimentação

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4858

dá suporte a uma vida mais saudável, na antiguidade, principalmente a partir da época do


renascimento a comida começou a ser encarada dessa maneira, com o uso de ervas, plantas
medicinais.
Desde o século XVI estudos já eram realizados para avaliar e testar a eficiência dessas
plantas em relação ao seu poder de cura.

Os estudos gregos e latinos sobre as plantas, traduzidos e publicados pela primeira


vez no Ocidente, como Matéria médica, de Dioscórides, História natural, de Plínio, e
História das plantas, de Teofrasto, tratavam da flora de um ponto de vista utilitário
medicinal. (IDEM, p.8)

Esses estudos relacionavam o “poder de cura” estudado às características da planta, como


temperatura e umidade, por exemplo. Não se restringindo apenas a boa saúde, a alimentação
também pode se transformar em vilã.
No Nordeste há uma cultura muito forte ligada a relação entre o que consumimos e nosso
estado físico. Para comprovação dessa tese, foi aplicado um questionário para dissolução de
hábitos alimentares a partir da década de sessenta, no dia 02 de Dezembro de 2014, no turno
noturno da Escola Municipal Professora Trindade Campelo. Onde foram entrevistados 19
alunos da EJA (Educação Jovens e Adultos), que tem entre 43 e 63 anos. As perguntas
direcionadas a eles tinham função de auxiliar na compreensão sobre seus hábitos alimentares
na infância, e como esses hábitos puderam influenciar em sua saúde hoje em dia, além de
questioná-los sobre costumes alimentares e a mesa que na visão dos mesmos, não existem mais.
Os alunos recordaram alimentos que fizeram parte de sua infância que hoje em dia não se
encontra mais com facilidade como o: Xerém, Arroz bugie, fava brava, sodóru (planta), bredo,
Mel de rapadura, xique-xique assado, Pão de milho, Fúba, Pirão de carangueijo, Papa de
farinha, Munguzá. Angú, Pirão de mocotó carnes de caça como o, Preá, Tamanduá, Peba,
Ticaca, Nambú, Cuscuz de farinha, Beijú. Além de hábitos que eram de seus pais e que já não
fizeram parte de sua alimentação na infância, como o Sodoru (planta) assado com preá (carne
de caça), Fruto de cardeiro (planta), Fruta do sodoru, Farinha do milho torrado.
Os hábitos a mesa também são mudados com o passar do tempo, e costumes familiares
vão sendo quebrados com o decorrer dos anos, fruto da vida corrida e agitada que temos hoje
em dia, hábitos como, Servir a todos juntos, comer no chão, o uso das panelas de barro, comer
no quengo do côco ou nos pratos de barro, a água guardada nas quartinhas, o fogo de lenha e a
catimba de côco para guardar a louça, já não são mais vistos na nossa sociedade.
Mitos são criados e passados de geração em geração, na história da alimentação isso não
é diferente, alguns costumes que surgiram desde a época da escravidão ainda persiste no
imaginário de muitos; como o pensamento de que pode ser prejudicial a saúde misturar
determinados alimentos, como a manga ou abacaxi com leite, carne verde e doce, coalhada com
café, ovos com coalhada, tomar café e beber água, melancia com café, batata com leite As
dificuldades da vida no sertão impunham alguns hábitos forçados a mesa, o que tornava, na
opinião dos entrevistados a vida extremamente mais difícil há 50 anos no sertão nordestino. Tal
dificuldade pode ser explicada pela dependência da produção na região onde se morava a falta
do dinheiro, e principalmente por depender das chuvas. A falta de recursos e de materiais que
são frutos do desenvolvimento da tecnologia, como a geladeira, por exemplo, requereu o
desenvolvimento de técnicas caseiras de conservação de alimentos, por exemplo, a salga de
carnes e peixes pendurando-os posteriormente, alternar o feijão guardado em baús com camadas
de areia, ou em latas fechadas com castanhas e principalmente o uso de hortas naturais de onde
se retirava tudo que era usado na alimentação da família.
A relação da comida com a sociedade é presente em todos os aspectos, até mesmo nas
relações sociais entre homens e mulheres; desde esse período a mulher era vista com
inferioridade em relação ao homem, pois de acordo com o autor, “o temperamento quente e

X Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação 2015


Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4859

seco era visto como o modelo ideal, e, portanto, característico do homem. A mulher seria fria e
úmida.” (IDEM, p.8). Só a partir do século XIX os estudos relacionados à ciência e a nutrição
passaram a se modernizar, sendo tratado de forma interdisciplinar, somando os conhecimentos
de várias áreas, pois

A investigação nutricional examinou o processo da digestão no corpo humano e


obteve informações para a otimização das dietas que podem ser modificadas de acordo
com a idade, o gênero e o tipo de trabalho realizado. (IDEM, p.10).

A atualização dos estudos passou a assumir uma função moderadora da alimentação para
determinadas pessoas da sociedade

Os alimentos quentes também eram perigosos pela sua suposta propensão afrodisíaca,
devendo ser estritamente controlados, especialmente entre os jovens, a quem conviria
sempre uma dieta insípida, pouco condimentada, para não aumentar o calor já
naturalmente elevado... Ostras, chocolate e cebolas excitariam os "ardores de Vênus",
devendo ser evitadas, especialmente pelas mulheres castas (IDEM, p.10).

No mundo inteiro a alimentação sempre requereu um ritual para ser feito, desde o
momento em que é preparada até a sua ingestão propriamente dita. Cada lugar possui um modo
peculiar de se alimentar e esses modos nos dizem muito sobre a história e a cultura de cada
região. Em “O inventário da cultura do Seridó (RN) ou como dar conta do patrimônio imaterial
de uma região.”, publicado na revista Memória em Rede, Pelotas, v.2, n.4, dez.2010 / mar.
2011, após pesquisas realizadas na região Seridó do Nordeste Brasileiro, pôde-se concluir que
os festejos típicos da região, sejam eles de cunho religioso, ou festas de rua, exercem função
imprescindível na vida social relacionada à cidade, “momentos importantes da sociabilidade
local que são também marcos identitários fortes.” (CAVIGNAC; MACEDO; BRITO;
DANTAS, 2011, p. 16).
As festas de cunho religioso tem força tão grande relacionado a sociedade que em Caicó,
por exemplo, abre-se o calendário religioso ao final de Julho, com a tradicional festa de
Sant’Ana, e o mesmo só tem fim ao final do ano com os festejos em comemoração as
irmandades negras em louvor a N. Sra. do Rosário. Durante os festejos em homenagem a
Sant’Ana ocorre o ciclo de “Santa´Ana Peregrina” em que 47 imagens da santa passam de casa
em casa, na zona rural e urbana. Na cidade ocorre uma novena, e após isso, um lanche ofertado
pelo dono da casa. O que ressalta a importância da comida nos festejos. Na zona rural a comida
exerce papel ainda mais importante na articulação da festa, após a novena, ocorre um leilão,
onde são oferecidas comidas e bebidas que reverterão lucros para a paróquia investir na festa
da padroeira.
No Seridó Potiguar, a alimentação recebe fortes influências de uma economia doméstica,
ligada a produção agrícola e pecuária. Durante as festividades a comida mais típica é ainda mais
requisitada, pois exerce uma função de mostrar a cultura da cidade a seus visitantes.

Pratos salgados e doces que servem as refeições das famílias são elaborados com mais
frequência no ensejo de festas de padroeiro: para recepcionar parentes que moram
longe da cidade natal, para comemorar aniversários, casamentos e batizados e em
outras datas especiais, como as festas de fim de ano e Natal. (CAVIGNAC, J;
MACEDO, M; BRITO, P; DANTAS, 2011, p. 73),

Ainda usando como exemplo a cidade de Caicó, os pesquisadores ressaltam comidas


típicas que são ofertadas durante os festejos, como

a buchada, a panelada, a fritada, a galinha caipira, a carne de criação e de porco


torrada, a paçoca de carne de sol, os queijos de manteiga e de coalho, os biscoitos

X Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação 2015


Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4860

(raivas, sequilhos, palitos) e os doces, como o chouriço e os filhoses guarnecidos com


mel de engenho. (IDEM, p.73)

O modo de preparação desses alimentos é passado de geração para geração, em um ofício


ainda realizado, em sua grande maioria, por mulheres da cidade, que aprenderam com suas
mães, avós, e assim sucessivamente; a atividade do preparo das comidas, antigamente, era
encarada como uma questão de honra para as famílias, as meninas eram inseridas ainda muito
jovens na feitura das comidas, essa atividade era estritamente direcionada a elas.

Tratava-se de um saber-fazer praticamente assistemático, aprendido e transmitido no


seio familiar, onde as doceiras, ainda meninas, iniciavam-se na doçaria. [...] Era
exigido esmero e dedicação na feitura dos quitutes, sob pena de se pôr em risco a
reputação da família. (IDEM, 74).

Essa atividade, antes caseira e rudimentar, evoluiu até se tornar um comércio lucrativo
não só para quem produz, mas também para a cidade

CONCLUSÕES
Desde os primórdios a alimentação é fundamental não só nos aspectos físicos e de saúde
do homem. A alimentação traz consigo uma carga cultural muito forte e insubstituível em todas
as esferas da vida em sociedade.
Compondo a parte principal de um conjunto de rituais que formam nossa identidade social
e dão características marcantes aos povos. Além disso, a saúde está de fato intrinsecamente
ligada aos hábitos alimentares, desde os primeiros alimentos usados com funções medicinais
até os alimentos funcionais que temos hoje.
Nesse sentido, a alimentação tem estereótipos que relacionam a comida e a saúde,
principalmente no Nordeste, formados desde a época da escravidão que permanecem até hoje
no imaginário das pessoas dessa região.

REFERÊNCIAS

CARNEIRO, H. Comida e sociedade: uma história da alimentação. Rio de Janeiro: Elsevier


2003. 7ª reimpressão. 185 p.

CAVIGNAC, J; MACEDO, M; BRITO, P; DANTAS, M. O inventário da cultura do Seridó


(RN) ou como dar conta do patrimônio imaterial de uma região. Publicado na revista Memória
em Rede, Pelotas, v.2, n.4, dez.2010 / mar. 2011.

FLANDRIN, J.-L.; MONTANARI, M. História da alimentação. Tradução de Luciano Vieira


Machado e Guilherme J. F. Teixeira. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. 888 p. ed. Estação
liberdade. 559 p.

JOANNÈS, F. A função social do banquete nas primeiras civilizações. In: FLANDRIN, J.L.;
MONTANARI, M. (Orgs.). História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 1998

MENESES, Ulpiano T.Bezerra de e CARNEIRO, Henrique. A História da Alimentação:


balizas historiográficas. An. mus. Paul. [online]. 1997, vol.5, n.1 [citado 2015-08-24], pp. 9-91.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
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47141997000100002>

X Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação 2015


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RYBCZYNSKI, W. Casa: pequena história de uma idéia 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2002.
226 p.

SILVA, P. A cozinha da colônia. Artigo originariamente publicado na revista Nossa História.


Ano 3, nº 29, março, 2006. pp 20-23. Disponível em <http://dc.itamaraty.gov.br/imagens-e-
textos/revista-textos-do-brasil/portugues/revista13-mat3.pdf>

X Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação 2015


Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4862

O COPO E A LATINHA: UM OLHAR PARA


O ALCOOLISMO INDÍGENA EM EIRUNEPÉ - AM
Francisco Everton Oliveira de Araújo1, Mateus Silvestre Maciel2,
Marcos Felipe de Souza Barbosa3, Francisco Juwerles dos Santos Barroso4,
Kamila Maciel de Souza5, Paulo de Oliveira Nascimento6
1
Discente de Nível Médio Integrado em Informática – IFAM. e-mail: everton17omestre@gmail.com;
2
Discente de Nível Médio Integrado em Informática – IFAM. e-mail: msilvestre264@gmail.com;
3
Discente de Nível Médio Integrado em Informática – IFAM. e-mail: marcfelipe14@gmail.com;
4
Discente de Nível Médio Integrado em Informática – IFAM. e-mail: juwerles.barroso@outlook.com;
5
Discente de Nível Médio Integrado em Informática – IFAM. e-mail: kamilamaciel_1@hotmail.com;
6
Professor EBTT de História. e-mail: paulo.nascimento@ifam.edu.br

RESUMO: Este trabalho resulta de um estudo acerca do alcoolismo entre os indígenas


aldeados que visitam a cidade de Eirunepé – AM. Sabe-se que os indígenas se deslocam de
suas aldeias até o centro urbano para fazer tratamento de saúde e/ou receber benefícios sociais
(salário-maternidade, bolsa família, pensão por idade, etc.). Uma vez na cidade, estes
indígenas adquirem bebidas alcóolicas que são consumidas por todo o grupo. Neste estudo,
realizamos (a) entrevista e (b) observação in loco de indígenas que transitam pela cidade, em
situação de embriaguez. Metodologicamente, realizamos uma pesquisa de campo – através de
entrevista e observação in loco – e uma pesquisa bibliográfica, a fim de ponderarmos acerca
desta problemática. Com a realização deste trabalho, pode-se constatar que (a) a saída dos
indígenas de suas aldeias em direção ao centro urbano de Eirunepé – AM os coloca em
contato com o álcool e (b) o alcoolismo indígena acarreta uma série de problemas, tanto
fisiológicos quanto sociais e culturais para aqueles sujeitos.
Palavras-chave: alcoolismo, benefícios sociais, cidade, indígenas, problemas.

THE GLASS AND THE BEER CAN: A LOOK AT THE INDIGENOUS


ALCOHOLISM IN EIRUNEPÉ – AM
ABSTRACT: This paper results from a study on alcoholism among the indigenous villagers
who visit the city of Eirunepé - AM. It is known that indigenous moving from their villages to
the urban center for health care and / or receive social benefits (maternity benefit, family
allowance, old-age pension, etc.). Once in town, the Indians acquire alcoholic beverages that
are consumed by the whole group. In this study, we conducted (a) interview and (b) on-site
observation of indigenous people move around the city, in a drunken state. Methodologically,
we conducted a field survey - through interviews and on-site observation - and a literature
search in order to ponder on this problem. With this work, one can see that (a) the removal of
indigenous peoples from their villages into the urban center of Eirunepé - AM puts them in
contact with alcohol and (b) the indigenous alcoholism causes a number of problems, both
physiological as social and cultural rights for those subjects.
KEYWORDS: alcoholism, social benefits, city, indigenous, problems.

INTRODUÇÃO
O uso de substâncias psicoativas tem se mostrado, ao longo da história, uma
prerrogativa quase que universal, ocorrendo nas mais variadas culturas. Em face de uma
significativa variedade e quantidade, destaca-se o álcool, consumido na forma de bebida. O
álcool – percebido a partir da psicologia – é uma substância utilizada ora como um meio de
fuga da realidade, ora como um caminho na busca pelo prazer, o que o torna um fenômeno

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4863

mundial por promover (a) a alteração da consciência e (b) a modificação do comportamento


(GUIMARÃES; GRUBITS, 2007, p. 46).
Tomado como uma doença crônica não transmissível e como uma das maiores causas de
mortes entre os indígenas, o alcoolismo foi introduzido pelo homem branco, tendo se
constituído – ao longo da história – como um dos instrumentos de dominação e sendo
responsável por uma série de outros problemas no seio das sociedades indígenas (Idem, p. 47).
Partindo desta questão, este trabalho teve como principal objetivo atentar para o
alcoolismo entre os indígenas aldeados que visitam a cidade de Eirunepé – AM, numa
perspectiva que atenta (a) para as possíveis causas e (b) as graves consequências deste
problema entre aqueles sujeitos. Tendo surgido a partir da execução do projeto de pesquisa
“VISITANDO A CIDADE: Motivações das Visitas de Indígenas Aldeados à cidade de
Eirunepé – AM” - vinculado ao Departamento de Ensino, Pesquisa e Extensão do
IFAM/Campus Eirunepé - este é, pois, um estudo limitado, na medida em que não atenta
para o simbolismo do/no grupo e toma como base a perspectiva de um “outro”, sejam os
profissionais de saúde indígena responsáveis pelo destes sujeitos no município de Eirunepé –
AM. Todavia, inaugura a discussão do grave problema do alcoolismo entre os indígenas neste
município, abrindo caminho para trabalhos futuros.

MATERIAL E MÉTODOS
A partir dos objetivos elencados neste trabalho, fizemos uso da modalidade de pesquisa
chamada “pesquisa de campo” (TOZONI-REIS, 2007). No que diz respeito às técnicas e
instrumentos de pesquisa, realizaremos: a) observação; b) registro etnográfico; c) entrevista e
questionário; d) transcrição das entrevistas; e) análise de conteúdo; e e) produção textual.
Sobre a pesquisa de campo, diz-se que “é a observação dos fatos tal como ocorrem e não
permite isolar e controlar as variáveis, mas perceber e estudar as relações estabelecidas”
(RODRIGUES, 2007, p. 4). Considerando as proposições de Gonçalves (2011, p. 18) a
respeito da pesquisa de campo – quando atenta para o “como?”, o “onde?” e o “como?” –
fizemos observações e registro in loco com os sujeitos elencados, além de realizar entrevistas
temáticas. Sobre as entrevistas, tomamos como base os preceitos das Ciências Sociais naquilo
que diz respeito às “entrevistas temáticas”, entendidas como aquelas “que versam
prioritariamente sobre a participação do entrevistado no tema escolhido” (ALBERTI, 2005, p.
175). Feitas as entrevistas, passou-se para a produção documental, tanto em áudio e vídeo
quanto na forma textual, daquele material produzido. Para a realização das entrevistas, foram
utilizados gravador de voz e câmera contidos em nossos aparelhos celulares, a fim de registrar
em áudio e vídeo, os depoimentos dos nossos entrevistados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A cidade de Eirunepé sedia um dos municípios mais distantes da capital do Estado do
Amazonas, na medida em que está localizada a cerca de 1.160 km de distância em linha reta e
a cerca de 3.800 km, quando medida a distância pela via fluvial. O município ocupa uma área
de 15.832 km², ao passo que o perímetro urbano ocupa apenas 4,3172 km². A população do
município está estimada em 33.580 pessoas, de acordo com o censo de 2014, realizado pelo
IBGE. Daí, conclui-se ser este o vigésimo município mais populoso do Amazonas e o
primeiro mais populoso da microrregião do Juruá, além de ser um centro sub-regional do
estado (FUNAI, s/d, s/p.).
Dos 33.580 habitantes do município de Eirunepé, 2.200 são indígenas, distribuídos em
38 aldeias, sendo que destas 18 são da etnia kanamari e 20 da etnia kulina. Estas aldeias estão
localizadas nas (a) terras indígenas Kanamari, do Rio Juruá, (b) Kulina, do Médio Juruá e (c)
Mawetek, constituindo cerca de 7.000 km². Além destas, há cerca de 15 famílias residentes na
sede do município, o que constitui um grupo de cerca de 50 pessoas (FUNAI, s/d, s/p.).

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4864

No que diz respeito aos aspectos sócio-culturais e econômicos, estas populações


indígenas vivem, em geral, de maneira parecida com aquela encontrada pelos não indígenas,
que chegaram na região na segunda metade do século XIX, apesar de sofrerem – desde aquele
período – as influências dos grupos sociais não indígenas, sejam os colonizadores, os
“soldados da borracha”, os missionários, etc. O seu modo de vida está intimamente ligado à
agricultura, à coleta de frutos silvestres, à pesca artesanal, à caça, ao comércio de artesanato.
Também tem-se um número de aproximadamente 50 indígenas que trabalham no serviço
público de educação e saúde, 116 famílias cadastradas no Programa Bolsa Família e
aproximadamente 80 indígenas que são beneficiários de aposentadoria por idade e/ou
invalidez (FUNAI, s/d, s/p.).
Além de serem beneficiários do Programa Bolsa Família, da aposentadoria por idade
e/ou por invalidez, os indígenas também recebem auxílio-doença, pensão por morte, benefício
de prestação continuada da assistência social e salário maternidade (FUNAI, 2015, s/p). No
município de Eirunepé, os principais benefícios recebidos pelos indígenas são, como já
afirmamos, o Programa Bolsa Família, a aposentadoria por idade e/ou invalidez e também o
salário maternidade. Aqui, tem-se um dos principais motivos da vinda dos indígenas aldeados
para o centro urbano de Eirunepé, seja, o recebimento destes benefícios, pagos pela Caixa
Econômica Federal e pelo Banco do Brasil.
Na entrevista que realizamos com o responsável pela CASAI, o Senhor Deuzimar,
perguntamos quais seriam as motivações dos indígenas aldeados visitarem a cidade. Como
resposta, obtivemos o seguinte: “Antigamente, os indígenas viviam da agricultura, caça,
pesca ou artesanato. Agora eles estão deixando os costumes deles, em busca dos benefícios
do governo - bolsa escola, seguro maternidade - e quando chegam aqui se deparam com um
mundo totalmente diferente deles lá, porque aqui existe a demanda que é branca que são os
cariús, e ainda a demanda indígena, nós também temos duas etnias que são os kulinas e os
kanamaris e quando chegam aqui eles procuram a FUNAI, que isso é com a FUNAI, aí a
FUNAI faz o agendamento, o que podem fazer lá, fazem lá, o que não, agenda com o INSS aí
vai aguardar tantos dias. Às vezes os profissionais não estão no INSS ou então moram fora e
vêm pra cá pra ficar tantos dias em um mês e isso dificulta muito e eles [os indígenas] ficam
aguardando na beira (...) bebendo e isso aí respinga tudo pra gente aqui da CASAI. Depois
eles aguardam 25, 30 dias pra receber o auxílio maternidade. Como consequência disto, o
alcoolismo e as patologias (...)”.
A Casa de Saúde Indígena – CASAI é o centro de atendimento à saúde indígena
daqueles sujeitos que se deslocam das aldeias para serem atendidos no centro urbano de
Eirunepé. Além do atendimento na CASAI, estes indígenas são alocados na Casa do Índio,
localizada no centro da cidade, onde podem morar o tempo que acharem necessário (TISS;
HERNANDES, [2007], p. 2).
Sendo o responsável pelo atendimento à saúde indígena e atuando em parceria com a
FUNAI local, Deuzimar chama a nossa atenção para o grave problema do alcoolismo que
afeta aqueles indígenas. Conforme já elencamos acima, o consumo de bebidas alcóolicas
acarreta uma série de problemas, tanto fisiológicos quanto sociais. Sobre isto, Deuzimar nos
diz o seguinte: “A gente notifica agressão, sabe aquele espancamento em mulheres,
principalmente em mulheres, quando o esposo tá bêbado. A gente tem diversas notificações
aqui e a gente faz uma ocorrência lá na delegacia, porque a gente tem também no termo do
distrito, uma coordenação, das doenças mentais e tudo que acontece assim em consequência
do alcoolismo a gente informa (...)”. Ainda sobre isto, o depoente nos informa que “(...) com
efeito da bebida eles [os indígenas] se tornam violentos (...) nós já tivemos óbitos por
afogamento (...) aqui na cidade, já esfaquearam e espancaram indígenas que levou a óbito
(...) e isso aqui vem se agravando a cada tempo (...) por conta disso, eles vêm e deixam de
fazer seus roçados, fazer seus artesanatos, ficando aqui na rua por 30 dias 40 dias.”

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4865

Como podemos observar na fala do responsável pela saúde indígena no município, o


alcoolismo entre os indígenas está associado à sua vinda ao centro urbano de Eirunepé,
quando do recebimento dos benefícios sociais. Uma vez na cidade e com o dinheiro recebido,
os indígenas dirigem-se aos estabelecimentos comerciais e adquirem as bebidas alcóolicas,
que são consumidas publicamente.
Sabe-se que a Lei Federal nº 6.001/73 proíbe a venda de bebida alcóolica de qualquer
tipo para os indígenas, tanto nas aldeias quanto nos centros urbanos. Todavia, é sabido que
esta lei não é cumprida, seja (a) pela ineficiência da fiscalização, seja (b) pelo contato cada
vez maior dos indígenas com grupos sociais não indígenas (HERMANO; PANTOJA, 2012, p.
226). Daí, serem identificados casos de alcoolismo entre indígena em quase todos os 24
estados da federação onde se encontram grupos de índios.
Percebido enquanto um fenômeno social coletivo, o consumo de substâncias psicoativas
entre os indígenas precisa ser associado a um contexto social, na medida em que pode ser (a)
ritualístico e (b) não ritualístico. No caso específico do álcool, os indígenas – de maneira geral
– consideram o vinho e a cerveja como “não alcóolicas”, ao passo que a cachaça e os
destilados em geral é que são tomados como “bebida de álcool” (GUIMARÃES; GRUBITS,
2007, p. 49).
Quando ponderamos a relação entre o álcool e as sociedades indígenas, somos postos
diante do alcoolismo, um fenômeno bastante problemático para estes grupos. Os autores
acima elencados chamam a atenção para (a) a precarização da saúde física, (b) uma maior
incidência de transtornos mentais, (c) o suicídio e (d) a violência social como os principais
problemas “internos” causados aos indígenas. Já dentre os principais problemas externos,
destacam-se (a) os homicídios, (b) os delitos sexuais fora das regras do grupo, (c) os maus-
tratos entre os membros do grupo, (d) o uso de drogas ilícitas, (e) a desnutrição infantil, e (f) a
prostituição (GUIMARÃES; GRUBITS, 2007, p. 49).
Em Eirunepé – AM, como nos informa o chefe da CASAI, o alcoolismo acarreta aos
indígenas alguns dos problemas destacados pelos autores acima citados. Como vimos, (a) a
violência física tanto contra as esposas quanto contra os membros do grupo é comum, bem
como (b) a ocorrência de doenças mentais, (c) afogamentos no rio Juruá, dada a permanência
de alguns sujeitos alcoolizados nas margens, além (d) da exclusão social, causada pela
discriminação imputada pelos não indígenas e (e) das perdas culturais, em decorrência da
desestruturação social e cultural daqueles sujeitos.

CONCLUSÕES
Com a realização deste trabalho, pode-se perceber o quanto o alcoolismo é prejudicial
para os indígenas que visitam a cidade de Eirunepé – AM, na medida em que encerra uma
série de outros problemas graves para aqueles sujeitos.
Pode-se perceber, ainda, que as visitas dos indígenas à cidade – seja para tratarem de
problemas de saúde, seja para receberem os benefícios sociais pagos – acabam por pô-los em
contato com as bebidas alcóolicas comercializadas no centro urbano, o que acaba por criar
condições para o consumo de álcool e, consequentemente, para o alcoolismo.
Por fim, concluímos que este trabalho - apesar de limitado – contribui para a discussão
acerca da problemática do alcoolismo entre os indígenas no município de Eirunepé – AM, e,
ao fazê-lo, atenta para a urgente necessidade de soluções para este grave problema.

AGRADECIMENTOS
Agradecimentos ao Chefe da CASAI de Eirunepé, o Senhor Deuzimar, que nos
concedeu entrevista e nos forneceu dados acerca do atendimento à saúde indígena.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4866

Agradecimentos também aos Diretores do IFAM/Campus Eirunepé - o Professor


Orlando (Diretor de Ensino), o Professor Feitosa (Diretor Administrativo) e o Roquelane
(Diretor Geral) - pelo apoio dado à pesquisa.

REFERÊNCIAS

ALBERTI, V. História dentro da história. In: PINSKY, C. B. (org.). Fontes Históricas. São
Paulo, 2005. 223 p.

FUNAI. Quais os benefícios sociais e previdenciários que os indígenas têm direito?


Fundação Nacional do Índio – FUNAI [2015]. Disponível
em:<www.funai.gov.br/index.php/perguntas-frequentes>. Acesso em: 8 jul. 2015.

______. Os povos indígenas de Eirunepé. Ministério da Justiça. Fundação Nacional do


Índio – FUNAI. Coordenação Geral Vale do Javari. Coordenação Técnica Local de Eirunepé
[documento obtido na CTL de Eirunepé – não publicado].

GONÇALVES, A. Manual de orientação metodológica para trabalhos acadêmicos.


Cruzeiro – SP: FACIC, 2011.

GUIMARÃES, L. A. M.; BRUBITS, S. Alcoolismo e violência em etnias indígenas: uma


visão crítica da situação brasileira. Psicologia & Sociedade. Campo Grande, v. 19, n. 1, p.
45-51, jan./abr., 2007. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/psoc/v19n1/a07v19n1.pdf>.
Acesso em: 21 jun. 2015.

HERMANO, B. M.; PANTOJA, M. R. R. O Abuso do Álcool: uma droga como problemática


entre os povos indígenas. In: 1º SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOCIEDADE E
FRONTEIRAS, 2012, Boa Vista. Disponível em:<ufrr.br/ppggsof/index.../4-anais-
comunicacao.html>. Acesso em: 21 jun. 2015.

RODRIGUES, W. C. Metodologia Científica. Paracambi: FAETEC/IST, 2007.

TISS, C.; HERNANDES, I. C. Atendimento na cidade versus atendimento em área: um


estudo entre os Kulina nas terras indígenas do Médio Juruá e Cacau/Amazonas/Brasil. [2007]
Disponível em:<http://comin.org.br/static/arquivos-publicacao/atendimento-207011358.pdf>.
Acesso em: 8 jul. 2015.

TOZONI-REIS, M. F. C. Metodologia da Pesquisa Científica. Curitiba: IESDE Brasil S. A,


2007.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4867

“O NORDESTINO DO PIJAMA LISTRADO” EM VERMELHO,


BRANCO E PRETO

Jordana Stefanny Moreira Felipe1


1
Discente do curso técnico em Administração integrado ao ensino médio – IFRN. e-mail:
joormoreiraf@gmail.com

RESUMO: Neste artigo foi possível analisar a rotulação feita por uma sociedade na qual
criou uma utopia de dominação cultural e econômica em relação ao Nordeste. Das
ambiguidades conceituais que têm definido o termo xenofobia, o mesmo pode ser conceituado
como sendo uma discriminação étnica e racial, caracterizada como uma forma de preconceito
e até mesmo como um transtorno psíquico. Buscando mostrar a presença evidente deste
comportamento que geralmente se manifesta através de ações discriminatórias, foi feita uma
interligação da xenofobia regional com o nazismo, no qual também houve a prática da
xenofobia em relação aos judeus. Ao longo deste trabalho foi feita uma breve abordagem
histórica do conceito, mostrando o surgimento deste preconceito no Brasil, contra nordestinos,
desde a época do regime militar através do jornal semanário O Pasquim, até os dias atuais
com casos bastante repercutidos em todo o país. Por último, objetivou-se quebrar essa
definição do que é Nordeste e destacar a real presença da xenofobia, que é marcada por
estereótipos desde a ditadura até os dias atuais, e mostrar que o maior índice de pessoas que
praticam este ato é, geralmente, os habitantes da região Sudeste do Brasil, especificamente do
estado de São Paulo e que suas maiores vítimas, em sua maioria, são os nordestinos.
Palavras–chave: xenofobia, nazismo, o pasquim, nordestinos

“THE NORTHEAST IN THE STRIPED PYJAMAS” IN RED, WHITE


AND BLACK

ABSTRACT: In this article, you can analyze a labeling made by the society creates a utopia
of cultural and economic domination in relation to the northeast. The conceptual ambiguities
that have defined the term xenophobia, it has the setting is an ethnic and racial discrimination,
characterized as a form of prejudice and even as a psychiatric disorder. Trying to show the
clear presence of this behavior usually manifests itself through discriminatory actions and
hate, an interconnection of regional xenophobia was made with Nazism, where there was also
the practice of xenophobia toward Jews. Throughout this work, is made a brief historical
approach concept showing the emergence of this prejudice in Brazil against Northeastern,
since the days of the military regime, through the weekly newspaper The Quibbler, to the
present day with cases fairly reflected across the country. Finally, the objective is to break this
definition of what is northeast and highlight the real presence of xenophobia, which is marked
by stereotypes from the dictatorship to the present day, and show that the highest rate of
people who practice this act, it is usually the inhabitants of southeastern Brazil, specifically
the state of São Paulo, and that its main victims are mostly the Northeast.
KEYWORDS: xenophobia, nazism, o pasquim, northeastern

INTRODUÇÃO
Xenofobia, termo de origem grega é formado a partir das palavras “xénos” (estrangeiro)
e “phobos” (medo). Seu significado dependerá do contexto em que ela estiver sendo usada,
tendo sua definição como uma forma de preconceito e racismo que segundo a OAB-CE
(2011) é considerada uma doença de caráter psicológico gravíssimo.

X Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação 2015


Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4868

O nazismo teve seu surgimento na década de 20, na Alemanha, a partir do líder político
Adolf Hitler, que acreditava e pregava o racismo, a partir da ideia da existência de apenas
uma raça pura: a ariana. E através dele e dessa corrente de pensamento, vários judeus foram
executados e daí que vem a intertextualidade do título deste artigo com o livro O Menino do
Pijama Listrado, onde é retratado o nazismo e tudo o que o mesmo trouxe consigo, como a
morte de vários judeus nos campos de concentração. Sendo este um exemplo típico de
preconceito, a xenofobia.
O artigo busca definir o que é xenofobia, apresentar algumas ideologias sobre esse
termo e exemplificar, demonstrando a sua existência no Brasil. Abordar a problemática da
xenofobia implica em tentar explicar de onde ela surgiu inicialmente. O preconceito sem
necessariamente ser ligado às questões xenofóbicas sempre existiu na sociedade, mas tendo
como foco o Brasil, tal discriminação surgiu no período da Ditadura Militar (1964-1985).
Retrato disso eram os jornais brasileiros de mais destaque em meados dos anos 70, onde
o termo xenofobia era desconhecido, mas já era transpassado, retratando o Nordeste como
uma região problemática e de muitas secas, constatando assim, os primeiros indícios de tal
preconceito.
Esse conceito é perceptível ainda nos dias atuais, onde foi feita uma comparação da
xenofobia contra os nordestinos no período militar, com casos mais recentes dessa prática.
Sendo possível visualizar que o nordestino ainda é percebido de forma inferiorizada ao
nascido da região Sudeste e que essa discriminação é praticada atualmente de forma mais
violenta e demasiada, como no caso abordado da jovem Mayara Petruso.
Contudo, através deste trabalho, será possível perceber a presença deste tipo de
discriminação e ressaltar sua amplitude em território nacional, apontando os meios de
propagação do preconceito e as leis que defendem as vítimas. Possuindo ainda, cunho
conscientizador para mostrar que essa forma de racismo, ou separatismo, é uma afronta à
legislação vigente no país e que, consequentemente, surja uma melhoria no Brasil,
acarretando, assim, um melhor desenvolvimento “conceitual ou mesmo cultural” do Brasil.

MATERIAL E MÉTODOS
Para análise, foram realizadas pesquisas bibliográficas e explicativas com foco em um
problema de caráter psicológico que está presente entre pessoas de regiões diferentes: a
xenofobia regional. Este problema vem crescendo gradativamente, principalmente ao falar
dos nordestinos (as principais vítimas).
Com isso, há uma análise sobre a xenofobia na época da Ditadura no Brasil, mostrando
o contraste e ao mesmo tempo a semelhança com casos mais recentes e que, hoje, o maior
veículo de propagação desse tipo de discriminação são as redes sociais, em que Mayara expôs
seu preconceito em relação aos nordestinos. Para este, é utilizado uma ilustração do perfil do
twitter da mesma, onde foi publicada mensagens de teor xenofóbico, tornando-se perceptível
a presença explícita da mesma problemática no contexto regional brasileiro apresentado nos
recursos da mídia social.
A pesquisa é constituída por definições e idealizações de alguns autores acerca do tema.
Para conduzir a análise, o artigo teve como fundamentação várias obras de autores como:
Albuquerque Junior com seu livro Preconceito Contra a Origem Geográfica e de Lugar – As
Fronteiras da Discórdia; Martin Heidegger, com sua obra O que é isto – a filosofia?
Identidade e Diferença; Sendo consultada também a obra Convite à Estética de Adolfo
Sánchez Vasquez onde é possível entender o jornal O Pasquim, que disseminava a xenofobia
usando da comicidade para mascarar esse tipo de preconceito, tendo também base em textos
jornalísticos e artigos científicos, além de uma referência da OAB-CE referente ao ato
xenofóbico de Mayara Petruso.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4869

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Um ser humano é feito de mãos, pés, braços, pernas, boca, costumes, jeito e rejeito.
Rejeito é uma palavra familiar e conhecida no vocabulário nordestino. Em busca de uma vida
melhor (emprego), os nordestinos saem de sua terra natal para viver na região Sudeste do
Brasil. A partir da instalação da ditadura, tornou-se mais visível a xenofobia contra o
nordestino. Em relevância a esses momentos históricos, o descaso e preconceito com os
mesmo só aumentou e, ao longo do tempo, as pessoas permaneceram com a mesma forma de
enxergar a região. Deste modo, a xenofobia pode ser compreendida como reflexo da exclusão
histórica regional que se manteve.
Com o sistema republicano, houve um grande desfavorecimento na região Nordeste,
comparando-a aos investimentos que as demais regiões do Brasil receberam, pois sempre
tiveram um maior favorecimento, tanto econômico, quanto social, desde épocas passadas.
Essa imagem, apesar de ser ultrapassada, ainda continuou na mente dos que residem fora do
Nordeste, penetrando a cada dia mais nas esferas sociais.
Como a palavra já diz, “preconceito é conceito prévio sobre algo do qual não se domina
o conhecimento” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007, p.9). Nesta ótica, é percebido que cada
pessoa assume uma identidade que segundo Heiddeger (1971, p.50) “[...] o ato de afirmar a
identidade e a unidade cultural de um grupo humano implica, muitas vezes, na rejeição de
culturas diferentes que potencialmente possam ameaça-la”.
Um dos símbolos dessa discriminação eram os jornais da ditadura, como O Pasquim.
Através de publicações de textos, o jornal descrevia de modo estereotipado os nordestinos,
com palavras pejorativas de denominação, com ênfase no semiárido do sertão. As charges
humorísticas retratava a imagem do cangaceiro, o retirante da seca, destacando uma miséria
inerente ao Nordeste. O jornal foi o pioneiro no Brasil na prática de uma xenofobia maquiada
pelo humor, para disfarçar seu teor ofensivo, contrastando com a violência das palavras
pronunciadas hoje, nas quais as pessoas não só as pronunciam como também incitam práticas
violentas contra os nordestinos.
A xenofobia era perceptível em várias seções do semanário O Pasquim, entre elas a
sessão Cartas, que tinham a função de interagir com os leitores com uma tentativa de
responder alguns de seus questionamentos. Na edição de julho de 1977, nº 48, um leitor
residente do estado da Paraíba fez a seguinte indagação: “[...] por que não divulgam o nosso
estado? Que faz parte do Brasil”. Em resposta, O Pasquim disse:

Olha aí leitores, essa besta aí chama Paraíba de estado!!! E acha que o Pasquim
deveria dar mais – se segurem agora! – cobertura a tal Paraíba, rá! Só rindo mesmo!
Com sorte, ô cabeça chata, esse troço aí pode chegar a golfo e mais nada! Encher de
iate, patinho e peixe em vez dessa paisagem horrorenda repleta de pobres e miseráveis
emporcalhando tudo [...]. Por essas e outras que o Brasil não está indo pra frente tão
depressa quanto poderia [...].

O trecho apresenta a visão depreciativa que o jornal tinha sobre o Nordeste e seus
respectivos habitantes. Notam-se também algumas expressões que são utilizadas até hoje para
se referir aos nordestinos: “Paraíba” e “cabeça chata”. É de fácil percepção que a resposta
dada pelo jornal tem um grande teor xenofóbico, falando-se ainda da paisagem horrenda,
especulando que o Nordeste possui um cenário inerente à miséria, onde a população
nordestina é composta apenas por pessoas de classe social baixa.
Outro exemplo que pode ser encontrado em O Pasquim, está na seção Gip! Gip!, cujos
textos são de autoria de Ivan Lessa e os desenhos de Redi, nº 387, p.32: “No Nordeste quem
tem 40 quilos é rei momo”. Neste trecho, é perceptível a xenofobia regional, pois sinaliza um
estado de inferioridade, onde ambas as frases se referem ao estado de pobreza e miséria onde
foi citado também na outra resposta da seção Cartas.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4870

Para Adolfo Sánchez (1999, p. 272), essa análise precisa ser minuciosa, pois:

Na ironia, a crítica permanece oculta por trás da exaltação do elogio ou da felicitação.


Suas cartas nunca estão sobre a mesa. Por isso é preciso saber julgá-las, pois o jogo
irônico não se desenvolve clara e abertamente. Por sua crítica oculta, dissimulada ou
sutil, a ironia se distingue do humor e da sátira. Diz mais do que diz, ou diz menos do
que pensa.

Hoje é perceptível discursos, principalmente em redes sociais, de incitações à violência


e à discriminação. O caso da jovem paulistana e ex-estudante de Direito Mayara Penteado
Petruso, de 21 anos, que publicou em seu twitter a seguinte frase: “Nordestino não é gente,
faça um favor a SP, mate um nordestino afogado” (Figura 1), foi bastante repercutida nos
últimos anos, tal atitude causou repugnância por parte de alguns, mas também apoio de
outros, tanto que após o estopim acendido pela mesma, foram vistas demonstrações de
preconceitos em larga escala e em todos os lugares.
Suas mensagens com teor xenofóbico foram manifestadas pela sua insatisfação da
vitória da presidenta Dilma Rousseff (PT), nas eleições de 2010, com pensamentos
preconceituosos em relação à população nordestina. A atitude dela além de ter influenciado
outras pessoas, foi de uma pessoa psicologicamente doente, fazendo uma incitação afim de
que matassem um nordestino afogado, agindo de forma plenamente xenofóbica.

Figura 1. Postagem de Mayara Petruso em seu Twitter. (TWITTER, 2010)

Na ilustração acima, é visto a semelhança com a retratação do Pasquim, em que é


demonstrada a visão do nordestino não ser ninguém na sociedade. As mensagens geraram
polêmicas após serem postadas no twitter e na página do facebook da mesma. Além de incitar
a prática de crimes, homicídio e racismo, ao proferir a frase: “[...] mate um nordestino
afogado”, ela também induz a prática à violência. De acordo com o código penal, incitar é a
conduta pela qual determinada pessoa provoca, induz, faz com que outras pessoas decidam
agir publicamente, a prática de ato contrário a lei e é definido como crime. Segundo a lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940, em seu art. 286: “Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena – detenção, de três a seis meses ou multa” (ANGHER, 2007, p. 462).
O presidente da OAB-PE, Henrique Mariano (2011) afirmou que devido ao fato de
todos os elementos comprovarem a prática de crime pela internauta, a entidade tomou a
inciativa de promover ação penal contra a mesma. Para ele, a estudante praticou ao mesmo
tempo, os crimes de racismo e de incitação pública a prática delituosa como foram mostrados
anteriormente os artigos do Código Penal e suas devidas penas. Afirmou Henrique Mariano
(2011): “Isso não pode crescer. Enquanto não houver uma punição exemplar, esses crimes
continuarão sendo cometidos”.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4871

É completamente perceptível a semelhança de ambos os casos, quando se destaca o


nível de intelectualidade dos integrantes do jornal O Pasquim, tendo como principais
praticantes, pessoas com acesso a educação e de um nível de escolaridade alto, como o citado
da jovem estudante de Direito, e os grandes nomes do Pasquim, como Millôr Fernandes,
Chico Buarque e diversos intelectuais cariocas.

CONCLUSÕES
A existência da xenofobia contra os nordestinos no Brasil é fruto de uma construção
histórica, iniciada na decadência econômica do Nordeste a partir da Republica no Brasil,
fortalecida no período militar e presente nos dias atuais.
A xenofobia e essas demais formas de opressões ainda existem, principalmente pelo
fato de serem tratadas como tabus pela sociedade. As pessoas praticam-na, porém negam.
Reconhecer a existência do preconceito é o primeiro passo para a tomada de ações de
conscientização visando desconstruir estereótipos enraizados e discursos de ódio. Essas ações
devem ser voltadas para toda a população, com enfoque especial nos jovens, a fim de evitar
que os mesmos destilem comentários xenofóbicos na internet.
A migração de pessoas de todas as regiões do Brasil e do mundo contribuiu para a
formação do cosmopolitismo de São Paulo e para a formação da mesma. Portanto, negar o
imigrante nordestino e ser xenofóbico em nome de uma suposta “identidade paulista pura”
assim como os nazistas foram, é, na verdade, negar São Paulo e esquecer que a identidade
paulistana é o conjunto de povos e culturas que acolheram essa cidade como lar.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE JÚNIOR, D. M. Preconceito contra a origem geográfica e de lugar: as


fronteiras da discórdia. 2 ed. São Paulo: CORTEZ, 2012, 136 p.

ANGHER, A. J. Vade Mecum acadêmico de Direito. 4 ed. São Paulo: RIDEEL, 2007, 1142 p.

BOYNE, J. O menino do pijama listrado: a fábula. 1 ed. São Paulo: COMPANHIA DAS
LETRAS, 2007, 192 p.

FERRARI, M. M. A migração nordestina para São Paulo no segundo governo Vargas


(1951-1954) - Seca e desigualdades regionais. 2005. 169 f. Dissertação (Mestrado em
Sociologia) – Centro de Eduzação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos,
São Carlos, 2005

HEIDRICH, A. L. Região e regionalismo: observações acerca dos vínculos entre a sociedade


e o território em escala regional. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, RS, v. 25, n.
25, p. 9-196, jun. 1999.

HEIDGGER, M. O que é isto – filosofia? Identidade e diferença. 1 ed. São Paulo: VOZES,
2006, 78 p.

JORNAL ONLINE SPRESSOSP. Ministério Público considera pena de Mayara Petruso


insuficiente e deve recorrer. Disponível em:
<http://www.spressosp.com.br/2012/05/17/ministerio-publico-considera-pena-de-mayara-
petruso-insuficiente-e-vai-recorrer/>. Acesso em: 5 Jun 2015

KUCINSKI, B. Jornalistas e revolucionários. 1 ed. São Paulo: SCRITTA, 1991. 406 p.

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LOUREDO, P. Xenofobia. Disponível em:


<http://www.brasilescola.com/doencas/xenofobia.htm> Acesso em: 29 Jul 2015.

NASCIMENTO, M. L.; CARVALHO, T. M. O Nordeste e os nordestinos no humor do


Pasquim (1969-1979). In: XXII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA. 22., Anais... João
Pessoa: ANPUH, 2003. p. 5-5.

SILVEIRA, R. M. G. O Regionalismo Nordestino: existência e consciência da


desigualdade regional. São Paulo: MODERNA, 1984. 248 p.

SÁNCHEZ, A. Convite à Estética. Rio de Janeiro: CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, 1999,


350 p.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4873

O PASSADO VALE OURO!


Uma experiência em orientação na Olimpíada de História
Blenda Cunha Moura1

RESUMO: O presente artigo visa apresentar uma experiência de 7 anos como professora
orientadora na Olimpíada Nacional Em História do Brasil (2009-2015), relacionando-a com o
ensino e aprendizagem em história na sala de aula. Concepção inovadora, esta olimpíada
possibilita, de distintas maneiras, que o conhecimento atualizado da academia chegue à sala
de aula e instiga alunos e professores a refletir sobre temas atuais, utilizando-se de uma
infinidade de documentos históricos e experimentando um pouco do trabalho de historiador.
Palavras-chave: educação à distância, ensino de história, olimpíada de história.

THE PAST IS THE GOLD!


ABSTRACT: This paper aims to connect the experience as a guiding teacher at the Brazilian
History Nacional Olympiad (2009-2015) with the history teaching and learning skills in the
classroom. With such innovative conceiving, said olympics makes it possible, in diferente
ways, for the updated academia knowledge to reach the classroom and urge students and
teachers to think over current issues making use of a multitude of historical documents and
experiencing a little of the historian 's work.
KEYWORDS: distance education, history Olympiad, history teaching.

OLIMPÍADA DE HISTÓRIA, ISSO EXISTE?


Depois de 7 edições da Olimpíada Nacional em História do Brasil (ONHB), ainda
escuto esta pergunta, tanto de professores, quanto de diretores ou mesmo de estudantes do
Ensino Básico e Técnico. Muitos dos que já ouviram falar e nunca participaram, parecem
nutrir certa relutância, algumas vezes por simplesmente pensar que se trata de uma olimpíada
nos moldes das Ciências Exatas, ou seja, da realização de uma prova que premiará apenas os
alunos que já se destacam na disciplina. O processo de aprendizado que a ONHB possibilita
vai muito além desse modelo e este artigo é uma tentativa de desmistificar as visões que
porventura ainda cerquem o programa.
Idealizada e realizada por docentes do Departamento de História da Universidade
Estadual de Campinas e promovida inicialmente pelo Museu Exploratório de Ciências da
Unicamp, cuja 1ª edição data de 2009, a Olimpíada Nacional em História do Brasil é
composta por 5 fases online e a final presencial, para a qual são convocadas cerca de 300
equipes finalistas de todo o país. Ao longo das fases, diversos documentos históricos são
analisados por equipes compostas por 3 estudantes e o professor orientador, que devem se
reunir para discussões, baseadas em pesquisas, ao longo de todo o processo. O ponto alto do
programa consiste em disponibilizar as provas online por 6 dias para pesquisa, reflexão e
aprendizado, além de trazer inovadoras abordagens temáticas, muitas vezes dispostas de
forma tradicional nos livros didáticos.
Pela possibilidade de aprendizado e pelo contato com as últimas interpretações sobre
um dado período, evento, personagem histórico ou mesmo documentos, esta olimpíada
possibilita, na área de ensino de história, que se experimente o universo da história, da sua

1
Docente do IFAC. Mestre em História Social pela UFAM e presidente do NEABI, campus Cruzeiro do Sul.
E-mail: blenda.moura@ifac.edu.br

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4874

produção, além de permitir uma interação privilegiada entre alunos e professores, dentro e
fora da sala de aula. Nem alunos, nem professores saem tal como entraram na competição.
Amplifica-se o olhar sobre o mundo que nos cerca. Passamos a exercer nossa cidadania com
mais propriedade dentro de um Brasil diverso e, pouco a pouco, mais claramente conhecido.
Encarar este desafio significa perder a inocência, deixar nosso confortável e seguro nicho e,
ao mesmo tempo, desfazermo-nos de medos que pairam sobre nós ao pensarmos o outro. Por
tudo isso, me pareceu necessário contar um pouco do trabalho de orientação na ONHB, no
intuito de divulgar a competição e com isso ganhar mais adeptos à causa.

O TRABALHO COM A OLIMPÍADA NACIONAL EM HISTÓRIA DO BRASIL


O primeiro passo para começar a lidar com a Olimpíada de História é conhecer o seu
site2, seu funcionamento e suas regras. Só depois de estar a par da competição, faz-se a
divulgação entre os estudantes, de 8º ano do Ensino Fundamental até o 3º ano do Ensino
Médio ou 4º ano do Ensino Técnico. Os alunos devem se organizar em equipes compostas por
estudantes da mesma instituição e realizar inscrição no site, indicando também um professor
orientador. Para formar equipes, encontro ainda muita dificuldade e isso ocorre desde a
participação em Manaus até em Cruzeiro do Sul (extremo oeste do Acre). O ideal é convidar a
todos os alunos que se enquadram no regulamento, apresentando a olimpíada, conversando
sobre o trabalho em equipe e sobre a possibilidade de releitura de importantes temas, mais
brevemente vistos em sala de aula.
Um fator limitante para trazer estudantes à participação na ONHB é a realidade de
muitos, que não dispõem de internet para pesquisar os temas e, quando lhes é ofertada a
oportunidade de permanecer na escola para os estudos, alguns ainda alegam não ter tempo
disponível para permanecer por mais um turno. À realidade do interior e às difíceis condições
de trabalho da maior parte dos colegas professores, soma-se o desconhecimento das
transformações inerentes à participação na competição. No Acre, o número de equipes
olímpicas tem aumentado a cada ano, embora ainda caminhe a passos lentos. A despeito
disso, em 5 anos de trabalho neste estado, orientei algumas equipes que chegaram à fase final,
com bons resultados.
Uma vez inscritas, costumo pedir que as equipes iniciem o estudo das provas de
olimpíadas anteriores, no intuito de que conheçam as questões e a dinâmica de estudos.
Assim, quando as provas começam, as equipes que já se dedicam não se deparam surpresos
com cada fase e cada questão, nem com as tarefas propostas. Para se ter melhor noção, as
fases propõem 10 questões de múltipla escolha e uma tarefa, que pode ser uma produção de
texto. As alternativas das questões apresentam pesos que variam entre 0 e 5.
Na apreciação das questões, o objetivo é buscar a alternativa mais correta, ou melhor, a
resposta que mais se adequa aos estudos em história acerca de determinado assunto. Cada
questão traz um documento ou uma série de documentos históricos para serem analisados e
interpretados. As fases possuem valores que se acumulam até o final da competição.
Finalmente, as 300 equipes de melhor desempenho nas fases online são convocadas para a
final presencial, mais valiosa em pontuação, que ocorre na Unicamp.
Nas últimas fases online, as equipes são orientadas a produzir um texto, que deve seguir um
modelo, como panfleto, artigo de jornal, entrevista, entre outros. É nessa ‘altura do campeonato’
que os alunos experimentam um pouco do trabalho do historiador. Precisarão buscar um objeto de
pesquisa e dissertar sobre ele e sobre o processo que esta produção envolveu. Nesta última edição,
que tinha por tema o “Preconceito”, foram sugeridos alguns enfoques, tais como preconceito
étnico racial, preconceito de gênero ou sexual, preconceito de credo ou religioso, preconceito

2
É possível realizar cadastro individual no site, como professor ou estudante, a qualquer momento do ano. Isso
facilita a inscrição das equipes depois. www.olimpiadadehistoria.com.br

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4875

social ou de classe, entre outros. Os alunos deveriam entrevistar uma pessoa que já sofreu
preconceito e produzir um jornal, com texto e imagens que bem representassem o preconceito.
Trabalhos excelentes foram produzidos pelas equipes do IFAC, campus Cruzeiro do Sul, este ano.
Foram entrevistados indígenas, vendedores ambulantes e até mesmo a diretora de ensino da nossa
unidade. Os alunos ficaram surpresos por perceber que os estereótipos acerca das pessoas podem
ser variados e também mais sutis do que a princípio se supõe ao ouvir a palavra “preconceito”.
Invariavelmente, terminaram por rever seus próprios conceitos.
Já a 5ª fase, disponibiliza nas salas das equipes 10 trabalhos produzidos por estudantes
de outros estados. Segundo uma enorme lista de critérios, esses trabalhos devem ser
corrigidos; é a chamada “Correção por pares”, que acaba por fazer com que os alunos reflitam
também sobre o complexo processo de avaliar.
As equipes que chegam à final presencial, tem cerca de dois meses para organizar sua ida
à Unicamp, onde realizam uma prova escrita, baseada em documentos históricos que tratam de
temas já vistos ao longo das 5 fases. São premiadas com medalhas de ouro, prata ou bronze as
75 equipes com melhor desempenho, somando-se fases online e prova presencial. As demais
finalistas recebem a carinhosamente chamada medalha de cristal, a de honra ao mérito.
A quem interessar maiores detalhes da concepção da olimpíada e de sua estrutura, é
imprescindível ler o artigo apresentado à ANPUH pela coordenadora Cristina Meneguello,
“Olimpíada Nacional em História do Brasil – Uma aventura intelectual? ”. Neste artigo
também é traçado um histórico das olimpíadas científicas ou de conhecimento no mundo e no
Brasil. Meneguello (2012, p.7) assevera:

[...] O trabalho em equipe e com consulta permite, então, questionar os moldes


tradicionalmente competitivos dos eventos do tipo Olimpíada. A velocidade da
resposta não é tão importante quanto a capacidade de leitura e reflexão, próprias às
ciências humanas. Desde modo, ainda, criam-se hábitos de consulta e de estudo e a
aquisição progressiva de conhecimento. Nesse processo, valoriza-se o trabalho do
professor, como orientador de sua(s) equipe(s).

Assim, tanto alunos quanto professores se tornam aprendizes e considero esta, sem
dúvida, uma das partes mais gratas da ONHB.

A TRANSFORMAÇÃO DE ALUNOS EM PESQUISADORES


O trabalho com a ONHB está estritamente ligado às pesquisas atuais na área de história.
A exemplo disso, pode-se destacar os estudos em história cultural, que permeiam todas as
questões da olimpíada e ganham aplicabilidade não somente no ensino e aprendizagem de
história, como no cotidiano. Os novos conceitos e abordagens que têm sido levados em
consideração quanto à produção em história, são considerados quando se pensa a melhor
alternativa a ser escolhida em cada questão. Cria-se a consciência de rever verdades tidas por
absolutas e, desta forma, pode-se apropriar da noção de “representação” para uma análise
mais acertada.
O historiador Henry Lefebvre, ao pensar a relação das pessoas com o universo material
que as cerca, sugeriu a existência de um vazio entre “ser” e “objeto” e este vazio seria
preenchido pela representação. Dessa maneira, é unicamente por meio dela que se toma
contato com o mundo. Ser e objeto, para Lefebvre, atuam numa relação mediada pela
representação, não sendo possível chegar à uma realidade, somente próximo dela.
(LEFEBVRE, 2006, p.70).
Roger Chartier é um dos mais proeminentes teóricos das “representações” e sistematiza
tal noção. Chartier propõe que se lance um olhar mais apurado às diversas realidades sociais.
Esse olhar deve contemplar as realidades de maneira a entendê-las num circuito no qual duas
noções complementares estão relacionadas: “práticas” e “representações”. Para o autor, a

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4876

produção de um bem cultural está necessariamente inscrita em um universo dirigido por esses
dois polos. Tal noção estaria entranhada na sociedade, perpassando todos os seus aspectos;
envolvendo processos de percepção, identificação, reconhecimento, classificação, legitimação
e exclusão. Dessa forma, as representações agregam toda a percepção que o homem tem da
vida cotidiana. No entanto, a representação nunca se configura como um retrato fiel da
realidade, ela faz parte de esquemas intelectuais de apreensão do mundo. “As representações
do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico
fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. [...]”
(CHARTIER, 1998, p. 15)
Classificar e perceber seriam como verdadeiras instituições sociais, assim, incorporam,
sob a forma de categorias mentais e representações coletivas, demarcações da própria
organização social. Nesse quadro, as representações são matrizes de discursos e de práticas
diferenciadas que constroem o mundo social. As noções de representação coletiva são
elaboradas a partir da conciliação de imagens mentais acreditadas pelo indivíduo como claras
com os esquemas propositadamente construídos para serem interiorizados (produzidos por
grupos dominantes que os produzem e estruturam). Esses esquemas “descrevem a sociedade
tal como pensam que ela é, ou como gostariam que fosse.” (CHARTIER, 1998, p. 19). As
representações agregariam toda a percepção que o homem tem da vida cotidiana. Note-se que
a representação faz parte de construções intelectuais que visam apreender o mundo. Para
Chartier, (1998, p. 21), “As representações do mundo social assim construídas, embora
aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos
interesses de grupo que as forjam.”
Todas essas noções historiográficas, e outras mais, servem de base para a análise das provas
da ONHB. Vejamos um dos documentos que mais marcou minhas equipes este ano –
provavelmente por conta do ambiente que nos cerca – apresentado na 17ª questão, segunda fase.

Figura 1. Gravura “Canibais” de Theodor de Bry, 1593, a partir de


relatos de Hans Staden sobre suas viagens ao Brasil

Foi proposto que se escolhesse a melhor alternativa, entre as que seguem:


A. A prática do canibalismo entre os autóctones era a principal característica de sua
cultura.
B. A imagem retrata indígenas comendo partes de corpos humanos esquartejados
enquanto um observador europeu (ao fundo, de barba) demonstra espanto com a cena.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4877

C. A carne humana consumida pelos índios tupi era exclusivamente de inimigos mortos
em combate e se dava em ritual com participação de toda a tribo.
D. A expressão da barbárie indígena, presente no desenho de Theodor de Bry, revela o
imaginário europeu do século XVI.
Os pesos atribuídos a cada assertiva foram, respectivamente, 0, 1, 4 e 5. A primeira
alternativa requer o entendimento de que o documento seja verdadeiro e imparcial. Não há,
portanto, questionamento da produção desta imagem por um artista que apenas leu relatos do
famoso holandês aprisionado pelos Tupinambá. Pedi que os alunos começassem por
investigar a diferença entre canibalismo e antropofagia. Pelo título da obra, o artista
evidentemente faz uma leitura da cultura indígena a parte dos significados de seus rituais e
diretamente ligada à condição de animalidade, irracionalidade, o que remete ao conceito de
canibalismo. Acreditar nesta noção é cometer um erro histórico e antropológico. A segunda
alternativa apenas descreve a gravura, portanto não demanda maiores interpretações. Possui
maior valor identificar o significado por trás da gravura. Entretanto, mais relevante ainda, era
compreender como se conformou o imaginário europeu acerca dos indígenas; um imaginário
preconceituoso que opõe civilização à barbárie e que, infelizmente, persiste até os dias atuais.
É difícil mensurar com precisão os resultados obtidos pela participação na ONHB. A
olimpíada me moldou como professora, me fez entender que ensinar é, antes de tudo,
estimular a busca pelo conhecimento. Minha posição de “bússola” está mais que estabelecida;
posso dizer que entendo melhor o que significa mediar o aprendizado, ainda que isso se dê de
maneira distinta de acordo com a variação do público que atendo, inevitável.
Para maior clareza dos resultados da olimpíada, me permito apresentar o relato da aluna
Tainá Nogueira, que participou até a 5ª fase da competição este ano e, ainda que sua equipe
não tenha chegado à fase final, registrou este depoimento:

Não foi apenas uma competição. Foi uma lição de vida.


Quando entrei na ONHB, percebi que era uma brasileira que não sabia um décimo
da história do meu próprio país... Não entendia o porquê de muitas coisas. Uma
"cega", preconceituosa, racista, que acreditava nos rótulos e nunca procurou saber o
que havia por trás. E agora, ao sair, levo na bagagem conhecimento, aprendizagem,
cultura e laços de amizade feitos nas reuniões.
Entrar na Olimpíada de História foi como embarcar em uma máquina do tempo e ver
com outros olhos as histórias que me foram ensinadas. Percebi que em cada esquina,
cada frase, cada objeto escondia um preconceito que até então nunca consegui
enxergar.
Obrigada pelas orientações prof. Blenda Cunha Moura. Obrigada também aos meus
companheiros de equipe, Kate Wauanda e David Lucas.
O sonho da ONHB não acabou.
Ele vai apenas hibernar...3

A visão alcançada por Tainá é partilhada por todos que experimentam a ONHB e, além
de inspiradora para o engajamento de professores e alunos, confere a certeza de que o
aprendizado a que esta olimpíada se propõe foi cumprido com muito sucesso.
Seguramente, o projeto da Olimpíada põe em prática aquilo que todo curso universitário
tem por finalidade: criar meios para que a academia retorne seu saber à sociedade fora dela.
Talvez daqui há alguns anos esse mérito seja reconhecido à sua real altura.
A Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, versa sobre os objetivos a serem atingidos nas diferentes etapas de ensino.
A exemplo, temos como pilares estabelecidos para o Ensino Médio:

3
Tainá Nogueira, do 1º ano do curso Técnico de Meio Ambiente Integrado ao Ensino Médio, IFAC, campus
Cruzeiro do Sul, publicou este depoimento na sua página do facebook em 12/06/2015.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4878

I - A consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino


fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II - A preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar
aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições
de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III - O aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação
ética e o desenvolvimento da Bautonomia intelectual e do pensamento crítico;
IV - A compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
(Seção IV, Art. 35º)

E nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino Médio lemos, em


capítulo voltado para história:

[...] ansiedade em diminuir distâncias entre o que é ensinado na escola fundamental


e a produção universitária, isto é, entre o saber histórico escolar e as pesquisas e
reflexões que acontecem no plano do conhecimento acadêmico. A tentativa de
aproximação entre estas duas realidades, nas quais o saber histórico está presente,
faz com que a escola se envolva a seu modo no debate historiográfico atual,
incorporando parte de suas tensões e contradições. (PCNs, 1998, p. 28)

Não há aluno de licenciatura ou professor que desconheça, ainda que de forma genérica,
os conteúdos da LDB e dos PCNs. É evidente, portanto, que a cada parágrafo lido da LDB ou
dos PCNs, podemos com tranquilidade acenar positivamente para o seu cumprimento, a partir
do trabalho com a Olimpíada Nacional em História do Brasil.

CONSIDERAÇÕES SOBRE APRENDER A ENSINAR E FORMAR CIDADÃOS


As provas da ONHB contam com estudos de diversos temas e períodos relacionados à
história do Brasil, estritamente ligados a questões atuais: feminismo, preconceito,
movimentos sociais, histórias regionais, história oral, entre tantos outros temas. São todos
vistos sob uma ótica cultural e social, que dialoga com os trabalhos acadêmicos mais recentes
e com documentos variados, conhecidos e desconhecidos, propiciando releituras de verdades
antes estabelecidas como naturais ou tidas como imutáveis.
Desconstruir e reconstruir são conceitos-chave na competição. Ler, reler e interpretar
melhor torna-se uma necessidade. As tarefas lançadas levam estudantes a pesquisar e produzir
textos em história, seja da sua cidade, dos modos de trabalho, de memórias resgatadas em
entrevistas, da observação de monumentos e patrimônios históricos, de pontos turísticos, ou
de qualquer objeto passível de análise histórica. A cada nova etapa são lançados desafios aos
alunos, que se mobilizam, interagem, trocam experiências e descobrem o quanto ainda há por
conhecer e por rever criticamente, experimentando assim um pouco do trabalho do
historiador.
O aprendizado crítico e processual, a conexão entre academia e sociedade e a formação
de cidadãos constituem-se a base que sustenta o programa. Como professora orientadora,
garanto que temos à disposição uma oportunidade preciosa, para qualquer professor de
história, de aprender enquanto se ensina e, mais relevante, de aprender a ensinar.
É imperioso destacar finalmente que, de uns tempos pra cá, parece vir à tona, em
especial pelas redes sociais, um enorme desconhecimento da história do Brasil e a
consequente confusão de ideias provocada por informações deturpadas, quase sempre vazias
de sentido. Tudo isso tem nutrido um perigoso discurso de ódio entre a juventude. Me permito

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4879

reiterar palavras do jornalista Leonardo Sakamoto: “Falta amor no mundo. Falta interpretação
de texto.”4 E acrescento: Falta participar da ONHB.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9394/1996.

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais: Ensino Médio.


Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 1999.

CHARTIER, Roger. A História Cultural; entre práticas e representações: Memória e


Sociedade. Coord.: Francisco Bethencourt e Diogo Ramada Curto. Trad.: Maria Manuela
Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.

LEFEBVRE, Henry. La presencia e la ausência. Contribuición a la teoria de las


representaciones. Trad.: Óscar Barahona e Uxoa Doyhamboure. México: FCE, 2006.

MENEGUELLO, Cristina. Olimpíada Nacional em História do Brasil: Uma aventura


intelectual? São Paulo: Revista História Hoje, ANPUH-Brasil, 2012, V.5, nº 14.

4
Leonardo Sakamoto assim finaliza alguns de seus textos publicados via facebook.
https://www.facebook.com/leonardo.sakamoto?fref=ts

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4880

O PROCESSO DE ABOLIÇÃO NA IMPRENSA


PERIODISTA ALAGOANA
A REPRESENTAÇÃO DA MÃO DE OBRA NACIONAL
EM ALAGOAS (1870-1888)
Nathália Gomes de Lucena Sarmento1, Fábio Francisco de Almeida Castilho2
1
Discente do 3º ano de ensino médio técnico integrado em agroindústria– IFAL. Bolsista de Iniciação Científica
CNPQ. e-mail: sarmento.ngl@outlook.com; 2 Professor Doutor em História– IFAL.
e-mail: fabiofacastilho@hotmail.com;

RESUMO: Este projeto tem por objetivo perscrutar os principais periódicos alagoanos no
período de crise da escravidão. Abordamos o papel da imprensa provincial e o seu
posicionamento diante das diferentes opções aventadas para nova organização do mundo do
trabalho. Analisamos jornais de diferentes facções políticas; conservadores, liberais e
republicanos; que apresentaram diferentes posturas frente às transformações no mundo do
trabalho. Desta forma, podemos observar como a elite proprietária oscilou entre os diferentes
projetos para solucionar a crise da mão de obra. Com esse método ressaltamos os diferentes
posicionamentos da elite estadual diante da questão e as representações do escravo nos
periódicos locais.
Palavras-chave: Alagoas, escravidão, periódicos.

THE PROCESS OF ABOLITION PRESS PERIODISTA ALAGOAS


THE REPRESENTATION OF NATIONAL MANPOWER
IN ALAGOAS (1870-1888)
ABSTRACT: This project aims to scrutinize the main OS Periodicals Alagoas any of Slavery
crisis period. We address the role of state Press And Its positioning Given the different options
aventadas paragraph new World of Work Organization. We have analyzed the different factions
Policies Newspapers; conservatives, liberals and Republicans; They are presenting different
postures front At Changes in the World of Work . Thus, we can observe. As a proprietaria elite
wavered between OS Different Project paragraph Resolving a crisis of manpower. With THAT
emphasize Method OS Different positions of the state elite Faced with the issue and how to
make representations slave nos local journals.
KEYWORDS: Alagoas , slavery , periodicals.

INTRODUÇÃO
A transição da mão de obra foi um dos temas mais presente na imprensa nacional do final
do século XIX. Desde 1870 os periódicos de todo o país repercutiam questões referentes ao
final do escravismo e as novas formas de trabalho que deveriam surgir nas lavouras. Com o
iminente final do regime escravista um novo braço precisava ser arregimento para dar
prosseguimento à produção nacional. Diante deste problema diversas propostas foram
discutidas, passando da importação de trabalhadores estrangeiros, principalmente vindos da
Europa, ao aproveitamento do trabalhador nacional, embora muitas vezes olhado com
desconfiança devido aos discursos racistas, como o darwinismo social, em voga na época. A
classe produtora precisava resolver este intrincado problema posicionando-se diante da
imperiosa crise da mão de obra que se agravava no país com o final da escravidão.
Dentro dessa temática nosso escopo foi de analisar o discurso da elite proprietária
alagoana sobre a transição da mão de obra e sendo assim, as representações do cativo nos
periódicos. Este prisma ressalta a opinião dos editores do século XIX e sua visão sobre a mão

X Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação 2015


Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4881

de obra que trabalhava suas lavouras. Trata-se de uma opção metodológica, de voltar-se
primordialmente para as fontes primárias dando voz aos protagonistas do acontecimento
histórico analisado.

MATERIAL E MÉTODOS
Nossa metodologia consistiu em pesquisar periódicos alagoanos no portal da Hemeroteca
Digital Brasileira (http://hemerotecadigital.bn.br/). Este portal, disponibilizado pela Fundação
Biblioteca Nacional, proporciona fácil consulta ao seu amplo acervo de periódicos a todos os
pesquisadores.
No portal da Hemeroteca Digital Brasileira encontramos para a província de Alagoas mais
de uma centena de periódicos que estão disponibilizados para pesquisa, tanto folhas que foram
redigidas em Maceió como no interior da província. Para maior compreensão do processo de
abolição da escravatura no estado destacamos os seguintes periódicos: O Liberal (1869-1884),
Jornal do Penedo (1875-1881), Jornal do Pilar (1874-1879) e O Orbe (1879-1900).
Selecionamos estes periódicos para a presente pesquisa porque os mesmos circularam por um
período mais extenso, condição fundamental para identificarmos o discurso da elite, melhor
conhecer o posicionamento de seus editores e perceber as possíveis alterações no discurso do
periódico à medida que a crise da mão de obra se agravava no país.
Uma série de cuidados específicos devem ser tomados quando se utiliza a imprensa
periodista como fonte histórica. Tivemos como base à pressuposição que o jornalismo, através
da seleção e divulgação de todo o material redacional, não só espelha a realidade como também
constrói a realidade social. Desta forma, estamos convencidos de que a mídia não espelha
simplesmente a realidade, mas constitui versões da realidade que dependem de posições sociais,
interesses e objetivos daqueles que a produzem. Isso se caracteriza por meio de escolhas que
são feitas nos vários níveis no processo de produção dos textos, desde as escolhas lexicais até
os vários tipos de discurso que se inter-relacionam na construção do sentido (PALHA, 2000).
Desta forma, o jornalismo não tem a função apenas de comunicar a outrem o conhecimento da
realidade, mas também a produz e reproduz. A representação, na imprensa e em todos os outros
tipos de mídia e discurso, é uma prática construtiva. Os acontecimentos e as ideias não são
comunicados de maneira neutra, ao contrário, são transmitidos com suas próprias características
e essas características são impregnadas de valores sociais que dão uma perspectiva potencial
para os acontecimentos (MELO, 2003).
A seleção significa, portanto, a ótica através da qual a empresa jornalística vê o mundo.
Essa visão decorre do que se decide publicar em cada edição privilegiando certos assuntos,
destacando determinadas passagens, obscurecendo alguns e ainda omitindo diversos
(PALHA, 2000). Pois, como salienta Pierre Nora, a mídia tem a capacidade de alterar a
percepção do receptor podendo até mesmo modificar o fato em questão, além de interferir na
sua percepção e na sua construção, difundindo versões e consolidando as mais diversas
interpretações (NORA, 1995).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Ao longo das últimas décadas uma extensa bibliografia se debruçou sobre o tema da
escravidão no país. Tal bibliografia enfatizou a subjetividade da mão de obra escrava, estes
trabalhos se preocuparam em desmistificar a imagem do escravo-coisa, visto como simples
mercadoria e teve como resultado a construção de uma nova perspectiva das relações entre
senhor e escravo, num contexto de constantes negociações no qual o cativo também aparece na
condição de sujeito histórico e possuidor de espaços de autonomia (Cf. FREYRE, 2001;
FERNANDES, 1981; MATTOSO, 1990; GORENDER, 1992; LARA, 1988; FLORENTINO,
1997; MATTOS, 1998; CHALHOUB, 1990; FARIA, 1998 e REIS, 2003).

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4882

Neste tópico centramos nossa análise na representação dos escravos nos periódicos por
considerarmos tal apreciação reveladora da visão que os editores possuíam dos escravos e de
como os cativos eram encarados naquela sociedade. Compomos também um panorama da
transição da mão de obra na ótica dos proprietários, salientando as diferentes visões políticas e,
consequentemente, diferentes soluções para a crise. No levantamento realizado até aqui
encontramos nos periódicos analisados o discurso da elite provincial e percebemos suas
estratégias para realizar a transição da mão de obra com o menor abalo político, econômico e
social possível. Esta opção nos conduziu a duas questões: primeiramente foi possível conhecer
o posicionamento político da elite proprietária diante do tema da transição da mão de obra,
perceber a força de seu discurso e seus instrumentos de argumentação e convencimento. Em
segundo lugar pudemos averiguar como se deu na província diversos processos, como o avanço
abolicionista e os preconceitos quanto à condição dos indivíduos, demonstrando o ajustamento
social do período, em especial em artigos que descrevem a condição do elemento servil naquela
sociedade. São muitos os exemplos de artigos encontrados que desvendam a crise do
escravismo e a situação do escravo:

“Fugiu no dia 31 de Janeiro, o escravo de nome Maximo, mulato, altura regular, barba
serrada e preta (pode ter cortado a barba, olhos pretos, cabelos crespos, dentadura
perfeita, tem em uma das costelas a qual não me recordo uma cicatriz, sendo dito o
escravo propriedade do abaixo assinado. Quem o pegar dirija-se ao sitio Turrões, á
ser entregue a seu senhor, e o terá do mesmo a gratificação de cem mil réis.”
(Jornal do Penedo, 8 de Fevereiro de 1875; João Caetano dos Santos;8ª edição)

“José Maria Gonçalves Perreira, precisa comprar escravos para serviço assim como
para uma encomenda, e sendo boas peças paga-os por bom preço.”
(Jornal do Penedo, 13 de agosto de 1875. Edição 00032, pág. 4)

Analisando estas notas e muitas outras encontradas nos periódicos perscrutados podemos
observar que os escravos eram tratados de forma brutal, sem o mínimo de respeito e para sua
identificação eram dadas características que, geralmente, seriam usadas para referirem-se a
algum animal. Por vezes, os mesmos só eram reconhecidos pelas suas cicatrizes adquiridas ao
longo do tempo.
Com efeito, nos periódicos analisados os escravos passam a adquirir o status de agente
ativo da sua própria história apenas na década de 1880 com o agravamento da crise da mão de
obra, quando passou a majorar nas páginas desses jornais notícias de crimes violentos
cometidos por escravos.

“Assassinato - no dia 17 do corrente, Sebastião escravo do Sr. Rafael Calado,


italiano residente nesta cidade, assassinou ao infeliz quiquagenario Francisco das
Chagas, no povoado denominado Feliz deserto, freguezsa de Piassabussú, deste
Termo. O assassinado era um excellente homem, e morava naquele povoado, onde
aparecer o escravo assanino que se tinha evadido da companhia do seu senhor. O
infeliz Chagas tentou captura-lo; mas ele, armado de um pau, descarregou-lhe uma
borduada tal que instataneamente robou-lhe a existência. No dia 18 a noite constou
ao Dr. Juiz Munincipal que o referido escravo se tinha recolhido a casa de deu
senhor nesta Cidade. pelo que mandou o mesmo Dr. cerca-lhe a casa, e no dia 19,
dando-se busca, ãfoi encontrado o dito escravo.” (Jornal do Penedo, 23 de Maio de
1876, pág. 1 ,Edição 00011)

A descrição minuciosa do assassinato tem por objetivo amedrontar a população e chamar


a atenção da mesma para a situação crítica em que se encontrava o regime escravista, conjuntura
que exigia uma solução imediata. Diante desta constatação, diferentes posições surgiram. Uns
defendiam o fim do escravismo, regime bárbaro que condenava o escravo a uma vida

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4883

desregrada e que o levava a se revoltar e cometer tais crimes. Outra posição defendia maior
rigidez das leis para combater esses assassinos. Cada grupo, com suas diferentes soluções,
compuseram o debate que se formou em torno da transição da mão de obra.
Encontramos nos periódicos de Alagoas duas correntes mais fortes: a emancipacionista,
defendida por liberais e conservadores proprietários de terras e escravos. E a visão dos
abolicionistas republicanos, que eram contrários ao regime servil e se valeram tanto de
argumentos humanitários como de ideias racistas para justificar o fim do regime. A proposta
imigrantista invariavelmente aparece em ambos os lados, ora como salvação diante da
vadiagem dos libertos, ora como risco para a unidade nacional e, principalmente, medida por
demais onerosa aos cofres públicos.
Neste momento de ruptura e reorganização social, o trabalho passou a ser dignificado e o
nacional que o realizava foi valorizado na sua condição de trabalhador experimentado e
acostumado com a lavoura. O discurso referente ao trabalho teve de ser mudado para adaptar-
se ao modelo capitalista que se expandia por todo o país, neste processo a desacreditada mão
de obra nacional foi transformada em eficiente braço trabalhador.
Além de demonstrar um olhar extremamente preconceituoso, nos jornais analisados
podemos percebemos a visão que os proprietários possuíam dos nacionais, enxergando no
elemento servil uma massa ignorante e flexível, fácil de ser manipulada e útil apenas para o
trabalho pesado das lavouras.
Outras duas importantes questões que preocupavam a elite e os editores dos periódicos
alagoanos era a necessidade de educar a população, a fim de formar cidadãos mais regrados, e
de realizar uma reforma criminal para impedir a ociosidade e punir os “vadios, vagabundos e
turbulentos” (Jornal de Penedo, 1881). Na visão do periódico, para combater tais males cabia
ao poder público a iniciativa de realizar a recuperação do braço recém-liberto e transformá-lo
em cidadão por meio da educação e de punições quando esta se fizesse necessária.
Os editores de O Jornal de Penedo também exigiam do poder público a criação de
bancos agrícolas, favorecimentos à imigração, e aconselhava aos grandes proprietários o
retalhamento de suas terras “aos colonos estrangeiros e principalmente ao nacional”,
inaugurando a era da “regeneração na província”. Neste balanço esperava que pelo uso útil
da liberdade, os recém-libertos se mostrassem dignos da condição de cidadãos e lembrava
que a liberdade impunha deveres.

CONCLUSÕES
Nos periódicos analisados encontramos o discurso da elite e percebemos suas estratégias
para realizar a transição da mão de obra com o menor abalo político, econômico e social
possível. Ao mesmo tempo observamos as representações dos cativos nesses periódicos.
Essa análise contribuiu com nosso escopo ao longo do projeto pois demonstrou a
complexidade das relações entre senhores e escravos e as muitas outras maneiras de
relacionamento que advieram com a extinção da escravidão no mundo do trabalho.
A descrição de crimes e assassinatos cometidos por cativos convinha para amedrontar a
elite e pressionar a mesma para encaminhar o fim do escravismo. Por outro lado, o crime contra
escravos demonstra que esses eram as maiores vítimas do regime bárbaro, e por último, um
universo de negociações nos é revelado com a leitura do ponto de vista dos cativos.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Célia Maria Marinho. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das
elites século XIX. 2ª edição. São Paulo: Annablume, 2004.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4884

CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão
na Corte. São Paulo: Cia das Letras, 1990.

FLORENTINO, M. e GÓES, J.R. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio
de Janeiro, 1790-1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.

FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala. Rio de Janeiro: Record, 2001.

LARA, Silvia H. Escravidão no Brasil: um balanço historiográfico. In.: LPH: Revista de


História. Vol.3, n. 1, 1992. PP. 215-244.

MATTOSO, K. M. Q. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 3º Ed, 1990.

MELO, José Marques de. Jornalismo opinativo: gêneros no jornalismo brasileiro. Campos do
Jordão: Mantiqueira, 2003.

NORA, Pierre. O retorno do fato. IN.: LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre (orgs.). História:
Novos problemas. Tradução: Theó Santiago. 4ª edição. Rio de Janeiro: Francisco Alves; 1995.

PAIVA, Eduardo França; IVO, Isnara Pereira. Escravidão, mestiçagem e histórias


comparadas. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: PPGH-UFMG; Vitória da Conquista:
Edunesb, 2008.

PALHA, Cássia L. Mídia e participação política: a pedagogia da desmobilização popular.


Niterói: dissertação de mestrado, 2000.

REIS, João José. Rebelião Escrava no Brasil. A história do levante dos malês em 1835. São
Paulo: Companhia das Letras, 2003.

SCHWARCZ, Lilian Moritz, O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial
no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4885

PROJETO KITANDA DOS SABERES: EXPERIÊNCIAS DE


EDUCAÇÃO PATRIMONIAL EM SÃO LUÍS (MA)
Matheus Silva de Oliveira1, Creudecy Costa da Silva2, Rosiana Freitas da Silva3,
Terezinha de Jesus Campos de Lima4, Milena Coelho Lima5
1
Discente do ensino médio integrado em Eventos – IFMA. Bolsista de extensão IFMA.
e-mail: matheussilvadeoliveira1@gmail.com; 2Professora de História - IFMA. e-mail: creudecy@ifma.edu.br;
3
Professora de História - IFMA. e-mail: zanafsilva@ifma.edu.br; 4Professora de Turismo – IFMA.
e-mail: terezinha@ifma.edu.br; 5Professora de Espanhol – IFMA. e-mail: milena_lima@ifma.edu.br

RESUMO: Neste artigo apresenta-se o Projeto de Educação Patrimonial Kitanda dos


Saberes, ação extensionista do Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indiodescendente do
Instituto Federal do Maranhão (IFMA) e os impactos alcançados com o seu desenvolvimento.
O Kitanda dos Saberes teve por objetivo ofertar a estudantes da rede pública, curso
preparatório para o ingresso no ensino médio público, integrando atividades de Educação
Patrimonial. Neste contexto, buscou promover uma maior inserção de alunos moradores do
Centro Histórico de São Luís no quadro discente do IFMA e sensibilizar para uma maior
identificação destes com o patrimônio histórico e cultural da cidade. Metodologicamente, foi
organizado em aulas teóricas (português e matemática), oficinas, palestras e visitas técnicas,
conduzidas por profissionais do IFMA em diversas áreas do conhecimento, entre 2012 e
2014. Os principais resultados evidenciaram a ampliação de conhecimentos de conteúdos de
Língua Portuguesa e Matemática; aproximação com a comunidade escolar do Instituto;
usufruto de serviços especializados oferecidos pelo IFMA; debates e vivências sobre questões
e práticas culturais nos campos da História, Arte e Educação Patrimonial voltadas para o
despertar de um conhecimento crítico e a apropriação consciente da realidade enquanto
elementos indispensáveis ao processo de preservação do patrimônio e ao fortalecimento de
identidades e cidadania. Conclusivamente, a experiência com as evidências manifestadas
nesse processo interacional e direto com o patrimônio, capacitou-os para um melhor usufruto
destes bens, propiciando a produção de novos conhecimentos e significados.
Palavras-chave: Cultura, educação, educação patrimonial, São Luís (MA).

KITANDA OF KNOWLEDGE PROJECT: HERITAGE


EDUCATION EXPERIENCES IN SÃO LUÍS (MA)
ABSTRACT: In this article we present the Heritage Education Project Kitanda of
Knowledge, extension action of the Center for Afro-Brazilian Studies and Indiodescendente
the Federal Institute of Maranhão (IFMA) and the impacts achieved with its development.
The Kitanda of Knowledge aimed at offering the public school students, preparatory course
for entry into public high school, integrating heritage education activities. In this context, it
sought to promote greater inclusion of students residents of St. Louis Historical Center in the
student framework of IFMA and raise awareness of a greater identification with the historical
and cultural heritage of the city. Methodologically, was organized in lectures (Portuguese and
mathematics), workshops, lectures and technical visits conducted by professional IFMA in
various areas of knowledge, between 2012 and 2014. The main results showed the expansion
of knowledge of Portuguese language content and Mathematics; approach with the school
community of the Institute; usufruct of specialized services offered by IFMA; debates and
experiences on issues and cultural practices in the fields of History, Art and Heritage
Education focused on the awakening of a critical knowledge and conscious appropriation of
reality as elements essential to the process of heritage preservation and strengthening of

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4886

identity and citizenship. Conclusively, the experience with the evidence raised in this
interactive process and direct with equity, enabled them to better enjoyment of these goods,
enabling the production of new knowledge and meaning.
KEYWORDS: Culture, education, heritage education, São Luís (MA).

INTRODUÇÃO
Criados pela Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008 Os Institutos Federais1 possuem
como princípios norteadores o ensino, a pesquisa e a extensão que são colocados no mesmo
plano de relevância2.
Entende-se que é por meio da extensão que os Institutos Federais articulam uma relação
dialógica com a sociedade local. Por um lado, democratiza o acesso aos saberes produzido
nos Institutos e, por outro, abre espaço para o contato com o conhecimento de saberes
populares, favorecendo a produção de novos conhecimentos.
Nesse sentido, vale destacar que a:

Extensão possibilita a democratização do saber científico, num movimento de mão


dupla de difusão do que é produzido sistematicamente e a sua retomada por meio da
ressignificação e reelaboração desenvolvida pelos atores sociais. Essa relação entre a
pesquisa, o ensino, a produção científica e a Extensão é dinâmica e contribui para a
transformação da sociedade num processo de incorporação de novos modos de vida
e de uso de tecnologias, capazes de operacionalizar efetivamente a relação entre
teoria e prática (POLÍTICA DE EXTENSÃO, CAPITULO 1, ART. 1º).

Condizente com essa concepção, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia


do Maranhão/IFMA - Campus São Luís Centro Histórico idealizou o projeto Kitanda dos
Saberes enquanto instrumento capaz de viabilizar uma relação transformadora junto à
comunidade do Centro Histórico da cidade de São Luís (MA), possibilitando a produção de
conhecimentos contributivos com vistas à superação das desigualdades sociais existentes
nessa localidade, de forma a cumprir com a sua função social.
O Campus está localizado no Centro Histórico da capital maranhense, funcionando em
um sobrado do século XIX de estilo colonial e, pautado em uma vocação humanística,
nasceu com o intuito de contribuir para a formação do indivíduo enquanto agente de
desenvolvimento sustentável, sensível à arte e a cultura. Esta vocação inicial surgiu para
atender ao potencial histórico e cultural de São Luís, composto pelos legados e vestígios dos
povos indígenas, africanos, europeus e seus descendentes. Ao localizar-se dentro da área do
Centro Histórico, faz uso da importância simbólica do local para marcar sua intenção de
contribuir de forma definitiva para a ampliação das discussões e das ações de valorização do
patrimônio cultural ludovicense.
O Centro Histórico é a parte mais antiga da cidade de São Luís e abriga o maior
conjunto arquitetônico colonial português da América Latina. Tombado como Patrimônio
Cultural da Humanidade no ano de 1997 pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura/UNESCO, atualmente atravessa um momento delicado de
sua história. Suas ruas, vielas e edificações de tipo sobrados, solares e moradas inteiras que no

1
Lei nº 11.892, de 29/12/2008, Capítulo I, Art. 1º - Fica instituída, no âmbito do sistema federal de ensino, a
Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, vinculada ao Ministério da Educação (...).
2
Lei nº 11.892, de 29/12/2008, Art. 6o Os Institutos Federais têm por finalidades e características: VII -
desenvolver programas de extensão e de divulgação científica e tecnológica; Art. 7 o Observadas as finalidades e
características definidas no art. 6o desta Lei, são objetivos dos Institutos Federais: IV - desenvolver atividades de
extensão de acordo com os princípios e finalidades da educação profissional e tecnológica, em articulação com o
mundo do trabalho e os segmentos sociais, e com ênfase na produção, desenvolvimento e difusão de
conhecimentos científicos e tecnológicos.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4887

passado pulsavam no burburinho das carruagens dos senhores, nos salões de sarau, no vai-e-
vem de homens e mulheres, livres e escravos na lida cotidiana de sobrevivência, no grito das
negras de tabuleiro, hoje ajudam a compor um cenário degradante formado por um número
expressivo de prédios históricos abandonados, muitos em ruínas e utilizados como abrigo por
marginais, usuários e traficantes de drogas. Nessa mesma paisagem do descaso, encontram-se
várias famílias de baixa renda, com filhos adolescentes, que no desenrolar da vida cotidiana
acabam por dividir com esses atores sociais as ruas do centro antigo de São Luís.
Nesses termos, consciente da sua responsabilidade social para com essa comunidade, e
considerando a complexidade desse tecido social, o Campus São Luís – Centro Histórico vem
buscando contribuir com ações que atendam aos anseios e necessidades desses moradores,
carentes de políticas eficazes. A concepção do projeto Kitanda dos Saberes foi, assim,
direcionada a jovens carentes da área do Centro Histórico, oriundos de escolas de ensino
fundamental deficitárias, como forma de sanar ou diminuir perdas acumuladas ao longo de
ensino básico, capacitando-os para concorrer às vagas oferecidas por boas escolas públicas de
Ensino Médio ofertadas através de processos seletivos.
Em consonância com este propósito, o projeto baseou-se ainda em uma educação
voltada para a valorização do patrimônio3 cultural, aqui entendido como um conjunto de
manifestações, realizações e representações de uma determinada sociedade. É o modo de ser
e de viver de um povo4. Assim, podemos afirmar que o patrimonio cultural esta presente em
todos os lugares – cidade ou campo – onde o sujeito realiza seus afazeres cotidianos e também
suas manifestações artisticas culturais, religiosas e intelectuais.
Autores como Fonseca (2005) entendem que patrimônio é o conjunto de bens
materiais e imaterias que fazem referência á história de um povo e sua relação com o meio
ambiente. É o legado das sociedades passadas que são transmitidas às gerações futuras e
pode ser classificado em Histórico, Cultural e Ambiental. O patrimônio histórico é aquele
que conta a história de uma determinada sociedade através de seus monumentos,
vestimentas, mobílias, documentos, obras de arte e demais utensílios produzidos por essa
sociedade. Nessa direção, vale lembrar o conceito definido pelo Estado brasileiro no início
do século XX para quem patrimônio histórico e artístico nacional “é o conjunto de bens
móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por
sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor
arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (BRASIL, Decreto Lei, nº 25, de
30 de novembro de 1937).
Isto posto, é mais fácil compreender o significado da expressão Educação Patrimonial,
usada pela primeira vez no Brasil pela museóloga Maria de Lurdes Horta em 1983, para quem
a educação patrimonial é: “um processo permanente e sistemático de trabalho educacional
centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento
individual e coletivo”. Assim, o patrimônio existente no Centro Histórico de São Luís foi
tomado como elemento de produção do conhecimento. Monumentos, paisagens urbanas e
edificações de um modo geral, foram utilizados como documentos patrimoniais5 tornando-se
instrumentos para discussão e compreensão da identidade histórica das sociedades passadas
que ali viveram (HORTA 1999, p. 6).

3
O conceito de “patrimônio” deriva de uma palavra latina, pater, que na sua “origem está ligada às estruturas
familiares econômicas e jurídicas de uma sociedade estável, enraizada no espaço e no tempo” (CHOAY, 2001, p.
11).
4
Conceito baseado na Constituição de 1988.
5
São aqueles que carregam informações/vestígios sobre os mecanismos por meio dos quais uma sociedade se
organizava.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4888

A educação patrimonial busca preservar o patrimônio cultural através de ações


educativas que atuam como ferramenta eficaz na valorização da cultura local e da identidade
de uma determinada comunidade, resgatando a autoestima e transformando-se em principal
agente de preservação. Ainda, segundo Horta (1999, p.7), o “conhecimento crítico e a
apropriação consciente pelas comunidades do seu patrimônio são fatores indispensáveis no
processo de preservação sustentável desses bens, assim como no fortalecimento dos
sentimentos de identidade e cidadania”.
Assim a Educação Patrimonial pode ser entendida como um instrumento pedagógico
voltado para o uso e apropriação dos bens culturais que compõem o patrimônio cultural e é
prevista nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN-1997 e 1998) como tema transversal
para o ensino de História. Ressalta-se, que a partir da Educação Patrimonial é possível
perceber as relações sociais, econômicas e políticas que deram origem a lugares,
monumentos, símbolos que são comuns na vida cotidiana desses jovens que residem no
Centro Histórico6 da cidade de São Luís do Maranhão.
Essa compreensão balizou a proposta do Kitanda dos Saberes, definindo seu principal
objetivo de promover ações educativas voltadas aos jovens em questão, caracterizadas pela
articulação entre a melhoria do aprendizado de disciplinas básicas para ingresso no ensino
médio (ofertado por escolas públicas) e a valorização do patrimônio histórico-cultural local
sob a perspectiva da Educação Patrimonial.

MATERIAL E MÉTODOS
O Kitanda dos Saberes foi executado na sede do IFMA – Campus São Luís - Centro
Histórico entre os anos de 2012 e 2014, durante os quais foram oferecidos um curso de
Educação Patrimonial, ofertado em duas turmas subsequentes, cada uma com 30 alunos. Este
foi composto por aulas teóricas, oficinas, palestras e visitas técnicas com carga horária total
de 120h.
A metodologia aplicada para a educação patrimonial dos jovens incluiu toda e qualquer
evidência material ou manifestação artística e cultural que viesse a contribuir para a formação
crítica destes. Nesse entendimento, utilizou-se desde a própria paisagem do Centro Histórico
até as manifestações de cultura popular maranhense de caráter folclórico ou ritual e qualquer
outra expressão de saberes popular local resultante da relação de produção de novos
conhecimentos, contínuo e sistemático.
A matriz curricular do projeto contemplou os componentes curriculares Língua
Portuguesa, Matemática, História de São Luís, Ciências Humanas, Educação das Relações
Étnicos Raciais, Educação Ambiental, Oficina de Fotografia, Oficina de Papel e Oficina de
Ritmos Afro-maranhenses e seus aportes teóricos. As vivências contemplaram ainda palestras
e visitas técnicas aos atrativos culturais do Centro Histórico (museus, casas de cultura, praças,
igrejas, dentre outros). O desenvolvimento das atividades foi conduzido por profissionais
servidores do IFMA em suas diversas áreas do conhecimento.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em função da proposta concebida, considera-se que o Projeto de Educação Patrimonial
Kitanda dos Saberes gerou impactos positivos para os jovens selecionados, oportunizando,
dentre outros aspectos, sanar ou diminuir as perdas acumuladas ao longo do ensino
fundamental preparando-os para concorrerem às vagas oferecidas por boas escolas públicas de
Ensino Médio de São Luís, através de processos seletivos, sobretudo, do IFMA.

6 Formado pelos bairros Madre Deus, Goiabal, Lira, Coreia, Vila Passos, Fabril, Apicum, Diamante, Desterro,
Praia Grande e Camboa.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4889

Todas as disciplinas ofertadas pelo curso trabalharam os conhecimentos específicos de


suas áreas em interligação direta com os temas da Cultura e do Patrimônio, possibilitando
dessa forma a valorização do patrimônio histórico-cultural com a melhoria do aprendizado.
A partir da experiência e do contato com as evidências manifestadas nesse processo
interacional e direto com o patrimônio, o trabalho educacional dos alunos envolvidos contou
parte de experiências individuais, parte coletivas, levando todos a um processo ativo de
conhecimento, apropriação e valorização de bens patrimoniais, em todos os seus múltiplos
aspectos, sentidos e significados. Desta forma, o processo contínuo de criação cultural
favoreceu a capacitação para um melhor usufruto destes bens, propiciando a geração e a
produção de novos conhecimentos e significados.
Os debates sobre as questões patrimoniais e práticas culturais no campo da história, da
arte, da juventude e do patrimônio contribuíram para conhecimento crítico e a apropriação
consciente dos alunos, de sua realidade e de seu patrimônio sendo indispensáveis no processo
de preservação desses bens, como fortalecimento de suas identidades e cidadania.
Considerando êxitos e dificuldades, as experiências demonstraram a relevância do
Projeto Kitanda dos Saberes como instrumento de inclusão social e sua proposta de promover
uma maior identificação desses jovens com o patrimônio histórico e cultural da cidade de São
Luís. Neste contexto e na perspectiva de uma síntese, fatores positivos e limitativos foram
observados e registrados, quais sejam: (a) positivos – deficiências dos participantes em
disciplinas básicas relevantes para o ingresso no Ensino Médio (Português e Matemática)
minimizadas; alunos aprovados em seletivos do IFMA de 2013 e 2014 para os campi São
Luís Centro Histórico e Maracanã; contribuição para aprovação dos alunos do grupo em
processos seletivos de ingresso no Ensino Médio em Escolas Públicas Federais do Estado do
Maranhão; público-alvo do projeto mais identificado com o Centro Histórico de São Luís
enquanto seu espaço de moradia; público-alvo do projeto mais comprometido com a
valorização e preservação do patrimônio cultural da cidade; (b) negativos: baixo índice de
aprovação no IFMA, impactando nas metas estabelecidas pelo projeto; alunos faltosos,
impactando o melhor aproveitamento dos conteúdos e atividades do projeto; greves e
paralisações do sistema de transporte coletivo da cidade de São Luís.

CONCLUSÕES
A importância do projeto Kitanda dos Saberes deu-se pelo desenvolvimento de ações
essenciais para o exercício do direito à cultura, para a defesa dos valores históricos e
artísticos, com vistas à formação de uma nova mentalidade cultural e ao estímulo das práticas
culturais de identificação, reconhecimento e preservação do patrimônio cultural maranhense.
Embora o objetivo de promover maior inserção de alunos oriundos do ensino
fundamental em escolas da rede pública para o ensino médio, prioritariamente a admissão na
instituição IFMA, não tenha sido alcançada da forma desejada em termos quantitativos,
enfatiza-se como o retorno mais positivo alcançado com a experiência a questão de que a
educação patrimonial possibilitou a esses alunos uma visão mais ampla dos bens que os
cercam e de seus papeis para com esse patrimônio. Como multiplicadores, os alunos podem
levar adiante todo o conhecimento que obtiveram por meio dessas experiências bem como
habilidades descobertas ou aprimoradas com as artes.
Enfim, acredita-se que alguns déficits foram sanados ao longo do curso e que nenhum
dos jovens saiu da mesma forma que entrou; além do mais o vínculo com eles permanece e a
possibilidade de inserirem-se no instituto também, pois se criou uma ponte de saber e
conhecimento que permanece, no diálogo com os professores e com as turmas vindouras.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4890

AGRADECIMENTOS
Aos alunos bolsistas e servidores do IFMA envolvidos no projeto; à Fundação de
Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão/FAPEMA.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da Repúbica,


Casa Civil – Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.

BRASIL. Lei n. 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação


Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia, e dá outras providências. Presidência da Repúbica, Casa Civil – Subchefia para
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2010/2008/lei/l11892.htm Acesso em nov 2012.

BRASIL. Lei n. 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico


e artístico nacional. Presidência da Repúbica, Casa Civil – Subchefia para Assuntos Jurídicos.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0025.htm Acesso em nov
2012

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio.


Disponível em: portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf. Acesso em: 27 de maio de
2012.

CHOAY. Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo, editora UNESP, 2001.

FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal


de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 1997.

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Patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu
Imperial. 1999.

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Anais - Artigos Ciências Humanas - História 4891

RESGATE HISTÓRICO DE MURICI A PARTIR


DA ENCHENTE DE 2010
Bruno Carvalho da Silva1, Sérgio Murilo Alexandre Filho2,
Fábio Francisco de Almeida Castilho3
1
Discente do curso técnico em agroindústria - IFAL. Bolsista da Proex. e-mail: brunoocarvalho-15-
@hotmail.com; 2Discente do curso técnico em agroindústria– IFAL. Bolsista da Proex.
e-mail: sergiomuriloaf@hotmail.com; 3Professor Dr. de História - IFAL. e-mail: fabiofacastilho@hotmail.com

RESUMO: No mês de junho do ano de 2010 fortes chuvas provocaram grandes estragos
nos estados de Alagoas e Pernambuco e a cidade de Murici, localizada na zona da mata
alagoana, foi uma das mais afetadas. O projeto de extensão ‘’Resgate histórico de Murici a
partir da enchente de 2010’’ busca resgatar essa história passados cinco anos dessa grande
catástrofe. Realizamos levantamento do número de vítimas e prejuízos matérias junto da
Defesa Civil e diante do cenário observado realizamos entrevistas com a população dos
conjuntos habitacionais Olavo Calheiros e Pedro Tenório Raposo, bairros planejados para
receber os afetados da enchente de 2010. A metodologia consistiu na formulação de
questionários tendo por base a história oral e foram feitas entrevistas com os moradores e
comerciantes do município, afetados pela enchente de 2010. Por se tratar de um projeto de
extensão os bolsistas do projeto também buscaram inserção nas escolas municipais,
distribuindo panfletos informativos e realizou palestras almejando esclarecer e conscientizar
a população. Por último, concluímos que a população pode desempenhar importante papel
realizando medidas simples de cuidado e preservação, evitando a repetição de catástrofes
como a observada em Murici em 2010.
Palavras-chave: Alagoas, enchente de 2010, história oral.

HISTORICAL RESCUE OF MURICI FROM THE 2010 FLOOD


RESUME: In June of 2010 many rains caused a big havoc in the states of Alagoas and
Pernambuco and the city of Murici, located in the forest area alagoana, was one of the most
affected. Our extension project “Historical rescue of Murici From The 2010 flood'' search to
rescue history past five years of this big catastrophe. We conducted surveys of the number of
victims and material damage together with civil defense and on the observed scenery
conducted interviews with the population of housing Olavo Calheiros and Pedro Tenório
Rapouso districtes planned to receive the affected of 2010 flood. Lastly as a form of public
awareness, fellows project also sought inclusion in public schools distributing flyers with
search results and clarifying the population as simple care and preservation measures, can
avoid big disasters.
KEYWORDS: Alagoas, 2010 flood, oral history.

INTRODUÇÃO
No ano de 2010 fortes chuvas atingiram os estados de Alagoas e Pernambuco causando
uma grande catástrofe. As águas pluviais provocaram o vazamento do rio Mundaú e a represa
Maria Maior na cidade de Murici foi devastada. A forte tempestade destruiu cerca de 60% da
área urbana do município, segundo a Defesa Civil, e afetou a população e o comércio da
cidade, provocando desemprego e instabilidade no munícipio.
O projeto “Resgate histórico de Murici a partir da enchente de 2010” tem o caráter de
resgatar a história do município de Murici (cidade da microrregião da mata atlântica alagoana,
que possui uma população aproximada de 26.706 habitantes – censo IBGE-2010), a partir da

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catástrofe por qual passou o município em junho de 2010. A enchente de 2010 destruiu casas
e logradouros públicos e afetou também aspectos socioculturais da cidade.
Por meio deste projeto de extensão fizemos um levantamento dos prejuízos materiais da
população e também um resgate da memória do município. Procuramos diagnosticar os efeitos
considerando os aspectos físicos, ambientais, produtivos e emocionais da população, buscando
um envolvimento direto da comunidade acadêmica ao inserir o Instituto Federal de Alagoas
na realidade local. Por último, almejamos contribuir para o processo de aprendizagem e
conscientização da população com a difusão de medidas que evitam novas enchentes.

MATERIAL E MÉTODOS
No primeiro momento foram feitas pesquisas digitais com a finalidade de conhecermos
melhor o fenômeno da enchente municipal de 2010 e para maior assimilação do escopo
principal do projeto. Buscamos também definições e números oficiais na Defensoria Civil do
município, órgão responsável pelo monitoramento das zonas de risco da cidade e por adotar
medidas para prevenção de tragédias. Nesta instituição tivemos acesso aos números da
tragédia, como a quantidade de famílias afetadas, os prejuízos materiais e as ações dos órgãos
públicos para alojar os afetados e para reconstruir a cidade. Segundo dados da Defesa Civil do
município cerca de 15.000 pessoas foram afetadas, sendo 10.000 desalojadas e 5.000
desabrigadas.
A partir desses dados elaboramos questionários e realizamos entrevistas orais com
famílias afetadas pela enchente de 2010, em especial nos Conjuntos Habitacionais Pedro
Tenório Raposo e Olavo Calheiros, conjuntos que foram construídos para alojamento da
população atingida pelas fortes chuvas, segue abaixo momentos da pesquisa:

Figura 1. Momentos das entrevistas orais com os moradores dos


conjuntos ofertados para os desabrigados da enchente

Em contato com a população afetada nossa finalidade era melhor conhecer a


impressão dos moradores dos conjuntos habitacionais sobre os prejuízos causados com a
enchente, a sua impressão quanto às ações do poder público para recuperar esses prejuízos e
também conhecermos a história de vida dessas pessoas, sua relação com o antigo bairro
destruído e suas expectativas com a nova vizinhança para compreendermos como as
alterações provocadas pela enchente afetaram a vida social da comunidade (VISCARDI,
2006). Por último, também foi formulado um questionário específico para entrevistarmos
comerciantes da região mais afetada pela enchente. A intenção dessas entrevistas foi a de

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conhecer melhor a comunidade, superando os aspectos técnicos e insípidos dos números


levantados pela Defesa Civil.
Por último, como forma de conscientização da população os bolsistas do projeto
também buscaram inserção nas escolas municipais, distribuindo panfletos informativos com
os resultados da pesquisa. Nossa intenção foi a de esclarecer a população como medidas
simples de cuidado e preservação podem evitar grandes catástrofes. O panfleto distribuído nas
escolas do município segue em anexo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir da aplicação do questionário voltado especificamente para a população
afetada obteve-se dados importantes para elaboração e execução do projeto. Nosso
questionário buscou atender dois aspectos, primeiramente quantificarmos o número de
famílias afetadas e o seu prejuízo através de perguntas técnicas e diretas. Em segundo lugar
elaboramos questões mais subjetivas, que procuravam promover o resgate histórico
municipal questionando acerca da vida em comunidade e as alterações sofridas depois da
mudança de bairro (DELGADO, 2006).
De acordo com o gráfico 1, a maioria dos entrevistados abrigou-se em casas de
aluguel, onde os mesmos tinham condições financeiras para arcar com a sua moradia. Por
outro lado, cerca de 11% dos entrevistados tiveram que se abrigar nas barracas de lona
disponibilizadas pela Defesa Civil, enquanto os mesmos não eram beneficiados com o
programa de moradia do governo.

Figura 2 Barracas de lonas distribuídas pela Defesa Civil para os


desabrigados. Fonte: Google.

Segundo os moradores dos conjuntos habitacionais Pedro Tenório Raposo e Olavo


Calheiros, a cidade de Murici não é mais a mesma depois da enchente, sobretudo as amizades
que existiam, festejos típicos da cidade (festa do cajueiro, bairro afetado pela enchente),
comércio e entre outros fatos sociais foram interrompidos, causando tristeza e pesar na
população da comunidade.

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Onde os afetados se abrigaram, após enchente

Gráfico 1. Percentual de local onde se abrigaram as famílias


entrevistadas afetadas pela enchente de 2010.

Segundo dados da Devesa Civil do Município, cerca de 60% da área urbana do


município foi atingida pela enchente. Vários imóveis públicos e privados foram afetados pelas
fortes águas que atingiram também as principais avenidas da cidade como a Av. Jacinto
Barbosa, que fica localizada no centro de Murici, onde existia o antigo comércio.
Foram feitas pesquisas e registros fotográficos mostrando a área afetada da cidade cinco
anos depois da devastação, sendo possível observar o trabalho de restauração da parte externa
de algumas casas e antigos prédios públicos feitos pela prefeitura. Segue abaixo as fotos
registradas pelos bolsistas:

Figura 1. A imagem superior mostra a antiga rua do comércio (Av. Jacinto


Barbosa) no momento da enchente. Já a inferior mostra a mesma rua após
a enchente.

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Figura 2. A imagem da parte superior mostra a restauração do antigo


prédio do Banco do Brasil, Tele centro digital e um mercadinho. Já a
imagem da parte inferior mostra a restauração de uma casa, e ao lado o
pássaro sete cores, representando a diversidade da mata atlântica de
Murici-AL.

A partir do questionário feito especificamente para os comerciantes afetados do


município obtivemos informações relevantes, sobretudo informações que mostram a
influência da enchente no setor comercial da cidade. Foi percebidos que quase todos os
entrevistados não está trabalhando em seu comércio na parte baixa da cidade (local mais
afetado pela enchente), e nenhum foi beneficiado com obras do governo. Parte dos
comerciantes conseguiu restabelecer o seu comércio em pouquíssimo tempo, a outra parte só
conseguiu voltar a trabalhar depois de alguns meses, onde 9 dos 11 entrevistados tiveram o
seu comércio destruído totalmente pelas fortes enxurradas.
A maioria dos entrevistados reclama, pois a enchente afetou a sua clientela, os mesmo
falam que por conta da catástrofe os seus clientes foram embora da cidade, diminuindo
consideravelmente a venda de seus produtos. Dentre os comerciantes entrevistados três deles
ainda atuam em área de risco, onde os mesmos falam que não podem sair desse local, pois não
têm outro lugar para onde ir e que o estabelecimento onde funciona os seus comércios são
próprios e caso resolvessem mudar teriam de arcar com o aluguel do novo ponto comercial.
Por outro lado, existem comerciantes que afirmaram que a enchente foi boa para o seu
comércio, pois agora se encontram em um novo local distante das áreas de riscos e sua
clientela foi reestabelecida.
Por último, a elaboração e distribuição de panfletos informativos nas escolas públicas
almeja conscientizar a população sobre a enchente, a comunidade beneficiada pelo projeto de
extensão as causas e principalmente as consequências da enchente e as maneiras que a
população pode contribuir para evitar essas tragédias.

CONCLUSÕES
Com a elaboração do projeto nas partes afetadas da cidade e nos conjuntos habitacionais
Olavo Calheiros e Pedro Tenório Raposo, pudemos observar o impacto socioeconômico da
enchente de 2010 na cidade de Murici, Alagoas.
Atuando como um veículo de informação, o projeto procurou compilar os dados da
Defesa Civil do município auferindo os prejuízos com a enchente de 2010 e posteriormente
buscou, por meio de entrevistas realizadas, conhecer a impressão da população mais afetada
pela enchente, como comerciantes e moradores dos conjuntos habitacionais. Também foram

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feitos registros fotográficos dos prédios públicos e logradores reconstruídos. Esses resultados
foram levados à população por meio de folhetos informativos com a intenção de informá-la
dos riscos e difundir os cuidados que devemos ter para evitar tragédias semelhantes numa
tentativa de promover a conscientização da população mostrando porque a enchente
aconteceu.
Assim, a população de Murici, pôde saber como a cidade está caminhando após cinco
anos da catástrofe, tendo o conhecimento da importância da prevenção e conservação do meio
ambiente para que não aconteça mais uma catástrofe como a que aconteceu em 2010.

REFERÊNCIAS

DELGADO, Lucília de Almeida Neves. História Oral, Memória. Tempo, Identidade. Belo
Horizonte: Autentica, 2006.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. Cidades Alagoas. Censo 2010.


Disponível em: < http://www.cidades.ibge.gov.br/>.

SALGUEIRO, José Alves. SINDEC - SISTEMA NACIONAL DE DEFESA CIVIL.


Notificação preliminar de desastre, cidade de Murici. 19 de junho de 2010.

VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro; DELGADO, Lucília de Almeida Neves. História oral:
teoria, educação e sociedade. Editora UFJF, 2006.

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