Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO ABSTRACT
O ARTIGO APRESENTA UMA CRÍTICA AO PROCESSO DE THIS PAPER PRESENTS A CRITIQUE ON THE PROCESS OF
UNIVERSALIZAÇÃO DO DIREITO , CONCEBIDO PELO PROJETO UNIVERSALIZATION OF LAW, DESIGNED BY THE ILLUMINIST
ILUMINISTA E QUE É FUNDAMENTO TANTO DA CONCEPÇÃO PROJECT, AND FOUNDATION FOR BOTH THE MODERN
MODERNA DE DIREITOS HUMANOS QUANTO DA DEFINIÇÃO UNDERSTANDING OF HUMAN RIGHTS AND THE DEFINITION
DE PADRÕES JURÍDICO - POLÍTICOS DE DESENVOLVIMENTO OF JURIDICAL-POLITICAL PATTERNS OF DEVELOPMENT FOR
PARA AS DIVERSAS REGIÕES DA SOCIEDADE MUNDIAL . A DIFFERENT AREAS OF WORLD SOCIETY. THE CRITIQUE IS
PARTIR DO RECURSO À NOÇÃO DE DESIGUALDADE MATERIAL DRAWN FROM THE RECEPTION OF POST-COLONIAL STUDIES
E (NEO)COLONIALISMO, SÃO IDENTIFICADAS CONTRADIÇÕES IN THE AREA OF SOCIOLOGY OF LAW. BASED ON THE NOTION
NO DISCURSO JURÍDICO UNIVERSAL QUE , DADO SEU OF NEOCOLONIALISM, CONTRADICTIONS IN UNIVERSAL
FUNDAMENTO MORAL UNITÁRIO , O TORNAM MEIO DE JURIDICAL DISCOURSE ARE IDENTIFIED, SINCE ITS UNITARY
ESTABELECIMENTO DE HIERARQUIAS REGIONAIS E DE MORAL FOUNDATION BECOMES A MEANS FOR
RECOLONIZAÇÃO DAS PRÁTICAS JURÍDICAS DO S UL . A O ESTABLISHMENT OF REGIONAL HIERARCHIES AND RE-
CARÁTER AUTORITÁRIO DO UNIVERSALISMO JURÍDICO COLONIZATION OF SOUTHERN JURIDICAL PRACTICES. IN
DOMINANTE CONTRAPÕE - SE , AO FINAL , PROJETO CONCLUSION, THE ALTERNATIVE GLOBAL LAW PROJECT
ALTERNATIVO DE DIREITO GLOBAL BASEADO NA NOÇÃO BASED ON THE NOTION OF HETEROGENEITY IS CONFRONTED
DE HETEROGENEIDADE . WITH THE AUTHORITARIAN CHARACTER OF DOMINANT
JURIDICAL UNIVERSALISM.
PALAVRAS-CHAVE
C RÍTICA AO ILUMINISMO ; ESTUDOS PÓS - COLONIAIS ; KEYWORDS
UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ; CRITIQUE TO ENLIGHTENMENT ; POST - COLONIAL STUDIES ;
( NEO ) COLONIALISMO JURÍDICO ; HETEROGENEIDADE UNIVERSALIZATION OF HUMAN RIGHTS ; JURIDICAL
NORMATIVA . ( NEO ) COLONIALISM ; NORMATIVE HETEROGENEITY .
INTRODUÇÃO
Não seria propriamente uma surpresa se, em algum congresso internacional, um grupo
de juristas de diferentes nacionalidades identificasse, a partir de ordens estatais distintas,
DOI: HTTP://DX.DOI.ORG/10.1590/1808-2432201512 REVISTA DIREITO GV, SÃO PAULO
11(1) | P. 277-294 | JAN-JUN 2015
278 : O ILUMINISMO NO BANCO DOS RÉUS: DIREITOS UNIVERSAIS, HIERARQUIAS REGIONAIS E RECOLONIZAÇÃO
principalmente por Costa e Boatcǎ (2009, p. 69-90), como o discurso jurídico uni-
narei, no item 3, com base na noção de sociologia pós-colonial, desenvolvida
Costa e Boatcǎ (2009, p. 69-90).1 Os primeiros estudos que buscaram mobilizar hete-
nialismo, mas também com a proposta de sua conversão sociológica formulada por
rodoxamente a teoria dos sistemas foram oferecidos por De Giorgi (1980; 2004). O
autor combinou-a com o marxismo para oferecer uma crítica à forma jurídica. Como
tal crítica é o fundamento da teoria jurídica pós-colonial de Chimni (2006, p. 3-27) e
Anghie (1999: 1-71), amplamente utilizada neste artigo para compreender o processo
de recolonização do Sul pela universalização do direito, o uso da teoria dos sistemas para
a compreensão da fragmentação da sociedade moderna se justifica no âmbito da presen-
te análise. Assim, ainda que as referências adotadas partam de tradições distintas, teoria
dos sistemas, marxismo e pós-colonialismo são levados a convergir pelo seu caráter crí-
tico ao projeto político de emancipação pela universalização do discurso jurídico.
Por fim, cabe uma explicação a respeito do uso dos conceitos “Sul global” e “paí-
ses periféricos”. O ponto de referência adotado é a definição oferecida por Sousa
Santos (2010, p. 43), segundo a qual epistemologias do Sul global são “novos processos
de produção e de valorização de conhecimentos válidos, científicos e não científicos,
e novas relações entre diferentes tipos de conhecimento surgidos de práticas de classes
e grupos sociais que, de maneira sistemática, sofreram desigualdades injustas e discri-
minações causadas pelo capitalismo e pelo colonialismo”. Nesse sentido, é possível
pensar a distinção secundária centro/periferia como dependente da distinção primária
REVISTA DIREITO GV, SÃO PAULO
11(1) | P. 277-294 | JAN-JUN 2015
280 : O ILUMINISMO NO BANCO DOS RÉUS: DIREITOS UNIVERSAIS, HIERARQUIAS REGIONAIS E RECOLONIZAÇÃO
delimitar uma racionalidade igual para todos os homens. Como desta Razão eram
deduzidas leis universais, absolutas e imutáveis, era possível adotá-la como fundamen-
to maior de justiça, o que legitimava sua pretensão de indicar o conteúdo do agir. Era
a Razão justa; refletia o direito igual. Podia, portanto, impor finalidades e metas, pois
estipulava a construção de condições sociais para edificar um futuro de certezas e de
equidade. A concepção moderna de democracia, e também de direito, é produto desta
Razão, moralmente universalizada: enquanto o racional caracterizava-se pelo bem e
pelas luzes, o irracional era identificado com o mal e o obscurantismo.
O ideal iluminista, como afirma De Giorgi (2000, p. 138), foi construído a par-
tir das ruínas da sociedade feudal. Nas palavras de Luhmann (1981, p. 26), isso sig-
nificou a superação das estruturas sociais estratificadas e a afirmação do princípio da
“inclusão generalizada de todos nas prestações de cada sistema”. Tal processo é recons-
truído pela teoria dos sistemas como característica fundamental do surgimento da
sociedade moderna e implica a destruição de instâncias superiores que se destinam a
representações globais do todo social baseadas em um ethos universal (LUHMANN,
1998, p. 963). Isso levaria a uma pluralidade de estruturas e funções desempenhadas
na sociedade, que a fragmentaria em diversos sistemas sociais diferenciados entre si
(idem). A partir da noção luhmanniana de aquisições evolutivas, De Giorgi (2000,
p. 138) indica que tal fragmentação iniciou-se em três planos distintos: na univer-
salização dos direitos (sistema jurídico), na monetarização da propriedade (sistema
econômico) e na convergência entre bem comum e vontade geral (sistema político).
Substituía-se, assim, a lógica dos privilégios e a distribuição desigual das possibilida-
des comunicativas pela igualdade quanto ao acesso às prestações dos sistemas sociais:
compra-se uma mercadoria por causa de seu preço e não do status da pessoa que a
vende, por exemplo.
Para Luhmann (1998, p. 962-963), significativo dessas transformações é a modi-
ficação das formas de representação da sociedade. Enquanto, para a semântica
medieval, a sociedade se observava por meio do estrato superior, que, determinado
por fatores externos – a natureza ou a vontade divina –, monopolizava as alternati-
vas descritivas (LUHMANN, 1998, p. 894), o pensamento iluminista elegeu o sis-
tema político como instância reflexiva de toda sociedade (ibidem, p. 963-964). A
mudança do observador – do estrato superior para uma esfera social específica –
implicou tanto a eliminação dos fundamentos metafísicos quanto o perecimento
dos estamentos. Isso porque a política, ao estabilizar estruturas internas, como, por
exemplo, soberania popular, eleições e Estado de direito, criou as possibilidades
para se autolegitimar e operar por meio de distinções diversas daquela inferior/supe-
rior, própria da ordem hierárquica da sociedade estratificada (LUHMANN, 2002,
p. 255-256).
A adoção da política como o sistema universal da sociedade moderna pelo ilumi-
nismo baseou-se em uma concepção ontológica de mundo que foi construída pela
REVISTA DIREITO GV, SÃO PAULO
11(1) | P. 277-294 | JAN-JUN 2015
282 : O ILUMINISMO NO BANCO DOS RÉUS: DIREITOS UNIVERSAIS, HIERARQUIAS REGIONAIS E RECOLONIZAÇÃO
segue o arquétipo ocidental, e a dinâmica social, que exige estatutos que respondam
a suas especificidades. Sob este olhar, o diagnóstico usual sobre a separação entre
direito e sociedade no Sul global adquire outro sentido. De um lado, explica a roti-
nização do discurso da reforma pelos atores jurídicos destas regiões, pois a realidade
CONCLUSÃO
A crítica à universalização do discurso jurídico desenvolvida neste artigo não sig-
nifica uma defesa ao relativismo dos direitos humanos ou ao multiculturalismo.
Tais construções não são alternativas, mas parte do modelo universalista, na medi-
da em que a autonomia do “outro” é assegurada por técnicas de congelamento cul-
tural, exotização e subalternização. Produz, nesse sentido, hierarquias culturais,
que excluem o “exótico” dos processos decisórios, transformando-o em místico,
REVISTA DIREITO GV, SÃO PAULO
11(1) | P. 277-294 | JAN-JUN 2015
21 GUILHERME LEITE GONÇALVES : 291
NOTAS
1 Para uma ampla discussão sobre a possibilidade de diálogo entre teoria dos sistemas e pós-colonialismo, ver meus
trabalhos anteriores (GONÇALVES, 2013b, 2013c).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMSTUTZ, M.; FISCHER-LESCANO, A. (Orgs.). Kritische Systemtheorie. Zur Evolution einer normativen Theorie.
Bielefeld: Transcript, 2013.
ANGHIE, A.“Finding the peripheries: sovereignty and colonialism in nineteenth-century international law”.
Harvard International Law Journal, v. 40, n. 1, p. 1-71, 1999.
BACHUR, J. P. Às portas do labirinto: para uma recepção crítica da teoria social de Niklas Luhmann. Rio de
Janeiro: Azougue, 2010.
CHATTERJEE, P. “A response to Taylor’s modes of civil society”. Public Culture, v. 3, p. 119-132, 1990.
________. “Community in the East”. Economic and Political Weekly, v. 33, n. 6, p. 277-282, 1998.
________. The politics of the governed: reflections on popular politics in most of the world. New York:
Columbia University Press, 2006.
CHIMNI, B. S. “Third world approaches to international law: a manifesto”. International Community Law Review,
COSTA, S.; BOATCǍ, M.“Postkoloniale soziologie: ein programm”. In: REUTER, J.; VILLA, P. (Orgs.).
v. 8, p. 3-27, 2006.
Postkoloniale Soziologie. Empirische Befunde, theoretische Anschlüsse, politische Intervention. Bielefeld: Transcript, 2009.
COSTA, S.; GONÇALVES, G. L. “Human rights as collective entitlement? Afro-descendants in Latin America
and the caribbean”. Zeitschrift für Menschenrechte, v. 5, p. 52-71, 2011.
COSTA, S. “Democracia cosmopolita: déficits conceituais e equívocos políticos”. Revista Brasileira de Ciências
Sociais, v. 18, n. 53, p. 19-32, 2003.
______. “Essentialismuskritik, transnationaler Antirassismus, Körperpolitik. Paul Gilroy und der Black Atlantic”.
In: REUTER, J.; KARENTZOS, A. (Orgs.). Schlüsselwerke der postkolonialen Studien. Wiesbaden: VS, 2012.
DE GIORGI, R. Multiculturalismo, identidad y derecho. Buenos Aires: Sociedad Argentina de Sociología Jurídica,
2010. Disponível em: <http://www.sasju.org.ar/>. Acesso em: 27 jul. 2015.
______. Scienza del diritto e legittimazione. Lecce: Pensa, 2004.
______. “Problemi della governabilità democratica”. In: CAMPILONGO, C. Diritto democrazia e
globalizzazione. Lecce: Pensa, 2000.
______. “Niklas Luhmann: die Zukunft des Gedächtnisses“. In: STICHWEH, R. (Org.). Niklas Luhmann –
Wirkungen eines Theoretikers: Gedenkcolloquium der Universität Bielefeld am 8 Dezember 1998. Bielefeld: Transcript, 1999.
______. Wahrheit und Legitimation im Recht. Ein Beitrag zur Neubegründung der Rechtstheorie. Berlin: Duncker &
Humblot, 1980.
DURKHEIM, E. Il contributo di Montesquieu alla fondazione della scienza politica. Napoli: Il Tripode, 1989[1892].
DUSSEL, E. “Europa, modernidad y eurocentrismo”. In: LANDER, E. (Org.). La colonialidad del saber:
eurocentrismo y ciencias sociales, Caracas: Unesco/UCV, 2000.
GONÇALVES, G. L.; BACHUR, J. P. “O direito na sociologia de Niklas Luhmann”. In: SILVA, F. G.;
RODRIGUEZ, J. R. (Org.). Manual de sociologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 2013.
GONÇALVES, G. L. Direito entre certeza e incerteza: horizontes críticos para a teoria dos sistemas. São Paulo:
Saraiva, 2013a.
________. “Pós-colonialismo e teoria dos sistemas: notas para uma agenda de pesquisa sobre o direito”. In:
BACHUR, J. P.; DUTRA, R. (Orgs.). Dossiê Niklas Luhmann. Belo Horizonte: UFMG, 2013b.
________. “Postkolonialismus und Systemtheorie: Eine Forschungsperspektive zum Recht im Süden?”. In:
TZANEVA, Magdalena. (Org.). Nachtflug der Eule: 150 Stimmen zum Werk von Niklas Luhmann: Gedenkbuch zum
15. Todestag von Niklas Luhmann (8. Dezember 1927 Lüneburg – 6. November 1998 Oerlinghausen). Berlin: LiDi
EuropEdition, v. 1, p. 125-156, 2013c.
GRESPAN, J. Revolução francesa e iluminismo. São Paulo: Contexto, 2008.
HALL, S. “When was ‘the Post-colonial’? Thinking at the Limit”. In: CURTI, L.; CHAMBERS, I. (Orgs.). The