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A antiguidade desprezava uma tal disposição de espírito: o termo grego tapeïnos assim como o
latino humilis derivados de palavras que designam a terra, aplicam-se comumente àquilo que é
baixo, vil, e às pessoas curvadas até a terra, humilhando-se por abjeção. Foi o Evangelho que
elevou os humildes (Lc 1:52); mas, como indica o fato que esta palavra de Maria é uma citação,
ou mais exatamente uma adaptação do Antigo Testamento (Jó 5:11 etc.), a eclosão da virtude
eminentemente cristã da humildade foi preparada pela experiência religiosa dos crentes de
Israel.
O nome hebreu dos humildes (anâvim ou aniyîm) com efeito deriva da raiz que designa a
aflição, a prova, e os caracteriza não como apáticos resignados ou subservientes que se
tornam servis, mas sim como almas que, na infelicidade tomaram uma posição moral ou
religiosa (ver Doçura). Os anâvim, assim como os êbionim (= pobres), são os corações fiéis a
Deus que mantiveram em sua vida pessoal a primazia espiritual, entre o ritual dos sacerdotes e
o arrivismo dos grandes; desdenhados, oprimidos pelo egoísmo social, primeiras vítimas dos
problemas políticos e das desgraças da derrota e do exílio, os «Pobres de Israel», os
“humildes”, os “mansos”, sentindo sua total impotência e reagindo contra o orgulho de raça e de
classe dos chefes judeus e dos fariseus intolerantes, voltaram toda a sua esperança para o
Eterno; e foi assim que eles foram como as células vivas do meio religioso em que o Messias
deveria ser esperado e bem-vindo (ver A. Causse, Os Pobres de Israel, Strasbourg, 1922).
Como a humildade é por essência a atitude da alma perante Deus, não é de espantar que além
destes anônimos, conhecidos somente pela obra coletiva de sua fé, haja poucos exemplos
individuais a citar; e é às vezes difícil de separar a humildade da modéstia ou do medo das
responsabilidades, nos casos como os de Abraão (Gen 18:7), Jacó (Gen 32:10), Moisés (Ex
3:11 etc.), Salomão (1Rom 3:7-9), Isaías (Is 6:5), Jeremias (Jer 1:6), etc.
De todas estas passagens pode-se ver que a humildade não é somente, como a define São
Bernardo, o sentimento de nossa baixeza derivado do conhecimento mais exato de nós
mesmos (ex verissima sui cognitione), pois podemos nos sentir fracos e sê-lo por orgulho
invejoso, deprimido ou revoltado. Unicamente de nossas relações com Deus pode nascer nossa
humildade: Deus infinito perante nós, os ínfimos (Sl 8:2-5), Deus santo diante de nós pecadores
(Is 6:5), Deus Salvador que toma a iniciativa de sua reconciliação conosco (Rom 5:6,11), o Bom
Deus que nos cumula de graças imerecidas (1Cor 4:7), Deus Pai que nos associa à sua obra
de amor pela humanidade (2Cor 5: e seguintes). Se os primeiros aspectos do contraste eram
de natureza a nos humilhar (ver Humilhação), a nos curvar na poeira para nos levar ao
arrependimento, os seguintes nos fazem levantar a cabeça, acalmando nosso coração
perdoado e apelando à nossa vontade consagrada.
Também a Escritura nos apresenta sempre a humildade não como um objetivo em si, mas
como a condição das outras virtudes e da verdadeira elevação, a elevação da glória (Lc
14:11,Mt 23:12, cf. os textos já citados). Deste modo, a humildade cristã não tem nada de
afetado ou de obsequioso; (cf. Col 2:18,23) ela não é, tampouco, a falsa modéstia ou o
desânimo, o desconhecimento de nosso valor ou o abandono de nossa dignidade; ela é a
alegre aceitação de nossa dependência de fato em relação a Deus, e de nossa dependência
voluntária ao serviço de nossos irmãos; ela nos libera da satisfação de nós mesmos, sempre
paralisante, e nos inspira continuamente a necessidade de novos progressos (Flp 3:12,14).
Eminentemente estimulante e fecunda, é ela que nos ensina (para adaptar a linguagem de Kant
ao nosso propósito) a nunca considerar nosso ser como um fim, mas sempre como um meio, a
serviço de Deus e da humanidade.
Eis porque o próprio Jesus pôde, mesmo sendo Senhor e o Mestre, dar também o exemplo
desta humildade. De Deus, o único Ser bom de maneira absoluta (Mc 10:18), ele se sentia
completamente dependente para realizar Seus desígnios (Jo 5:19,30) aprendendo, mesmo
sendo o Filho, a obediência no sofrimento, (Heb 5:8); não era a sua própria glória que ele
buscava (Jo 8:30); e ele tinha também o direito de, ao mesmo tempo em que dizia: “Vinde a
mim”, se qualificar “humilde de coração” (Mt 11:28,30). O quarto evangelho marca
magnificamente nele a estreita união da dignidade suprema e da suprema humildade: “Jesus,
que sabia que o Pai lhe colocara nas mãos todas as coisas, que ele viera de Deus e que iria a
Deus” (tendo então consciência de sua incomensurável superioridade), “...cingiu-se de uma
toalha, encheu de água uma bacia e começou a lavar os pés de seus discípulos” - trabalho de
escravo! - para ensinar-lhes a humildade no serviço e no amor fraternal (Jo 13:3,12).
Da mesma forma, São Paulo devendo repetir uma exortação análoga a seus amigos os
filipenses, lembra-lhes o ideal de humildade e de desinteresse do Mestre: “Tende os mesmos
sentimentos que Jesus Cristo teve, ele que, estando em forma de Deus..., negou-se a si
mesmo, tomando a forma de um servidor..., e apequenou-se, tornando-se obediente até a
morte, e até a morte na cruz...” (Flp 2:3,8). Esta humildade do Senhor, sublimidade na
consagração até o sacrifício, é o ideal divino que dita ao pecador, certamente! sua própria
humildade, simplicidade em seu arrependimento e em sua consagração; e o que o torna capaz
é o poder soberano desse Senhor vivo.
Ver (Flp 2:9,11) Trench, Syn. Novo Testamento, parag. XLII; Jean Monod, artigo Humildade na
Encycl., t. VI, p. 422. Jn L.