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O papel da igreja na difusão da Língua Brasileira de Sinais frente o regime


jurídico brasileiro

Sara Ingrid Ferreira Martins1


André Rodrigues Santos2

RESUMO

O objetivo do presente artigo é demonstrar o impacto da igreja, enquanto instituição


social, na difusão da Língua Brasileira de Sinais (Libras), conforme a lei 10.436/2002
determina. A difusão da Libras é importante porque é através dela que os direitos
fundamentais dos surdos são garantidos, e porque, na realidade brasileira, a maior
parte dos surdos sequer conhece a língua. A igreja cristã influencia diretamente a
sociedade brasileira e tem forte caráter social, fornecendo ações sociais práticas e
efetivas. Em relação aos surdos, especificamente, a igreja teve influência direta na sua
história, na educação e até mesmo na constituição da língua de sinais, e, através dessa
análise da ligação entre a igreja e a comunidade surda, é possível perceber que a igreja
pode, e deve, impactar diretamente a difusão da Libras.

Palavras-chave: Surdos, Libras, difusão, igreja

1 INTRODUÇÃO

A linguagem de sinais é uma linguagem visual, feita através de gestos manuais.


É através dela que os surdos comunicam entre si e com o mundo ao seu redor. No
Brasil, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) foi reconhecida como meio legal de
comunicação, tornando-se oficial, através da lei 10.436/2002.
A importância desta língua e desta lei é a que segue: para que se efetive os
direitos fundamentais dos surdos, enquanto pessoas com deficiência, que têm direito à
acessibilidade e inclusão social, e para que o Estado consiga os garantir, eles precisam
de uma forma institucionalizada de se comunicar. Foi isso que a lei 10.436/2002 fez ao

1 Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Vale do Rio Doce - e-mail: sara.martins@univale.br


2 Orientador. Professor e Coordenador do Curso de Direito da Univale - e-mail: direito@univale.br
tornar a Libras um meio legal de comunicação e determinar que o Estado tem que
adotar formas de institucionalizá-la e difundi-la.
Entretanto, apesar de existir esta determinação legal expressa, os surdos
brasileiros, na realidade, em sua maioria, não têm acesso à Libras e carecem dessa
garantia estatal. Por isso, é necessário haver algum meio de garantir à população surda
o acesso à Libras e a garantia de seus direitos fundamentais.
Assim sendo, o presente artigo tem como problema de pesquisa a seguinte
pergunta: a igreja, enquanto instituição social, consegue influenciar na acessibilidade de
surdos de forma a garantir o direito brasileiro, com a difusão da Libras?
Busca-se atingir o objetivo de demonstrar que a igreja teria forte impacto na
acessibilidade de surdos com a difusão da Libras, e como a sua atuação teria ligação
direta com o cumprimento do disposto na legislação pátria.
A presente pesquisa justifica-se pelo fato de a população surda do Brasil ser
muito grande mas, apesar disso, não ter a plena aplicação dos seus direitos já
garantidos no regime jurídico. Grande parte desta população sequer tem acesso à
Libras. A igreja, por sua vez, enquanto instituição social, tem impacto na sociedade e
poderia ter contribuição direta na solução da situação apresentada. Assim, é de
extrema relevância o estudo da possível influência da igreja na acessibilidade dos
surdos, especificamente na difusão da Libras.
A metodologia a ser utilizada no presente artigo é a pesquisa bibliográfica, com
análise documental da Constituição Federal e legislações aplicáveis e de livros e artigos
concernentes ao tema, sendo o estudo baseado no método dedutivo.
O artigo será apresentado nas seguintes seções e subseções: Direitos dos
Surdos, onde serão abordados os direitos fundamentais previstos na Constituição
Federal de 1988, os direitos apresentados no Estatuto da Pessoa com Deficiência e a
garantia da Libras, conforme a Lei 10.436/2002 e o Decreto 5.626/2005; a Realidade
dos Surdos no Brasil, onde serão analisados dados a fim de perceber a realidade
brasileira em relação ao tema; Como a Igreja Atua na Difusão da Libras, onde se
compreenderá a influência da igreja na sociedade brasileira, a ação social da igreja e a
igreja e os surdos e, por fim, considerações finais.
2 DIREITOS DOS SURDOS

Os surdos, como qualquer pessoa, gozam dos direitos fundamentais garantidos


no ordenamento jurídico brasileiro, baseados no princípio norteador de todo o regime
jurídico, a dignidade da pessoa humana.
São, pela definição legal, pessoas com deficiência, e, portanto, têm garantias no
Estatuto da Pessoa com Deficiência (lei 13.146/2015). Essa lei tem grande foco na
inclusão e acessibilidade, e determina que, em relação aos surdos, para efetiva
inclusão, o poder público deve assegurar a oferta da Língua Brasileira de Sinais.
A Lei de Libras (lei 10.436/2002) e o Decreto 5.626/2005 que a regulamenta, por
sua vez, reconheceram a Libras como meio legal de comunicação e determinam que o
Estado deve difundi-la e torná-la institucionalizada.

2.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Os direitos fundamentais, segundo Marmelstein (2019), têm um conteúdo ético,


qual seja, são valores básicos para a vida em sociedade, sendo a dignidade da pessoa
humana a base axiológica de todos estes direitos. Não há direito fundamental sem
dignidade da pessoa humana, uma vez que são direitos inerentes à condição própria do
ser humano. Têm, também, um conteúdo normativo, que consiste no reconhecimento
legal destes direitos, tornando-os parte do ordenamento jurídico de forma explícita
(MARMELSTEIN, 2019).
Nesse sentido, Agra (et al., 2009) discorre sobre “direitos fundamentais”:

Os direitos fundamentais, em suas diversas dimensões, compõem o


acervo de direitos que permitem a ampla e plena salvaguarda da
dignidade da pessoa humana, e, por isso, podem ser considerados
aqueles direitos sem os quais é impossível pensar o desenvolvimento de
sociedades democráticas, pluralistas, tolerantes e abertas (AGRA, et al.,
pág. 51)(grifo nosso).

Os direitos fundamentais existentes no mundo moderno nasceram de uma


evolução histórica quanto à garantia dos “direitos do homem”, em âmbito mundial. No
Brasil, a primeira Constituição foi a “Constituição Política do Império do Brasil”, de 1824,
que previa, no seu artigo 179, 35 (trinta e cinco) incisos que garantiam direitos e
garantias individuais. Esses direitos foram repetidos na Constituição republicana de
1891, e, com o passar dos anos, as novas Constituições reproduziam as previsões
anteriores de direitos fundamentais e acrescentavam alguns outros (MORAES, 2021).
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, surgiu após um
momento conturbado na história do Brasil. Chamada de “Constituição cidadã” (Agra et
al., 2009, p. XVII e XVIII), tem grande foco no Estado Democrático de Direito e na
garantia dos direitos fundamentais (Agra et al., 2009). Já no preâmbulo constitucional é
possível aferir qual a lógica da Constituição de 1988:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia


Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade,
a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a
justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica
das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (BRASIL,
1988)(grifo nosso).

O preâmbulo constitucional não possui valor jurídico nem força normativa, mas
reflete a posição ideológica do constituinte e serve para nortear a interpretação da
Constituição, conforme decidido pelo STF na ADI 2076 (STF, 1999).
Além do preâmbulo, o artigo 1º, inciso III, determina ser fundamento da
República a dignidade da pessoa humana, bem como o artigo 2º, incisos I e IV
demonstram ser objetivos da República “construir uma sociedade livre, justa e solidária”
e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1985).
O artigo 5º da Constituição Federal tem, também, o mesmo tom dos dispositivos
já mencionados, estando inserido no título denominado “Dos direitos e garantias
fundamentais” (Brasil, 1985) e onde estão elencados a maior parte dos direitos
fundamentais que existem no ordenamento jurídico brasileiro. Este artigo, como todos
os outros que versam sobre direitos fundamentais, é, inclusive, cláusula pétrea, não
podendo ser modificado ou retirado do ordenamento (BRASIL,1985).
Abstrai-se, então, que a Constituição Federal tem grande preocupação em
garantir que a dignidade da pessoa humana, e os direitos a ela inerentes, sejam
respeitados, uma vez que esse princípio é considerado o “primeiro motor de uma
cultura constitucional republicana” (Agra, et al., 2009, p. 54), e reclama, por si só, o
amplo acolhimento da diversidade contida na pessoa humana (AGRA et al., 2009).
Tendo em mente esta interpretação, a Constituição Federal determina algumas
garantias especificamente destinadas a pessoas com deficiência. O artigo 23, inciso II,
deixa claro que é competência da União, Estados, DF e Municípios “cuidar da saúde e
assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”
(Brasil, 1988). O artigo 203, inciso IV, ainda, na seção IV, intitulada “Da assistência
social", prevê:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,


independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por
objetivos:
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência
e a promoção de sua integração à vida comunitária (BRASIL, 1988)
(grifo nosso).

Ante o exposto, a observação e aplicação dos direitos garantidos às pessoas


com deficiência, ainda na Constituição e na legislação que será apresentada abaixo,
devem ter o senso de urgência, importância e irrenunciabilidade que condiga com a
dignidade da pessoa humana.

2.2 ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

O artigo 2º da lei 13.146 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) determina quem é


considerado “pessoa com deficiência”:

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de


longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual,
em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas (BRASIL, 2015)(grifo nosso).

Em sequência, o Decreto 5.626/2005, que regulamenta a Lei de Libras, no seu


artigo segundo, dispõe que:

Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por
ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de
experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso
da Língua Brasileira de Sinais - Libras (BRASIL, 2005)(grifo nosso).

Segundo o site do TRE-CE (2022?), no seu “Manual de comunicação acessível”,


deficiência sensorial é aquela em que há uma disfunção total ou parcial de um dos
cinco sentidos. Logo, a perda auditiva é um impedimento sensorial, e o surdo é pessoa
com deficiência que goza dos direitos previstos pelo Estatuto da Pessoa com
Deficiência.
A referida lei tem forte caráter de inclusão. Segundo Oliveira (et al., 2019):

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência vem introduzir no


ordenamento jurídico aquilo que Habermas denomina “a inclusão do
outro" e que envolve a visão dos direitos humanos “no plano global e no
âmbito interno dos Estados” (OLIVEIRA et al., 2019, p. 29).

Seu intuito é garantir às pessoas com deficiência o direito e princípio


fundamental da dignidade, conforme o artigo 10, e a acessibilidade, que, segundo o
artigo 3º, inciso I, trata da possibilidade e condição de alcance de pessoas com
deficiência utilizarem, com segurança e autonomia, todos os ambientes e instrumentos
existentes da vida em sociedade, inclusive a informação e comunicação (Brasil, 2015).
Nesse sentido, o artigo 53 do Estatuto da Pessoa com Deficiência determina:

A acessibilidade é direito que garante à pessoa com deficiência ou com


mobilidade reduzida viver de forma independente e exercer seus
direitos de cidadania e de participação social (BRASIL, 2015)(grifo
nosso).

Sabendo que os surdos têm os sinais como língua materna, ou seja,


naturalmente se comunicam por gestos em razão da sua deficiência auditiva, como
explica Quadros (1997, apud Barboza, 2015), para que tenham a acessibilidade
determinada no Estatuto, que garante o exercício dos seus direitos e participação na
sociedade e cidadania, com segurança e autonomia, é necessário que sejam versados
na Língua de Sinais e ela seja ensinada buscando a inclusão da comunidade surda. Por
isso, a lei 13.146 determina que:

Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver,


implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:
IV - oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira língua e na
modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em
escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas;
XII - oferta de ensino da Libras, do Sistema Braille e de uso de
recursos de tecnologia assistiva, de forma a ampliar habilidades
funcionais dos estudantes, promovendo sua autonomia e
participação (BRASIL, 2015)(grifo nosso).

Observa-se, então, que, para efetiva acessibilidade dos surdos, de forma que
tenham pleno desenvolvimento dos seus talentos e ampliação de suas habilidades,
autonomia e participação em todos os âmbitos da sociedade, consequentemente
garantindo, assim, a dignidade da pessoa humana, conforme apresentado, a Libras
(Língua Brasileira de Sinais) necessária e insubstituivelmente há de ser assegurada e
difundida.

2.3 DA GARANTIA DA LIBRAS – LEI 10.436/2002 E DECRETO 5.626/2005

A Libras é a Língua Brasileira de Sinais. A lei 10.436/2002 a reconheceu como


meio legal de comunicação (BRASIL, 2002).
A relevância dessa lei se dá porque, como inicialmente apresentado acima, para
os surdos, a Língua de Sinais é sua língua materna. Segundo Quadros (1997, apud
Barboza, 2015):

Uma criança adquire sua primeira língua – L1 – de forma natural e


espontânea, ou seja, essa língua não é ensinada: ninguém ensina
ninguém a falar, simplesmente se aprende a falar. Da mesma forma
acontece com as crianças surdas, ninguém ensina a sinalizar, mas de
forma natural se aprende a sinalizar. As crianças, quando chegam à
escola, já sabem falar. Com as crianças surdas, filhas de pais surdos,
isso também acontece, pois adquirem naturalmente a Língua de Sinais;
portanto, essa é a L1 dessas crianças (QUADROS, 1997, apud
BARBOZA, 2015, f. 22).

Por conseguinte, apesar de ser natural para a criança surda a comunicação por
meio de sinais, sendo essa sua primeira língua, é muito raro que ela tenha contato
direto com a Língua Brasileira de Sinais enquanto língua estruturada, de forma a
efetivamente aprendê-la e utilizá-la como sua primeira língua, por ter pais ouvintes e/ou
pelo ambiente em que estão inseridos. Assim, o processo pedagógico deve ser focado
no aprendizado da Libras como primeira língua (QUADROS, 1997, apud BARBOZA,
2015).
Para que a pessoa surda se comunique, de forma generalizada, no Brasil, então,
era de extrema importância que a Libras fosse oficializada, conforme garantido pela lei
10.436/2002, e é necessário que ela seja institucionalizada e amplamente difundida. O
artigo 2º da referida lei confirma este entendimento:

Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas


concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de
apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras como
meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades
surdas do Brasil (BRASIL, 2002)(grifo nosso).

O artigo 29 do Decreto 5.626/2005, ainda, que regulamenta a Lei de Libras,


coaduna o exposto:

O Distrito Federal, os Estados e os Municípios, no âmbito de suas


competências, definirão os instrumentos para a efetiva implantação e o
controle do uso e difusão de Libras e de sua tradução e
interpretação, referidos nos dispositivos deste Decreto (BRASIL, 2005)
(grifo nosso).

Basicamente, todo o arcabouço jurídico referente aos direitos dos surdos tem
como foco a garantia da efetiva implantação e difusão do uso da Libras, a fim de que os
surdos consigam se comunicar com segurança e participar ativamente da sociedade.
A Libras, então, é a forma como os surdos brasileiros terão seus direitos
fundamentais, baseados na dignidade da pessoa humana, com a acessibilidade,
desenvolvimento de suas habilidades, autonomia e participação, assegurados e em
evidência socialmente.

3 A REALIDADE DOS SURDOS NO BRASIL

Apesar de estabelecido acima que a Libras é fundamental não só para a


comunicação da comunidade surda entre si e dos ouvintes com ela, mas principalmente
para a garantia e efetivação de direitos fundamentais, a realidade brasileira em relação
ao exposto e à linguagem é discrepante.
Há, no Brasil, o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), órgão
destinado a “subsidiar a formulação da Política Nacional de Educação na área da
surdez”, “assistir tecnicamente, os sistemas de ensino, com vistas ao atendimento
aducacional de alunos surdos”, “promover a educação de alunos surdos, por meio da
manutenção de órgão de educação básica”, dentre outras atribuições referentes à
educação e inclusão de surdos, conforme estabelecido no artigo 38 do Decreto 11.342
de 2023 (BRASIL, 2023).
Contudo, apesar de existente este Instituto e ser de fato importante, no próprio
site do órgão é expresso que o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES)
“atende em torno de 600 alunos, da Educação Infantil até o Ensino Médio” (2012?).
Esse número de alunos é baixíssimo, quase inexpressivo, uma vez que, segundo o
Ministério da Saúde:

Aproximadamente 5% da população são compostos por quem tem


alguma deficiência auditiva, o que equivale a cerca de 10 milhões de
brasileiros. Deste grupo, 2,7 milhões possuem surdez profunda
(2012?)(grifo nosso).

Entre esta população que tem alguma dificuldade para ouvir, segundo dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), conforme gráfico abaixo, apenas
1,8% sabe usar a Libras, entre os que têm muita dificuldade para ouvir, apenas 3%
sabe usá-la e entre os que não ouvem de modo algum, 35,8% sabe usar.
Figura 1 – Gráfico

Fonte: Pesquisa Nacional de Saúde – PNS 2019


A analista da pesquisa, Maíra Bonna Lenzi (Portal Geledés, 2021), ao comentar
os resultados, disse que:

A informação é importante para não generalizar as pessoas com


deficiência auditiva: ao analisar os dados, é possível perceber que nem
todos sabem se comunicar em Libras, pois fazem uso da fala, se
comunicam oralmente, muitos deles com o apoio da leitura labial (grifo
nosso).

Um motivo determinante que explica essa falta de difusão da Libras entre os


surdos brasileiros é a falta de acesso à língua de sinais nacional nas cidades do
interior. Vilela e Cruz-Santos (2020), ao analisarem diversos artigos direcionados a
esse tema, observaram o seguinte:

Contudo, a questão da falta da língua de sinais como a razão


principal entre as diferenças dos níveis encontrados no interior e
na capital está evidenciada também na maioria dos artigos (VILELA;
CRUZ-SANTOS, 2020, p. 102)(grifo nosso).

Nesse sentido, ainda, Harrelson (2017, apud Vilela e Cruz-Santos, 2020, p. 102),
“mostra como os surdos no interior não têm acesso à língua de sinais nacional e
que muitas vezes eles são considerados como sem linguagem”(grifo nosso).
Perceber que a falta de Libras se concentra no interior do Brasil é alarmante
porque, segundo o IBGE, cidades do interior são assim consideradas aquelas que
possuem menos de 50 (cinquenta) mil habitantes, e que, ainda segundo o IBGE, 73%
dos municípios do Brasil possuem entre 10 (dez) e 20 (vinte) mil habitantes. Ou seja,
73% das cidades do Brasil, no mínimo, podem ser consideradas “cidades do interior”,
por assim dizer, e, consequentemente, no mínimo 73% das cidades do Brasil têm
pouca difusão da Libras, uma linguagem que deveria ser conhecida nacionalmente.
Curiosamente, como prova de que os surdos do interior geralmente não têm
acesso a Libras, há uma cidade no interior do Piauí onde a comunidade surda ali
presente desenvolveu sua própria linguagem de sinais (TV Clube, 2022).
Estes dados são importantes e a análise deles é relevante para que se veja,
claramente, que, apesar de haver a lei 10.436/2002 que prevê a Libras e o decreto
5.626/2005 que a regulamenta, o poder público não tem garantido a difusão da Libras
como deveria.
Observa-se, então, que deve-se, urgentemente, procurar uma forma de difundir,
dentro da própria comunidade surda brasileira, o uso da Língua Brasileira de Sinais,
para que os direitos fundamentais dos surdos começam a ser, de fato, garantidos, e
para que a lei de Libras seja efetivamente aplicada e observada.

4 COMO A IGREJA ATUA NA DIFUSÃO DA LIBRAS

Ao observar a realidade dos surdos do Brasil, cogita-se uma solução prática para
o problema da pouca difusão da Libras, não apenas entre os ouvintes, mas
principalmente e sobretudo entre os próprios surdos.
Buscando alguma instituição existente que pudesse ser a solução, depara-se
com a igreja, mais especificamente a igreja cristã, que notadamente tem fortíssima
influência na sociedade brasileira e promove, costumeiramente, todo tipo de ação
social.
Sendo assim, é possível imaginar que a igreja poderia atingir e promover
diretamente a difusão da Libras no Brasil.
4.1 A INFLUÊNCIA DA IGREJA NA SOCIEDADE BRASILEIRA

É notável que a igreja cristã é presente na história brasileira. Segundo Araújo e


Bett (2022, f. 10), “a história do cristianismo no Brasil se confundiu com a história do
seu descobrimento”, uma vez que, juntamente com as grandes navegações, em 1500,
chegaram a solo brasileiro os missionários jesuítas (ARAÚJO; BETT, 2022).
Com o passar dos anos, a dependência entre Igreja e Estado era fortalecida e
consolidada, com a religião Católica Apostólica Romana chegando a ser oficializada no
Brasil em 1824 (Araújo; Bett, 2022). Por conta dessa forte ligação entre Estado e Igreja,
Nóbrega, Sousa e Sousa (2018, p. 01 e 02) observam o seguinte:

Essa união possibilitou a igreja impor ao Estado uma mudança no


seu sistema jurídico, passando a adotar o direito canônico como
base jurídica para julgamentos e regimento nacional. O direito
canônico valorou-se com velocidade, já que a sociedade acreditara na
igreja sua subjetividade e particularidade (grifo nosso).

A Igreja permaneceu unida ao Estado, e a religião católica permaneceu como


religião oficial, até a Constituição de 1891 e subsequentes declararem o Brasil um
Estado laico (Araújo; Bett, 2022). Contudo, apesar de ser um Estado laico, “a igreja
mostrou-se intrínseca a sociedade, mesmo depois da secularização do direito”
(NÓBREGA; SOUSA; SOUSA, 2018, p. 02).
Portanto, os princípios cristãos são, ainda, norteadores no Brasil. No Direito
brasileiro há reflexos, diretos e indiretos, do cristianismo nas mais diversas áreas
(Araújo; Bett, 2022). Segundo Gurgel (apud Araújo e Bett, 2022, f. 12):

Nota-se ainda a influência do Cristianismo no Direito Penal, em especial


no que concerne aos tipos de crimes. Assim como nas Tábuas da Lei,
os Códigos e Leis Penais em todo mundo, tipificam como crime algumas
condutas que já eram reprováveis e abomináveis no Texto Bíblico, como
a prática do homicídio, do infanticídio, do aborto, do furto, do roubo, do
estupro, da calúnia, da difamação, da injúria, da ameaça, entre outros.

A presença marcante destes princípios no ordenamento jurídico brasileiro ainda


hoje se deve diretamente à quantidade de cristãos no Brasil. Segundo dados do IBGE
(2010), publicados pela Revista Veja (2012), o Brasil é predominantemente cristão,
mais especificamente católico. E essa predominância existe há mais de século,
mostrando que a história brasileira de fato foi marcada pelo cristianismo.
Figura 2 - Gráfico

Fonte: Directoria Geral de Estatística, Recenseamento do Brazil 1872/1890;


IBGE Censo 1940/2010
A análise deste gráfico é relevante porque, segundo Durkheim (2003, p. 32, apud
Weiss, 2012, 106):

Uma religião é um sistema solidário de crenças e práticas relativas a


coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que
reúnem numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos
aqueles a que ela (grifo nosso).

Nesse sentido, Durkheim (2003, p. 231, apud Weiss, 2012 p. 113) afirma ainda
que as crenças “traduzem não a maneira pela qual as coisas físicas afetam nossos
sentidos, mas o modo com que a consciência coletiva age sobre as consciências
individuais” (grifo nosso).
Basicamente, a religião, e, no caso do Brasil, a igreja cristã, principalmente, tem
influência direta na consciência da coletividade.

4.2 A AÇÃO SOCIAL DA IGREJA


Uma vez estabelecido que a igreja influencia diretamente a vida e realidade dos
brasileiros, é preciso pontuar que ela não se limita apenas à religiosidade e aos ritos
sagrados, mas tem grande caráter solidário e atua ativamente na sociedade com
diversas ações sociais.
No livro de Atos dos Apóstolos, da Bíblia Sagrada, livro este que é o manual de
fé e prática dos cristãos, é contada a história da Igreja Primitiva, os primeiros cristãos, e
está escrito:

Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum.


Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre
todos, à medida que alguém tinha necessidade. Diariamente
perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e
tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração,
louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo.
Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo
salvos (AT 2, 44-47)(grifo nosso).

Nesse sentido, ainda, em Tiago (1, 27) diz:

A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta:
visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo
guardar-se incontaminado do mundo (grifo nosso).

E, ainda, em Provérbios, é determinado: “não te furtes a fazer o bem a quem de


direito, estando na tua mão o poder de fazê-lo” (PV 3, 27)(grifo nosso).
Os textos mencionados acima demonstram bem o cunho social que a igreja deve
ter no mundo. Segundo Gonçalves (2009, apud Araújo e Bett, 2022, f. 5), a igreja “é a
expressão do Reino de Deus” e “para ela é dada a tarefa de esforçar-se e trazer o
futuro para o presente”.
Nesse entendimento, Sousa (2021, p. 168) diz:

O papel social da igreja evangélica é realizado através do cuidado para


com a criação cósmica. Toda ação de acolhimento, de socorro e de
livramento, começa com denúncia da injustiça, dos que sofrem esta ação
(grifo nosso).
Uma vez estabelecido que a igreja tem, em seu cerne, preocupação social e
deve atuar ativamente na sociedade, Cunha (2018), em seu artigo “Ética teológica da
ação social da Igreja”, ao analisar a ação social da igreja na prática, discorre sobre
como o Estado tem dificuldade em garantir os chamados “direitos de segunda geração”,
os direitos sociais, porque, por um lado, não dispõe de recursos suficientes para
efetivá-los na prática e precisaria aumentar impostos, e, por outro lado, “como pensar
as prestações do Estado social, numa cultura onde não é possível haver acordo sobre
ideias antropológicas e éticas” (CUNHA, 2018, p. 142.)?
É neste âmbito que a atuação da igreja na sociedade é vista. É na prática,
quando o Estado não garante o que tem por obrigação legal de garantir, que ela surge.
Cunha (2018, p. 143) diz, ainda:

O Estado central tem uma obrigação formal de garantir cuidados a todos


os que deles precisam e trabalho a todos os que o querem, mas, no
concreto, são as organizações de ação social e as empresas de
trabalho que efetivam esses direitos sociais (grifo nosso).

Diante disto, Albano (2010, p. 02, apud Cardoso, 2019), traz uma ideia
interessante de que a imunidade tributária dos templos religiosos seria concedida
justamente porque seus proventos são reutilizados em prol não só da continuidade
religiosa, mas de assistência social. Vejamos:

A imunidade é concedida para a entidade religiosa, pessoa jurídica, em


virtude da realização de seu culto, não decorrendo impostos sobre a
estrutura que o abriga, denominado de templo (prédio, casa, tenda,
lona), estrutura esta compreendida em espaço físico e operacional,
incluindo-se seus anexos, não decorrendo impostos sobre os seus
rendimentos, investimentos ou aplicações, uma vez que seja provado
serem reutilizados em prol da continuidade e da expansão da
atividade religiosa, dentro de seus preceitos fundamentais e suas
finalidades essenciais, tais como, cultos e liturgias, educação religiosa,
culturismo religioso, auxílio e caridade às pessoas carentes,
disseminação de campanhas de apoio às causas humanitárias,
manutenção de institutos de assistência social e científica, como
hospitais, asilos, cemitérios, creches, núcleos de atendimento e
apoio psicológicos, colégios, universidades, gráficas, entre tantos, e
não podendo ser confundido ou separado o culto do templo, posto que
ambos são incindíveis, já que uma vez realizado um deles o outro estará
compreendido (grifo nosso).
A análise desta ideia é válida para o presente trabalho porque, se a imunidade
tributária de templos religiosos realmente tiver por motivação o fato dos seus
rendimentos serem revertidos em favor da sociedade, acaba por ser criada uma
espécie de “obrigação legal” da igreja em prestar assistência social, e não apenas uma
obrigação “moral” e “religiosa”.
Observa-se, então, que a igreja tem o dever de prestar efetiva e ativa assistência
social, especialmente quando o Estado for omisso, sendo possível, talvez, até
considerar que este dever seja a missão da igreja.

4.3 A IGREJA E OS SURDOS

Diante do dever da igreja em prestar assistência social e promover ações sociais


efetivas, observa-se que é inteiramente possível que a igreja atue diretamente na
difusão da Libras.
Historicamente, a igreja teve papel na educação de surdos e até mesmo pode ter
influenciado na própria linguagem de sinais. Segundo Reily (2007), os mosteiros
cristãos medievais exigiam silêncio dos monges, e, assim, uma linguagem de sinais
manuais foi constituída. Nesse sentido, Banham (1991, apud Reily, 2007, p. 313), diz
que “linguagens sinalizadas foram incorporadas oficialmente nas práticas monásticas”
e:

…buscaram-se formas de transmissão dos sinais, intra e intermosteiros,


por meio de registros instrucionais. Intramosteiro porque os noviços que
chegavam precisavam aprender; e extramosteiro para dar apoio a novos
agrupamentos e manter coesão entre as comunidades da Igreja (REILY,
2007, p. 313).

Em respeito aos mosteiros, ainda, há registros de que surdos teriam sido


acolhidos nestes estabelecimentos (Reily, 2007). Reily (2007, p. 319) diz que:

Existem documentos (bem como iluminuras) que registram que, no


período monástico, os “tolos e inocentes” (loucos e deficientes
mentais) que vagavam pelos feudos encontravam abrigo por poucos
dias nos mosteiros (grifo nosso).
E, ainda:

Não seria duvidoso que surdos se agrupassem nesses bandos, e


nessa peregrinação conhecessem sinais monásticos que
incorporariam ao seu repertório lingüístico, embora boa parte do
léxico utilizado nos mosteiros, de cunho restrito às práticas religiosas,
possivelmente não tivesse função para a interação cotidiana entre os
surdos ou dos surdos com ouvintes, como vimos (REILY, 2007, p. 319 e
320)(grifo nosso).

Reily (2007) continua a discorrer sobre a relação dos mosteiros com a educação
dos surdos, mencionando o monge espanhol Ponce de León (1520-1584), “reconhecido
como o primeiro professor de surdos, tendo consolidado um trabalho de ensino de filhos
surdos da aristrocacia espanhola” (Reily, 2007, p. 320), que muito provavelmente, com
base em alguns registros históricos, estruturou uma espécie de linguagem de sinais
tendo por referência alguns sinais monásticos (REILY, 2007).
O trabalho desse monge foi pioneiro no trabalho com sinais (Reily, 2007).
Contudo, o abade francês Charles Michel de l’Épée “é destacado na história da
educação do surdo por ter reconhecido a necessidade de usar sinais como ponto de
partida para o ensino do surdo” (Rée, 2000, apud Reily, 2007, p. 322). O abade foi
influenciado pelo “alfabeto manual espanhol” (Reily, 2007, p. 322) e estabeleceu um
sistema francês de sinais, que, inclusive, foi herdado pelo Brasil (REILY, 2007), através
da iniciativa de um surdo francês de criar o “Collégio Nacional para Surdos-Mudos”,
atualmente o INES, no Brasil (2012?).
Como observado, então, a igreja teve ligação direta com a construção da história
dos surdos e da sua educação. No Brasil não foi diferente, e, segundo Silva (2012, p.
21):

No Brasil, desde o início do século XX e ainda hoje, pelos menos


sete congregações católicas, provenientes da França ou da Itália,
escolares (e algumas também hospitalares), historicamente vinculadas
aos “apóstolos dos surdos”, atuam de maneira sistemática na
educação de surdos, estando presentes em todo o território nacional
(grifo nosso).
As congregações católicas referidas estão presentes, na sua maioria, em
grandes cidades (Silva, 2012), e atraem “pessoas com surdez de cidades pequenas e
médias do interior, onde geralmente não há instituições de tal tipo” (Silva, 2012, p. 28).
Silva (2012, p. 28) explica, ainda, que:

A função desempenhada por essas escolas é ampla e diversificada, indo


além da mera formação escolar. Consistem em locais de fundamental
referência para a conformação de uma unidade simbólica
integrativa. Ter estudado nessas escolas garante a inserção em uma
rede de sociabilidade bastante vasta, relativa à surdez e à língua de
sinais, que transcende os limites da cidade, do estado e até do país e,
não raro, opera como um marcador de diferença entre os sujeitos nela
envolvidos (grifo nosso).

Além da Igreja Católica, que é a maior do Brasil, uma vez que a maior parte dos
cristãos brasileiros é católica, conforme já demonstrado, outras igrejas também
impactam diretamente a comunidade surda, como as protestantes.
Conforme discorre Damasceno (2019, p. 17), houve um tempo em que os surdos
“deveriam ser oralizados”. Para que fossem aceitos, deviam deixar de se comunicar
através de sinais e aprender a comunicação oral, por meio de leitura labial
(DAMASCENO, 2019). Contudo, apesar desta imposição, as Igrejas Batistas não
observaram essa “visão oralista tampouco a adotou, mas abraçou a aprendizagem e o
uso da língua de sinais” (Damasceno, 2019, p. 17), e:

Para os cristãos batistas, os surdos são alvos da mensagem cristã, são


considerados como um povo que possui uma língua específica para
se comunicar, a Libras, bem como uma cultura gestual-visual que se
expressa em todos os rituais. O uso da língua de sinais permite que as
práticas e os dogmas da denominação Batista continuem em relação de
plena continuidade nesta particularidade étnico-linguística. Acreditam
que para que aconteça o alcance dos surdos é necessário um olhar
antropológico que remete à Grande Comissão, quando Jesus disse: ide
a todos os povos. Neste contexto, estão inseridos os surdos, um grupo
de indivíduos que possui uma mesma história, língua, crença e
identidade (DAMASCENO, 2019, p. 18)(grifo nosso).

Em se tratando de outra igreja protestante que trabalha diretamente com surdos,


é possível destacar a Segunda Igreja Presbiteriana de Caratinga. Através de pesquisa
de campo, por meio da observação, estive presente na referida igreja e inferi o
seguinte: boa parte da comunidade surda que passou a frequentar os cultos não se
comunicava através da Libras porque não a conheciam. Assim sendo, não era possível
traduzir as programações, pregar o Evangelho e fazer com que participassem e
tivessem acesso a tudo que era disponibilizado. A igreja, então, se dispôs a ensinar a
Libras aos surdos que lá congregam e visitam, e aos ouvintes, também.
Abstrai-se, deste modo, que, inegavelmente, a igreja cristã, independente da
denominação, tem influência muito grande na difusão da Libras e, consequentemente,
na garantia dos direitos fundamentais dos surdos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os surdos são pessoas com deficiência. Portanto, gozam de direitos


fundamentais constitucionalmente amparados e o Estado tem o dever de garantir a eles
a devida acessibilidade e inclusão. Com amparo no Estatuto da Pessoa com
Deficiência, eles têm o direito de serem inseridos na sociedade de forma que
desenvolvam suas habilidades e participem ativamente da vida social, sem nenhum
prejuízo e discriminação.
Para que isso seja possível, a Libras, linguagem de sinais nacional, tinha que ser
oficializada e institucionalizada. Por isso, a lei 10.436/2002, que tornou a Libras oficial,
e o Decreto 5.626/2005, que a regulamenta, são extremamente importantes. Essas
normas apontam tanto a necessidade da difusão da Libras, e obrigam o Estado a assim
a garantir.
Contudo, apesar de já existirem diplomas legais que determinam que o Estado
deve difundir a Libras, a realidade brasileira demonstra que, na prática, isso acontece
pouco. Embora exista o INES, que se preocupa, sim, com a educação dos surdos, os
dados mostram que, dos quase 10 milhões de surdos, e, destes, 2,7 milhões que tem
surdez profunda, a grande maioria não sabe Libras. Por isso, observou-se a igreja
como forma de garantir a sua difusão.
A igreja cristã tem forte influência na sociedade brasileira, uma vez que a grande
maioria da população é cristã, e que a história do próprio Brasil se mistura com a
história da igreja brasileira. Assim sendo, é nítido, nas mais diversas áreas, traços do
cristianismo e o impacto da igreja.
A igreja não é apenas uma instituição religiosa. Na sua constituição, no seu
cerne, está a preocupação com a sociedade e com os vulneráveis, e ela tem
praticamente uma obrigação de prestar assistência social àqueles que a necessitam.
Mais especificamente em relação aos surdos, ao analisar sua história, a da sua
educação e até mesmo do surgimento das línguas de sinais, a igreja está presente e
teve impacto direto. A Igreja Católica, com os mosteiros medievais, acabou por
influenciar na criação da linguagem de sinais, a Igreja Batista reconheceu a linguagem
de sinais como língua própria dos surdos e uma Igreja Presbiteriana tem ensinado
Libras a surdos, por exemplo.
Assim sendo, diante de todo o exposto, conclui-se que a resposta ao problema
de pesquisa é que a igreja, enquanto instituição social, é um meio extremamente eficaz
para a difusão da Libras no Brasil, institucionalizada pela lei 10.436/2002, e, por
conseguinte, consegue ajudar diretamente na aplicação dos direitos fundamentais
garantidos aos surdos no regime jurídico brasileiro.

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