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RESUMO
1 INTRODUÇÃO
O preâmbulo constitucional não possui valor jurídico nem força normativa, mas
reflete a posição ideológica do constituinte e serve para nortear a interpretação da
Constituição, conforme decidido pelo STF na ADI 2076 (STF, 1999).
Além do preâmbulo, o artigo 1º, inciso III, determina ser fundamento da
República a dignidade da pessoa humana, bem como o artigo 2º, incisos I e IV
demonstram ser objetivos da República “construir uma sociedade livre, justa e solidária”
e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1985).
O artigo 5º da Constituição Federal tem, também, o mesmo tom dos dispositivos
já mencionados, estando inserido no título denominado “Dos direitos e garantias
fundamentais” (Brasil, 1985) e onde estão elencados a maior parte dos direitos
fundamentais que existem no ordenamento jurídico brasileiro. Este artigo, como todos
os outros que versam sobre direitos fundamentais, é, inclusive, cláusula pétrea, não
podendo ser modificado ou retirado do ordenamento (BRASIL,1985).
Abstrai-se, então, que a Constituição Federal tem grande preocupação em
garantir que a dignidade da pessoa humana, e os direitos a ela inerentes, sejam
respeitados, uma vez que esse princípio é considerado o “primeiro motor de uma
cultura constitucional republicana” (Agra, et al., 2009, p. 54), e reclama, por si só, o
amplo acolhimento da diversidade contida na pessoa humana (AGRA et al., 2009).
Tendo em mente esta interpretação, a Constituição Federal determina algumas
garantias especificamente destinadas a pessoas com deficiência. O artigo 23, inciso II,
deixa claro que é competência da União, Estados, DF e Municípios “cuidar da saúde e
assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”
(Brasil, 1988). O artigo 203, inciso IV, ainda, na seção IV, intitulada “Da assistência
social", prevê:
Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por
ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de
experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso
da Língua Brasileira de Sinais - Libras (BRASIL, 2005)(grifo nosso).
Observa-se, então, que, para efetiva acessibilidade dos surdos, de forma que
tenham pleno desenvolvimento dos seus talentos e ampliação de suas habilidades,
autonomia e participação em todos os âmbitos da sociedade, consequentemente
garantindo, assim, a dignidade da pessoa humana, conforme apresentado, a Libras
(Língua Brasileira de Sinais) necessária e insubstituivelmente há de ser assegurada e
difundida.
Por conseguinte, apesar de ser natural para a criança surda a comunicação por
meio de sinais, sendo essa sua primeira língua, é muito raro que ela tenha contato
direto com a Língua Brasileira de Sinais enquanto língua estruturada, de forma a
efetivamente aprendê-la e utilizá-la como sua primeira língua, por ter pais ouvintes e/ou
pelo ambiente em que estão inseridos. Assim, o processo pedagógico deve ser focado
no aprendizado da Libras como primeira língua (QUADROS, 1997, apud BARBOZA,
2015).
Para que a pessoa surda se comunique, de forma generalizada, no Brasil, então,
era de extrema importância que a Libras fosse oficializada, conforme garantido pela lei
10.436/2002, e é necessário que ela seja institucionalizada e amplamente difundida. O
artigo 2º da referida lei confirma este entendimento:
Basicamente, todo o arcabouço jurídico referente aos direitos dos surdos tem
como foco a garantia da efetiva implantação e difusão do uso da Libras, a fim de que os
surdos consigam se comunicar com segurança e participar ativamente da sociedade.
A Libras, então, é a forma como os surdos brasileiros terão seus direitos
fundamentais, baseados na dignidade da pessoa humana, com a acessibilidade,
desenvolvimento de suas habilidades, autonomia e participação, assegurados e em
evidência socialmente.
Entre esta população que tem alguma dificuldade para ouvir, segundo dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), conforme gráfico abaixo, apenas
1,8% sabe usar a Libras, entre os que têm muita dificuldade para ouvir, apenas 3%
sabe usá-la e entre os que não ouvem de modo algum, 35,8% sabe usar.
Figura 1 – Gráfico
Nesse sentido, ainda, Harrelson (2017, apud Vilela e Cruz-Santos, 2020, p. 102),
“mostra como os surdos no interior não têm acesso à língua de sinais nacional e
que muitas vezes eles são considerados como sem linguagem”(grifo nosso).
Perceber que a falta de Libras se concentra no interior do Brasil é alarmante
porque, segundo o IBGE, cidades do interior são assim consideradas aquelas que
possuem menos de 50 (cinquenta) mil habitantes, e que, ainda segundo o IBGE, 73%
dos municípios do Brasil possuem entre 10 (dez) e 20 (vinte) mil habitantes. Ou seja,
73% das cidades do Brasil, no mínimo, podem ser consideradas “cidades do interior”,
por assim dizer, e, consequentemente, no mínimo 73% das cidades do Brasil têm
pouca difusão da Libras, uma linguagem que deveria ser conhecida nacionalmente.
Curiosamente, como prova de que os surdos do interior geralmente não têm
acesso a Libras, há uma cidade no interior do Piauí onde a comunidade surda ali
presente desenvolveu sua própria linguagem de sinais (TV Clube, 2022).
Estes dados são importantes e a análise deles é relevante para que se veja,
claramente, que, apesar de haver a lei 10.436/2002 que prevê a Libras e o decreto
5.626/2005 que a regulamenta, o poder público não tem garantido a difusão da Libras
como deveria.
Observa-se, então, que deve-se, urgentemente, procurar uma forma de difundir,
dentro da própria comunidade surda brasileira, o uso da Língua Brasileira de Sinais,
para que os direitos fundamentais dos surdos começam a ser, de fato, garantidos, e
para que a lei de Libras seja efetivamente aplicada e observada.
Ao observar a realidade dos surdos do Brasil, cogita-se uma solução prática para
o problema da pouca difusão da Libras, não apenas entre os ouvintes, mas
principalmente e sobretudo entre os próprios surdos.
Buscando alguma instituição existente que pudesse ser a solução, depara-se
com a igreja, mais especificamente a igreja cristã, que notadamente tem fortíssima
influência na sociedade brasileira e promove, costumeiramente, todo tipo de ação
social.
Sendo assim, é possível imaginar que a igreja poderia atingir e promover
diretamente a difusão da Libras no Brasil.
4.1 A INFLUÊNCIA DA IGREJA NA SOCIEDADE BRASILEIRA
Nesse sentido, Durkheim (2003, p. 231, apud Weiss, 2012 p. 113) afirma ainda
que as crenças “traduzem não a maneira pela qual as coisas físicas afetam nossos
sentidos, mas o modo com que a consciência coletiva age sobre as consciências
individuais” (grifo nosso).
Basicamente, a religião, e, no caso do Brasil, a igreja cristã, principalmente, tem
influência direta na consciência da coletividade.
A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta:
visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo
guardar-se incontaminado do mundo (grifo nosso).
Diante disto, Albano (2010, p. 02, apud Cardoso, 2019), traz uma ideia
interessante de que a imunidade tributária dos templos religiosos seria concedida
justamente porque seus proventos são reutilizados em prol não só da continuidade
religiosa, mas de assistência social. Vejamos:
Reily (2007) continua a discorrer sobre a relação dos mosteiros com a educação
dos surdos, mencionando o monge espanhol Ponce de León (1520-1584), “reconhecido
como o primeiro professor de surdos, tendo consolidado um trabalho de ensino de filhos
surdos da aristrocacia espanhola” (Reily, 2007, p. 320), que muito provavelmente, com
base em alguns registros históricos, estruturou uma espécie de linguagem de sinais
tendo por referência alguns sinais monásticos (REILY, 2007).
O trabalho desse monge foi pioneiro no trabalho com sinais (Reily, 2007).
Contudo, o abade francês Charles Michel de l’Épée “é destacado na história da
educação do surdo por ter reconhecido a necessidade de usar sinais como ponto de
partida para o ensino do surdo” (Rée, 2000, apud Reily, 2007, p. 322). O abade foi
influenciado pelo “alfabeto manual espanhol” (Reily, 2007, p. 322) e estabeleceu um
sistema francês de sinais, que, inclusive, foi herdado pelo Brasil (REILY, 2007), através
da iniciativa de um surdo francês de criar o “Collégio Nacional para Surdos-Mudos”,
atualmente o INES, no Brasil (2012?).
Como observado, então, a igreja teve ligação direta com a construção da história
dos surdos e da sua educação. No Brasil não foi diferente, e, segundo Silva (2012, p.
21):
Além da Igreja Católica, que é a maior do Brasil, uma vez que a maior parte dos
cristãos brasileiros é católica, conforme já demonstrado, outras igrejas também
impactam diretamente a comunidade surda, como as protestantes.
Conforme discorre Damasceno (2019, p. 17), houve um tempo em que os surdos
“deveriam ser oralizados”. Para que fossem aceitos, deviam deixar de se comunicar
através de sinais e aprender a comunicação oral, por meio de leitura labial
(DAMASCENO, 2019). Contudo, apesar desta imposição, as Igrejas Batistas não
observaram essa “visão oralista tampouco a adotou, mas abraçou a aprendizagem e o
uso da língua de sinais” (Damasceno, 2019, p. 17), e:
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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