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PLANEJAMENTO URBANO, GESTÃO URBANA E GOVERNANÇA

METROPOLITANA

A palavra planejamento é comumente empregada como sinônimo de


planificação, em Portugal o correlato do termo é planeamento. A expressão
planejamento nas línguas anglo-saxônicas aparece como "planning".

Planejar significa antever processos futuros, prognosticar a evolução de


tendências, elaborar um plano ou um programa com o objetivo de coordenar ações
preventivas ou necessárias contra os efeitos do crescimento territorial desordenado
da acumulação capitalista e da urbanização, ou seja, o planejamento pode ser
implementado nas escalas territorial, regional e urbano.

Segundo Marcelo Souza (2002, p.45), a partir da segunda metade dos


anos 80, a expressão gestão passou a ser utilizada em diferentes campos do saber
como "sucedâneo" do termo planejamento.

Ao explicar a diferença entre planejamento e gestão, Marcelo Souza


argumenta:

Planejamento e gestão não são termos intercambiáveis, por possuírem


referenciais temporais distintos e, por tabela, por se referirem a diferentes
tipos de atividades. Até mesmo intuitivamente, planejar sempre remete ao
futuro: planejar significa tentar prever a evolução de um fenômeno ou, para
dizê-lo de modo menos comprometido com o pensamento convencional,
tentar simular os desdobramentos de um processo, com o objetivo de
melhor precaver-se contra prováveis problemas ou, inversamente, com o fito
de melhor tirar partido de prováveis benefícios. De sua parte, gestão remete
ao presente: gerir significa administrar uma situação dentro dos marcos dos
recursos presentemente disponíveis e tendo em vista as necessidades
imediatas. O planejamento é a preparação para a gestão futura, buscando-
se evitar ou minimizar problemas e ampliar margens de manobra; e a
gestão é a efetivação, ao menos em parte (pois o imprevisível e o
indeterminado estão sempre presentes, o que torna a capacidade de
improvisação e a flexibilidade sempre imprescindíveis), das condições que o
planejamento feito no passado ajudou a construir. Longe de serem
concorrentes ou intercambiáveis, planejamento e gestão são distintos e
complementares ...Um desafio que se coloca de imediato, ao se debruçar
sobre a tarefa de planejar, é o de realizar um esforço de imaginação do
futuro. Não deve haver sombra de dúvida quanto ao fato de que o
planejamento necessita ser referenciado por uma reflexão prévia sobre os
desdobramentos do quadro atual - ou seja, por um esforço de prognóstico.
Não há ação, muito menos ação coletiva coordenada, que possa prescindir
disso. Descurar indiferenciadamente a importância do planejamento,
alegando, dentre outras coisas, que não se pode predizer o futuro, trai uma
irresponsabilidade típica da atitude livresca e diletante, em que o
comprometimento com a ação transformadora é, quando muito, puramente
retórico. (SOUZA, 2002, 45-46)

Dentre as expressões mais usuais, a gestão urbana é conceituada como


um processo de concepção, decisão, intervenção, regulação, mediação, que se
desenvolve no espaço em função do embate ou conflito entre os diferentes atores
sociais. Portanto, dentro dessa conceituação, a gestão urbana se constitui num
processo que configura ou condensa, material e historicamente, as relações de
forças dos grupos sociais representados politicamente no Estado e estabelecidos
economicamente no espaço. Logo, a gestão urbana não é uma função ou
incumbência de um grupo restrito de políticos ou de administradores, não é uma
estrutura estanque configurada por algumas agências ou instituições
governamentais. Também não é um sistema, dado às múltiplas relações dialéticas
que o define enquanto processo nos variados contextos históricos; nem um
processo cuja ocorrência se restrinja apenas a dimensão meramente superestrutural
da formação social, ou se constitui num conjunto de práticas definidas apenas para
reproduzir e consubstanciar a infraestrutura ou a base econômica e material da
sociedade capitalista (PIRES, 1988, p.02-06).

Nesse sentido os enunciados teóricos da expressão gestão urbana, acima


desenvolvidos, se aproximam do conceito estabelecido por Marques et alii (1986,
p.18) que a evidencia enquanto "política-administrativa de condução das
intervenções e mediações relativas aos diferentes interesses dos agentes sociais
presentes contexto das contradições metropolitanas...".

Entretanto, segundo a acepção acima, a gestão não deve ser concebida


apenas como: "... um conjunto de atividades prioritárias, definição de metas,
alocação de recursos, etc., para o planejamento e funções
operacionais..."(WELLAR, 1976:9)

Esta diferença é aqui estabelecida em função dos pressupostos definidos


a investigação dos processos reais existentes numa dada formação social, não
negligenciando a importância das contradições presentes entre os atores sociais em
questão, nem os aspectos políticos que definem as formas de gestão no espaço.

Para Wilheim (1982, p.137) é preciso estabelecer a diferença entre os


significados dos termos "governar" e "administrar" para se poder definir o conceito
de gestão com mais propriedade, segundo o autor:

...Convém inicialmente diferençar e precisar os termos "governar" e


"administrar", ambas atividades necessárias à gestão urbana, pois enquanto
se governa uma cidade o que se administra é apenas a máquina burocrática
de sua Prefeitura. Assim "governar" é mais do que administrar; significa
conter, interpretar anseios da população, e abrange a proposição de metas
socialmente desejáveis, ecologicamente prudentes e economicamente
viáveis; governar significa estabelecer vetores e estratégias políticas
apontando para essas metas e, finalmente, articular e negociar com
diversos agentes sociais cujos interesses são conflitantes, a fim de conduzir
transformações urbanas ao longo dos vetores acima.

Já "administrar" significa articular os recursos humanos, financeiro e


informativos de que dispõe a Prefeitura, a fim de maximizar a sua eficiência e de
produzir a eficácia necessária para instrumentar a. estratégia estabelecida em sua
ação de governar.

O conceito de gestão urbana aqui desenvolvido abrange os atos de


administrar e governar, envolve de maneira combinada os dois significados
enquanto processos complementares e interatuantes no espaço.

A maioria das tentativas de conceituação do termo gestão têm em


comum, entre os autores, a dificuldade conceitual de estabelecer a distinção entre
este conceito e o significado do termo gerência. A diferença principal existente entre
os dois termos pode ser evidenciada a partir do campo de atuação e abrangência de
ambos os conceitos. A gestão é um processo cujo nível de atuação se desenvolve
no âmbito dos conflitos e contradições que abrangem a reprodução da base material
da sociedade civil como um todo entendendo-se sociedade civil enquanto palco do
embate da luta política e expressão da ideologia e de seus opostos também, como
cenário da legitimação dos diferentes atores sociais, ou de sua transgressão no
modo de produção capitalista (NASCIMENTO, 1984:3).

A gestão urbana abarca aspectos sociais e relações políticas e


econômicas, cujos conteúdos e elementos influenciadores se constituem e se
configuram historicamente no território e fora dele. A contribuição de inúmeras
gestões urbana para a execução das diretrizes básicas da geopolítica no território,
foi a de vincular politicamente o espaço, enquanto dimensão de reprodução da
sociedade e suas relações contraditórias, ao poder do Estado autoritário e suas
instituições; exorcizando ideologicamente os anseios das lideranças organizadas da
população dos processos decisórios de gestão.

Sem embargo, o termo gerência possui um sentido mais circunscrito ao


nível de atuação institucional ou organizacional, cujo universo de abrangência não
consegue ultrapassar os limites territoriais corporificados pela organização e seu
mercado; é a capacidade de produção e concorrência monopólica ou oligopólica que
influencia os procedimentos de gerência e planejamento organizacional
(GALBRAITH, 1983, p.32). Embora os dois termos possuam conceituação distinta,
se relacionam na dinâmica global do processo histórico das formações sociais, pois
as mudanças organizacionais produzidas pelas novas formas de gerência
condicionam as formas de gestão, que tendem a refletir as exigências de
infraestrutura e de condições básicas, para efetiva reprodução do processo de
acumulação capitalista. Logo, a diferença entre esses conceitos não pressupõe
dissociabilidade, mas complementaridade e singularidade (DELEUZE, 1974, p.06).

O termo gestão significa regular ou administrar o contraditório, ou seja,


mediar as relações sociais e as condições gerais de produção e de reprodução, a
partir de condições específicas às vezes limitadas de recursos e possibilidades.

Enquanto o termo gestão implica em regulação, o termo gerência implica


em controle. Quando tratamos de gerência de estoques não estamos lidando
apenas com a regulação do mesmo, a gerência implica no controle de entrada e
saída. Gerir uma usina nuclear representa manter controles rígidos de processos de
segurança e prevenção, não deve haver falhas. Portanto, os termos gestão e
gerência são também distintos e complementares.
Manuel Castells (1984, p.209-210) considera que o surgimento do
planejamento urbano está, de um certo modo, atrelado às sociedades industriais
avançadas e ao agravamento dos "problemas urbanos, isto é, processos sociais de
consumo coletivo". Mas, tal como os críticos do Planejamento, considera-o como
uma ideologia, voltada para atuar de maneira deliberada e consciente, através de
planos, programas e declarações políticas para promover a ação POLÍTICA e
privada, que tem objetivos preestabelecidos em relação às áreas que são objetos de
interesses do sistema de atores urbanos.

Jean Lojkine crítica a pressuposição de Castells de que o planejamento


urbano não pode ser reduzido à política urbana. Segundo Lojkine:

Não negamos em absoluto o efeito ideológico e jurídico sobre os agentes


sociais (que concorrem para a urbanização) que têm os documentos de
urbanismo e, mais amplamente, o conjunto das opções espaciais -
regulamentos de ocupação do solo - reagrupados sob o nome de
"planificação urbana". Mas, como aliás é notado por F. Godard e M. Castells
no último livro citado, é a partir das intervenções públicas reais sobre as
contradições urbanas... que se pode "perceber o sentido dos diferentes
documentos de urbanismo".

Mas, o "produto" que é a política urbana - produto de contradições urbanas, de


relações entre diversas forças sociais opostas quanto ao modo de ocupação ou de
produção do espaço urbano - não pode ser reduzido à "planificação urbana". Ele se
compõe de três dimensões:

1. Uma dimensão "planificadora".


2. Uma dimensão "operacional", que é o conjunto das práticas reais pelas quais
o Estado central e os aparelhos estatais locais intervêm financeira e
juridicamente na organização do espaço urbano.
3. Uma dimensão propriamente urbanística que condensa, materializa e mede,
por isso mesmo, os efeitos sociais - no espaço - do par planificação
urbana/operações de urbanismo.

A hipótese de uma política urbana coerente não remete, portanto, nem à


suposta existência de uma "vontade" (que seria o poder de Estado ou um indivíduo
particular) ou de uma decisão, nem à de um "projeto" - materializado por um plano e
realizado por um conjunto de práticas estatais coercitivas. (LOJKINE, 1981, p. 180-
181)

Em sua crítica a Manuel Castells, Lojkine considera três dimensões da


política urbana atuando de maneira combinada na elaboração do planejamento, e
não acredita que o planejamento urbano seja produto da política, de pessoas ou o
resultado de uma vontade do Estado.

Diferentemente de planejamento, gestão e gerência, o termo Governança,


introduzido no final dos anos 80, passou a ser usado com sucedâneo do termo
planejamento integrado. A intenção era substituir os instrumentos de ordenamento e
de mediação dos governos exercidos pelas antigas fundações de desenvolvimento
das regiões metropolitanas (espaços "mesourbanos"), criadas durante o regime
autoritário, período este em que estas fundações desempenhavam o papel de
garantir a governabilidade em espaços supra municipais.

Ribeiro & Pinto (2007, p. 197-199) nos fornecem uma explicação


profundamente esclarecedora que amplia a nossa concepção sobre o conceito de
Governança Urbana:

...Usando o conceito adotado por (Christian) Lefévre, governança é a


capacidade das áreas metropolitanas para estabelecerem ferramentas,
mecanismos, instrumentos e ordenamentos para que sejam governáveis.
Para o autor, governabilidade é o estado de um território onde é possível
executar políticas públicas e ações coletivas capazes de resolver problemas
e contribuir para seu desenvolvimento.

A caracterização dos diversos modelos de governança metropolitana


varia entre autores, conforme os atributos destacados. (Jeroen) Klink parte dos
critérios usuais na teoria econômica para avaliar marcos institucionais - eficiência e
equidade -, e agrega o atributo de voz (voice) para comparar experiências. A partir
desses três critérios, distingue dois grandes tipos de estrutura de governança
metropolitana: as que caracterizam pela fragmentação e as consolidadas. As
estruturas consolidadas seriam preferíveis onde se valorizassem mais os quesitos
de eficiência e equidade: permitiriam captar economias de escala e minimizar
externalidades, além de melhor distribuírem ônus e benefícios da provisão de
serviços públicos por toda a área metropolitana. As estruturas fragmentadas, por
outro lado, propiciariam voz aos cidadãos, pela maior transparência e prestação de
contas. A construção de uma boa governabilidade metropolitana não se resume a
mudanças rápidas, que visem a implantar sistemas de planejamento e gestão
metropolitanas com eficiência e equidade. As mudanças têm forte conteúdo político
e requerem o envolvimento das partes interessadas desde o início do processo
(KLINK, 2003:5-7)

Lefévre distingue duas grandes categorias de governança: a que se


produz a partir da construção institucional e a governança por meio de arranjos que,
embora não se constituam como unidades de governo local, formalizam-se por meio
de procedimentos precisos e instrumentos específicos de cooperação.

Os modelos de governança por construção institucional podem


compreender arranjos supra municipais, normalmente com definição de um novo
escalão de governo independente das unidades locais.

Os modos de governança não-institucional podem ser divididos em duas


categorias. A primeira lida com estruturas existentes em áreas metropolitanas em
que não há instituição metropolitana, sendo as políticas públicas desenvolvidas por
órgãos monos ou plurissetoriais, mas infra metropolitanos. A cooperação visa a
superar essas limitações...O segundo modo diz respeito a instrumentos específicos
desenvolvidos por diferentes países para a coordenação de políticas e cooperação
entre atores públicos. São acordos formalizados com restrições setoriais e alcance
espacial limitado.

As estruturas de governança porventura existentes em regiões


metropolitanas estão em descompasso com a complexidade crescente das funções
a desempenhar, não apenas no Brasil e em países latino americanos em geral, mas
mesmo em países membros da OCDE. Em extenso relatório sobre o tema da
governança metropolitana, a OCDE considerava lentos os progressos na direção de
melhores estruturas de governança, devido a diferenças de opinião fortemente
enraizadas sobre natureza e extensão das reformas institucionais e financeiras
requeridas. E destacava, entre os obstáculos a vencer, a fragmentação
administrativa, que resultava em desconexão entre os territórios administrativo e
funcional, as pressões sobre a capacidade fiscal e financeira das autoridades
constituintes de regiões metropolitanas e a falta de transparência dos processos
decisórios e de responsabilização sobre os impactos das ações resultantes (OCDE,
2001:12).
REFERÊNCIAS

SOUZA, M. L. Da crítica do planejamento urbano a um planejamento urbano


crítico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

PIRES, Hindenburgo Francisco. Gestão Urbana e Tecnologia da Informação: A


Contribuição da Tecnologia de Informática - Recife (1979/87). Recife:
MDU/UFPE, Dissertação de Mestrado,1988.

MARQUES, Jaime Alberto & NUNES, Brasilmar Ferreira et al. O Planejamento


Urbano e os Conflitos Urbanos. Recife: UFPE/Ministério do Desenvolvimento
Urbano/FIDEM, 1986.

WELLAR, Barry. Information Technology and Urban Governance. Ottawa:


Ministry of State for Urban Affairs, 1976.

WILHEIM, Jorge. Prometo São Paulo. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1982, 2ª
Edição.

NASCIMENTO, Elimar Pinheiro. Estado e Movimentos Sociais Urbanos no


Nordeste. Recife: Sudene, 1985.

GALBRAITH, John Kenneth. O Novo Estado Industrial. São Paulo: Editora


Pioneira, 1983, 7ª Edição.

DELEUZE, Gilles. Lógica do Sentido. São Paulo: Editora Perspectiva, 1974.

CASTELLS, Manuel. O planeamento urbano (Item 5). In: Problemas de


Investigação em sociologia urbana. Lisboa: Presença, 1986.

LOJKINE, Jean. Política urbana e planificação urbana (Capítulo III). In: O estado
capitalista e a questão urbana. São Paulo: Martins Fontes, 1981.
RIBEIRO, Luiz César de Queiroz & SANTOS JR, Orlando Alves dos (org.). As
Metrópoles e a Questão Social Brasileira. Rio de Janeiro: Editora Revan -
Observatório das Metrópoles, 2007.

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