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O Crime do Padre Amaro

Introdução
Primeiro romance realista da língua portuguesa, O Crime do
Padre Amaro revelou o maior romancista português e
chocou a sociedade da época com sua denúncia da
hipocrisia social e religiosa.

O Enredo

Romance anticlerical dos mais ferozes, é ambientado em


Leiria, onde o Padre Amaro Vieira, ingênuo e
psicologicamente um fraco, vai assumir sua paróquia.
Hospedando-se na casa da Senhora Joaneira, acaba por se
envolver sexualmente com sua filha, Amélia. Amaro
conhece, então, o cinismo dos seus colegas, que em nada
estranham sua relação com a jovem. Grávida, Amélia acaba
por morrer no parto e Amaro entrega a criança a uma
"tecedeira de anjos". Morta também a criança, Amaro,
agora um cínico descarado, prossegue com a sua carreira.
O romance, que critica violentamente a vida provinciana e
o comportamento do clero, foi, durante décadas, leitura
proibida em muitas escolas de Portugal e do Brasil.

As Personagens

A intenção de Eça ao escrever o Crime do Padre Amaro não


era apenas a denúncia dos vícios do clero devasso, mas
também apresentar a vida mesquinha da cidade
provinciana portuguesa. Assim, só Amaro e Amélia, as
personagens centrais, são criticadas pelo narrador.
Também as personagens secundárias são utilizada para
revelar as mazelas da sociedade em que estão inseridas.

O Padre Amaro Vieira

O protagonista do romance era filho de dois criados do


marquês de Alegros. Perde os pais ainda criança e é
educado no meio da criadagem da marquesa, o que faz
com se torne "enredador. Muito mentiroso." A marquesa
decide que se ele tornaria padre, e assim, aos quinze anos,
é mandado ao seminário.
É um fraco tanto física quanto psicologicamente. Aceita o
sacerdócio passivamente. Por influência do conde de
Ribamar, obtém a paróquia de Leiria, onde se hospeda na
casa da S. Joaneira. Lá conhece Amélia, filha de sua
hospedeira, e ela torna-se sua amante. O ambiente da casa
da marquesa, onde fora criado, e o seminário moldaram o
caráter de Amaro. Já sacerdote em Leiria, espanta-se, no
início, com o cinismo explícito dos seus colegas de batina,
mas todas essas situações, somadas ao ambiente de
servilismo beato da casa onde está hospedado, fazem com
que ele se atole em ações desonrosas, como entregar seu
filho a uma "tecedeira de anjos" e a criança acaba por
morrer. No final do romance, ele tornou-se idêntico aos
seus pares. Uma conversa entre Amaro e o cônego Dias,
mostra, de forma clara, como Amaro e os outros
eclesiásticos representam o clero sem vocação e hipócrita.
Os dois estão refletindo sobre os excessos da Comuna,
afirmam que seus seguidores merecem a masmorra e a
forca porque não respeitam o clero e "destroem no povo a
veneração pelo sacerdócio", caluniando a Igreja. Então,
uma mulher provocante passa diante deles e ambos trocam
olhares cúmplices. O cônego exclama: "- Hem, seu Padre
Amaro?... Aquilo é que você queria confessar" E Amaro
responde: " - Já lá vai o tempo, padre-mestre - disse o
pároco rindo - já as não confesso senão casadas!"

Amélia Caminha

A co-protagonista do romance concentra, em sua figura, o


resultado trágico de uma formação num meio provinciano e
atrasado, centrado em torno do poder eclesiástico. A sua
casa é um beatério, centro de convivência dos poderosos e
amorais sacerdotes da cidade, em que impera a
superficialidade dos rituais e uma deformação dos conceitos
religiosos cristãos. Nesta sociedade, a Igreja é parte ativa
do poder político, que a utiliza nas suas manobras
eleitoreiras e lhe dá privilégios sociais, prestígio e poder.
Amélia vive, portanto, rodeada de cônegos e padres. Aos
23 anos, alta, forte e "muito desejada", possui um
temperamento sentimental, romântico e fortemente
sensual. Órfã de pai, sua mãe é amante do cônego Dias e
ela é uma devota simplória e passiva, atraída pelo ritual
católico. Namora João Eduardo, escrevente de cartório.
Conhece, então, o Padre Amaro, pároco da Sé de Leiria,
hóspede na casa de sua mãe. Apaixona-se e entrega-se a
ele com total submissão. Fica grávida e esconde-se numa
quinta próxima à cidade, acompanhada de uma fanática
beata, irmã do cônego Dias. Recebe a visita do abade
Ferrão, único sacerdote decente do romance. Ele tenta
recuperá-la para uma vida normal e digna e quer tirá-la da
influência nefasta de Amaro. No entanto, Amélia morre no
parto.
Personagens secundárias

O narrador do romance, na terceira pessoa, apresenta as


personagens secundárias com grande dose de ironia e uma
certa antipatia. Como bem o colocou Benjami Abdala Jr:
“Fica muito clara a antipatia do narrador pelo círculo de
amigos da S. Joaneira (Maria Assunção, Josefa Dias,
Joaquina Gansoso e o beato homossexual Libaninho). O
mesmo ocorre em relação aos colegas de Amaro (cônego
Dias, padre Natário e padre Brito), pois o narrador parece
convencido antecipadamente de seus vícios e grosseirias. O
único religioso que se exclui desse círculo é o abade Ferrão,
apresentado como uma personagem coerente com seus
ideais. A ironia do narrador não é restrita aos religiosos,
estendendo-se para o contexto social de Leiria.
Várias personagens são apresentadas de forma sarcástica:
o jornalista Agostinho Pinheiro; o venal Gouveia Ledesma,
o burguês reacionário Carlos. Nesse ambiente, João
Eduardo, noivo de Amélia, enciumado com as atenções da
moça ao padre Amaro, escreveu um anônimo
“Comunicado” na Voz do Distrito, criticando a covivência de
padres com amantes. Rompe-se o noivado: Amélia trona-se
amante do padre Amaro.”

Análise da Obra

O REALISMO
O Realismo significou a aparição de uma série de temas
novos, mas, sobretudo, uma maneira diferente de entender
a literatura. O subjetivismo romântico foi substituído pela
descrição da realidade externa. O escritor realista desejava
retratar a realidade tal como era, sem deixar de lado
nenhum aspecto, por mais desagradável que fosse. A base
do romance realista é a relação entre o indivíduo e a
sociedade. Através dos personagens, abordavam-se
conflitos sociais: entre a burguesia e o proletariado, entre a
sociedade urbana e a sociedade rural, entre a ideologia
conservadora e a liberal e progressista. Os personagens
eram estudados em detalhe. Segundo Eça de Queirós:

“Outrora uma novela romântica, em lugar de estudar o


homem, inventava-o. Hoje o romance estuda-o na sua
realidade social. Outrora no drama, no romance, concebia-
se o jogo da paixões a priori; hoje analisa-se a posteriori,
por processos tão exatos como os da própria fisiologia.
Desde que se descobriu que a lei que rege os corpos brutos
é a mesma que rege os seres vivos, que a constituição
intrínseca duma pedra obedeceu às mesmas leis que a
constituição do espírito de uma donzela, que há no mundo
uma fenomenalidade única, que a lei que rege os
movimentos dos mundos não difere da lei que rege as
paixões humanas, o romance, em lugar de imaginar, tinha
simplesmente de observar. A arte tornou-se o estudo dos
fenômenos vivos e não a idealização das imaginações
inatas. (...) Toda a diferença entre o idealismo e o
naturalismo está nisto. O primeiro falsifica, o segundo
verifica.”

O Realismo-naturalismo

O Realismo-naturalismo aparece por volta de 1870 como


uma derivação do realismo. Recebeu profunda influência de
algumas das teorias e doutrinas que estavam no auge
naquele momento, sobretudo do materialismo e do
determinismo. O Naturalismo considerava a vida do homem
resultado de fatores externos (raça, ambiente familiar,
classe social, etc.). Influenciado pelas ciências
experimentais, o escritor naturalista tentava demonstrar,
com rigor científico, que o comportamento humano está
sujeito a leis semelhantes às que regem os fenômenos
físicos. Se o realismo pretendia ser objetivo e imitar a
realidade, o Naturalismo desejava fazer uma análise
histórica, social e psicológica da realidade, um estudo
profundo a partir de uma ampla documentação prévia.
O Crime do Padre Amaro é a primeira obra naturalista da
língua portuguesa. O Realismo-naturalismo é cientificista e
determinista, considerando que as ações humanas são
produtos de leis naturais: do meio, das características
hereditárias e do momento histórico. Portanto, os romances
naturalistas, como O Crime da Padre Amaro, procuravam,
através da representação literária, demonstrar teses
extraídas de teorias científicas. Para isso, o Naturalismo
buscou compor um registro implacável da realidade,
incluindo seus aspectos repugnantes e grotescos.

A introdução do Realismo em Portugal

As idéias realistas foram introduzidas em Portugal por um


grupo de jovens estudantes de Coimbra, liderados pelo
poeta Antero de Quental (1842-1891). Em 1865, batendo-
se pelas novas idéias realistas, Antero, Teófilo Braga
(1843-1824) e seu grupo se envolvem numa polêmica com
o escritor e tradutor romântico Antônio Feliciano de Castilho
(1800-1875), conhecida como Questão Coimbrã. Formam,
então, uma fraternidade acadêmica, O Cenáculo, e, em
1871, organizam as Conferências Democráticas, no Casino
Lisbonense. Encerradas pelo governo, que as temia
subversivas, as conferências serviram para o grupo expôr
suas idéias, influenciadas por Taine e Proudhon, sobre a
necessidade de a arte retratar e revolucionar a sociedade
burguesa. Entre os seguidores de Antero estava, desde a
faculdade, o jovem Eça de Queirós, que iria introduzir o
Realismo na prosa portuguesa com O Crime do Padre
Amaro.

AS “CENAS DA VIDA PORTUGUESA”


Eça de Queirós tinha a intenção, nos romances da sua fase
naturalista, de pintar um quadro crítico da vida portuguesa.
Em famosa carta a Teófilo Braga, na qual o romancista
explica suas intenções ao escrever o romance O Primo
Basílio, deixa claro que pretende compor um cenário de
todas as mazelas da sociedade portuguesa de seu tempo:

“A minha ambição seria pintar a sociedade portuguesa tal


qual a fez o Constitucionalismo desde 1830 e mostrar-lhe,
como num espelho que triste país eles formam - eles e
elas. É o meu fim nas “Cenas da Vida Portuguesa”. É
necessário acutilar o mundo oficial, o mundo sentimental, o
mundo literário, o mundo agrícola, o mundo supersticioso -
e, com todo respeito pelas instituições de origem eterna,
destruir as falsas interpretações e falsas realizações que lhe
dá uma sociedade podre. Não lhe parece você que um tal
trabalho é justo?”

Assim, Eça aborda, em O Crime do Padre Amaro, o clero


devasso e a pequena burguesia da província; em O Primo
Basílio, a burguesia lisboeta e a instituição do casamento;
em Os Maias, a aristrocacia decadente e a alta sociedade
preconceituosa; em A Capital, o jornalismo, a política e a
literatura.

DA PUBLICAÇÃO

A primeira versão do romance foi publicada entre 15 de


fevereiro e 15 de maio de 1875, na Revista Ocidental,
quinzenário fundado por Oliveira Martins. Antero de
Quental era diretor literário e Jaime Batalha Reis, secretário
da revista. Antes de viajar para Newcastle, Eça deixara o
original do romance com eles, mas queria revisá-lo à
medida que as provas impressas fossem chegando. O
problema é que as emendas e os acréscimos eram extensos
e em grande quantidade e a distância entre Portugal e
Inglaterra, enorme, o que prejudicava a periodicidade da
revista e atrapalhava os prazos para a publicação. Além
disso, algumas passagens consideradas muito realistas
foram cortadas à revelia do autor, possivelmente por
Antero de Quental, que não aceitava os aspectos crus do
realismo literário. Eça de Queirós ficou furioso e solicitou
aos editores repetidas vezes, por carta e telegrama, que
fossem mandadas a ele as provas de página e se
suspendesse a publicação, já que ele não autorizava a
publicação do resto do romance sem antes rever as provas:
"As emendas que fiz são consideráveis e complicadas: e se
um trabalho - onde o estilo já de si é afetado e
amaneirado, todo cheio de pequenas intenções e tão
dependente da pontuação - ajuntamos os erros tipográficos
- temos um fiasco deplorável". E em outra carta a Batalha
Reis mostra o quanto estava irado: "... estou
verdadeiramente indignado. Pois quê? Eu dou-vos um
borrão do romance - e vocês em lugar de publicar o
romance publicam o borrão!"
Embora contrariado, Eça não consegue impedir "a
publicação do borrão" e decide: "calar, emendar, refazer
tranqüilamente o romance, e publicá-lo num volume - que
se pertença e responda por si." Ele pede a Batalha Reis que
lhe remeta os capítulos suprimidos na revista e no mesmo
mês que a revista termina a publicação do romance, Eça
finaliza O Crime do Padre Amaro para publicação em livro.
A primeira edição, de 1876, é financiada por seu pai, dr.
José Maria de Almeida Teixeira de Queirós e sua tiragem foi
de apenas 800 exemplares.

A ACUSAÇÃO DE PLÁGIO

Muitos críticos, ao abordarem O Crime do Padre Amaro,


quando de sua publicação, acusaram Eça de Queirós de ter
plagiado o grande mestre da corrente naturalista, o
romancista francês Émile Zola. Entre esses, está Machado
de Assis, que, em crítica a O Primo Basílio, publicada na
revista O Cruzeiro, em 16 de abril de 1878, assim se refere
ao primeiro livro de Eça:

"O Crime do Padre Amaro revelou desde logo as tendências


literárias do Sr. Eça de Queirós e a escola a que
abertamente se filiava. O Sr. Eça de Queirós é um fiel e
aspérrimo discípulo do realismo propagado pelo autor do
Assommoir. Se fora simples copista, o dever da crítica era
deixá-lo, sem defesa, nas mãos do entusiasmo cego, que
acabaria por matá-lo; mas é homem de talento, transpôs
ainda há pouco as portas da oficina literária; e eu, que lhe
não nego a minha admiração, tomo a peito dizer-lhe
francamente o que penso, já da obra em si, já das
doutrinas e práticas, cujo iniciador é, na pátria de
Alexandre Herculano e no idioma de Gonçalves Dias.
Que o sr. Eça de Queirós é discípulo do autor do
Assommoir, ninguém há que o não conheça. O próprio
Crime do Padre Amaro é imitação do romance de Zola, La
Faute de l'Abbé Mouret. Situação análoga, iguais
tendências; diferença do meio; diferença do desenlace;
idêntico estilo; algumas reminiscências, como no capítulo
da missa, e outras; enfim, o mesmo título. Quem os leu a
ambos, não contestou decerto a originalidade do Sr. Eça de
Queirós, porque ele a tinha, e tem, e a manifesta de modo
afirmativo; creio até que essa mesma originalidade deu
motivo ao maior defeito na concepção do Crime do Padre
Amaro.
O Sr. Eça dc Queirós alterou naturalmente as circunstâncias
que rodeavam o padre Mouret, administrador espiritual de
uma paróquia rústica, flanqueado de um padre austero e
ríspido; o padre Amaro vive numa cidade de província, no
meio de mulheres, ao lado de outros que do sacerdócio só
têm a batina e as propinas; vê-os concupiscentes e
maritalmente estabelecidos, sem perderem um só átomo
de influência e consideração. Sendo assim, não se
compreende o terror do padre Amaro, no dia em que do
seu erro lhe nasce um filho, e muito menos se compreende
que o mate. Das duas forças que lutam na alma do padre
Amaro, uma é real e efetiva - o sentimento da paternidade;
a outra é quimérica e impossível - o terror da opinião, que
ele tem visto tolerante e cúmplice no desvio dos seus
confrades; e não obstante, é esta a força que triunfa.
Haverá aí alguma verdade moral?
Ora bem, compreende-se a ruidosa aceitação do Crime do
Padre Amaro. Era realismo implacável, conseqüente, lógico,
levado à puerilidade e à obscuridade. Víamos aparecer na
nossa língua um realista sem rebuço, sem atenuações, sem
melindres, resoluto a vibrar o camartelo no mármore da
outra escola, que aos olhos do Sr. Eça de Queirós parecia
uma simples ruína, unia tradição acabada. Não se conhecia
no nosso idioma aquela reprodução fotográfica e servil das
coisas mínimas e ignóbeis. Pela primeira vez, aparecia um
livro em que o escuso e o - digamos o próprio termo, pois
tratamos de repelir a doutrina, não o talento, e menos o
homem, - em que o escuso e o torpe eram tratados com
um carinho minucioso e relacionados com uma exação de
inventário. A gente de gosto leu com prazer alguns
quadros, excelentemente acabados, em que o Sr. Eça de
Queirós esquecia por minutos as preocupações da escola;
e, ainda nos quadros que lhe destoavam, achou mais de
um rasgo feliz, mais de uma expressão verdadeira a
maioria, porém, atirou-se ao inventário. Pois que havia de
fazer a maioria, senão admirar a fidelidade de um autor,
que não esquece nada, e não oculta nada? Porque a nova
poética é isto, e só chegará à perfeição no dia em que nos
disser o número exato dos fios de que se compõe um lenço
de cambraia ou um esfregão de cozinha. Quanto à ação em
si, e os episódios que a esmaltam, foram um dos atrativos
do Crime do Padre Amaro, e o maior deles; tinham o mérito
do pomo defeso. E tudo isso, saindo das mãos de um
homem de talento, produziu o sucesso da obra."

É importante notar que Machado não critica apenas as


semelhanças entre o livro de Zola e o de Eça. A sua grande
restrição ao livro português se dá quanto ao seu estilo.
Nessa crítica, Machado há de se colocar frontalmente
contra o estilo Naturalista, antecipando o Realismo
Psicológico, que haveria de inaugurar no Brasil com a
publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, em 1881.
Eça de Queirós, no entanto, responde a seus críticos, como
Machado, ao escrever a nota introdutória à segunda edição
do livro, em 1880:
"O Crime do Padre Amaro recebeu no Brasil e em Portugal
alguma atenção da critica, quando foi publicado
ulteriormente um romance intitulado O Primo Basílio. E no
Brasil e em Portugal escreveu-se (sem todavia se aduzir
nenhuma prova efectiva) que O Crime do Padre Amaro era
uma imitação do romance do sr. E. Zola - La Faute de
l'Abbé Mouret; ou que este livro do autor do Assomoir e de
outros magistrais estudos sociais sugerira a ideia, as
personagens, a intenção de O Crime do Padre Amaro. Eu
tenho algumas razões para crer que isto não é correcto.
O Crime do Padre Amaro foi escrito em 1871, lido a alguns
amigos em 1872, e publicado em 1874. O livro do sr. Zola,
La Faute de l'Abbé Mouret (que é o quinto volume da série
Rougon Macquart), foi escrito e publicado em 1875. Mas
(ainda que isto pareça sobrenatural) eu considero esta
razão apenas como subalterna e insuficiente. Eu podia,
enfim, ter penetrado no cérebro, no pensamento do sr.
Zola, e ter avistado, entre as formas ainda indecisas das
suas criações futuras, a figura do abade Mouret…
O que, segundo penso, mostra melhor que a acusação
carece de exactidão, é a simples comparação dos dois
romances…
Os criticos inteligentes que acusaram o Crime do Padre
Amaro de ser apenas uma imitação da Faute de l'Abbé
Mouret não tinham infelizmente lido o romance maravilhoso
do sr. Zola, que foi talvez a origem de toda a sua glória. A
semelhança casual dos dois titulos induziu-os em erro. Com
conhecimento dos dois livros, só uma obtusidade córnea ou
uma má fé cinica poderia assemelhar esta bela alegoria
idilica, a que está misturado o patético drama de uma alma
mistica, ao Crime do Padre Amaro, que, como podem ver
neste novo trabalho, é apenas, no fundo, uma intriga de
clérigos e de beatas tramada e murmurada à sombra de
uma velha Sé de província portuguesa.

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