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ANTROPOLOGIA PAULINA
TÂNIA MARIA COUTO MAIA
1
Cf. CONNOR, J. Murphy. A Antropologia Pastoral de Paulo. Tornar-se Humanos juntos, São Paulo:
Paulus, p. 40-41.
22
Cf. CERFAUX, L. O Cristão na teologia de Paulo. São Paulo: Teológica, 2003, p. 43.
3
criação do mundo, as suas perfeições invisíveis, eterno poder e divindade são visíveis
em suas obras, pela a inteligência; eles, pois, não têm desculpas."
Fazendo esta retrospectiva que tem por trás a teologia judaica da criação Paulo
denota a sua ascendência judaica chegando a concluir que o Homem continua sendo
obra criada por Deus, portanto, que sua origem é boa, e que o desvio se deu no caminho
e não na fonte; donde se conclui que Deus não se arrependeu de sua obra e que continua
investindo nela. O que houve? Então, é vendo o Homem a partir do projeto original do
Criador que Paulo alimenta sempre mais a ânsia de compreendê-lo. É nesta direção que
Paulo desenvolve e amplia a sua doutrina sobre o Homem, abrindo novos horizontes na
sua antropologia na tentativa de percebê-lo não só como aquele que perdeu pela queda a
forma original, mas também, oferecer uma visão positiva, construída a partir do ponto
inicial do homem e da proposta do Criador.
55
Cf. BAUMERT, Nobert. Mulher e Homem em Paulo. São Paulo: Loyola, 1999, p. 231.
6.6
Cf. ibid. p. 232.
5
invisível, imaterial, o que ele chama de Mundo das ideias. Então, a função do corpo é
manter a alma num percurso de tempo nesse mundo material, e depois, com a morte, ela
é libertada e então ela volta para contemplar as realidades invisíveis, o mundo das ideias
perfeitas, no qual o corpo não tem lugar.
Partindo dessa antropologia grega na qual o Homem é entendido como matéria e
espírito, é possível perceber a dificuldade que eles tinham de entender a ressurreição de
Cristo pregada por Paulo, como sendo Boa nova. Jamais eles a compreenderiam no seu
dualismo. "... uma transformação do corpo é uma ideia estranha para os gregos. Em 1 Corinto
(15,35-53) vemos quanto Paulo se esforça para tornar a ressurreição compreensível para eles. Isso não
exige somente uma disposição para fé, mas, sobretudo total redirecionamento no pensar".7
Paulo não apresenta um termo único que expresse com exatidão a sua visão de
homem o que dificulta a aproximação dessas duas realidades presentes nas culturas
grega e semita. É essa a verdadeira dificuldade que caracteriza a visão de Homem
paulina, pois ele fala de ambos dentro de uma nova categoria, mas tendo como respaldo
a antropologia semita. Então para melhor entendermos o homem em Paulo se torna
necessário um olhar sobre os conceitos de: Homem carne, homem Espírito, homem
corpo, e homem alma.
está escravizado por forças que o dominam e, portanto, não consegue corresponder ao
pensamento do criador. Fragilizado na sua existência, enquanto peregrino recebeu a
força da lei, mas que como ele se achava entregue ao efêmero, não teve a capacidade de
se desvencilhar e nem de reagir. A tensão provocada por essa realidade observada por
Paulo o levou a constatar no homem uma falta de autodomínio que o tornava incapaz de
sair dos desvios provocados pela sua natureza de carne.
Mas, apesar de o homem-carne ter a sua natureza marcada pela contingência,
mesmo assim, ele tem uma estrutura dotada de algo consistente, é animado pelo
sopro da vida que saiu da boca do Criador, capaz de convencê-lo a agir bem. Mas,
constata também que não há por parte desse mesmo homem o desejo, nem nenhum
esforço em tentar adequar-se ao pensamento do criador. Paulo diagnostica que a
falta desse desejo é por conta desse ambiente de fraqueza que o fecha às dimensões
da sua existência que se abrem para o Criador.
"É finito, e está exposto ao ataque de pessoas e poderes, se encontra enfraquecido, impotente e
mortal. Justamente no corpo do ser humano se revela o seu caráter passageiro... O ser humano não tem
carne, mas é carne." a própria concepção da fraqueza e da impotência humana."1010
O Homem mesmo tendo a sua composição de carne não pode ser visto em partes,
e sim no todo; então, ao pecar por conta da carne é toda a sua estrutura humana que é
atingida. Logo, a carne é dominada por um poder do mal que aniquila o Homem, pois,
mesmo sendo uma criatura de Deus é frágil, escravo, porque é um corpo de carne. Daí
Paulo afirmar:
" Eu me sirvo de palavras totalmente humanas, adaptadas à vossa fraqueza. Do mesmo modo que
pusestes vossos membros a serviço da impureza e da desordem, que conduzem a revolta de Deus, ponde-
os agora como escravo a serviço da justiça, que conduz à santificação” (Rm 6,19)1111
1010
Cf. ibid. 233
1111
Cf. TEB. Tradução Ecumênica Bíblica. Loyola, São Paulo 1994
7
as inúmeras ações do homem carnal que contrapõem às obras do Espírito como amor,
alegria, paz e outras mais que demonstram o sentido pleno da vida (Gl 5,22).
Pelo que foi visto é possível perceber que Paulo expressa pelo termo “carne” a
fragilidade humana presente em todas as realidades da existência do homem que se
opõem à existência que vem do agir segundo o Espírito do Criador. O Homem mesmo
tendo a sua composição de carne não pode ser visto em partes, e sim no todo; então, ao
pecar por conta da carne é toda a sua estrutura humana que é atingida. Logo, a carne é
dominada por um poder do mal que aniquila o Homem, pois mesmo sendo uma criatura
de Deus é frágil, escravo, porque é um corpo de carne. Daí Paulo afirmar:
" Eu me sirvo de palavras totalmente humanas, adaptadas à vossa fraqueza. Do
mesmo modo que pusestes vossos membros a serviço da impureza e da desordem, que
conduzem a revolta de Deus, ponde-os agora como escravo a serviço da justiça, que
conduz à santificação” (Rm 6,19)1111.
fragilidade da carne, mas de algo sólido, a força vital do Espírito. Enquanto carne é
frágil, enquanto espírito ele tem a capacidade de exercer a potencialidade da sua
abertura na relação com Deus.
Sem a fortaleza do Espírito de Deus no homem, o agir humano se torna
debilitado; por isso, é que Paulo afirma em (Rm 8,6) "O desejo da carne é a morte, ao
passo que o desejo do Espírito é a vida e a paz". O contraste entre espírito e carne na
estrutura humana demonstra ser ela limitada, vulnerável aos ataques do mundo. Paulo
percebe que esse Homem necessita constantemente do auxílio de Deus, pois sem o qual
o homem falece sem exercer bem a sua existência. Em Paulo o ser humano é o lugar
“sujeito receptor dos dons de Deus” (Gl 6,18); Isto é, o lugar da graça sem a qual o
Homem sucumbe preso aos mecanismos da carne. Paulo ao compreender a força, o
valor dessa abertura à dimensão do espírito ele exige do mesmo uma tomada de
consciência para assegurar a permanência desse Espírito na sua vida.
1.4.3 - Homem-Corpo
Soma (grego) "corpo designa o ser humano em seu aspecto exterior." 1414
Enquanto isso, o corpo no sentido Paulino não é fácil de ser entendido, ele não oferece
uma "resposta padronizada", o sentido deve ser compreendido a partir do contexto no
qual ele utiliza. Em Paulo, o Homem corpo é sempre visto no sentido de totalidade.
É o “eu”; a pessoa toda por inteiro. O corpo é o homem inserido com os outros, no
seu aspecto relacional. A dimensão onde o espírito age. O que leva os membros da
comunidade de Coríntios a tomarem consciência que seus corpos são o lugar em que a
graça de Deus se estabelece, e que eles devem honrar esse valor em suas vidas: (6,16ss)
"O corpo é dádiva divina e foi santificado pela salvação". A visão de Homem-corpo em
Paulo encontra sua maior expressão em 1Cor 6,12-20, em que o corpo (soma), constante
da personalidade, representa a pessoa humana em sua proximidade possível com Deus,
enquanto que a carne (sarx) exprime a fraqueza humana do homem em sua distância de
Deus, até em sua separação de Deus, em seu pecado.
O sentido de corpo para Paulo se aproxima do sentido de carne que faz parte de
um processo histórico marcado pela ideia de pecado contrariando a vontade do Criador;
mas é somente em Cristo que na visão de Paulo esse corpo ganha um novo sentido, o
termo espiritual utilizado em (1Cor 6,13) "O corpo não é para a fornicação, mas é para
o Senhor; e o Senhor é para ele. "Portanto, o corpo agora encontra sentido somente em
Cristo, um corpo espiritual realiza o homem em Deus; Entretanto, o homem "Não é
1414
cf. ibid. p. 75.
9
puro espírito, mas um corpo espiritual (1Cor 15,44); seu corpo é um espírito com o
senhor (1Cor 6,17). É uma pessoa que tudo faz para a honra de Deus e glorifica-o em
seu corpo (1Cor 6,20)." O corpo em Paulo ganha sentido em Cristo, com sua morte e
ressurreição. Se antes o corpo vivia entregue ao fracasso, às paixões, com Cristo, por
sua ressurreição, o corpo humano se torna totalmente novo, pois Cristo ao resgatar o
homem ao mesmo tempo ele imprime um espírito santificador. Jesus Cristo, morrendo,
pagou alto preço pelo Homem, corpo e alma. É necessário salientar que a visão de corpo
espiritual em Paulo só pode ser entendida no âmbito cristão, sem o qual é impossível
compreendê-lo, pois ele parte sempre de sua experiência do Cristo ressuscitado.
1.4.4 Homem-Alma
"Alma (Psyche): A alma no mundo grego "é invisível e intangível não pode ser
restrita no espaço, é infindável, imortal e imaterial," 1515 não pode ser restrita ao corpo,
pois ela é imortal e pertence a outro mundo, o das ideias, e que, portanto, após a morte
ela deixa o corpo, presa dele somente enquanto há vida, mas libertada pela morte.
O homem alma em Paulo também não é fácil de ser entendido, pois, para o
semita, a alma é sinônimo de princípio vital. É o que anima a carne tornando-a vivente.
Assemelha-se ao conceito de espírito enquanto princípio de vida. O hebreu não admite
alma sem corpo e nem imortalidade da alma. A alma compreendida numa visão semita
tem uma importância paralelamente ao corpo.
"O ser como um todo é transladado (Gn 5,24; 2Rs 2,3. 5; Sl 49,16; 73,24. 26),
corpo e alma é transferido par dentro da glória de Deus. Javé mata e torna a vivificar,
ele entra no mundo dos mortos e torna a sair (1Sm 2,6; Dt 32,29)"16.16.
Então, todos esses textos nos levam a concluir que dentro de uma visão semita
corpo e alma formam um todo no ser humano e que no final de sua trajetória encontrará
seu repouso em Deus. Paulo reler as tradições antigas à luz do evento Cristo, ele
fundamenta o seu pensamento em (Rm 14,9) "Pois foi para ser Senhor dos vivos e dos
mortos que Cristo morreu e tornou à vida".
Concluindo pode-se perceber quem é o homem em Paulo. A visão de homem
que se depreende é que ele é um ser de necessidades, sujeito de seus desejos, mas
aberto a uma dimensão que o faz desejar também ser um ser de plenitude. O que
Paulo propõe é a possibilidade de entendê-lo a partir da Criação, em sua trajetória
1515
cf. ibid. P. 231
16.16
Cf. ibid. p. 235-236.
10
histórica constatando seus limites e fraquezas até concluir que entregue a sua
própria natureza se torna totalmente impotente para agir livremente; que esse
mesmo homem limitado e finito almeja se realizar a partir de sua imagem na
criação. Partindo desses pressupostos Paulo amplia a sua Antropologia apresentando
Jesus Cristo como sendo o caminho para o homem se realizar como imagem do Criador
e se libertar das amarras da lei e da carne. É, pois, partindo de sua compreensão do
homem e do papel de Cristo na história humana que Paulo se esforça para anunciar a
salvação de Deus aberta à humanidade inteira, isto é, a toda carne.