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ANTROPOLOGIA PAULINA
TÂNIA MARIA COUTO MAIA

Paulo afirma a existência de um Homem Novo em Jesus Cristo. Que Homem


Novo é esse? Em que plano e em que dimensão pode acontecer essa novidade? É para
toda a humanidade?
Para compreender o que Paulo quer comunicar com esta proclamação torna-se
necessário antes de tudo, conhecer alguns elementos que nos ajudem a entrar no
universo conceptual de Paulo, que como judeu tem a sua concepção de homem da
cultura judaica. Ao se deparar com o mundo grego, que apresenta uma visão totalmente
diferente do mundo judaico, ele percebe a necessidade de criar elementos que
possibilitem estruturar uma ideia de “Homem” capaz de poder ser entendida, tanto por
gregos quanto por judeus, a fim de que possa se beneficiar dos efeitos que a
Ressurreição de Jesus trouxe a toda humanidade. Para isso é necessário conhecer de
onde Paulo tira os elementos que constituirão a sua Antropologia: Homem carne,
Homem Espírito, Homem corpo e Homem alma, com os quais ele designa o Homem
nesta trajetória que vai do mundo judaico ao mundo grego até o Homem cristão.
Tendo como ponto de partida a história da criação ele o insere num plano mais
amplo, isto é, universal para por toda a criação sob a novidade de Jesus Cristo. Paulo
tem a convicção de que a Boa Nova de Jesus Cristo só será devidamente entendida e
aceita quando o homem for também entendido conforme a mensagem de Jesus Cristo.
Paulo era Judeu fervoroso, e sendo assim conhecia profundamente as suas
tradições, pois, nasceu e foi instruído nas leis judaicas (cf. Fl 3,1s), um homem que
tinha como meta ser fiel cumpridor da lei, o elemento fundamental do existir Judeu.
Recapitula toda a história do Homem. O seu ponto de partida é o Homem na Criação,
seguindo-se a reflexão sobre o povo eleito, o Homem Judeu, do qual ele fazia parte; nas
comunidades nascentes no mundo grego surge a necessidade de refletir sobre o Homem
Pagão com o qual ele se depara para então tentar unir toda a humanidade em Cristo no
“Homem Novo” vivido por ele após a experiência de Damasco.
Os textos das cartas paulinas dirigidas aos Gálatas e aos Romanos, apresentam o
Homem na criação, para em seguida apresentar os textos nos quais o Homem judeu é o
instrumento que proporcionou a realização das promessas, e a seguir os textos nos quais
a ação de Jesus Cristo pode atingir o homem gentio. Depois o acento é posto na
humanidade decaída, inserida no pecado, sujeita à morte, e o evento libertador, que
2

possibilita ao homem libertar-se da escravidão do pecado: a morte e a ressurreição de


Cristo. Aí Paulo expôs essa sua doutrina do Homem-Novo.
O encontro com Cristo o fez compreender a revelação de Deus na História dos
Homens em uma outra perspectiva. Na busca de apresentar esse “Homem”
transformado por Jesus Cristo, Paulo apresenta as características desse Homem-Novo. A
imagem dele não é mais o primeiro Adão, pois o cristão é alguém que se configura a
Cristo. Para Paulo o Cristo, é o novo Adão, portanto, primícias de uma nova
humanidade. É de fundamental importância a ideia de “Homem Novo” em Paulo para
que se renove a fé no homem a partir do ato salvífico de Jesus que elevou a humanidade
à condição divina: “Cristo tudo em todos”. A especificidade da cristologia Paulina é a
contribuição da fé cristã na humanidade resgatada.
1.1- O Homem na criação
Paulo procura entender o Homem a partir da criação, antes da "queda", isto é, o
homem tal como Deus, o Criador, o havia pensado e partindo daí, fazer um paralelo
entre o projeto original de homem e o homem atual para, então, poder apresentar o
homem sob o signo de Jesus Cristo.
O Homem na Criação segundo o enfoque da Tradição sacerdotal é criado segundo
a Imagem e semelhança de Deus, perfeita incorporação da divina intenção para a
humanidade (cf. Gn 1,26). "Adão incorporava a perfeição, no termo qualificado "antes
da queda"1, um homem que vivia uma realidade de harmonia entre o Criador e o ser
criado. Portanto, uma realidade em que a história humana não podia ser pensada
diferente daquela projetada pelo Criador. (Rom 1,20). O tema é bem conhecido na
filosofia grega, no Antigo Testamento (...) e no judaísmo helenista."2
Refletindo sobre essa realidade é que Paulo procura entender o Homem do seu
tempo que tendo um início tão glorioso se encontrava agora em estado tão lastimável.
Então o que houve, e o que atrapalhou o desenvolvimento dessa obra de Deus? Se Deus
é o artífice da perfeição original Ele com certeza não seria o culpado pela situação na
qual o homem chegara, marcado por uma profunda contradição entre a proposta do
Criador e o que ele fizera dele mesmo e não só dele, mas de toda a criação. O selo de
seu agir estava impresso na sociedade do seu tempo. Pode-se conferir a situação
degradante da criação na carta de Paulo aos Romanos (Rm 1,20): "Com efeito, desde a

1
Cf. CONNOR, J. Murphy. A Antropologia Pastoral de Paulo. Tornar-se Humanos juntos, São Paulo:
Paulus, p. 40-41.
22
Cf. CERFAUX, L. O Cristão na teologia de Paulo. São Paulo: Teológica, 2003, p. 43.
3

criação do mundo, as suas perfeições invisíveis, eterno poder e divindade são visíveis
em suas obras, pela a inteligência; eles, pois, não têm desculpas."
Fazendo esta retrospectiva que tem por trás a teologia judaica da criação Paulo
denota a sua ascendência judaica chegando a concluir que o Homem continua sendo
obra criada por Deus, portanto, que sua origem é boa, e que o desvio se deu no caminho
e não na fonte; donde se conclui que Deus não se arrependeu de sua obra e que continua
investindo nela. O que houve? Então, é vendo o Homem a partir do projeto original do
Criador que Paulo alimenta sempre mais a ânsia de compreendê-lo. É nesta direção que
Paulo desenvolve e amplia a sua doutrina sobre o Homem, abrindo novos horizontes na
sua antropologia na tentativa de percebê-lo não só como aquele que perdeu pela queda a
forma original, mas também, oferecer uma visão positiva, construída a partir do ponto
inicial do homem e da proposta do Criador.

1.2 – O Homem Judeu


O passado judeu de Paulo fez-lhe entender a atual situação do homem criado por
Deus. Paulo reconhece a importância existente na lei, como dádiva de Deus, que quer
conduzir o homem ao caminho da perfeição original. Mas esse entendimento de Paulo
requer que ele faça uma releitura do papel da “Lei” e isto exige do mesmo uma
nova interpretação da lei.
Na busca de apresentar esse “Homem” transformado por Jesus Cristo Paulo
apresenta as características desse Homem-Novo. A imagem dele não é mais o primeiro
Adão, pois o cristão é alguém que se configura a Cristo. Para Paulo o Cristo, é o novo
Adão, portanto, primícias de uma nova humanidade.

1.3 - O Homem Gentio (Pagão)


Para os judeus a humanidade era dividida em dois povos: os judeus e os gentios.
Os pagãos eram os incircuncisos, ou seja, aqueles que não eram circuncidados, e que
não pertenciam à raça de Israel; e os judeus eram os circuncisos, isto é, aqueles que
pertenciam à raça eleita, o povo da aliança. Os povos pagãos não conheciam a Deus e,
portanto, lhes eram atribuídas inúmeras faltas, entre as quais: imoralidade, injustiça,
abominações, impiedade e muitas outras. (cf. Rm 1,29). Neste sentido, os pagãos, com
essas más ações provocam a cólera de Deus contra toda impiedade e perversidade dos
Homens, que pela injustiça aprisionam a verdade (Rm 1,18) que Deus manifestou desde
a criação do mundo (Rm 1,20-22).
4

Portanto, para Paulo o maior pecado é a negação de Deus, e o fruto desse


desconhecimento levava os pagãos à idolatria. Eis porque sua condição era degradante e
condenada à morte.

1.4- O Homem na cultura grego-semita (visão antropológica)


O Homem compreendido a partir da criação, contextualizado e etnicamente
dividido em duas raças, os Judeus e os Pagãos torna-se objeto da atenção particular de
Paulo que o vê a partir de sua condição de criatura, situado entre responder à sua
vocação de viver em harmonia com o criador e à negação dessa mesma vocação,
provocando a ira de Deus. Duas realidades opostas se colocam, e Paulo percebe que o
problema é bem mais profundo, pois desce à raiz conceptual de homem antes de encará-
lo sobre outras dimensões. A concepção semita de homem que Paulo tem é bastante
diferente da concepção de homem grega. Urge, portanto, procurar dentro da
antropologia Paulina elementos que permitam identificar o que Paulo quer dizer quando
se refere ao homem em imagem de Deus.
Ao se trabalhar as categorias antropológicas em Paulo, logo se percebe ser
impossível compreendê-la sem conhecer a visão Semita do Homem, uma vez que ele
traça toda sua antropologia respaldada no pano de fundo do Antigo Testamento. A visão
Bíblica de homem é unitária, integral. O semita vê o homem como um todo, na sua
totalidade, como pessoa humana, e o vê a partir de sua existência.
Em contato com a cultura grega, Paulo se confronta com uma nova concepção do
Homem. Ao invés de refletir sobre a sua vida, o homem grego observa-a segundo a
sua visão. Diz Baumert: "O Homem grego é uma pessoa de olhar observador... Ele não
reflete a vida a partir de suas experiências, mas ele parte do que é visível" 5.
Dividindo-o em visível e invisível. Por conta dessa realidade dualista há uma enorme
diferença nos conceitos atribuídos ao homem em relação à visão semita. No mundo
grego, o homem está separado entre material (o que eu posso ver) e espiritual (o que eu
não posso ver), e, no mundo judaico o homem é uno, indivisível. O que eu posso saber
dele só me é possível através de sua existência. Esse dualismo defendido pelos gregos
tem seu fundamento na Filosofia de Platão, a qual afirmava: "A alma, que provém do
mundo das ideias, está segundo ele, amarrada à matéria por tempo determinado" 6.
Platão imaginava existir dois mundos, duas realidades, o mundo sensível, visível, e o

55
Cf. BAUMERT, Nobert. Mulher e Homem em Paulo. São Paulo: Loyola, 1999, p. 231.
6.6
Cf. ibid. p. 232.
5

invisível, imaterial, o que ele chama de Mundo das ideias. Então, a função do corpo é
manter a alma num percurso de tempo nesse mundo material, e depois, com a morte, ela
é libertada e então ela volta para contemplar as realidades invisíveis, o mundo das ideias
perfeitas, no qual o corpo não tem lugar.
Partindo dessa antropologia grega na qual o Homem é entendido como matéria e
espírito, é possível perceber a dificuldade que eles tinham de entender a ressurreição de
Cristo pregada por Paulo, como sendo Boa nova. Jamais eles a compreenderiam no seu
dualismo. "... uma transformação do corpo é uma ideia estranha para os gregos. Em 1 Corinto
(15,35-53) vemos quanto Paulo se esforça para tornar a ressurreição compreensível para eles. Isso não
exige somente uma disposição para fé, mas, sobretudo total redirecionamento no pensar".7
Paulo não apresenta um termo único que expresse com exatidão a sua visão de
homem o que dificulta a aproximação dessas duas realidades presentes nas culturas
grega e semita. É essa a verdadeira dificuldade que caracteriza a visão de Homem
paulina, pois ele fala de ambos dentro de uma nova categoria, mas tendo como respaldo
a antropologia semita. Então para melhor entendermos o homem em Paulo se torna
necessário um olhar sobre os conceitos de: Homem carne, homem Espírito, homem
corpo, e homem alma.

1.4.1- Homem - Carne


Carne = “Basar” (no hebraico) e “Sarx" (no grego)8. A antropologia semita tem
no termo “Basar” a palavra que expressa a realidade existencial do homem: ele é carne;
isto é, ele é ser humano; é descendência; é frágil; é sujeito de fraquezas e como
característica que mais lhe representa ele é finito, limitado. Portanto, o termo “Basar”
não exprime apenas o aspecto de substância constitutiva dos seres humanos.
Compreende o homem em sua totalidade, em sua existência como “ser de finitude”. A
palavra hebraica “Basar” é traduzida em grego tanto por "sarx" como por soma
(corpo), o que significaria também a substância constitutiva dos seres humanos" 9. A
Carne expressa, pois, o homem na sua totalidade. Portanto, o Homem-carne é visto
dentro desta perspectiva como um ser frágil, impotente, escravizado às forças do mundo
que o dominam, que tem vida fugaz, é mortal.
E, mesmo sendo finito, Paulo percebe que esse Homem, criado por Deus, tem a
capacidade de realizar o bem (cf. Rm 1-2), mas que esse homem por ser bastante frágil,
77
Cf. ibid. pp. 232-233.
88
Cf. GUTIERRZ, Gustavo. Beber no Próprio Poço - Itinerário Espiritual de um povo. Petrópolis: Vozes,
1984, p. 64.
99
Cf. ibid. p. 65.
6

está escravizado por forças que o dominam e, portanto, não consegue corresponder ao
pensamento do criador. Fragilizado na sua existência, enquanto peregrino recebeu a
força da lei, mas que como ele se achava entregue ao efêmero, não teve a capacidade de
se desvencilhar e nem de reagir. A tensão provocada por essa realidade observada por
Paulo o levou a constatar no homem uma falta de autodomínio que o tornava incapaz de
sair dos desvios provocados pela sua natureza de carne.
Mas, apesar de o homem-carne ter a sua natureza marcada pela contingência,
mesmo assim, ele tem uma estrutura dotada de algo consistente, é animado pelo
sopro da vida que saiu da boca do Criador, capaz de convencê-lo a agir bem. Mas,
constata também que não há por parte desse mesmo homem o desejo, nem nenhum
esforço em tentar adequar-se ao pensamento do criador. Paulo diagnostica que a
falta desse desejo é por conta desse ambiente de fraqueza que o fecha às dimensões
da sua existência que se abrem para o Criador.
"É finito, e está exposto ao ataque de pessoas e poderes, se encontra enfraquecido, impotente e
mortal. Justamente no corpo do ser humano se revela o seu caráter passageiro... O ser humano não tem
carne, mas é carne." a própria concepção da fraqueza e da impotência humana."1010

O Homem mesmo tendo a sua composição de carne não pode ser visto em partes,
e sim no todo; então, ao pecar por conta da carne é toda a sua estrutura humana que é
atingida. Logo, a carne é dominada por um poder do mal que aniquila o Homem, pois,
mesmo sendo uma criatura de Deus é frágil, escravo, porque é um corpo de carne. Daí
Paulo afirmar:
" Eu me sirvo de palavras totalmente humanas, adaptadas à vossa fraqueza. Do mesmo modo que
pusestes vossos membros a serviço da impureza e da desordem, que conduzem a revolta de Deus, ponde-
os agora como escravo a serviço da justiça, que conduz à santificação” (Rm 6,19)1111

Neste sentido até a sabedoria humana no entender de Paulo é questionada, pois é


fruto na carne. E para ilustrar essa realidade de fragilidade e destruição por conta da
carne em Gálatas, Paulo afirma a contraposição existente entre o agir na carne e o agir
segundo o Espírito (5,19-21): "As obras da carne são bem conhecidas: libertinagem,
impureza, devassidão, idolatria, magia, ódios, discórdia, ciúmes, cólera, rivalidade,
dissensões, facções, inveja, bebedeiras, orgias e outras coisas semelhantes". Essas são

1010
Cf. ibid. 233
1111
Cf. TEB. Tradução Ecumênica Bíblica. Loyola, São Paulo 1994
7

as inúmeras ações do homem carnal que contrapõem às obras do Espírito como amor,
alegria, paz e outras mais que demonstram o sentido pleno da vida (Gl 5,22).
Pelo que foi visto é possível perceber que Paulo expressa pelo termo “carne” a
fragilidade humana presente em todas as realidades da existência do homem que se
opõem à existência que vem do agir segundo o Espírito do Criador. O Homem mesmo
tendo a sua composição de carne não pode ser visto em partes, e sim no todo; então, ao
pecar por conta da carne é toda a sua estrutura humana que é atingida. Logo, a carne é
dominada por um poder do mal que aniquila o Homem, pois mesmo sendo uma criatura
de Deus é frágil, escravo, porque é um corpo de carne. Daí Paulo afirmar:
" Eu me sirvo de palavras totalmente humanas, adaptadas à vossa fraqueza. Do
mesmo modo que pusestes vossos membros a serviço da impureza e da desordem, que
conduzem a revolta de Deus, ponde-os agora como escravo a serviço da justiça, que
conduz à santificação” (Rm 6,19)1111.

1.4.2 Homem - Espírito


Espírito – Pneuma (grego); Ruah (hebraico). No mundo semita o espírito é vida,
fonte de energia que garante a existência humana: é sopro, é ar, é movimento. O semita
compreende ser o espírito no homem essa "Força potencializadora, causadora de
energia e de vitalidade tanta corporal como espiritual."1212 Esse espírito presente em
todo ser humano funciona sendo força dinâmica. E dentro desta visão semita de espírito,
o homem experimenta ao mesmo tempo essa realidade juntamente no seu ser “carne”,
ou seja, experimenta a força e a fraqueza. Portanto, esse homem necessita da força do
espírito para enfrentar a dura realidade do seu ser carnal.
O espírito como potencialidade na estrutura humana torna a ação do Homem
dinâmica, capaz de vida livre e de relações sadias com os outros Homens. O espírito
considerado como "ruah - vento, ar em movimento, respiração" 1313 que potencializa o
homem para acolher essa força pode ser entendido como o elemento que o torna capaz
de abertura ao dinamismo da criação, portanto, ser capaz de discernir o certo do errado,
um homem conhecedor do seu interior, de seus limites e potencialidades. Essa visão
que Paulo tem do homem-espírito, é o princípio que exerce na existência humana a
possibilidade de torná-lo imagem e semelhança do Criador e de inseri-lo no
compromisso de restaurar a criação, pois, a sua estrutura é composta não só da
1111
Cf. TEB. Tradução Ecumênica Bíblica. Loyola, São Paulo 1994
1212
Cf. Mulher e Homem em Paulo. P. 233-234
1313
Cf. ibid. p. 75.
8

fragilidade da carne, mas de algo sólido, a força vital do Espírito. Enquanto carne é
frágil, enquanto espírito ele tem a capacidade de exercer a potencialidade da sua
abertura na relação com Deus.
Sem a fortaleza do Espírito de Deus no homem, o agir humano se torna
debilitado; por isso, é que Paulo afirma em (Rm 8,6) "O desejo da carne é a morte, ao
passo que o desejo do Espírito é a vida e a paz". O contraste entre espírito e carne na
estrutura humana demonstra ser ela limitada, vulnerável aos ataques do mundo. Paulo
percebe que esse Homem necessita constantemente do auxílio de Deus, pois sem o qual
o homem falece sem exercer bem a sua existência. Em Paulo o ser humano é o lugar
“sujeito receptor dos dons de Deus” (Gl 6,18); Isto é, o lugar da graça sem a qual o
Homem sucumbe preso aos mecanismos da carne. Paulo ao compreender a força, o
valor dessa abertura à dimensão do espírito ele exige do mesmo uma tomada de
consciência para assegurar a permanência desse Espírito na sua vida.
1.4.3 - Homem-Corpo
Soma (grego) "corpo designa o ser humano em seu aspecto exterior." 1414
Enquanto isso, o corpo no sentido Paulino não é fácil de ser entendido, ele não oferece
uma "resposta padronizada", o sentido deve ser compreendido a partir do contexto no
qual ele utiliza. Em Paulo, o Homem corpo é sempre visto no sentido de totalidade.
É o “eu”; a pessoa toda por inteiro. O corpo é o homem inserido com os outros, no
seu aspecto relacional. A dimensão onde o espírito age. O que leva os membros da
comunidade de Coríntios a tomarem consciência que seus corpos são o lugar em que a
graça de Deus se estabelece, e que eles devem honrar esse valor em suas vidas: (6,16ss)
"O corpo é dádiva divina e foi santificado pela salvação". A visão de Homem-corpo em
Paulo encontra sua maior expressão em 1Cor 6,12-20, em que o corpo (soma), constante
da personalidade, representa a pessoa humana em sua proximidade possível com Deus,
enquanto que a carne (sarx) exprime a fraqueza humana do homem em sua distância de
Deus, até em sua separação de Deus, em seu pecado.
O sentido de corpo para Paulo se aproxima do sentido de carne que faz parte de
um processo histórico marcado pela ideia de pecado contrariando a vontade do Criador;
mas é somente em Cristo que na visão de Paulo esse corpo ganha um novo sentido, o
termo espiritual utilizado em (1Cor 6,13) "O corpo não é para a fornicação, mas é para
o Senhor; e o Senhor é para ele. "Portanto, o corpo agora encontra sentido somente em
Cristo, um corpo espiritual realiza o homem em Deus; Entretanto, o homem "Não é
1414
cf. ibid. p. 75.
9

puro espírito, mas um corpo espiritual (1Cor 15,44); seu corpo é um espírito com o
senhor (1Cor 6,17). É uma pessoa que tudo faz para a honra de Deus e glorifica-o em
seu corpo (1Cor 6,20)." O corpo em Paulo ganha sentido em Cristo, com sua morte e
ressurreição. Se antes o corpo vivia entregue ao fracasso, às paixões, com Cristo, por
sua ressurreição, o corpo humano se torna totalmente novo, pois Cristo ao resgatar o
homem ao mesmo tempo ele imprime um espírito santificador. Jesus Cristo, morrendo,
pagou alto preço pelo Homem, corpo e alma. É necessário salientar que a visão de corpo
espiritual em Paulo só pode ser entendida no âmbito cristão, sem o qual é impossível
compreendê-lo, pois ele parte sempre de sua experiência do Cristo ressuscitado.

1.4.4 Homem-Alma
"Alma (Psyche): A alma no mundo grego "é invisível e intangível não pode ser
restrita no espaço, é infindável, imortal e imaterial," 1515 não pode ser restrita ao corpo,
pois ela é imortal e pertence a outro mundo, o das ideias, e que, portanto, após a morte
ela deixa o corpo, presa dele somente enquanto há vida, mas libertada pela morte.
O homem alma em Paulo também não é fácil de ser entendido, pois, para o
semita, a alma é sinônimo de princípio vital. É o que anima a carne tornando-a vivente.
Assemelha-se ao conceito de espírito enquanto princípio de vida. O hebreu não admite
alma sem corpo e nem imortalidade da alma. A alma compreendida numa visão semita
tem uma importância paralelamente ao corpo.
"O ser como um todo é transladado (Gn 5,24; 2Rs 2,3. 5; Sl 49,16; 73,24. 26),
corpo e alma é transferido par dentro da glória de Deus. Javé mata e torna a vivificar,
ele entra no mundo dos mortos e torna a sair (1Sm 2,6; Dt 32,29)"16.16.
Então, todos esses textos nos levam a concluir que dentro de uma visão semita
corpo e alma formam um todo no ser humano e que no final de sua trajetória encontrará
seu repouso em Deus. Paulo reler as tradições antigas à luz do evento Cristo, ele
fundamenta o seu pensamento em (Rm 14,9) "Pois foi para ser Senhor dos vivos e dos
mortos que Cristo morreu e tornou à vida".
Concluindo pode-se perceber quem é o homem em Paulo. A visão de homem
que se depreende é que ele é um ser de necessidades, sujeito de seus desejos, mas
aberto a uma dimensão que o faz desejar também ser um ser de plenitude. O que
Paulo propõe é a possibilidade de entendê-lo a partir da Criação, em sua trajetória

1515
cf. ibid. P. 231
16.16
Cf. ibid. p. 235-236.
10

histórica constatando seus limites e fraquezas até concluir que entregue a sua
própria natureza se torna totalmente impotente para agir livremente; que esse
mesmo homem limitado e finito almeja se realizar a partir de sua imagem na
criação. Partindo desses pressupostos Paulo amplia a sua Antropologia apresentando
Jesus Cristo como sendo o caminho para o homem se realizar como imagem do Criador
e se libertar das amarras da lei e da carne. É, pois, partindo de sua compreensão do
homem e do papel de Cristo na história humana que Paulo se esforça para anunciar a
salvação de Deus aberta à humanidade inteira, isto é, a toda carne.

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