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Introdução
Quando o menino voltou para casa já era tarde da manhã. Seu pai já tinha ido ao
serviço e seus irmãos à escola. Sua mãe o repreendeu por demorar tanto para trazer o pão
da padaria e explicou que ninguém havia tomado café antes de sair. "Onde você foi e por
que demorou tanto?" O garoto respondeu que indo à padaria ele parou para assistir os
bombeiros que ajudavam o motorista de um carro que havia batido num poste de luz.
Depois ele passou na casa de seu amigo para ver se ele viria mais tarde. Então parou numa
banca de jornais para ver as fotos de seu time de futebol. Embora o menino tivesse voltado
com o pão, sua mãe decidiu aplicar uma pequena correção em sua gramática, para que, no
futuro, ele entendesse a diferença entre uma sugestão e uma ordem.
Existe uma forte tendência por parte de muitos pastores e mestres em interpretar a
Grande Comissão de Mateus 28:19-20 da seguinte forma: "Indo, portanto, fazei discípulos
... batizando ... ensinando ..." Ou seja, enfatizam (corretamente) que o verbo principal seja
o imperativo "Fazer discípulos", mas diminuem a força do verbo inicial, normalmente
traduzido "Ide" (Atualizada) ou "Vão" (NVI). A mudança transmite a idéia de "Enquanto
estiverem indo ... façam isso." Mesmo que isso não negue a responsibilidade global dos
discípulos de Jesus, tende diminuir a urgência da tarefa. Surge a idéia que você pode ser
missionário onde estiver, mas o lugar não importa tanto.
1.
LaSor, W. S. Gramática Sintática do Grego do N. T., págs. 20, 75-77.
do texto que procede de uma hermenêutica sensível à gramática e à lingüística grega e ao
contexto imediato (conforme as regras indicadas acima). No caso da Grande Comissão de
Mateus, é este alicerce que pode indicar a melhor tradução.
As Posições
A construção gramatical de Mt 28:19-20 é clara no texto grego. O verbo principal é
um imperativo aoristo, ("fazei discípulos"), antecedido por um particípio
aoristo (do verbo: "ir") e seguido pelos particípios presentes
("batizando") e ("ensinando"). As dificuldades principais
surgem ao tentar determinar o significado dos particípios em relação ao verbo principal.
2.
Culver, R. D. What is the Church's Commission? Bibliotheca Sacra 125, July 1968, pág. 244; cf. Zuck, R.
B. Greek Words for Teach, Bibliotheca Sacra 121, April 1965, pág. 163.
de um particípio num sentido "absoluto", independente de um verbo finito. 3 Assim, a
questão não se relaciona diretamente à construção de Mt 28:19, onde o particípio está
claramente ligado ao verbo principal.
A ligação com o verbo finito não é dificil de perceber. Sendo nominativo em forma,
está de acordo com o sujeito (oculto) do imperativo. Até Culver afirma que
deve ser entendido como particípio circunstancial (adverbial, no caso), ligado ao verbo
finito. Porém, contrário a posição dele, a posição defendida por outros intérpretes
(inclusive aqui) é que o particípio não deve ser atribuído como uma das subcategorias
adverbiais geralmente listadas (i.e. tempo, causa, meio, concessão etc.) mas que deve ser
traduzido como imperativo, sendo designado à categoria de "particípio de circunstância
atendente."
Enquanto nem todos trabalham com esta categoria, ela é mencionada por muitos
gramáticos. Por exemplo, Moods and Tenses de Burton, um dos mais conceituados livros
da gramática grega, fornece diversos exemplos do particípio de circunstância atendente,
observando que,
"o termo 'atendente' não define a relação temporal do particípio ao verbo, mas
sua relação lógica. ele é apresentado meramente como acompanhamento da
ação do verbo. Não define, por exemplo, o tempo ou a causa ou o meio da ação
do verbo principal, mas simplesmente prefixa ou acrescenta um fato ou
concepção associada. Portanto, é frequentemente equivalente ao verbo
coordenado com Embora não seja um elemento gramaticalmente
independente da sentença, o particípio em tais casos se torna afirmativo,
hortativo, optativo, imperativo etc. no seu sentido, segundo a função do verbo
principal."4
3.
Por exemplo, Robertson, A. T. A Grammar of the Greek New Testament, págs. 944-6; Moulton, J. H. A
Grammar of New Testament Greek, Volume 1: Prolegomena, págs. 180-3; Dana, H. E. e Mantey, J. R. A
Manual Grammar of the Greek New Testament, pág. 229; cf. Blass, F. e Debrunner, A. A Greek Grammar of
the New Testament and Other Early Christian Literature, parágrafos 417-424, 466.
4.
Burton, E. D. Syntax of the Moods and Tenses in New Testament Greek, págs. 173-4.
O uso principal desta construção parece ser no indicativo. Assim, Burton fornece
exemplos onde o particípio precede (ex. Mc 16:20, , "saíram e
pregaram") e segue (ex. Lc 4:15, , "ensinava . . . sendo
glorificado") o verbo indicativo tendo a mesma força dele. Contudo, o particípio de
circunstância atendente é também achado ao lado de subjuntivos hortatórios e pode ser
traduzido como o mesmo (ex. Hb 12:1, , "livremos-nos . . . e
corramos"). Da mesma forma, pode acompanhar imperativos, ganhando a força
imperatival (veja os exemplos a seguir).
Para o propósito deste estudo é importante notar que, enquanto outros usos do
particípio circunstancial são subordinados ao verbo finito, a idéia expressada pelo particípio
nem sempre é subordinado. Ao considerar exemplos onde a ação do particípio é
coordenado com um imperativo, a possibilidade deste uso (tradução como imperativo) em
Mt 28:19 será estabelecida.
Lucas-Atos. Em pelo menos três-quartos das construções de Lucas e Atos, fica claro
que a melhor opção interpretativa seja traduzi-lo como particípio de circunstância atendente
5.
Da literatura restante, há apenas um caso em cada livro de Marcos, Efésios, 2 Timóteo e 2 Pedro.
com força imperativa. Mesmo nos demais casos onde há outras possibilidades gramaticais,
a maioria parece encaixar melhor neste sentido.
Dois dos exemplos mais marcantes são de Atos 16. Em At 16:9 o chamado do
homem de Macedônia é "Passa . . . e ajuda-nos" () ). A importância
do particípio é tanta que é possível dizer que o livro de Atos por inteiro, com a expansão da
Igreja de Jerusalém até Roma, gira em torno deste verbo. Não foi simplesmente um caso de
Paulo seguir qualquer caminho e, eventualmente, ajudar o povo lá. Foi um chamado
especifíco de Deus (At 16:10) para passar até uma certa região.
Vale a pena notar que Rogers fornece ainda mais exemplos da Setuaginta. 7 Em Gn
27:13, Manuscrito B da LXX tem ς , um particípio aoristo seguido por
um imperativo. O sentido pode ser apenas "vá, traga . . ." Rogers nota que no hebraico
ambas as palavras são imperativos. Semelhantemente, Gn 37:14 tem um imperativo no
hebraico que é apresentado como particípio (ς) na LXX. A construção deve ser
traduzida como dois imperativos coordenados, "vá e vede." Ex 5:18 apresenta outra
construção com o mesmo sentido. Segundo Rogers, "Certamente Faraó não pretendia
dizer, 'tendo ido, então trabalhe.'" Outros exemplos são encontrados em Ex 12:32 e 2 Rs
(LXX: 4 Rs) 2:16. "Em todos estes exemplos é claro que o particípio é parte íntegra do
mandamento específico que algo seja feito."
6.
Nota-se que, para os últimos dois particípios, há mais consenso entre os intérpretes. Normalmente entende
se que descrevem o modo ou a maneira pela qual os discípulos serão feitos (cf. Robertson, A. T. A Grammar
of the Greek New Testament, pág. 1128; Kirschner, E. Mateus 28:18-20: Missão Conforme Jesus Cristo, Vox
Scripturae 6, Março 1996, pág. 44). A questão que surge é se há alguma força imperativa presente aqui
também. Segundo Carson, "embora o particípio dependente de um imperativo normalmente ganhe força
imperativa quando antecipa o imperativo, sua força principal quando segue o imperativo é normalmente
outra." Mesmo assim, afirma que batizando e ensinando, como tarefas que caracterizam o fazer discípulos,
tem que carregar pelo menos alguma força imperativa do verbo principal [Carson, D. A. Matthew em The
Expositor's Bible Commentary, vol. 8., pág. 597; cf. F. Rienecker, Das Evangelium des Matthaus (Wuppertal,
1966), pág. 378 citado em Rogers, C. The Great Commission, Bibliotheca Sacra 130, July 1973, pág. 262.].
7.
Rogers, C. Op. cit. pág. 260.
Conclusão
1) A validade da categoria "circunstância atendente" para o particípio deve ser evidente.
Nos casos examinados fica óbvio que o antecedente do particípio é muito ligado ao verbo
finito, ao ponto, inclusive, de eliminar tais categorias como "nominativo absoluto" ou
outros comparáveis. Ainda, mesmo sendo particípios circunstanciais, estas construções não
encaixam nas categorias subordinadas normais de tempo, causa, meio, propósito, condição
etc.8 A evidência indica uma força verbal mais ou menos igual e concomitante à ação do
verbo finito.
8.
LaSor, W. S. Op. cit. págs. 75-77.
9.
Observe também que 4 dos 11 imperativos restantes no tempo presente frequentemente são traduzidos
idiomaticamente como verbos no passado, ex. ; cf. Fanning, B. M. Advanced Greek Grammar sua
secção sobre "Tense in Non-indicative Forms".
particípio é formado (i.e. ). Em quase qualquer imperativo complexo a
declaração inicial "vá" poderia ser concebida como antecedente temporal daquilo que
segue, ex. "vá e busque água para a gente." Assim, o verbo inicial é quase redundante (i.e.
"Não me importa onde você for, apenas busque água para a gente."). Contudo, onde o
mandamento de Jesus é fazer discípulos "de todas as nações." Assim, o particípio "Ide"
dificilmente será considerado redundante. Talvez seja óbvio demais, mas não redundante.
É verdade que outras categorias circunstanciais (esp. o temporal) podem fazer sentido
gramatical na declaração. Porém, devido à abundância de exemplos paralelos (sem fazer
menção das exigências das passagens paralelas, ex. Mc 16:15; Lc 24:45-49; Jo 20:21; At
1:8), o imperativo "Ide!" deve ser preservado em Mt 28:19, coordenado com o verbo "fazei
discípulos."10
10.
Kirschner acresenta, "Será que Jesus deu uma ordem cujo desempenho seria apenas casual, circunstancial?
Creio que não! Nem a gramática . . . nem o bom senso teológico permitem tal conclusão. Basta ler um texto
como At 10, que relata a conversão do primeiro não-judeu, para que sejamos convencidos do contrário. O
judeu Pedro tem que ser convencido de maneira sobrenatural, a obedecer a ordem de Deus ir à casa do gentio
Cornélio a fim de evangelizá-lo [cf. At 10:9-23]. Dificilmente poderíamos imaginar israelitas,
tremendamente exclusivistas em seu perfil teológico, saindo pelo mundo para evangelizar sem uma forte
compulsão divina." [Kirschner, E. Op. cit. pág. 42.]
Fontes Consultadas
BLASS, F. e DeBRUNNER, A. A Greek Grammar of the New Testament and Other Early
Christian Literature. Traduzido e revisado por Robert Funk. Chicago: University of
Chicago Press, 1961.
BURTON, E. D. Syntax of the Moods and Tenses in New Testament Greek. Edinburgh: T.
& T. Clark, 1898.
CULVER, R. D. What is the Church's Commission? Bibliotheca Sacra 125, July 1968, ps.
243-253.
ROGERS, C. The Great Commission. Bibliotheca Sacra 130, July 1973, ps. 258-267.
ZUCK, R. B. Greek Words for Teach. Bibliotheca Sacra 121, April 1965, págs. 158-168.