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Resenha dos textos de Walter Benjamin e David Harvey: “Paris, capital do século XIX”

e “A liberdade da cidade”

Giovana Camargo da Silva

O texto de Walter Benjamin, em um balanço geral, me atrevo a chamar de uma espécie


de “denúncia poética”. Paris: cidade dos amores. Paris: luz de uma torre. Paris: modernidade.
Mas Paris, que passa do século XIX ao XX e elucida, através de um golpe, um novo gramado.
Novos ares, grandes estruturas, a capitalização que toma a arte, a propaganda que motiva... De
outro nome e parecida história temos a cidade do Rio de Janeiro. Ou Camboriú, SC, Brasil, que
segue em afastar o natural do real sendo que o real deveria, antes, estar posto ao natural.
Todavia, as praias geram capital. A imagem do que reforma traz valor. A mercadoria está dada:
procuram quem prestigiem. Quem pague. Outros tantos espaços onde a reforma do capital
domina a liberdade do espaço como expressão do humano que o habita. Walter Benjamin parece
trazer um esboço que mistura arte, poesia, história e uma geografia crítica.
Tratando do artista, do desapego a época, do novo e da reformulação do espaço urbano,
o autor tece na leitura os contrapontos do que parecia ser algo inovador: na Paris da paixão e
nas suas transformações; um golpe. Na Paris da paixão, também, os carentes de capital foram
jogados às mazelas do social – não havia espaço no grande centro do amor para quem só tivesse,
mesmo, o amor. Eis o capital e suas contradições. Nessa Paris do século XIX, as mudanças
começam a acontecer. Eis que chegam os trilhos, eis que se chegam os vidros, eis que chegam,
juntos, a arquitetura, a pintura no panorama, as galerias, a fotografia, o cinema, a nova literatura.
Parafraseando uma clássica canção de Elis Regina, o novo, de fato, parece sempre vir. Mas o
novo, sendo novo, contempla a quem? A isso o autor responde: um estilo burguês e uma
burguesia que vai ruir ao seu próprio porvir. Mas Paris segue sendo moderna. O luxo se faz, a
moda se molda. O capitalismo traz o caráter fetichista da mercadoria. Na multidão um estalo:
Napoleão Bonaparte ressurge, mas não como presidente. Imperador, diria o tal, como sempre
quis ser chamado. O desejo de mudar a infraestrutura de Paris manda com que o orçamento seja
dado (ou emprestado?!) diante de uma crise do capital excedente, como bem aponta David
Harvey, criando o ideal de uma transformação que curaria o buraco aberto. A mudança se faz
acompanhada de Haussmann.
Mudando completamente os espaços, prioridades surgiam em nome da arquitetura
estrutural da cidade de Paris. Os empregos ressurgem, o social parece se adequar ao estético.
Construções se fazem e a manipulação daqueles que pareciam ser passíveis de manipulação,
assim são manipulados – eis que Karl Marx os chama de uma classe proletária diferente: o
lumpemproletariado. Casebres se desfazem, pessoas também. Se mudam? Não! Se vão. Quase
que no mesmo cenário, um pouco mais tarde, Nova Iorque se modela no mesmo estilo
parisiense, como bem apontado por Harvey. Paulatinamente ao belo da mudança; uma revolta.
Tomando as ruas, as barricadas passam a ressignificar o espaço perdido para os bulevares.
Organizadas, chamavam por uma democracias direta e a população proletária parecia escutar o
chamado. Na denominada Comuna de Paris, agora, essas mesmas pessoas se voltam aos centros
mostrando o que a raiva pelo desprezo e a falta de justiça social pode causar a cidadania.
“A urbanização, concluo, é um veículo primordial para absorção do excedente em
escalas geográficas sempre crescentes. Mas que tipo de organização é essa e quais suas
consequências para o caráter humano?” (Harvey, p.12). Pergunta Harvey, onde ficam as
consequências? Onde fica o humano? Onde se realoca as necessidades de vida que implicam
estar em um espaço? Onde está, enfim, esse espaço? Para quem está? O resultado, diz o autor,
é uma economia que consegue se alinhar, mas um espaço que cada vez mais se desalinha. Se
desafina, desregula. Um amontoado de trabalhadores mal pagos, dados às condições de
precariedade do trabalho. A contemporaneidade que o diga! O moderno, quando não enxerga o
outro que é pobre, que é racializado, que é proletário, não moderna afinal. Cidades-espaços
modernos, globais, que criam a estranheza no coletivo, que acentuam o individual, que pregam
o ar sereno da luxuosidade e do turístico mas que, em contrapartida, trazem o conflito do que é
a pobreza nas periferias da geografia – nesses espaços da cidade que, sabendo assim ser, o
destino é uma brincadeira de esconde-esconde, mas que deixa evidente os escondidos em sua
miséria. Em uma aparente melancolia retratada em uma das canções virais do rapper brasileiro,
Criolo, o artista canta e denuncia que, no fim, “não existe amor em SP”. O grupo de rap também
brasileiro, Racionais, diz que “o mundo é diferente da ponte pra cá”. Se não há amor em SP, se
o lado de lá não espelha o lado de cá, será mesmo que existe amor em Paris quando as realidades
do capital parecem estar dadas tanto lá como cá? O texto de Walter Benjamin, “Paris, capital
do século XIX”, e o texto do teórico da geografia, David Harvey, conseguem nos fazer refletir
uma resposta para tal pergunta pois, talvez, a capital da grandiosidade só se faz grandiosa pelo
esmagamento do cidadão e que faz da sua expressão no espaço um afogado de contradições.
REFERÊNCIAS:

BENJAMIN, W. Paris, capital do século XIX. In: Passagens. Belo Horizonte, São Paulo:
Editora UFMG: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006 ou In: KOTHE, F. Et al. Walter
Benjamin. São Paulo: Editora Ática, 1985, pp. 30-43.
HARVEY, D. A liberdade da cidade. GEOUSP – Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 26, pp. 09 –
17, 2009.

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