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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LITERÁRIOS-PROGEL

LORENA BRITO DE OLIVEIRA

AS TRILHAS DO MODERNO:
Avida urbana e o cotidiano das cidades

Feira de Santana
2020
LORENA BRITO DE OLIVEIRA

AS TRILHAS DO MODERNO:
Avida urbana e o cotidiano das cidades

Paper apresentado ao Programa de Pós-Graduação


em Estudos Literários da Universidade Estadual de
Feira de Santana – UEFS, como requisito para
aprovação na disciplina: Líricas modernas e
contemporâneas.

Prof. Dr. Aleilton Fonseca

Feira de Santana
2020
AS TRILHAS DO MODERNO:
Avida urbana e o cotidiano das cidades

Um sonhador de casas vê casa em toda parte.


(Gaston Bachelard)

RESUMO: O presente trabalho propõe um estudo sobre a temática da cidade e a


maneira como o poeta expõe o homem da civilização atual, a ruptura e renovação de
momentos na sociedade, analisando as imagens e os costumes urbanos retratados na
modernidade. Para isso, serão considerados os estudos dos textos: A tradição da
ruptura (1984) de Octávio Paz, Poesia e realidade contemporânea (1989) de Ferreira
Gullar e Poesia da cidade (1989) de G.M Hyde.

INTRODUÇÃO

Pensar o termo Modernidade nos remete a um ciclo de rompimento com o que é


difundido nas gerações anteriores, trata-se da busca incessante pelo novo, considerando
este enquanto característica primordial. No entanto, Octavio Paz em seu texto, “A
Tradição da Ruptura” (1984) nos conduz a reflexão sobre o conceito de Moderno
evidenciando a inexatidão de tal conceito, o que podemos verificar na citação seguinte:
“Disse que o novo não é exatamente o moderno, salvo se é portador da dupla carga
explosiva: ser negação do passado e ser afirmação de algo diferente” (PAZ, 1984, p.
20).
As questões que envolvem a modernidade direcionam-se para uma antiga
dicotomia o “antigo” e o “moderno”. Essa dicotomia tornou-se mais evidente a partir do
Romantismo e trouxe ao centro das discussões outros paradoxos: tradição e ruptura,
antiguidade e modernidade, continuidade e originalidade, entre outros. A luz de Octavio
Paz em “A tradição da ruptura”, palavras pilares da discussão, termos entrelaçados em
um jogo de contrário/paradoxal, porque toda ruptura necessita do velho, do tradicional,
rupturas que se estabelece para quebrar o moderno. A tradição da ruptura, segundo Paz
(1984) é a aceleração do tempo histórico e a continuidade da ruptura [quando o
modernismo vira tradição] e pensar o termo modernidade nos remete a um ciclo de
rompimentos, com que é difundido nas gerações anteriores trata-se incessantemente
pelo novo, considerando este enquanto característica primordial. No entanto, Octavio
Paz nos conduz a reflexão sobre o conceito de moderno, evidenciando a inexatidão de
tal conceito, o que se verifica em “disse que o novo não é exatamente o moderno, salvo
se é portador da dupla carga explosiva: ser negação de algo diferente” (PAZ, 1984, p.
20).
A tradição da ruptura tem um eixo de movimento, um dinamismo (a dinâmica da
criação), um movimento humano necessário para a transformação social. O tema de Paz
é de um jogo ambíguo, pois, romper faz-se necessário para acolher o “novo”. A ruptura
só existe a partir do que o indivíduo tem, ou ao estabelecer uma relação com o passado,
o autor nos apresenta o tempo kaíros, tempo em que movimento, ruptura que se
estabelece através da dinâmica da temporalidade, em Paz a “modernidade” é usada no
plural, intencionalmente em um movimento histórico, uma sucessão de fatos para
chegar ao futuro.
A modernidade se constrói com a relação dialética entre o antigo e o moderno, a
ideia de que o moderno rompe radicalmente com o passado camufla e ilude,
contribuindo para pensarmos a relação entre passado e presente de maneira linear. Paz
adverte que o moderno não se caracteriza unicamente por sua novidade, mas também
por ser heterogênea, uma tradição desigual que está condenada a pluralidade. A relação
da ruptura aponta para um estranhamento entre passado e presente, que se faz necessário
para que o moderno se constitua enquanto descontinuidade.
O movimento de tradição que se repete, é o desejo de romper/ ruptura, e não de
exaltação do antigo como modelo, mas de consagração do novo, do diferente. Uma
releitura sobre o conceito de tradição torna-se bastante evidente a ambiguidade que
marca a relação entre o antigo e o moderno, romper com os padrões, os clássicos, criar
abertura para o novo, daí o moderno vai se tornar clássico, um modelo de imitação
devido à industrialização da cultura.
A literatura moderna na concepção de Octavio Paz, ao reformular o conceito de
tradição a partir da perspectiva do “novo” de uma maneira crítica e revolucionaria, já
que a reverência à tradição foi imposta como maneira de perpetuar o passado sem sofrer
críticas obtém êxito, visto que escritores modernos através da via da negação realizam
uma apreciação capaz de manter vivo o passado fazendo com que o mesmo dialogue de
forma polêmica, sendo usado de maneira criativa e inovadora.
Diante da discussão em torno da dicotomia moderna e tradicional, percebe-se
que o autor nos leva a refletir a tudo que norteia esse processo da tradição moderna.
Essa é a questão que leva a reflexão em torno da discussão da escrita de Paz. Em que o
tempo (passado, presente e futuro) acelerou-se, tonando imperceptível tal divisão
cronológica. Por isso, pode se falar em tradição moderna, em que a concepção de antigo
e novo modificou-se.

OS POETAS IMERSOS NOS CENÁRIOS CITADINOS

O poeta tomado pela ausência e imerso em constante estado de angústia,


sente-se invisível em meio à multidão. A poesia de Charles Baudelaire, antes de tudo,
uma literatura modernista, subjetiva, nasceu na cidade e como tal está envolvida com os
acontecimentos do seu tempo e com o espírito de inquietude vivido durante o início do
século XX. Dessa maneira, envolvido na engrenagem do mundo moderno e no caos da
urbe, o poeta torna-se um analista integrante da vida contemporânea. Foi com o poeta
Charles Baudelaire que o panorama da cidade ganhou destaque e “principalmente com
sua descoberta de que as multidões significam solidão e que os termos multitude e
solitude são intercambiáveis para um poeta de imaginação fértil e ativa” (HYDE, 1989,
p. 275). As massas são abstrações, e consideravelmente os termos: multidão e solidão
representam a dinâmica da cidade.
O ritmo agitado da cidade e o progresso acelerado tornam o poeta em meio
à multidão solitário e apático. Por outro lado, a cidade que se situa como elemento
integrante ao mundo moderno, por meio do discurso de incorporação da técnica, da
velocidade e ao progresso exacerbado, é perceptível que poeta respectivamente vive em
um estado de pertença e não pertença, invisível diante todo o caos, já que este, o poeta,
mesmo pertencente a seu contexto cultural tem que reinventá-lo constantemente.
Baudelaire, antenado com os movimentos de um novo modo de vida, novo mundo nova
cidade, faz desse movimento, sua temática literária e põem em suas obras, a exemplo,
têm-se em Flores do mal (1857) de Baudelaire, livro fundador modernista na França,
que expressa poesias na busca obsessiva do mundo, que exprime a cidade moderna e
transitória, que alude um sentimentalismo do qual o poeta estando na rua busca nesse
meio, pesquisar, transitar e fotografar flashes, momentos e sentimentos para sua
produção lírica, Flores do mal é a obra conhecida como a poesia do afronte. Vejamos a
seguir o trecho da poesia “O cisne”
A velha Paris não é mais! (uma cidade
Muda mais rápido, ai, que um coração mortal);
[…]
Paris muda! porém minha melancolia
Não!, andaimes, palácios novos, avenidas,
Blocos, para mim tudo vira alegoria,
E mais que as pedras, pesam lembranças queridas.

(BAUDELAIRE, 2012, p.)

É por meio do espaço presentes no poemas que o eu lírico conduz o leitor a


uma imersão para dentro de sua mente. No que diz respeito ao espaço urbano, o eu lírico
traça uma trajetória que vai desde a euforia com o mundo moderno ao progresso e
desenvolvimento da cidade francesa, chegando, por fim, à fase do desencanto com a
própria modernidade. É nesse espaço e tempo que o escritor toma decisões de mergulhar
em seu mundo particular, isolando-se do exterior ao buscar abrigo em sua casa, quarto,
vivendo um constante estado melancólico. Pode-se inferir que imerso no caos urbano, o
eu lírico vive um vácuo em si incapaz de ser preenchido, produzindo em sua mente
graves especulações que o faz habitar na solidão. O poeta, emaranhado a tudo que
envolve a cidade, dessa maneira, não avalia com exatidão o que é, mas sim o que todos
são (somos).
O começo do século XX foi de fato o período em que o mundo testemunhou
o impacto da tecnológica e a entrada do movimento capitalista que norteou o
desenvolvimento econômico, proporcionando intensas transformações urbano-sociais. O
mundo civilizado nasce mediante as fábricas e com a exacerbada velocidade das
máquinas.
É sabido que o desordenamento que toma conta da civilização moderna e
invade a cidade, afasta o homem de seu ambiente natural, o condicionando à
dessacralização/profanação da vida. A relação dos cenários urbanos leva o homem a
viver a dinâmica frenética das metrópoles, o condicionando a permanecer e habituar-se
numa relação superficial e temporal entre os indivíduos, que ao externalizar esses
sentimentos de frustações e limitações, revelam-se tomados por um comportamento
estranho.
Com efeito, Adriano Eysen (2014, p. 66) pontua que “a ambiência citadina
eleva as tensões do homem moderno fadado a um permanente desiquilíbrio do corpo e
da alma”. É perceptível, diante disso, que o homem se sente em meio à cidade, as
correrias diárias e rotinas exaustivas, solitário e angustiado, pois transita despercebido
(invisível) entre as multidões.
O poeta envolvido nesse cenário caótico tenta fugir dos tentáculos da
cidade, já que se encontra fragmentado, num estado de aflição que o põe em permanente
instabilidade. Nesse ambiente em que se depara, com seu olhar crítico e sensível às
condições da existência humana, o escritor observa os fenômenos urbanos flanando por
entre prédios, fábricas, praças e ruas, na busca de juntar os fragmentos de si mesmo.
Em a Poesia e realidade contemporânea (1989), Gullar traz que não só o poeta
moderno trabalha mais próximo à realidade, mas como também a tônica da poesia
contemporânea, o qual cada poeta apreende o mundo de acordo com o sistema de
conhecimento da época em que vive.
O sujeito poético desmascara-se pela falta e ausência, e em meio ao mundo
moderno revela-se. Assim, as subseções que seguem relatam não só o transbordamento
do poeta em múltiplas facetas, mais também o seu caráter sensacionista mediante ao
mundo desordenado que o cerca, ocorrendo, pois, os seus devaneios, expondo dessa
forma as angústias citadinas. A poética Gullareana apresenta a rua e o ordinário do dia-
a-dia. Ferreira Gullar faz proveito lírico do espaço urbano e dos elementos que nele se
encontram para construir uma obra que sobressaia para além de atos mecânicos e
ordinários do cotidiano. No texto de Ferreira Gullar, a realidade pode ser explicada de
diversas maneiras: Homero através da mitologia grega; para Dante, através da religião,
do catolicismo e atualmente, os poetas modernos utilizam o cenário urbano e o
cotidiano como matéria para a arte poética, é sobre isso que trata Gullar 1989, ao aludir
que:

Num mundo sem deuses, o homem é responsável por seu próprio destino e
por cada um dos seus atos. A solução dos problemas agora depende
exclusivamente de sua capacidade de compreender a realidade e de atuar
sobre ela. Não há milagres: o homem cria a sua própria vida, reproduzindo os
meus de manter-se vivo como indivíduo e como espécie. Dividido em classe
e nações presas a interesses contraditórios, ele atenta contra si mesmo e
contra a natureza, mistifica-se e aliena-se em conceitos e preconceitos que o
levam à produção de armas mortíferas capazes hoje de destruir a própria
humanidade. Mas nenhum deus o salvará: só ele mesmo, na medida que tome
consciência do que deve ser feito e se uma para fazê-lo, poderá impedir a
eclosão do apocalipse. Este é o mundo em que vivemos, banal e delirante,
mas onde se torna cada dia mais clara a necessidade de despertar e cultivar o
que há de humano no homem. Os poetas podem ajudar nisso. E não por
mistificar a realidade, mas, pelo contrário, por revelá-la na sua verdade, que é
prosaica e, ao mesmo tempo, fascinante. O poeta sonha no concreto o sonho
de todos. (GULLAR, 1989, p.14-15)

É sabido que com as mudanças características da sociedade ocidental a


partir do séc. XVIII, principalmente, altera a vida das pessoas, a pesquisa e a analise
passam a ocupar o lugar dos dogmas religiosos, das teorias fantasiosas e da superstição.
Com o avanço tecnológico e crescimento acelerado das cidades, os poetas buscam
refletir sobre esse novo fenômeno assustador e autônomo, ou mesmo como ser sensível
e cioso de sua individualidade em um mundo tão caótico.
Para Gullar (1989), ocorre uma diferença significativa na natureza do
mundo percebido, que determina um novo relacionamento do artista com a vida e com a
poesia. Há tempos, o poeta pondera sua posição de eleito dos deuses, mas ainda se
conserva parte de alguns fundamentos, como a visão mística e religiosa da vida. Gullar
traz que Baudelaire, Malharmé e Poe, cada um à sua maneira, polariza o velho e o novo,
a visão romântica e a necessidade de racionalizar a experiência, estimulando o
individualismo e mostrando o mundo complexo da subjetividade.
As respostas as novas condições de vida gerada pela sociedade moderna que
se caracteriza, de um lado, pela racionalização do processo produtivo e, por outro, pela
alienação do indivíduo num mundo massificado, são posições extremas para fazer do
poema um produto consciente.

CONSIDERÇÕES FINAIS

É na incessante busca da plena integração com o universo e com o que o


cerca, que os poetas modernistas, no abrir das portas deseja viver a abertura presente, ou
seja, não quer trancas ou fechaduras nas portas das sensações e nem tampouco fechar-se
às descobertas cotidianas. São justamente as percepções em volta do próprio homem
que os interessa, já que os espaços limitados se tornam inviáveis para esse sujeito do
século XX.
As imagens do homem moderno estão visceralmente inseridas no contexto
das grandes metrópoles com seus mais diversos acontecimentos. Assim, o poeta anuncia
com celebração a chegada da modernidade por meio de sua vida frenética, das máquinas
e das multidões, o que acaba por frustrar o eu lírico fazendo-o mergulhar numa fase
melancólica.
O poeta modernista apresenta uma poesia autêntica, suas ideias traduzem-se
em diversos questionamentos sobre a condição humana. Na busca intrigante e profunda
de mergulhar, viver e sentir as coisas, o mundo e as percepções levam-no a prender-se a
atitudes enérgicas, vibrantes e cheia de admiração pela vida, pela própria matéria e pela
força, mas também a profundas decepções consigo mesmo e com o mundo. Na busca de
preencher os vazios e ausências o eu lírico insere-se inquieto em diferentes espaços,
uma busca interminável pelo seu próprio eu confuso e perdido, uma tentativa de
reconciliação consigo mesmo e com o outro, buscando alcançar êxito na procura de sua
própria identidade e de sentido para seu existir.
A relação da cidade com o poeta, onde o cenário e progresso da lírica do
homem moderno, fragmentado e em crise, revelam os espaços urbanos no rastro e veloz
comboio da modernidade. O autor é o poeta da cidade, habitando num profundo vácuo,
um vazio subjetivo e racional atrelado à condição humana e não a um individualismo, o
que o faz mergulhar em si próprio resultando um amplo sofrimento, ou seja, um estremo
estado depressivo e infeliz. Assim, a solidão, a frustação, a tristeza e a nostalgia pulsam
em sua poesia, tornando-se temas recorrentes na lírica moderna.
Destarte, sublinhamos nesta pesquisa uma vertente poética do poeta
citadino, cujo espírito encontra-se advertido diante do ritmo frenético da grande
civilização atual, sagrando a procura insistente por um eu confuso e fragilizado, incapaz
de repousar sua mente e alma, tudo isso ocasionado por uma tentativa frustrada de
reconciliação interna e externa. Desse modo, o poeta da cidade e das relações urbanas
consequentemente transita sobre os escombros da modernidade instigado e inquieto por
uma ausência incapaz de ser preenchida em meio aos descompassos do mundo
moderno.
REFERÊNCIAS

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Tradução de. Antônio da Costa Leal e


Lídia do Valle Santos Leal. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
GULLAR, Ferreira. Poesia e realidade contemporânea. Rio de Janeiro: José Olympio,
1989, p. 08 - 15.
HYDE, G. M. A poesia da cidade. In: BRADBURY Malcolm; McFARLANE, James.
Modernismo: guia geral, 1890-1930. São Paulo: Cia. das Letras, 1989.
PAZ, Octávio. A tradição da ruptura. In: Os filhos do barro. Tradução Olga Savary.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 17 - 34.
REGO, Adriano Eysen. A lírica da ausência na poética de Álvaro de Campos e
Mário de Sá- Carneiro. Belo Horizonte: PUCMG, 2014.

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