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IMPEACHMENT
Presidente da Câmara pensa que pode, mas não tem
poder de ignorar acusações contra o presidente da
República por prazo a perder de vista
N
Rafael Mafei e Virgílio Afonso da Silva|20 jul 2021_16h38
Esse poder que Lira julga ter não está nem na Constituição nem na Lei do
Impeachment (lei 1.079/1950). O art. 19 da lei, que sequer menciona a figura
do presidente da Câmara dos Deputados, é claro ao dizer que a denúncia
recebida será lida e despachada à comissão especial de impeachment. A
Constituição atribui o controle político sobre os processos contra o presidente
da República, tanto por crimes comuns quanto por crimes de
responsabilidade, ao plenário da Câmara dos Deputados – e não à pessoa
que ocupa a Presidência da Casa.
Mas isso quer dizer que o presidente da Câmara deve ser um mero
despachante de papéis, que se limita a juntar denúncias recebidas na seção
de protocolo e encaminhá-las à comissão especial de impeachment?
Certamente que não. Não faz sentido supor que essa comissão tenha que ser
constituída sempre que um pedido, por mais estapafúrdio que seja, for
protocolado na Câmara dos Deputados.
E
duardo Cunha foi o personagem que nos fez acreditar que o presidente da
Câmara é um senhor absoluto do impeachment, um oráculo inquestionável
que decide os destinos desse importante mecanismo constitucional segundo
seus caprichos e sua conveniência – uma crença evidentemente
desconectada do espírito republicano que fundamenta o impeachment.
Com o estoque que deixou em sua gaveta para Arthur Lira, Maia é tão
recordista do impeachment quanto o atual presidente da República: se
Bolsonaro é o presidente que mais acusações sofreu na história, Rodrigo
Maia é o presidente da Câmara que mais ignorou denúncias de crimes
cometidos por presidentes da República. Além das 31 contra Michel Temer,
fez vista grossa a 66 acusações apresentadas à Câmara contra Jair
Bolsonaro.
C
omo escapar da arquitetura de abuso de poder engendrada por Cunha, Maia
e Lira sem cair no extremo oposto, no qual o presidente da Câmara se torna
um simples carimbador de papel?
Nem sempre há regras assim tão claras para resolver problemas jurídicos e
políticos. E as regras do regimento interno da Câmara, já analisadas e
esmiuçadas pelo STF em 2015, por ocasião do processo contra Dilma
Rousseff, têm a virtude de estabelecer clareza nos procedimentos e, ao
mesmo tempo, manter o caráter político das deliberações. E não toleram
qualquer poder individual absoluto.
É
claro que algumas perguntas podem ficar no ar. Um primeiro grupo de
questões diz respeito aos prazos. Quanto tempo tem o presidente da Câmara
para decidir por um dos dois caminhos mencionados acima? Se estiverem
presentes os requisitos constitucionais, legais e regimentais para a denúncia,
o presidente da Câmara deverá colocá-la na pauta da sessão seguinte. É o
que diz o regimento da Câmara (art. 218, § 2º). “Sessão seguinte” pode
significar ao menos duas coisas. A primeira, mais fácil de definir, é: sessão
seguinte à data do protocolo da denúncia.
Essa seria a única solução para quem entende que apenas a Lei de
Impeachment deve ser levada em consideração. Mas para quem entende,
como nós, que o regimento da Câmara também conta, é possível supor que a
análise preliminar do preenchimento dos requisitos constitucionais, legais e
regimentais da denúncia poderá levar algum tempo, e a inserção na pauta só
ocorreria na sessão seguinte ao término dessa análise preliminar, feita
individualmente pelo presidente da Câmara. Nesse caso, quanto tempo teria
o presidente para essa avaliação?
Uma resposta pode vir das instâncias disciplinares da própria Câmara dos
Deputados. Descumprir intencionalmente o regimento é quebra de decoro
(Código de Ética da Câmara, art. 3º, II, e 5º, X) e qualquer cidadão pode
então apresentar representação contra o presidente da Câmara no Conselho
de Ética e Decoro Parlamentar.