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BARROS, Sérgio Resende de. Impeachment: peça de museu?

In: Revista
Brasileira de Direito, v. 7, n. 1, p. 112-132, 2011.

No livro Manoel Gonçalves Ferreira Filho – Curso de Direito Constitucional . 32 ed., São Paulo:
Saraiva, 2006. p. 145 fala sobre o impeachment como alavanca para o parlamentarismo.

O impeachment é instituto que teve origem na Inglaterra, nos séculos


XIII e XIV, e foi implementado com o objetivo de equilibrar a recém criada
relação entre o Rei e o parlamento britânico composto pela Casa dos Lordes e
Casa dos Comuns1.
Segundo Sérgio Resende de Barros, o impeachment criado neste
período tinha a natureza criminal e era usado para que se punissem quaisquer
pessoas que fossem acusadas pelo clamor popular 2. As penas decorrentes
deste processo poderiam variar entre os mais diversos graus de cerceamento
de liberdade e da propriedade, chegando até mesmo a condenação por morte.
Neste primeiro momento histórico do impeachment, portanto, apesar de
o julgamento ser realizado por uma instituição política: o parlamento britânico, o
agente político não era a única pessoa passível de sofrer este tipo de
acusação, qualquer cidadão comum estava sujeito a figurar como acusado
nestes processos.
Foi somente no ano de 1376, com um julgamento que envolveu um
político da época, Lorde Latimer, é que se caracterizou o impeachment como
um processo destinado exclusivamente ao processamento de agentes
políticos3.
Foi com este caso, também, que se inaugurou a estruturação do instituto
do impeachment no parlamento britânico de forma que a Casa dos Comuns 4
fossem os acusadores e a Casa dos Lordes fossem os julgadores 5, o que

1
BARROS, Sérgio Resende de. Impeachment: peça de museu? In: Revista Brasileira de
Direito, v. 7, n. 1, 2011, p. 118-119.
2
BARROS, Sérgio Resende de. op. cit., p. 119.
3
BARROS, Sérgio Resende de. op. cit., p. 120.
4
A Casa dos Comuns era composta exclusivamente pela burguesia ascendente da época, e a
Casa dos Lordes composta pela nobreza e clérigos. BARROS, Sérgio Resende de.
Impeachment: peça de museu? In: Revista Brasileira de Direito, v. 7, n. 1, 2011, p. 119.
5
BARROS, Sérgio Resende de. op. cit., p. 120.
demonstra que à época a decisão final sobre o processo era realizada
exclusivamente pelo parlamento e não pelo Poder Judiciário.
Diante desta forma de organização, e constatando o poder trazido pelas
acusações, principalmente sobre personalidades importantes da época, como
Francis Bacon e ministros do rei, segundo o autor Sérgio Resende de Barrros,
deram ao parlamento britânico a consciência de que seu instrumento era
valioso para influenciar em toda a organização política da monarquia, de modo
que durante o julgamento de um dos casos, o parlamento decidiu que no
impeachemnt não poderia haver a interferência do Rei com o seu poder de
perdão sob os crimes6, o que conferiu ainda mais segurança e autonomia ao
parlamento para usar o impeachment como forma de externalizar seus próprios
interesses dentro do governo.
Foi essa autonomia do parlamento, inclusive, que criou o costume de
que os ministros do rei atendessem inúmeras vezes às exigências e interesses
políticos do parlamento7, pois caso assim não fosse, estariam ameaçados pelo
processo de impeachment.
É relevante que se lembre de que este sistema de impeachment, ainda
rudimentar e destoante do modelo brasileiro contemporâneo, foi constituído
dentro e para um sistema de Estado Monárquico onde as leis não estavam
prontas e escritas para que os poderes as aplicassem e a comunidade as
respeitassem, o que dificultava o controle sobre os possíveis abusos de poder
cometido pelos parlamentares durante os julgamentos de impeachment.
Com o passar dos anos o impeachment britânico foi sendo substituído
pelo bill of attainder, que era espécie de lei que garantia a perda dos direitos
civis e políticos dos acusados sem que fosse necessário esperar todo o
procedimento do devido processo legal, tal qual era necessário durante o
processo de impeachment. Porém, por motivos diversos, o impeachment,
assim como o Bill of attainder em momento anterior, caiu em desuso na
Inglaterra no início do século XIX, sendo sua forma repetida e desenvolvida nos
anos posteriores pela constituição dos Estados Unidos da América 8, o que
facilitou sua exportação para os ordenamentos jurídicos de outras nações que
a tomaram como parâmetro.
6
BARROS, Sérgio Resende de. op. cit., p. 120.
7
BARROS, Sérgio Resende de. op. cit., p. 121.
8
BARROS, Sérgio Resende de. op. cit., p. 122.
O impeachment foi inserido dentro do texto constitucional
estadunidense, segundo Sérgio. R de Barros 9, com o objetivo de delimitar a
separação dos poderes que se inaugurava dentro de uma constituição escrita e
para garantir uma maior efetividade ao sistema de freios e contrapesos (checks
and balances).
É com essa nova aplicação dada pelos Estados Unidos ao instituto do
impeachment que também se descriminalizou o processo, passando a ser uma
ferramenta exclusivamente de sanção política. Neste sistema, ainda, a
denúncia nos casos de impeachment cabia à Casa dos Representantes10, o
julgamento pelo Senado, e as autoridades políticas passíveis de acusação
eram o Presidente, Vice-Presidente e os agentes públicos civis que viessem a
cometer traição, suborno e altos crimes11.
Este instrumento de responsabilização política foi utilizado na história
estadunidenses em desfavor do presidente Andrew Johnson 12 que em 1868 foi
absolvido, contra o Presidente Richard Nixon, que acabou renunciando ao
cargo em 1974, e contra Bill Clinton, que foi absolvido das acusações de
impeachment em 1999.
Já no Brasil, de acordo com Resende de Barros, foi com a Constituição
do Império de 1824 que um sistema que se assemelhava com o impeachment
foi criado pelo processo penal13.
De 1824 a 1891, assim, o que se possuía no Brasil era um processo
penal somente contra os Ministros de Estado e que se fundamentava nos arts.
133 e 134 da Constituição Imperial de 1824, o primeiro dispunha que “Os
Ministros de Estado serão responsáveis: I. Por traição. II. Por peita, suborno,
ou concussão. III. Por abuso do Poder. IV. Pela falta de observancia da Lei. V.
Pelo que obrarem contra a Liberdade, segurança,  ou propriedade dos
Cidadãos.VI. Por qualquer dissipação dos bens publicos.” e o segundo
enunciando que  “Uma Lei particular especificará a natureza destes delictos, e
a maneira de proceder contra elles.”., diante do que se pode verificar que nesta
9
BARROS, Sérgio Resende de. op. cit., p. 124.
10
Dentro da organização política estadunidense esta casa é análoga à Câmara dos Deputados
brasileira.
11
BARROS, Sérgio Resende de. op. cit., p. 124.
12
Sobre o impeachment deste presidente e demais aspectos nos Estados Unidos da América
ver BERGER, Raoul. Impeachment the constitutional problems. Cambridge: Harvard University
Press, 1974.
13
BARROS, Sérgio Resende de. op. cit., p. 125-126.
época apenas os Ministros de Estados (agentes políticos) poderiam ser
responsabilizados e que a natureza destes delitos não estava pré-definido, pois
seria de competência de Lei particular o fazer 14.
O art. 13515 desta mesma Constituição também expressava a ideia de
que o Imperador era proibido de salvar qualquer Ministro do seu governo
através de sua ordem “vocal” ou por “escripto”, o que pode indicar que desde a
primeira menção a este tipo de responsabilidade no ordenamento brasileiro a
ideia de utilizá-la como ferramenta de um sistema de freios e contrapresos para
frear as possíveis interferências do Imperador nas decisões do legislativo já
estava demonstrada.
O instituto do impeachment com as características quase idênticas as
que possuímos na Constituição Federal de 1988 e que traçou as primeiras
diretrizes em relação à aprovação da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950 (lei
dos crimes de responsabilidade) e da Constituição de 1988, só foi incluído no
sistema jurídico com a aprovação da Constituição da República de 1891 16,
quando se passou a indicar, nos seus arts. 29, 33, caput, §1º, §2º e §3º, 53,
caput e §1º e 54, basicamente que i) eram passíveis de serem processados
pelo impeachment o Presidente da República e os Ministros de Estado nos
crimes conexos com o Presidente; ii) era competência da Câmara dos
Deputados declarar a procedência ou improcedência da acusação contra o
Presidente da República1718 e ao Senado o julgamento 19; iii) os crimes de
responsabilidade eram definidos de maneira geral pelo art. 54 20; iv) o
14
VER SE ALGUM LIVRO DE COMENTÁRIOS À CONSTITUIÇÃO DE 1824 FALA SOBRE A
REGULAÇÃO DESTE ARTIGO.
15
O art. 135, da Constituição Imperial de 1824 dispunha que “Não salva aos Ministros da
responsabilidade a ordem do Imperador vocal, ou por escripto.”
16
BARROS, Sérgio Resende de. op. cit., p. 126-127.
17
Art. 29 - Compete à Câmara (...) a declaração da procedência, ou improcedência da
acusação contra o Presidente da República, nos termos do art. 53, e contra os Ministros de
Estado nos crimes conexos com os do Presidente da República
18
Art 53 - O Presidente dos Estados Unidos do Brasil será submetido a processo e a
julgamento, depois que a Câmara declarar procedente a acusação, perante o Supremo
Tribunal Federal, nos crimes comuns, e nos de responsabilidade perante o Senado.
19
Vide art. 53 supra mencionado e art 33 - Compete, privativamente ao Senado julgar o
Presidente da República e os demais funcionários federais designados pela Constituição, nos
termos e pela forma que ela prescreve.
20
Art 54 - São crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentarem contra: 1º) a
existência política da União; 2º) a Constituição e a forma do Governo federal; 3º) o livre
exercício dos Poderes políticos; 4º) o gozo, e exercício legal dos direitos políticos ou
individuais; 5º) a segurança interna do Pais; 6º) a probidade da administração; 7º) a guarda e
emprego constitucional dos dinheiros públicos; 8º) as leis orçamentárias votadas pelo
Congresso.
Presidente deveria ser afastado do seu cargo depois de a Câmara dos
Deputados declarar a procedência da acusação 21; v) quando a deliberação do
Senado fosse tomada como uma deliberação por Tribunal de Justiça, seria
presidida pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal 22; vi) o quórum de
deliberação seria de dois terços 23; vii) a pena era exclusivamente de perda do
cargo e proibição de exercer outro, sem prejuízo de ação na Justiça ordinária
contra o condenado24; viii) os delitos previstos pelo art. 54 seriam definidos em
leis especial, e a acusação, processamento e julgamento por outra 25.
Como se percebe, a Constituição da República de 1891 manteve
algumas características originais do impeachment britânico, tais como i) a
capacidade de apenas políticos serem acusados e ii) julgamento pelo
parlamento (Poder Legislativo).
Com a Constituição de 1934, os contornos do impeachment do
Presidente da República foram parcialmente mantidos no que diz respeito a
definição geral sobre os crimes de responsabilidade. Apenas foi acrescentada
uma alínea que trata como crime de responsabilidade o descumprimento de
decisões judiciais (art. 57, alínea “i”).
Em relação ao processo, o impeachment foi alterado significativamente,
pois a nova Constituição, em seu art. 58, caput e parágrafos, determinava a
criação de um Tribunal Especial para o julgamento, o qual seria composto por
nove juízes, sendo três Ministros da Corte Suprema, três membros do Senado
Federal e três membros da Câmara dos Deputados, sendo presidente deste
tribunal o mesmo presidente da Corte Suprema (art. 58, caput26).

21
Art. 53, parágrafo único - Decretada a procedência da acusação, ficará o Presidente
suspenso de suas funções.
22
Art. 33, §1º - O Senado, quando deliberar como Tribunal de Justiça, será presidido pelo
Presidente do Supremo Tribunal Federal.
23
Art. 33, § 2º - Não proferirá sentença condenatória senão por dois terços dos membros
presentes.
24
Art. 33, § 3º - Não poderá impor outras penas mais que a perda do cargo e a incapacidade de
exercer qualquer outro sem prejuízo da ação da Justiça ordinária contra o condenado.
25
Art. 54, § 1º - Esses delitos serão definidos em lei especial. § 2º - Outra lei regulará a
acusação, o processo e o julgamento. § 3º - Ambas essas leis serão feitas na primeira sessão
do Primeiro Congresso.

26
Art 58 - O Presidente da República será processado e julgado nos crimes comuns, pela Corte
Suprema, e nos de responsabilidade, por um Tribunal Especial, que terá como presidente o da
referida Corte e se comporá de nove Juízes, sendo três Ministros da Corte Suprema, três
membros do Senado Federal e três membros da Câmara dos Deputados. O Presidente terá
apenas voto de qualidade. 
Esta previsão de um Tribunal Especial misto, que possui membros tanto
do Poder Judiciário quanto do Poder Legislativo, ao que parece, indica a ideia
de que o impeachment não deveria possuir natureza exclusivamente política ou
predominantemente política como na Constituição de 1891, que apenas previa
ao Presidente da Suprema Corte (Poder Judiciário) a função de presidir o
Senado durante os trabalhos de acusação, mas sim uma natureza jurídica
política dos crimes de responsabilidade do Presidente da República, não
deixando, portanto, as decisões restritas aos aspectos de conveniência e
oportunidade que são características essenciais das decisões políticas.
Definido o órgão julgador pelo art. 58, os parágrafos seguintes expõem o
procedimento a ser seguido por este novo Tribunal Especial, os quais dispõem
que a denúncia seria oferecida ao Presidente da Corte Suprema (e não mais à
Câmara dos Deputados), o qual convocaria uma Junta Especial de
Investigação, que seria composta por um membro do Senado Federal, um
Ministro da Corte Suprema e um representante da Câmara dos Deputados.
Esta junta procederia com a investigação sobre os crimes de responsabilidade
denunciados, e posteriormente enviaria um relatório pronto à Câmara dos
Deputados para a votação que deveria decretar, ou não, a acusação.
Caso fosse votado pela decretação, o processo com todos seus
documentos seriam enviados para o Tribunal Especial composto pelos
membros especificados acima, que processaria e julgaria o acusado 27.
Neste art. 58, ainda havia a mesma disposição constitucional inserida na
Constituição de 1988 que definia o afastamento do Presidente da República do
exercício do cargo depois de decretada a acusação 28.
27
§ 1º - Far-se-á a escolha dos Juízes do Tribunal Especial por sorteio, dentro de cinco dias
úteis, depois de decretada a acusação, nos termos do § 4º, ou no caso do § 5º deste artigo. §
2º - A denúncia será oferecida ao Presidente da Corte Suprema, que convocará logo a Junta
Especial de Investigação, composta de um Ministro da referida Corte, de um membro do
Senado Federal e de um representante da Câmara dos Deputados, eleitos anualmente pelas
respectivas corporações. § 3º - A Junta procederá, a seu critério, à investigação dos fatos
argüidos, e, ouvido o Presidente, enviara à Câmara dos Deputados um relatório com os
documentos respectivos. § 4º - Submetido o relatório da Junta Especial, com os documentos, à
Câmara dos Deputados, esta, dentro de 30 dias, depois de emitido parecer pela Comissão
competente, decretará, ou não, a acusação e, no caso afirmativo, ordenará a remessa de todas
as peças ao Presidente do Tribunal Especial, para o devido processo e julgamento. § 5º - Não
se pronunciando a Câmara dos Deputados sobre a acusação no prazo fixado no § 4º, o
Presidente da Junta de Investigação remeterá cópia do relatório e documentos ao Presidente
da Corte Suprema, para que promova a formação do Tribunal Especial, e este decrete, ou não,
a acusação, e, no caso afirmativo, processe e julgue a denúncia.
28
§ 6º - Decretada a acusação, o Presidente da República ficará, desde logo, afastado do
exercício do cargo. 
Por fim, a Constituição também previu que o impeachment não possuía
natureza criminal, pois o condenado por crime de responsabilidade somente
perderia o seu cargo e ficaria inabilitado para o exercício de qualquer função
pública pelo período máximo de cinco anos, sem prejuízo das ações cíveis e
criminais cabíveis na espécie29. O fato de o texto utilizar o termo “somente” não
deixa dúvidas que a pena tinha natureza apenas política.
Os Ministros de Estado só seriam passíveis de crime de
responsabilidade naqueles crimes conexos com o Presidente da República,
como também já enunciava a Constituição de 1891 30.
Posteriormente, com a Constituição de 1937, novas mudanças foram
feitas no que diz respeito aos crimes de responsabilidade do Presidente da
República e sua forma de Julgamento. Essas alterações foram em relação à
tipificação dos crimes, pois restou afastada do rol a responsabilidade do
Presidente por atentar contra i) a forma do Governo Federal; ii) gozo ou
exercício legal dos direitos políticos, sociais ou individuais; iii) segurança
interna do país; e iv) leis orçamentárias 31. Neste sentido, esta constituição
também previu a i) necessidade de lei especial para definir os crimes de
responsabilidade e regular a acusação, processamento e julgamento, e ii) a
ausência da necessidade de afastamento depois do recebimento da acusação
pela Câmara dos Deputados.
A mudança também foi drástica em relação à extinção da figura do
Tribunal Especial, pois com a nova constituição o processo de julgamento
voltava a ficar nas mãos do Senado e Câmara dos Deputados nos mesmos
moldes da Constituição de 1891, com a diferença que o Senado era em 1937
tratado como Conselho Federal pela constituição 32.
No que diz respeito às punições previstas para o crime de
responsabilidade, as penas mantiveram-se as mesmas da Constituição de

29
§ 7º - O Tribunal Especial poderá aplicar somente a pena de perda de cargo, com inabilitação
até o máximo de cinco anos para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo das
ações civis e criminais cabíveis na espécie.
30
Art. 61, § 1º - Nos crimes comuns e nos de responsabilidade, os Ministros serão processados
e julgados pela Corte Suprema, e, nos crimes conexos com os do Presidente da República,
pelo Tribunal Especial. 
31
Art 85 - São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República definidos em
lei, que atentarem contra: a) a existência da União; b) a Constituição; c) o livre exercício dos
Poderes políticos; d) a probidade administrativa e a guarda e emprego dos dinheiros público;
e) a execução das decisões judiciárias.
32
BARROS, Sérgio Resende de. op. cit., p. 128-129.
1934, e a previsão de crime de responsabilidade dos Ministros do Estado
manteve-se nos casos de crimes conexos ao Presidente.
Com a advinda da Constituição de 1946 voltou-se a incluir um rol maior
no artigo que trata dos crimes de responsabilidade. Pela primeira vez
mencionam-se os atos que atentarem contra a Constituição Federal no seu
todo e especificadamente contra o livre exercício do Poder Legislativo, do
Poder Judiciário e dos Poderes Constitucionais dos Estados 33, o que apresenta
o impeachment agora como um instrumento para garantia da separação dos
poderes e a efetivação do sistema de freios e contrapesos, tal como aplicado
pelos Estados Unidos da América e desenvolvido pela teoria da separação de
poderes de Montesquieu.
Nesta Constituição também se voltou a prever o afastamento do
Presidente depois do recebimento da denúncia pela Câmara dos Deputados
pelo voto da maioria absoluta de seus membros e o julgamento e
processamento pelo Senado Federal 34. Manteve-se neste texto constitucional
também o dispositivo que previa a aprovação de lei para definir os crimes e
normas de processo e julgamento35.
Essa lei que só não constava na Constituição de 1934, foi criada em
1950 e foi recepcionado em alguns pontos pela Constituição de 1988 36. Trata-
se da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950 37. Nela está disposta uma
especificação sobre cada inciso do art. 89 da Constituição de 1946 que define
os crimes de responsabilidade e todo o processamento do impeachment nos

33
Art 89 - São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem
contra a Constituição federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre
exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos Poderes constitucionais dos Estados;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País; V -
a probidade na administração; VI - a lei orçamentária; VII - a guarda e o legal emprego dos
dinheiros públicos; VIII - o cumprimento das decisões judiciárias.
34
Art 88 - O Presidente da República, depois que a Câmara dos Deputados, pelo voto da
maioria absoluta dos seus membros, declarar procedente a acusação, será submetido a
julgamento perante o Supremo Tribunal Federal nos crimes comuns, ou perante o Senado
Federal nos de responsabilidade. Parágrafo único - Declarada a procedência da acusação,
ficará o Presidente da República suspenso das suas funções.
35
Art. 89, Parágrafo único - Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as
normas de processo e julgamento.
36
Sobre a recepção dessa lei ver também FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Presidente da
república – crime de responsabilidade – impeachment. In: Revista de Direito Administrativo,
jul/set. 1992, p. 375-396, 1992.
37
Para mais detalhes sobre os artigos da Lei nº 1.079/1950 recepcionados pela Constituição de
1988 ver ADPF 378, julgada em 17 de dezembro de 2015 pelo Supremo Tribunal Federal:
<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4899156>
casos de acusação contra o Presidente da República, Ministros de Estado,
Ministros do Supremo Tribunal Federal, Procurador Geral da República,
Governadores e Secretários de Estado.
Questão importante para identificação da natureza do impeachment é a
definição inusitada até este momento, no art. 62, inciso I, da Constituição de
1946, de que compete privativamente ao Senado Federal julgar o Presidente
da República nos crimes de responsabilidade 38, sendo neste caso presidido
pelo presidente do Supremo Tribunal Federal
Apesar de já haver previsão de que caberia ao Senado o julgamento do
Presidente da República nos casos de crime de responsabilidade, a
Constituição deu competência privativa ao Senado para esse julgamento, ou
seja, __________________________39
Na Constituição de 1967, segundo Sérgio Resende de Barros, o
desenho constitucional do impeachment se manteve o mesmo. As únicas duas
mudanças foram em relação ao prazo de 60 dias previsto para que o
julgamento do Presidente fosse concluído 40, e o quórum de dois terços para
que a acusação fosse recebida pela Câmara dos Deputados 41.
Depois de superado o período ditatorial brasileiro, o sistema democrático
foi instalado com a promulgação da Constituição de 1988. Esta Carta
Constitucional apesar de trazer grandes avanços no que diz respeito à defesa
de direitos fundamentais no pós segunda guerra 42, em relação ao impeachment
não provocou mudanças drásticas. As diferenças trazidas pela Constituição de
1988 são apenas em relação i) ao acréscimo no art. 85, inciso II, do crime de
responsabilidade por atentar contra o livre exercício do Ministério Público 43 e ii)
38
Art. 62, I - julgar o Presidente da República nos crimes de responsabilidade e os Ministros de
Estado nos crimes da mesma natureza conexos com os daquele;
39
AQUI EU PRECISO PESQUISA SOBRE A DIVISÃO DE COMPETÊNCIAS DE
JULGAMENTO SEGUNDO A CF, PORQUE É UMA DISCUSSÃO SOBRE COMPETÊNCIA
PRIVATIVA DE JULGAMENTO PARA O SENADO FEDERAL.
40
BARROS, Sérgio Resende de. op. cit., p. 129.
41
Art 85 - O Presidente, depois que a Câmara dos Deputados declarar procedente a acusação
pelo voto de dois terços de seus membros, será submetido a julgamento perante o Supremo
Tribunal Federal. nos crimes comuns, ou, perante o Senado Federal, nos de responsabilidade.
42
Para um pouco mais sobre as características desse momento que pode ser entendido como
constitucionalização do Direito ver BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional
Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 107-110.
43
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem
contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre
exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes
constitucionais das unidades da Federação; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e
a previsão do prazo de 180 para afastamento do Presidente, ao final do qual se
não houver decisão o Presidente volta ao exercício da função. Nos demais
pontos, o sistema de impeachment se manteve o mesmo.
Assim, o instituto do impeachment para definir os crimes de
responsabilidade do Presidente da República tem as seguintes características
de acordo com a Constituição de 1988:
Em relação à tipificação dos crimes o art. 58 dispõe que são crimes de
responsabilidade do Presidente da República aqueles atos que atentem contra
i) a Constituição Federal de uma forma geral, e especificadamente aqueles
contra a ii) existência da União, iii) o livre exercício do Poder Legislativo,
Judiciário, Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da
federação, iv) o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, v) a
segurança interna do País, vi) a probidade na administração, vii) a lei
orçamentária e viii) o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Em relação às normas de processamento e julgamento e a definição dos
crimes, o art. 58, parágrafo único, prevê que lei especial deveria estabelecê-
los. Esta lei, na verdade, já havia sido criada em 1950 (Lei nº 1.079/50), e pela
ausência de uma nova lei, a jurisprudência brasileira durante a análise dos
casos de impeachment do presidente Collor de Mello e presidente Dilma
Rousseff, acabou por recepcioná-la em partes, aplicando-a apenas naquilo que
não fosse contrário à constituição.
A decisão recente do Supremo Tribunal Federal, no caso da ADPF nº
378, que tratava de analisar a compatibilidade do rito do impeachment traçado
pela Lei nº 1.079/50 com a Constituição de 1988 para aplicação no caso de
Dilma Rousseff, definiu em 17 de dezembro de 2015 que i) compete à Câmara
dos Deputados autorizar a instauração do processo (art. 51, inciso I, da
Constituição Federal de 1988); ii) ao Senado compete, privativamente,
processar e julgar o Presidente (art. 52, I, da Constituição Federal de 1988), e
que teria de haver um juízo inicial sobre a instauração ou não do processo
nesta casa do Congresso Nacional; iii) a não recepção do art. 23, §§1º, 4º e 5º,
e art. 80, 1ª parte, pois define a Câmara dos Deputados como tribunal de
pronúncia, e art. 81, todos da Lei nº 1.079/50, pois seriam incompatíveis com a
sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na administração; VI - a lei
orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Constituição Federal de 1988 nos seu art. 51, inciso I, que dá competência
privativa à Câmara dos Deputados para autorizar a instauração de processo
contra o Presidente, Vice-Presidente, no art. 52, inciso I, que dá competência
privativa ao Senado para processar e julgar o Presidente e Vice, e com o art.
86, §1º, inciso II, que prevê a suspensão das funções de presidente, nos
crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado
Federal, ou seja, se a instauração se dá pelo Senado, o afastamento não
poderia ocorrer com a admissão da acusação pela Câmara dos Deputados; iv)
a ampla defesa do acusado no rito da Câmara deveria ser exercido no praz de
dez sessões; v) instauração do processo pelo Senado por deliberação de
maioria simples; vi) impossibilidade de apresentar candidatura de chapas
avulsas para a formação da comissão especial na Câmara dos Deputados; vii)
a votação para formação da comissão especial somente pode se dar por voto
aberto; viii) prerrogativa do acusado de se manifestar após a acusação no
decorrer do processo de impeachemnt; ix) não incidência do Código de
Processo Penal como prevê o art. 38, da Lei nº 1.079/50, pois o art. 36 desta
mesma lei já seria suficiente, portanto não haveria lacuna legal sobre as
hipóteses de impedimento e suspeição dos julgadores; x) a falta de defesa
prévia antes do recebimento da denúncia pelo presidente da Câmara dos
Deputados não ofende o princípio constitucional da ampla defesa; xi) os
senadores não precisam se afastar da função acusatória, assim, durante o
julgamento do processo a produção de prova pode ser realizada em todos seus
aspectos44; xii) os regimentos internos podem ser aplicados ao processo de
impeachment, desde que sejam compatíveis com as normativas legais e
constitucionais pertinentes. Assim, não estaria afetado a reserva de lei especial
imposta pelo art. 85, parágrafo único; xiii) o interrogatório deve ser o ato final
da instrução probatória, por aplicação analógica da interpretação dada pelo
STF ao rito das ações penais originária.

44
DESENVOLVER ESSA IDEIA. Isso deixa transparece que a função do Senado durante o
julgamento do Presidente por crime de responsabilidade é de acusação, o que não se relaciona
com a função julgadora do Senado nos casos de impeachment, pois o julgador deveria ser
neutro, então a função do Senado aqui não é a mesma função de um tribunal. Pode até ser
uma função julgadora, desde que não seja relacionada com a função julgadora dos tribunais.
Todo esse aparato jurídico era uma “peça de museu” segundo Sérgio
Resende de Barros, pois durante toda a história brasileira nunca foi utilizada,
era mais um objeto decorativo do que algo capaz de influenciar na boa
governabilidade de um Estado45.
Foi somente com o julgamento do Presidente Afonso Collor de Mello em
1992 que o instituto foi tirado da gaveta e posto na política como instrumento
capaz de retirar da sua função o Presidente da República 46. Mais recentemente
a questão foi reacesa com a Presidenta Dilma Rousseff, quando se questionou
principalmente sobre a natureza jurídica do impeachment oferecido contra ela e
os âmbitos de atividade do Poder Judiciário sobre o processo que é realizado
pelo Senado e Câmara dos Deputados.

45
BARROS, Sérgio Resende de. op. cit., p. 114.
46
BARROS, Sérgio Resende de. op. cit., p. 115.

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