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Publicado em 08/2010
INTRODUÇÃO
A Constituição da República de 1988 trouxe uma "nova" instituição: o Ministério Público, órgão
que se volta à defesa da sociedade e de seus interesses. Deu-lhe instrumentos para cumprir
seus objetivos institucionais, a titularidade exclusiva da ação penal, reservando o alto controle
do aparato repressivo do crime.
A investigação criminal pelo Ministério Público já vem sendo feita, mas há pouco tempo criou-
se uma legislação, ainda que questionável, que regulamentou tal instrumento de persecução
penal.
Para abordar o assunto, num primeiro momento, realizar-se-á um breve exame sobre o papel
institucional do Ministério Público, passando à análise das leis pertinentes ao tema e, em
seguida, abordando a controvérsia acerca da sua legitimidade para investigar crimes. Por fim,
ponderar-se-ão os limites dessa atuação no que diz respeito à delimitação de seu âmbito de
ação e à prevenção e repressão de possíveis atos abusivos praticados por seus representantes
– sem deixar de fora a apreciação do direito comparado e dos julgamentos nos tribunais
superiores.
A sociedade, principal preocupação do órgão, não tem uma idéia completa e real do que é e
em que atua o Ministério Público. A definição é clara quando da leitura da Constituição da
República, em seu artigo 127, que diz: "instituição permanente, essencial à função jurisdicional
do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis".
Também assevera seus princípios "institucionais na unidade, na indivisibilidade e na
independência funcional dos seus órgãos", além de lhe assegurar "autonomia funcional e
administrativa", podendo "propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e
serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas e de provas e títulos".
1.1 HISTÓRICO
A origem do Ministério Público é divergente na História, não podendo precisar seu surgimento,
em que época, os motivos que ensejaram sua criação, nem como se deu essa instituição.
Há 4.000 anos, no Egito, havia uma classe de agentes públicos cujos deveres consistiam em
serem olhos e a língua do Rei; a eles competia castigar os rebeldes, reprimir os violentos e
proteger os cidadãos pacíficos; acolher os pedidos do homem justo e verdadeiro, perseguindo
o malvado e mentiroso; eram como marido para as viúvas e pais para os órfãos; faziam ouvir
as palavras da acusação, indicando as disposições legais aplicáveis em cada caso, além de
lhes competir tomar parte nas instruções para descobrimento da verdade. [02]
Além do Egito, a Roma clássica também possuía agentes estatais com esse fim, como afirma
Hugo Nigro MAZZILI:
Ainda segundo Alexandre de MORAES, nos Éforos de Esparta havia um Ministério Público
rudimentar, os quais tinham por função de contrabalançar o poder real e o poder senatorial,
exercendo o ius accusationis, ou, ainda, nos thesmotetis ou tesmãtetas gregos, forma
rudimentar de acusador público. [05]
O mesmo doutrinador também menciona as origens do Ministério Público na Idade Média, nos
saions germânicos, nos bailios e senescais, ao quais se incumbia a defesa dos senhores
feudais em juízo; ainda nos missi dominici ou gastaldi do direito lombardo ou também no
Gemeiner Anklager (acusador comum) da Alemanha, que tinha a função de exercer a
acusação quando o particular permanecia passivo. [06]
Em 1302, coube à França criar o Ministério Público, referindo-se aos procuradores do rei. Em
1690, um decreto na França atribuía vitaliciedade aos agentes do Ministério Público. [07]
A França, na vanguarda da criação de tal instituto, foi o primeiro país a instituir concretamente
o Ministério Público mais próximo ao que se tem hodiernamente. Após a Revolução Francesa,
este modelo foi sendo adotado por toda a Europa e, em seguida, se estendendo por outros
continentes como a América, até ter ares de instituição mundial. [08]
O direito brasileiro, por óbvio, sempre foi fortemente influenciado pelo direito português, o qual
trazia as novas ideias européias. Por este motivo, o Ministério Público brasileiro foi decorrente
daquele implantado em Portugal. Ainda podem-se encontrar algumas referências nas
Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas.
Somente com a primeira Constituição Imperial de 1824, foi criado o Supremo Tribunal de
Justiça e os Tribunais de Relação, cujos nomeados exerciam os cargos de Desembargadores e
Procuradores da Coroa, sendo estes últimos os Chefes do Parquet. Não houve um tratamento
detalhado do Órgão, limitando-se a estabelecer que a acusação dos crimes em juízo seria feita
pelo Procurador da Coroa e Soberania Nacional.
No Código de Processo Criminal do Império de 1832, o Ministério Público teve trato mais
adequado no ordenamento jurídico, estabeleceu-se que seriam promotores de justiça as
mesmas pessoas habilitadas para ser jurados. O artigo 36 do referido código determinava que
tais pessoas deveriam ter conhecimento de leis, preferencialmente, fato que restringia
consideravelmente o número de pessoas capazes de exercer tal atividade, pois conheciam as
leis nacionais aqueles que votavam e possuíssem bom senso reconhecido e probidade,
conforme dispunha o artigo 23 do mesmo diploma.
Em conseqüência dessa transformação política houve pela primeira vez a instituição de uma
Constituição promulgada, em 24 de fevereiro de 1891. Apesar do sistema político instituído,
não houve grande preocupação com o trato com o Ministério Público, não havendo
reconhecimento da condição de um órgão autônomo, dispondo apenas no seu artigo 58,
parágrafo segundo, que o Procurador Geral da República seria escolhido pelo Presidente da
República entre os Ministros do Supremo Tribunal Federal. [11]
Aos poucos o Órgão desenvolveu-se ainda mais em suas atribuições. Na esfera penal, como
órgão acusador e, em seguida também no âmbito cível, no que se tem até hoje, como órgão de
intervenção na fiscalização da lei (custos legis).
A Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, quebrou a ordem constitucional vigente.
Com a instalação de um governo provisório, e eleita uma Assembléia Nacional Constituinte, foi
promulgada a terceira Constituição brasileira em 14 de julho de 1934.
Observe-se que tal carta política foi a primeira a realmente institucionalizar o Ministério Público,
conferindo-lhe um capítulo próprio, intitulado "dos órgãos de cooperação nas atividades
governamentais", que dos artigos 95 a 98 tratavam e definiam a razão da existência do
Ministério Público, determinando, de modo geral, a sua competência funcional. Estabelece
ainda, a existência do Ministério Público da União, do Distrito Federal e Territórios, e dos
Estados, a serem organizados por lei, tornando também necessário o concurso público para
ingresso na carreira e a estabilidade e vedações aos seus membros.
Ao Procurador Geral da República, nos termos do parágrafo primeiro do artigo 95, foram
atribuídas as seguintes atribuições e prerrogativas:
Com o advento do Estado Novo, e mais precisamente com a carta Constitucional de 1937,
começou mais um novo regime de cerceamento de liberdades e garantias individuais. Nela o
Ministério Público foi praticamente extinto do ordenamento constitucional e do próprio cenário
político.
Houve ainda um retrocesso com o fim da garantia de estabilidade funcional e de paridade de
vencimentos.
As disposições referentes à matéria ficaram nos artigos 125 a 128 da Carta Magna, cujo título
era o nome da própria instituição, dispondo sobre sua organização. A escolha do Procurador-
Geral da República, a forma de ingresso na carreira, mediante concurso público e as garantias
de estabilidade e inamovibilidade de seus membros.
Como atribuição mais moderna foi conferido ao Procurador Geral da República o poder de
representar pela inconstitucionalidade de leis e atos normativos, e ainda de maior vanguarda foi
a outorga de competência em aprovar a escolha do Procurador Geral, realizada em um
primeiro momento pelo Chefe do Poder Executivo, mas sancionada pelo Senado, conforme
estabeleceu os artigo 63, inciso I e o artigo 126.
Com o golpe militar de 1964, a Constituição de 1946 sofre um abalo pois, embora vigente,
passou a conviver com uma normatividade paralela: os Atos Institucionais.
A fixação deste Órgão dentro da concepção clássica montesquiana de separação dos poderes,
sofreu grandes mudanças no tempo, ora porque não se enquadrava perfeitamente dentro de
uma só dessas concepções, ora porque era entendido como órgão autônomo.
Com o regime militar produziu-se a necessidade de instituir uma constituição que assegurasse
as pretensões militares, e ainda, impedisse as contestações populares. Nesse contexto cria-se
a Carta de 24 de janeiro de 1967, a sexta do Brasil. Nesta nova ordem, o Ministério Público foi
deslocado para o Poder Judiciário, em posição de subordinação a este.
Logo em seguida, nesse período conturbado da história nacional, adveio o conhecido Ato
Institucional nº. 5, de 13 de dezembro de 1968, o qual suspendeu a vigência da Constituição de
1967, conferindo poderes totalitários ao Presidente da República, suspendendo os direitos
públicos e privados.
O movimento das Diretas Já pôs fim ao regime militar, sendo consolidado com a promulgação
da Constituição Democrática de 5 de outubro de 1988, que consagra o Ministério Público como
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado.
Somente após a Constituição de 1988 é que se observa um real e completo desenvolvimento
institucional, estabelecendo a Lei Maior atribuições que elevaram o Ministério Público, ao lado
das suas já tradicionais tarefas.
À Lei que completaria os contornos do órgão, ficou reservado apenas, dispor sobre sua
organização e funcionamento.
Quando se fala em órgão independente com autonomia funcional e financeira afirma-se que o
Ministério Público é um órgão extrapoder, ou seja, não depende de nenhum dos poderes do
Estado, não podendo nenhum de seus membros receber instruções vinculantes de nenhuma
autoridade pública. [12]
Os membros do Ministério Público são agentes políticos e, como tais, devem atuar com ampla
liberdade funcional, sem condicionantes, que não sejam os parâmetros legais dos casos
submetidos a sua apreciação e pelas suas consciências. Tal responsabilidade implica na
necessidade de garantias, prerrogativas e deveres, os quais foram tratados pela Constituição
atual.
O Ministério Público de hoje é órgão governamental com mais amplos poderes, tamanha é sua
responsabilidade que é chamado "fiscal da aplicação da Lei".
O Ministério Público brasileiro, com a moldura e a consistência que lhe foi dada pela
Constituição de 1988, bem representa a contradição decorrente de tais influências, pois: (a)
dos Estados Unidos, herdou a desvinculação com o Poder Judiciário, a denominação de sua
chefia, o controle externo de determinadas atividades administrativas ligadas ao Poder
Executivo, o resquício de poder participar da política partidária, ainda que em hipóteses
restritas previstas em lei, a postura independente que aqui somente se subordina à consciência
jurídica de seu membro, como, aliás, está na Lei Maior ao assegurar sua autonomia funcional e
administrativa (art. 127); (b) da Europa continental, herdou a simetria da carreira com a
magistratura, inclusive com as prerrogativas similares, o direito de assento ao lado dos juízes,
as vestes próprias e até mesmo o vezo de atuar como se magistrado fosse, embora devesse
ter o ardor do advogado no patrocínio da causa. O Ministério Público desenvolveu-se sob a
influência do Novo e Velho Mundo, e da simbiose, vem a sua força.
1.3 PRINCÍPIOS
Sabe-se que é pela fixação de determinados princípios de ordem constitucional, ou até mesmo
de ordem supra constitucional, que o ordenamento jurídico estabelece os limites interpretativos
e integrativos do sistema.
O princípio orienta a formação de outras normas, em seu conteúdo, operando a auto integração
do sistema. Norberto Bobbio a isso denomina normas de primeiro grau e as seqüências do
sistema escalonado, de segundo grau. São elas captadas por dedução do ordenamento
normativo, operando a autolimitação e auto- integração, para evitar o aparecimento de lacunas
no direito. [14]
1.3.1.Princípio da Unidade
O princípio da unidade diz respeito ao fato de ser o Ministério Público "uno" como instituição.
Segundo este princípio, o Ministério Público é um só órgão, sob a direção única de um
Procurador-Geral.
Cada Estado-Membro possui o seu Ministério Público, chefiado pelo respectivo Procurador-
Geral de Justiça, inexistindo qualquer relação entre eles, embora todos façam parte da mesma
Instituição em sentido amplo.
Este princípio encontra-se disposto no artigo 127, parágrafo 1º, da Constituição da República, e
decorre do princípio anteriormente exposto de que a Instituição do Ministério Público possui
unidade. Em conseqüência disso tem-se que pode haver a substituição de um membro do
Ministério Público em um mesmo processo sem que haja nenhum prejuízo.
Assim, o Ministério Público é uno porque seus membros não se vinculam aos processos nos
quais atuam, podendo ser substituídos uns pelos outros de acordo com as normas legais.
Importante salientar que a indivisibilidade resulta em verdadeiro corolário do princípio da
unidade, pois o Ministério Público não pode subdividir-se em vários outros ministérios públicos
autônomos e desvinculados uns dos outros. [16]
Infere-se de tal princípio que cada membro do Ministério Público possui total liberdade para a
formação de seu convencimento técnico, não sendo vinculado a nenhum outro órgão estatal,
nem mesmo à vontade de seus superiores hierárquicos.
Quanto a autonomia financeira, ainda gera alguma divergência doutrinária, segundo Kildare
GONÇALVES CARVALHO, "não fala a Constituição expressamente em autonomia
orçamentária e financeira, restando, pois a controvérsia. Entende, contudo, Hugo NIGRO
MAZZILLI que o Ministério Público dispõe de tal autonomia, que é inerente aos órgãos
funcionalmente independentes." [18]
Ademais, tal autonomia encontra-se estatuída no artigo 3º da Lei nº 8.625/1993, ao dispor que:
"Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional, administrativa e financeira."
Como ensina Quiroga LAVIÉ, [19] quando se fala de um órgão independente com autonomia
funcional e financeira, afirma-se que o Ministério público é um órgão extra poder, ou seja, não
depende de nenhum dos poderes de Estado, não podendo quaisquer de seus membros
receber instruções vinculantes de nenhuma autoridade pública.
Assim, designação do Procurador Geral de Justiça é ato vinculado, uma vez que na própria Lei
Orçamentária do Ministério Público, art. 10, IX, vem elencadas todas as hipóteses que se pode
designar Promotores de Justiça.
Concluindo, o Ministério Público é uma instituição a qual a Constituição de 1988 atribuiu grande
importância para a sociedade e para o Estado, tornando-se hoje, um órgão Estatal
administrativo, com total autonomia e independência, tendo como finalidade, fiscalizar o fiel
cumprimento e aplicação das leis, além de zelar pelos direitos e garantias fundamentais do
cidadão, auxiliando na busca constante da sociedade pelo Estado Democrático de Direito.
Após este breve estudo, é possível, ter um panorama geral do Ministério Público.
Insta salientar que, em que pese a discussão sobre a legitimidade da investigação presidida
diretamente pelo Ministério Público, certo é que na prática ela acontece, mas não é a regra,
ocorrendo apenas em situações específicas. Para os fins a que se destina esse trabalho,
classifica-se, desde logo, as situações excepcionais em três grupos, de acordo com o estágio
da apuração dos fatos.
Não se olvide que a polícia goze de importância e seriedade, contudo é a instituição mais
próxima do mundo do crime, e que, ao contrário do que seria o ideal, mais sujeita à pressões
de toda a ordem, vez que vinculada ao Poder Executivo e sem as garantias concedidas a
promotores e juízes, que lhes confere autonomia funcional.
Cumpre asseverar que ao Ministério Público e à Magistratura tais garantias foram conferidas
exatamente para assegurar à sociedade e ao próprio ocupante do cargo a independência que
tais funções devem ter.
Por este motivo o Ministério Público utiliza-se de suas garantias para assegurar que a
investigação criminal vá até seu deslinde sem ingerências indevidas.
A fim de aclarar tal idéia foi amplamente divulgado na imprensa nacional, o caso envolvendo
Duda Mendonça, pessoa que cuidava do marketing do Presidente Lula. Após sua prisão por
promover e participar de uma rinha de galo, dois policiais federais que participaram da ação
foram ameaçados de transferência e o Delegado responsável foi afastado de sua chefia. Mais
recentemente, o Delegado Federal Antônio Rayol, autor do flagrante, foi indiciado pela Polícia
Federal, acusado de "concorrer para escândalo público" e "arranhar publicamente a reputação
da Polícia Federal". [23] Assim, o investigador passou a ser o investigado.
Ademais, comum é o caso em que a notícia do crime chega diretamente ao promotor por uma
testemunha ou vítima, que através de promotorias especializadas e hábeis a atender ao público
em geral, se dirigem as pessoas que precisam de uma orientação jurídica do caso, cujo auxílio
depende o início das investigações.
Não se pode esquecer também que há delitos, especialmente na esfera federal, em que o
aparato necessário para desvendar o delito, só é conseguido pelo Ministério Público, pela
verba deveras maior que a destinada à polícia. Nesses casos, entende-se que busca o
Ministério Público, auxiliando os demais órgãos públicos, por ter mais condições operacionais
para o deslinde do fato.
Por fim, como no caso do Inquérito 1.968-DF, levado ao Supremo Tribunal Federal, a
investigação já chega finalizada ao Ministério Público, que apenas busca confirmar os dados
recebidos.
Na intitulada investigação direta derivada a iniciativa também é pelo próprio Ministério Público,
contudo este tem conhecimento de um determinado delito através de outro tipo de
procedimento decorrente de sua atuação, seja de natureza cível, trabalhista, fiscal ou criminal.
Finalizando, a investigação direta revisora ocorre quando o Ministério Público procura confirmar
as informações e conclusões fornecidas pela polícia, fazendo uma análise se o procedimento
investigatório já esta hábil a ensejar uma denúncia.
Há que se observar que pode ocorrer em algum caso específico que reste dúvida quanto a uma
prova ou testemunho, ou até mesmo da conduta da polícia durante a investigação. Assim, na
investigação revisora, o Ministério Público vai requisitar informações, ouvir testemunhas e
realizar diretamente todas as diligências que entender necessárias para formar sua opinio
delicti, como destinatário da prova colhida e, eventualmente, como fiscal externo da atividade
policial.
Deve-se ressaltar, entretanto, que esta classificação atende apenas aos casos de investigação
pré-processual, sendo que, por vezes, o Ministério Público tem acesso a um documento ou
testemunho durante o processo penal.
Segundo Paulo RANGEL, [24] na época do regime militar, o Delegado de Polícia Sérgio
Fernando Paranhos Fleury, homem forte no sistema de segurança pública do Estado de São
Paulo, liderava o chamado "Esquadrão da Morte", grupo armado ligado ao tráfico de drogas e a
execuções sumárias.
O Ministério Público à época não tinha independência funcional, o que lhe permitia ser
pressionado pelos donos do poder. Ademais, Fleury era tinha muita influência no cenário
político, sendo inclusive muito ligado ao Presidente Médici, com o qual havia feito uma aliança
para combater a subversão.
Enquanto o Esquadrão da Morte atuava nenhuma medida coercitiva estatal era tomada, até
que com a pressão internacional, e a insistência do Procurador de Justiça Hélio Bicudo iniciou-
se uma investigação do caso.
Este caso, à propósito do tema, permite observar que o Ministério Público realizou investigação
criminal direta em 1973, durante o regime militar e quando ainda não possuía a maioria de suas
modernas atribuições, bem como não tinha garantias constitucionais, como a inamovibilidade, o
que facilitou o encerramento das investigações criminais, conforme os interesses do governo,
mas foi o marco inicial da atividade investigativa do Ministério Público no Brasil.
O artigo 144, § 1º, I e IV, e § 4º, da Constituição atribui de forma expressa às Polícias Federal e
Civil a apuração de infrações penais. A Polícia, portanto, é a autoridade competente para
proceder a investigações criminais, como exigido pela garantia constitucional do devido
processo legal (art. 5º, LIII, da Constituição da República). A Constituição atribui ao Ministério
Público a função de exercer o controle externo da atividade policial (art. 129, VII) e não o de
substituí-la. A Constituição de 1988 não permite a figura do promotor investigador. [25]
Para o doutrinador Luís Guilherme VIEIRA o escopo do inciso VI do art. 129 da Constituição da
República (que atribui ao Ministério Público poderes para expedir notificações nos
procedimentos administrativosde sua competência, requisitando informações e documentos
para instruí-los) está restrito aos inquéritos civis públicos e outros também de natureza
administrativa, como os preparatórios de ação de inconstitucionalidade ou de representação
por intervenção. O inquérito criminal é disciplinado em inciso diverso (VIII) e quanto a ele a
atuação do Parquet se limita à requisição de instauração do próprio inquérito e de diligências
investigatórias. [26]
A competência para promover a ação penal (artigo 129, I) não engloba a investigação criminal
– esta competência não é um minus em relação àquela. Trata-se, na verdade, de uma
competência diversa e que foi atribuída de forma expressa pelo constituinte a outro órgão. Não
se aplica aqui, portanto, a lógica dos poderes implícitos, pela qual o órgão a quem compete o
mais, compete igualmente o menos.
[28]
Nesse sentido, também é o posicionamento de Luiz Antonio ZAVATARO:
Um outro argumento (não menos infundado) tem sido apresentado pelos Promotores de
Justiça, é o de que "quem pode o mais, pode o menos". Querem com isto dizer que se podem
denunciar alguém na qualidade de titulares da ação penal, também podem investigar, produzir
e coletar provas. Não é assim. O sistema jurídico nacional exige que quem apura, não acuse, e
que quem acusa, não julgue. Seria lícito, por acaso, que o juiz oferecesse denúncia, já que
"pode o mais", que é julgar?
Em várias ocasiões tentou-se modificar esse regime, mas as propostas foram rejeitadas. Isso
foi o que aconteceu quando, em 1935, se procurou instituir juizados de instrução, proposta
apresentada pelo então Ministro da Justiça, Vicente Ráo. O mesmo se passou, em várias
ocasiões, quando se tentou conferir atribuições investigatórias ao Parquet; propostas nessa
linha foram rejeitadas na elaboração da Constituição de 1988, nas discussões que deram
origem à Lei Complementar relativa ao Ministério Público, em 1993, e também nos debates que
envolveram as propostas de emendas constitucionais discutidas em 1995 e 1999.
Especificamente nas discussões da assembléia constituinte, o texto aprovado pretendia
exatamente manter as investigações criminais como atribuição exclusiva da polícia judiciária.
[29]
Assim, mais uma vez vê-se que caso entenda-se interessante que o Ministério Público passe a
atuar na fase preliminar da persecução penal, certo é que uma mudança legislativa deve ser
articulada, o que leva a conclusão por outro lado que atualmente não se tem legitimidade em
tal atuação Ministerial.
Há toda uma questão prática, em se entendendo que prevaleça o entendimento de ser possível
a investigação criminal pelo Ministério Público, vez que se perderia a prerrogativa de
impessoalidade do referido Órgão, além do risco deste ficar acima de qualquer controle Estatal,
contribuindo para o abuso de poder.
Para Roberto BARROSO a ausência de qualquer balizamento legal para esse tipo de atuação
por parte do Ministério Público, para além de impedir a própria atuação em si, sujeita os
envolvidos ao império dos voluntarismos e caprichos pessoais. [32]
Concluindo assim, que o Ministério Público já dispõe de instrumentos suficientes para suprir
deficiências e coibir desvios da atuação policial, não necessitando, nem sendo conveniente, ele
diretamente, exercer essa função.
Parte-se, portanto, da premissa de que cada entendimento utilizará as palavras dispostas nos
textos legais de acordo com sua hermenêutica, a fim de dar o significado pretendido.
Isso posto, passa-se ao exame dos fundamentos que legitimam o exercício do poder
investigatório criminal pelo Ministério Público.
Por esse lado colacionam-se os principais argumentos de alguns doutrinadores que se filiam a
esta corrente.
Atividade fim do Ministério Público na esfera criminal, a promoção da ação penal também está
prevista no inciso III do artigo 25 da Lei n° 8.625/93 e no inciso V do artigo 6° da LC n° 75/93.
Para propô-la, há necessidade de determinados subsídios, e a colheita destes é o núcleo da
controvérsia.
Entende-se, por este lado, que a Constituição fornece, ao Ministério Público, plena autonomia
para apurar os fatos necessários ao oferecimento da denúncia.
Com efeito, o inciso VI do artigo 129 da Magna Carta autoriza expressamente a expedição de
notificações "nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações
e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva", e o inciso VIII, a
requisição de diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, "indicados os
fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais".
Na mesma esteira está a disposição do artigo 47 do Código de Processo Penal, ao afirmar que:
se o Ministério Público julgar necessários maiores esclarecimentos e documentos
complementares ou novos elementos de convicção, deverá requisitá-los, diretamente, a
quaisquer autoridades ou funcionáriosque devam ou possam fornecê-los.
[37]
Neste ponto, pertinente a indagação de Rômulo Andrade MOREIRA:
Nessa atividade, fica eminente que somente o Ministério Público poderia colher provas em face
da atividade policial fiscalizada, vez que se deixada a cargo da própria polícia, possivelmente
nada, ou pouca informação seria trazida à baila, ficando-se a margem dos interesses próprios
da corporação.
A Magna Carta ainda trouxe o inciso IX do artigo 129 "como uma cláusula de abertura –
legalmente concretizável – ao exercício, pelo Ministério Público, de ‘outras funções’,
submetidas a três condicionantes: "a) proveniência legal da função (limitação formal); b)
compatibilidade da função legalmente conferida com a finalidade institucional do Ministério
Público (limitação material afirmativa); c) vedação de qualquer função que implique a
representação judicial ou a consultoria jurídica de entidades públicas (limitação material
negativa)." [39]
Para encerrar as argumentações neste ponto, tem-se que mesmo em se admitindo que as Leis
Orgânicas do Ministério Público Estadual (Lei Federal e a Lei Complementar Estadual) não
permitissem as investigações criminais, ainda assim, por força do artigo 80, da Lei Federal n.
8.625/93 poderíamos utilizar, subsidiariamente, as normas da Lei Orgânica do Ministério
Público da União (Lei Complementar Federal nº. 75/93), que "não deixa margem de dúvidas
quanto a operacionalização das investigações criminais diretas no âmbito do Ministério
Público", [40] referindo-se, aos artigos 7º, inciso I e 8º, inciso VII, da referida Lei.
Não obstante, deve-se sempre proceder a uma análise aprofundada de todos os argumentos
relevantes, para ao fim concluir por esta ou aquela corrente.
Nesse sentido, o Código de Processual Penal, após atribuir, no caput do artigo 4º, a
competência para apuração de infrações penais à Polícia Judiciária, assegurou idêntica
atribuição, no parágrafo único do mesmo artigo, a outras autoridades administrativas, quando
autorizadas legalmente.
A Constituição Federal não traz qualquer dispositivo que autorize o entendimento de que a
Polícia Judiciária detenha o monopólio estatal da investigação criminal. E, conquanto limite-se
o inciso IV do § 1º do seu artigo 144 a definir que, nos crimes ditos federais, quando a
investigação criminal demandar a intervenção de Polícia Judiciária, esta será a Polícia Federal,
isso não atribui, de forma alguma, àquela polícia, o monopólio da investigação criminal. O art.
144 da Carta Magna estabelece tão somente a repartição de atribuições entre os diversos
órgãos de polícia, incumbindo à Polícia Federal a apuração de crimes federais, com exclusão
das polícias civis, com o escopo de evitar conflito de atribuições.
Os atos de investigação destinados à elucidação dos crimes, entretanto, não são exclusivos da
polícia judiciária, ressalvando expressamente a lei a atribuição concedida legalmente a outras
autoridades administrativas (art. 4º., do CPP). Não ficou estabelecido na Constituição, aliás, a
exclusividade de investigação e de funções da Polícia Judiciária em relação às polícias civis
estaduais. Tem o Ministério Público legitimidade para proceder investigações e diligências,
conforme determinarem as leis orgânicas estaduais.
O inquérito não é atribuição exclusiva da autoridade policial, é ponto assente, muito comuns
sendo os inquéritos administrativos. O Código de processo penal, no art. 4º., parágrafo único,
ressalva, do modo mais claro, a pertinência desses inquéritos extrapoliciais, acentuando que a
competência dada no inquérito à polícia judiciária, exercida por autoridades policiais, não exclui
a de autoridades administrativas, para promoverem inquéritos, quando a isso legalmente
autorizadas. (cfr. CPP Anotado, Borsoi, 1960, p. 248).
Ademais, cabe enumerar algumas das investigações realizadas em outros campos, cuja
legitimação não se questiona, as quais embora não tenham o escopo de investigação penal,
igualmente se habilitam a subsidiar ulterior atuação do Ministério Público.
Ademais, ressalta-se a disposição do artigo 69 da Lei n° 9.099/95 que atribuiu aos crimes de
menor potencial ofensivo, a lavratura do Termo Circunstanciado, a ser lavrado pela autoridade
policial que tomar conhecimento da ocorrência, a qual também pode ser entendida como a
polícia administrativa, e não a instauração do comum inquérito policial.
Nesse sentido, também merece relevo a investigação praticada pelo próprio Ministério Público,
através do inquérito civil (Lei 7.347/85, artigo 8º, §1º), para o ajuizamento da ação civil pública.
[46]
Desta forma, é a própria lei quem traça a diretriz da atuação ministerial nas ações penais
públicas.
É a própria lei quem traça a diretriz da atuação ministerial nas ações penais públicas. Com
efeito, o artigo 257 do Código de Processo Penal dispõe que "o Ministério Público promoverá e
fiscalizará a execução da lei."
Assim, sendo esta parte da sua função, e "como parte na ação penal pública, não está
obrigado a promovê-la, única e exclusivamente, para obter a condenação do réu, mas antes
sua atuação, nesta qualidade, é a de velar, usando de todos os meios possíveis, pela correta
aplicação da lei, tanto processual como material, que no processo se resume na obtenção de
uma sentença legal e justa." [47]
Isso porque o direito de punir que promove o Ministério Público não é dele, mas do Estado
soberano. Portanto, o fato de ser parte na ação penal pública não lhe retira o ônus de ser,
também, fiscal da lei, dado que, em ambas as hipóteses, representam o Estado. [48]
Nesse aspecto, por fim, apoiar- se nas lições de Hely Lopes MEIRELLES, que: [49]
Não resta dúvida que, estando o Ministério Público regido por lei orgânica própria, detendo
funções privativas constitucionalmente e possuindo seus agentes independência funcional,
além de preencher os demais requisitos elencados pela doutrina, os seus membros são
agentes políticos, e como tal exercem parcela de autoridade. Portanto, indubitavelmente,
exerce o MP parcela de autoridade e, administrativamente, pode proceder às investigações
penais diretas na forma da legislação em vigor.
Com a paulatina prevalência de um sistema penal acusatório, em que o magistrado tem uma
postura passiva, inativo na apuração dos fatos, cada vez mais vai sendo rejeitada a figura do
Juiz de Instrução na sua forma pura.
Neste segundo sistema, encontramos, por exemplo, países como a Itália, Alemanha, França e
Portugal.
StPO § 160: (1) (omissis) "(2). A Promotoria de Justiça deverá averiguar não só as
circunstâncias que sirvam de incriminamento, como também as que sirvam de inocentamento,
e cuidar de colher as provas cuja perda seja temível."(3). As averiguações da Promotoria
deverão estender-se às circunstâncias que sejam de importância para a determinação das
conseqüências jurídicas do fato.
Em segundo lugar, não há uma divisão inócua de órgãos estatais e de serviços, vez que
Ministério Público e polícia trabalham juntas, evitando-se assim burocracia desnecessária e
conflitos entre os agentes públicos.
A doutrina alemã considera como ajudantes do Ministério Público, na realização dos atos
próprios do procedimento de averiguação o preparatório, a das seguintes autoridades e
funcionários: a Polícia, o juiz Investigador, e as autoridades que prestam ajuda judicial. 1. A
POLICÍA: é o órgão ajudante de mais importância (...) Como obrigações gerais, a Polícia tem
as seguintes: 1) Praticar de oficio todas as ordens, com o fim de prevenir o ocultamento dos
assuntos (...), enviando imediatamente os resultados para o Ministério Público; 2) Deve praticar
todas as investigações que ordene Ministério Público (...).
O ordenamento jurídico italiano não é diferente, no seu "Codice di Procedura Penale ":
Art. 326 – O Ministério Público e a Polícia Judiciária realizarão, no âmbito de suas respectivas
atribuições, a investigação necessária para o termo inerente ao exercício da ação penal.
Art. 327 – O Ministério Público dirige a investigação e dispõe diretamente da Polícia Judiciária."
Na Itália, as investigações preliminares são conduzidas pela polícia e pelo Ministério Público,
sob o controle direto de um juiz específico para esta fase, conhecido como juiz de instrução,
que não atuará na fase processual penal.
A polícia oferece notícia crime, com todas as informações disponíveis, ao Ministério Público,
em até 48 horas. A partir deste momento, toda investigação se canaliza através do Ministério
Público, que dispõe totalmente da polícia judiciária. [52]
Em Portugal os órgãos de polícia criminal coadjuvam com o Ministério Público no exercício das
suas funções processuais, nomeadamente na investigação criminal que é levada a cabo no
inquérito, e fazem-no sob a direta orientação do Ministério Público e na sua dependência
funcional. [53]
Já a função do juiz de instrução é tipicamente garantista, passando por ele todas as decisões
da investigação.
À polícia judiciária, cabe realiza todas as diligências determinadas pelo Ministério Público. Este,
por sua vez, pode realizar diretamente determinadas diligências autorizadas expressamente
por lei.
Art. 267º – Actos do Ministério Público - O Ministério Público pratica os actos e assegura os
meios de prova necessários à realização das finalidades referidas no artigo 262º, nº 1, nos
termos e com as restrições constantes dos artigos seguintes;
Ainda em Portugal, a Lei Orgânica do Ministério Público, no seu artigo 3º, diz que compete ao
Ministério Público "dirigir a investigação criminal, ainda quando realizada por outras entidades"
e "fiscalizar a atividade processual dos órgãos de polícia criminal."
O Ministério Público francês é o titular da ação penal pública e fiscal da lei, assim como no
Brasil, entretanto, os seus membros não possuem a estabilidade conferida aos juízes e estão
hierarquicamente subordinados ao Ministro da Justiça. A polícia judiciária é subordinada ao
Ministério Público, sendo este responsável pelo acompanhamento da investigação e,
excepcionalmente, responsável pela sua condução.
O Ministério Público da Espanha é denominado Ministerio Fiscal e atua sempre na defesa da
legalidade, como promotor da ação penal, como fiscal da lei (custos legis).
Constituirão a Polícia judicial e serão auxiliares dos Juízes e Tribunais competentes na matéria
penal e do Ministerio fiscal, ficando obrigados a seguir as instruções que daquelas autoridades
recebam a efeitos da investigação dos delitos e persecução dos delinqüentes.
É papel do Ministério Fiscal zelar pelas garantias processuais do acusado e pela proteção dos
direitos da vítima e outros prejudicados pelo delito.
Concluindo, observa-se que nos países onde uma versão do juizado de instrução é adotada, o
que ocorre é uma divisão de funções. Há um magistrado incumbido de gerenciar a colheita de
provas, decidindo quaisquer questões legais que surjam na fase investigatória, além de decidir
pela existência de lastro probatório mínimo para o início da ação penal. O juiz, neste caso, não
procede diretamente à coleta de provas, nesse sentido há eminentemente a vertente garantista
do juiz inerte, que apenas fiscaliza a investigação. Recebida a denúncia, o processo é
encaminhado para outro magistrado, que julgará o caso.
Já nos Estados Unidos, a função Ministerial é bem diversa, funcionado através de escritórios
particulares responsáveis pela acusação criminal, além disso é possível haver negociação
entre acusado e acusação, para o fim de melhorar as condições penais daquele, em troca de
algum interesse deste, cuja origem se remonta à necessidade de combate à alta criminalidade,
tornam o Ministério Público possuidor da conveniência e oportunidade da propositura e
exercício da ação penal.
Nesse perspectiva, cabe ao Ministério Público (District Attorney) proceder a negociações com
os acusados, celebrar acordos e manter em sigilo o nome de testemunhas, diante de tais
atribuições, revela-se sua ampla competência investigatória.
Ela Wiecko V. de CASTILHO [54] lembra que, no VIII Congresso das Nações Unidas sobre o
Delito, realizado em Havana em 1990, aprovou-se a seguinte diretriz:
É certo, por outro lado, que a investigação criminal deve ser neutra, sob pena de macular todo
o processo subseqüente. Seja qual for o órgão que colha as provas necessárias para embasar
a acusação criminal, deve ser um órgão técnico, objetivo e imparcial.
O entendimento pacífico no Superior Tribunal de Justiça está nesse sentido, tendo inclusive
editado, em 13 de dezembro de 1999, a Súmula nº 234, decidindo que a participação de
membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento
ou suspeição para o oferecimento da denúncia.
Como procedimento meramente informativo que é, o inquérito policial pode ser dispensado se
o titular da ação penal dispuser de elementos suficientes para o oferecimento da denúncia.
(DJU, 08/06/92, p. 8.594).
Exemplos desta orientação jurisprudencial são abundantes, sendo possível selecionar trechos
das decisões mais contundentes:
a) "Tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode
requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à instrução de seus
procedimentos administrativos, para fins de oferecimento da peça acusatória. A simples
participação na fase investigatória, coletando elementos para o oferecimento da denúncia, não
incompatibiliza o Representante do Parquet para a proposição da ação penal. A atuação do
Órgão Ministerial não é vinculada à existência do procedimento investigatório policial – o qual
pode ser eventualmente dispensado para a proposição da acusação" (RHC 8106/DF).
b) "Na esteira de precedentes desta Corte, malgrado seja defeso ao Ministério Público presidir
o inquérito policial propriamente dito, não lhe é vedado, como titular da ação penal, proceder
investigações. A ordem jurídica, aliás, confere explicitamente poderes de investigação ao
Ministério Público - art. 129, incisos VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e IV, e
§ 2º, da Lei Complementar n 75/1993" (RHC 15469/PR).
b) No Habeas Corpus 77.371/SP, relatado pelo Ministro Nelson Jobim e que tratava justamente
da oitiva de testemunha diretamente pelo Ministério Público, ficou consignada a possibilidade
da realização da diligência: "Quanto à aceitação, como prova, de depoimento testemunhal
colhido pelo Ministério Público, não assiste razão ao paciente, a Lei Orgânica do Ministério
Público faculta a seus membros a prática de atos administrativos de caráter preparatório
tendentes a embasar a denúncia."
c) O Recurso Extraordinário 205.473-9/AL, relatado pelo Ministro Carlos Mário Velloso teve
neste caso, um Procurador da República em Alagoas que requisitou ao Delegado da Receita
Federal no Estado a realização de algumas diligências investigatórias em uma empresa, para a
apuração de ilícitos fiscais. O Delegado informou que a matéria envolvia o "caso PC Farias",
cujas investigações estavam centralizadas na Coordenação Geral em Brasília. Diante da
recusa, o Procurador da República requisitou a instauração de inquérito contra o Delegado da
Receita. Suscitada a questão de o Ministério Público dirigir-se diretamente à autoridade
administrativa, sem recorrer à autoridade policial, pronunciou-se o Supremo Tribunal Federal
contrariamente aos entendimentos anteriores: "Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, CF, no
fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do Ministério
Público no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais,
mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais
investigações, mas requisitá-las à autoridade policial competente para tal (CF, art. 144, §§ 1° e
4°)".
E mais recentemente a Segunda Turma, reconheceu por unanimidade que existe previsão
constitucional de que o Ministério Público tem poder investigatório no Habeas Corpus
91661/PE, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, referente a uma ação penal instaurada a
pedido do Ministério Público, na qual os réus são policiais acusados de imputar a outra pessoa
crime mesmo sabendo que a acusação era falsa, que gerou grande repercussão por
praticamente sacramentar a questão no âmbito do STF.
Para Ministra Ellen Gracie, é perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova
a coleta de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e
materialidade de determinado delito.
Entendeu ainda que tal conduta não significaria retirar da Polícia Judiciária as atribuições
previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (artigos 129
e 144), de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos
fatos, mas também a formação da opinio delicti, e que o inquérito policial é dispensável, já que
o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa
causa para a denúncia. Aduziu-se que é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos
poderes implícitos. [57]
Ressalte-se que a impetração desse Habeas Corpus foi decorrente justamente de decisão
anterior do Superior Tribunal de Justiça, que entre outros pontos aduziu que há possibilidade
de investigação pelo Ministério Público, conforme se verifica da ementa do Acórdão:
Novas críticas já estão surgindo no âmbito doutrinário, levantando e aquecendo o debate mais
uma vez, mais atual do que nunca.
Nesse ponto, MOREIRA afirma que fundada na teoria dos poderes implícitos tal atribuição
transparece, desde que a investigação se enquadre nas atribuições ministeriais. [58]
Já para a Associação dos Delegados de Polícia do Rio de Janeiro adverte que além da matéria
não ser pacífica, ainda está pendente de julgamento pelo pleno e, portanto, não há vinculação
da posição da Ministra aos demais membros do Supremo Tribunal Federal, nem mesmo
eficácia erga omnis do julgado. [59]
Com exceção da referida Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1571-1-
DF, todas estas decisões foram das Turmas do Supremo Tribunal Federal, inexistindo,
portanto, decisão plenária sobre o tema com a atual composição da Suprema Corte.
CONCLUSÃO
É preciso que se tenha clara a idéia de que "presidência de inquérito policial" e "realização de
diligências investigatórias" consistem em conceitos díspares, cuja abrangência também é
distinta.
Essa compreensão torna mais claro o entendimento de que o anseio do Ministério Público não
é substituir-se à Polícia Judiciária ou presidir inquéritos policiais, mas tão-somente ter
reconhecida sua legitimidade para a realização de diligências investigatórias também na esfera
criminal.
Não se pode permitir, por outro lado, a regulamentação de tal atividade sem o devido processo
legal, como fez o Conselho Nacional de Justiça com a Resolução n. 13, que ampliou seus
próprios poderes, desrespeitando nesse ato os direitos e garantias individuais em seus
procedimentos investigativos.
Outrossim, a mudança de pensamento dos próprios agentes tanto de um como de outro órgão
é medida que se impõe, pois para que se possa diminuir a impunidade e a criminalidade,
prescinde de cooperação entre instituições para a consecução desse objetivo comum.
Se reconhecida a legitimidade do Ministério Público, como parece que caminha, pelo menos a
jurisprudência, necessita-se de mecanismos hábeis à efetivação de um controle sobre as
diligências investigatórias por ele conduzidas, para que não ocorram falhas, abuso de poder, e
desvirtuamento da função, o que pode ser realizado pelas corregedorias, pelos Conselhos
Nacionais e pelo Poder Judiciário.
Essa se afigura a solução mais oportuna e ajustada aos contornos que vem adquirindo o Brasil,
tanto no âmbito jurídico, quanto no social, carecendo rapidamente de legalização a
investigação Ministerial, mas sem ofensa ao Estado Democrático de Direito.
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