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Choque refere-se à perfusão inadequada dos tecidos devido ao desequilíbrio entre a

demanda de oxigênio dos tecidos e a capacidade do organismo de fornecê-la.


Classicamente, existem quatro categorias de choque: choque hipovolêmico, cardiogênico,
obstrutivo e distributivo.
O choque hipovolêmico ocorre quando há diminuição do volume intravascular a ponto de
comprometimento cardiovascular. O choque hipovolêmico pode ser devido à desidratação
grave através de uma variedade de mecanismos ou à perda de sangue.

Etiologia
Embora seja mais comumente considerado no contexto de um trauma, existem inúmeras
causas de choque hemorrágico que abrangem muitos sistemas. Trauma contuso ou
penetrante é a causa mais comum, seguida por fontes gastrointestinais superiores e
inferiores. Fontes obstétricas, vasculares, iatrogênicas e até urológicas foram descritas. O
sangramento pode ser externo ou interno. Uma quantidade substancial de perda sanguínea
a ponto de comprometimento hemodinâmico pode ocorrer no tórax, abdômen ou
retroperitônio. A própria coxa pode conter de 1 a 2 litros de sangue.

Choque hipovolêmico
O choque hipovolêmico é causado por uma redução do volume sanguíneo (hipovolemia).
É o tipo mais frequente de choque. Essa redução do volume pode ser devida a uma
hemorragia (causa mais frequente) em que há perda tanto de eritrócitos quanto de plasma, ou
a uma perda isolada de plasma, que ocorre em casos mais específicos.
De uma forma ou de outra, o que ocorre é uma queda na pressão de enchimento capilar
(PEC) ou pressão hidrostática.
A hemorragia pode ser externa (traumas etc.) ou interna (úlcera perfurada etc.). A fim de
recuperar a perfusão tecidual o organismo lança mão de estratégias fisiológicas como a
ativação simpática.
Essa ativação desencadeia três respostas principais.
- A primeira é a contração das arteríolas, que aumenta a resistência vascular
periférica (RVP).
- A segunda é a contração das veias, que aumenta o retorno venoso e,
consequentemente a pré-carga.
- E a terceira são os efeitos cardíacos diretos: o aumento da frequência cardíaca (efeito
cronotrópico positivo) e o aumento da força de contração do coração (efeito
inotrópico positivo) (PORTH; MATFIN, 2010).
Tais efeitos atuam em conjunto contribuindo para o aumento da pressão arterial (PA). Isso
por que: PA= DC X RVP, ou seja, a PA é diretamente proporcional ao débito cardíaco (DC) e
a resistência vascular periférica (RVP). Essa última foi aumentada com a contração arteriolar
mediada pelo simpático. O débito cardíaco, por sua vez; é dado por: DC = DS X FC, ou seja,
o débito cardíaco é diretamente proporcional ao débito sistólico (DS), que consiste no volume
de sangue ejetado pelo coração a cada batimento cardíaco, e à frequência cardíaca (FC). Esta
última foi alterada pela ativação simpática (efeito cronotrópico positivo). O débito sistólico,
por sua vez, sofre influência tanto da contratilidade cardíaca (efeito inotrópico positivo,
resultado da ativação simpática) quanto do retorno venoso (aumentado pela vasoconstrição
venosa).
O choque hipovolêmico pode ser facilmente diagnosticado caso haja sinais clínicos claros
de instabilidade hemodinâmica ou se a fonte de perda de volume sanguíneo for evidente.
Caso contrário, pode ser facilmente confundido com outro tipo de choque ou até mesmo, nem
diagnosticado como tal.

Choque cardiogênico
O choque cardiogênico é aquele em que a má perfusão tecidual é resultado do baixo
débito cardíaco oriundo de uma patologia cardíaca propriamente dita. A causa mais
comum é o infarto agudo do miocárdio (IAM), em que há falência da bomba cardíaca
ocasionada pela necrose de parede ventricular produzida pelo infarto. No entanto, há causas
mecânicas, como doenças valvares (orovalvopatias), que também podem comprometer de
forma significativa o débito cardíaco, levando ao choque cardiogênico.
Assim como ocorre no choque hipovolêmico, no choque cardiogênico também haverá
ativação simpática desencadeada pelos barorrecetores e quimiorreceptores. No entanto,
é importante ressaltar que neste tipo de choque, a bomba de propulsão (coração) está
comprometida. Isso porque, o IAM, por exemplo, se desenvolve exatamente por uma
diminuição da oferta de oxigênio pelas artérias coronárias, que nutrem o músculo cardíaco.
Com os efeitos simpáticos sobre o coração, este quadro se agrava. Além de a oferta estar
diminuída, a demanda metabólica do miocárdio aumentará, já que a contração e a
frequência cardíaca aumentadas consumirão ainda mais oxigênio

Choque distributivo
No choque distributivo, a má perfusão é resultado de uma vasodilatação periférica global
que ocasiona drástica redução da PEC, comprometendo o fornecimento de oxigênio pelos
capilares e a captura de oxigênio pelos tecidos. Nesse caso, o débito cardíaco encontra-se
preservado, dado que não há qualquer problema nem com a bomba cardíaca, nem com o
volume circulante de sangue. É importante observar que o choque distributivo é a única
modalidade de choque em que ocorre vasodilatação. Em todos os outros tipos de choque
vai ocorrer uma vasoconstrição reflexa, que ocorre como mecanismo compensatório
determinado pela ativação simpática.
No choque distributivo esse mecanismo compensatório não consegue atuar, já que a
musculatura lisa arteriolar se encontra seriamente lesada, não respondendo ao estímulo
simpático. Por esse motivo, o choque distributivo é o tipo de choque mais grave,
apresentando pior prognóstico e maiores índices de mortalidade.
A vasodilatação periférica que ocasiona o choque distributivo tem quatro causas distintas, as
quais dão nome aos quatro principais subtipos de choque distributivo: o séptico, o anafilático,
o neurogênico e o decorrente de crise adrenal.
A) Choque séptico
O choque séptico é decorrente de uma infecção grave, disseminada para todo o organismo.
Ocorre normalmente em ambiente hospitalar e acomete indivíduos com o sistema imune
comprometido ou aqueles que realizaram procedimentos invasivos. Neste tipo de choque,
uma infecção local é transmitida a outros tecidos pela corrente sanguínea, adquirindo
assim caráter sistêmico (sepse). Os agentes causadores da infecção são produtores de
toxinas que induzem à produção de mediadores inflamatórios como interleucinas, bem como
a síntese de óxido nítrico. Essas substâncias têm uma potente ação vasodilatadora. Essa
resposta inflamatória é crucial para o combate a infecções locais, e a vasodilatação local não
causa grandes prejuízos. No entanto, em uma infecção acometendo todo o organismo, uma
vasodilatação generalizada diminui a RVP e, consequentemente a PA e a PEC. Além
disso, a venodilatação causa a diminuição da pré-carga e do retorno venoso, diminuindo
o débito cardíaco. Como resultado, há a ativação da resposta simpática (o que explica a
taquicardia nos estágios iniciais deste choque), porém tal resposta não consegue reverter a
vasodilatação, uma vez que a microcirculação se encontra seriamente afetada.
Os mediadores inflamatórios liberados durante a sepse condicionam também um aumento da
permeabilidade vascular. Isso resulta numa perda de plasma para os espaços intersticiais,
além de uma perda concomitante de proteínas. Essa última diminui a pressão
coloidosmótica nos capilares e induz a uma perda ainda maior de plasma, agravando o
choque. Além disso, as endotoxinas podem atuar como um veneno metabólico,
intoxicando a musculatura lisa das arteríolas e produzindo uma vasodilatação generalizada
e refratária a qualquer mecanismo compensatório e tratamento. Isso faz do choque séptico
uma das principais causas de óbito nas unidades de terapia intensiva
B) Choque anafilático
A má perfusão tecidual no choque anafilático também é resultado de uma vasodilatação
generalizada e tem hemodinâmica semelhante ao choque séptico. No entanto, a causa é
distinta, pois no choque séptico a causa é infecção, enquanto no choque anafilático a
causa é alergia. De fato, no choque anafilático, o paciente sofre uma reação alérgica ao ser
exposto a um antígeno, a que é previamente sensível. A interação antígeno-anticorpo,
mediada pela imunoglobulina E, é extremamente significativa e provoca a degranulação de
mastócitos com consequente liberação de histamina (dentre outros mediadores). A
histamina produz venodilatação, diminuindo o retorno venoso; vasodilatação arteriolar,
diminuindo a resistência vascular periférica; e aumento da permeabilidade vascular,
causando extravasamento de plasma e proteínas dos capilares para os espaços
intersticiais. O grande aumento da permeabilidade pode produzir o edema de glote, que
muitas vezes leva ao óbito antes mesmo que o choque circulatório se instale (KNOBEL,
2006). Obviamente, nem toda reação alérgica produz choque anafilático. A intensidade e a
distribuição dessa reação irão depender do grau de hipersensibilidade do indivíduo àquele
determinado antígeno. No entanto, há casos em que tal reação é tão significativa que leva o
indivíduo à morte em poucos minutos.
C) Choque neurogênico
O choque neurogênico culmina na má perfusão tecidual pela perda súbita do tônus
vascular. Tônus vascular é um estado de ligeira contração mantido nos vasos sanguíneos
pelo sistema nervoso autônomo, e é crucial para a manutenção da PA e da PEC. A perda
desse tônus de forma sistêmica causa dilatação das arteríolas - diminuição da RVP -, e das
vênulas - diminuindo o retorno venoso. Esse desequilíbrio hemodinâmico causa o choque,
semelhante ao anafilático e ao séptico. O choque neurogênico ocorre devido à injúria no
centro vasomotor no sistema nervoso central. Tal injúria pode ser proveniente de anestesia
geral profunda (por excessiva depressão do centro vasomotor), uso de drogas ou fármacos
que deprimem o sistema nervoso central, anestesia espinhal (por bloqueio da descarga
simpática acima da medula espinhal) ou por lesão cerebral difusa que cause paralisia
vasomotora.

Choque obstrutivo
O choque obstrutivo é ocasionado por uma obstrução ou uma compressão dos grandes
vasos ou do próprio coração. Pode ocorrer por diversas causas, porém três merecem
destaque. O pneumotórax hipertensivo pode levar ao choque obstrutivo por ser uma situação
aguda de aumento da pressão intratorácica. Neste caso as grandes veias podem sofrer
pressão em sua superfície externa diminuindo seu calibre em trechos sensíveis. É importante
recordar a lei de Poiseuille, que diz que o fluxo é diretamente proporcional à quarta potência
do raio. Ou seja, não é necessário uma diminuição muito grande no calibre do vaso para que
seu fluxo diminua significativamente. No entanto, há casos em que o calibre é extremamente
diminuído ou o vaso é até mesmo colapsado. A passagem da veia cava inferior pelo
diafragma, na parte direita do centro tendíneo, é um bom exemplo. Um pneumotórax poderia
desviar todas as estruturas torácicas lateralmente, inclusive a veia cava. No entanto, como ela
encontra-se fixa no forame da veia cava inferior, ao desviar-se, ela sofre estrangulamento.
Neste caso o retorno venoso estaria seriamente comprometido, diminuindo por
conseguinte o débito cardíaco, ocasionando o choque.
O tamponamento cardíaco é outra causa de choque obstrutivo. Neste caso, por algum motivo,
ocorre um acúmulo de líquido entre as lâminas parietal e visceral do pericárdio seroso
do coração. Como o pericárdio fibroso – externo ao seroso – tem uma consistência firme
(formado por esqueleto de fibras elásticas entrelaçado com uma camada densa de fibras
colágenas), este impede que esse acúmulo de líquido no pericárdio seroso se faça de forma a
aumentar o volume do pericárdio como um todo. Logo, ocorre um aumento concêntrico do
pericárdio, comprimindo o coração. A compressão do coração compromete sua dilatação
na diástole, comprometendo o volume diastólico final (que consiste no volume de sangue que
se encontra no ventrículo esquerdo ao final da diástole). Com um volume diastólico baixo, o
débito sistólico também se comprometerá, diminuindo o débito cardíaco e levando ao choque
(PORTO, 2005).
O tromboembolismo pulmonar também causa choque obstrutivo. A existência de um
trombo na circulação venosa, normalmente em membros inferiores, pode ser o ponto de
partida para a ocorrência deste choque. O atrito entre o trombo e o fluxo sanguíneo acaba
por destacar pequenos êmbolos. Esses êmbolos seguem para o coração direito, ganham as
artérias pulmonares e chegam aos capilares pulmonares. O pequeno calibre destes vasos faz
com que os êmbolos fiquem estacionados, formando microtrombos e obstruindo os capilares
pulmonares. Caso esse fenômeno ocorresse com poucos capilares pulmonares, não haveria
maiores repercussões. No entanto, isso ocorre com milhares deles. Com a rede capilar
significativamente obstruída, não há quantidade considerável de sangue para retornar
ao coração. Como pouco sangue chega ao átrio esquerdo, pouco sangue será entregue ao
ventrículo esquerdo e, por conseguinte, pouco sangue será bombeado para o organismo
(baixo débito cardíaco). Essa situação hemodinâmica provoca, portanto, o choque.

Epidemiologia
O trauma continua sendo uma das principais causas de morte em todo o mundo, com
aproximadamente metade delas atribuídas à hemorragia. Nos Estados Unidos, em 2001, o
trauma foi a terceira principal causa de morte em geral e a principal causa de morte entre
pessoas com idade entre 1 e 44 anos. Embora o trauma abranja todos os grupos demográficos,
afecta desproporcionalmente os jovens, com 40% das lesões a ocorrerem em idades de 20
anos. para 39 anos pela conta de um país. Desses 40%, a maior incidência ocorreu na faixa de
20 a 24 anos. [5] [6] [7]
A preponderância de casos de choque hemorrágico decorrente de trauma é elevada. Durante
um ano, um centro de trauma relatou que 62,2% das transfusões maciças ocorreram no
contexto de trauma. Os demais casos estão divididos entre cirurgia cardiovascular, cuidados
intensivos, cardiologia, obstetrícia e cirurgia geral, com trauma utilizando mais de 75% dos
hemoderivados.
À medida que os pacientes envelhecem, as reservas fisiológicas diminuem, a probabilidade
de uso de anticoagulantes aumenta e o número de comorbidades aumenta. Devido a isso, os
pacientes idosos têm menos probabilidade de lidar com o estresse fisiológico do choque
hemorrágico e podem descompensar mais rapidamente.
Fisiopatologia
O choque hemorrágico é devido à depleção do volume intravascular através da perda de
sangue a ponto de ser incapaz de atender à demanda de oxigênio dos tecidos.
➔ O choque caracteriza-se por colapso circulatório, levando à inadequada perfusão
tecidual.
➔ Perdas de 20-30% do volume sangüíneo circulante levam ao choque, perdas de
até 10% não têm expressão clínica.
➔ Há, portanto, um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de oxigênio e
nutrientes, e um acúmulo de produtos metabólicos de excreção celular (como o
gás carbônico) pela insuficiência na sua remoção
A perda de volume circulante, sangue, plasma e líquido, gera no organismo resposta
compensatória de estímulo simpático.
- à medida que os receptores de volume do átrio direito e das grandes veias detectam
menor retorno venoso ao coração.
- Esta resposta é traduzida pela liberação de adrenalina da medula adrenal e
noradrenalina das terminações nervosas simpáticas.
- A resposta vasoconstritora atinge todos os leitos vasculares ricos em receptores
α-adrenérgicos, direcionando o sangue para os territórios cerebral e coronariano ->
Esta resposta, que tende a preservar os órgãos nobres
Durante a evolução do choque hipovolêmico podem ocorrer graves alterações
hemodinâmicas, respiratórias e metabólicas, agravando ainda mais o delicado equilíbrio
homeostático.

Na tentativa de estabilizar essas funções, o organismo busca mecanismos fisiológicos


de defesa, assim como ativação das catecolaminas que, através de seus efeitos
cardiovasculares, buscam manter a perfusão tecidual pelo aumento do débito cardíaco e
da pressão arterial sistólica.
- A vasoconstrição periférica, causada pelas catecolaminas, provoca desvio
do sangue para os órgãos nobres, como coração e cérebro, determinando
aumento da pressão arterial diastólica .
No sistema respiratório há broncodilatação e aumento da freqüência respiratória, na
tentativa de aumentar o conteúdo arterial de oxigênio.
Os distúrbios de água e eletrólitos no choque estão relacionados basicamente ao sódio, pois
há aumento da produção de aldosterona por estimulação da supra-renal pelo estresse
e/ou pela ativação direta do sistema renina - angiotensina – aldosterona, que causam
retenção de sódio e água, mantendo o controle da volemia.
Após o trauma, o hormônio anti-diurético (ADH) é secretado em grande quantidade pela
hipófise posterior, provocando reabsorção de água, traduzida como oligúria nas primeiras
horas após a perda volêmica.
O aumento da resistência vascular periférica pode diminuir o fluxo sangüíneo periférico,
causando grave acidose metabólica, associada à diminuição de insulina e liberação de
glicose pelo fígado, ocorrendo hiperglicemia.
O glucagon, por sua vez, induz gliconeogênese a partir de proteínas musculares e
glicogenólise hepática.
As catecolaminas mobilizam ácidos graxos endógenos, que constituem a primeira fonte de
energia após o trauma.
A soma dessas ações resulta no aumento da glicose circulante, que é captada e utilizada
por órgãos nobres, como o cérebro, os quais não são insulino-dependentes.
Em situação de hipovolemia grave, com perda de sangue acima de 40%, esses
mecanismos fisiológicos compensadores estão prejudicados e são incapazes de manter a
perfusão cerebral e cardíaca.
★ Sabendo-se que o choque hemorrágico é caracterizado por redução do volume
sangüíneo, o qual diminui o transporte de oxigênio e concomitantemente a
perfusão tecidual, restaurando-se a volemia recupera-se o equilíbrio hemodinâmico
e, conseqüentemente, a perfusão tecidual
Os fluidos empregados atualmente compreendem as soluções cristalóides, o plasma, a
albumina e as soluções de colóides sintéticos, como as gelatinas, dextranas e, mais
recentemente, os amidos. A escolha normalmente é realizada frente à concentração de sódio
de cada solução ou à pressão oncótica que cadafluido possui.As soluções cristalóides
isotônicas, como por exemplo a solução fisiológica e o Ringer com lactato, possuem
concentração de sódio que se assemelha à do plasma e são desprovidas de proteína, não
possuindo, portanto, pressão oncótica.
Os colóides possuem elevada pressão oncótica, são efetivos em pequenos volumes e
promovem expansão volêmica de longa duração. A princípio, estas soluções seriam então a
melhor escolha quando, entre outros objetivos, almeja-se, sobretudo, a expansão da
volemia.A utilização de colóides é dispendiosa e, além disto, estas substâncias podem
promover reações alérgicas ou distúrbios da hemostasia, fato que não se observa com o
emprego das soluções cristalóides. Outro aspecto que certamente dificulta a escolha é a
existência de inúmeras controvérsias acerca do uso dos colóides ou cristalóides 6,7,10.
Uma vez restabelecida provisoriamente a hemodinâmica após a expansão volêmica, se
houver necessidade de terapêutica cirúrgica para reparação do sangramento a anestesia se faz
necessária e a indução, nessas condições, exige cuidados especiais, destacando-se a escolha
de fármacos seguros, os quais nem sempre estão disponíveis.

Hemorragia
É o extravasamento de sangue dos vasos sanguíneos através de uma ruptura nas suas
paredes. A hemorragia pode ser classificada em:
• externa - visível porque extravasa para o meio ambiente;
• interna - o sangue extravasa para o interior do próprio corpo, dentro dos tecidos ou
cavidades naturais.
Conforme o tipo de vaso sanguíneo lesado, considera-se a hemorragia mais ou menos
grave:
• Hemorragia arterial – perda de sangue de uma artéria. O sangue é de coloração
viva, vermelho claro e derramado em jato, conforme o batimento cardíaco. Geralmente é
rápida e de difícil controle.
• Hemorragia venosa – perda de sangue por uma veia. Sangramento de coloração
vermelho-escuro, em fluxo contínuo, sob baixa pressão. Considerada grave se a veia
comprometida for de grosso calibre.
• Hemorragia capilar – sangramento por um leito capilar. Flui de diminutos vasos da
ferida. De coloração avermelhada, menos vivo que o arterial, é facilmente controlado.
É importante reconhecer o grau de perda de sangue por meio de sinais vitais e anormalidades
do estado mental. A classificação de choque hemorrágico do American College of
Surgeons Advanced Trauma Life Support (ATLS) relaciona a quantidade de perda de
sangue às respostas fisiológicas esperadas em um paciente saudável de 70 kg. Como o
volume total de sangue circulante representa aproximadamente 7% do peso corporal
total, isso equivale a aproximadamente cinco litros em um paciente masculino médio de 70
kg.

● Classe 1: Perda de volume de até 15% do volume sanguíneo total,


aproximadamente 750 mL. A frequência cardíaca está minimamente elevada ou
normal. Normalmente, não há alteração na pressão arterial, pressão de pulso ou
frequência respiratória.
● Classe 2: Perda de volume de 15% a 30% do volume sanguíneo total, de 750 mL
a 1.500 mL. A frequência cardíaca e a frequência respiratória tornam-se elevadas
(100 BPM a 120 BPM, 20 RR a 24 RR). A pressão de pulso começa a diminuir, mas a
pressão arterial sistólica pode permanecer inalterada ou ligeiramente diminuída.
● Classe 3: Perda de volume de 30% a 40% do volume sanguíneo total, de 1.500
mL a 2.000 mL. Ocorre uma queda significativa na pressão arterial e alterações no
estado mental. A frequência cardíaca e a frequência respiratória estão
significativamente elevadas (mais de 120 BPM). A produção de urina diminui. A
recarga capilar está atrasada.
● Classe 4: Perda de volume superior a 40% do volume sanguíneo total. Hipotensão
com pressão de pulso estreita (menos de 25 mmHg). A taquicardia torna-se mais
pronunciada (mais de 120 BPM) e o estado mental torna-se cada vez mais alterado. A
produção de urina é mínima ou ausente. A recarga capilar está atrasada.

Novamente, o que foi dito acima é descrito para um indivíduo saudável de 70 kg. Fatores
clínicos devem ser levados em consideração na avaliação dos pacientes. Por exemplo,
pacientes idosos que tomam betabloqueadores podem alterar a resposta fisiológica do
paciente à diminuição do volume sanguíneo, inibindo os mecanismos de aumento da
frequência cardíaca. Por outro lado, pacientes com hipertensão basal podem estar
funcionalmente hipotensos com pressão arterial sistólica de 110 mmHg.

Avaliação
O primeiro passo no manejo do choque hemorrágico é o reconhecimento. Idealmente, isso
deve ocorrer antes do desenvolvimento da hipotensão. Deve-se prestar muita atenção às
respostas fisiológicas ao baixo volume sanguíneo. Taquicardia, taquipneia e estreitamento
da pressão de pulso podem ser os sinais iniciais. Extremidades frias e retardo no
enchimento capilar são sinais de vasoconstrição periférica.
DIAGNÓSTICO
Ocorre principalmente por meio de sinais e sintomas:
• Hipotensão; PAM < 65 mm Hg; PAS <100mmHg
• Taquicardia (mais precoce quanto mais jovem o paciente for); >90bpm; > 22 irpm
• Oligúria; diurese < de 1 ml/kg/h;
• Depressão/rebaixamento/confusão/sonolência do estado mental; glasgow <15
• Pele fria e pegajosa;
• Tempo de enchimento capilar alargado maior que 2 segundos;
• Mottling score (que é visto a partir da extensão do livedo reticular).
● lactato > a 2 mmol/L, em repouso, e até 5 mmol/L durante o exercício
No cenário de trauma, uma abordagem algorítmica por meio de pesquisas primárias e
secundárias é sugerida pelo ATLS. Exames físicos e avaliações radiológicas podem ajudar a
localizar fontes de sangramento. Um ultrassom de trauma, ou Avaliação Focada com
Sonografia para Trauma (FAST), foi incorporado em muitas circunstâncias nas pesquisas
iniciais. A especificidade de um exame FAST foi relatada acima de 99%, mas um
ultrassom negativo não exclui patologia intra-abdominal.
Tratamento / Gestão
Com uma compreensão mais ampla da fisiopatologia do choque hemorrágico, o tratamento
no trauma expandiu-se de um simples método de transfusão maciça para uma estratégia de
gestão mais abrangente de “ressuscitação para controle de danos”. O conceito de reanimação
para controle de danos concentra-se na hipotensão permissiva, na reanimação hemostática e
no controle da hemorragia para tratar adequadamente a “tríade letal” de coagulopatia,
acidose e hipotermia que ocorre no trauma.
A reanimação hipotensiva tem sido sugerida para o paciente com choque hemorrágico sem
traumatismo cranioencefálico. O objetivo é atingir uma pressão arterial sistólica de 90
mmHg, a fim de manter a perfusão tecidual sem induzir novo sangramento de vasos
recentemente coagulados.
❖ O que é hipotensão permissiva?
- É aceitar uma PA um pouco abaixo do normal, a fim de evitar um sangramento
maior.
A hipotensão permissiva é um meio de restringir a administração de fluidos até que a
hemorragia seja controlada, ao mesmo tempo que se aceita um curto período de perfusão
subótima do órgão-alvo.
Para a reanimação cristaloide, solução salina normal e ringer com lactato são os fluidos mais
comumente usados. Devemos tratar com reposição volêmica todo doente em choque! A
conduta inicial consiste em dois acessos venosos calibrosos, de preferência em fossas
anticubitais, com a infusão de 1L de cristaloide aquecido a 39°C.
A solução salina normal tem a desvantagem de causar acidose metabólica
hiperclorêmica sem hiato aniônico devido ao alto teor de cloreto, enquanto ringers com
lactato podem causar alcalose metabólica à medida que o metabolismo do lactato se
regenera em bicarbonato.

- Paciente sem qualquer alteração (até mesmo sem taquicardia) = grau I.
- Paciente com pressão normal, mas taquicárdico = grau II; hipotensão = graus III
ou IV (lembrar de fazer transfusão).
- Grau IV é o doente muito grave, já letárgico e evoluindo a óbito.
Tendências recentes na reanimação para controle de danos concentram-se na “ressuscitação
hemostática”, que incentiva o uso precoce de hemoderivados, em vez de uma abundância de
cristaloides, a fim de minimizar o distúrbio metabólico, a coagulopatia induzida pela
reanimação e a hemodiluição que ocorre com a reanimação com cristaloides.

A escolha do tipo de fluido depende da causa do déficit.

Hemorragia

A perda de glóbulos vermelhos diminui a capacidade de transporte de oxigênio. No


entanto, o corpo aumenta o débito cardíaco para manter o fornecimento de oxigênio (DO2)
e aumenta a extração de oxigênio. Assim, fluidos não portadores de oxigênio (por exemplo,
soluções cristaloides ou coloides) podem ser usados ​para restaurar o volume intravascular
em perdas sanguíneas leves a moderadas.

No entanto, no choque hemorrágico grave, são necessários produtos sanguíneos. A


administração precoce de plasma e plaquetas provavelmente ajuda a minimizar a
coagulopatia dilucional e de consumo que acompanha a hemorragia maior. Uma proporção
de 1 unidade de plasma para cada 1 unidade de glóbulos vermelhos e cada 1 unidade de
plaquetas é atualmente recomendada.

Quando o paciente estiver estável, se a hemoglobina for < 7 g/dL (70 g/L) a capacidade de
transporte de oxigênio deve ser restaurada por infusão de sangue adicional (ou no futuro
por substitutos do sangue).

As soluções cristalóides para reposição de volume intravascular são tipicamente isotônicas


(por exemplo, solução salina 0,9% ou lactato de Ringer). A água viaja livremente para fora
da vasculatura, de modo que apenas 10% do líquido isotônico permanece no espaço
intravascular. Com fluido hipotônico (por exemplo, solução salina 0,45%), ainda menos
permanece na vasculatura e, portanto, esse fluido não é usado para ressuscitação.

Tanto a solução salina 0,9% quanto o lactato de Ringer são igualmente eficazes; O lactato de
Ringer pode ser preferido no choque hemorrágico porque minimiza um pouco a acidose e
não causa hipercloremia.
A solução salina hipertônica não é recomendada para ressuscitação porque as evidências
sugerem que não há diferença no resultado quando comparado aos fluidos isotônicos.

As soluções coloides (por exemplo, hidroxietilamido, albumina, dextranos) também são


eficazes para reposição de volume durante hemorragia importante. No entanto, as soluções
colóides não oferecem grande vantagem sobre as soluções cristalóides, o hidroxietilamido
aumenta o risco de lesão renal e a albumina tem sido associada a piores resultados em
pacientes com lesão cerebral traumática. Tanto os dextranos quanto o hidroxietilamido
podem afetar adversamente a coagulação quando > 1,5 L é administrado.

O sangue normalmente é dado como concentrados de hemácias, que devem ser cruzados,
mas em uma situação de urgência, 1 a 2 unidades de sangue tipo O Rh negativo são uma
alternativa aceitável. Quando > 1 a 2 unidades são transfundidas (por exemplo, em grandes
traumas), o sangue é aquecido a 37°C. Os pacientes que recebem > 6 unidades podem
necessitar de reposição dos fatores de coagulação com infusão de plasma fresco
congelado ou crioprecipitado e transfusão de plaquetas.

Hipovolemia não hemorrágica

Soluções cristaloides isotônicas são normalmente administradas para reposição


intravascular durante choque e hipovolemia. As soluções colóides geralmente não são
usadas. Pacientes com desidratação e volume circulatório adequado normalmente
apresentam déficit de água livre e soluções hipotônicas (por exemplo, dextrose a 5% em
água, solução salina a 0,45%) são usadas.

❖ Qual a indicação de transfusão no trauma?


Choque hemorrágico graus III e IV.
➔ A transfusão costuma estar indicada para pacientes com choque hemorrágico
graus III e IV e pacientes que responderam transitoriamente, ou não
responderam, à infusão de cristaloides.
A transfusão de mais de dez concentrados de hemácias nas primeiras 24 horas associada à
transfusão de plaquetas e plasma é conduta de exceção e fica reservada a politraumatizados
muito graves, com choque hemorrágico intenso (grau IV). A essa conduta, dá-se o nome de
Protocolo de Transfusão Maciça.
A Reanimação de Controle de Danos (RCD) é um tipo de reanimação balanceada,
principalmente usando o esquema 1:1:1; Hipotensão permissiva (com pressão arterial
sistólica entre 70-90mmHg e PAM = 50mmHg por até 1h em casos selecionados), com
proposta inicial de 1.000 mL de cristaloides em vez de 2.000 mL, e reposição precoce de
hemoderivados, principalmente em perdas de volemia maiores de 30%, fazem parte da nova
abordagem no choque hipovolêmico.
Além dos hemoderivados, produtos que previnem a degradação da fibrina em coágulos, ou
antifibrinolíticos, têm sido estudados por sua utilidade no tratamento de choque hemorrágico
em pacientes traumatizados.
➔ ácido tranexâmico (transamin), um fármaco anti fibrinolítico que atua no controle
da hemorragia se prescrito até 3 horas após o trauma. Há indicação em traumas
graves com choque hemorrágico graus III e IV, que geralmente evoluem com
coagulopatia.
➔ A diurese adequada de um politraumatizado adulto deve ser > 0,5 mL/kg/h!
Diagnóstico diferencial
Embora a hemorragia seja a causa mais comum de choque no paciente traumatizado, outras
causas de choque devem permanecer no diferencial. O choque obstrutivo pode ocorrer no
contexto de pneumotórax hipertensivo e tamponamento cardíaco. Essas etiologias devem ser
descobertas na pesquisa primária. No contexto de traumatismo cranioencefálico, uma
resposta simpática inadequada, ou choque neurogênico, é um tipo de choque distributivo
causado por uma diminuição na resistência vascular periférica. Isto é sugerido por uma
frequência cardíaca inadequadamente baixa no contexto de hipotensão. Contusões cardíacas e
infartos podem resultar em choque cardiogênico. Finalmente, devem ser consideradas outras
causas que não estejam relacionadas a trauma ou perda sanguínea. No paciente indiferenciado
com choque, o choque séptico e as causas tóxicas também estão no diferencial.
O trauma é a causa mais comum de choque hemorrágico, mas as causas podem abranger
vários sistemas.
A taquicardia é normalmente o primeiro sinal vital anormal de choque hemorrágico. À
medida que o corpo tenta preservar o fornecimento de oxigênio ao cérebro e ao coração, o
sangue é desviado das extremidades e dos órgãos não vitais. Isso causa extremidades frias e
modeladas com retardo no enchimento capilar. Esse desvio acaba levando ao agravamento da
acidose.
A “tríade letal” do trauma é acidose, hipotermia e coagulopatia.
A coagulopatia induzida por trauma pode ocorrer na ausência da hemodiluição da
reanimação.
A reanimação para controle de danos é baseada em três princípios: hipotensão permissiva,
reanimação hemostática e cirurgia para controle de danos. A hipotensão permissiva visa
uma pressão arterial sistólica de 90 mmHg, aceitando perfusão subótima para órgãos-alvo por
um tempo limitado para atingir a hemostasia.

HEMOSTASIA

A hemostasia consiste em uma série eficiente, porém complexa, de mecanismos


hemodinâmicos, celulares e bioquímicos, que limita a perda sanguínea através da
formação de tampões de plaqueta-fibrina nos locais de lesão vascular.
Na hemostasia primária temos os processos de adesão, ativação e agregação das plaquetas.
Já na hemostasia secundária temos a formação da fibrina, a partir de duas vias principais (via intrínseca, via
extrínseca) e uma via comum.

Em um primeiro momento, após a lesão do vaso, acontece a vasoconstrição arteriolar, o


que reduz, temporariamente, o fluxo sanguíneo local. -> finalidade diminuir
transitoriamente a perda sanguínea e pode também promover a formação do tampão de
plaqueta-fibrina.
A adesão plaquetária se inicia com a formação do coágulo e depende do fator de von
Willebrand (fvW) e da glicoproteína plaquetária (Gp1b).
- Sob estresse de cisalhamento o fvW sofre alteração de sua conformação, assumindo
uma forma estendida que permite sua ligação simultânea ao colágeno na matriz
extracelular e à Gp1b plaquetária.
- A adesão plaquetária leva a uma alteração de forma e secreção de ambos os tipos
de grânulos, irreversível, chamado ativação plaquetária.
- As plaquetas são ativadas por mediadores inflamatórios e se ligam aos receptores de
glicoproteína Ib (GpIb) ao fator de von Willebrand (fvW) na matriz extracelular
exposta, sofrendo alteração de forma e liberação de grânulos.

A adenosina difosfato liberada (ADP) e o tromboxano A2 (TxA2) induzem a agregação


plaquetária adicional pela ligação de receptores Gp IIb-IIIa ao fibrinogênio, ocorrendo a
adesão das mesmas à parede do vaso no local da lesão e posterior agregação de umas
com as outras, levando à construção de uma massa oclusiva de plaquetas e formação do
tampão primário hemostático inicial.
- Esse efeito é fugaz, porém, e o sangramento rapidamente retornaria se não fosse a
ativação de plaquetas e dos fatores de coagulação.
- Esse tampão de plaquetas é friável e, a menos que seja posteriormente estabilizado
pela fibrina, será levado embora pela pressão sanguínea local quando a
vasoconstrição for revertida.
A lesão vascular também ativa os fatores de coagulação que interagem sequencialmente
para formar a trombina, responsável pela conversão do fibrinogênio plasmático, circulante
e solúvel, em fibrina, com ligações cruzada e insolúvel.
Esta forma o tampão secundário hemostático, que é relativamente resistente à
dispersão pelo fluxo sanguíneo ou fibrinólise.

A lesão endotelial expõe o fator tecidual, conhecido como fator III ou tromboplastina,
uma glicoproteína pró-coagulante envolta por membrana sintetizada pelas células endoteliais,
quando exposto, age em conjunto com o fator VII, e é o principal gatilho in vivo da cascata
de coagulação, e sua ativação, eventualmente, culmina na ativação da trombina, que tem
vários papéis na regulação da coagulação.
Se o processo de formação e degradação de fibrina não fosse controlada, haveria oclusão
vascular. Por isso, a natureza produziu, então, um sistema fibrinolítico.
O sistema é ativado, basicamente, pela formação de fibrina local, resultando na geração
local de plasmina, uma enzima que digere os tampões de fibrina, de forma simultânea aos
processos de reparo tecidual, mantendo, assim, a desobstrução vascular.
A degradação da fibrina leva à formação de produtos de degradação da fibrina (PDF)
circulantes.

A cascata de coagulação consiste em um importante braço do sistema hemostático, que é


baseada em uma série sucessiva de reações enzimáticas amplificadoras.

➔ Em passos subsequentes, em cada etapa do processo, uma proenzima sofre lise para
se tornar uma enzima ativa, a qual por sua vez faz a proteólise da proenzima
seguinte na série culminando com a formação de fibrina.

Tradicionalmente, a coagulação sanguínea divide-se em vias extrínseca e intrínseca,


convergindo na ativação do fator X.

Na via intrínseca, o fator XII é ativado pelo contato com alguma superfície carregada
negativamente, por exemplo, colágeno ou endotoxina. Além do fator XII, estão envolvidos
neste processo o fator XI, a pré-calicreína e o cininogênio de alto peso molecular. Tanto o
fator XI quanto a pré-calicreína necessitam do cininogênio de alto peso molecular para
efetuar a adsorção à superfície em que está ligado o fator XIIa.
Da interação destes elementos é ativado o fator XI, que transforma o fator IX em
IXa.
O fator IXa e o fator VIIa associam-se à superfície de fosfolipídio através de uma “ponte” de
cálcio estimulando a conversão de fator X para Xa.

Na via extrínseca, o fator VII plasmático, na presença do seu cofator, o fator tecidual ou
tromboplastina, ativa diretamente o fator X. Nela, a ativação do fator XII ocorre quando o
sangue entra em contato com uma superfície, contendo cargas elétricas negativas. Tal
processo é denominado “ativação por contato” e requer, ainda, a presença de outros
componentes do plasma: pré-calicreína (uma serinoprotease) e cininogênio. O fator XIIa ativa
o fator XI, que, por sua vez, ativa o fator IX.

A via final comum, quer sejam iniciados pela via extrínseca ou intrínseca, consiste na
sequência da ativação do fator IXa, na presença de fator VIII, ativa o fator X da coagulação,
desencadeando a conversão de protrombina em trombina e subsequente fibrinogênio
em fibrina.
Atualmente, aceita-se que mecanismos hemostáticos, fisiologicamente relevantes estejam
associados com três complexos enzimáticos procoagulantes, os quais envolvem
serinoproteases dependentes de vitamina K (fatores II, VII, IX e X) associadas a cofatores (V
e VIII), todos localizados em uma superfície de membrana contendo fosfolipídeos.

Hemostasia Terciária: ocorre a remodelação da rede de fibrina (fibrinólise),


o que permite que o fluxo sanguíneo retorne ao seu normal. A fibrina é
degradada pela plasmina, proveniente do plasminogênio.

Alterações em qualquer ponto deste complexo sistema podem levar a


maior risco de sangramento (coagulopatias) ou de trombose.

Podemos avaliar a função dos dois braços da via usando dois testes-padrão.
❖ O tempo de protrombina (TP) faz a triagem da atividade das proteínas na via
extrínseca (fatores VII, X, II, V e fibrinogênio).
➢ O TP é realizado por adição de fosfolipídeos e fator tecidual ao plasma citrato
do paciente, o citrato de sódio serve para quelar o cálcio e impedir a
coagulação espontânea, seguido pelo cálcio, e o tempo para a formação de
coágulo de fibrina (geralmente 11-13 segundos) é registrado.
➢ Como o fator VII é um fator de coagulação dependente de vitamina K com
meia-vida menor, aproximadamente sete horas, o TP é usado para guiar o
tratamento dos pacientes com antagonistas de vitamina K.

❖ O tempo de tromboplastina parcial (TTP), serve para a triagem da atividade das


proteínas na via intrínseca (fatores XII, XI, IX, VIII, X, V, II e fibrinogênio).
➢ É um exame realizado com a adição de um ativador com carga negativa do
fator XII e fosfolipídeos ao plasma citrato do paciente, seguido por cálcio,
registrando-se o tempo necessário para a formação do coágulo (normalmente,
28-35 segundos).
➢ O TTP é sensível aos efeitos anticoagulantes e, portanto, é usado para
monitorar sua eficácia.

TRANSFUSÃO DE HEMOCOMPONENTES E DERIVADOS


O sangue é composto por várias substâncias, onde cada uma delas tem uma função.
★ Os hemocomponentes são partes do sangue total separados por processos físicos,
são os produtos gerados em serviços de hemoterapia através de técnicas de
centrifugação que permitem o fracionamento da bolsa de sangue total em
concentrado de hemácias, concentrado de plaquetas, plasma fresco congelado e
crioprecipitado.

★ Já os hemoderivados são produtos obtidos em escala industrial, a partir do


fracionamento do plasma por processos físico-químicos que incluem albumina,
globulinas e concentrado de fatores de coagulação, sendo o complexo protrombínico
contendo fatores dependentes da vitamina K; concentrado de fibrinogênio contendo
fibrinogênio somado ao fator de von Willebrand (fvW).
Existem 13 tipos diferentes de fatores de coagulação e os seus nomes são expressos em
algarismos romanos. Assim, existe desde o Fator I até o Fator XIII. A hemoterapia é o
emprego terapêutico do sangue, que pode ser transfundido com seus componentes e
derivados. A transfusão de hemocomponentes e hemoderivados faz parte do exercício da
medicina e o manejo de pacientes portadores de doenças hematológicas e os submetidos a
procedimentos invasivos, entre outras indicações.
Como em todos os procedimentos, a hemotransfusão não é isenta de riscos e pode
levar a complicações agudas ou tardias, como qualquer outra intervenção terapêutica.

Entre suas indicações de transfusão de plaquetas temos: sangramento ativo


oftálmico ou em sistema nervoso central (SNC) com contagem de plaquetas menor que 100
mil e sangramento ativo em outros sítios com plaquetas menores que 50 mil.
As indicações estão associadas, basicamente, às trombocitopenias desencadeadas por
falência medular, particularmente no que se refere ao uso profilático. Raramente
recomenda-se transfundir plaquetas em casos de destruição periférica ou alterações
congênitas da função plaquetária. Nesses casos, a transfusão é feita apenas na presença de
sangramentos graves e potencialmente fatais ou quando há necessidade de procedimentos
invasivos na ausência de respostas a outros métodos.
Em geral, faz-se um concentrado de plaquetas para cada 7-10 kg de peso em
adultos. Em pacientes pediátricos, a dose preconizada é de 5-10 mL/kg.
- A transfusão de plasma contém proteínas da coagulação e está indicado no
tratamento de pacientes com distúrbios da coagulação (sangramento
causado por deficiência de múltiplos fatores da coagulação, como nos casos de
hepatopatia e coagulação intravascular disseminada; sangramento grave
causado por uso de anticoagulantes orais antagonistas da vitamina K ou
necessidade de reversão urgente da anticoagulação; transfusão maciça com
sangramento por coagulopatia; utilização como líquido de reposição na
plasmaférese para tratamento de púrpura trombocitopênica trombótica).
- Não é recomendado o uso de plasma para expansão volêmica, tratamento
de sangramentos sem coagulopatia associada, correção de testes anormais de
coagulação na ausência de sangramento e em estados de perda proteica ou
imunodeficiências.
A utilização de 10-20 mL/kg aumenta em 20%-30% os níveis dos fatores de coagulação
do paciente, chegando a níveis hemostáticos. Cada bolsa tem cerca de 200-250 mL.
● A transfusão de complexo protrombínico é indicada para a reversão de
sangramentos em pacientes em uso de antagonistas da vitamina K com INR maior que
2.
● A transfusão de crioprecipitado está indicado para repor fibrinogênio em pacientes
com hemorragia e deficiência isolada congênita ou adquirida do fator ou em pacientes
com coagulação intravascular disseminada e hipofibrinogenemia grave, repor fator
XIII em pacientes com hemorragias por deficiência do fator e repor fator de von
Willebrand em pacientes que não têm indicação ou não responderam ao
desmopressina, pois contém fibrinogênio, fator VIII, fator de von Willebrand e fator
XIII. Deve ser realizado quando não se dispuser de concentrados estáveis dos fatores
de coagulação, que têm menor risco de contaminação viral.
De forma prática, utiliza-se 1-2 bolsas para cada 10 kg de peso do paciente, com a intenção
de atingir nível de fibrinogênio de 100 mg/dL.
A transfusão do concentrado de fibrinogênio é indicada quanto temos um fibrinogênio menor
que 100.
➔ A transfusão maciça é a substituição de um volume de sangue ou,
aproximadamente, 10 unidades de concentrado de hemácias em um adulto
dentro de um período de 24 horas, ou necessidade do uso de mais de 3 ou 4
unidades de concentrados de hemácias por hora.
➔ Representam perdas de sangue de aproximadamente 40% da volemia, levando a
coagulopatias dilucionais e sua incidência está atrelada a traumas, cirurgias cardíacas,
hemorragias obstétricas e transplante de fígado. Nesses casos, devemos fazer a
transfusão de hemácias, plasma e plaquetas na proporção de 1:1:1.

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