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Acidente Vascular Encefálico

Conceito
Aparecimento súbito de sinais/sintomas por perda de função cerebral focal, em que o paciente tem
duração da sintomatologia maior que 24 horas, apresentando lesão em exames de imagem,
podendo ser classificado de acordo com a NIHSS.

Sumariamente podemos classificar o AVE em menor, quando apresenta uma pontuação ≤3 na


NIHSS, e maior quando apresenta uma pontuação >3.

É possível diferenciar AVC de AVE, levando em consideração que o encéfalo engloba o tronco
encefálico, cérebro e bulbo, logo o cérebro é apenas parte do encéfalo, entretanto como algumas
literaturas sugerem deve-se considerá-los sinônimos, para facilitar o entendimento do público
leigo, e para maior consonância com a literatura internacional. Assim, durante o texto eles serão
considerados sinônimos.

Deve-se ainda diferenciar AVE de acidente isquêmico transitório, uma vez que este também
apresenta aparecimento súbito de sinais/sintomas por perda de função cerebral ou monocular,
entretanto apresenta duração inferior a 24 horas (não sendo obrigatório esperar todo este tempo
para determinar se é um acidente transitório ou não, tendo em vista que a precocidade no
tratamento do AVE é fundamental para um bom prognóstico, isso pode ser resolvido com um
exame de imagem), e sem lesão ao exame de imagem. Assim, ao observar a lesão numa
tomografia, por exemplo, mesmo com duração inferior a 24 horas, pode-se classificar como AVC e
não como acidente isquêmico transitório, devendo iniciar o tratamento para o tal.

Classificação
É possível classificar o AVCI de acordo com a sua etiologia através da “Trial of Org 10172
in Acute Stroke Treatment” (TOAST), classificando-o em: aterotrombótico ou aterosclerose de
grandes artérias, lacuna, embolias, outros e de origem indeterminada. Entretanto para fins didáticos
grave a seguinte classificação:

Isquêmico

Vasculopatia aterosclerótica;

Aterotrombótico ou aterosclerose de grandes artérias;

Lacuna (pode ser defina por lesão visível em exame de imagem <15 milímetros ou
infarto de pequenas artérias);

Embolia cardíaca;
:
Vasculopatias não ateroscleróticas;

Vasculopatias inflamatórias;

Vasculites;

Vasculopatias não inflamatórias;

Doença de Moyamoya

Displasia fibromuscular;

Síndrome de vasoconstrição cerebral reversível;

Dissecções;

Criptogênico;

Hemorrágico

Hemorragia subaracnoidea;

Hematoma intraparenquimatoso;

Trombose venosa central

Sendo apenas este de origem venosa, todos os outros são de origem arterial.

Em se tratando das vasculopatias ateroscleróticas com aterotrombose (relembre brevemente o


mecanismo de formação de placas de ateroma: diversos fatores contribuem para uma lesão
endotelial. Com isso, há aumento de permeabilidade para as lipoproteínas que se infiltram para as
camadas internas do endotélio, principalmente o LDL, pois ele é maior e não consegue voltar ao
lúmen e ocorre então a oxidação e a glicação, que alteram as lipoproteínas, liberando citocinas pró-
inflamatórias no plasma. Elas são captadas pelos monócitos, que por sua vez fagocitam as
lipoproteínas. Uma vez saturados de lipoproteínas, os macrófagos transformam-se em grandes
células espumosas e além disso, os linfócitos T liberam mais citocinas, atraindo mais monócitos e
provocando apoptose das células espumosas. Os restos destas células são absorvidos por outros
macrófagos e assim se perpetua a formação de células espumosas. O acúmulo destas células acaba
por diminuir o lúmem vascular, através do espessamento da íntima e isso provoca a diminuição do
fluxo sanguíneo. Além disso, alguns mediadores inflamatórios estimulam a migração e a
proliferação das células musculares lisas da camada média endotelial, que por sua vez passam a
produzir citocinas, fatores de crescimento e matriz extracelular. Esta formará parte da capa fibrosa
e da placa aterosclerótica. Nas placas instáveis, há atividade inflamatória intensa, principalmente
em suas bordas laterais, com grande atividade proteolítica, núcleo lipídico e necrótico proeminente;
e capa fibrótica tênue, quando há ruptura dela; há exposição para dentro do endotélio de material
altamente trombogênico, levando à formação de trombos, que diminuem ainda mais o lúmem do
vaso, podendo até fechá-lo por completo. Ou ainda, o trombo se desprender e embolizar alguma
:
artéria a jusante). Assim, como foi já dito, podem haver tanto o mecanismo de oclusão arterial por
conta do trombo formado no lúmen arterial, quanto um tromboembolismo artério-arterial pelo
desprendimento de todo o trombo ou parte dele, comprometendo uma artéria a jusante. Ainda
dentro das causas ateroscleróticas existem as lacunas ou o infarto de pequenas artérias, que tem
menos de 15 mlímetros de diâmetro.

Em relação à etiologia cardioembólica, há várias causas, entre as quais, a principal é a Fibrilação


Atrial (FA). Entretanto não se pode esquecer dos problemas estruturais, como as valvopatias, os
mixomas (tumor benigno originado no tecido conjuntivo cardíaco), a aterosclerose na aorta
ascendente (também é considerada de origem cardíaca), os defeitos septais (Comunicações
Interventriculares – CIV), o IAM (Infarto Agudo do Miocárdio), e até mesmo
as ICC’s (Insuficiência Cardíaca Congestiva), quando há hipertrofia excêntrica do ventrículo,
podendo haver falha na contratilidade cardíaca, favorecendo a estase sanguínea. Todos esses
fatores têm em comum a formação de trombos, podendo haver ascensão do trombo às artérias
cerebrais, provocando sua oclusão.

Em relação às vasculopatias inflamatórias, podem-se citar as vasculites do SNC (definidas por um


grupo de entidades clínico-patológicas e caracterizadas por infiltrado de células inflamatórias e
necrose de parede vascular), que geram inflamação das camadas arteriais. Entretanto, independente
da camada acometida, no desfecho haverá a diminuição do lúmen do vaso e, consequente, a
diminuição do fluxo, e em alguns casos pode haver, inclusive, a oclusão completa da artéria. Essas
inflamações podem gerar um sinal típico para o diagnóstico radiológico, o sinal em contas de
rosário (vários pontos inflamatórios na parede arterial, que geram a consequente oclusão do vaso, e
por fim acabam por determinar isquemias localizadas – nas áreas de irrigação do vaso ocluído), que
será abordado mais adiante.

Em relação às vasculopatias não inflamatórias tem-se a doença de Moyamoya, a displasia


fibromuscular, a síndrome de vasoconstrição cerebral reversível e as dissecções. A doença
de Moyamoya é caracterizada pelo aumento da íntima arterial e a consequente oclusão/diminuição
do fluxo cerebral. Ela tem como localização mais frequente, o polígono de Wilis/artéria carótida.
Por provocar uma isquemia crônica, ocorre o mecanismo adaptativo de crescimento de colaterais,
daí a origem do nome Moyamoya – do Japonês: esfumaçado – que à arteriografia apresenta várias
colaterais e o efeito de esfumaçado, mas não se pode confundir a Doença de Moyamoya com
Síndrome de Moyamoya. Nesta, não ocorre o aumento da íntima arterial. Ela é determinada por
fatores relacionados ao aumento da viscosidade sanguínea, como a doença falciforme, havendo
assim alteração da circulação encefálica (isquemia crônica) e provocando o efeito esfumaçado à
arteriografia. A displasia fibromuscular - uma doença que envolve artérias de pequeno e médio
calibre, de etiologia desconhecida, mas supõe-se que nela haja um componente genético, que causa
algum grau de estenose, oclusão ou aneurisma vascular - geralmente ocorre nas artérias renais, mas
pode acometer também as artérias do SNC. Ela diferente da doença de Moyamoya, aqui há
proliferação da camada muscular arterial, provocando assim as minioclusões. Na síndrome de
vasoconstrição reversível (veja outros nomes no quadro abaixo), ocorre uma oclusão temporária de
artérias do SNC. É uma etiologia muito comum e apesar da vasoconstrição ser reversível, pode
haver dano irreversível no encéfalo, dependendo do tempo da oclusão. Por fim, existem as
dissecções, em que há uma lesão da íntima do vaso, que ocorre por diferentes fatores, placas
ateroscleróticas, por exemplo, e em decorrência da pressão dentro do vaso acontece uma dissecção
:
– separação – das camadas íntima e média e a consequente formação de um lúmen acessório. Isso
favorece tanto a formação de trombos locais (por estase sanguínea, ou turbilhonamento sanguíneo),
quanto a oclusão do vaso por crescimento demasiado do lúmen acessório.

Outros nomes da Síndrome de Vasoconstricção Reversível


Call ou “Call Fleming Syndrome”
Vasoespasmo migranoso
Angeíte migranosa
Angiopatia pós-parto
Cefaleia em trovoada primária
Cefaleia sexual primária / orgástica
Angiopatia Droga-induzida

A causa do AVEH é o hematoma intraparenquimatoso espontâneo, em que há sangramento no


próprio parênquima cerebral e que por sua vez tem várias etiologias. São elas: o
hematoma intraparenquimatoso hipertensivo (de origem hipertensiva, e geralmente são internos
nos núcleos da base), angiopatia amiloide (depósitos de amiloides nos vasos intracerebrais, em
outras palavras, proteína fibrilar amiloide, provocando fragilidade vascular), as MAV’s – Más
formações Arteriovenosas – (onde uma artéria sem formação de tufo capilar cai diretamente sobre
uma veia, essa pressão aumentada pode causar ruptura venosa), infartos hemorrágicos (uma
transformação hemorrágica de um evento isquêmico e a isquemia pode levar à lesão tecidual,
quando há lesão do vaso sanguíneo e o fluxo sanguíneo é reestabelecido, este vaso lesado permite o
extravasamento de sangue para o parênquima, levando a hemorragia), distúrbios de coagulação (a
presença destes distúrbios leva a uma facilidade de sangramento, diante das micro lesões cerebrais,
ou até mesmo com o aumento da pressão arterial), aneurismas micóticos (é um nome, de certa
maneira impróprio, para a patologia, uma vez que em sua maioria, ela é provocado por bactérias e
não por fungos, como o nome sugere, decorre de êmbolos infecciosos, geralmente de origem
cardíaca, que ao embolizar um vaso, provocam uma inflamação local causando a destruição da
parede arterial e originando assim um aneurisma, que quando se rompe, também decorre em
hemorragia intraparenquimatosa).

Ainda dentro do AVCH, existe uma etiologia menos comum que as


hemorragias intraparenquimatosas, mas que não deve ser esquecida, que é a
hemorragia subaracnoidea, que em cerca de 80% dos casos decorre de aneurismas, e menos
comumente de traumas e MAV’s. Relembrando rapidamente da anatomia local, pode-se ver na
figura abaixo, um espaço entre a aracnoide e a pia-máter, denominado espaço subaracnoide, um
espaço onde o líquor cefalorraquidiano (LCR) está presente. Logo, quando há algum tipo de
sangramento nesta região, ela pode ser facilmente identificada pela coleta do LCR.
:
Por último, existe a Trombose Venosa Cerebral (TVC). Recapitulando um pouco da fisiologia,
deve-se lembrar da clássica Tríade de Wirchow (estase venosa + lesão endotelial + distúrbios da
coagulação). Na TVC, quando há hipercoagulabilidade sanguínea e formação de trombo, ocorre
um aumento da pressão dentro do capilar e isso pode desencadear um extravasamento de líquido
para o parênquima por intensificação da pressão hidrostática, podendo ainda levar à isquemia, por
falta de circulação local ou ainda por uma hemorragia em decorrência da alta pressão dentro do
vaso. A TVC tem várias etiologias conhecidas, são elas: trombofilias (a grosso modo, seria uma
condição em que o sangue tem uma tendência aumentada em formar coágulos), doenças
autoimunes e neoplásicas (ambas são trombogênicas), gestação e puerpério, a desidratação (ocorre
diminuição do LCR, que leva a uma diminuição da pressão interna e as veias podem “distender”,
causando alteração do fluxo e além de alteração na viscosidade sanguínea), medicamentos
(anticoncepcionais hormonais, bem como corticosteroides, além de eritropoietina e talidomida),
traumas (aqui retorna-se à tríade de Wirchow, pois ele pode levar aos seus três componentes, uma
vez que pode levar a lesão endotelial. O aumento de pressão intracraniana pode levar à diminuição
do fluxo sanguíneo e com isso aumentar a estase venosa, e em casos de politraumas, podem
haver coagulopatias, como a coagulopatia de consumo, onde os fatores de coagulação serão
consumidos na tentativa de parar um sangramento importante, como nas hemorragias internas, ou
fraturas de ossos longos, por exemplo), infecções (sinusites, otites com extensão para mastoidites),
e a hipotensão intracraniana (por mecanismo semelhante ao da desidratação).

Epidemiologia
Cerca de 75 a 85% dos AVC’s são isquêmicos, e de 20 a 25% são hemorrágicos. Em se tratando de
sexo, até pouco tempo a literatura trazia uma maior prevalência em homens. Entretanto,
recentemente houve um artigo que apontou incidência maior em mulheres. Com isso, é preciso
esperar novos artigos para confirmar em qual sexo há maior incidência. Veja abaixo a estratificação
de acordo com as principais causas de AVC’s.

Isquêmico (75 a 85%)


:
Vasculopatia aterosclerótica (40%)

Aterotrombótico ou aterosclerose de grandes artérias (20%)

Lacuna (20%)

Embolia cardíaca (15%)

Vasculopatias não ateroscleróticas (5%)

Vasculopatias inflamatórias

Vasculites gerais (2%); (12% em <18 anos e 0,5% em >45 anos)

Vasculite primária do SNC (prevalência não estimada – rara – acomete 7


homens para cada 3 mulheres, pico de incidência entre os 30 e 50 anos,
foi descrita entre 7 meses e 73 anos)

Vasculopatias não inflamatórias

Doença de Moyamoya (6% na infância no ocidente, acomete 2 mulheres :


1 homem, e o pico na primeira década de vida – cerca de 50%)

Displasia fibromuscular (<1% da população geral, acomete mulheres de


meia idade, 25% dos casos são nas artérias cervicocefálicas)

Síndrome de vasoconstrição cerebral reversível (acomete 4 mulheres : 1


homem, e tem pico de incidência aos 42 anos)

Dissecções (1 a 2,5% dos AVE’s, 5% a 20% dos AVE’s em adultos jovens


- <45 anos)

Criptogênico (35 % a 40%)

Hemorrágico

Hemorragia subaracnoidea (cerca de 5% dos casos de AVE, incidência de 25 mil casos


novos nos EUA, e pico de incidência entre 40 e 60 anos)

Hematoma intraparenquimatoso (cerca de 20% dos casos de AVE – ocupa o 2º lugar


em incidência -, incidência de 75 mil casos nos EUA, pico de incidência entre os 50 e
os 80 anos de vida)

Trombose venosa central (sendo apenas este de origem venosa, todos os outros são de
origem arterial), ocorre em menor quantidade de AVC’s, pois nem sempre há lesão
encefálica, com uma incidência de 0,5% a 1%, e cerca de 5 casos por milhão de habitantes ao
ano. Ela apresenta um pico de incidência entre os 25 e 40 anos de idade, e enquanto acomete
3 mulheres atinge 1 homem.
:
Referências
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10. DUNCAN, Bruce B [et al]. Medicina Ambulatorial: Condutas de Atenção Primária baseadas
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Créditos
Autores

Dr. Cristhiano Chiovato Abdala

Gandhi Rocha Campos

Editores

Junia Melo Borges de Oliveira

Ester Melo Borges de Oliveira

Nathan Machado Moura


:
Joyce Matias da Silva

Luana Marchese Barreira

Julio César Vieira Santos

Paulo Nunes Gonçalves

Ilustrador

Michel José de Carvalho

Edição
1º edição

Data de criação:

Data da Última Modificação: 01/05/2018


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