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IV.

PARTES SUBJETIVAS (2º): A MODERAÇÃO SOBRE A SEXUALIDAD23

1. A CASTIDADE EM GENERAL24

1) A castidade na Sagrada Escritura.

Os textos mais importantes da Sagrada Escritura (e seus conteúdos essenciais) são os


relatos da Gênese e o que afirma São Paulo na primeira carta aos Coríntios:

a) O relato do Gn 1,26-31:

-O homem é criado a imagem de Deus, para dominar o mundo.


-Macho e fêmea (v.27): a bisexualidade é criada (e portanto, querida) por Deus; em ambos
se dá imagem de Deus.
-Deus ordena e abençoa a fecundidade (v.28)

b) O relato do Gn 2,18-24:

-Aparece sublinhado especialmente o aspecto de ajuda mútua e socialidade (v.18)


-A este texto apela Cristo para falar da união indissolúvel: “ao princípio não era assim”
(MT 18,1-9).
-Harmonia entre o homem e a mulher: estavam nus e não se envergonhavam (v.25).

c) 1 Cor 6,12-20:

-Apresenta uma visão clara e equilibrada do prazer e do corpo contra o laxismo e contra
o rigorismo moral.
-Valora ao corpo em sua dimensão religiosa: é membro de Cristo (v.15); destinado à
ressurreição (v.13-14); templo do Espírito Santo (v.19).
-A fornicação é condenada por um duplo motivo: natural (desonra o corpo: v.18),
sobrenatural (sacrilégio contra o E.S.).
-O corpo pode e deve glorificar a Deus: v.20.

d) 1 Cor 7,1-10:

-A castidade e virgindade é algo bom: v.1.


-Mas também é lícito o matrimônio: v.2.
-Expõe o “débito conjugal” como obrigação mútua: v.3
-A mútua posse: v.4.
-Abstinência periódica: para que seja lícita deve ser com mútuo consentimento e para um
fim honesto como a oração: v.5.
-Recomenda a virgindade: v.8-9
-Indissolubilidade matrimonial: v.10-11.

2) O Magistério.

O Magistério falou muitas vezes sobre a castidade em geral e também em referência


explícita com o matrimônio e a virgindade. Veremos as referências concretas em cada um
dos pontos. Uma síntese do Magistério pode considera-se a exposição feita no Catecismo
da Igreja Católica:
“A vocação à castidade. A castidade significa a integração obtida da sexualidade na
pessoa, e por isso na unidade interior do homem em seu ser corporal e espiritual. A
sexualidade, em que se expressa a pertença do homem ao mundo corporal e biológico,
faz-se pessoal e verdadeiramente humana quando está integrada na relação de pessoa a
pessoa, no dom mútuo total e temporalmente ilimitado do homem e da mulher. A virtude
da castidade, portanto, entranha a integridade da pessoa e a totalidade do dom.

A integridade da pessoa. A pessoa casta mantém a integridade das forças de vida e de


amor depositadas nela. Esta integridade assegura a unidade da pessoa; opõe-se a todo
comportamento que a possa lesar. Não tolera nem a dupla vida nem o duplo linguagem.
A castidade implica uma aprendizagem do domínio de si, que é uma pedagogia da
liberdade humana. A alternativa é clara: ou o homem controla suas paixões e obtém a
paz, ou se deixa dominar por elas e se faz desgraçado. ‘A dignidade do homem requer,
em efeito, que atue segundo uma eleição consciente e livre, quer dizer, movido e induzido
pessoalmente de dentro e não sob a pressão de um cego impulso interior ou da mera
coação externa. O homem obtém esta dignidade quando, liberando-se de toda escravidão
das paixões, persegue seu fim na livre eleição do bem e se procura com eficácia e
habilidade os meios adequados’.
Quem quer permanecer fiel às promessas do seu batismo e resistir as tentações deve pôr
os meios para isso: o conhecimento de si, a prática de uma ascese adaptada às situações
encontradas, a obediência aos mandamentos divinos, a prática das virtudes morais e a
fidelidade à oração. ‘A castidade nos recompõe; devolve-nos à unidade que tínhamos
perdido nos dispersando’.
A virtude da castidade forma parte da virtude cardeal da temperança, que tende a
impregnar de racionalidade as paixões e os apetites da sensibilidade humana.
O domínio de si é uma obra que dura toda a vida. Nunca a considerará adquirida de uma
vez para sempre. Supõe um esforço reiterado em todas as idades da vida. O esforço
requerido pode ser mais intenso em certas épocas, como quando se forma a personalidade,
durante a infância e a adolescência.

A castidade tem umas leis de crescimento; estas passam por graus marcados pela
imperfeição e, muito frequentemente, pelo pecado. ‘Mas o homem, chamado a viver
responsavelmente o desígnio sábio e amoroso de Deus, é um ser histórico que se constrói
dia a dia com suas opções numerosas e livres; por isso ele conhece, ama e realiza o bem
moral segundo as diversas etapas de crescimento’.

A castidade representa uma tarefa eminentemente pessoal; implica também um esforço


cultural, pois ‘o desenvolvimento da pessoa humana e o crescimento da sociedade mesma
estão mutuamente condicionados’. A castidade supõe o respeito dos direitos da pessoa,
em particular, o de receber uma informação e uma educação que respeitem as dimensione
morais e espirituais da vida humana.
A castidade é uma virtude moral. É também um dom de Deus, uma graça, um fruto do
trabalho espiritual. O Espírito Santo concede, ao que foi regenerado pela água do batismo,
imitar a pureza de Cristo.

A totalidade do dom de si. A caridade é a forma de todas as virtudes. Sob sua influência,
a castidade aparece como uma escola de doação da pessoa. O domínio de si está ordenado
ao dom de si mesmo. A castidade conduz a quem a pratica a ser para o próximo uma
testemunha da fidelidade e da ternura de Deus.
A virtude da castidade se desenvolve na amizade. Indica ao discípulo como seguir e imitar
ao que nos escolheu como seus amigos, a quem se deu totalmente a nós e nos faz participar
de sua condição divina. A castidade é promessa de imortalidade.

A castidade se expressa especialmente na amizade com o próximo. Desenvolvida entre


pessoas do mesmo sexo ou de sexos distintos, a amizade representa um grande bem para
todos. Conduz à comunhão espiritual.

Os diversos regimes da castidade. Tudo batizado é chamado à castidade. O cristão se


revestiu de Cristo’ (Ga 3,27), modelo de toda castidade. Todos os fiéis de Cristo são
chamados uma vida casta segundo seu estado de vida particular. No momento de seu
Batismo, o cristão se compromete a dirigir sua afetividade na castidade.

A castidade ‘deve qualificar às pessoas segundo os diferentes estados de vida: a umas, na


virgindade ou no celibato consagrado, maneira eminente de dedicar-se mais facilmente a
Deus só com coração indiviso; a outras, da maneira que determina para elas a lei moral,
conforme sejam casadas ou celibatários’. As pessoas casadas são chamadas a viver a
castidade conjugal; as outras praticam a castidade na continência. ‘Existem três formas
da virtude da castidade: um dos esposos, outra das viúvas, a terceira da virgindade. Não
elogiamos a uma com exclusão das outras. Nisto a disciplina da Igreja é rica’ (Santo
Ambrosio).

Os noivos estão chamados a viver a castidade na continência. Nesta prova têm que ver
um descobrimento do mútuo respeito, uma aprendizagem da fidelidade e da esperança de
recebe-se um e o outro de Deus. Reservarão para o tempo do matrimônio as manifestações
de ternura específicas do amor conjugal. Devem ajudar-se mutuamente a crescer na
castidade”25.

3) Consideração teológica26

Terá que distinguir alguns conceitos que são afins, mas que guardam diferenças
específicas entre si:

-Sexus ou impulso sexual: é o resultado do instinto sexual, que é comum a homens e


animais e tende a uma atuação que origina prazer. O instinto sexual, como inclinação
natural, é bom, e deste modo o prazer que acompanha sua atuação; contra o que afirmaram
todas as doutrinas dualistas e maniqueias. Com ele, a natureza estimula e garante a
propagação da espécie.

-Eros ou amor: é o sentimento, espiritual e sensível ao mesmo tempo, para outra pessoa
que desperta simpatia e inclinação para ela por seus atrativos corporais e psíquicos, e com
o qual o apaixonado deseja unir-se pessoalmente. Quando o amor tem por causa principal
os atrativos físicos e sensíveis constitui o amor erótico. É um amor sexual, mas por
estender-se também a uma zona do espírito, diferencia-se do impulso sexual que é
meramente corporal.

-Caritas, ágape: é o amor benevolente, e nasce da estima que se tem ao próximo. Este
amor não se busca a si mesmo, como faz o impulso sexual que tende unicamente a sua
própria satisfação; tampouco se fixa nos atrativos alheios sensíveis, como ocorre no
apaixonado, que aspira ao gozo de tais atrativos. O amor benevolente não procura nada
para si, mas sim tende a dar-se a si mesmo no grau supremo do amor.

Etimologicamente, a palavra castidade vem de castigo, aludindo a que por meio deste
hábito a razão submete ao apetite concupiscível sua medida razoável. É a virtude
moderadora do apetite genésico ou sexual. Sua matéria própria é a atividade propriamente
generativa, já que os atos secundários da sexualidade (olhares, tatos, etc) são matéria da
pudicícia, embora segundo Santo Tomas, esta não seja uma virtude especial distinta da
castidade, a não ser uma circunstância da mesma.

A castidade tem como finalidade imediata o domínio racional e moral sobre o instinto
sexual. O estado da natureza humana exige uma virtude que seja disposição permanente
e firme da alma que tenha tal objeto. O apetite sexual é muito intenso e no homem não
está regido acertadamente pelo instinto, como ocorre nos animais. Uma fantasia
desordenada pode leva a vida sexual do homem a numerosos excessos de que não são
capazes os animais. As normas da lei natural que regem a vida sexual humana ficariam
inefetivas se a razão se limitasse às conhecer, mas sem que existisse ao mesmo tempo
uma "virtude" que inclinasse a vontade a seu cumprimento lhe comunicando o vigor
necessário para isso. Daí que a virtude da castidade seja indispensável para a perfeição
do homem interior e para a justa harmonia entre o corpo e a alma.

A normativa deste terreno. O domínio racional sobre o apetite sexual deriva


materialmente de suas normas que surgem do fim objetivo deste apetite (que é a
propagação do gênero humano), e, em consequências, das tarefas que este fim impõe e
das exigências da família, fundamento de toda a vida social. Assim, a norma objetiva que
deve reger a vida sexual se encontra essencialmente no fim social e unitivo da faculdade
sexual do homem:

a) Acima de tudo, do fim social. Partindo do conceito sobre o homem e a procriação, e


considerando a necessidade de ajuda, acompanhamento e educação que requer a criança
(que é o fruto da sexualidade), desprendem-se importantes princípios, dos quais o
primeiro é que o matrimônio é a única forma natural em que pode atuar moralmente a
vida sexual humana. Desde aí, derivadamente se segue que a lei moral proíbe toda
satisfação sexual extramatrimonial, inclusive a deleite venéreo interno.

b) Do fim unitivo. À mesma conclusão leva a consideração do fim unitivo do ato sexual.
O exercício da sexualidade forma parte da união entre o homem e a mulher; e a união é
parte da doação própria do amor. Agora bem, a doação do amor que chega até a união
sexual expressa a “doação total”; mas tal totalidade se dá só quando se realiza no marco
da união intramatrimonial, selada com um compromisso social e aberta à vida, porque só
neste marco é “total”: doação do próprio ser, das próprias coisas e da capacidade
procriadora, para toda a vida, sem intenção de tira-las.

A castidade se verifica em várias formas, ou seja:


-A castidade simples: que é a abstenção do uso sexual antes do matrimônio.
-A castidade virginal, ou simplesmente virgindade: que é a abstenção voluntária e
perpétua da sexualidade.
-A castidade conjugal: que regula racionalmente (segundo a reta razão) os deleites lícitos
dentro do matrimônio.

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