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5HVXPR2SUHVHQWHDUWLJRSURFXUDGLVFRUUHUVREUDDÀORVRÀDGDOLQJXDJHP
de Paul Ricoeur (1913-2005), de modo particular, a sua hermenêutica feno-
PHQROyJLFDQRTXDOS{GHID]HUSURIXQGDVFRQWULEXLo}HVjÀORVRÀDFRQWDQGR
FRPDVVXDVSULQFLSDLVLQÁXrQFLDVDIHQRPHQRORJLDGH+XVVHUODKHUPHQrX-
WLFDGH*DGDPHUHDÀORVRÀDUHÁH[LYDGH-HDQ1DEHUW5LFRHXUSDUWLQGRGR
tempo em Agostinho e da composição da intriga em Aristóteles, encontrou
nestes dois autores independentes uma profunda relação que nunca foi men-
FLRQDGDDQWHVQDKLVWyULDGDÀORVRÀDQRTXDOSHUFHEHXTXHDLQWULJDDULVWR-
WpOLFDpXPDVROXomRSRpWLFDDRSDUDGR[RWHPSRUDODJRVWLQLDQR1HVWHVHQWLGR
através de uma teoria narrativa que encontra suas raízes na célula melódica no
par mímesis-mythos (imitação-intriga), presente na Poética, Ricoeur dá um passo a
mais que Aristóteles ao desenvolver a sua teoria da tríplice mímesis, que demons-
tra como o tempo pode ser articulado de maneira narrativa através do desdo-
bramento da mímesis (imitação criadora), HP WUrV PRPHQWRV D SUHÀJXUDomR
das ações humanas (mímesis , DFRQÀJXUDomRQRWH[WRQDUUDWLYR mímesis II) e a
UHÀJXUDomRGRYLYLGRGROHLWRU mímesis III).
Palavras-chaves: Paul Ricoeur; Tempo; Narrativa; Mímesis.
Abstract: Cet article vise à discuter la philosophie du langage de Paul Ricœur
(1913-2005), en particulier son herméneutique phénoménologique, dans la-
quelle il a pu apporter de profondes contributions à la philosophie,
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A configuração do tempo pela narrativa em Paul Ricoeur
HQV·DSSX\DQWVXUVHVSULQFLSDOHVLQÁXHQFHVODSKpQRPpQRORJLHGH+XVVHUO
O·KHUPpQHXWLTXHGH*DGDPHUHW/DSKLORVRSKLHUpÁH[LYHGH-HDQ1DEHUW5L-
cœur, partant du temps chez Augustin et de la composition de l’intrigue chez
$ULVWRWHWURXYHFKH]FHVGHX[DXWHXUVLQGpSHQGDQWVXQHUHODWLRQSURIRQGHMD-
mais évoquée auparavant dans l’histoire de la philosophie, dans laquelle il réalise
TXHO·LQWULJXHDULVWRWpOLFLHQQHHVWXQHVROXWLRQSRpWLTXHjOD3DUDGR[HWHPSRUHO
augustinien. En ce sens, à travers une théorie narrative qui trouve ses racines
dans la cellule mélodique du couple mimésis-mythe (imitation-intrigue), pré-
sent dans la Poétique, Ricœur va plus loin qu’Aristote lorsqu’il développe sa
théorie de la triple mimésis, qui montre comment le temps peut s’articuler
de manière narrative à travers le déroulement de la mimesis (imitation créa-
WULFH HQWURLVWHPSVODSUpÀJXUDWLRQGHVDFWLRQVKXPDLQHV PLPHVLV, OD
FRQÀJXUDWLRQGDQVOHWH[WHQDUUDWLI PLPHVLV,, HWODUHÀJXUDWLRQGXOHFWHXU
H[SpULHQFH PLPpVLV,,,
.H\ZRUGV Paul Ricoeur; Temps; Récit; Mímesis.
Introdução
27
A configuração do tempo pela narrativa em Paul Ricoeur
2TXHUHWUDWDPRVHP7HPSRH1DUUDWLYDpDUHÁH[mRDFHUFDGD
H[SHULrQFLDKXPDQDWHPSRUDOTXHSRGHVHUDUWLFXODGDGHPDQHLUDQDUUD-
tiva: “o tempo se torna tempo humano na medida em que está articu-
ODGRGHPDQHLUDQDUUDWLYDHPFRQWUDSRVLomRDQDUUDWLYDpVLJQLÀFDWLYD
QDPHGLGDHPTXHGHVHQKDDVFDUDFWHUtVWLFDVGDH[SHULrQFLDWHPSRUDOµ2.
Para fundamentar a sua teoria, Ricoeur retoma a questão da aporia do
tempo em Santo Agostinho, procurando na composição da intriga de
$ULVWyWHOHVXPDSRVVtYHOVROXomR$LPSRUWkQFLDGHVVDLQYHVWLJDomRH[-
FHSFLRQDOPHQWHjÀORVRÀDpTXHDRGHPRQVWUDURSRGHUFULDWLYRGDOLQ-
JXDJHPDVXDWHRULDLQRYDHDEUHQRYRVKRUL]RQWHVjSHVTXLVDÀORVyÀFD
UHYHODQGRTXHDH[SHULrQFLDKXPDQDSRGHVHUPHGLDGDSHODOLQJXDJHP
HSHORVVtPERORVHPTXHHVSHFLÀFDPHQWHDWUDYpVGDWUDPDGDQDUUDWLYD
KLVWyULFDRXÀFFLRQDODLPDJLQDomRSURGXWLYDGHFXQKRNDQWLDQRUHYHOD
DSHUVSHFWLYDLQVWUXWLYDGRVVHQWLGRVHVFRQGLGRVQRWH[WR
1. A hermenêutica Ricoeuriana
28
A configuração do tempo pela narrativa em Paul Ricoeur
3RUWDQWRFRPDÀORVRÀDUHÁH[LYDGH1DEHUW5LFRHXUSHUFH-
be que “a ideia de uma compreensão de si e do mundo passa necessa-
ULDPHQWH²HLVXPDQRYDGHÀQLomRGHKHUPHQrXWLFD²SHODDQiOLVHGRV
signos e das obras que encontramos no mundo e que precedem nossa
H[LVWrQFLDµ6.
Hans-Georg Gadamer (1900-2002) foi responsável por uma
reinterpretação do círculo hermenêutico de Heidegger, que, de modo geral,
VLJQLÀFDRSURFHVVRGHLQWHUSUHWDomRGHXPWH[WRHPTXHVyVHSRGH
HQWHQGHUVXDVSDUWHVHPFRQVRQkQFLDFRPRWRGRTXHGiVLJQLÀFDomRjV
partes, e este todo, por sua vez, deve-se ser entendido em função de suas
partes constitutivas: “vai-se da parte ao todo, e do todo à parte, ou par-
tes, sem que nem um nem a outra, ou outras, constituam um ponto de
SDUWLGDVXÀFLHQWHµ7(P+HLGHJJHUDH[SUHVVmRUHFHEHXPDGLPHQVmR
H[LVWHQFLDOQRTXDORFtUFXORVHGi´QRIDWRHPTXHWRGDFRPSUHHQVmR
GR PXQGR D H[LVWrQFLD VH FRPSUHHQGH FRP HOH H YLFHYHUVDµ H ´WRGD
interpretação, se deve contribuir para produzir uma compreensão, deve
ter já compreendido o interpretado”8.
(P5LFRHXUGDPRVGHVWDTXHDQRomRJDGDPHULDQDGHH[SH-
riência histórica enquanto consciência de pertença ao tecido da história.
$VVLPFRPR*DGDPHURÀOyVRIRDFUHGLWDTXHDLQWHUSUHWDomRQDVFHGD
H[SHULrQFLDKLVWyULFDHHVWDSRUVXDYH]QmRLPSOLFDVRPHQWHjTXHVWmR
da estrutura temporal, mas também da mediação do texto que recebe
um lugar de destaque como aquele capaz de trazer à situação dialogal a
À[DomRGHVHQWLGR9. Sendo assim, a hermenêutica não parte das “signi-
ÀFDo}HVGHRUGHPOLQJXtVWLFDµHGD´FRQGLomROLQJXDJHLUDµGRKRPHP
ou seja, não se trata do nível do uso da linguagem como forma de co-
PXQLFDomREiVLFDPDVRSRQWRGHSDUWLGDGDKHUPHQrXWLFDHVWiQDH[SH-
ULrQFLDKLVWyULFDTXHUHFHEHXPDPHGLDomRDWUDYpVGRWH[WR10. Portanto,
na esteira de Gadamer, Ricoeur “reconhece [...] que a problemática da
linguagem não é nem autônoma, nem primeira na ordem da interpreta-
omR0DVPDLVTXH*DGDPHUGHVFREUHDVH[LJrQFLDVTXHGHFRUUHPGD
inserção da problemática da linguagem na interpretação”11.
6-HDQQH0DULH*$*1(%,18PD)LORVRÀDGR&RJLWR)HULGR3DXO5LFRHXUin Estudos
Avançados, 1997, p. 266.
7 José Ferrater MORA, 'LFLRQiULRGH)LORVRÀDWRPR, $' 2000, p. 470.
8 Cf. Idem.
9 Cf. Michel RENAUD, op. cit., p. 26.
10 Cf. Ibidem, p. 27.
11 Idem.
29
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A configuração do tempo pela narrativa em Paul Ricoeur
'HPRGRSRQWXDODGLVWkQFLDHDDSUR[LPDomRGDKHUPHQrX-
tica com a fenomenologia acontece “à raiz da descoberta da inten-
cionalidade”, a qual, por um lado, a distância consiste na rejeição da
FRPSUHHQVmR GH ´VXMHLWRREMHWRµ H SRU RXWUR ODGR D DSUR[LPDomR
acontece na noção de pertença ontológica que é anterior ao modelo
´VXMHLWRREMHWRµ´(VWHFRQFHLWRGHSHUWHQoDpH[WUHPDPHQWHLPSRU-
tante, pois impõe-se no pensamento de Ricoeur para designar o mo
mento originário que vai tornar possível o movimento da interpreta-
ção, isto é, tornar possível a própria hermenêutica”18.
18 Ibidem, p. 25.
19 Cf. Aldo Nelson BONA, 3DXO5LFRHXUHXPDHSLVWHPRORJLDGDKLVWyULDFHQWUDGDQRVXMHLWR (online),
2010, p. 108, disponível em: <https://app.uff.br/riuff/handle/1/22400>, acesso em: 27 de
setembro de 2022.
20 Cf. Paul RICOEUR, Tempo e Narrativa: DLQWULJDHDQDUUDWLYDKLVWyULFD 2019, p. 93.
21&I,VDQDUD.HWKO\6$03$,2op. cit., s.p.
22 Cf. Aldo Nelson BONA, 3DXO5LFRHXUHXPDHSLVWHPRORJLDGDKLVWyULDFHQWUDGDQRVXMHLWR (online),
2010, p. 110, disponível em: <https://app.uff.br/riuff/handle/1/22400>, acesso em: 27 de
setembro de 2022.
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$JRVWLQKRDLQGDQmRS}HÀPjVXDUHÁH[mRVREUHRWHPSR
SRLVDWUDYpVGHXPH[HPSORGDUHFLWDomRGHXPSRHPDTXHRÀOyVR-
fo demonstra como o espírito se faz ativo no ato de recitar diante da
passividade da impressão, entre uma espera daquilo que ainda não foi
dito (imagens-sinais) e uma memória daquilo que já foi (imagens-vestí
gios), inserido neste dinamismo até que o poema tenha chegado ao seu
ÀP36 ( QHVWH GLQDPLVPR R SUHVHQWH PXGD GH VLJQLÀFDGR SDVVDQGR
a ser uma “intenção presente” e não um ponto (instante pontual) ou
um ponto de passagem, pois assim a “atenção” merece ser chamada,
tendo em vista que se tornou uma transição ativa (faz passar) e não
somente o modo de o presente ser atravessado: “a intenção presente
faz o futuro passar (traicit) para o passado, fazendo o passado crescer
por diminuição do futuro, até que pela consumição do futuro tudo
seja passado”37. Essa passagem se dá por conta de três operações coe-
[LVWHQWHVQRHVStULWRDHVSHUDDDWHQomRHDPHPyULDHVHQGRDVVLP
DFRQWHFHSRUH[HPSORTXHRREMHWRGDHVSHUDSDVVDGLDQWHGDDWHQomR
se transformando em memória, enquanto que o presente, quando está
passando, se reduz a um ponto, que é a revelação de uma ausência de
H[WHQVmRHDRSDVVRTXHpDWHQomRID]HQGRSDVVDUDRQmRVHUDTXLOR
que por ele está passando, demonstrando ter uma duração continua38.
Portanto, toda a dialética do triplo presente com a distensão da
DOPDSUHVHQWHQRSUySULRFRQWUDVWHHQWUHWUrVWHQV}HVDSDUHFHFRPRDÀU-
ma Ricoeur, em um único parágrafo de Agostinho, encerrando as discus-
sões acerca do tempo:
Preparo-me para cantar um canto que conheço. Antes de co-
PHoDUPLQKDH[SHFWDWLYDVHHVWHQGH tenditur) para o conjunto
desse canto; mas, assim que começo, à medida que os elemen-
WRVUHWLUDGRVGDPLQKDH[SHFWDWLYDWRUQDPVHSDVVDGRPLQKD
memória se estende (tenditur) para eles por sua vez; e faz for-
ças vivas de minha atividade (actionis) são distendidas (disten-
ditur), por causa do que vou dizer. No entanto, minha aten-
ção (attentio) está presente; e é por ela que transita (traicitur) o
que era futuro para se tornar passado. Quanto mais essa ação
avança e avança (agitur et agitur PDLVVHDEUHYLDDH[SHFWDWLYDH
VHDORQJDDPHPyULDDWpTXHDH[SHFWDWLYDLQWHLUDVHFRQVXPD
quando a ação inteira acabou e passou para a memória39.
35
A configuração do tempo pela narrativa em Paul Ricoeur
,VDQDUD.HWKO\6$03$,24XHVWLRQDPHQWRHPUHWRUQRFRQVLGHUDo}HVVREUHDQDUUDWLYDKLV-
tórica e as contribuições de Paul Ricoeur (online), LQ;;;6LPSyVLR1DFLRQDOGH+LVWyULD (2019),
s.p., disponível em: <https://www.snh2019.anpuh.org/resources/anais/8/1564947552_AR-
48,92B$UWLJRFRPSOHWRUHYLVDGR,VDQDUD6DPSDLRSGI!DFHVVRHPGHVHWHPEURGH
48 Cf. Paul RICOEUR, op. cit., 2019. p. 69.
49 Cf. Ibidem, p. 69-70.
50 Paul RICOEUR, op. cit., 1994, p. 70 apud 'RQL]HWH;$9,(5 RUJ op. cit., p. 158.
51 Cf. Idem.
52&I,VDQDUD.HWKO\6$03$,2op. cit., s.p.
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$FRQÀJXUDomRGRWHPSRSHODQDUUDWLYDDWUtSOLFHPtPHVLV
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58&I-RVp9DQGHUOHL&$51(,52+HUPHQrXWLFDGD1DUUDWLYDGH)LFomR$,QWULJDFRPR
Mediação do Sentido, LQ3HQVDQGR²5HYLVWDGH)LORVRÀD(online) 8 (2013), p. 81, disponível em:
<https://doi.org/10.26694/pensando.v4i8.918>, acesso em 01 de outubro de 2022.
59 Paul RICOEUR, op. cit., 2019, p. 96.
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60 Cf. Breno MENDES, ([LVWrQFLD H OLQJXDJHP R SUREOHPD GR VHQWLGR QD ÀORVRÀD GD KLVWyULD GH
Paul Ricoeur (online), 2019, p. 193-194, disponível em: <https://repositorio.ufmg.br/hand-
le/1843/30218>, acesso em: 03 de outubro de 2022.
61 Cf. Paul RICOEUR, op. cit., 2019, p. 98.
62 Cf. Ibidem, p. 99.
63 Cf. Idem.
64 Cf. Carolina SOUZA; Francilaine MORAES, 7UtSOLFH0LPHVHGH5LFRHXUPRGHORPHWRGROyJLFR
DSOLFDGRHPQDUUDWLYDVVREUHSHUHJULQDo}HV(online), 2019, p. 74, disponível em <https://www.resear-
chgate.net/publication/336242340>, acesso em: 04 de outubro de 2022.
65 Cf. Paul RICOEUR, op. cit., 2019, p. 98.
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72&I$LOWRQGH628=$)LORVRÀDH/LWHUDWXUDIXQGDPHQWRVÀORVyÀFRVSDUDXPDFUtWLFD
literária em Paul Ricoeur – Tempo e Narrativa, in Revista Pandora Brasil (online) 42 (2010), p.
28, disponível em: <http://revistapandorabrasil.com/revista_pandora/ricoeur/ailton.pdf>,
acesso em: 07 de outubro de 2022.
73 Cf. Paul RICOEUR, op. cit., 2019, p. 114.
74 Cf. Idem.
75 Cf. Ailton SOUZA, op. cit., p. 28.
76 Cf. Paul RICOEUR, op. cit., 2019, p. 114.
77 Ailton SOUZA, op. cit., p. 28.
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A configuração do tempo pela narrativa em Paul Ricoeur
YHLVGHÀJXUDUQRTXDGURSDUDGLJPiWLFRHVWDEHOHFLGRSHODVHPkQWLFDGD
ação”78(QWmRDLQWULJDpDVVLPFRORFDGDFRPRDWLYLGDGHGHFRQÀJXUD-
ção que se encontra nessa passagem do paradigmático para o sintagmá-
tico, a mesma passagem de mímesis I para mímesis II79.
A última motivação em questão que confere o papel mediador
à intriga se refere aos seus “caracteres temporais próprios”80. Estes carac-
teres são, na verdade, duas dimensões temporais combinadas através da
composição da intriga, sendo elas a cronológica e a não cronológica, que
UHÁHWHPRSDUDGR[RGRWHPSRGH$JRVWLQKRHFRQIHUHPR´VHQWLGRSOHQR
GHFRQFRUGkQFLDGLVFRUGkQFLDµTXHDWpHQWmRVyKDYLDUHFHELGRXPDGHÀ-
nição prévia no pensamento do nosso autor81. Pressupondo as dimensões
temporais da composição da intriga, deve-se elucidar, segundo o nosso
autor, que a dimensão cronológica é aquela que “constitui a dimensão epi-
sódica da narrativa”, isto é, a história (intriga) é reconhecida como formada
de acontecimentos, enquanto que a não cronológica é aquela dimensão
FRQÀJXUDQWHTXHDLQWULJD´WUDQVIRUPDRVDFRQWHFLPHQWRVHPKLVWyULDµ
VLJQLÀFDQGRR´DWRFRQÀJXUDQWHµTXHpGHÀQLGRSRUVHXFDUiWHUGH´WR-
PDUFRQMXQWDPHQWHµRVLQFLGHQWHVSDUWLFXODUHVHTXLYDOHQGRDDÀUPDUTXH
HVVHDWRGDFRQÀJXUDomRFRQVLVWHMXVWDPHQWHHPIRUPDUXPDXQLGDGHGD
totalidade temporal de acontecimentos diversos82.
2ÀOyVRIRIUDQFrVDLQGDDÀUPDTXHRDWRGDLQWULJDRXDWR
FRQÀJXUDWLYRpDSUySULDVROXomRGRWHPSRDSRUpWLFRGH$JRVWLQKRQR
qual se demonstra ou se revela ao leitor na medida em que a história
possui a capacidade de ser acompanhada83. Surge aqui, então, a noção
de “acompanhar uma história”, referente à própria dimensão episódica,
HPTXHROHLWRURXRRXYLQWHVREDH[SHFWDWLYDGHHQFRQWUDUQRÀQDOGD
história uma satisfação, avança em meio a contingências e peripécias até
a sua conclusão84HVVD´FRQFOXVmRµDVVLPDÀUPD5LFRHXU
Essa conclusão não está logicamente implicada por qualquer
SUHPLVVDDQWHULRU'ijKLVWyULDXP´SRQWRÀQDOµTXHSRUVXDYH]IRUQH-
ce o ponto de vista de onde a história pode ser percebida como formando
um todo. Entender a história é entender como e por que os sucessivos epi-
sódios conduziram a essa conclusão, que, longe de ser previsível, deve ser
ÀQDOPHQWHDFHLWiYHOFRPRVHQGRFRQJUXHQWHFRPRVHSLVyGLRVUHXQLGRV
[...] é essa a capacidade da história de ser acompanhada que constitui
DVROXomRSRpWLFDGRSDUDGR[RGHGLVWHQVmRLQWHOHFomR4XHDKLVWyULDVH
GHL[HDFRPSDQKDUFRQYHUWHRSDUDGR[RHPGLDOpWLFDYLYD85.
A teoria narrativa não se pode dar por realizada de ple-
no sentido enquanto ainda QmR HVWLYHU GHÀQLGR R WHUFHLUR H ~OWLPR
desdobramento da mímesisSRULVVRYDOHDOXGLUTXHRDWRFRQÀJXUDQWH
da mímesis ,, QmR SRVVXL XPD ÀQDOLGDGH HP VL PHVPD XPD YH] TXH
VHJXQGRRQRVVRÀOyVRIRHVWDQGRDLQYHVWLJDomRSDXWDGDQDPHGLDomR
HQWUHWHPSRHQDUUDWLYDDFRQÀJXUDomRQDUUDWLYDÀFDULDLQFRPSOHWDVH
RVVHQWLGRVSURGX]LGRVSRUHODQmRUHWRUQDVVHPjH[SHULrQFLD86. Nisto
consiste a mímesis III: a marcação da intersecção entre o mundo do
WH[WRHRPXQGRGROHLWRUTXHUHVVLJQLÀFDVXDYLGDDWUDYpVGRVHQWLGR
WUDQVPLWLGRSHORWH[WR87.
A tríplice mímesis trata, na verdade, de um “círculo herme-
QrXWLFRµHPTXHÀQDOPHQWHSRGHVHUDÀUPDGRSHODQRomRGDUHFHS-
ção do leitor no ato de leitura, pois se encontramos em mímesis I o
PXQGRSUpÀJXUDGRRPXQGRGR´YLYLGRµRXHPRXWUDVSDODYUDV
GDV Do}HV KXPDQDV HP TXH WDQWR R DXWRU RX R OHLWRU GH XP WH[WR
SDUWLFLSDPÀFDQtWLGRFRPRLUHPRVYHUTXHROHLWRUDRVHDSURSULDU
GRWH[WRFRQÀJXUDGRSHORDXWRUUHWRUQDDR´YLYLGRµHPmímesis I, no
SURFHVVR TXH 5LFRHXU FKDPDUi GH UHÀJXUDomR 88. Mas, diferente da
PDLRULDGDVFRUUHQWHVGHDQiOLVHWH[WXDOQDKHUPHQrXWLFDULFRHXULDQD
o “centro da análise” é o leitor e não o autor, pois o único que par-
ticipa dos três estágios da mímesis é o leitor: “Na fronteira entre M2
H0ROHLWRU´OrµRWH[WRWDOFRPRHVWiFRQÀJXUDGR1RVHLRGD0
ele “compreende” a narrativa. Na fronteira entre M3 e M1 o leitor
GHYROYH R WH[WR DR YLYLGR LQFRUSRUDQGR R VDEHU DSUHQGLGR DWUDYpV
GHOHDRVHXSUySULR9LYHUµ89.
A noção de ato de leitura recebe um destaque de Ricoeur, o
que se deve saber é que ela é o vetor da condição de possibilidade que a
LQWULJDSRVVXLGHPRGHOL]DUDH[SHULrQFLDLVVRSRUTXHDOpPGHUHWRPDU
RDWRFRQÀJXUDQWHGHmímesis II, ela o encerra90. Neste sentido, é preciso
DEDQGRQDUDLGHLDGHTXHH[LVWHXPDRSRVLomRHQWUHXP´GHQWURµHXP
´IRUDµGRWH[WRHSRULVVR5LFRHXUUHWRPDDVH[SUHVV}HVGHHVTXHPD-
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Considerações Finais
99 Ibidem, p. 93.
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5HIHUrQFLDV%LEOLRJUiÀFDV
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