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18/10/2023, 16:38 Sexualidades, saúde, arranjos múltiplos e direitos sociais

Sexualidades, saúde, arranjos múltiplos e direitos sociais


Ricardo Dias de Castro

Descrição

Construção de práticas de cuidado para profissionais da saúde no


âmbito da diversidade das configurações dos sexos, dos gêneros e das
orientações sexuais dos usuários das políticas públicas.

Propósito

É primordial que profissionais da área da assistência, da saúde, da


educação e de qualquer outra política pública estejam munidos de
conceitos e reflexões que promovam o respeito e a valorização da
diversidade humana, realizando uma prática interventiva sem qualquer
preconceito ou discriminação, visando à garantia de direitos da
população em toda a sua pluralidade.

Objetivos

Módulo 1

Políticas de saúde e a população LGBTQIA+

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Identificar as políticas de saúde direcionadas para a população


LGBTQIA+.

Módulo 2

A sexualidade humana
Reconhecer a sexualidade humana como processo de construção
biopsicossocial.

Módulo 3

Políticas públicas de saúde


Localizar as políticas públicas de saúde da mulher e do homem.

Módulo 4

Saúde e a diversidade sexual


Empregar a ética no cuidado em saúde frente à diversidade sexual.

meeting_room
Introdução
Como profissionais do cuidado e da assistência em saúde, todos
nós teremos que lidar com a diversidade humana, o que implica
estar em contato com corpos, desejos, afetos e sexualidades
muito diferentes. E essa diferença nunca poderá ser critério para
que balizemos a qualidade do nosso trabalho! Um profissional de
saúde precisa se formar de maneira crítica e respeitosa,

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embasando-se, única e exclusivamente, nas dimensões


científicas, éticas e humanísticas de suas construções
acadêmicas e profissionais.

Neste conteúdo, portanto, veremos algumas políticas de saúde


que têm como foco a garantia dos direitos à comunidade
LGBTQIA+, bem como seremos capazes de compreender a
sexualidade humana como um processo simbólico e cultural. Em
seguida, localizaremos algumas estratégias para homens e
mulheres no âmbito da política pública de saúde e, por fim,
apresentaremos um debate ético acerca do cuidado em
diversidade sexual.

1 - Políticas de saúde e a população LGBTQIA+


Ao final deste módulo, você será capaz de identificar as políticas de saúde direcionadas para a
população LGBTQIA+.

Sistema Único de Saúde e a garantia


de direitos
Desde a institucionalização do SUS, em 1990, o Brasil vem aos poucos
construindo frentes de políticas inclusivas que vejam os usuários do
sistema público de saúde para além da doença e, sobretudo, como
sujeitos de direitos. Isto é, mais do que pensar que um sistema de saúde
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tem caráter unicamente curativo e medicamentoso, a reforma


sanitarista brasileira e o campo da Saúde Coletiva alteraram a lógica do
cuidado no Brasil.

A partir da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, e com a


finalidade de garantir o acesso universal e igualitário, baseado em uma
perspectiva integral de saúde, houve uma reorganização assistencial
que foi garantida pela Lei Orgânica da Saúde ― Lei nº 8.080 de 19 de
setembro de 1990 ― elaborada para regulamentar o SUS, criado pela
Constituição Federal de 1988, também conhecida como Constituição
Cidadã.

Com o tripé assistência social, saúde e previdência, a Seguridade Social


brasileira abriu caminho para o combate à pobreza extrema, à
desigualdade social e à degradação humana, trazendo para o cerne do
debate o campo da cidadania para a estrutura central de organização de
um novo projeto de Brasil.

Desde então, a implantação de um modelo que contemple os princípios


e as diretrizes do SUS e a execução das normas de seu arcabouço legal
são consideradas um dos maiores desafios do setor saúde.

Exemplo
A Promoção em Saúde Pública não está dirigida para dada doença ou
agravo, mas serve para incrementar a saúde e o bem-estar da
população. É nesse sentido que o cuidado emerge como uma política de
saúde.

Cuidado: conceito e prática de

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humanização
O cuidado em saúde requer responsabilidades entre serviços e
população. Faz-se importante o vínculo entre os profissionais de saúde
e a população atendida, uma vez que se deve reconhecer a saúde como
um direito de cidadania. Ou seja, o cuidado em saúde é o tratamento
respeitoso, o acolhimento ao ser humano em sofrimento. É a
dignificação do processo de saúde e da doença. Trata-se,
principalmente, de compreender o sujeito biopsicossocialmente, de
modo que suas fragilidades e suas potências sejam consideradas ao se
prestar um cuidado assistencial em saúde.

Exemplo
Uma série de atitudes, nesse sentido, pode apontar para o cuidado em
saúde, como a oferta de um tratamento digno e respeitoso, com
qualidade, vínculo e acolhimento singular.

O cuidado com o usuário de um sistema de saúde tem como


pressuposto a autonomia, a liberdade e a capacidade de negociação do
sujeito diante das propostas de saúde que lhe são feitas.

O objetivo desse cuidado é reduzir os efeitos do adoecimento e


reconhecer o sujeito para além do modelo biomédico e medicamentoso.

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A ideia aqui não é abandonar o modelo biomédico, mas pensar o sujeito


para além de uma matriz biológica. Somos seres sociais! E, portanto, na
contramão de uma postura de abandono e desamparo, o cuidado em
saúde assume o sujeito humano como um ser histórico e o interpreta e
o acolhe para além de sua funcionalidade biológica.

O cuidado em saúde, portanto, faz cumprir os princípios básicos do tripé


do SUS:

Universalidade expand_more

Refere-se ao acesso aos serviços de saúde em todos os níveis


de atenção: primário, secundário e terciário.

Integralidade expand_more

Refere-se à assistência integral ao sujeito, o que é compreendido


como um conjunto de ações e serviços preventivos e curativos,
individuais e coletivos, que deve funcionar de forma articulada
em todos os níveis de atenção.

Equidade expand_more

Refere-se à assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios


de qualquer natureza.

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O objetivo do SUS não é tratar todos igualmente. Sabe por quê? Porque
isso seria impossível, já que todos somos seres sociais muito
diferentes!

O problema não é a diferença, e sim a desigualdade de


tratamento e cuidado em saúde em função de critérios
normativos que desvalorizam a diferença ao tomar
algumas existências como modelo padrão de
humanidade.

Tendo em vista isso, o melhor termo para o tratamento digno a toda a


diversidade de existência, pelo sistema de saúde pública, não é
igualdade, mas, sim, equidade. Ninguém precisa ser tratado pela mesma
norma, afinal há pessoas que diferem da norma padrão de humanidade
que se hegemonizou na construção da heterocisnormatividade como
modelo de vida.

Heterocisnormatividade
É o padrão de conduta afetivo-sexual que naturaliza como “normal” o
desejo heterossexual e os corpos não transexuais: os chamados
corpos cis.

Enquanto a igualdade busca tratar todos da mesma maneira,


independentemente da sua necessidade, a equidade trata as pessoas de
formas diferentes, mas em condições equitativamente dignas e
humanas, considerando o que elas precisam, suas singularidades e
particularidades.

Exemplo
A vida de um sujeito heterossexual com um emprego em uma
multinacional é bem diferente da vida de uma prostituta transexual na
periferia de algum centro urbano. Nós não somos iguais, mas devemos
ser respeitados da mesma forma em nossas diferenças!

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É justamente para evitar que esses grupos sejam violados pelas


instituições de saúde que os planejamentos em saúde começaram a
considerar estratégias transversais a diversas áreas para garantir a
temática da inclusão e da diversidade como pontos de partida e
horizonte de uma prática cuidadosa.

É preciso pensar a formação dos profissionais do SUS para que


temáticas sobre sexo, gênero e orientação sexual sejam centrais na
construção de uma postura profissional do cuidado. Isso só será feito
com a sensibilização científico-política ao tema da diversidade sexual. E
é por isso que você está acessando este conteúdo.

Alguns conceitos básicos de


diversidade sexual
Para que possamos avançar em nossa discussão, é importante garantir
que estejamos partindo de definições conceituais comuns. Definições
que, no senso comum, provocam bastante confusão e dificuldade de
entendimento, mas que, no campo da ciência da saúde, requerem
fundamentação e compreensão.

Identidade sexual (sexo): Refere-se à matriz genital biológica que nasce


com os corpos humanos. Exemplos:

Corpo macho

É aquele que possui cromossomicamente as marcas que


desenvolverão caracteres, gônadas e genital dos machos, como
pênis, próstata, testículos etc.

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Corpo fêmeo

É aquele que possui cromossomicamente as marcas que


desenvolverão caracteres, gônadas e genital da fêmea, como
seios, útero, vagina etc.

Corpos intersex

Os corpos intersex fogem do binarismo sexual e não se


conformam ao macho ou à fêmea. Em vez disso, eles são
marcados pela presença de caracteres de ambos os sexos.
Desse modo, pode haver um corpo que possua uma cavidade
vaginal da qual emerge um pênis, por exemplo.

Identidade de gênero: Refere-se às construções simbólicas e materiais


do corpo referentes à masculinidade, à feminilidade, entre outros
elementos. Exemplos:

Homem

Pessoa identificada com o gênero masculino.

Mulher

Pessoa identificada com o gênero feminino.

Andrógino

Pessoa que possui identificação com o gênero masculino e o


feminino.

Não binário

Pessoa que duvida do masculino e do feminino como coisas


distintas, opostas e obrigatórias.

Homem Trans

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Corpo nascido com genitália designada feminina e que se


identifica com o gênero masculino.

Mulher Trans

Corpo nascido com genitália designada masculina e que se


identifica com o gênero feminino.

Orientação sexual: Corresponde ao desejo afetivo-sexual que as


pessoas constroem em suas vidas, o qual pode variar ao longo do
espaço-tempo. Exemplos:

Heterossexual

Pessoa que sente desejo por outra do gênero oposto.

Homossexual

Pessoa que sente desejo por outra do mesmo gênero (gays e


lésbicas).

Bissexual

Pessoa que sente atração afetivo-sexual por pessoas dos dois


gêneros.

Pansexual

Pessoa cujo desejo se estende a mais de um gênero


independentemente da identidade de gênero e da orientação
afetivo-sexual. O prefixo pan significa todos.

Assexual

Pessoa que não tem atração sexual, e sim desejo de afeto.


Diferencia-se de abstinência sexual e celibato – inclusive do

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celibato compulsório.

A sigla LGBTQIA+ se refere às identidades de gênero e às diversas


orientações sexuais, apontando para existências diversas de arranjos
entre genitálias, gêneros e desejos.

Tais existências não se resumem ao campo da heterossexualidade


cisnormativa, historicamente tomada como padrão de normalidade. Por
fim, a sigla, ao fazer uso do sinal +, mostra-se aberta a uma infinidade de
possibilidades de construções de corpos e desejos que os seres
humanos empreendem para se relacionarem e terem prazer entre si.

Políticas de cuidado aos LGBTQIA+:


conquistas e desafios
Todos nós, em alguma medida, reproduzimos preconceitos e
discriminações aos LGBTQIA+ justamente porque a
heterocisnormatividade constrói um modelo de mundo em que tudo o
que rompe com o binarismo de gênero e com as sexualidades
heterossexuais é tomado como desvios, patologias e até mesmo crimes
em algumas sociedades.

Em função dessa lógica violenta, todos aqueles que não correspondem


às expectativas desse modelo sexo-gênero-orientação sexual padrão
podem, porventura, ter os seus direitos negados e usurpados. Vários
profissionais de saúde se deixam envolver por suas concepções morais
e religiosas e penalizam pessoas LGBTQIA+ fazendo piadas e
comentários violentos ou negligenciando atendimentos a elas.

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Imagem de jovem mulher trans.

Vários movimentos foram feitos no sentido de se demandar do Estado a


garantia à qualidade de vida e à assistência em saúde aos LGBTQIA+
por meio de políticas públicas.

Políticas públicas são os dispositivos do Estado por meio do qual


programas, ações e propósitos coletivos e comunitários são levados a
cabo pelas sociedades para produzir mudanças no mundo real e
garantir um projeto de sociedade que faça garantir o Estado de bem-
estar social. Em âmbito mais específico, a política pública de saúde
congrega diretrizes relacionadas à produção de programas no âmbito da
atenção em saúde (MELLO, 2011).

É importante entender que a sigla LGBTQIA+ variou e variará quanto


mais a sociedade entender que a diversidade sexual não se resume em
palavras, afinal, a sexualidade humana é pura criatividade. Acompanhe a
seguir as variações que a sigla já teve:

transgender GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes)


U i l i d ló i
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Uma sigla mais mercadológica.

transgender GLBT

Que retira o simpatizante por entender que ele não


é, exatamente, um sujeito da luta.

transgender LGBT

Que traz o L para frente para dar visibilidade às


mulheres lésbicas.

transgender LGBTT

Que engloba travestis e transexuais.

transgender LGBTQ

Que traz o queer para a sigla e reúne travestis e


transexuais em transgêneros.

transgender LGBTEQI

Que traz os intersex.

transgender LGBTQIA+

Q t d i ld di ã ( )
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Que traz os assexuados e o sinal de adição (+) para
sinalizar a infinidade de possibilidades etc.

Partindo-se desse pressuposto, o ano de 2004 foi um marco para a


produção de políticas de cuidado em saúde para a população
LGBTQIA+, haja vista o lançamento pelo governo federal do "Programa
Brasil sem homofobia - Programa de combate à violência e à
discriminação contra GLTB e de promoção da cidadania homossexual".

Outra iniciativa voltada a essa comunidade foi a Carta dos direitos dos
usuários da saúde, aprovada por meio da Portaria nº 675, de 30 de
março de 2006, na qual está presente o direito ao cuidado, ao
tratamento e ao atendimento no âmbito da saúde pública, sem qualquer
discriminação por orientação sexual e identidade de gênero.

Saiba mais
Nessa mesma carta, enuncia-se, também, o fato de que as pessoas têm
o direito de serem nomeadas e publicamente chamadas pelo nome que
preferirem ― o nome social ―, independentemente do registro civil
(MELLO, 2011).

Também em 2004, o governo federal lançou o documento Política


nacional de atenção integral à saúde da mulher: princípios e diretrizes, no
qual se dá atenção às diversidades de ser mulher no Brasil, a partir de
distintos marcadores como raça, etnia e sexualidade que produzem
comuns, mas também distintas, experiências para mulheres negras,
indígenas e lésbicas (MELLO, 2011).

Na segunda metade dos anos 2000, outros projetos não voltados


exclusivamente para a população LGBTQIA+ foram capazes de mobilizar
recursos e estratégias que contemplaram demandas para alguns desses
segmentos. Dentre esses movimentos, destaca-se a 13ª Conferência
Nacional de Saúde, realizada em 2007, que levantou o debate da
revogação da Portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) que, até então, proibia gays e outros HSH (homens que fazem
sexo com homens) de doarem sangue. Algo que, de fato, só foi
juridicamente revogado em 2020.

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Em maio de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou


inconstitucional a “regra” que impedia um homem que fez sexo com
outro homem de doar sangue antes de completar 12 meses da relação
sexual. Após essa decisão do Supremo, a Anvisa revogou restrição à
doação de sangue por homens gays.

Ainda em 2007, houve forte incentivo à pesquisa e à produção de


conhecimentos sobre o SUS e o fomento a uma política nacional de
saúde integral à comunidade LGBTQIA+. Nesse mesmo ano, houve
também o Plano integrado de enfrentamento da feminização da epidemia
de AIDS e outras DST e o Plano nacional de enfrentamento da epidemia
de AIDS e DST entre gays, outros homens que fazem sexo com homens e
travestis.

DST
Respeita-se o termo utilizado pela política à época, mas o termo
atual, utilizado pelas políticas de saúde, é Infecções Sexualmente
Transmissíveis (ISTs), já que nem toda infeção configura um
processo de adoecimento.

No ano de 2009, pudemos acompanhar o Plano nacional de promoção


da cidadania e direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais e o III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), no
qual o tema da atenção à saúde da população LGBTQIA+ foi
protagonizado. Em 2010, foi divulgada a Política nacional de saúde
integral de LGBT com diretrizes que consideravam a construção de um
cuidado atravessado pelos marcadores sociais como orientação sexual,
identidade de gênero, ciclos de vida e raça-etnia (MELLO, 2011).

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Mais recentemente, o Ministério da Saúde, em 2013, lançou algumas


campanhas em parceria com as Secretarias de Direitos Humanos (SDH)
e de políticas para as mulheres com o objetivo de conscientizar sobre a
saúde de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais para a
valorização da saúde como um direito humano de cidadania. Isso
ressaltou, por fim, que a população LGBTQIA+ tem direito a receber
atendimento livre de qualquer discriminação, restrição ou negação em
virtude da orientação sexual e identidade de gênero.

Apesar da existência de vários projetos, programas e outros


compromissos do governo federal relativos ao tema da saúde da
população LGBTQIA+, até hoje perduram desafios para a efetivação da
cidadania e dos direitos a essa população historicamente
subalternizada.

Há uma distância entre a proposta da política e o fato de que ela se


torne orgânica aos profissionais de saúde e aos usuários. Inúmeros

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profissionais ainda patologizam trajetórias não heterocisnormativas e


tratam mal ou desdenham das trajetórias LGBTQIA+. Alguns
profissionais insistem em não chamar os sujeitos travestis e transexuais
pelos seus nomes sociais, alegando que o registro civil se sobrepõe a
suas autodeterminações, entre outros problemas.

O caminho para a construção de um cuidado à comunidade LGBTQIA+


foi aberto, mas ainda perduram os desafios que precisamos enfrentar
para garantir dignidade e direitos a um grupo que, historicamente, foi
vinculado a uma semântica degradante e desumanizante. O cuidado em
saúde para a comunidade LGBQTIA+ se trata apenas de fazer garantir
que, como qualquer outro grupo cidadão, ela tenha respeito,
reconhecimento e atendimento de qualidade que promova saúde e bem-
estar biopsicossocial.

Bem-estar em todas as esferas da vida e não só naquelas que apontam


para o desejo e as práticas corpóreas sexuais desses sujeitos. Por que
reduzimos os sujeitos LGBTQIA+ às questões do corpo e do desejo
sexual? Será que esse não é um preconceito que nos impede de
enxergar sujeitos não heterocisnormativos para além de suas genitálias
e práticas sexuais?

video_library
As conquistas e os desafios das
políticas LGBTQIA+ ao longo do tempo

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Neste vídeo, o professor reflete sobre as diversas mudanças que


aconteceram nas políticas de cuidado à população LGBTQIA+,
conquistas, desafios e impasses.

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Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Qual o principal elemento que está presente na construção da ideia


de cuidado em saúde prevista pelo Sistema Único de Saúde (SUS)?

Em sua prática, é necessário que o profissional em


A saúde abra mão dos conceitos científicos e alicerce
sua assistência a partir de princípios morais.

Em sua prática, assim como previsto pela


Constituição Federal de 1988, é garantido que o
B
profissional de saúde haja segundo suas convicções
religiosas.

O cuidado em saúde é um projeto de assistência


que prevê o sujeito como um cidadão que merece
C
ser acolhido e respeitado em sua história pessoal,
material e simbólica.

O cuidado em saúde deve ser balizado por cada


D profissional tendo em vista os interesses pessoais
de cada um.

O cuidado em saúde é o rompimento total com o


E modelo biomédico de promoção e prevenção em
saúde.

Parabéns! A alternativa C está correta.

O cuidado em saúde é a garantia de tratamento ao usuário do


sistema de saúde, com respeito e acolhimento ao seu sofrimento.
Isso só é possível ao considerar o contexto sócio-histórico e

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material dos sujeitos assistidos pela política pública, e implica


atentar-se para suas vulnerabilidades e suas potências na
resolutividade de seus problemas no âmbito da saúde-doença para
além das questões corpóreas-biológicas.

Questão 2

Em linhas gerais, as políticas de cuidado aos LGBTQIA+


sustentadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) pretendem

impedir que sujeitos heterossexuais tenham uma


A
boa assistência em política de saúde pública.

garantir que a população LGBTQIA+ seja tratada


B com cuidado universal, integral e equitativo como
qualquer outro grupo cidadão do Brasil.

cuidar apenas das condições sexuais dos sujeitos


C
LGBTQIA+.

fazer o tratamento das inúmeras ISTs/AIDS que


D
ainda acometem, majoritariamente, os LGBTQIA+.

garantir que os LGBTQIA+ tenham um tratamento


E em saúde melhor que os sujeitos que estão mais
próximos à heterocisnormatividade.

Parabéns! A alternativa B está correta.

As inúmeras políticas de cuidado à comunidade LGBTQIA+ no


âmbito da saúde existem para garantir que os sujeitos dessa
comunidade tenham acesso a toda a política pública de saúde sem
que sofram preconceito e discriminação. É importante reforçar que
esses sujeitos acessam o SUS não apenas para questões que
envolvem seus corpos e suas práticas sexuais, mas também para
toda e qualquer questão que envolva a necessidade de manutenção
de bem-estar biopsicossocial. Essa política, por fim, não prejudica

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os sujeitos cisheterossexuais, que historicamente são reconhecidos


como humanos pelos serviços do Estado.

2 - A sexualidade humana
Ao final deste módulo, você será capaz de reconhecer a sexualidade humana como processo
de construção biopsicossocial.

Sexualidade para além do sexo


A sexualidade humana é um campo de construções biopsicossociais
que comprovam que os sentidos sobre nossos corpos, nossas práticas
e nossos desejos sexuais são um processo, e não uma instância física
perene. Os processos da sexualidade são movimentações subjetivas,
complexas, contraditórias, paradoxais e embebidas em uma negociação
constante do sujeito com a sua comunidade e do sujeito consigo. Com
isso, queremos dizer que a sexualidade não pode ser compreendida,
unicamente, por uma via racional e descritiva.

Será que a sopa de letrinhas da diversidade é capaz de


abarcar todos os arranjos de sexo-gênero-desejo?
Nunca se esqueça do sinal + da sigla. A diversidade é
infinita. A sexualidade é fluxo, assim como a
experiência de ser humano, e esse fluxo se inicia antes
mesmo do nosso nascimento!

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Mais do que entender a sexualidade humana como um campo


unicamente da experiência sensível pessoal, é preciso compreender a
sexualidade como campo científico de estudos transdisciplinares que
investigam a experiência do corpo, do prazer e das criações que o ser
humano empenha para se relacionar com o outro afetivo e sexualmente.

Seja como for, as abordagens


contemporâneas da sexualidade em
antropologia mantêm os
pressupostos da disciplina relativos
à análise sistêmica dos símbolos
culturais duma sociedade ou grupo
social, do relativismo cultural (a não
confundir, todavia, com relativismo
moral) e da comparação
intercultural. Por fim, se o campo da
sexualidade tem vindo a
autonomizar-se na nossa sociedade
– e, por isso, nas ciências sociais –,
a sua abordagem em antropologia é
necessariamente também um
esforço de leitura, desconstrução e
crítica das abordagens passadas do
tema na disciplina.

(ALMEIDA, 2003, p. 2-3)

Isso quer dizer que os estudos sobre a sexualidade humana são


pensamentos críticos e reflexivos sobre como abordagens antigas da
experiência afetivo-sexual humana foram moralizantes e patologizantes
acerca da diversidade sexual.

Atualmente, o esforço acadêmico-político visa colaborar para a


construção de saberes e práticas em saúde que lidem com a
sexualidade humana como uma produção simbólica e cultural e,
portanto, criativa e inventiva.

Onde habita o consenso afetivo-sexual entre figuras adultas não deveria


haver espaço para preconceito e discriminação! Mas você já reparou
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como a nossa própria sexualidade e a dos outros são tomadas como


um campo de vigília por grande parte da comunidade social e política?

A questão aqui não é negar a matriz biológica. Todos compartilhamos


pontos de partida para a construção do corpo e da existência que são
inegavelmente herdados. Mas, além da biologia, existe uma cultura que
nos constrói e nos inventa nesse mundo. Que cultura poderosa é essa?

A seguir, compreenderemos melhor a importância de se considerar não


só a influência biológica, mas também a cultural para nossa construção
humana.

O que é gênero?
O gênero é parte fundamental da nossa cultura!

Trata-se de um campo da ciência – também chamado de Estudos de


Gênero – que pretende investigar o sujeito e a sociedade a partir do
lugar epistemológico do indivíduo no mundo. Nesse sentido, o gênero é
uma categoria de análise sócio-histórica que se recusa a enxergar as
diferenças e as desigualdades entre homens e mulheres apenas como
questões biológicas assim como, historicamente, muitas leituras
patriarcais o fizeram.

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Em outras palavras, gênero é uma “lente de análise” para enxergar


as relações sociais e como elas padronizam, em um contexto
histórico e político, papéis sociais distintos e desiguais para
homens e mulheres.

As expectativas de gênero seriam todas essas prescrições –


algumas mais e outras menos implícitas – que criam modelos
tradicionais que se pretendem biológicos, mas são ensinados
cotidianamente para produzir o que um homem ou uma mulher é
na sociedade.

Veja um exemplo de como o gênero muda ao longo do tempo:

Na época do Antigo Atualmente,


Regime francês até a maquiagem e peruca
Revolução Francesa, close são mais associadas às
entre os séculos XVII e feminilidades.
XIX, era comum que Provavelmente, nas
homens da realeza ruas de qualquer cidade
usassem perucas e brasileira, homens que
maquiagens, as quais usassem esses
significavam poder utensílios seriam
econômico e, portanto, hostilizados.
virilidade e poder.

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Assim como há expectativas de gênero, há também expectativas em


relação às orientações sexuais.

Grande parte da sociedade não deseja de modo algum


que seus filhos sejam LGBTQIA+ porque naturalizamos
que o destino de qualquer corpo-desejo é o corpo
heterocisnormativo.

Essa expectativa é subjetiva, social, histórica e política, e impede que


tenhamos como projeto de vida o desejo de que as pessoas sejam o
que elas quiserem ser. Muito pelo contrário, fantasiamos gostos,
estéticas, casamentos, parceiros, filhos e um modelo de organização da
vida privada, familiar e pública do nascimento até o último dia de vida de
uma pessoa.

Nessa direção, a sexualidade é central na organização das


subjetividades modernas e contemporâneas. Todos nós pensamos em
pessoas a partir das categorias do gênero e da orientação sexual e
áreas relacionadas.

Heterossexualidade compulsória é, justamente, o


modelo normativo de vida, o desejo e as instituições
que colocam como destino natural o casamento
heterossexual, as divisões sociais de trabalho e
gênero, a monogamia e a reprodução como modelos
únicos e padronizados de existência (RICH, 2010).

Essa discussão não objetiva impedir que as pessoas assumam


orientações heterossexuais. Isso é impossível. Durante a vida, cada um
vai desejar o que quiser (e puder) desejar! A discussão sobre o caráter
construcionista da sexualidade visa garantir que quem assumir outra
forma de desejo afetivo-sexual, diferentemente da heterossexual, possa
existir sem ser exterminado por isso.

Atenção!
A normalização da heterossexualidade como modelo único de desejo
sexual é reforçada por discursos religiosos, midiáticos e, até mesmo,
científicos.

Ainda que isso esteja mudando atualmente, muitas gerações de jovens


adultos atravessaram a puberdade e fase adulta sem terem acesso à
literatura, à mídia, aos filmes e aos documentários que mostrassem a
vida LGBTQIA+ como um modelo de vida. E quando se referiam a essa

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comunidade, historicamente isso foi feito com desrespeito e humor, no


mínimo, controverso.

Interseccionalidade
As décadas de 1960 e 1970 são, marcadamente, um período histórico
de bastante mobilizações e reivindicações por direitos sociais e
políticos para além das questões de classe relacionadas às condições
trabalhistas. Certos de que a desigualdade econômica é um grave
problema no mundo, vários movimentos, também no período de 1960 e
1970, introduziram elementos e categorias relacionadas a lutas por
reconhecimento ― como as questões de raça, gênero e sexualidade ―
nas pautas sobre justiça social econômica. A ideia que começou a ser
construída é a de que nenhuma experiência de exploração se sobrepõe
à outra. Classe e problemas econômicos são tão centrais para a
compreensão do mundo quanto outros sistemas de poder e exclusão.

Nesse período, mulheres negras organizadas, por exemplo, tiveram


dificuldade em encontrar algum movimento social que as representasse
de modo mais efetivo. Isso porque, em função do racismo estrutural, era
difícil para elas reconhecerem pautas antirracistas em um movimento
feminista branco e da classe média. Ao mesmo tempo, ao procurarem
solidariedade com o movimento negro, os sexismos dos companheiros
homens de luta antirracista também colocavam limites às parcerias a
qualquer custo.

Qual o lugar da mulher negra na luta por um mundo mais justo?

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A interseccionalidade é compreendida como um movimento teórico-


político protagonizado, sobretudo por mulheres negras, o qual
empreende um projeto de justiça social que intersecciona vários
marcadores sociais – classe, raça, gênero, sexualidade e outros – para
compreender as lógicas de opressão da sociedade. Ao mesmo tempo,
esse movimento defende a importância de se pensar vários sistemas de
opressão juntos – pobreza, racismo, LGBTQUIA+fobia, sexismo e outros
– para empreender lutas e processos de combate à desigualdade social
que assola o mundo (MAYORGA, 2014).

A interseccionalidade não é uma soma exata de características


individuais e coletivas desses distintos grupos, mas, sim, uma forma de
olhar para os problemas do mundo com mais complexidade e produzir
justiça social.

Não se trata de afirmar


simplesmente a necessidade de
trabalhar com a multiplicidade de
diferenças que caracterizam as
mulheres a partir de uma somatória
de opressões. É muito importante
compreender como essas
diferenças se instituem como

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desigualdade e devem-se analisar


quais sistemas as produzem e
também como estão em interseção.
Isso porque principalmente
categorias como gênero, raça,
classe e sexualidade se expressam,
muitas vezes, através de
antagonismos. Desse modo, a
noção de interseccionalidade será
tomada como uma resposta à
necessidade evidente em nossas
sociedades para compreender as
formas de opressão de forma
articulada, considerando a
complexidade das sociedades
contemporâneas, bem como para
construir enfrentamentos que
possam ser não fragmentados.

(MAYORGA, 2014, p. 228)

Várias expectativas de gênero e sexualidade, ao serem atravessadas por


esses outros marcadores sociais, como raça e classe, produzem novas
e distintas violências e desumanizações para alguns corpos.

Interseccionar o pensamento é pensar classe, gênero,


raça e sexualidade de forma conjunta. Durante
aproximadamente três séculos, os corpos negros
foram associados a um produto que pertencia ao poder
luso-europeu. Corpos vendáveis, bestializados,
“sexualmente salientes”, bons para o trabalho braçal,
não pensantes. Negros eram corpos para o poder
colonial.

Toda essa lógica de poder colaborou para um processo de sexualização


dos corpos negros, que foram associados a uma força física e sexual
tão brutal que, até hoje, circula no senso comum a ideia de que mulheres
negras são mais assanhadas e que homens negros possuem melhores
performances sexuais e genitálias maiores do que homens brancos.

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Esse senso comum é um dispositivo do sistema moderno colonial de


gênero que criou a ideia da humanidade dos europeus, fossem homens
ou mulheres, em detrimento da bestialidade e animalização dos povos
colonizados, como indígenas, aborígenes e africanos, os quais foram
mais enquadrados como machos e fêmeas do que como homens e
mulheres.

Imagem ilustrativa do mercado de escravos do livro Revelações de um contrabandista de


escravos, publicado em 1860.

Em função da lógica colonial de gênero, mulheres brancas foram


historicamente associadas à virgindade, à castidade e ao casamento.
Mulheres negras, por outro lado, foram associadas à fornicação e ao
sexo selvagem. Compreender as construções simbólicas da sexualidade
exige de nós, profissionais da saúde, do cuidado e da assistência,
complexidade para analisar os fatos conforme foram produzidos ao
longo da história.

Os sistemas de saúde estão atravessados por ideias preconceituosas e


discriminatórias. Por isso mesmo, os dados mostram que mulheres
negras são mais vítimas de estupros e feminicídios no Brasil. Há relatos
que mostram como médicos, na década de 80, realizaram esterilizações
compulsórias em mulheres negras sem que elas tivessem desejado
isso. Por fim, há também denúncias de como mulheres negras recebem
menos anestesias para procedimentos biomédicos que causam dor
(GONZAGA; MAYORGA, 2019).

Qual a lógica por trás dessas atitudes violentas?

O fato de que, historicamente, o corpo da mulher negra foi considerado


uma aberração, um problema e uma máquina que tudo pode aguentar. O
que sustenta todo esse processo de desumanização às mulheres
negras é a ideia de que o corpo da mulher preta, principalmente pobre, é
forte, não sofre, não sente dor e, por isso, não merece sequer reproduzir
descendentes no mundo.

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No entanto, retomando o que foi afirmado na definição de


interseccionalidade, não se esqueça de que grupos sociais,
historicamente, sempre tiveram condições de lutar contra essas
condições de exploração e opressão. Movimentos sociais de mulheres
negras, faveladas, lésbicas, mães etc. têm se empenhado em questionar
o racismo-patriarcado-elitismo institucional que embebe a saúde de
violências aos seus corpos e aos de outros grupos sociais
vulnerabilizados, como, por exemplo, pessoas com deficiência.

Portanto, os profissionais da saúde e do cuidado precisam,


definitivamente, atentar-se para as ficções em torno da sexualidade, do
gênero, da raça e da classe. Só assim estaremos vigilantes para que
nossas práticas não reproduzam violências e hostilizações a grupos
historicamente subalternizados.

O SUS ganha muito ao ouvir as propostas dos movimentos sociais, o


que é previsto como um dos princípios do SUS: o controle social. Esse
controle garante a participação da sociedade civil no processo de
formulação, crítica, controle e reivindicação das políticas públicas de
saúde.

video_library
Movimentos sociais, SUS e as

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práticas de cuidado
Neste vídeo, o professor reflete sobre a negativa influência de
construções em torno da sexualidade, do gênero, da raça e da classe
nas práticas de cuidado na saúde e a importante atenção à justiça
social.

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Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Acerca do campo de estudos sobre a sexualidade humana,


podemos afirmar que

a sexualidade humana é um campo da experiência


sensível privada e, por isso mesmo, os estudos que
A
embasam esse campo não requerem método
científico.

a sexualidade humana é um campo do saber


B transdisciplinar interessado em criar parâmetros
únicos e universais de afetividades e sexualidades.

o campo de estudos da sexualidade humana é um


C conjunto de pensamentos e ações morais e
patologizantes da diversidade sexual.

os estudos sobre sexualidade humana partem do


pressuposto que as diferentes formas de expressão
D
dos arranjos afetivos e sexuais constituem um
processo histórico comum no mundo.

as abordagens atuais de estudos sobre sexualidade


humana encontram-se muito bem alinhadas com as
E
perspectivas mais antigas tanto em seu âmbito
ético quanto conceitual.

Parabéns! A alternativa D está correta.

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Mais do que entender a sexualidade humana como um elemento


que depende apenas de sensações e opiniões pessoais, é preciso
tomar os estudos sobre a sexualidade como campo científico
transdisciplinar que investiga a experiência do corpo e do prazer
consigo e com outros. Atualmente, as abordagens teóricas da
sexualidade descontroem e criticam visões passadas que
patologizavam e moralizavam a diversidade sexual. Hoje, o esforço
acadêmico-político é garantir a produção de um conhecimento que
valorize a diversidade dos modos de existir sexualmente no mundo.

Questão 2

Acerca do debate interseccional sobre as interações de gênero,


raça, classe e sexualidade, podemos afirmar que

o movimento interseccional pretende pensar a


A construção de um mundo que privilegie apenas
mulheres negras.

o debate interseccional é um movimento teórico-


político para compreender as desigualdades sociais
B
e os processos de combate a esses sistemas de
poder.

a interseccionalidade é um movimento preocupado


C em fazer um somatório de opressões para saber
quem sofre mais no mundo.

a interseccionalidade é um movimento preocupado


D apenas em compreender as opressões sistêmicas
do mundo.

a interseccionalidade pressupõe que a desigualdade


E econômica é mais central para compreender as
violências e opressões no mundo.

Parabéns! A alternativa B está correta.

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A interseccionalidade é um movimento protagonizado por mulheres


negras que compreenderam que o estudo da desigualdade social
no mundo requereria mais do que só compreender a classe e as
opressões econômicas. Sem negar a dimensão econômica que
prejudica o mundo com a experiência da pobreza, há outros
sistemas de poder – como o gênero, a raça, a sexualidade e a
colonialidade – que também devastam o mundo. Desse modo, o
movimento interseccional propõe que compreendamos o mundo a
partir de análises mais complexas sobre ele, o que só é possível por
meio de um campo teórico-político complexo e robusto que não
analise as violências sociais separadamente. E, mais do que
analisar a desigualdade, a interseccionalidade pretende também
construir saídas e resistências a esses mesmos sistemas de poder.
Isso é feito tendo em vista um mundo mais justo e igualitário para
todos e todas, e não só para as mulheres negras que iniciaram esse
movimento.

3 - Políticas públicas de saúde


Ao final deste módulo, você será capaz de localizar as políticas públicas de saúde da mulher e
do homem.

Gênero e políticas públicas


O campo da saúde foi mudando ao longo do tempo e, atualmente, ele se
ancora em uma perspectiva mais ampliada de modo que, além dos
aspectos biológicos, outros fatores são considerados nas demandas da

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saúde-doença. Marcadores como gênero, raça, etnia, cultura, entre


outros, são considerados ao se pensar a construção de políticas
públicas. Nesse sentido, para que a política pública seja eficiente e
eficaz, é preciso pensar estrategicamente em como abarcar as
singularidades dos grupos público-alvo.

Para pensar de modo estratégico em como aproximar e garantir


cuidados em saúde para homens e mulheres, o SUS foi se embebendo
da perspectiva do gênero na organização de seus serviços. Se gênero é
uma categoria para interpretarmos a sociedade como um todo, nesse
momento, estamos interessados em lançar luz à relação entre essa
categoria e o campo das políticas públicas.

Ao analisar políticas públicas e


programas governamentais a partir
da perspectiva de gênero, pretende-
se ir além da identificação de
políticas e programas que atendam
a mulheres, embora a identificação
de tais políticas seja um momento
necessário da própria pesquisa. Ao
adotar o conceito de gênero como
referência para a análise, procurou-
se chamar a atenção para a

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construção social e histórica do


feminino e do masculino e para as
relações sociais entre os sexos,
marcadas em nossa sociedade por
uma forte assimetria.

(FARAH, 2004, p. 47-48)

Dito isso, precisamos, primeiramente, entender que, ao falarmos de


políticas públicas a partir do gênero, é imprescindível dar-se conta das
questões particulares de homens e de mulheres. E não só de mulheres!
Gênero é relação e, portanto, diz sobre todos e todas. Homens e
mulheres, ao longo da vida, em função de questões sociais e culturais,
tendem a estar mais ou menos vulneráveis a algumas questões.

Precisamos interseccionar gênero e outros marcadores para


compreender como um fenômeno psicossocial produz práticas,
políticas e dispositivos sociais diferentes entre homens e mulheres.

Exemplo

É interessante refletir sobre por qual motivo o seguro de carros de


homens jovens é mais caro que os planos para mulheres. Mas vamos
entender como isso aparece no caso da saúde.

Gênero e saúde
As políticas públicas de saúde, que tomam o gênero como um
marcador, dividem-se em dois grandes blocos. A saúde da mulher e a
saúde do homem.

A saúde da mulher é pensada a partir das fases da vida das mulheres e,


no âmbito da Estratégia Saúde da Família (ESF), esse sistema implica
pensar a mulher para além da materialidade biológica, reconhecendo
que na trajetória de existência da mulher brasileira encontram-se
dificuldades, preconceitos, discriminações e violências que precisam ser
considerados. Também precisamos estar atentos a toda a potência de
vida que essas mulheres constroem em seus itinerários.

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A atenção à saúde da mulher precisa, portanto, estar embebida em


interseccionalidade para que a política pública seja eficaz. Afinal, todas
as marcas sociais, econômicas, culturais e raciais construirão essa
mulher. Isso prova que, para compreender a vulnerabilidade de risco a
algumas complicações em saúde, o gênero é imprescindível!

Em linhas gerais, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da


Mulher, de 2004, pretende melhorar as condições de vida e saúde das
mulheres brasileiras por meio da promoção, prevenção, assistência e
recuperação da saúde, contribuindo para a redução da morbidade e
mortalidade feminina no Brasil, especialmente por causas evitáveis, em
todos os ciclos de vida e nos diversos grupos populacionais.

Ressaltamos que a saúde da mulher não pode ficar


restrita a questões gineco-obstétricas, uma vez que ela
está para além do seu útero.

Foi por meio do debate de gênero protagonizado pelas feministas que a


saúde da mulher não ficou centrada unicamente nas questões de saúde
materno-infantil. Muito pelo contrário, a saúde da mulher é organizada
também tendo em vista o prazer, o desejo e a autonomia sexual. No
entanto, essa autonomia tem limites culturais e estatais.

Exemplo

Pense no aborto. Ele está diretamente relacionado com questões


genitais e sexuais, mas não só. Isso porque, se você vive no Brasil,
certamente sabe que o aborto permanece sendo um tema político,
religioso e moral.

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Aborto e saúde
Mulheres interrompem a gravidez desde sempre. E, mais do que isso, no
caso do Brasil, o abortamento representa uma das principais causas de
mortalidade materna, configurando-se como um problema de saúde
pública.

No Brasil, dados indicam que o aborto provocado é um fenômeno


frequente e persistente entre as mulheres de todas as classes sociais,
grupos raciais, níveis educacionais e religiões: em 2016, quase 1 em
cada 5 mulheres aos 40 anos já realizou, pelo menos, um aborto. Em
2015, foram, aproximadamente, 416 mil mulheres. Há, no entanto,
heterogeneidade dentro dos grupos sociais. Como já mostrado em
pesquisas, metade das mulheres utilizou medicamentos para abortar, e
quase metade das mulheres precisou ficar internada para finalizar o
aborto (DINIZ; MEDEIROS; MADEIRO, 2017). Assim como:

Contrário aos estereótipos, a mulher


que aborta é uma mulher comum. O
aborto é frequente na juventude,
mas também ocorre com muita
frequência entre adultas jovens.
Essas mulheres já são ou se
tornarão mães, esposas e
trabalhadoras em todas as regiões
do Brasil, todas as classes sociais,
todos os grupos raciais, todos os
níveis educacionais e pertencerão a
todas as grandes religiões do país.
Isto não quer dizer, porém, que o
aborto ocorra de forma homogênea
em todos os grupos sociais. Há
diferenças que merecem atenção de
análises adicionais, em particular as
maiores taxas entre mulheres de
baixa escolaridade e renda, pretas,

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pardas e indígenas, além das


expressivas diferenças regionais.

(DINIZ; MEDEIROS; MADEIRO, 2017, p. 659)

Mulheres sem muitas condições financeiras recorrem a procedimentos


ilegais, sem qualidade, que colocam em risco as suas próprias vidas.
Quem morre pela ilegalidade do aborto no Brasil são as mulheres pretas
e pobres. O aborto, portanto, é um problema social, econômico e
cultural.

Mulheres abortam. A questão é como reduzir os danos, e não como


impedir a sua prática, uma vez que, como falamos, mulheres
interrompem gravidezes desde sempre. Nesse contexto, como
profissionais da saúde, devemos garantir bem-estar e acolhimento a
essas mulheres, as quais já estão fragilizadas pelas escolhas que
fizeram.

No Brasil, o aborto induzido só é legalizado e, portanto, realizado por


médico em três condições: risco de vida à mãe, gravidez resultado de
estupro e anencefalia fetal. Em qualquer outro caso, o aborto induzido é
crime, com pena prevista de 1 a 3 anos de detenção para a gestante, e
de 1 a 4 anos de reclusão para o médico ou qualquer outra pessoa que
tenha realizado o procedimento de retirada do feto.

A cena do aborto nunca será confortável para uma mulher, e é preciso


que estejamos preparados como equipe de saúde para lidar com isso,
seja nos casos legalizados ou em outros.

É preciso lembrar que somos profissionais da saúde, e


não operadores morais de condutas alheias.

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Em 2005, o Ministério da Saúde publicou a Norma técnica de atenção


humanizada ao abortamento como resposta a esse problema de saúde
pública. O que sabemos, no entanto, é um pouco alarmante: várias
mulheres que apresentam complicações em função do aborto são
tratadas como criminosas por profissionais de saúde e, em inúmeros
casos, elas não são atendidas por profissional da Psicologia ou do
Serviço Social como preconiza a norma técnica (GONZAGA; ARAS,
2016).

Não se trata de ser a favor ou não do aborto, mas, sobretudo, de garantir


cuidados em saúde a quem precisar deles. Precisamos fazer valer a
norma técnica em questão. Só assim seremos, de fato, profissionais
responsáveis e mantenedores de saúde. Isso porque essa normativa
aponta os procedimentos que devem ser realizados para garantir o
direito à saúde, à informação e à autonomia das mulheres que buscam
realizar um aborto legal ou sanar complicações decorrentes de um
aborto provocado em situações inseguras (GONZAGA; ARAS, 2016).

Atenção!

O SUS serve para garantir saúde a todas! Até para as pessoas das quais,
individualmente, discordamos.

Saúde do homem
Assim como na saúde da mulher, a saúde do homem responde a uma
infinidade de atravessadores biopsicossociais que trazem algumas
especificidades ao se pensar uma política pública de cuidado e
assistência a ele.

As várias modificações no decorrer da vida de sujeitos do gênero


masculino mostram que variáveis culturais e atravessamentos de
gênero potencializam uma série de crenças e valores do que é ser
homem que os tornam mais vulneráveis às doenças, sobretudo às
enfermidades graves e crônicas. Em linhas gerais, isso prova que os
homens morrem mais precocemente que as mulheres (BROLEZI;
MARQUES; MARTINEZ, 2014).

As políticas públicas de saúde voltadas para esse grupo são produzidas


para reduzir o impacto social das mortes em homens. Sendo assim:

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Dados de pesquisas do ano de 2011


revelaram que doenças do aparelho
circulatório, causas externas,
neoplasias e doenças do aparelho
respiratório foram as quatro
principais causas de morte entre
homens. Contudo, complicações
desse gênero poderiam ser evitadas
se os homens realizassem medidas
de prevenção primária.

(BROLEZI; MARQUES; MARTINEZ, 2014, p. 3)

No entanto, apesar de as taxas masculinas assumirem um peso


significativo nos perfis de morbimortalidade, observa-se que a presença
de homens nos serviços de atenção primária à saúde é menor do que a
das mulheres (BROLEZI; MARQUES; MARTINEZ, 2014).

As doenças cardiovasculares são uma das principais causas de morte


dos homens, e isso se relaciona aos fatores de risco provenientes de
hipertensão arterial, obesidade, diabetes mellitus e alguns hábitos de
estilos de vida menos saudáveis como dieta rica em calorias, gorduras
saturadas, consumo de bebida alcoólica, tabagismo e sedentarismo.

Por causalidade externa, o que significa traumatismos, lesões ou


quaisquer outros agravos à saúde como consequência direta de
violência ou outra causa exógena, os homens também lideram o ranking
de mortes. O aumento da taxa de homicídio nos últimos anos tem

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levado adolescentes e adultos jovens a perderem potenciais anos de


vida.

Por fim, homens vão à óbito por câncer de próstata, tumor de testículo e
câncer de pênis, ainda que este último seja bastante raro. No entanto,
ainda que raro, tal prevalência é explicada por diversos fatores de risco,
sendo os principais: má higiene íntima e presença do HPV.

Por qual razão os homens se colocam em situações de


risco, fazendo com que morram por causas externas?
E, ainda, por que se cuidam tão pouco a ponto de
morrerem por causas evitáveis?

A resposta a essa pergunta, certamente, perpassa as próprias


expectativas do que é ser homem na sociedade. Para parte da cultura
masculina, características como dor, fraqueza, medo, ansiedade,
insegurança e necessidade de cuidados são antagônicas à ideia de ser
homem.

O Ministério da Saúde, ao se dar conta disso, a partir de agosto de 2009,


institucionalizou a Política nacional de atenção integral à saúde do
homem, o que está diretamente associado à agenda com as demais
políticas públicas voltadas para a promoção da equidade de gênero.

Isto é, em função da maior resistência dos homens em buscar os


serviços no nível da atenção básica por associarem prevenção e
autocuidado à fragilidade, agravam-se a saúde e a morte precoce do
grupo masculino. Isso requer atenção de toda a rede de saúde para
conscientização dos homens na construção de suas autonomias em
saúde.

Exemplo

Uma política que considera a diversidade de gênero masculina é a


utilização do termo homens que fazem sexo com homens (HSH) junto a
bissexual e gay/homossexual masculino.

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Para muitos homens que realizam práticas de afetividade e sexualidade


com outros homens, o termo homossexual/gay/bissexual seria
demasiado, forte e taxativo, e poderia trazer questões afetivas e
pessoais desconfortáveis para o sujeito que prefere não se identificar a
uma cultura LGBTQIA+. Estariam inclusos homens gays não assumidos,
homens heterossexuais casados que praticam sexo com outros
homens, presidiários e egressos do sistema prisional que,
eventualmente, fazem sexo com outros homens etc.

O desafio de uma campanha em saúde para que os homens acessem o


SUS deve considerar que nem todo homem que faz sexo com homem se
identifica aos termos colocados política e culturalmente ao campo
LGBTQIA+. O termo HSH é um dos exemplos que fazem com que a
política de saúde dos homens seja possível para prevenção e cuidados
ao HIV e a outras ISTs. Interseccionar a categoria da masculinidade é
muito importante. Não há um jeito único de ser homem no mundo!

Pensar a masculinidade de jovens negros e periféricos é primordial para


se construir cuidado em saúde. Afinal, no Brasil, um jovem negro tem
mais chance de perder a vida do que um jovem branco, portanto a saúde
do jovem negro e a do jovem branco não são iguais. Isso nos obriga a
compreender saúde para além de dimensões biomédicas. Sem pensar
raça, gênero, classe e sexualidade, podemos cair na armadilha de
acreditar que existe um sujeito universal do SUS, o que não é verdade!

Somos diferentes, e nossas diferenças nos colocam em lugares


distintos de qualidade de vida e de adoecimento. É central que
pensemos a saúde de forma interseccionada com marcadores da
diferença-desigualdade para que possamos produzir condições e desejo
de vida na maior parte da população.

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Atenção humanizada ao abortamento
e atenção à saúde do homem
Neste vídeo, o especialista reflete sobre a importância da Norma técnica
de atenção humanizada ao abortamento e a Política nacional de atenção
integral à saúde do homem na interseccionalidade gênero e saúde no
Brasil.

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Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Sobre a relação entre saúde pública, aborto e mulheres, podemos


afirmar que

a Norma técnica de atenção humanizada ao


abortamento obriga o profissional da assistência em
A
saúde a alterar a sua convicção moral sobre o
aborto.

o aborto é um problema que acomete, em grande


B medida, mulheres solteiras, sem família, pobres e
pouco instruídas academicamente.

o serviço de abortamento, no Brasil, é legalizado


C apenas em caso de risco de vida para mãe,
anencefalia, estupro e gravidez indesejada.

o aborto é um problema individual e deve se evitar


D
tratá-lo como um problema de saúde pública.

é importante, como profissionais da saúde, que se


E garanta acolhimento e bem-estar às mulheres, seja
no aborto espontâneo ou induzido.

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Parabéns! A alternativa E está correta.

O aborto induzido, como mostram as pesquisas, sobretudo, a PNA


– Pesquisa Nacional de Aborto (2016), é uma prática frequente no
Brasil e que atravessa distintas gerações, religiões, estados civis e
raça-etnia. Indo contra qualquer estereótipo da “mulher abortista”,
em 2016, quase 1 em cada 5 mulheres aos 40 anos já realizou, pelo
menos, um aborto. A prática de interrupção de gravidez é histórica e
independe de nossas convicções morais. No Brasil, o aborto é
unicamente legalizado para risco de vida à mãe, estupro e
anencefalia. Ainda assim, caso estejamos lidando com uma mulher
que tenha praticado aborto em condições ilegais, como
profissionais de saúde, devemos obedecer à Norma técnica de
atenção humanizada ao abortamento. Essa norma prediz que
garantamos acolhimento e bem-estar às mulheres, seja no aborto
espontâneo ou induzido.

Questão 2

Sobre a especificidade de cuidados à saúde do homem, podemos


afirmar que

questões culturais não influenciam aspectos da


A saúde-doença dos homens, diferentemente das
mulheres.

homens tendem a estar mais dispostos a se


B preocuparem com questões de saúde e a
promoverem autocuidado.

os parâmetros de masculinidade hegemônica levam


C alguns homens a se cuidarem menos e a
procurarem menos os serviços de saúde.

a masculinidade e os estereótipos de gênero não


D têm forte influência sobre as questões de saúde dos
homens.

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os dados mostram que a má higiene dos homens,


E ainda que grave, não está relacionada a questões de
gênero.

Parabéns! A alternativa C está correta.

As pesquisas em saúde do homem demonstram que, em função de


um padrão de masculinidade hegemônico, a ideia do que é ser
homem está atravessada de estereótipos de gênero e sexualidade
que associam higiene pessoal e cuidados em saúde a alguma
fragilidade e, portanto, a algo que, em tese, pertenceria ao “mundo
das mulheres”. Isso tem como efeito uma menor aderência dos
homens ao sistema de saúde como uma tentativa de provar que
eles não precisam de cuidados e são viris. Esse sintoma social dos
homens aumenta os níveis de adoecimento de doenças controladas
e também os torna mais vulneráveis em função de outros riscos
associados à socialização deles.

4 - Saúde e a diversidade sexual


Ao final deste módulo, você será capaz de empregar a ética no cuidado em saúde frente à
diversidade sexual.

Por uma prática profissional de


cuidado sem moralizações
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Várias pessoas se referem à sexualidade como tema tabu ou polêmico,


como se a discussão de questões referentes a esse campo tivesse que
permanecer no espaço privado e estas jamais pudessem ser alçadas
como coletivas e públicas.

Provavelmente, você já deve ter escutado que não se discute religião,


política e futebol no Brasil. Mas, enquanto, de fato, religião e futebol
apontam para questões individuais, a política é a esfera de decisão
sobre o bem público.

Como é possível decidir sobre os bens compartilhados


de uma sociedade sem debate? Ficaremos reféns das
pessoas que decidem sobre o destino de nossa
comunidade e sociedade sem que possamos disputar
o que é bom para nós e para o mundo? O debate é
parte central da política!

Não queremos fazer uma discussão panfletária da sexualidade humana,


mas é preciso reconhecê-la dentro de um debate ético para que não
localizemos os estudos sobre sexualidade no âmbito de opiniões
individuais e morais.

A moral, portanto, refere-se à


normatividade oriunda da
sociedade, refere-se aos costumes,
às normas e às regras que
permeiam o cotidiano e que visam
regular as relações entre os sujeitos.
A ética é a reflexão crítica sobre a
moral, ou seja, pensar naquilo que
se faz, repensar os costumes, as

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normas e as regras vigentes na


sociedade. Ao refletir criticamente
sobre a moral, o sujeito assume
uma postura ativa ― condição
essencial para a existência do
sujeito ético ― pois não limita sua
ação às circunstâncias, à vontade
de um outro ou aquilo que é
considerado moralmente como
sendo certo ou errado. O sujeito
ético/ativo indaga, problematiza,
avalia, debate antes de partir para a
ação.

(MEDEIROS, 2002, n.p.)

Ao assumirmos o lugar das ciências em saúde, precisamos garantir que


a ética seja nosso horizonte de partida e de chegada para os saberes e
fazeres que produzimos para cuidar. O campo da saúde precisa ter uma
postura ética e de respeitabilidade diante do outro, entendendo a
diversidade sexual e a diferença como inerentes à experiência humana e
jamais como aspectos que são “aceitáveis” de um lado ou “anormais”
do outro.

Comentário

Se os padrões de sexualidade que atualmente sustentamos foram


definidos pelas crenças e pelos valores da sociedade, precisamos de
uma base ética que nos ajude a fortalecer uma prática profissional de
cuidado sem moralizações.

O histórico religioso das profissões da assistência e do cuidado já foi


abandonado pelos atuais e críticos projetos ético-políticos dessas
profissões. Se é certo que o Estado brasileiro é laico, todos podem
professar a religião que bem entenderem; se é certo também que o
Brasil não é uma teocracia, nenhum modelo religioso pode nos
organizar como cidadãos. Pela perspectiva ética do cuidado, nenhum
profissional da saúde pode assumir comportamento religioso ou
julgamento direcionado às questões sexuais dos usuários das políticas
públicas.

O caráter familista das políticas de cuidado, assistência e saúde no


Brasil, portanto, preveem que todos os membros da família brasileira
sejam assistidos em cuidados em toda a sua diversidade. Falaremos

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um pouco mais sobre família para, em seguida, tecermos algumas


relações imprescindíveis com o campo da sexualidade.

Políticas públicas e família


O foco das políticas públicas brasileiras precisa considerar a relação do
Estado com a família ― uma instituição social ―, que é central na
organização da vida afetiva e comunitária de todos nós. A família é um
dos principais locais em que nos re(produzimos) como seres sociais e
cidadãos. É nela que construímos interesses, desejos, projetos,
competências e habilidades, pensamentos, visões de mundo etc.
Evidentemente, as prescrições da família não precisam ser nosso
destino, e podemos, durante a vida, discordar ou criar outros parâmetros
de existência para nossa caminhada. No entanto, é inegável o papel que
a família tem como instituição socializadora e estruturante das nossas
subjetivações.

A instituição família, para muito além dos atravessamentos de uma


transmissão genética comum, desempenha influência na construção de
possibilidades e limites para o que podemos ser. Mais do que uma
herança biológica, a família nos impõe uma herança social, transmitindo
para seus descendentes as posições de classe, os privilégios ou as
dificuldades que marcam a trajetória dela.

Não há destino biológico nisso e descendentes de famílias pobres, por


exemplo, podem ascender economicamente. No entanto, a origem
popular permanece sendo um operador de subjetivação, ainda que seja
pela via de sua negação. Sendo assim:

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A teoria social tem, portanto,


localizado na família o centro do
processo de reprodução social e,
portanto, um lugar decisivo para
intervir em realidades sociais
indesejáveis, como a pobreza e o
baixo capital humano. O foco tem
sido, sobretudo, a reflexão sobre os
destinos das gerações futuras,
pensando a organização e os
recursos familiares em suas
consequências para a socialização
dos filhos.

(ITABORAÍ, 2005, p. 2)

O Estado liberal e moderno, ao construir a ideia de família como guardiã


da propriedade privada, assumiu também que a família seria um lugar
de proteção social e de asseguramento de direitos para seus
descendentes. No entanto, as crises do capitalismo liberal mostraram
as fragilidades da família como uma instituição total e perfeita. E, nessa
direção, a sociedade civil organizada exigiu que o Estado cumprisse
com uma função de bem-estar social e investisse em seu povo na
garantia de direitos que algumas famílias ― mais fragilizadas
econômico, cultural e politicamente ― não seriam capazes de prover por
si mesmas.

A ideia de cidadania começa a se deslocar da família e da contribuição


previdenciária – que durante muito tempo foi o critério para o acesso a
serviços da população –, tornando-se universal, e não mais focalizada a
situações específicas. Todo cidadão brasileiro teria acesso a serviços
considerados básicos. Estava aí construído o tripé da Seguridade Social
brasileira, no intuito de reduzir a violência, a pobreza e a desumanização
do povo brasileiro:

supervisor_account
Assistência social

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diversity_1
Saúde

savings
Previdência
Historicamente, a família tem sido tomada como mantenedora da paz
ou, pelo menos, como uma aliada na construção de bons princípios e
valores para a maximização da cidadania de seus descendentes.

Mas isso é uma verdade absoluta?

Pense na sua família:

family_restroom Há uma coerência absoluta nos laços


sociais que vocês estabelecem?

family_restroom Todos se amam e se respeitam igualmente?

family_restroom Todos colaboram para que tenham seu


desenvolvimento humano garantido ao
máximo?

Se, nas sociedades pré-modernas, a segurança provinha do


pertencimento a grupos sociais dentro dos quais o sujeito precisava se
submeter a laços de dependência, o Estado providência ― o Estado de
bem-estar social garantido pelo Estado brasileiro pós-Constituição de
1988 ― assegura aos indivíduos alguns direitos por meio da visão de um
cidadão individualizado, mas também coletivo.

O Estado reconhece que todas as famílias se estruturam segundo


relações de poder que não garantem uma redistribuição equânime de

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recursos simbólicos e materiais aos seus descendentes. Ainda assim,


entende que não conseguirá, jamais, colaborar com a manutenção de
um projeto cidadão sem o apoio das famílias. E, por isso, por meio da
promoção de políticas públicas, pede apoio à família: uma instituição
social, inevitavelmente central na formação de qualquer sujeito que
habita o mundo ocidentalizado e capitalista-liberal.

Percebe que, no âmbito das políticas públicas, essa


contradição move o cuidado e a assistência?

Se a família, portanto, é uma grande contradição ― como qualquer outra


instituição social ―, é justamente nesse local em que se espera amor
que cenas violentas despontam como um problema público. Você sabia,
por exemplo, que a maior parte de estupros, feminicídios e abusos
sexuais infantis é realizada por membros da família? (GASPAR;
PEREIRA, 2018). Já parou para pensar que essa família violenta é a
mesma que se recusa a debater gênero e sexualidade humana com
seus descendentes e se opõe à presença desse debate no espaço da
escola? Se a família que violenta seus membros se recusa a ensinar
sobre gênero e sexualidade e não deseja que isso seja debatido na
escola, onde mais crianças e adolescentes aprenderão sobre ISTs,
autonomia do desejo, consentimento, auto-higiene, prevenção ao abuso
sexual etc.?

Com base na acusação de que a discussão de gênero e sexualidade


geraria uma “ideologia de gênero” que acabaria com os princípios da
família tradicional, parte da sociedade brasileira tem se colocado contra
o ensino crítico sobre sexualidade nas escolas.

“Ideologia de gênero”: um conceito


impossível cientificamente
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O gênero é uma “lente de análise” para enxergar as relações sociais e


como elas padronizam, em um contexto histórico e político, os papéis
sociais distintos e desiguais para homens e mulheres.

Se gênero é um campo de estudos que visibiliza


processos invisíveis e ideologia é um conceito que
mostra como somos impedidos de ver a realidade,
você percebe que o termo ideologia de gênero não faz
nenhum sentido científico?

A ideologia é um sistema de poder que nos faz tomar processos


históricos como realidades verdadeiras e naturais da sociedade. Assim,
alienamo-nos de vários processos violentos e os tomamos como
natureza e destino. E, nessa direção, não questionamos absolutamente
nada. A ideologia nos faz ver o mundo sem história e, portanto, sem
possibilidade de mudança, tornando-nos submissos às escolhas
daqueles que possuem poder, afinal, nada poderia ser feito. O mundo é
assim e ponto final!

O gênero atua, justamente, no sentido contrário. Ele é o movimento


teórico-político que nos torna conscientes de processos de construção
de masculinidades e feminilidades não como horizontes biológicos,
mas, sobretudo, como construções políticas e culturais que mantêm
homens e mulheres em posições de desigualdade. Uma vez munidos do
debate do gênero, reconhecemos que podemos nos transformar.

Assim, ideologia e gênero são termos excludentes e, portanto, a


expressão não faz, absolutamente, nenhum sentido científico. Ideologia,
para as Humanidades, não é qualquer ideia ou valor em geral, mas
ideias e valores que nos mantêm cegos no que diz respeito à

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compreensão dos sistemas de poder que degradam o mundo. O gênero


é um sistema de poder que, inevitavelmente, ensina-nos o que seria
propriamente dos homens e, por outro lado, o que pertenceria ao mundo
das mulheres, ainda que esses ensinamentos sejam frágeis para alguns
e uma verdade absoluta para outros.

Ideologia é alienação. O estudo de gênero é crítico!

Não seria interessante que todos pudessem saber que algumas


prescrições de gênero e sexualidade não são verdades universais e que
existem outros modos de organizar o desejo? Aprender isso não implica
tornar heterossexuais em homossexuais ou pessoas cis em pessoas
trans. Significa, apenas, reconhecer que há uma diversidade no mundo
que merece ser garantida e valorada.

Educação sexual: construindo uma


ética da diversidade
Já ouviu falar de crianças que conseguiram se dar conta de que
passavam por abusos sexuais porque elas tiveram aulas de educação
sexual e de prevenção ao abuso no ambiente escolar?

Nesse caso, as políticas públicas voltadas para o


gênero e a sexualidade são primordiais como
dispositivo educador por meio dos cuidados em saúde
em qualquer nível de atenção; em todos os
equipamentos da Assistência Social e, também, na
escola.

É para a ordem do dia a necessidade de se pensar estratégias de


intervenção, em todos os âmbitos em que se possa imaginar, em que a
temática do gênero e da diversidade seja utilizada para se garantir a
construção de um mundo que respeite a diversidade sexual e impeça
violências e abusos infantojuvenis.

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Construindo uma ética da diversidade


Neste vídeo, o especialista reflete sobre como as políticas públicas
voltadas para o gênero e a sexualidade são primordiais como
dispositivo educador por meio dos cuidados em saúde em qualquer
nível de atenção.

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Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Acerca da ética, podemos afirmar:

A esfera da ética e a da moral dizem respeito ao


A
mesmo campo de afetos e de atitudes.

B Enquanto a moral prescreve, a ética questiona.

C Enquanto a ética prescreve, a moral questiona.

A moral e a ética prescrevem e questionam ao


D
mesmo tempo.

E A moral e a ética são campos de questionamentos.

Parabéns! A alternativa B está correta.

A diferença, aqui, é muito simples e objetiva. A moral é o conjunto


de regras que prescreve às pessoas o que é certo ou errado. A ética,
por sua vez, é a morada da dúvida, da pergunta e do enigma, é a
reflexão sobre a moral.

Questão 2

Sobre a educação sexual e de gênero nas escolas, podemos afirmar


que

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a educação sexual é, rotineiramente, feita pela


A família brasileira e, portanto, é desnecessário que a
Escola se responsabilize por isso.

os dados mostram que as violências sexuais


B acontecem dentro da escola e, portanto, é
incompatível que ela debata gênero e sexualidade.

a educação sexual é importante no âmbito da


Escola porque, além de a família brasileira não
C
assumir esse assunto, são os familiares mais
íntimos que praticam abusos.

a educação sexual deveria ser de fórum íntimo e


D privado, já que, no Brasil, não se apresentam
problemas coletivos relacionados à sexualidade.

a educação sexual sexualiza crianças e


E
adolescentes e, por isso, deve ser proibida.

Parabéns! A alternativa C está correta.

Em função dos dados alarmantes sobre violência sexual


infantojuvenil no âmbito da família, tem-se provado que os estudos
de gênero e sexualidade colaboram para que crianças e
adolescentes estudem sobre consentimento, autonomia do corpo e
se protejam de potenciais abusadores que estejam próximos de
suas relações sociais. A família brasileira, por seu histórico
patriarcal e conservador, não assume determinados debates sobre
a sexualidade e, pelo contrário, protagoniza grande parte da
violência que recai sobre esses jovens. É dever do Estado, por meio
de políticas públicas e da Educação, proteger crianças e
adolescentes de toda e qualquer violação. A educação sexual
protege crianças de serem sexualizadas por figuras adultas,
portanto. Nessa direção, a escola emerge como um local de
proteção importantíssimo para a redução da violência sexual por
meio da educação sexual.

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Considerações finais
Neste conteúdo, vimos que a sexualidade é um processo
biopsicossocial e, portanto, requer forte investigação científica para que
possamos compreendê-la em toda a sua complexidade.

Dentro desse contexto, foi possível localizar a importância de políticas


de inclusão e cuidado para a população LGBTQIA+ de modo que essa
comunidade tenha acessos e direitos em saúde garantidos pelo Estado
conforme prediz a Constituição de 1988.

Ao mesmo tempo, avaliamos algumas políticas de saúde específicas


para homens e mulheres, reconhecendo que as demandas do processo
de saúde-doença são atravessadas por questões simbólicas e culturais.

Por fim, defendemos o campo da educação sexual como um caminho


para o autocuidado, a autonomia no desejo e a proteção de abusos e
violências relacionados à sexualidade.

headset
Podcast
Neste podcast, o especialista irá destacar a importância da consciência
por parte do profissional de saúde para compreender a sexualidade
humana como um processo simbólico e cultural.

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Assista ao vídeo Psicologia e relações de gênero e sexualidade,


do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, disponível no
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Assista ao vídeo Gênero e saúde, de PAHO TV, disponível no


YouTube.

Assista ao vídeo Papo saúde - violência de gênero, de Telessaúde


SC, disponível no YouTube.

Referências
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adolescente: possíveis razões. 2003. Trabalho de conclusão de curso de
Psicologia, UFSCar, São Carlos, SP, 2003.

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Estudos gays: gêneros e sexualidades, v. 4, n. 5, 2010.

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