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Faculdade de Direito da UFMG

Departamento de Direito e Processo Penal – DIN

MEDICINA LEGAL
PROFa. LUCIANA GAZZOLA
2023.2

Aula 5
TRAUMATOLOGIA FORENSE
O CRIME DE LESÕES CORPORAIS
ENERGIAS DE ORDEM MECÂNICA

Lesões corporais

 Traumas de ordem material ou moral

 “Todo e qualquer dano ocasionado à normalidade do corpo humano, quer do


ponto de vista anatômico, quer do fisiológico ou mental, sem animus necandi,
causado por ação violenta, de forma proposital ou não, direta ou indiretamente”.

Do crime de lesões corporais

Art. 129 CP. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:


Pena – detenção, de três meses a um ano.

§1º Se resulta:
I- incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias;
II- perigo de vida;
III- debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV- aceleração de parto.
Pena – reclusão, de 1 a 5 anos

§2º Se resulta:
I- incapacidade permanente para o trabalho;
II- enfermidade incurável;
III- perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
IV- deformidade permanente;
V- aborto.
Pena – reclusão, de 2 a 8 anos
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 Lesões corporais leves

 Lesões corporais graves

 Lesões corporais gravíssimas

 Lesões corporais culposas

§6º - Se a lesão é culposa:


Não há o elemento subjetivo dolo no ato delituoso;
Decorre da imperícia, imprudência ou negligência;
Pena: detenção, de 2 meses a 1 ano.

“Perdão judicial”
Em homicídios e lesões corporais CULPOSOS:
O juiz poderá deixar de aplicar a pena se as circunstâncias da infração atingirem o
próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

 Lesões corporais seguidas de morte (preterdolo)


§3º Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado,
nem assumiu o risco de produzi-lo;

 Lesão corporal privilegiada


Diminuição de pena
§4º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral
ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o
juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Obs.:
“A simples crise nervosa, sem comprometimento funcional, físico ou mental, não
configura lesão corporal para os efeitos penais.” (RT, 483/246)

“A simples dor física, sem que se registrem dano anatômico ou dano funcional, não é
suficiente para caracterizar lesão corporal.” (RT, 489/366)
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“Se forem levíssimas as lesões corporais sofridas pela vítima, há de se aplicar a teoria da
insignificância.” (TACrim, SP 88/107)

 LESÃO CORPORAL GRAVE

I- incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias

- incapacidade no aspecto funcional e não puramente econômico


- atividades corriqueiras e lícitas
- ex.: crianças, bebês, aposentados
- necessidade absoluta do exame complementar pericial logo que decorra o prazo de 30
dias (corridos) da data do crime

II- perigo de vida

- possibilidade x probabilidade
- perigo presumido/abstrato (estatístico) x perigo concreto

III- debilidade permanente de membro, sentido ou função

- debilidade = redução ou enfraquecimento da capacidade funcional


- permanente ≠ perpétuo, definitivo
- necessidade de recuperação artificial já atesta a permanência
- membros = braços (e mãos), pernas (e pés; estes por analogia – vide explicação em
aula)
- função = atividade específica de cada órgão
- perda de um dos órgãos duplos
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IV- aceleração de parto

- Antecipação do nascimento do feto com vida e ele deve continuar a viver.


- Conhecimento da gravidez da vítima

Obs.: E a expulsão de mola hidatiforme/gravidez molar?

 Lesão corporal gravíssima

I- incapacidade permanente para o trabalho

- incapacidade para o trabalho em geral e não somente para a atividade específica que a
vítima estava exercendo

Obs.: Há exceções!

II- enfermidade incurável

- Juízo de probabilidade baseado em dados da ciência atual.


- Ex.: epilepsia refratária pós-TCE; paraplegia pós-trauma medular

III- perda ou inutilização de membro, sentido ou função

- Ex.: amputação ao nível da coxa, cegueira total.

- perda de um olho x perda da visão


- e a perda de um dedo da mão?
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IV- deformidade permanente

Lesão estética de certa monta, que gera repulsa, “enfeamento”

Apenas se ocorrer em áreas expostas?

E a correção por cirurgia plástica retira o caráter de permanência?

“(...) LESÃO CORPORAL QUALIFICADA (DEFORMIDADE PERMANENTE). DOSIMETRIA


DA PENA. PLEITO DE AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA PELA REALIZAÇÃO DE
CIRURGIA REPARADORA. IRRELEVÂNCIA. AFERIÇÃO NO MOMENTO DA PRÁTICA
DELITIVA. (...) 2. A realização de cirurgia estética posteriormente à prática do delito não
afeta a caracterização, no momento do crime constatada, de lesão geradora de
deformidade permanente, seja porque providência não usual (tratamento cirúrgico
custoso e de risco), seja porque ao critério exclusivo da vítima.”
(STJ, Sexta Turma, HC 306.677/RJ, DJe 28/05/2015)

Obs.:1 lesão corporal gravíssima e vitriolagem

Obs.2: avulsão dentária: deformidade permanente ou debilidade permanente de função?

“A lesão corporal que provoca na vítima a perda de dois dentes tem natureza grave (art.
129, § 1º, III, do CP), e não gravíssima (art. 129, § 2º, IV, do CP). Com efeito,
deformidade, no sentido médico-legal, ensina doutrina, "é o prejuízo estético
adquirido, visível, indelével, oriundo da deformação de uma parte do corpo".
Assim, a perda de dois dentes, muito embora possa reduzir a capacidade funcional da
mastigação, não enseja a deformidade permanente prevista no art. 129, § 2º, IV, do CP e,
sim, debilidade permanente (configuradora de lesão corporal grave). De fato, a perda da
dentição pode implicar redução da capacidade mastigatória e até, eventualmente, dano
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estético, o qual, apesar de manter o seu caráter definitivo - se não reparado em


procedimento interventivo -, não pode ser, na hipótese, de tal monta a qualificar a vítima
como uma pessoa deformada. Dessa forma, entende-se que o resultado provocado pela
lesão causada à vítima (perda de dois dentes) subsume-se à lesão corporal grave, e não à
gravíssima. Precedente citado: REsp 1.220.094-MG, Quinta Turma, DJe 9/3/2011. REsp
1.620.158-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/9/2016, DJe 20/9/2016.

V- aborto
- crime preterdoloso ou preterintencional
- o agente sabe da gravidez mas não deseja o aborto

Obs.:
“Se a conduta do agente resultou em morte da vítima e as circunstâncias evidenciam que
o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo, responderá pelo delito
da lesão corporal seguida de morte e não pelo crime de homicídio.” (TACrim, SP,
43/365).

“Se forem levíssimas as lesões corporais sofridas pela vítima, há de se aplicar a teoria da
insignificância.” (TACrim, SP 88/107).

“A mão pode ser considerada instrumento contundente, pois, em forma de tapa ou


bofetada, produz contusões, equimoses, bossas sanguíneas, hematomas, escoriações”
(RT, 444/358).

O laudo pericial

1. Preâmbulo
2. Histórico
3. Descrição: deve ser minuciosa e englobar todas as lesões observadas
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4. Discussão: pode englobar aspectos teóricos e doutrinários


5. Conclusão: sucinta
6. Resposta aos quesitos

- os quesitos oficiais são arguições claras elaboradas à época do Código de Processo


Penal
- a autoridade pode formular novos quesitos
- respostas incisivas, evitando expressões dúbias
- incerteza: “não há elementos de convicção”; “aguardar o exame complementar”

Quesitos oficiais em MG – exame de corpo de delito de lesão corporal

Primeiro: Há ofensa à integridade corporal ou à saúde?


Segundo: Qual o instrumento ou meio que a produziu?
Terceiro: Foi produzido por meio de veneno, fogo, explosivo ou tortura, ou por meio
insidioso ou cruel? (resposta especificada)
Quarto: Houve perigo de vida?
Quinto: Resultou em incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias?
Sexto: Resultou em incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável,
debilidade permanente de membro, sentido ou função, aborto ou aceleração de parto ou
deformidade permanente? (resposta especificada)

TRAUMATOLOGIA FORENSE – PARTE II


ENERGIAS DE ORDEM MECÂNICA

Energias de ordem mecânica

 São aquelas capazes de modificar o estado de repouso ou de movimento de um


corpo, produzindo lesões em parte ou no todo.

 Objetos: - armas propriamente ditas (revólveres, punhais)


- armas eventuais (facão, machado)
- armas naturais (punhos, pés, dentes)
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- outros (queda, explosões, veículos)

Classificação dos meios mecânicos e respectivas lesões: perfurantes, perfuro-


cortantes, cortantes, perfurocontundentes, contundentes, cortocontundentes.

Energias de ordem mecânica

 Objeto ou instrumento  coisa material

 Meio ou ação  mecanismo pelo qual o objeto atua, produzindo a lesão

 Lesão  resultado final da atuação do objeto através do meio

Meios: ativo, passivo e misto


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Fonte: www.malthus.com.br

Classificação dos modos de ação dos instrumentos mecânicos


Meio ou ação do instrumento Nomenclatura da lesão
Perfurante Punctória
Cortante Incisa
Contundente Contusa
Perfurocortante Perfuro-incisa
Cortocontundente Cortocontusa
Perfurocontundente Perfurocontusa
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Lesões produzidas por ação PERFURANTE

 Afastamento das fibras dos tecidos por pressão.


 Ação por meio de uma PONTA.
 Feridas puntiformes ou punctórias (pequeno calibre): abertura estreita, pouco
sangramento, pouca nocividade na superfície e grande gravidade na
profundidade, menor diâmetro que o do instrumento causador (no vivo)

 Instrumentos de médio calibre

Formato e direção da lesão:

- Primeira Lei de Filhos ou lei da semelhança

- Segunda Lei de Filhos ou lei do paralelismo

- Lei de Langer

“As feridas em botoeira apresentam direções fixas em cada parte do corpo.”


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Lesões produzidas por ação CORTANTE

 Instrumento age por deslizamento em sentido linear  feridas incisas

 Características: forma linear, bordas e fundo regulares, hemorragia abundante


(secção dos vasos), predomínio do comprimento sobre a profundidade, paredes
lisas e regulares, afastamento das bordas (no vivo), ausência de vestígios
traumáticos em torno da ferida, cauda de escoriação (no lado onde termina a
ação).

Obs.: Sinal de Chavigny  ordem das lesões

Lesão produzidas por ação CORTANTE ou MISTA (cortocontundente)

Tipos especiais:
 Degola – região cervical posterior
 Esgorjamento – região cervical anterior
 Decapitação
 Esquartejamento – articulações
 Espostejamento – fora das articulações

Lesões produzidas por ação CONTUNDENTE

- Os instrumentos contundentes são os maiores causadores de dano.


- Ação produzida por um corpo de superfície plana.
- Pode ser ativa, passiva ou mista, conforme o estado de repouso ou de movimento da
vítima ou do meio contundente.

Lesões extremamente variáveis (uma “família” de lesões...):


escoriações: restitutio ad integrum
equimoses: - sempre observar a forma da equimose
- sempre observar o espectro evolutivo de tonalidade
hematomas
fraturas, entorses e luxações
rotura de vísceras internas
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lesões por queda de altura


ferida cutânea contusa

Escoriações

 Erosões epidérmicas
 Não formam cicatriz, pois não atingem a derme  reepitelizam
 Sua forma pode sugerir o objeto e a intenção do agressor, pela localização
 Podem sinalizar importantes reações vitais

Equimoses

 Equimose não é sinônimo de hematoma (coleção em sangue acumulado no


tecido, formando uma loja que “flutua” ao toque). Na equimose, há infiltração
hemorrágica nas malhas do tecido.
 Sua forma pode sugerir o objeto e a intenção do agressor, pela localização
 Podem sinalizar importantes reações vitais (rubefação também)
 Quando em pequenos grãos: sugilação (pontos: petéquias)
 Quando longas e paralelas: víbices

Obs.: Equimose conjuntival não segue o espectro!!!!


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Equimose bipalpebral bilateral: “sinal do guaxinim ou do Zorro”


Significado  TCE com fratura da base do crânio

Hematoma extradural e hematoma subdural


Obs.: síndrome do bebê sacudido

A ferida cutânea contusa

Produzida por pressão, compressão, percussão, arrastamento, explosão e tração dos


tecidos.

Características:
Forma estrelada; bordas irregulares, escoriadas e equimosadas; fundo e vertentes
irregulares; presença de pontes de tecido íntegro ligando as vertentes; pouco sangrantes
(“hemostasia traumática”; a compressão do instrumento esmaga os vasos); integridade
de vasos, nervos e tendões no fundo da ferida.

Obs.: “Desenluvamento” – tração/cisalhamento dos tecidos

Lesões produzidas por ação MISTA

PERFUROCORTANTE

- Mecanismo misto  instrumento de ponta e gume: pressão e secção


- Costumam ser graves, especialmente as que atingem a cavidade abdominal.
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- É possível a determinação certeira do comprimento do objeto perfurante pela


profundidade do ferimento?

- “Feridas em sanfona ou em acordeão” de Lacassagne

CORTOCONTUNDENTE

“Lesões cortocontusas: produzidas por instrumentos que, mesmo sendo portadores de


gume, são influenciados pela ação contundente, quer pelo seu próprio peso, quer pela
força ativa de quem os maneja.” (França)

- Ação por deslizamento e por pressão


- Não apresentam cauda de escoriação (≠ ferida cortante) e nem pontes de tecido íntegro
entre as vertentes da ferida (≠ ferida contusa)
- Exemplo clássico: mordedura  humana (é possível a identificação) x animal (mais
grave)

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