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JANUS 2020-2021

1.23 • Conjuntura Internacional


Renato Pereira
Redento Maia
M. Naguib Omar
EMPREENDEDORISMO EM ÁFRICA: A DERRADEIRA ESPERANÇA? Texto entregue em Novembro de 2019

DESDE A PUBLICAÇÃO DA COMPILAÇÃO homó- de oportunidade na África subsariana é curto. Tal e crescimento económico. A relação entre investi-
nima por Spring & McDade (1998), o Empreen- como referido por Dana & Ratten (2017), o cam- mento e crescimento económico é, independen-
dedorismo Africano tem sido reconhecido pelos po do empreendedorismo internacional – par- temente das circunstâncias, uma relação básica
académicos das ciências sociais como um fenó- ticularmente no contexto africano – permanece e muito conhecida e tem sido amplamente estu-
meno de crucial importância para o desenvolvi- vazio de investigação sobre os processos relativos dada em ambas as suas componentes, pública e
mento do continente. à identificação de oportunidades, especialmente privada.
Entre as várias divisões possíveis, a literatura do os baseados na inovação. Também estudada é a importante relação entre
empreendedorismo separa-o em dois grandes No entanto, algumas variáveis fortemente cor- empreendedorismo e desenvolvimento económi-
grupos: “empreendedorismo de oportunida- relacionadas com o desenvolvimento do em- co, que é indiretamente gerado pelo crescimento
de” e “empreendedorismo de necessidade”1. O preendedorismo (em África) estão identificadas económico e que resulta da atividade empreen-
empreendedorismo de oportunidade, também e começam a ser investigadas. Em particular, dedora, pela criação de emprego, pela adoção
chamado de ‘empreendedorismo produtivo’, adquirem importância especial no continente a de inovações tecnológicas assim como pela dimi-
baseia-se na criação e lançamento de empresas intervenção da política e do ambiente institucio- nuição da pobreza, como lembrado em Brixiova
(inovadoras) a partir da identificação de opor- nal4, assim como o papel das organizações locais (2010).
tunidades (económicas) de mercado enquanto e das organizações internacionais. Neste contexto, sendo a criação de empresas a
que o empreendedorismo de necessidade é ba- As “organizações” são não só as empresas, mas parte visível do processo de investimento priva-
sicamente o autoemprego em atividades simples, também as ONGs, as fundações e as organizações do, interno e externo, compreender o verdadeiro
nomeadamente comércio, sem grandes ambições do terceiro setor em geral. O ambiente de doing impacto do empreendedorismo na economia re-
de crescimento. business da maioria dos países africanos revela quer a identificação das variáveis que impactam o
Nos países africanos menos desenvolvidos, o que considerar apenas as empresas é insuficiente desenvolvimento do próprio empreendedorismo
empreendedorismo de necessidade é claramente para a compreensão do fenómeno5. e a sua influência relativa na atividade económica.
dominante e é sinónimo de economia informal e Nalgumas sub-regiões, como a África Ocidental, Ndulu et al. (2007) considera as variáveis seguin-
de poverty alleviation2. alguns estudos de caso experimentais têm sido tes: contexto institucional, político e regulatório;
De acordo com Ács & Varga (2005), o empreen- conduzidos no intuito de se avaliar o papel das legislação sobre a atividade económica; qualida-
dedorismo de oportunidade tem um significativo empresas estrangeiras no desenvolvimento lo- de e adequação das infraestruturas; estabilidade
impacto positivo no desenvolvimento enquanto cal. Estes estudos revelaram o papel positivo de macroeconómica; proteção da propriedade in-
que o empreendedorismo de necessidade tem estratégias Bottom of Pyramid (BoP)6 no desen- dustrial; qualidade do sistema financeiro.
um impacto praticamente nulo. volvimento subsequente de inovações por em- Estas variáveis são, de facto, críticas para a com-
Assim, cada vez mais países africanos procuram preendedores locais. preensão do empreendedorismo dada a sua
no empreendedorismo de oportunidade, basea- influência no nível de risco dos investimentos.
do na inovação, a derradeira esperança para as Por causa disso, em muitas economias africanas
suas legítimas aspirações de desenvolvimento há uma prevalência de empreendedorismo re-
(económico e social). Os tech-hubs de Kigali Cada vez mais países africanos plicativo, de menor valor-acrescentado quando
(Ruanda), Harare (Zimbabué) e Acra (Gana), procuram no empreendedorismo comparado com o empreendedorismo inovador,
documentados por Friederici (2017) revelam de maior risco mas também de maior valor-acres-
de oportunidade, baseado centado8.
um novo itinerário no empreendedorismo de
oportunidade em África. Um itinerário menos na inovação. A conclusão-chave é que a qualidade do ambien-
dependente de recursos naturais controlados te de investimento é, no geral, insuficiente em
centralmente por atores governamentais que África por causa do mais elevado custo de doing
não tiveram os resultados desejados ou de uma Do ponto de vista metodológico, Karatas-Ozkan business do mundo.
diversificação económico-industrial que demora et al. (2014) aconselha a utilização de abordagens Os custos de energia, de transporte, de teleco-
décadas a dar resultados palpáveis e que exige pós-positivistas pois estas oferecem a oportunida- municações e segurança, estão entre os que mais
volumes de capitais que esses países não detêm e de de se examinar as subtilezas do empreendedo- negativamente afetam as empresas. Mas também
que aumenta dramaticamente a sua dependência rismo enfatizando um conjunto de dimensões e os custos alfandegários, os alvarás e os licencia-
externa. das suas interações. Essas abordagens pós-positi- mentos têm um peso excessivo, assim como a
vistas podem revestir a forma de frameworks com- necessidade de sistemáticos pagamentos “não-
Empreendedorismo de oportunidade binando construtos qualitativos e quantitativos, -transacionais” para que as pequenas dificuldades
em África como os que podem ser encontrados na literatura do dia-a-dia sejam resolvidas.
O Global Entrepreneurship Monitor (GEM), or- francófona, chamados “modelos dialogantes”7. Ndulu et al. (2007) revela uma investigação inte-
ganismo internacional que estuda o empreen- ressante sobre as origens do empreendedorismo
dedorismo no mundo de forma sistemática há Fundamentação teórica e empírica africano, comparando empreendedores indíge-
duas décadas, tem revelado nos últimos anos que A relação entre o empreendedorismo e o cresci- nas (ou locais) com empreendedores não-indí-
existe uma forte pré-disposição em África para o mento económico tem sido estudada extensiva- genas (ou estrangeiros) da Ásia, Médio-Oriente
empreendedorismo de oportunidade, mas que o mente observando-se uma certa divergência de e Europa.
mesmo não é suportado por capacidades inova- resultados. A primeira conclusão é que as empresas indíge-
doras endógenas3, redundando na impossibilida- Ndulu et al. (2007), entre outros, relembra o nas são, em média, mais pequenas do que as es-
de de se explorar esse potencial. fundamento para se estabelecer um nexo de cau- trangeiras e que, ao mesmo tempo, elas arrancam
O corpo de conhecimento que oferece uma pers- salidade entre empreendedorismo e crescimento mais pequenas. Estas diferenças de dimensão au-
petiva sobre a dinâmica do empreendedorismo económico através da relação entre investimento mentam ao longo do tempo.

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O nível de escolaridade dos fundadores ajuda a terístico da economia informal; (ii) controlo dos
explicar as diferenças de tamanho entre as em- fatores de produção e (iii) inovação nos sistemas
presas indígenas à data da constituição, numa as- e canais de distribuição (e não nos apenas nos
sociação linear. A diferença de tamanho é estável produtos).
ao longo do tempo. Relativamente ao primeiro fator, os autores
As linhas de crédito também são mais acessíveis aconselham os empreendedores a combinar o
às empresas estrangeiras do que às locais, suge- desenvolvimento de produtos de design africano
rindo uma maior dificuldade destas ao nível da com padrões de qualidade de produção interna-
credibilidade e da competência. cionais como meio de atingirem os consumido-
Estes resultados indicam também a ausência de res de classe média-alta. A ideia é transcender as
redes comerciais nas comunidades locais africa- fronteiras nacionais criando a base de futuras es-
nas. Como os sistemas de justiça são no geral tratégias de internacionalização, que são raras no
frágeis, é extremamente difícil para uma pequena atual contexto do empreendedorismo africano.
empresa africana atingir o mesmo ritmo de de- Relativamente aos fatores de produção, os auto-
senvolvimento que um empreendedor estrangei- res poem em evidência a importância do controlo
ro, asiático, árabe ou europeu. de terra e de outros fatores de produção básicos,
A última conclusão é que o difícil acesso a infor- como a logística, dadas as limitações ao nível da
mação afeta mais seriamente os empreendedores distribuição local e as dificuldades crescentes de
africanos do que as dificuldades de acesso a capi- importação por restrições cambiais.
tal, fator em decréscimo de importância dado o Relativamente ao terceiro fator, este trabalho Notas
1 Hilson, G. & Hilson, A. & Maconachie, R. (2018). «Opportunity
aumento exponencial do acesso à internet verifi- põe em evidência que os constrangimentos de
or Necessity? Conceptualizing Entrepreneurship at African
cado em África nos últimos anos. distribuição continuam a ser os problemas mais Small-Scale Mines». Technological Forecasting & Social
significativos em África por causa das grandes Change, 131 (6): 286-302.
2 Brixiova, Z. (2010). «Unlocking Productive Entrepreneurship
disfunções existentes e da inexistência de in-
in Africa’s Least Developed Countries». African Development
fraestruturas fundamentais. Sugere-se que os Review. 22 (3): 440-451; e Brixiová, Z. & Ncube, M. & Bicaba,
A qualidade do ambiente empreendedores olhem para vias inovadoras de Z. (2015). «Skills and Youth Entrepreneurship in Africa: Analysis
with Evidence form Swaziland». World Development. 67 (1):
utilização de tecnologias emergentes, como dro-
de investimento é, no geral, nes, para ultrapassar essas limitações. n
11-26.
3 Pereira, R. & Maia, R. (2018). «Entrepreneurship in Africa:

insuficiente em África. An Exploratory Analysis Using Data from the Global


Entrepreneurship Monitor (GEM)». JANUS.NET e-journal
of International Relations, 9 (2), 109-123.
4 Pereira, R. & Maia, R. (2019). «The Role of Politics and

Institutional Environment on Entrepreneurship: Empirical


Brixiova (2010) acentua a importância de se Evidence from Mozambique». JANUS.NET e-journal
ter uma melhor compreensão sobre o impacto of International Relations, 10 (1), 98-111.
5 Auplat, C. (2006). «Do NGOs influence entrepreneurship?
da falta de capacidades no empreendedorismo
Insights from the developments of biotechnologies and
africano, tanto ao nível dos fundadores como nanotechnologies». Society and Business Review. 1 (3):
dos restantes recursos humanos, uma vez que é 266-279.
6 Payaud, M.A. & Martinet, A.C. & Amoussouga, F.G. (2014).
relativamente grande o conhecimento sobre ou- «La Contribution de la RSE aux Objectifs d’un Développement
tras variáveis que o impactam negativamente, tais Durable de l’ONU – Cadre d’Analyse et Propositions pour les
como: acesso ao crédito, ambiente de negócios, Pouvoirs Publics des ‘Pays les Moins Avancés’». Revue
Française de Gestion. 245: 133-158.
constrangimentos infraestruturais e acesso à in- 7 Martinet, A.C. & Payaud, M.A. (2010). «La Stratégie BoP

formação. à l’Epreuve des Pauvretés – Une Modélisation Dialogique».


Revue Française de Gestion. 208: 63-81.
No que se refere às competências, e sendo a 8 Adusei, M. (2016). «Does Entrepreneurship Promote Economic

qualidade dos recursos humanos a variável mais Growth in Africa?». African Development Review. 28 (2):
crítica para o desenvolvimento do empreende- 201-214.

dorismo de oportunidade, Brixiová et al (2015) Bibliografia geral


acentua a importância de um fator relacionado Ács, Z.J. & Varga, A. (2005). «Entrepreneurship, Agglomeration
com enorme impacto negativo: uma taxa de de- and Technological Change». Small Business Economics. 24 (3):
semprego jovem crescente em várias economias 323-334.
Dana, L.P. & Ratten, V. (2017). «International entrepreneurship in
africanas, paradoxal tendo em conta o padrão de resource-rich landlocked African countries». Journal
crescimento económico verificado recentemente of International Entrepreneurship. 15 (4): 416-435.
no continente. Ekekwe, N. (2016). «Why African Entrepreneurship is Booming».
Ekekwe (2016) identifica um crescimento signifi- Harvard Business Review, 94 (7): 2-4.
Friederici, N. (2017). Innovation Hubs in Africa: Assemblers
cativo (exponencial?) do empreendedorismo afri- of Technology Entrepreneurs. Unpublished PhD Dissertation.
cano, pelo menos nalguns países como a Nigéria, Oxford Internet Institute, University of Oxford.
Quénia, Senegal, Ruanda e Gana. Karatas-Ozkan, M. & Anderson, A.R. & Fayolle, A. & Howells,
Entre outras razões para este aumento da ativi- J. & Condor, R. (2014). Understanding Entrepreneurship:
Challenging Dominant Perspectives and Theorizing
dade empreendedora está a recente crise econó- Entrepreneurship Through New Postpositivist Epistemologies.
mica originada pela queda abrupta do preço do Journal of Small Business Management, 52(4): 589-593.
petróleo e a consequente necessidade de ambos Klingebiel, R. & Stadler, C. (2017). «3 Things Driving
os atores públicos e os privados efetuarem tran- Entrepreneurial Growth in Africa». Harvard Business Review.
95 (2): 2-4.
sações comerciais em moeda local, por causa da Ndulu, B. & Chakraborti, L. & Lijane, L. & Ramachadran,
crise nas taxas de câmbio em que muitos países V. & Wolgin, J. (2007). Challenges of African Growth –
africanos caíram. Opportunities, Constraints and Strategic Directions. The
Finalmente, Klingebiel & Stadler (2017) identifi- International Bank for Reconstruction and Development,
World Bank, Washington DC.
cam três fatores que deveriam levar a um cresci-
Spring, A. & McDade, B.E. (eds.) (1998). African
mento do empreendedorismo em África: (i) foco Entrepreneurship – Theory and Reality. Gainesville,
no top of the pyramid, por oposição ao carac- FL: University Press of Florida.

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