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GUIA DE EXPLORAÇÃO 1 Laocoonte e os Seus Filhos, de Hagesandros, Atenodoros e Polidoros

de Rodes
Identificação Laocoonte e os Seus Filhos, de Hagesandros, Atenodoros e Polidoros de Rodes, c.
175-50 a. C.
A obra que chegou até aos nossos dias é uma cópia romana e encontra-se exposta no
Localização Museu do Vaticano, em Roma. Trata-se de uma das obras mais importantes da
Antiguidade e, descoberta em pleno Renascimento, impressionou os artistas da época,
entre os quais, Miguel Ângelo que se deslumbrou com a sua beleza, perfeição e
dinamismo.
Dimensões e O grupo escultórico de Laocoonte foi executado em mármore e tem as dimensões de
características 1,357 m x 1,225 m.

Contexto histórico e Esta cópia romana foi encontrada em Roma, em 1506, tendo sido reconhecida pelo
cultural arquiteto florentino Giuliano da Sangallo (1445-1516) como sendo a célebre obra de
Hagesandros, Atenodoros e Polidoros de Rodes, tal como era descrita por Plínio, o Velho
(23-79) na sua História Natural, o único registo da História da Arte da Antiguidade que
chegou até nós. Plínio afirma que, no seu tempo, o grupo escultórico se encontrava no
palácio do Imperador Tito, em Roma, descrevendo-a como “uma obra que se elevava
acima de tudo quanto as artes da pintura e da escultura tinham produzido”. A estátua
representa o sacerdote troiano Laocoonte e os seus dois filhos, Antiphantes e
Thymbraeus, a serem atacados por duas serpentes marinhas, segundo um episódio
dramático da Guerra de Troia, relatado na Eneida de Virgílio.
A composição assenta numa estrutura piramidal cuja massa descarrega toda a sua força
Análise formal no plinto do grupo escultórico. Todavia, a solidez dessa pirâmide é “destruída” por um
eixo diagonal definido pelo corpo contorcido do Laocoonte, cujo efeito de desequilíbrio
vem acentuar o dinamismo, a energia e o vigor que a peça desperta. Também a interação
entre as figuras que protagonizam o tema, provocando movimentos contrários entre si,
contribuem para salientar o efeito dramático e trágico da cena.
Segundo uma passagem célebre da Eneida de Virgílio, Laocoonte, um sacerdote de Apolo,
Análise temática avisara os seus compatriotas sobre o perigo da entrada do “cavalo de madeira” na cidade,
numa referência ao episódio do “Cavalo de Troia” onde se escondiam os soldados gregos
que haveriam de tomar a cidade. Como retaliação, Poseidon, um deus que favorecia os
Gregos, enviou duas enormes serpentes para esmagar até à morte o sacerdote e os seus
dois filhos.
De acentuado efeito dramático e manifestando um pathos muito pronunciado, a obra
Leitura de significados encarna a tragédia sublime a partir de um tema mitológico. O que aqui se pretende
representar é a tragédia sublime numa conceção agonizante, inquietante e desesperada
da existência humana, significando a inexorável luta contra o destino.
Os novos valores estéticos desenvolvidos durante o Helenismo estão presentes através
dos diversos recursos expressivos utilizados: o desequilíbrio da composição; o estilo
agitado, violento e em permanente convulsão; a expressão de dor física e os traços de
impotência marcados no rosto de Laocoonte; os corpos viris, musculados e vigorosos; o
dinamismo das figuras, a violência física e emocional; os intensos contrastes de luz e
sombra; a expressividade e o dramatismo da ação quase a tocar o patético. Estas são
características fundamentais do programa artístico helenístico que marcam a prevalência
do pathos sobre o ethos, isto é, a exteriorização das emoções e das sensibilidades
latentes no indivíduo, em obras tocantes, emotivas e inquietantes, capazes de despertar
em nós sentimentos e afetos adormecidos. Este estilo, designado por alguns historiadores
como “barroco helenístico”, não deixa de provocar em nós um sentimento simultâneo de
prazer e perturbação.
Após a descoberta do Grupo de
Laocoonte, em 1506, a obra foi
adquirida pelo papa Júlio II, tendo o
seu efeito dramático e intensidade
trágica provocado um imenso fascínio
nos meios culturais e artísticos em
Florença, em pleno Renascimento.
Particularmente admirada e influente
na arte da época foi a expressão de
emoções do sacerdote Laocoonte,
imediatamente adotada na pintura
e na escultura: a manifestação
de êxtase no rosto e os olhos
suplicantes erguidos para o céu
converteram-se num estereótipo das
representações cristãs dos santos e
dos mártires cristãos representados,
sobretudo, no programa do Barroco
contrarreformista.
Por outro lado, esta obra viria a
receber um novo significado estético
pelo historiador alemão Winckelmann
(1717-1768) que viu nela um símbolo
supremo da dignidade moral do herói
trágico e o exemplo mais acabado
da “nobre simplicidade e de uma
grandeza tranquila e eloquente” que
ele via como a essência do idealismo
patente na arte grega.
Um conceito que haveria de ser
refutado pelo crítico alemão Lessing
(1729-1781) no famoso tratado de
estética, Laocoonte, um ensaio sobre os
limites da pintura e da poesia (1766).
GUIA DE EXPLORAÇÃO 2 Hermes com Dioniso, de Praxíteles
Identificação Hermes com Dioniso, Praxíteles, c. 330-320 a. C.
Dimensões e Talha escultórica com 2,15 m de altura, constituída por várias peças esculpidas e
características entalhadas entre si. Representa um jovem nu de expressão graciosa, segurando um
menino seminu (Dioniso), apoiando-se num tronco no qual se estende um manto.
Contexto histórico e Praxíteles, escultor ateniense (c. 390-330 a. C.), era descendente de uma família de
cultural escultores. Atingiu um grande aperfeiçoamento técnico no tratamento dos corpos de
jovens, aos quais concedeu uma grata, delicadeza e sensualidade únicas.
Deixou-nos, também, a célebre Vénus que teve a audácia de, pela primeira vez,
representar nua.
Na segunda metade do século IV a. C., os sofistas – filósofos cujo método consistia na
argumentação por sofismas, isto é, raciocínios formulados com o propósito de induzir em
erro – lançam as bases de uma nova conceção ideológica. Trata-se de uma época de
crítica aos mitos, tradições e convenções que vai dar preferência aos deuses jovens e
impulsivos, em detrimento dos deuses grandiosos e majestáticos. Após um período de
subordinação da escultura à arquitetura, nos finais do século, a escultura adquire a sua
autonomia.
A obra foi executada em mármore de Paros e cinzelada com técnica aperfeiçoada.
Materiais e técnicas Praxíteles valorizou as características plásticas do mármore, cinzelando as formas com tal
suavidade que, nas partes mais finas, ficou translúcido, fazendo lembrar, quase, o
marfim.
Análise formal Praxíteles desenvolve o cânone grego do contraposto mas evidencia um estilo mais
"solto" que o de Policleto.
A ligeira inclinação da cabeça cria uma subtil assimetria em forma de "S", numa
sinuosidade característica nas esculturas desta época. Segue o cânone de Lisipo que
determina a altura igual a oito vezes a cabeça. O aperfeiçoamento técnico, o naturalismo
e o ideal de beleza presentes, fizeram de Hermes um símbolo plástico.
Análise temática Hermes é um dos 12 deuses gregos, filho de Zeus e da ninfa Maia. Mensageiro dos
Leitura de significados deuses, é deus do comércio, dos atletas, das artes liberais e das belas-artes. Simpático e
astuto, e também mentiroso, pelo que parece mais humano que divino. De acordo com a
mitologia, apresenta-se jovem, sorridente e sedutor. Foi incumbido de proteger Dioniso,
filho de Zeus e Sernele, da ira de Hera e entregá-lo às ninfas de Nisa para que o
educassem.
No braço mutilado Hermes seguraria um cacho de uvas, numa alusão à futura vocação de
Dioniso: a cultura da vinha e o fabrico do vinho.
Esta obra enquadra-se nos novos valores estéticos do momento, inspirando-se na paixão
pela beleza humana e tomando o Homem como medida de todas as coisas. Aos
sentimentos religiosos e patrióticos, Praxíteles contrapõe um deus olímpico, jovial e
eloquente.
A obra de Praxíteles representa o apogeu da paixão pela beleza física, num momento em
que o culto do ethos – o conceito ideal de beleza – atingia a sua máxima expressão.
Para além do estrito prazer visual que desperta, Hermes encerra o desejo e a volúpia no
cacho de uvas (mutilado) – símbolo do prazer – que Dioniso não alcança.
Escultor grego ativo em meados do
século IV a. C., Praxíteles foi, a par
de Fídias, um dos escultores mais
importantes do seu tempo.
A maior parte dos seus trabalhos não
são conhecidos senão através de cópias
romanas, porém, a célebre estátua
Hermes com o jovem Dioniso, que foi
encontrada em Olímpia em 1877, é
considerada um dos raros originais
saídos do seu cinzel que chegaram até
nós.
Alguns aspetos que levam os
historiadores a concordarem em tal
tese são, sem dúvida, a delicadeza no
modelado das formas e a subtileza nos
acabamentos das superfícies, bastante
distinta da execução observada na
maioria das cópias romanas.
É, de resto, essa graça sedutora e essa
sensualidade peculiar que a caracteriza
e a converteram numa das obras mais
expressivas do Classicismo ateniense.
Na Antiguidade, a sua obra mais
conhecida foi a Vénus de Cnido, a
primeira representação de um corpo
feminino nu em tamanho natural.
A escultura ficou exposta publicamente
durante muito tempo num tholos – um
pequeno templo circular aberto –
podendo ser apreciada em todas as
perspetivas. Com esta representação
naturalista de uma mulher nua tomando
banho, Praxíteles assumiu uma
desafiadora aproximação ao mundo
real que não deixou de escandalizar e
perturbar a intelectualidade de então.
Plínio, o Velho, o célebre historiador
romano, referiu-se a esta obra (da qual
se conhecem várias cópias) como "a
mais bela estátua não só de Praxíteles,
mas do mundo inteiro".
A incessante procura de novas
dimensões na representação do corpo
humano motivou a pesquisa de novos
recursos expressivos.
Em Hermes com Dioniso, Praxíteles veio
enriquecer o contraposto com uma
nova torção do eixo do corpo gerando
um movimento ondulante que ficou
conhecido na História da Arte como a
"curva praxiteliana".
Por outro lado, quer a qualidade plástica
das suas obras, quer a graciosidade e a
beleza dos seus corpos, marcaram um
afastamento em relação à idealização
do Período Clássico, apresentando
uma arte mais próxima da emoção, da
ternura, da sensualidade, do erotismo
e de uma gentileza que emerge
dos olhares sonhadores, dos risos
vagos e das poses sinuosas das suas
personagens.
GUIA DE EXPLORAÇÃO 3 O Panteão de Roma, de Apolodoro de Damasco
Identificação Panteão, mandado construir em Roma por Adriano, entre 118 e 125.
Localização O Panteão foi construído no Campo de Marte, num local onde Agrippa tinha dedicado um
santuário a Augusto.
Contexto histórico e Adriano, tal como o seu pai adotivo Trajano, era originário do Sul de Espanha (Itálica). Homem
cultural culto, de gosto refinado e intelectual, dirigiu um governo pacífico (117-138) que marcou o apogeu
da criação artística imperial. O edifício mais inovador da arquitetura religiosa romana, e que
exerceu grande influência na arquitetura europeia a partir do Renascimento, foi construído nos
primeiros anos do seu governo. No Panteão, o templo de todos os deuses, o imperador pretendeu
incluir no culto imperial os deuses de todos os povos submetidos de forma a assegurar a sua
integração política no Estado romano. Datando da época de Augusto, tinha sido reconstruído após
o incêndio de Roma em 64, mas a intervenção de Adriano transformou o Panteão na imagem do
Império. O Panteão é um dos edifícios clássicos que maior fascínio tem exercido sobre a cultura
europeia ao longo da História, constituindo uma referência fundamental para a evolução da
arquitetura. Não devemos, pois, estranhar que Brunelleschi, Bramante ou Miguel Ângelo se
tenham servido dele como modelo para as cúpulas das Catedrais de Florença (século XV) e de S.
Pedro do Vaticano (século XVII).
A execução do Panteão segue a tradição técnica e os materiais tradicionais dos grandes
Materiais e técnicas empreendimentos conduzidos por Roma, sendo utilizado o opus caementicium e o revestimento
em pedra. Porém, o mais surpreendente deste edifício e a sua maior inovação é a complexidade
técnica da execução da grande cúpula que cobre aquele espaço imponente: uma semiesfera de
43,5 m de diâmetro que constituiu a maior estrutura abobadada construída até ao século IX.
Tirando partido dos conhecimentos técnicos das grandes obras de engenharia desenvolvidas por
todo o Império, os Romanos construíram paredes espessas (com 7 m) dotando-as de um sistema
estrutural apropriado para receber as cargas da cúpula. Esta, por sua vez, foi construída com
materiais mais leves, adelgaçando à medida que se aproximava do topo.
Com o Panteão rompem-se todas as tradições da arquitetura religiosa da Antiguidade. Apesar de
Análise formal já conhecermos os tholos – os templos circulares gregos e romanos – este é muito maior e
dispensou as colunas à sua volta; o pórtico de entrada constitui o único elemento tradicional
utilizado. As suas grandes dimensões, inéditas para a época (um espaço interior com 43,5 m de
altura), fazem dele o espaço mais amplo de toda a arquitetura clássica. Este efeito é acentuado
não só pelos "caixotões" da cúpula semiesférica que vão reduzindo a sua dimensão à medida que
sobem em altura, como também pelo oculus da iluminação zenital (com 9 m de diâmetro), a única
abertura em todo o edifício e que produz um efeito quase mágico de leveza, como se a cúpula
flutuasse no espaço. Atribuído ao arquiteto Apolodoro de Damasco, também autor do Fórum de
Trajano (107-112), produz-se um contraste formal entre volumes geométricos perfeitos, utilizando
o cubo na fachada colunada que é rematada por um frontão. A originalidade do edifício resulta,
sobretudo, da forma circular da sua planta que possibilitava a disposição de todos os deuses num
plano de igualdade, em nichos praticados na parede, criando assim o primeiro espaço panóptico,
ou seja, um espaço que, onde quer que nos situássemos deixava ver sempre o mesmo.
Com esta construção, Adriano concretizou a sua utopia: construir um edifício em Roma onde
"coubesse" todo o mundo. E, na verdade, o seu traçado geométrico está dotado de propriedades
Análise temática
numéricas e simbólicas que o remetem para a imagem do universo e do movimento celeste. Para
Leitura de significadosos antigos, estes sólidos eram a expressão da inteligência divina: do quadrado ao cubo, do círculo
ao cilindro, da pirâmide ao cone, todas as formas convergiam na esfera. Suportado pela mística
dos números e da geometria pitagórica, o edifício inscreve-se num cubo que contém uma esfera;
por outro lado, a sua forma deriva de um triângulo equilátero que liga o oculus às absides opostas,
definido um cone ou uma pirâmide.
Construído no tempo de Adriano
e dedicado a todos os deuses do
Império, o Panteão introduz a
noção de espaço interior como
expressão de uma nova dimensão
existencial. Se bem que o pórtico
que remata o volume retangular que
destaca a entrada o assemelhe aos
templos romanos normais, a vasta
rotunda rematada por uma cúpula
semiesférica constitui não só um
virtuosismo da técnica de construção
romana, como também converte o
espaço arquitetónico num símbolo
significante da existência do Homem
no mundo.
O tambor da cúpula consta de
duas zonas articuladas mediante
elementos clássicos: em baixo,
grandes pilastras e colunas coríntias
e, em cima, pilastras mais pequenas.
Estes elementos, os seus delicados
entablamentos e os caixotões
da cúpula ocultam a complexa
construção abobadada e outorgam ao
interior a tranquila ordem cósmica.
A zona superior apresenta uma ordem
simples de elementos antropomorfos
enquanto a cúpula transmite a suave
harmonia da perfeição geométrica.
O oculus que se abre no topo da
cúpula semiesférica define um eixo
vertical que se eleva livremente até
ao zénite, enquanto o corpo porticado
saliente acentua um eixo longitudinal
horizontal: na organização do espaço
interior, o Panteão integra assim a
dimensão sagrada da vertical numa
escala humana de apropriação do
espaço, unificando a ordem cósmica e
a natureza num todo significante.
GUIA DE EXPLORAÇÃO A Catedral de Chartres, França, 1134-1150
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Identificação Catedral de Chartres, 1134-1150; reconstrução 1194-1200.
Localização Centro urbano de Chartres, na região central da Île-de-France.
Contexto histórico e Embora desconhecendo a sua identidade, a coerência e a homogeneidade arquitetónica
cultural de Chartres leva-nos a admitir que, à exceção da escultura do portal, a sua conceção se
deve a um único mestre. Ao arquiteto competia desenhar o projeto, escolher e formar
artistas e artífices e dirigir as obras que eram supervisionadas pelo bispo. Situada no
centro urbano de Chartres e na província eclesiástica mais importante, a Île-de-France,
sob grande influência de Suger da Abadia de Saint-Denis, a reconstrução da catedral foi
iniciada em 1194 após um incêndio que destruiu o antigo edifício românico. Motivando o
aparecimento de lojas de artesãos e comerciantes e impulsionando a vida urbana, é à sua
volta que se concentra toda a economia da cidade. Coincidindo com um momento de
apogeu político, económico e cultural – o século XIII – esta obra traduziu-se num “modelo
clássico” influente noutras realizações posteriores.
No edifício, pedra calcária de granulado grosso proveniente de Berchères; nas esculturas,
Técnicas e materiais
calcário de Senlis; nas janelas, vidros coloridos. A pedra é cortada em blocos com grande
precisão, evitando juntas irregulares na sua união com argamassa. Na ornamentação das
talhas escultóricas e restantes trabalhos foram utilizadas técnicas próprias dos diferentes
ofícios. A técnica do vitral consiste no encadeamento de vidros de cores por uma rede de
filetes de chumbo ou por soldadura, partindo de um desenho no qual se estuda a
organização dos pedaços de vidro e os tons das cores.
O sistema construtivo aplica os princípios arquitetónicos utilizados no século XII e XIII:
Análise formal
cobertura abobadada suportada por pilares e paredes ornamentadas, reforçadas no
exterior por contrafortes e arcobotantes. Um dos aspetos mais importantes da
arquitetura gótica consiste na sua determinação através de uma ordem matemático-
geométrica que deveria garantir uma relação harmónica de proporção entre os seus
elementos formais e todo o conjunto edificado. Com base na ideia de que toda a arte era
subjacente a leis matemáticas universais, a projeção do edifício resultava da aplicação da
“medida certa”, produzindo um sistema de relações coerentes e proporcionais entre as
partes e o todo. Elemento fundamental do sistema gótico é o arco quebrado, integrante
da abóbada ogival, que permite uma maior flexibilidade na organização do espaço
interior. As paredes, perdendo a sua função estrutural, recebem grandes janelões de
vitrais que conferem maior amplitude espacial e enriquecem plasticamente o espaço,
graças aos efeitos visuais produzidos pela luz e pela policromia que irradiam.
Chartres representa o pensamento artístico dos séculos XII e XIII e, em síntese, todo o
universo medieval. Materializa o conceito de beleza enunciado na escolástica de S. Tomás
Leitura dos de Aquino, fundado na razão do número, proporção e ordem; o fenómeno estético da
significados luminosidade reflete o conceito teológico da mística da luz; e a permanente referência à
verticalidade e ao impulso ascendente representam o princípio metafísico da união entre
o Céu e a Terra. Como qualquer catedral cristã, Chartres integra um micro e um
macrocosmo: enquanto o microcosmo corresponde à planta de cruz latina, símbolo
carnal do corpo, o macrocosmo encontra-se representado na abóbada do cruzeiro, união
do Céu com a Terra, e no zimbório, expressão máxima da imagem celestial. Na tradição
neoplatónica medieval, a luz é símbolo de beleza e de verdade divinas; identificando-se
com o espírito como energia cósmica e como força criadora, a luz contempla um sentido
de emanação e teofania. Daí que a criação mais importante dos vitrais seja a rosácea,
como a rosa, símbolo de concretização absoluta e perfeição. E, também pode representar
o Sol, imanência e manifestação original de luz divina
A arquitetura gótica é a expressão fiel
da teologia medieval que, após ter
sido fundada no pensamento de Santo
Agostinho, de raízes neoplatónicas,
foi sistematizada, no século XIII, por
S. Tomás de Aquino numa doutrina
de fundamentos aristotélicos que
conciliava a razão com a fé.
Neste sentido, a catedral gótica
constitui a representação simbólica
destes valores, harmonizando a
ordem racional – beneficiando dos
novos conhecimentos geométricos
e matemáticos –, com o misticismo
cristão e a metafísica da luz, inspirada
em Saint-Denis, o Areopagita.
Correspondendo à conceção
do mundo na época, a fachada
flanqueada por duas torres elevadas
evoca o movimento ascensional que
se encontra patente na porta do
céu e na sua iconografia, em que a
glorificação de Cristo e Maria se junta
à representação de profetas e reis,
representando o governo temporal e
espiritual.
Na sua dominante axial, a nave
conduz-nos para a abside e para o
altar, supremo lugar de culto; sobre
o cruzeiro, interseção da nave com
o transepto, ergue-se a abóbada, a
cúpula ou o zimbório, projetando no
espaço sagrado uma luz mística e
sublime.
Dos fustes das colunas às nervuras
das abóbadas, das ogivas dos
arcos e janelas às linhas verticais
dos contrafortes, arcobotantes e
pináculos, todos os elementos do
edifício contribuem para acentuar a
verticalidade e a dinâmica ascensional
que qualifica esta plástica.
GUIA DE EXPLORAÇÃO O Casamento de Arnolfini, Jan van Eyck, 1434
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Identificação O Casamento de Arnolfini, de Jan van Eyck, 1434 (81,80 cm x 59,70 cm).
Localização National Gallery, Londres, Reino Unido.
Contexto histórico e Em meados do século XV, a Itália e a Flandres eram os grandes centros artísticos da Europa.
cultural Mas, enquanto os artistas florentinos trabalhavam em torno de teorias e regras
sistemáticas para a representação do espaço tridimensional, os flamengos
experimentavam a perspetiva aérea por meio de uma subtil gradação de tons sugerindo a
distância na paisagem. Favorável a estas pesquisas de modo empírico, era o ambiente de
estabilidade política e de prosperidade económica que a sociedade flamenga vivia, donde
emergia um tipo de clientela burguesa desejosa de ver refletido o seu mundo e o seu rosto
nas pinturas que encomendava. Os pintores flamengos souberam responder a esta procura
criando uma linguagem plástica capaz de representar a realidade com tanta fidelidade
como se os quadros fossem um autêntico espelho, ao mesmo tempo que foram
responsáveis pela criação da pintura de cavalete. Ao contrário dos artistas do
Renascimento italiano da mesma época, que tentaram representar a realidade de uma
maneira científica (através das leis da perspetiva), os pintores flamengos chegaram ao
mesmo ponto de um modo perfeitamente empírico.
Pintura a óleo sobre madeira. Deve-se a Jan van Eyck e ao seu irmão Hubert (cujo trabalho
Técnicas e materiais individual é pouco conhecido) o desenvolvimento da técnica a óleo. Até então, a mais
generalizada era a pintura a têmpera, consistindo numa tinta cujos pigmentos têm como
aglutinantes água, ovo e cola. A pintura a óleo utilizava pigmentos cujos aglutinantes eram
gorduras, como óleos vegetais (óleo de linhaça ou de noz), o que a tornava mais versátil do
que a têmpera: os pigmentos adquiriam maior fluidez ao mesmo tempo que aumentava a
variedade e a intensidade das cores, facilitando, por exemplo, a aplicação de velaturas, o
retoque e a sobreposição de camadas. Por outro lado, a adição de resinas e de outras
substâncias ao óleo favoreceu a sua aplicação sobre telas de linho que se enrolavam e
podiam transportar. Aqui, o ínfimo detalhe com que é tratado cada objeto e o realismo das
cores e das texturas quase nos dão a sensação de participarmos na cena.
Partindo de uma composição centralizada, van Eyck dispõe os protagonistas em primeiro
Análise formal plano num ambiente intimista bem definido. A acentuação da perspetiva, pretendendo
ampliar e aprofundar o espaço, assenta quer nas linhas da janela (à esquerda), quer no
dossel da cama (à direita), mas tem no espelho circular ao fundo, na parede – exatamente
à altura dos olhos do observador o seu elemento primordial. Daí que o espaço que se
“abre” entre o casal não seja mais do que um espaço paradoxalmente simbólico, já que
pretende representar a sua união.
Para lá da aparência quotidiana desta cena, esconde-se todo um universo profundamente
simbólico relacionado com o Sacramento do matrimónio que exige uma leitura
Análise temática
iconográfica. Assim, os pés descalços – os sapatos são mostrados ao lado do homem e ao
Leitura dos significadosfundo entre ambos – são uma referência à casa como um lugar sagrado; o candeeiro
suspenso do teto apenas com uma vela acesa significa a presença de Cristo omnipresente
(segundo a tradição, esta devia ser a última vela a apagar-se na noite de núpcias); os
pêssegos sobre a arca simbolizam a fertilidade da mulher e a esperança de filhos no casal,
uma referência que é reforçada pela imagem de Santa Margarida – a padroeira dos partos
– talhada nas costas da cadeira, ao fundo; o cão é sinónimo de fidelidade; e o espelho está
rodeado de cenas da Paixão de Cristo ao estilo gótico, exibindo uma superfície límpida que
significa pureza. De resto, este espelho reflete a presença de diversas testemunhas da
cerimónia, entre elas, o próprio artista que assina a obra “Johannes de Eyck fuit hic” – Jan
van Eyck esteve presente – convertendo-se em testemunha ocular da cena que pinta, num
ato até então inédito na História da Arte.
Numa das obras mais marcantes da
sua carreira, Jan van Eyck registou a
cerimónia matrimonial de Giovanni
Arnolfini, um rico comerciante
florentino que vivia em Bruges, na
Flandres, com a sua jovem noiva
Jeanne de Chenany. Contudo, para
além da carga significante que o artista
depositou em cada objeto e em cada
detalhe do quadro, o mais interessante
é que todo este universo simbólico
decorre num ambiente profundamente
real, onde todos os objetos e todos os
elementos integrantes da pintura são
de uma verosimilhança nunca antes
alcançada.
E tudo graças ao naturalismo da
iluminação e a verosimilhança do
espaço criado pelo pintor.
Uma observação mais atenta deixa-
-nos perceber que a luz entra pela
janela e modela o espaço com zonas
iluminadas, sombras e penumbras;
do mesmo modo que deixa ver
claramente as cores e as texturas de
todos os objetos, ao ponto de o reflexo
dos pêssegos se projetar sobre a
madeira da arca.
O detalhe é tal que, ao limite, podíamos
contar os pelos do cão ou da orla de
pele de marta do traje de Arnolfini.
A sensação de participarmos na cena
acentua-se com o recurso ao espelho:
ao olharmos a cena temos a perceção
de que existem outras figuras ali
refletidas e que, estando atrás de nós,
“colocam-nos” entre o pintor e os
protagonistas, isto é, em plena cena.
Efetivamente, trata-se de um jogo
mágico, no qual o espaço real e o
espaço ilusório se misturam de tal
maneira que dificilmente se podem
separar.

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