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RESUMO
Viver e morrer: a certeza cotidiana. O objetivo deste estudo foi
Julia Roveri Rampelotti
PUCPR
investigar o desenvolvimento do conceito de morte em crianças. Foram
investigadas 3 dimensões do conceito de morte biológica - Extensão,
Najla Maryla Maltaca
Significado e Duração. Aplicou-se individualmente o Instrumento
PUCPR
de Investigação do Conceito de Morte. Participaram do estudo 40
Vittoria do Amaral crianças saudáveis, com idades entre 5 e 6 anos (compreendendo o
Ceccato de Lima
estágio de Piaget pré-operacional), das quais 22 são meninas e 18
PUCPR
são meninos, todos de nível socioeconômico médio. Os seguintes
Cloves Antonio de resultados foram encontrados: 52,5% dos participantes apresentaram
Amissis Amorim uma dimensão de Extensão desenvolvida; 20% apresentaram uma
PUCPR dimensão de significado desenvolvida; e 55% apresentaram conceito
adequado de dimensão Duração. Os dados confirmam estudos
anteriores, que apontam que indivíduos de condição socioeconômica
semelhante geralmente apresentam resultados semelhantes.
Neste estudo, as dimensões Extensão e Duração do conceito de
morte foram identificadas sem lacunas cognitivas para o estágio
de desenvolvimento. Entretanto, apenas 20% dos participantes
apresentaram a dimensão de Significado desenvolvida, o que sugere
influência cultural com prevalência da negação da morte. Assim, evita-
se uma compreensão cognitiva completa do fenômeno, ainda que a
cultura brasileira, nesse momento, seja violenta e as crianças sejam
diariamente expostas às notícias de morte.
10.37885/200400018
1. INTRODUÇÃO plicá-la. É comum a personificação desse conceito,
ou seja, a compreensão da morte como se fosse
A morte faz parte do desenvolvimento de cada uma pessoa.
indivíduo e é sentida pela criança antes mesmo de ser Speece & Brent (1984) analisaram alguns compo-
vivenciada concretamente. A partir do momento que a nentes básicos que auxiliam na compreensão de
criança percebe a ausência de sua mãe, seu animal como as crianças enxergam a morte: universalidade,
de estimação foge ou algum brinquedo é perdido, irreversibilidade e não funcionalidade. Universalidade
significados e qualidades passam a ser atribuídos a compreende o entendimento de que todas as coisas
esse conceito. Essas situações representam perdas vivas morrem. Esse conceito engloba a inevitabilidade
que servem como ponto de partida para a busca da e a possibilidade imediata da morte. A irreversibilidade
compreensão da morte (KOVÁCS, 1992). entende a morte como final, permanente e envolve o
Dado a complexidade e importância desse assunto reconhecimento de que não é possível reverter esse
no ciclo vital dos indivíduos, o desenvolvimento do estado. A não funcionalidade se refere à cessação de
conceito de morte tem sido objeto de estudo para todas as funções definidoras da vida após a morte.
muitos pesquisadores (KOOCHER, 1973; TORRES, Nunes et al. (1998) afirma que o conceito de mor-
1979; NUNES et al., 1998). Segundo Torres (1996), te como um fenômeno permanente e irreversível é
o desenvolvimento desse conceito começou a ser entendido apenas no período operatório concreto.
estudado no ano de 1934 por Schilder e Wechsler, Koocher (1973) e Nagy (1948) relatam que as crian-
teve continuidade com os estudos de Nagy em 1948 ças no pré-operatório compreendem a morte como
e se intensificou nas décadas seguintes. Em sua temporária e reversível, além de serem capazes de
maioria, as pesquisas a respeito desse tema abordam mencionar algumas alternativas para reviver coisas
dois métodos de exploração que se entrelaçam: a mortas e de negarem a sua própria morte.
idade e o nível de desenvolvimento global da criança.
A maioria dos estudos destacam essa perspectiva,
Em relação ao desenvolvimento cognitivo, a teoria mas alguns autores apontam que tal compreensão
de Piaget nos disponibiliza alguns conceitos teóricos pode diferir conforme a cultura, religião, experiên-
que servem como ponto de partida para essa com- cias prévias do indivíduo e nível socioeconômico
preensão. Piaget afirma que as crianças passam por (TORRES, 1996; KENYON, 2001; ROAZZI, DIAS
quatro estágios do desenvolvimento intelectual que E ROAZZI, 2010).
influenciam a maneira da criança perceber o mundo:
estágio sensório-motor (0-2 anos); pré-operatório (2-7 Roazzi, Dias e Roazzi (2010) ressaltam que há duas
anos); operatório concreto (7-11 anos) e o estágio maneiras de encarar a morte, a partir de uma pers-
operatório formal (11-12 anos) (KOOCHER, 1973; pectiva secular-biológica, onde é entendida como
NUNES et al., 1998). irreversível, ou a partir de um ponto de vista me-
tafísico-religiosa, que exemplifica a interpretação
O presente estudo tem como foco principal crian- de diversas religiões de que a morte não é o fim,
ças de 5 a 6 anos, que se encontram no estágio mas uma transição. Brent et al. (1996) aborda essas
pré-operatório. Para Piaget (1983), é nesse está- duas perspectivas, trazendo explicações naturais
gio que ocorre um aumento significativo do uso de que explicam a morte a partir das leis científicas, e
símbolos, imagens e palavras, para representar ou explicações não naturais, referindo-se à uma força
significar eventos. Entretanto, o entendimento da maior para explicar a reversibilidade. Como consequ-
criança a respeito dos eventos ainda está baseado ência de crenças religiosas, é possível que a criança
no pensamento lógico e racional, manifestado pela atribua conceitos não naturais e adote uma postura
falta de reversibilidade, ou seja, incapacidade de metafísico-religiosa para fundamentar a morte. Para
desfazer mentalmente uma ação. o autor, essa postura indica um entendimento mais
O período pré-operatório também é marcado pelo maduro a respeito de assunto, pois considera outras
animismo e realismo. Isso implica em um pensamento alternativas de explicação que não sejam apenas
infantil caracterizado pela tendência em dar vida e “morte ou vida”.
consciência à objetos inanimados. A criança considera Em relação ao efeito das experiências no indivíduo,
que imagens, nomes, sentimentos e pensamentos Yalom (1980) e Furman (1978) citados por Torres
são a essência do objeto. Como consequência disso, (1996) concluem que em certas condições, como a
a morte adota corporeidade (PIAGET, 1983). perda, as crianças podem compreender o conceito
Os estudos de Nagy (1948) e de Kübler-Ross de morte como irreversível antes do que a teoria do
(1969/2008) vão de encontro com essa ideia. Para desenvolvimento cognitivo propõe. Além disso, Kenyon
as autoras, crianças de 5 a 9 anos entendem que (2001) relata que crianças com alguma experiência
a morte existe, mas incluem fantasias ao tentar ex- prévia, seja a própria doença ou a morte de alguém
próximo, também podem apresentar um entendimento
2.COLETA DE DADOS
cado desenvolvida e 55% apresentaram o conceito
de Duração adequado. Esses resultados podem ser
visualizados na Tabela 1, que não especifica a faixa
O presente estudo foi desenvolvido na disciplina etária de cada criança.
de Tanatologia do curso de Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, campus de Curitiba.
O objetivo do estudo foi investigar o desenvolvimento
do conceito de morte em crianças saudáveis. Par-
ticiparam 40 crianças de 5 e 6 anos, sendo 22 do
gênero feminino e 18 do sexo masculino. Dentre as
crianças entrevistadas, dez delas tinham apenas 5
anos de idade e 30 crianças tinham 6 anos de idade.
Todas as crianças estavam matriculadas no Ensino
Fundamental. Para a coleta de dados, foi solicita-
3.RESULTADOS E DISCUSSÕES
Garrett e Graham (2005), as crianças que ainda não
apresentam um completo entendimento da morte
normalmente preenchem seus questionamentos com
A análise dos dados foi realizada a partir das
elementos fantasiosos, que podem ser obtidos a
informações obtidas na aplicação do Instrumento de
partir das mídias infantis, como os filmes da Disney.
Sondagem do Conceito de Morte de Wilma Torres
(1979). Durante a aplicação do Instrumento, não foi Apesar disso, 55% dos participantes do estudo apre-
notado nenhum desconforto, verbalizações de medo sentaram a dimensão Duração formada, mostrando
ou pedidos para interromper o questionário. Apesar um resultado diferente do esperado pela teoria pia-
disso, foi possível perceber que algumas crianças getiana. Torres (1996) apresenta alguns estudos que
demonstraram surpresa quando o assunto “morte” mostram que a compreensão de irreversibilidade não
foi abordado. Paiva (2008) aponta que esse tema está diretamente associada à estrutura operacional
entrou no rol de assuntos proibidos para crianças. Os concreta, podendo ser assimilada no pensamento
adultos subestimam a criança e adotam uma postura pré-operacional. Nunes et al. (1998) ressalta que as
de negação frente a isso, minimizando e afastando a crianças entre os 5 e 7 anos apresentam o conceito
criança do significado da morte. Para a autora, essa formado por estarem fazendo a transição entre os
atitude pode ser entendida como uma tentativa de dois períodos, mas que a cultura pode exercer grande
proteger a criança e explica a surpresa das crianças influência no conceito de morte em particular.
ao serem questionadas sobre o assunto.
Em relação à não-funcionalidade, nenhuma criança
Segundo Lopes (2013), quando se tem receio de que de 5 anos e apenas 23% das crianças de 6 anos
os infantes não estejam preparados para compreen- apresentam esse conceito formado. Siqueira (2003)
der a morte, é comum que os adultos apresentem argumenta que as crianças nessa faixa etária ainda
soluções fantasiosas como “descansou” ou “foi para o não conseguem fazer a distinção apropriada entre
céu” em uma tentativa de facilitar seu entendimento. seres animados e inanimados, podendo influenciar
Cox, Garret e Graham (2005), Lima e Kovács (2011) no não desenvolvimento desse conceito. Além dis-
afirmam que a criança pode levar essas metáforas ao so, Kane (1979) citado por Torres (1996) relata que
contexto real por ainda não apresentar total capaci- as crianças compreendem primeiro a cessação dos
dade de abstração. Acredita-se que como influência aspectos visíveis, como comer e falar, enquanto os
disso, 19 crianças apresentaram o uso de eufemismos aspectos cognitivos mais sutis, como sonhar e sentir,
como “virou anjinho” e “viraram estrelas” em seus são mais difíceis de serem assimilados por necessi-
discursos para explicar o que acontece quando uma tarem de inferências por parte da criança. A resposta
4.CONCLUSÃO
sejam compreendidas pela criança. Não se trata de
evitar o tema e sim, de trazê-lo para uma dimensão
que possa ser assimilada pela criança, de acordo
Por falta de dados, o presente estudo não ava- com o seu nível de desenvolvimento.
liou a influência da cultura, do nível socioeconômico
e de experiências prévias no desenvolvimento do Entre tantas realidades humanas a mais desafiadora
conceito de morte. Além disso, o entendimento a é a morte. Morrem-se várias vezes na mesma vida,
respeito da morte não obteve diferenças significativas seja por meio de mortes simbólicas, seja pelas tran-
em relação ao gênero das crianças. Já em relação sições inevitáveis, com o avanço da idade, seja pelas
às dimensões avaliadas, destacou-se a dimensão perdas físicas e afetivas que acontecem como ônus
Duração. Mais da metade das crianças entrevistadas da existência. Assim, apesar do número pequeno de
apresentaram essa dimensão formada, contradizen- publicações no Brasil, os resultados da busca trazem
do os estudos de Piaget (1983) que afirmar que informações relevantes sobre o assunto pesquisado
as crianças nessa faixa etária ainda são marcadas e reforçam a ideia de que desenvolvimentos teóricos
pela irreversibilidade. Diversos fatores podem ser na área são de fundamental importância. Falar sobre
apontados para isso, mas os principais encontrados morte suscita medos, ansiedades, angústia, além da
na literatura abordam a cultura, nível socioeconômi- vontade de evitar o assunto. Entretanto, a morte faz
co, as experiências prévias, religião e os meios de parte da vida e é necessário tratá-la da forma mais
comunicação. É possível encontrar estudos contra- natural possível, especialmente quando se conversa
ditórios a respeito da influência desses fatores no sobre o assunto com uma criança.
entendimento da criança sobre a morte, apesar disso, Finalizando, observa-se que os estudos sobre o tema
o consenso é geral quando abordada a importância tiveram início nos anos 30 e 40, ocasionando uma
de discutir o tema morte com as crianças, evitando sensação de esgotamento do assunto. Entretanto, da
a mistificação do tema. mesma forma que a aplicação da teoria piagetiana
Outro fator importante a ser observado são as di- em contextos educativos é uma meta ainda distante,
mensões desenvolvidas de acordo com a idade dos pode-se inferir que os profissionais que se ocupam
participantes. Entre as crianças da 5 anos, 40% delas de criança diante da morte não têm acesso a essas
desenvolveram Extensão, 0% desenvolveram Sig- publicações e, de alguma forma, atuam mais por
nificado e 20% desenvolveram Dimensão. Quando intuição do que por protocolos baseados em evidên-