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DUAS FACES DA GUERRA:

A DESCONSTRUÇÃO DA MATRIZ COLONIAL EM “Os cus de


Judas” E “TERRA SONÂMBULA”
ANAILDE DA SILVA RIBEIRO1

RESUMO: A colonialidade perpetua o padrão do colonizador ao propagar a sua


versão da história, destacando-a em detrimento da versão do colonizado, a
qual sofre um processo de esquecimento, de modo que cabem a estes não se
permitir apagar, contando e revivendo sua experiência através de diários,
manifestações culturais e da literatura. Neste artigo, analisamos como o
processo de memória é usado para desconstruir a estratégia de esquecimento
utilizada pela colonialidade através de duas obras que são duas faces da
guerra, “Os cus de Judas”, do português António Lobo Antunes, que conta a
versão do colonizador na Guerra de Angola, e “Terra Sonâmbula”, do
moçambicano Mia Couto, o qual não deixa esquecer as experiências dos
africanos na Guerra de Moçambique.

Palavras-chaves: Colonialidade. Memória. Esquecimento. Guerra.

ABSTRACT: Coloniality perpetuates the colonizer’s pattern by propagating


their version of history, highlighting it against the colonized’s version, which
undergoes a process of forgetting, so that it is up to them not to allow
themselves to be erased, telling and reliving their experience through diaries,
cultural events and literatura. In this article, we analyze how the memory
process is used to deconstruct the strategy of forgetting used by coloniality
through two Works that are two side of war, “Os cus de Judas”, by the
portuguese António Lobo Antunes, which tells the colonizer’s version in the
Angola War, and “Terra Sonâmbula”, by the mozambican Mia Couto, who does
not forget the experiences of africans in the Mozambique War.

Keywords: Coloniality. Memory. Forgetting. War.

INTRODUÇÃO

Rachel de Queiroz inicia sua obra “Dôra, Doralina” (2020, p. 13) com a
seguinte afirmação “Bem, como dizia o Comandante, doer, dói sempre. Só não
dói depois de morto, porque a vida toda é um doer”. Tal constatação nos
remete à política de memória e esquecimento da teoria da colonialidade.

1
Mestranda de Literatura Comparada da UFPE. Trabalho realizado para avaliação da disciplina
Teorias da Colonialidade do professor Roland Walter.
Primeiramente, é importante compreender que colonialidade é diferente
de colonialismo, sendo este a colonização, isto é, a experiência de submeter
uma determinada raça, gênero, cultura a outra considerada superior; enquanto
aquela é o padrão utilizado pelo colonialismo. Sendo assim, a colonialidade é a
imposição de uma regra hegemônica, de modo que a partir dela os homens
brancos se sobrepõe aos negros, os portugueses aos seus colonizados, os
homens sobre as mulheres, entre tantos outros exemplos.

Nesse sentido, diversas teorias são usadas para compreender a


colonialidade e suas estratégias, porquanto, neste artigo verificaremos a obra
“Os cus de Judas”, do português António Lobo Antunes, através da política do
esquecimento, a qual o colonizador utiliza para reescrever a história, gravando
na memória cultural a versão dos heróis, enquanto a política da memória, tenta
resgatar essa história esquecida e relegada para segundo plano, contando a
versão dos colonizados, seja através de diários, manifestações culturais e até
da própria literatura, como ocorre em “Terra Sonâmbula” do moçambicano Mia
Couto.

Outrossim, seja contando a história dos vencedores ou dos colonizados,


é preciso retomar suas memórias e a partir desse momento vivenciá-las
novamente, o que nos faz compreender a constatação de Rachel de Queiroz,
pois, ao reviver as memórias que estão sendo contadas, todo o sofrimento é
revivido seja pelo narrador que conta sua experiência, seja pelo leitor que
relembrará o sofrimento no seu sentimento coletivo, de maneira que Antunes
ao reviver sua experiência na guerra de Angola afirma:

A pouco e pouco a usura da guerra, a paisagem sempre igual de


areia e bosques magros, os longos meses tristes do cacimbo que
amareleciam o céu e a noite do iodo dos daguerreótipos desbotados,
haviam-nos transformado numa espécie de insetos indiferentes [...]
como grandes ventres podres que nos aprisionavam sem salvação.
(ANTUNES, 1979, p. 99)

A MEMÓRIA E O ESQUECIMENTO NA COLONIALIDADE

Memória é a manutenção de fatos no imaginário pessoal e coletivo, de


maneira que a literatura auxilia na memória e no esquecimento da sociedade
ao destacar umas histórias em detrimento de outras.
A colonialidade preserva a perspectiva do colonizador em face do outro,
visto que este possui o poder de contar a história, conforme enfatiza Alves
(2019, p. 196), “a perspectiva epistêmica eurocêntrica se refletia nos diários
dos próprios colonizadores, dando à elite açucareira local e seus
descendentes, o poder de enunciação e registro dos fatos históricos”.

Porquanto, considerando que as narrativas históricas possuem as


versões dos colonizadores, é notório que há uma estratégia de esquecimento
da versão dos colonizados, tornando, assim, a memória coletiva como uma
arma de apagamento da história ao distorcer e ignorar fatos do que não se
quer ser lembrado.

Não apenas os relatos históricos são usados como estratégia de


destacar o que se deseja na memória coletiva e de omitir ou distorcer o que se
quer esquecer, mas a literatura também é um instrumento utilizado, visto ao
refletir a realidade, não se afasta das experiências e contexto social do autor,
ao mesmo tempo em que propaga o desejado na sociedade; de modo que
Connerton (1999, p. 4 apud ANSARA, 2012, p. 301) declara “as nossas
experiências do presente dependem, em grande medida, do conhecimento que
temos do passado e que as nossas imagens do passado servem para legitimar
a ordem social vigente”.

Assim, para desconstruir a matriz colonial é necessário que a sociedade


possua acesso a diferentes pontos de vista, versões diversas do mesmo fato
histórico, que os colonizados sejam vistos e ouvidos e não simplesmente
apagados, como a colonialidade tem feito, desaparecendo com seus relatos,
por considerá-los dispensáveis.

Nesse ínterim, a colonialidade utiliza como estratégia de esquecimento a


fabricação de consenso, a qual é explicada por Ansara (2012, p. 303) a partir
da manipulação política e ideológica ao ocultar crimes cometidos em nome de
uma ordem social e das lutas desenvolvidas por movimentos sociais e sindicais
em nome dos grupos minoritários.

A fabricação do consenso é observada em diversos momentos


históricos, seja na “descoberta do Brasil”, na qual é perpetuado no imaginário
coletivo que a colonização dos portugueses sobre os índios foi uma grande
confraternização com troca de presentes e não uma violência que dizimou
dezenas de indígenas; como nos relatos de guerra e ditaduras.

Na obra “Os cus de Judas”, temos as memórias de António Lobo


Antunes, o qual conta sua experiência na Guerra de Angola, sendo ele um
médico português que mesmo relatando todos os horrores da guerra, não deixa
de recontar a versão dos colonizadores.

Assim, para fabricar de consensos, se faz necessário que fragmentos da


história sejam separados entre o que lembrar e o que esquecer, de modo que
tal seleção segue um padrão hegemônico que torna invisível a versão a ser
dispensada, como esclarece Mignolo (2008, p. 296 apud MONTAURY, 2020, p.
51)): “Trata-se de tornar invisível a perspectiva da maioria das pessoas do
planeta cujas vidas foram declaradas dispensáveis, cuja dignidade foi
humilhada, cujos corpos foram usados como forças de trabalho”.

Por outro lado para combater o esquecimento é preciso lembrar, deste


modo a matriz da colonialidade é desconstruída quando é permitido que outros
pontos de vista sejam contadas, outras versões sejam relembradas seja
através de diários, relatos, manifestações culturais, espaços de resistência de
movimentos sociais do grupo colonizado, o qual passa a ter voz e transmitir
sua vivência, conforme afirma Sarlo (2007, p. 26 apud ALVES, 2019, P. 199),
“a experiência é o que pode ser posto em relato: algo vivido que não apenas se
sofre, mas se transmite”.

Nesse sentido, Montaury (2020) admite que os textos literários são


usados como instrumento de memória, aos retomar versões diferentes,
reacendendo-as no imaginário coletivo. Ademais, foi no século XX que a
desconstrução da colonialidade atingiu maior espaço na literatura, logo,
Montaury (2020, p. 51) propõe:

Proponho relembrarmos as miríades de textos produzidos no século


XX que buscaram privilegiar ângulos alternativos e significativos que,
uma vez inscritos no campo literário, também permitiram iluminar a
interpretação de fatos históricos relevantes, em diferentes
perspectivas.
Logo, como estratégia para a reavivamento da memória, Ansara (2012)
destaca os elementos que podem ser usados como arma nessa luta de
desconstrução, sendo o principal a resistência da memória das classes
populares, ou seja, é necessário que os movimentos sociais e sindicais não
permitam apagar suas experiências, que resistam contando suas histórias e
propagando-a coletivamente, visto que “essa memória está alicerçada na
efetiva participação política que se dá nos espaços de luta cotidiana e na
importância do conhecimento do passado para as lutas atuais” (ANSARA,
2012, p. 307).

Ansara (2012) elenca, ainda, abrir os arquivos e não permitir que os


crimes cometidos em nome de uma ordem social, seja na ditadura ou na
guerra, sejam esquecidos; e desmontar os métodos de institucionalização da
memória social, de modo que sejam desconstruídos os consensos fabricados
através de um processo de desideologização, isto é, “significa enfatizar outras
maneiras de contar a história, outras formas de organização da vida e dos
saberes, bem como a produção de novas subjetividades que não carreguem a
herança dos padrões coloniais de poder que seguem vigentes na sociedade”
(ANSARA, 2012, p. 310).

Nesse ínterim, é encontrada “Terra Sonâmbula”, na qual Mia Couto


relembra os horrores da guerra moçambicana sendo contada por um local, que
diferente de António Lobo Antunes não retornou para sua terra natal após a
guerra, mas, permaneceu em sua terra, convivendo com seus fantasmas e
seus mortos, como Mia Couto revela em uma entrevista “então, a certa altura
pensei que tinha que converter em livro essa realidade tão cruel. Eu tinha que
ficcionar aquela violenta irracionalidade”. (BRANDÃO, 2019, p. 1)

Portanto, tanto o processo de memória como o de esquecimento fazem


parte da colonialidade, este para perpetuá-la e aquele para desconstruí-la,
influenciando, assim, nos relatos das experiências de um povo e formando o
imaginário social, pois, o que lembramos ou esquecemos é selecionado pelos
valores culturais através da tradição e emoções, de maneira que para contar a
versão do colonizado ou do colonizador é preciso reviver as experiências,
sendo a literatura é usada como instrumento de ambos processos.
“OS CUS DE JUDAS” X “TERRA SONÂMBULA”

A literatura é uma linguagem específica, um mecanismo vivo fincado em


três elementos: o artista e seus valores, a mensagem passada e o público-alvo,
de modo que é usado ora como estratégia de memória dos grupos relegados
ao esquecimento pelos colonizadores, ora como instrumento de esquecimento
destacando a versão dos vencedores e tornando dispensável a dos
colonizados, assim, Paganini (2007, p. 2) conclui “a literatura como arte reflete
as representações da cultura de um povo”.

Nesse aspecto, a literatura se diferencia dos relatos históricos, embora


estes também sejam influenciados pelos valores de quem os escreve, visto que
um historiador não faz um relato literal de tudo o que houve em determinado
momento histórico e sim um recorte dos fatos, do mesmo modo, a literatura
também não se restringe apenas ao ficcional, de modo que as reflexões
usadas para criar a narrativa são influenciadas pelas questões nacionais,
grupais, familiares e pessoais de quem as escreve, como argumenta
Figueiredo (2015, p. 11 apud LAKS, 2019, p. 66)

[...] mas o livro também ficciona para dizer a verdade, esse outro
grande paradoxo da literatura. Pode esperar-se que os factos
relatados correspondam ao que foi testemunhado, vivido e sentido,
não que sejam um relato literal isento de trabalho literário.

Nesse ínterim, tanto a obra portuguesa, quanto a moçambicana utilizam


da realidade da guerra para ficcionar seu relato, auxiliando na construção
identitária de seu grupo social, o qual é formado através de fatores sociais,
históricos, coletivos, experiências pessoais e vivências de um grupo, como
esclarecido por LAKS (2019).

Sendo assim, ao relatar as experiências, revivendo-as através da


literatura, Cóquio (2015 apud CAMMAERT, 2020) denomina-o de “passagem
do testemunho”, que pode ser através do testemunho do sobrevivente ou do
testemunho do testemunho, isto é, as memórias são contadas por um terceiro
que ouviu as experiências de um sobrevivente.

No caso de “Os cus de Judas” e “Terra Sonâmbula”, os autores são


sobreviventes que testemunham suas experiências na guerra, diferenciando-se
apenas na forma de se expressar e retomar essas memórias.
“Os cus de Judas” foi escrito em 1979, por António Lobo Antunes,
médico português que participou da guerra angolana, cujas memórias são
revisitadas nesta obra literária. Escrita em primeira pessoa, trata-se um
monólogo com uma mulher em um bar, o Autor alterna suas experiências da
infância com os horrores da guerra, refletindo sobre tudo o que viveu até então.

A obra, apesar de se tratar da versão do colonizador, visto que Angola


foi colônia portuguesa até sua libertação em 11 de novembro de 1975, não se
restringe a ser um instrumento de esquecimento da colonialidade, pois, não
utiliza da estratégia de desaparecimento dos crimes e sofrimentos a que foram
submetidos os colonizados.

António Lobo Antunes utiliza do sarcasmo para refletir sobre sua


experiência na guerra, sem omitir seu sofrimento e dos soldados portugueses,
afastando-se da colonialidade que ao relatar a história dos colonizadores, só
destaca as vitórias, como se estas tivessem ocorrido sem qualquer violência ou
dor por ambos os lados da história.

Assim, em “Os cus de Judas”, o Autor vai contando as muitas


transformações que sofreu como consequência de tudo que foi testemunhado
na guerra, fazendo uma denúncia social à maneira como o Estado português
molda, suprime e violenta, de cuja guerra saiu ileso fisicamente, mas não
psicologicamente.

Eu estava farto da guerra, Sofia, farto da obstinada maldade da


guerra e de escutar na cama, os protestos dos camaradas
assassinados que me perseguiam no meu sono, pedindo-me que os
não deixasse apodrecer emparedados nos seus caixões de chumbo,
inquietantes e frios como os perfis das oliveiras, farto de ser larva
entre larvas na câmara-ardente. (ANTUNES, 2007, p. 63)

Por outro lado, “Terra Sonâmbula”, lançada em 1992, pelo moçambicano


Mia Couto, retoma as experiências da guerra pela versão dos colonizados,
descontruindo a narrativa perpetuada pelos colonizadores.

Entretanto, Mia Couto alerta que é um recorte da história que os


africanos desejam apagar, não como forma de esquecimento relegada pela
colonialidade, mas, como se nunca houvesse existido, pois, há um sentindo de
constrangimento coletivo pelas consequências da guerra, na qual não terminou
com a libertação de Moçambique, Angola e Guiné-Bissau pela vitória bélica e
sim por um acordo entre políticos e militares (BRANDÃO, 2019).

A obra moçambicana é uma ferramenta de memória ao mostrar a


resistência de um povo frente a guerra, o relato do que acontece com aquele
coletivo que permanece na terra com seus mortos e as lembranças de toda
crueldade vivenciada.

Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. Pelos caminhos só as


hienas se arrastavam, focinhando entre cinzas e poeiras. A paisagem
se mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se pegavam à
boca. Eram cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a leveza,
esquecidas da ousadia de levantar asas pelo azul. Aqui, o céu se
tornara impossível. E os viventes se acostumaram ao chão, em
resignada aprendizagem da morte. (COUTO, 1996, p. 2)

A partir das duas obras literárias percebemos que as diferentes


vivências podem coexistir sem que uma subjugue a outra, visto que conforme
Mignolo (2008, p. 296 apud MONTAURY, 2020, p. 52), devemos nos basear
“na premissa de que a dimensão policêntrica de um mundo em muitos mundos
podem coexistir”.

Assim é possível compreender que a obra portuguesa ao apresentar a


versão do colonizador, também desconstrói a matriz colonial por não esconder
a crueldade vivenciada na guerra pelos soldados portugueses, os quais
retornaram para sua terra natal precisando sobreviver com os traumas levados
na mala.

Passamos vinte e sete meses juntos nos cus de Judas, vinte e sete
meses de angústia e de morte juntos nos cus de Judas, nas areais do
Leste, nas picadas dos Quiocos e nos girassóis do Cassanje,
comemos a mesma saudade, a mesma merda, o mesmo medo, e
separamo-nos em cinco minutos, em aperto do mão, uma palmada
nas costas e um vago abraço, e eis que as pessoas desaparecem,
vergadas ao peso da bagagem, pela porta de armas, exaporadas no
redemoinho civil da cidade (ANTUNES, 2007, p. 83).

Ao mesmo tempo que a Mia Couto não se restringe, apenas, aos


sofrimentos da guerra, mas, revive também as formas que o povo africano se
reergueu diante daquela situação, resistindo, assim, ao seu papel de povo
subjugado, contrariando seu papel de ser sempre a vítima.

Nessa noite, o campo festejou. Como é possível festejar em tanta


desgraça? Que motivo havia se nós ainda não havíamos distribuído
os sacos de farinha? Naquele momento, eu ficava com a certeza de
existirem forças subterrâneas onde as almas se recuperam. A festa é
a tristeza fazendo o pino. Nela a gente se comemora num futuro
sonhado. (COUTO, 1996, p. 113)

Sendo assim, as obras são as duas faces da mesma guerra ao não


apagar as vivências que os grupos seja português, seja africano, construíram
ao participar desse momento histórico, resistindo a partir de suas lutas e
propagando sua verdade no imaginário social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A colonialidade separa a sociedade entre colonizadores e colonizados,


promovendo uma relação de poder em quem um grupo se sobrepõe ao outro,
sejam europeus sobre africanos e ameríndios, sejam homens sobre mulher,
sejam brancos sobre negros.

A partir dessa relação de poder, histórias são perpetuadas ou omitidas,


promovidas por estratégias de memória e esquecimento com o intuito de
reescrever os fatos, ora destacando o que se deseja lembrar, ora apagando o
que se deseja esquecer, assim, as vitórias dos colonizadores são propagadas
como se tivessem acontecido de forma natural, omitindo-se todos os
sofrimentos e violências sofridos pelos colonizados.

Nesse ínterim, é necessário que grupos sociais resistam ao apagamento


histórico, recontando seus relatos, revivendo suas experiências, garantindo ao
imaginário coletivo que diversas perspectivas sejam conhecidas.

Nesse contexto, há as obras “Os cus de Judas” e “Terra Sonâmbula”


que apesar de possuir relatos de grupos opostos em uma mesma guerra são
exemplos de desconstrução da matriz colonial, visto que o colonizador
português não omite a crueldade vivida e testemunhada na guerra, enquanto, o
colonizado africano resiste contando o sofrimento de seu povo e sua
resistência, sua experiência de se reerguer diante dos horrores da guerra.

Finalmente, ambos relatos devem coexistir, pois, tanto os colonizadores,


quanto os colonizados possuem suas próprias versões, as quais são resultado
da experiência que cada um passou e sofreu, de modo que a literatura tem a
função de resgatar de forma mais palatável os sofrimentos revividos, pois,
como admite a personagem de Rachel de Queiroz, viver dói, relembrar o vivido
dói e só não sente a dor quem já morreu.

REFERÊNCIAS

ALVES, Heliana Castro. Colonialidade do saber e conflitos de memórias no


espaço público. Fractal: Revista de Psicologia, Niterói, v. 31, n.esp., p. 195-
200, set.2019. Disponível em:
<https://doi.org/10.22409/1984-0292/v31i_esp/290 z50>. Acesso em 01 jul.
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ANSARA, Soraia. Políticas de memória x Políticas do esquecimento:
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<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X20120
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ANTUNES, António Lobo. Os cus de Judas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
BRANDÃO, Beatriz. A guerra na vida dos sobreviventes, dissidentes e
resistentes. Diplomatique. Ed. 141, abri. 2019. Disponível em: <https://diplo
matique.org.br/a-guerra-na-vida-dos-sobreviventes-dissidentes-e-residentes/>.
Acesso em 02 jul. 2021.
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LAKS, Daniel M. A produção narrativa da identidade em “Caderno de Memórias
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MONTAURY, Alexandre. Colonialidade e assimetria nos contextos sul-
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PAGANINI, Martanézia Rodrigues. Literatura e Representação da Identidade
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Disponível em: <http://alb.org.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais16/sem
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QUEIROZ, Rachel de. Dôra, Doralina. Rio de Janeiro: José Olympio, 2020.

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