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ISSN: 2446-6778
Nº 2, volume 5, artigo nº 09, Julho/Dezembro 2019
D.O.I: http://dx.doi.org/10.20951/2446-6778/v5n2a9
Médico
Resumo
Abstract
This paper is a literature review about the role of the intensivist in the process of
decannulation of the tracheostomized patient. Tracheostomy is currently considered a
common procedure in the Intensive Care Unit (ICU), indicated for patients requiring
1
Hospital Bruno Born e Univates como preceptor da cadeira de clínica médica da faculdade de
Medicina. Hospital Bruno Born como rotineiro da UTI e preceptor da residência de Clínica Médica.
Lajeado, Rio Grande do Sul. Pós-Graduação LATO SENSU em Medicina Intensiva
UniRedentor/AMIB. lpmallmann@gmail.com
INTRODUÇÃO
A traqueostomia atualmente é considerada um procedimento comum na Unidade de
Terapia Intensiva (UTI), sendo indicada para pacientes em desmame da ventilação
mecânica por tempo prolongado ou com falha de extubação, incapacidade de proteger as
vias aéreas devido ao estado mental prejudicado e também em pacientes com incapacidade
de gerir secreções excessivas ou que tenham obstrução das vias aéreas superiores (1). A
incidência na UTI varia conforme o perfil da unidade, podendo variar de 5 a 54% dos
pacientes (2). A traqueostomia facilita a aspiração, permitindo fácil acesso à via aérea
inferior e a limpeza das secreções, melhorando a segurança e o conforto do paciente,
diminuindo sedação, levando a uma menor duração do suporte ventilatório e,
consequentemente, diminuindo o tempo de permanência na UTI. (1)
PROCESSO DE DECANULAÇÃO
Uma vez que a indicação primária para a inserção do tubo tenha sido resolvida e o
paciente encontra-se livre do ventilador mecânico, a avaliação da possibilidade de
decanulação deve ser feita (10). Vários fatores devem ser considerados nesta decisão e
uma abordagem sequencial facilita o processo de identificação e progressão para
decanulação:
1- ESTABILIDADE CLÍNICA
- Paciente não necessita mais de ventilação mecânica há pelo menos 24 horas (48 horas
para pacientes em ventilação mecânica por mais de 4 semanas (11);
- Padrão ventilatório apropriado;
- Não há broncoespasmo não controlado;
- Não há necessidade de suplementação de O2 >10L/min;
- Não há sinais de infecção não controlada;
- Sinais vitais estáveis;
- Sem necessidade de intervenção cirúrgica em breve.
Figura 2: Fluxômetro adaptado para medir pico de fluxo expiratório por tosse induzida
– 43.
A medida da pressão expiratória máxima tem maiores limitações e deve ser feita com
o paciente cooperativo, portanto alterações neurológicas podem limitar o exame. A
quantidade de medidas varia na literatura de 3 a até 20 manobras, porém a colaboração
geralmente cai a partir da quinta medida, sendo este o número sugerido por um estudo
Nos pacientes conscientes, o processo todo deve ser explicado, inclusive que
episódios de tosse são comuns. O paciente deve estar na posição supina, com
hiperextensão do pescoço. Cabeceira elevada pode fornecer mais conforto para o paciente.
Iluminação adequada e material de aspiração e oxigenação suplementar devem estar
disponíveis e o paciente deve ser monitorado com oxímetro. Pode-se considerar
hiperoxigenar o paciente previamente para aumentar sua reserva previamente à troca. Além
da cânula do tamanho desejado, uma de calibre imediatamente menor deve estar presente
caso haja dificuldade de inserção. Em pacientes conscientes, spray de lidocaína aplicado
através da cânula pode trazer conforto adicional. Se o cuff está insuflado, deve-se
desinsuflá-lo antes da extração da cânula. A aspiração deve ser feita imediatamente antes
da remoção da cânula para limpeza das vias aéreas. No momento da remoção pode-se
pedir para o paciente prender a respiração (34). A técnica não necessita ser empregada de
forma estéril (8).
A introdução da nova cânula pode seguir a técnica clássica, ou auxílio com guia,
chamada de railroad technique (Figura 4). Na técnica clássica, após a retirada da cânula
antiga, a nova é lubrificada com lidocaína gel 1% e inserida com rotação 90 o de sua posição
original até entrar no orificio da traqueostomia e, após, nova rotação de 90o para sua
posição original. Na técnica guiada um tubo mais fino e pelo menos 3 vezes mais comprido
do que a cânula é inserido pela cânula antiga ainda no lugar (se houver endocânula, esta
deve ser retirada antes). O tubo-guia avança até 2,5cm além do fim da cânula antiga. Esta
então é retirada tendo o cuidado de não remover o tubo-guia. A seguir a cânula nova é
introduzida, fazendo-se o caminho inverso. O guia deve passar fácil pela cânula inserida
para evitar seu deslocamento, porém não deve ser muito fino e maleável. Uma opção é
utilizar a cânula de aspiração (com a conexão cortada). Outras alternativas descritas são
sonda nasogástrica, sonda uretral 16Fr, bougie, dreno de sump. Eventualmente auxílio com
broncoscópio pode ser necessário (34).
5- OCLUSÃO DA CÂNULA
O objetivo de ocluir a traqueostomia é permitir que o fluxo de ar passe através da
cânula pelas vias aéreas superiores (Figura 5 – referência 35). Durante a oclusão da cânula
pode-se avaliar se o paciente consegue manter a via aérea superior patente, o que é um
requisito essencial para a remoção do tubo de traqueostomia (25). Nunca se deve ocluir
uma cânula com balonete insuflado, pois o fluxo pela cânula e pelas vais aéreas superiores
estão ambos interrompidos desta forma e não deveria ser feito antes da troca por cânula
sem balonete, pois a presença do mesmo, mesmo desinsuflado, pode oferecer uma
resistência maior e turbilhonar o fluxo, além de poder servir para acúmulo de secreção
(figura 6 – referência 7).
6- DECANULAÇÃO
Se o paciente tolerar bem a oclusão da cânula por um período de 24 a 48 horas, que
pode ser considerado como ―decanulação funcional‖ (25), o paciente está apto para a
retirada da cânula.
Deve-se ter a pronta disposição material de aspiração e intubação de emergência e
ter suspendido a dieta por pelo menos uma hora (por precaução caso seja necessária
intubação). Ao retirar-se a cânula, deve-se ocluir o ostoma com curativo para que não haja
escape de ar. O orificio do ostoma reduz 50% nas primeiras 12 horas e deve fechar
externamente em cerca de 3 a 4 dias e cicatrizar completamente em 4 a 6 semanas.
DECANULAÇÃO ACIDENTAL
O deslocamento da cânula pode ser completo, tornando a situação óbvia, ou pode
ser menos perceptível, quando a cânula sai da traquéia mas permanece no trajeto, levando
à piora ventilatóia mais insidiosa. Uma decanulação acidental com menos de 72 horas pode
ter consequências graves (32). O ostoma não maduro pode fechar-se e impossibilitar a
recanulação, devendo ser o paciente imediatamente intubado e a cânula de traqueostomia
ser reinserida posteriormente sob condições controladas. Uma das maiores dificuldades é a
diferenciação entre o trajeto da traqueostomia e os tecidos adjacentes e tentativas forçadas
através do ostoma podem levar a hemorragias e lesão do trajeto existente. Além disso, pode
ser uma experiência dolorosa e assustadora para o paciente. Se a cânula for inserida no
espaço pré-traqueal o balonete insuflado pode bloquear as vias aéreas e o ar ser
direcionado para o mediastino. Se o trajeto já tem mais do que 7 dias a reinserção não deve
apresentar grande dificuldade. Se houver dificuldade de visualização do trajeto, uma lâmina
pediátrica de intubação pode auxiliar, podendo ser acomodada na traquéia, elevando-a e
facilitando a visualização. A cânula pode ser então reinserida sob visualização direta. Se o
laringoscópio não estiver disponível, um guia pode ser útil, como uma sonda de aspiração
mais calibrosa. Se necessário e disponível, o auxílio do fibrobroncoscópio torna o método
mais fácil e seguro. Se a qualquer momento houver dificuldade ou o paciente instabilizar, a
intubação deve ter prioridade sobre a tentativa de recanulação (21, 34, 44).
CÂNULAS DE TRAQUEOSTOMIAS
As cânulas de traqueostomia podem ser de plástico polivinil cloreto (PVC), de
silicone, de PVC siliconadas ou de metal (prata ou aço inoxidável). Podem ser com ou sem
balonete, fenestradas ou não. Algumas incluem aspiração subglótica (aspira conteúdo
represado acima do balonete). As especificações incluem o diâmetro externo e interno e o
seu comprimento (angulado ou curvo, padrão, extra-longo ou com flange ajustável). As de
comprimento extra ajudam em paciente com pescoço maior, como nos obesos. Todas as
cânulas incluem um obturador que auxilia no momento da inserção. As cânulas podem ser
simples ou com endocânula (ou cânula interna, ou ―cânula dupla‖). A vantagem da
endocânula é facilitar a limpeza para evitar obstrução gradual. A desvantagem é o calibre
CONCLUSÃO
O uso da traqueostomia em pacientes críticos em UTI se mostrou uma ferramenta útil
para auxílio no desmame de pacientes da ventilação mecânica e no manejo das secreções.
Porém, não é um procedimento livre de complicações e a decanulação deve ser o objetivo
final no cuidado com o paciente traquestomizado, reduzindo complicações e melhorando a
qualidade de vida.
Ainda não há um protocolo padrão definido na literatura, sendo que as instituições
se pautam pela presença dos profissionais e recursos disponíveis. Porém, de modo geral,
todos avaliam certas características que podem predizer uma decanulação com sucesso:
nível de consciência adequado (ainda que adequado seja subjetivo e tenha ampla variação
nos protocolos), estabilidade hemodinâmica, padrão ventilatório adequado, quantidade
pequena de secreções e capacidade de manejá-las, tosse efetiva, deglutição adequada. Os
passos obrigatórios são a capacidade de tolerar a desinsuflação do balonete, trocando ou
não para cânulas sem balonete, e tolerar um período de oclusão da cânula. Independente
do protocolo utilizado, a sistematização da avaliação, preferencialmente com uma equipe
multidisciplinar dedicada e avaliações periódicas, acelerou o processo de decanulação e
reduziu complicações, tanto em ambiente de UTI como em enfermaria.
Portanto, o médico intensivista desempenha papel fundamental na melhoria dos cuidados do
paciente traqueostomizado egresso da UTI para ambiente de enfermaria e a remoção final
da cânula de traqueostomia deve ser encarada como um passo importante na recuperação
do doente crítico crônico.
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