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REVISTA BRASILEIRA DE
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
E AMBIENTAL
Volume 11 (02)
2021
ISSN 2237-4590
REVISTA BRASILEIRA DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA E AMBIENTAL
Publicação Científica da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
EDITORES
REVISORES
Adalberto Aurélio Azevedo – Consultor João Francisco Alves Silveira – Consultor
Alberto Pio Fiori – UFPR Jorge Kazuo Yamamoto – USP
Aline Freitas da Silva – DRM-RJ José Alcino Rodrigues de Carvalho – Univ. Nova de Lisboa (Port.)
Andrea Valli Nummer – UFSM José Augusto de Lollo – UNESP
Angelo José Consoni – TSAP José Domingos Gallas – USP
Antonio Cendrero – Univ. da Cantabria (Espanha) José Eduardo Zaine – UNESP
Antonio Manoel Santos Oliveira – UNG José Luiz Albuquerque Filho – IPT
Candido Bordeaux Rego Neto – IPUF Leandro Eugênio da Silva Cerri – Consultor
Carlos Geraldo Luz de Freitas – IPT Luis de Almeida Prado Bacellar – UFOP
Clovis Gonzatti – CIENTEC Luiz Fernando D’Agostino – SENAI
Denise de la Corte Bacci – USP Luiz Nishiyama – UFU
Diana Sarita Hamburger – UFABC Malva Andrea Mancuso – UFSM
Dirceu Pagotto Stein – Geoexec Marcelo Denser Monteiro – Metrô – SP / UAM
Edilson Pissato – USP Marcilene Dantas Ferreira – UFSCar
Eduardo Brandau Quitete – IPT Marcio A. Cunha – Consultor
Eduardo Goulart Collares – UEMG Maria Heloisa B.O. Frascá – Consultora
Emilio Velloso Barroso – UFRJ Marta Luzia de Souza – UEM
Eraldo L. Pastore – Consultor Nelson Meirim Coutinho – GEORIO
Fábio Soares Magalhães – Walm Engenharia Newton Moreira de Souza – UnB
Filipe Antonio Marques Falcetta – IPT Noris Costa Diniz -UnB
Flávio Almeida da Silva – Engecorps Reinaldo Lorandi – UFSCar
Frederico Garcia Sobreira – UFOP Renato Luiz Prado – USP
Ginaldo Campanha – USP Ricardo Vedovello – IG/SIMA
Helena Polivanov – UFRJ Yociteru Hasui – Consultor
Jair Santoro – IG/SIMA
APOIO EDITORIAL
Denise Amaral e Didiana Dórea
Volume 11 (02)
2021
ISSN 2237-4590
DIRETORIA ABGE GESTÃO 2021/2022
NÚCLEO SUL
Presidente: Erik Wunder
Conselho Deliberativo: Débora Lamberty, Adriana Ahrendt Talamini,
Mariano Badalotti Smaniotto, Malva A. Mancuso, Andréa V. Nummer,
Cezar Augusto Burkert Bastos, Adelir José Strieder e Karina Retzlaff Camargo.
NÚCLEO NORTE
Presidente: Dianne Danielle Farias Fonseca
Conselho Deliberativo: Milena Marília Nogueira de Andrade, Sheila Gatinho Teixeira,
Claudio Fabian Szlafsztein, Elton Rodrigo de Andretta,
Iris Celeste Nascimento Bandeira e José Sidney Barros.
SECRETARIA ABGE
Gerente Executiva: Luciana Marques
Analista Administrativa: Didiana Dórea
Estagiária Administrativa: Denise Amaral
ABGE Central
Av. Prof. Almeida Prado, 532 | Prédio 36 | Cidade Universitária | São Paulo – SP
Fones: (11) 3767-4361 | (11) 3719-0661
E-mail: abge@abge.org.br | Site: abge.org.br
APRESENTAÇÃO
Sejam todos bem-vindos à segunda edição de de publicações de periódicos técnicos entre 2010 a
2021 da RBGEA - Revista Brasileira de Geologia 2018 sobre a interface entre riscos geológicos, ris-
de Engenharia e Ambiental, a revista da ABGE. cos hidrológicos e planejamento urbano.
Nesta edição reunimos 5 artigos técnico-cien- Nesta edição, a RBGEA oferece também 3
tíficos que desenvolvem temas da estabilidade artigos compilados do workshop “Riscos Geoló-
de encostas naturais, da cartografia geotécnica, gicos: Regionalidade e Gestão”, promovido e or-
do planejamento urbano, dos processos de ero- ganizado pelos Núcleos Regionais da ABGE. No
são costeira e da geotecnia aplicada à mineração. trabalho apresentado por Souza, é feita uma dis-
Apesar desta ser a 2a edição de 2021, a reunião cussão dos instrumentos definidos como obriga-
destes temas não poderiam ter maior relevância, tórios pela Lei 12.608, voltados à gestão do risco
pertinência e tempestividade em função dos acon- e manejo dos desastres, analisando a abrangência
tecimentos vividos por toda a sociedade brasileira e aplicabilidade das informações e produtos que
no início de 2022. estão sendo gerados e entregues aos municípios
Blaudt e colaboradores publicam as caracte- brasileiros. Fernandes e Canello nos mostram os
rísticas petrográficas, estruturais e tecnológicas resultados da setorização de risco geológicos e hi-
das rochas que, junto com as condições climáticas drológicos nos estados de Goiás, Mato Grosso e
circunstanciais, contribuíram para a deflagração Mato Grosso do Sul, realizados pelo Serviço Geo-
do acidente ocorrido na cidade de Petrópolis (RJ) lógico do Brasil – CPRM, ao longo dos últimos
em novembro de 2016. Bitar e colaboradores nos dez anos. E finalmente, Parizzi nos fala sobre os
apresentam uma síntese do mapeamento de áreas condicionantes geológicos de escorregamentos,
suscetíveis a movimentos de massa e a inunda- enchentes e inundações no município de Belo Ho-
ções realizado na região que envolve os 174 mu- rizonte, Minas Gerais.
nicípios que integram a Macrometrópole Paulista. Na seção Nossa História, resgatamos o tra-
Teixeira e Bandeira dividem conosco a caracte- balho elaborado pelo geólogo Sérgio Brito (in me-
rização dos agentes e processos erosivos, a qual, morian) para a sua Conferência Especial ocorrida
junto à identificação dos tipos de ocupação antró- no 5° Congresso Brasileiro de Geologia de Enge-
pica, possibilitou diferenciar padrões de recuo de nharia, em São Paulo, em 1987. O título do traba-
linha de costa em 12 municípios do Pará. Noronha lho é “Desafios atuais do Geólogo de Engenharia
apresenta sua contribuição ao tema de seguran- no Brasil”, e nos dá a oportunidade de resgatar
ça de barragens de mineração, com a construção a história de importantes assuntos técnicos que
em ambiente SIG de um zoneamento da susceti- ainda hoje nos demandam atenção e cuidado.
bilidade a movimentos de massa no entorno das O comentário ao trabalho de Sérgio Brito é feito
barragens de mineração de Minas Gerais. Por fim, pelo geólogo João Jerônimo Monticeli, presidente
Raffaelli e Moretti mostram o resultado da análise da ABGE na gestão 2012-2013 e editor, junto com
geólogo Antônio Manuel dos Santos Oliveira, da raldo Magela Pereira com texto sobre “Projetos de
re-edição do livro Geologia de Engenharia e Am- Usinas Hidrelétricas”.
biental (2018). Ciente e ansioso pelo nosso próximo congres-
Na seção Contribuições e Reflexões, publi- so, o Corpo Editorial da RBGEA abre o espaço
camos importantes colaborações de profissionais para a Comissão Organizadora do 17° Congresso
e colegas de experiência indiscutível na geologia Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental.
aplicada à engenharia e ao meio ambiente. O geó- Participe de nossa revista enviando seu arti-
logo Álvaro Rodrigues dos Santos com sua “Pro- go técnico, seu texto de reflexão, seu comentário
posta de estruturação de um curso de Geologia ou sua sugestão para que possamos juntos fazer
de Engenharia”, o geólogo Fernando Kertzman, da RBGEA a revista de divulgação e integração
presidente da ABGE na gestão 2009-2011 com seu da Geologia de Engenharia e Ambiental no Brasil.
instigante “O Meio Ambiente merece respeito. Desejamos a todos uma ótima leitura.
Merece gestão. Merece soluções”, e o geólogo Ge-
O 17º CONGRESSO DE GEOLOGIA
DE ENGENHARIA E AMBIENTAL
A ABGE – Associação Brasileira de Geologia desenvolvido, etc. Algumas das maiores jazidas
de Engenharia e Ambiental realizará o 17º Con- brasileiras de ferro encontram-se na periferia ou
gresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e proximidade da capital no Quadrilátero Ferrífero
Ambiental, no período de 25 a 28 de setembro de e ainda diversas minas de ouro.
2022, no Mercure Lourdes Hotel, em Belo Hori- A construção civil é grande consumidora de
zonte, MG. A programação do 17º CBGE está sen- materiais de construção como brita advinda das
do cuidadosamente organizada, de modo a propi- pedreiras de gnaisse ou calcário, e areia prove-
ciar um ambiente produtivo de discussões e troca niente de aluviões e terraços das bacias hidrográ-
de experiências entre pesquisadores de institui- ficas do São Francisco e do Rio Doce. Ocorrem
ções de ensino e pesquisa, profissionais das áreas importantes depósitos de calcários utilizados na
técnicas, gestores públicos e demais membros da fabricação de cimento, brita e cal, para fins si-
comunidade técnico-científica. derúrgicos e, principalmente, como insumos na
A Região Metropolitana de Belo Horizonte agricultura como corretivo de solo.
caracteriza-se por três importantes domínios geo- A expansão urbana é acompanhada por de-
lógicos e geomorfológicos: A Depressão Periférica manda crescente em estudos e investimentos na
do São Francisco, onde o relevo foi esculpido em área de Geotecnia, Geologia de Engenharia e Meio
rochas granito-gnáissicas e em rochas do Grupo Ambiente. Desastres relacionados aos processos
Bambuí, destacando-se o relevo cárstico de extre- de movimento de massa, hidrológicos, cársticos,
ma beleza, complexidade e fragilidade, O Quadri- decorrentes das atividades urbanas e minerárias,
látero Ferrífero um dos mais importantes centros infelizmente, têm marcado a região, tais como
mineradores do país onde ocorrem rochas do Su- rupturas de barragens de rejeito, inundações e
per Grupo Minas e Super Grupo Rio das Velhas deslizamentos. Por outro lado, muito tem sido fei-
e as exuberantes serras, patamares e escarpas do to no sentido de busca de soluções seguras tanto
Cipó com as rochas do Supergrupo Espinhaço. do ponto de vista tecnológico quanto social.
Belo Horizonte, sede do governo de Minas O 17º Congresso Brasileiro de Geologia de
Gerais, apresenta em toda a região metropolitana Engenharia Ambiental em BH proporcionará o
aspectos diversos que justificam estudos nas áreas reencontro da comunidade da ABGE, após dois
de Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio anos de isolamento, distanciamento, e muita
Ambiente. Em nível nacional é a terceira capital preocupação e sofrimento devido à pandemia.
brasileira em população. Centro bastante desen- Uma grande oportunidade para debatermos os
volvido conta com infraestrutura digna de seu grandes desafios da Geologia de Engenharia no
porte. A vocação mineral de Minas Gerais com mundo, no Brasil e em Minas Gerais. Serão dez
jazidas de ferro propicia a montagem de parques simpósios discutindo sobre as temáticas de Edu-
industriais com siderúrgicas, comércio bastante cação, Gestão de Cidades, Grandes Obras, Inves-
O 17º CONGRESSO DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA E AMBIENTAL
Comissão Organizadora e
Técnica Científica do 17º CBGE
SUMÁRIO
4 APRESENTAÇÃO
ARTIGOS CIENTÍFICOS
NOSSA HISTÓRIA
CONTRIBUIÇÕES E REFLEXÕES
RUBEM PORTO JR
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Seropédica, Rio de Janeiro, Brasil
rubempjr@gmail.com
YURI GARIN
Prefeitura de Petrópolis
Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil
ygarin@geologia.ufrj.br
RESUMO ABSTRACT
Movimentos de massa em maciços rochosos são co- Mass movements in rocky massifs are common in the
muns nas cidades serranas do Brasil e reconhecer quais mountainous cities in Brazil and recognizing which
fatores determinam a sua ocorrência é de grande im- factors determine their occurrence is very important
portância para a segurança das populações que vivem for the safety of the populations living in risk areas.
em áreas de risco. O objetivo deste artigo é levantar as The purpose of this paper is to survey the geological
características geológicas que contribuíram para a de- features that contributed to the deflagration of the ac-
flagração do acidente ocorrido na Pedra do Quitandi- cident occurred in Quitandinha Massif in November
nha em novembro de 2016 e que atingiu residências na 2016 and that reached some residences in Uruguai
Rua Uruguai, cidade de Petrópolis, Rio de Janeiro, Bra- Street, Petrópolis city, Rio de Janeiro, Brazil. The pe-
sil. Foram determinadas as características petrográfi- trographic, structural and technological features of the
cas, estruturais e tecnológicas das rochas do maciço em massif were determined, in addition to the interactions
questão, além das interações entre essas características between these features and the region’s climate. The
e o clima da região. Os resultados obtidos podem ser results can be applied as a basis for studies in other
aplicados como base para estudos em outros maciços rocky massifs that exist in similar climatic and geomor-
rochosos existentes em situações climáticas e geomor- phological situations.
fológicas semelhantes.
Keywords: mass movements; rock fall; landslides; geo-
Palavras-chave: movimentos de massa, queda de blo- logical risk
cos; escorregamentos; risco geológico
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
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CONDICIONANTES GEOLÓGICAS DE MOVIMENTOS DE MASSA EM MACIÇOS ROCHOSOS
do como Tropical de Altitude, com pluviosidade do Rio de Janeiro, e as áreas de vegetação originais
média anual acima de 2.500 mm e temperaturas diminuíram em 57% (Guerra et al., 2007). A ocupa-
médias inferiores a 18ºC no inverno e pouco supe- ção irregular das encostas, acentuada a partir das
riores a 21ºC no verão. As chuvas se concentram décadas de 1970 e 1980, oferece grande risco para
de outubro a março, com médias pluviométricas a população de Petrópolis. A condição socioeco-
mensais de cerca de 300 mm (Guerra et al., 2007). nômica dos residentes dessas áreas também é um
A cidade de Petrópolis é drenada pelo Rio fator relevante para a condição de risco. Em geral,
Piabanha, que possui cerca de 80 km de extensão os moradores possuem baixo poder aquisitivo e
e uma área de drenagem de 2.065 km² e é um dos isso implica em baixo padrão construtivo, uso de
principais afluentes do Rio Paraíba do Sul. Os dois materiais impróprios, falta de acompanhamento
principais afluentes do Rio Piabanha na cidade de técnico e uso de técnicas inadequadas (Guerra et
Petrópolis são os rios Palatinado e Quitandinha al., 2007).
(IBGE, 2017). A combinação de obras realizadas O movimento de massa gravitacional (MMG)
nos canais, assoreamento dos leitos e o escoamen- aqui estudado ocorreu às 22h40min do dia 14 de
to rápido das águas, que ocorre por conta das en- novembro de 2016, no Bairro Quitandinha, Petró-
costas íngremes e urbanizadas, gera inundações polis, especificamente entre as residências nº70 e
frequentes em episódios de chuvas intensas. nº199 da Rua Uruguai (Figura 1). O material mo-
Entre 1985 e 2004 ocorreu um aumento de bilizado atingiu um compartimento de água res-
45% da área urbana de Petrópolis, principalmente ponsável pelo abastecimento do bairro, quatro
ao longo dos eixos rodoviários de acesso à cidade casas e levou duas pessoas a óbito (Figura 2).
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
(a) (b)
Figura 2. Em (a), residências existentes na Rua Uruguai antes do deslizamento; em (b), residências atingidas pelo deslizamen-
to. Fotos cedidas pelo Departamento Técnico da Defesa Civil de Petrópolis (DT-SDCAV).
Os estudos realizados pelos técnicos da Pre- re, foi desacelerado pelo impacto com os materiais
feitura de Petrópolis o caracterizaram como um do depósito de tálus, com as próprias residências
deslizamento planar de lascas e blocos rochosos, destruídas e com o platô formado pela Rua Uru-
que se iniciou no terço superior da encosta. O mo- guai (Figura 3a). A expansão lateral do material
vimento foi do tipo queda livre até atingir o plano foi limitada pela existência de um grande bloco
inclinado do depósito de tálus, onde se encontra- rochoso na lateral direita da encosta, concentran-
vam as residências atingidas (Relatório DRM-RJ, do o fluxo de blocos na área das residências des-
2016). O material mobilizado, formado por solo truídas (Figura 3b).
areno-argiloso, blocos de rocha e troncos de árvo-
(a) (b)
Figura 3. (a) Imagem aérea da Rua Uruguai e das residências atingidas; observar que o material não ultrapassa o platô formado
pela rua; (b) À direita da figura, bloco rochosos que limitou a expansão lateral do movimento. Fotos cedidas pelo DT-SDCAV.
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CONDICIONANTES GEOLÓGICAS DE MOVIMENTOS DE MASSA EM MACIÇOS ROCHOSOS
A encosta, da Rua Uruguai até o seu topo, principalmente entre os dias 12 e 14, gerando uma
apresenta cerca de 160 metros de altura e inclina- média antecedente de cerca de 270 mm. Apesar
ção média de 43º, sendo que na área de origem do de os dados do pluviômetro mais próximo (Rua
evento a inclinação é de 66º, na área de transporte Amazonas-Quitandinha, CEMADEN) não terem
é de 48º e na área de deposição é de 21º (Figura 4). registrado precipitações significativas no momen-
O acidente ocorreu durante a passagem de to do acidente, o acumulado de 24 horas foi de
uma frente fria pelo Estado do Rio de Janeiro, que 112,8 mm para o dia 13/11 e o acumulado mensal
provocou chuvas contínuas no mês de novembro, foi de 383,6 mm (Figura 5)
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Após o acidente foram realizadas vistorias estruturais e tecnológicas do maciço, além da re-
pela Defesa Civil e pelo DRM-RJ (Departamen- cuperação de dados e imagens da Defesa Civil do
to de Recursos Minerais – RJ) a fim de avaliar o município de Petrópolis.
risco remanescente de outras movimentações na Nos trabalhos de campo foram feitas obser-
área atingida e de outros deslizamentos nas áreas vações quanto à litologia existente e de seu padrão
adjacentes, definindo a necessidade de interdição estrutural, obtendo-se dados como medidas de di-
das residências vizinhas (Relatórios de Ocorrên- reção e mergulho das fraturas, descrições sobre a
cia SDCAV nº 32759, 32769 e 32869). As medidas composição mineralógica e as características tex-
emergenciais realizadas foram a desobstrução da turais das rochas. Também foram observadas as
Rua Uruguai e a interdição das residências inse- características de alterações intempéricas quími-
ridas na área de risco remanescente (Relatório cas e físicas da rocha e das fraturas que ocorrem
DRM-RJ, 2016). O material mobilizado pelo aci- no maciço. Por conta das dificuldades de acesso
dente foi utilizado para a construção de um di- ao terreno, não foi possível observar com detalhes
que de blocos na área das residências atingidas, as relações de contato entre os dois tipos de ro-
amparando possíveis quedas de outros blocos chas presentes no maciço. Foi realizada amostra-
(Figura 6). gem de rochas com diferentes graus aparentes de
alteração para serem analisadas em laboratório.
As análises laboratoriais foram divididas em
três etapas: 1) análise macroscópia e microscópi-
ca dos litotipos para determinar as características
mineralógicas, texturais e de alteração das rochas,
além de realizar a sua classificação; 2) análise dos
dados estruturais através dos softwares Stereonet
9.2.3 e Stereo 32 1.0.1, para determinar as famílias
de direções preferenciais das fraturas existentes
no maciço e; 3) testes de Ultrassom e Esclerômetro
de Schmidt, com o objetivo de determinar o grau
de alteração das rochas que se desprenderam no
Figura 6. Dique construído com o material rochoso que desli- movimento.
zou da encosta. Fotos cedidas pelo DT-SDCAV.
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CONDICIONANTES GEOLÓGICAS DE MOVIMENTOS DE MASSA EM MACIÇOS ROCHOSOS
Para a caracterização dos litotipos ocorren- arredondados e zircão. O segundo tipo é reconhe-
tes na área estudada foram coletadas amostras cido como grãos anédricos a subédricos tabula-
de rocha na trilha que acessa o topo da Pedra do res/prismáticos, variando de 1 a 2 mm. Nesses
Quitandinha e amostras do dique de contenção da grãos a geminação é muito fraca ou ausente e a
Rua Uruguai. No maciço foram identificados dois alteração é leve, podendo ocorrer apenas nos seus
tipos de rocha: um gnaisse homogêneo e veios de núcleos ou nos planos de clivagem e nas fraturas
pegmatito, sendo o primeiro predominante. (Figura 10). Podem ocorrer inclusões de zircão.
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
pleocroísmo fraco de castanho para marrom-escu- gura 17) e os grãos menores são anédricos (Figura
ro (Figura 16). Ambas as variações se encontram 18). Em relação aos minerais acessórios, zircão e
orientadas nos aglomerados de minerais máficos. apatita ocorrem inclusos em outros minerais e os
A titanita ocorre como grãos de 0,5 a 1 mm. minerais opacos, que são escassos, ocorrem prin-
Em geral os grãos maiores são subédricos de há- cipalmente associados aos grãos de biotita.
bito rômbico e estão intensamente fraturados (Fi-
Figura 9. Grão de plagioclásio tabular de aproximadamente 1 Figura 10. Grão de plagioclásio de hábito tabular com apro-
mm, pouco alterado, com geminação visível e com inclusões ximadamente 1 mm. Sua geminação é mais difícil de ser
de quartzo arredondado. identificada.
Figura 11. Grão de microclina de aproximadamente 1 mm Figura 12. Grão de microclina de hábito prismático e aproxi-
e hábito tabular. Suas bordas estão corroídas por grãos de madamente 1 mm. Suas bordas estão modificadas por grãos
quartzo arredondados. de quartzo e hornblenda e ocorre inclusão de biotita.
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CONDICIONANTES GEOLÓGICAS DE MOVIMENTOS DE MASSA EM MACIÇOS ROCHOSOS
Figura 13. Grão de quartzo intersticial, anédrico e com apro- Figura 14. Aglomerado de minerais máficos com hornblenda,
ximadamente 1,5 mm. Apresenta extinção ondulante. biotita e titanita. Grãos de hornblenda anédricos de aproxi-
madamente 0,5 mm.
Figura 15. Aglomerado de grãos de biotita pouco ou nada Figura 16. Grãos de biotita alterados, de hábito tabular e
alterados, de aproximadamente 0,5 mm e hábito tabular. aproximadamente 1 mm. Apresentam pleocroísmo muito
fraco de castanho para marrom-escuro.
Figura 17. Grãos de titanita intensamente fraturados, de Figura 18. Grãos de titanita anédricos com menos de 0,5 mm,
aproximadamente 1 mm e hábito rômbico. em aglomerado máfico.
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
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CONDICIONANTES GEOLÓGICAS DE MOVIMENTOS DE MASSA EM MACIÇOS ROCHOSOS
4.2.1 Fraturas tectônicas formam blocos que são encontrados na área. Uma
característica muito notável em relação às fraturas
Nos afloramentos visitados foi possível é a sua abertura, que varia de poucos centímetros
identificar dois conjuntos principais de fraturas até aproximadamente um metro (Figura 22), per-
tectônicas, um com orientação N-S e outro com mitindo inclusive o crescimento de vegetação (Fi-
orientação E-W. Esses dois padrões se cruzam e gura 23).
Figura 22. Fraturas tectônicas com abertura de aproximada- Figura 23. Crescimento de vegetação em fratura tectônica
mente 1 metro no topo da Pedra do Quitandinha. Observar com abertura de cerca de 20 centímetros.
também a formação de blocos pela interseção das fraturas.
A partir da avaliação dos dados de orientação é a N-S, apresentando mergulho moderado a ele-
coletados em campo, foram definidas quatro dire- vado (50º-80º) tanto para E quanto para W. As di-
ções preferenciais de fraturas tectônicas (Tabela reções menos frequentes são a direção NE-SW, de
1). A direção mais frequente é a E-W, que apre- mergulho moderado a elevado (60º-80º) para SE
senta mergulho elevado (70º-90º) tanto para N e a direção NNW-SSE, de mergulho moderado a
quanto para S. A segunda direção mais frequente elevado (60º-80º) para NE (Figura 24).
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
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CONDICIONANTES GEOLÓGICAS DE MOVIMENTOS DE MASSA EM MACIÇOS ROCHOSOS
Figura 27. Gráfico de frequência dos valores de sentido de mergulho das fraturas de alívio.
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Por definição, onda é uma perturbação que se As análises foram realizadas nas quatro
propaga através de um meio, transmitindo ener- amostras considerando suas diferentes direções
gia sem transportar matéria (Medeiros, 2007). As (Figura 29) e os resultados estão apresentados na
ondas podem ser classificadas quanto à natureza Tabela 6.
em eletromagnéticas, que se propagam tanto no
vácuo quanto em todos os materiais, e mecânicas,
que necessitam de um meio para se propagar. As
ondas sonoras são classificadas como ondas me-
cânicas e podem ser diferenciadas de acordo com
suas frequências em ondas subsônicas (frequên-
cias de até 16 Hz), ondas sônicas (frequências en-
tre 16 Hz e 20 Hz) e ondas ultrassônicas (frequên-
cias entre 20 Hz e 1000 MHz) (Medeiros, 2007).
A velocidade das ondas depende principal-
Figura 29. Bloco diagrama representativo das três direções
mente do meio de propagação, sendo maior nos
de análise realizadas no Ensaio de Ultrassom: Direção 1 (ver-
sólidos e menor nos líquidos e gases. A velocida- melho), Direção 2 (amarelo) e Direção 3 (verde).
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CONDICIONANTES GEOLÓGICAS DE MOVIMENTOS DE MASSA EM MACIÇOS ROCHOSOS
Tabela 6. Resultado das análises de ultrassom realizadas em sã, enquanto as direções 2 e 3 apresentaram ve-
diferentes direções nas amostras coletadas em campo.
locidades compatíveis com a classe de rocha mo-
deradamente alterada. Uma possível explicação
Valor medido Valor médio
Direção
(m/s) (m/s)
Classificação para isto é a característica anisotrópica da rocha,
Amostra 1 com orientação dos cristais de microclina segun-
1 5246 do a direção 1.
5363 Rocha sã
2 5481
Amostra 2
1 4523
4.3.3 Esclerômetro de Schmidt
2 4407 Rocha
4367 suavemente O Esclerômetro de Schmidt é um equipamen-
2.1 4109 alterada
to que mede a dureza superficial de um material
3 4430
rochoso e a correlaciona com a sua resistência à
Amostra 3
compressão. O ensaio, caracterizado como não
1 3053
Rocha destrutivo, é utilizado para determinar proprie-
2 3577 3587 moderadamente
3 4130
alterada dades das rochas, concreto, asfalto, argamassa e
Amostra 4
outros materiais (Brandi et al., 2015).
1 5641
O princípio mecânico de funcionamento do
Rocha
2 3716 4447 suavemente
esclerômetro é a liberação de um pistão sustenta-
3 3984
alterada do por uma mola sobre uma superfície. A ener-
gia de impacto do pistão na superfície é em parte
devolvida ao martelo, promovendo seu rebote. O
A partir da observação dos resultados das valor do rebote do pistão representa a resistência
análises realizadas, é possível caracterizar um au- da superfície ao impacto (Brandi et al., 2015). O
mento progressivo do grau de alteração da Amos- valor de rebote é uma consequência das proprie-
tra 1 para a Amostra 3, representado pela dimi- dades do material, como elasticidade, resistência
nuição na velocidade de propagação das ondas e dureza, e pode ser relacionado ao coeficiente
ultrassônicas (Figura 30). de compressão uniaxial através de um gráfico de
conversão.
Em geral, rochas pouco alteradas apresen-
tam valores maiores de resistência à compressão
uniaxial, quando comparadas a rochas alteradas
de mesma composição ou de composições simi-
lares, resultado de sua maior resistência mecâni-
ca. As rochas mais alteradas apresentam valores
progressivamente menores de resistência, reflexo
da perda das suas propriedades mecânicas pelo
processo de intemperismo.
Figura 30. Gráfico do valor médio de velocidade ultrassôni- Para determinar a resistência à compressão
ca, em m/s, para cada amostra analisada. uniaxial das rochas envolvidas no acidente da
Rua Uruguai, foram realizados dez testes em cada
A amostra de pegmatito apresentou diferen-
uma das quatro amostras. Os valores de rebote es-
ças consideráveis de velocidade de propagação
tão apresentados na tabela a seguir:
das ondas para cada direção. A direção 1 apresen-
tou velocidade compatível com a classe de rocha
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
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CONDICIONANTES GEOLÓGICAS DE MOVIMENTOS DE MASSA EM MACIÇOS ROCHOSOS
Figura 34. Comparação dos resultados das análises tecnológicas para as amostras do biotita-hornblenda gnaisse
A associação de uma rocha intensamente fra- O padrão que levou à ocorrência do movi-
turada, e cada vez menos resistente, com uma en- mento de massa na Rua Uruguai se repete por
costa muito inclinada, gera grande instabilidade e toda a encosta da Pedra do Quitandinha, onde
risco. Com tanta instabilidade latente, bastou um ainda existem diversas residências que poderiam
grande volume de chuva acumulado para que a ser atingidas por novos deslizamentos, o que de-
força da gravidade superasse a coesão e a resis- manda ações objetivas e atenção ao problema por
tência da rocha e o deslizamento acontecesse. parte dos órgãos competentes.
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MAPEAMENTO DE ÁREAS
SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS
GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES
NA REGIÃO DA MACROMETRÓPOLE PAULISTA
MAPPING OF AREAS SUSCEPTIBLE TO GRAVITATIONAL MASS MOVEMENTS AND
FLOODS IN THE “MACROMETRÓPOLE PAULISTA” REGION
NIVALDO PAULON
Tecnólogo, Pesquisador do IPT, nivaipt@ipt.br.
RESUMO ABSTRACT
Este artigo sintetiza os resultados finais dos trabalhos This article summarizes the final results of the mapping
de mapeamento de áreas suscetíveis a movimentos of areas susceptible to gravitational mass movements
gravitacionais de massa e inundações efetuados na re- and floods in the “Macrometrópole Paulista” region,
gião da Macrometrópole Paulista, que compreende 174 which comprises 174 municipalities in the São Paulo
municípios do Estado de São Paulo. Os trabalhos de State. The mapping work was carried out between 2014
mapeamento foram realizados entre 2013 e 2020, por and 2020, through a partnership between the Geologi-
meio de parceria entre o Serviço Geológico do Brasil cal Service of Brazil and the Institute for Technological
e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de Research of the São Paulo State, in view of the imple-
São Paulo, em vista da implantação da Política Nacio- mentation of the National Policy for Protection and Ci-
nal de Proteção e Defesa Civil e da execução do Plano vil Defense and the execution of the National Plan for
Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Risk Management and Response to Natural Disasters,
Naturais, bem como do Programa Estadual de Preven- as well as the State Program for Natural Disaster Pre-
ção de Desastres Naturais e de Redução de Riscos do vention and Risk Reduction of the São Paulo State. The
Estado de São Paulo. O objetivo geral do mapeamento main goal of the mapping is to elaborate the cartogra-
realizado é o de elaborar o zoneamento cartográfico phic zoning of the distinct susceptibilities to geological
das distintas suscetibilidades a processos geológicos e and hydrological processes that occur in the “Macro-
hidrológicos que ocorrem na Macrometrópole Paulis- metrópole of São Paulo”. The methods employed in
ta. Os métodos empregados na elaboração das cartas the elaboration of the susceptibility maps consider the
de suscetibilidade geradas consideraram os principais main physical environment processes occurring in the
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
processos do meio físico incidentes na região, analisa- region, analyzed from the compilation, treatment and
dos a partir da compilação, tratamento e integração integration of geological, geomorphological, hydrolo-
de dados geológicos, geomorfológicos, hidrológicos gical data and other material previously available or
e outros materiais previamente disponíveis ou obti- obtained during the work, using computer modeling
dos durante os trabalhos, utilizando-se modelagens and field verification. The results comprise the classi-
computacionais e verificação de campo. Os resultados fication of the territory of each municipality in zones
obtidos compreendem a classificação do território de of high, medium and low susceptibility, according to
cada município da região em zonas de alta, média e two basic sets of processes: landslide, creep and rock
baixa suscetibilidade, segundo dois conjuntos básicos fall; and flooding. It also points out the drainage basins
de processos: deslizamento, rastejo e queda de bloco; e susceptible to the generation of debris flow and flash
inundação e/ou alagamento. Apontam-se também as flood. The synthesis of susceptibility map also contains
bacias de drenagem suscetíveis à geração de corrida de features correlated to the processes mapped in the site,
massa e enxurrada. A carta síntese de suscetibilidade as well as indicators that allow us to estimate the inci-
elaborada contém, ainda, feições correlatas aos proces- dence in area relative to each class in the municipality.
sos mapeados, bem como indicadores que propiciam At the end, conclusions and general recommendations
estimar a incidência em área referente a cada classe no are presented for the use of the susceptibility maps
município. Ao final, apresentam-se conclusões sobre os produced, both by municipal administrations and for
trabalhos realizados e recomendações gerais para uti- regional planning purposes.
lização das cartas de suscetibilidade produzidas, tanto
por parte das administrações municipais quanto no Keywords: susceptibility map; geotechnical map; Ma-
planejamento regional. cro metropolitan region of Sao Paulo.
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MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES
O Plano Nacional de Gestão de Riscos e Res- Bitar (2014), Bitar e Silva (2015), Bitar et al. (2018)
posta a Desastres Naturais (PNGRRDN – BRA- e Bitar (2019). Os dados aqui sintetizados incluem
SIL, 2013) deflagrou a elaboração de cartas de ajustes pontuais em relação aos mapeamentos
suscetibilidade em diferentes regiões do País, parciais citados e que contemplam municípios
sob a coordenação do Serviço Geológico do Bra- da Macrometrópole Paulista, efetuados durante a
sil (CPRM). Para o desenvolvimento das cartas, consolidação dos resultados gerais. Os trabalhos
a CPRM estabeleceu parceria com o Instituto de de mapeamento de áreas suscetíveis na Macrome-
Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo trópole Paulista foram executados pelo IPT (144
(IPT). As premissas para a elaboração das cartas municípios) e CPRM (30 municípios), com apoio
de suscetibilidade compreenderam a formulação da Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa
de um modelo de mapeamento que propiciasse a Civil (CEPDEC/SP) e das prefeituras dos municí-
aplicabilidade nacional, com as adaptações neces- pios mapeados.
sárias a cada região, bem como a comparabilidade
entre os municípios mapeados, com padronização
dos produtos elaborados e, ainda, objetividade no
2 A REGIÃO DA MACROMETRÓPOLE
atendimento às diretrizes da PNPDEC e ações do PAULISTA
PNGRRDN, disponibilizando quanto antes os re-
A região da Macrometrópole Paulista foi pro-
sultados aos municípios. Desde 2013, mais de 600
posta originalmente em 2014 pela Empresa Pau-
municípios foram mapeados no País, cujos dados
lista de Planejamento Metropolitano, em seu Pla-
completos têm sido progressivamente incluídos
no de Ação da Macrometrópole Paulista voltado
no acervo digital da CPRM (2021) para acesso
ao ano de 2040, como ferramenta de planejamento
público.
de longo prazo para dar suporte à formulação e
No caso do Estado de São Paulo (ESP), após
implementação de políticas públicas integradas e
a execução dos primeiros mapeamentos, estabele-
às ações de governo no conjunto das regiões me-
ceu-se a meta de completar os municípios da re-
tropolitanas e aglomerações urbanas contíguas e
gião da Macrometrópole Paulista, no âmbito do
instituídas legalmente no ESP. Abrange um ter-
Programa Estadual de Prevenção de Desastres
ritório com 53 mil km2 (21,5 % do total do ESP),
Naturais e de Redução de Riscos (PDN – criado
compreendendo 50 % da área urbanizada, 74,6 %
inicialmente pelo Decreto Estadual 57.512/2011
da população residente, 82,8 % do Produto Inter-
e reorganizado posteriormente pelo Decreto Es-
no Bruto (PIB) e, ainda, um contingente popula-
tadual 64.673/2019). A Macrometrópole Paulista
cional com aproximadamente 2,68 milhões de ha-
compreende a região do ESP onde os problemas
bitantes vivendo em assentamentos habitacionais
associados a deslizamentos e inundações tendem
considerados precários ou subnormais (EMPLA-
a afetar de maneira o desenvolvimento econômi-
SA, 2018).
co, social e ambiental de maneira significativa,
A Macrometrópole Paulista considerada nos
especialmente quanto à urbanização, infraestru-
trabalhos de mapeamento de áreas suscetíveis re-
tura e industrialização, sendo importante o co-
portados neste artigo contempla 174 municípios,
nhecimento das áreas suscetíveis para auxiliar as
distribuídos em oito sub-regiões nucleadas por ci-
administrações locais e regionais em suas ações
dades que apresentam dimensões populacionais e
preventivas referentes ao uso e ocupação do solo.
de urbanização de médio a grande porte: Aglome-
Este artigo apresenta breve síntese dos re-
ração Urbana de Jundiaí; Aglomeração Urbana de
sultados finais obtidos acerca do mapeamento de
Piracicaba; Micro Região Bragantina; Região Me-
áreas suscetíveis a movimentos gravitacionais de
tropolitana de Campinas; Região Metropolitana
massa e inundações realizados na totalidade dos
de Sorocaba; Região Metropolitana de São Paulo;
174 municípios que compõem a Macrometrópo-
Região Metropolitana da Baixada Santista; e Re-
le Paulista, entre 2013 e 2020. Resultados parciais
gião Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral
sobre a evolução dos mapeamentos realizados
Norte (Figura 1 e Tabela 1).
nessa região, bem como em outras do ESP e do
País, foram apresentados e discutidos em Silva e
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Tabela 1. Sub-regiões e quantidade de municípios da Macro- Convém salientar que, durante o ano de 2021,
metrópole Paulista.
a configuração geral das regiões metropolitanas e
aglomerações urbanas do ESP se encontrava em
Quantidade de
Sub-região
municípios processo de discussão e mudanças no âmbito
Aglomeração Urbana de Jundiaí (AUJ) 7 do legislativo estadual, com prováveis reflexos
à composição da Macrometrópole Paulista. Não
Aglomeração Urbana de Piracicaba (AUP) 23
obstante, dado que os mapeamentos reportados
Micro Região Bragantina (MRB) 10
neste estudo se referem ao período 2013 a 2020,
Região Metropolitana da Baixada Santista as sub-regiões contempladas pelos mapeamentos
9
(RMBS)
realizados se referem à composição expressa na
Região Metropolitana de Campinas (RMC) 20
Figura 1.
Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) 39
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MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
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MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES
Quadro 1. Fatores predisponentes e parâmetros considerados no mapeamento de áreas suscetíveis na Macrometrópole Pau-
lista, de acordo com o tipo de processo do meio físico.
Movimentos • Rastejo: presença de feições locais correspondentes (depósitos de acu- • Alta, média ou baixa,
gravitacionais de massa mulação em sopé de encosta, depósitos de tálus, depósitos coluvionares conforme a classe a
(exceto corrida de massa) e outras), indicativas de suscetibilidade ao processo deslizamento
• Queda de rocha: presença de feições locais correspondentes (campo de • Alta, média ou baixa,
blocos rochosos, paredão rochoso e outras), indicativas de suscetibili- conforme a classe a
dade ao processo deslizamento
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
mesmo de outros processos não abordados num Nesse contexto, ressalta-se a incidência de
dado município, podem ser agregados à medida áreas suscetíveis a deslizamento, a inundação e/
que haja disponibilidade das informações corres- ou alagamento e a corrida de massa e/ou enxur-
pondentes, uma vez que a base de dados digitais rada, discutindo-se a seguir, de maneira breve e
produzida encontra-se em SIG. comparativa, os resultados obtidos em relação às
A utilização dos métodos e técnicas em di- oito sub-regiões mapeadas. No caso de corrida
ferentes regiões do País foi discutida em Silva e de massa e/ou enxurrada, a incidência é destaca-
Bitar (2015), que ressaltam a compatibilidade re- da em relação às bacias de drenagem suscetíveis
lativamente maior entre as cartas elaboradas nas à geração dos dois processos conjuntamente ou
regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste do apenas a enxurrada. As abrangências territoriais
Brasil, sobretudo em relação aos dados e informa- consideradas se referem à área municipal total e
ções observados durante a realização dos traba- à área urbanizada e/ou edificada, a qual engloba
lhos de verificação e validação de campo. Dificul- também as ocupações situadas além da zona ur-
dades específicas foram encontradas em relação bana central (onde geralmente se localiza a sede
às aplicações dos métodos e técnicas em municí- municipal), ou seja, distritos, bairros e povoados
pios da região Norte, denotadas particularmente mais afastados, além de pequenas aglomerações
pela ausência de dados básicos compatíveis com a de edificações localizadas em zonas rurais. Cada
escala de trabalho adotada e pelos tipos de mode- classe de suscetibilidade é acompanhada de indi-
los digitais de elevação disponíveis, requerendo cadores que apresentam uma estimativa acerca da
adaptações e complementações para geração de incidência dos processos no território municipal.
produtos que se aproximassem mais da realidade A composição das cartas municipais em cada sub-
observada durante os trabalhos de campo. -região possibilita a comparação dessa incidência
no âmbito regional da Macrometrópole Paulista,
bem como entre as sub-regiões mapeadas.
5 RESULTADOS GERAIS OBTIDOS E
DISCUSSÃO
5.1 Áreas suscetíveis a deslizamento
Os principais produtos gerados para cada
município da Macrometrópole Paulista com- Tendo em vista o mapeamento das áreas sus-
preendem uma carta síntese de suscetibilidade a cetíveis a deslizamento realizado (que pode in-
movimentos gravitacionais de massa e inunda- cluir, a depender de cada município, a suscetibi-
ções e uma base de dados digitais, organizadas lidade a processos de rastejo e de queda de rocha
em SIG. Essa base de dados contém todos os ma- mencionados), nota-se que a Região Metropolita-
pas temáticos e intermediários utilizados nos tra- na da Baixada Santista e a Região Metropolitana
balhos de mapeamento, bem como informações do Vale do Paraíba e Litoral Norte correspondem
referentes ao regime local de chuvas obtidas pela às sub-regiões que abrigam a incidência maior de
equipe de hidrologia da CPRM (PINTO, 2013). O zonas com alta suscetibilidade, em comparação às
formato geral e o conteúdo das cartas de suscetibi- demais sub-regiões mapeadas. Por outro lado, a
lidade foram gerados em padrão similar para cada Aglomeração Urbana de Piracicaba, Região Me-
um dos 174 municípios da Macrometrópole Pau- tropolitana de Campinas e Região Metropolitana
lista. As cartas de suscetibilidade foram produzi- de Sorocaba se destacam por apresentar maior
das com base na escala geográfica 1:25.000 e sua incidência de zonas com baixa suscetibilidade a
apresentação final (em formato de impressão A0 deslizamento. A Figura 2 apresenta um panora-
ou A1) pode estar nessa mesma escala ou mesmo ma ilustrativo da distribuição das três classes de
em outras escalas menores (1:50.000 ou 1:75.000, suscetibilidade a deslizamento, conforme identi-
por exemplo), a depender da dimensão territorial ficadas no território da Macrometrópole Paulista.
de cada município em vista de seu enquadramen-
to para fins de composição do chamado layout de
saída da carta síntese em formato PDF.
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MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES
Figura 2. Ilustração geral da incidência de áreas suscetíveis a deslizamento na Macrometrópole Paulista. A depender do mu-
nicípio, essa incidência pode incluir a suscetibilidade local a processos de rastejo e de queda de rocha. Fonte: IPT e CPRM.
Nesse aspecto, a Região Metropolitana da (10,33 %). Quanto à incidência específica de área
Baixada Santista se destaca por abrigar 30,67 % de urbanizada e/ou edificada situada em zona de
seu território em zonas com alta suscetibilidade alta suscetibilidade a deslizamento, a Região Me-
a deslizamento. A Região Metropolitana do Vale tropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte se
do Paraíba e Litoral Norte apresenta também um destaca novamente (2,53 %), seguida pela Região
valor significativo (22,65 %), enquanto a Região Metropolitana de São Paulo (1,80 %), Micro Re-
Metropolitana de São Paulo mostra uma incidên- gião Bragantina (1,25%) e Região Metropolitana
cia proporcionalmente menor em seu território da Baixada Santista (1,20 %) (Tabela 2).
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Tabela 2. Incidência específica de classes de suscetibilidade a deslizamento na Macrometrópole Paulista, segundo a abrangên-
cia territorial e a sub-região. Fonte: IPT e CPRM.
* refere-se ao total da área da sub-região correspondente, dado que as áreas em padrão de relevo representado por planícies aluviais e/ou
marinhas atuais e terraços fluviais e/ou marinhos antigos estão contabilizadas como áreas de baixa ou nula suscetibilidade a deslizamento.
Siglas: AUJ-Aglomeração Urbana de Jundiaí; AUP-Aglomeração Urbana de Piracicaba; MRB-Micro Região Bragantina; RMC-Região Metro-
politana de Campinas; RMS-Região Metropolitana de Sorocaba; RMSP-Região Metropolitana de São Paulo; RMBS-Região Metropolitana da
Baixada Santista; e RMVPLN-Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte.
5.2 Áreas suscetíveis a inundações e/ou e Litoral Norte, posicionada mais ao centro-norte
alagamentos da sub-região com direção aproximada NE-SW,
correspondente ao contexto do curso do rio Pa-
No que diz respeito a inundação e/ou alaga- raíba do Sul. Nas demais sub-regiões se podem
mento, tendo em conta exclusivamente o domínio notar ocorrências desse mesmo domínio suscetí-
de padrões de relevo de planícies aluviais e/ou vel a inundações e/ou alagamentos, porém em
marinhas e terraços fluviais e/ou marinhos susce- áreas mais restritas, excetuando-se o contexto dos
tíveis a esses processos (isoladamente ou em con- principais rios presentes em cada uma delas, cuja
junto), observa-se a incidência maior de alta sus- expressão em área tende a ser maior. A Figura 3
cetibilidade ao longo da Região Metropolitana da ilustra a distribuição territorial das classes de sus-
Baixada Santista (acompanhando a orla costeira) cetibilidade a inundação e/ou alagamento identi-
e em porção territorial também em formato alon- ficadas no território da Macrometrópole Paulista.
gado na Região Metropolitana do Vale do Paraíba
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MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES
Figura 3. Ilustração geral da incidência de áreas suscetíveis a inundação e/ou alagamento na Macrome-
trópole Paulista. Fonte: IPT e CPRM.
Quanto à incidência específica das distintas em zonas de suscetibilidade baixa, média e alta, a
classes de suscetibilidade (baixa, média e alta) a Região Metropolitana da Baixada Santista mostra
inundação e/ou alagamento, em relação à área 94,77 % dessa porção do seu território ocupado
municipal, a Região Metropolitana da Baixada nessa condição, seguida à distância pela Região
Santista (45,96 %) se destaca das demais sub-re- Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte
giões, considerando-se apenas o domínio de rele- e Região Metropolitana de São Paulo, respectiva-
vo de planícies e terraços. No que diz respeito à mente com 32,71 % e 17,53 % (Tabela 3).
porção de área urbanizada e/ou edificada situada
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Tabela 3. Incidência específica das classes de suscetibilidade a inundação e/ou alagamento no território da Macrometrópole
Paulista, de acordo com a abrangência territorial e a sub-região. Fonte: IPT e CPRM.
* Refere-se à soma das áreas em padrões de relevo de planícies aluviais e/ou marinhas e terraços fluviais e/ou marinhos.
** Refere-se à proporção de ocorrência desses mesmos padrões de relevo em relação à área total da sub-região.
Siglas: AUJ-Aglomeração Urbana de Jundiaí; AUP-Aglomeração Urbana de Piracicaba; MRB-Micro Região Bragantina; RMC-Região Metro-
politana de Campinas; RMS-Região Metropolitana de Sorocaba; RMSP-Região Metropolitana de São Paulo; RMBS-Região Metropolitana da
Baixada Santista; e RMVPLN-Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte.
5.3 Áreas suscetíveis a corrida de massa e/ Jundiaí (interface com as serras da Cantareira e do
ou enxurrada Japi) e sul da Região Metropolitana de Sorocaba
(interface com a serra de Paranapiacaba) denotam
Em relação ao panorama de bacias de drena- a incidência de bacias de drenagem particular-
gem com alta suscetibilidade a corrida de massa mente suscetíveis a enxurrada, assim como no oes-
e/ou enxurrada, observa-se incidência maior em te da Aglomeração Urbana de Piracicaba (serra do
áreas de serras e adjacências situadas ao longo da Itaqueri, onde se observam também porções loca-
faixa norte da Região Metropolitana da Baixada lizadas do território abrigando bacias suscetíveis
Santista (serra do Mar) e nas porções também a corrida de massa e/ou enxurrada) e no norte da
alongadas da Região Metropolitana do Vale do Região Metropolitana de São Paulo (serra da Can-
Paraíba e Litoral Norte situadas ao sul (serras do tareira). A Figura 4 ilustra a distribuição territorial
Mar e da Bocaina) e norte (serra da Mantiqueira), das bacias de drenagem com alta suscetibilidade a
que alcança a parte leste da Micro Região Bragan- corrida de massa e/ou enxurrada identificadas no
tina. As porções sul da Aglomeração Urbana de território da Macrometrópole Paulista.
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MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES
Figura 4. Ilustração da incidência de áreas suscetíveis a corrida de massa e/ou enxurrada na Macrometrópole
Paulista. Fonte: IPT e CPRM.
Nesse contexto, a Região Metropolitana da Região Bragantina se sobressai, com incidência es-
Baixada Santista e a Região Metropolitana do Vale pecífica de 19,72 %. Quanto à presença de área ur-
do Paraíba e Litoral Norte se destacam em rela- banizada e/ou edificada em bacias de drenagem
ção à incidência específica de bacias de drenagem com alta suscetibilidade à geração de corrida de
com alta suscetibilidade a esses dois processos massa e/ou enxurrada, a Micro Região Braganti-
nas áreas totais municipais, respectivamente com na apresenta 10,59 %, seguida pela Região Metro-
12,16 % e 10,01 %. No que se refere exclusivamen- politana do Vale do Paraíba e Litoral Norte com
te a bacias suscetíveis apenas a enxurrada, a Micro 5,38 %. (Tabela 4).
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Tabela 4. Incidência específica de classes de suscetibilidade a corrida de massa e/ou enxurrada na Macrometrópole Paulista,
segundo a abrangência territorial e a sub-região. Fonte: IPT e CPRM.
Siglas: AUJ-Aglomeração Urbana de Jundiaí; AUP-Aglomeração Urbana de Piracicaba; MRB-Micro Região Bragantina; RMC-Região Metro-
politana de Campinas; RMS-Região Metropolitana de Sorocaba; RMSP-Região Metropolitana de São Paulo; RMBS-Região Metropolitana da
Baixada Santista; e RMVPLN-Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte.
Não obstante, convém mencionar que o valor to e a corrida de massa e/ou enxurrada, nas oito
atribuído a Micro Região Bragantina encontra-se sub-regiões mapeadas na Macrometrópole Paulis-
bastante influenciado pela incidência maior refe- ta, encontra-se na Figura 5. Entre outros aspectos,
rente ao processo de enxurrada, considerado de observa-se que a Região Metropolitana da Baixa-
forma isolada, enquanto o da Região Metropolita- da Santista é a sub-região com incidência maior
na do Vale do Paraíba e Litoral Norte se deve tam- de áreas municipais em zonas com alta suscetibi-
bém à significativa extensão das áreas de bacias lidade aos processos considerados, em proporção
de drenagem que abrangem corrida de massa. ao seu território, seguida da Região Metropolitana
Entretanto, deve-se alertar que esses dados não do Vale do Paraíba e Litoral Norte, Região Metro-
contemplam as áreas passíveis de atingimento politana de São Paulo e Micro Região Bragantina.
em um cenário de um possível evento de corrida Por sua vez, a Região Metropolitana de Sorocaba
de massa e/ou de enxurrada deflagrado por chu- e a Região Metropolitana de Campinas se apre-
vas intensas e/ou extremas, refletindo apenas as sentam como as de incidência menor de áreas
áreas onde esses processos tendem a ser gerados municipais em zonas com alta suscetibilidade aos
nessas ocasiões. processos considerados, enquanto a Aglomeração
Urbana de Jundiaí e a Aglomeração Urbana de Pi-
racicaba se mostram em posições intermediárias.
5.4 Áreas suscetíveis ao conjunto de
processos considerados
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MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES
Figura 5. Ilustração da incidência geral de áreas suscetíveis a deslizamento, inundação e/ou alagamento
e corrida de massa e/ou enxurrada na Macrometrópole Paulista. Fonte: IPT e CPRM.
Ao se abordar essa incidência em áreas urba- do modo pelo qual essa ocupação venha a se de-
nizadas e/ou edificadas (Figura 6) e compará-la senvolver, como se observa hoje em muitos casos
em relação à Figura 5 anterior, na qual essa inci- onde se pode constatar o desacordo de obras em
dência não está representada, nota-se que grande relação a boas práticas de engenharia, bem como
parte delas se assenta sobre zonas com baixa sus- desprovidas do conhecimento prévio acerca das
cetibilidade a deslizamento, pressupondo-se con- suscetibilidades inerentes aos terrenos, podem ser
siderar que poucos problemas venham a ocorrer geradas situações de perigo e risco em nível local,
em relação ao uso e ocupação do solo. Entretanto, requerendo análises detalhadas visando gerir os
convém atentar para o fato de que, a depender prováveis problemas ocasionados.
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 6. Ilustração da incidência geral de áreas suscetíveis a deslizamento, inundação e/ou alagamento e cor-
rida de massa e/ou enxurrada na Macrometrópole Paulista, incluindo-se as áreas urbanizadas e/ou edificadas.
Fonte: IPT e CPRM.
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MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES
em áreas mais suscetíveis, bem como subsidiar o Não obstante, à medida que se identifiquem
licenciamento ambiental e a avaliação de impac- áreas de alta ou média suscetibilidade em coinci-
tos de empreendimentos de infraestrutura em dência com áreas urbanizadas e/ou edificadas, ou
âmbito local e regional. Ressalta-se que as cartas seja, em áreas ocupadas pela urbanização, há que
geradas não devem ser utilizadas para tomada de se considerar, nessas situações, eventual neces-
decisão em escala de projeto de engenharia, bem sidade de análises sistemáticas de perigo e risco
como para delimitação exata de zonas para fins de a realizar em escala local e em nível de detalhe.
formulação de normas de uso e ocupação do solo Essas análises podem resultar na elaboração de
em cada município, devido a sua escala de elabo- cartas de setorização e classificação de risco, em
ração. Considera-se que as cartas devem ser revis- escala 1:2.000 ou maior, assim como em planos de
tas periodicamente, à medida que surjam novos redução de risco, particularmente quando ampa-
conhecimentos acerca dos processos analisados radas em evidências de instabilidades de terrenos
e mapas temáticos correspondentes, em escalas ou mesmo em registros de ocorrências pretéritas
compatíveis e/ou em bases cartográficas em esca- acerca dos processos considerados no mapeamen-
las maiores para o município em questão. to, o que por si só pode representar uma contri-
A leitura da carta de suscetibilidade execu- buição relevante para fins de gestão municipal de
tada em escala 1:25.000, em vista de sua potencial riscos e prevenção de desastres. A construção de
aplicação ao planejamento territorial e urbano plataformas digitais para monitoramento contí-
de um determinado município, deve inicialmen- nuo do avanço da urbanização sobre áreas de al-
te distinguir a incidência de áreas suscetíveis de tas suscetibilidades encontra-se nesse mesmo con-
acordo com a classe (alta, média ou baixa) e com o texto de estudos mais detalhados que poderiam
fato de haver áreas não ocupadas ou áreas ocupa- ser realizados.
das pela urbanização (que correspondem a áreas Ainda, em vista da edição do Estatuto da
urbanizadas e/ou edificadas), uma vez que nes- Metrópole (Lei Federal 13.089/2015) e a obrigato-
tas últimas as suscetibilidades podem estar alte- riedade de elaboração, pelos estados, do Plano de
radas, para mais ou para menos, a depender das Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) das
condições locais, particularmente em razão de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas
prováveis efeitos geológico-geotécnicos e hidroló- do Brasil, tem-se que as cartas de suscetibilidade
gico-hidráulicos introduzidos pelas construções e foram utilizadas na formulação do PDUI da Re-
sistemas de drenagem urbana instalados. gião Metropolitana de São Paulo, em 2017. Dian-
Desse modo, espera-se uma aplicação relati- te dessa experiência, bem como do subsequente
vamente maior das cartas de suscetibilidade nas compartilhamento de dados realizado durante
análises relacionadas a áreas não ocupadas pela os trabalhos de mapeamento com as equipes en-
urbanização, projetando-se, por um lado, a ex- carregadas do PDUI da Região Metropolitana da
pansão urbana das cidades para zonas de baixas Baixada Santista, no mesmo ano, denota-se o po-
suscetibilidades e, por outro lado, a definição de tencial de aplicação das cartas de suscetibilidade
áreas a proteger sob o ponto de vista ambiental ao contexto de planejamento regional das regiões
e de atividades rurais em zonas de altas susceti- metropolitanas e aglomerações urbanas do Brasil,
bilidades aos processos considerados. No parce- bem como na elaboração da carta geotécnica de
lamento do solo urbano (loteamento, desmem- aptidão à urbanização, a ser realizada em escala
bramento, conjunto habitacional e outros tipos), de detalhe e em nível municipal.
caso não se disponha de uma carta geotécnica de As informações e os dados completos a res-
aptidão à urbanização, podem-se desenvolver di- peito dos mapeamentos realizados na Macrome-
retrizes específicas a partir das cartas de susceti- trópole Paulista estão disponíveis ao público e
bilidade, de acordo com a classe incidente na área podem ser acessados nos portais e infraestruturas
de interesse, explicitando-se o correspondente de- de bases espaciais da CPRM, CEPDEC/SP, Plata-
talhamento dos estudos específicos de engenharia forma IPT Pró-Municípios e, ainda, nas infraes-
e ambientais a realizar em nível de projeto. truturas de dados espaciais (IDEs) do Datageo
da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente
45
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
46
MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES
venham a ser executadas, podem ser geradas si- de massa e inundações. Ao IPT e à CPRM, tam-
tuações de perigo e risco, requerendo abordagens bém pelo apoio financeiro à realização contínua
detalhadas para gerir os problemas ocasionados. dos mapeamentos na Macrometrópole Paulista.
Com a utilização das cartas de suscetibilida-
de no planejamento territorial e na prevenção de
desastres, recomenda-se que as demandas e pres-
REFERÊNCIAS
sões acerca de expansão urbana nos municípios
BITAR, O. Y. (Coord.). Cartas de suscetibilidade
das sub-regiões da Macrometrópole Paulista ma-
a movimentos gravitacionais de massa e inunda-
peadas sejam dirigidas preferencialmente para zo-
ções-1:25.000: Nota Técnica Explicativa. São Pau-
nas de baixa suscetibilidade, impondo-se aos mu-
lo: IPT; Brasília, DF: CPRM, 2014 (Publicação IPT
nicípios a gestão controlada das áreas situadas em
3016).
zonas de média e de alta suscetibilidade, de modo
a reduzir a possibilidade de geração de novas BITAR, O. Y.; SILVA, S. F. da. Breve panorama
áreas de risco e a eventual ocorrência de desastres sobre a incidência de áreas suscetíveis a movi-
no futuro, bem como a definição de áreas a pro- mentos gravitacionais de massa e inundações em
teger sob o ponto de vista ambiental, sobretudo municípios das regiões Sul e Sudeste do Brasil.
em zonas de altas suscetibilidades aos processos In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE CARTOGRA-
considerados. Por sua vez, as bacias de drenagem FIA GEOTÉCNICA E GEOAMBEINTAL, 9., 2015,
suscetíveis a corridas de massa e/ou enxurrada, Cuiabá. Anais ... Cuiabá: ABGE, 2015. 1 CD-ROM.
que tendem a abrigar dinâmicas de grande ener- 5p.
gia e potencialmente mais destrutivas, devem ser
objeto de estudos específicos e detalhados, focali- BITAR, O.Y.; CAMPOS. S.J.A.M.; MONTEIRO,
zando as áreas ocupadas situadas em seu interior A.C.M.C; ARGENTIN, P.M.; CORSI, A.C.; PAU-
e também a jusante, analisando-se a probabilida- LON, N. Áreas suscetíveis a movimentos gravita-
de de atingimento em caso de ocorrência de um cionais de massa e inundações nas regiões metro-
evento chuvoso intenso e/ou extremo. A constru- politanas de São Paulo, Baixada Santista e Litoral
ção de plataformas digitais para monitoramento Norte do Estado de São Paulo. In: CONGRESSO
contínuo do avanço da urbanização sobre áreas BRASILEIRO DE GEOLOGIA DE ENGENHA-
de altas suscetibilidades encontra-se nesse contex- RIA E AMBIENTAL, 16, 2018, São Paulo. Anais ...
to de estudos mais detalhados a realizar. São Paulo: ABGE, 2018.
Deve-se recomendar, ainda, conforme efetua-
do na Região Metropolitana de São Paulo, a utili- BITAR, O.Y. Desenvolvimento de cartas de sus-
zação das cartas de suscetibilidade na elaboração cetibilidade a movimentos gravitacionais de mas-
do PDUI das demais sub-regiões da Macrometró- sa e inundações na Macrometrópole Paulista. In:
pole Paulista e, nos casos em que haja disponibi- FÓRUM DE GOVERNANÇA AMBIENTAL DA
lidade prévia dessas cartas a todos os municípios MACROMETRÓPOLE PAULISTA CONGRESSO
envolvidos, também em outras regiões metropoli- BRASILEIRO DE GEOLOGIA DE ENGENHA-
tanas e aglomerações do ESP e do País. RIA E AMBIENTAL, 1, 20198, São Paulo. Anais ...
São Paulo: IEE/USP, 2019.
47
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
48
MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES
SILVA, S. F. da; BITAR, O. Y. Aplicabilidade dos SOBREIRA, F. G.; SOUZA, L. A. de. Cartografia
métodos de mapeamento de áreas suscetíveis a geotécnica aplicada ao planejamento urbano. Re-
movimentos gravitacionais de massa e inundações vista Brasileira de Geologia de Engenharia e Am-
em distintas regiões do Brasil. In: CONGRESSO biental, V.2, n.1, 2012, p.79-97.
BRASILEIRO DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA
E AMBIENTAL, 15, 2015, Bento Gonçalves. Anais WILFORD, D. J. et al. Recognition of debris flow,
... Bento Gonçalves: ABGE, 2015. 1 CD-ROM. debris flood and flood hazard through watershed
morphometrics. Landslides, v. 1, p. 61-66, 2004.
49
PADRÕES DIFERENCIADOS DE RECUO DA
LINHA DE COSTA E SUA CORRELAÇÃO COM
PROCESSOS EROSIVOS E AS ÁREAS DE RISCO
À EROSÃO COSTEIRA NO ESTADO DO PARÁ
SHORELINE CHANGE PATTERNS AND THEIR CORRELATION WITH EROSIVE PROCESSES
AND COASTAL EROSION RISK AREAS IN PARÁ STATE- BRAZIL
RESUMO ABSTRACT
A região costeira do Estado do Pará possui uma rede The coastal State of Pará has a complex estuaries
complexa de estuários, submetida à macromarés, me- network, subjected to macrotides, mesotides and
somarés e a altas correntes de marés, que associadas high tidal currents, which associated with waves,
a ondas, alto índice pluviométrico e a uma geologia high rainfall and a diversified geology, composed of
diversificada, composta por materiais pouco consoli- poorly consolidated materials provide differentiated
dados proporcionam processos erosivos costeiros dife- coastal erosive processes. These areas susceptible to
renciados. Estas áreas suscetíveis a processos erosivos erosive processes were occupied without territorial
foram ocupadas sem planejamento territorial, levando planning, leading to the emergence of risk erosion
ao surgimento de áreas de risco à erosão. Portanto, este areas. Therefore, this work aims to characterize the
trabalho tem como objetivo caracterizar os agentes e erosive agents and processes, associating them with the
processos erosivos, associando com a forma de ocupa- occupation of the risk sectors, in order to differentiate
ção dos setores de risco, a fim de diferenciar padrões patterns of shoreline retreat. For this, a bibliographic
de recuo da linha de costa. Para isso foi realizada revi- review was carried out, a temporal analysis of two
são bibliográfica, análise temporal de dois mosaicos de Landsat images mosaics (1988 and 2019), to verify the
imagens Landsat (1988 e 2019), para verificar a dinâmi- coastal dynamics on a regional scale. And statistical
ca costeira em escala regional, e avaliação estatística e evaluation and the occupation patterns of 54 sectors
a forma de ocupação de 54 setores de risco alto e muito of high and very high risk coastal erosion mapped
alto à erosão costeira mapeados pelo Serviço Geológi- by the Geological Survey of Brazil, in the period from
co do Brasil, no período de 2012 a 2019, em 12 muni- 2012 to 2019, in 12 municipalities in the State of Pará.
cípios do Estado do Pará. Foi possível identificar dois It was possible to identify two patterns of shorelines
padrões de recuo de linhas de costa, que envolvem di- retreat, which involves different processes. When these
ferentes processos. Quando estes setores ocorrem nas sectors occur on the estuaries margins (inland), they
margens dos estuários (região interna), estão associa- are associated with the occupation of cliffs top, being
dos à ocupação do topo das falésias, sendo submetidos subjected to the processes of landslides, undermining
aos processos de deslizamentos, solapamentos e erosão and laminar erosion, as well as, the influence of
laminar, bem como, a influência do despejo de águas the wastewater discharge on the cliff face. When
servidas na face da falésia. Quando estes ocorrem nas these occur in the outer estuaries portions, they are
porções externas dos estuários, estão associados ao dé- associated with a sedimentary deficit on sandy beaches
50
PADRÕES DIFERENCIADOS DE RECUO DA LINHA DE COSTA E SUA CORRELAÇÃO COM PROCESSOS EROSIVOS E AS ÁREAS DE RISCO
ficit sedimentar nas praias arenosas e estão relaciona- and are associated with processes such as: retention
dos a processos como: retenção dos sedimentos oriun- of sediments from the platform by the submerged
dos da plataforma pelos bancos submersos localizados banks located at the mouth of the estuaries, disordered
na foz dos estuários, ocupação desordenada da faixa occupation of the dynamic beaches zones and
dinâmica das praias e migração dos canais de maré em migration of the channels tide towards the continent.
direção ao continente. Essa caracterização pode ser uti- This characterization can be used as a subsidy by
lizada como subsídio pelos órgãos competentes no ge- competente institutions in coastal management and in
renciamento costeiro e na mitigação dos eventos, que the mitigation of events, which must take into account
devem levar em consideração as características físicas the local physical and oceanographic characteristics.
e oceanográficas locais.
Keywords: geological risk, natural disaster, microtides
Palavras-chave: risco geológico, desastres naturais, and amazon coastal zone
macromarés e zona costeira amazônica
51
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 1. Setores da Zona Costeira do Estado do Pará, segundo a Lei Estadual no 9.064 e a localização da área de estudo.
52
PADRÕES DIFERENCIADOS DE RECUO DA LINHA DE COSTA E SUA CORRELAÇÃO COM PROCESSOS EROSIVOS E AS ÁREAS DE RISCO
A costa paraense é dominada por um clima de coloração cinza a avermelhada, gradando para
tropical úmido, influenciado pela Zona de Con- camadas de pelitos com intercalações de areia,
vergência Intertropical, com precipitação que va- sobrepostas por um nível de concreções ferrugi-
ria de 2500 a 3000 mm entre os meses de janeiro a nosas e no topo ocorrem os sedimentos da Uni-
abril, enquanto que no período de julho a dezem- dade Pós-Barreiras, que são caracterizados por
bro a precipitação é inferior a 60mm, com média um pacote de sedimento arenoso, de granulação
anual de temperatura de 27,7º C (Martorano et al. fina com contribuição de silte, homogêneo de co-
1993). loração creme amarelada, muito friável (Teixeira e
Essa região é cortada por uma complexa rede Bandeira 2020). Estas falésias estão sujeitas à ação
de estuários, onde os setores Marajó Ocidental e das ondas e correntes de marés, descritas anterior-
Oriental, Continental Estuarino e parte do setor mente e ocorrem associadas as praias estuarinas,
Flúvio Marítimo, são influenciados por mesoma- que geralmente são estreitas e formam enseadas
rés semi-diurnas de amplitudes que alcançam (El-Robrini et al. 2006).
3,65m, durante as marés de sizígia no período Entre as baías de Pirabas e Gurupi, os tabu-
chuvoso (El-Robrini et al. 2018). A outra parte do leiros estão recuados em direção ao sul e formam
setor Flúvio Marítimo, principalmente a área da falésias inativas, em geral, com cotas mais baixas.
foz da Baía do Marajó e a Costa Atlântica Paraen- Os manguezais atingem uma largura de aproxi-
se, os estuários são influenciados por macromarés madamente 30km, as baías são largas e os estuá-
semi-diurnas que alcançam 6 m de amplitude du- rios alcançam cerca de 80km em direção ao con-
rante as marés de sizígia. tinente (Franzinelli 1992, Souza Filho 2005). Nas
As correntes de marés são intensas na costa porções externas dos estuários ocorrem as praias
paraense, alcançando na Baía do Marajó valores oceânicas, que geralmente são retilíneas com ex-
durante a descarga máxima do rio Pará: 1,7m/s tremidades recurvadas e larguras da ordem de
(enchente) e 1.1m/s (vazante), entretanto duran- centenas de metros durante a baixamar (El-Robri-
te a descarga mínima, as velocidades foram de ni et al. 2018).
1,5m/s (enchente) e 1,33m/s (vazante) (Prestes
2016). No estuário do Rio Caeté, costa Atlântica
Paraense, Araújo e Asp (2013) indicam que duran-
3 MATERIAIS E MÉTODOS
te o período chuvoso, a corrente de maré (vazante)
O trabalho iniciou com uma extensa revisão
atinge velocidade de 1,4m/s, entretanto, durante
bibliográfica sobre aspectos físicos e oceanográ-
a enchente, a velocidade atinge 0,8m/s.
ficos da região costeira do Estado do Pará, em
O litoral norte sofre influência das ondas
seguida foi feita a avaliação da variação linha de
formadas a partir dos alísios, de direção NE e E,
costa, onde foram analisadas oito cenas Landsat
que apresentam em regra geral, alturas abaixo de
sendo quatro do Landsat-5 TM do ano de 1988 e
1-1,5m em mar aberto (El-Robrini et al. 2006, Pe-
quatro cenas do Landsat 8 OLI de 2019. As cenas
reira et al. 2014).
foram adquiridas no formato geotiff, já georrefen-
A linha de costa corta afloramentos do gru-
ciadas, gratuitamente, no site da USGS (United
po Barreiras e Pós Barreiras além de sedimentos
States Geological Survey) https://earthexplorer.
recentes. A Ilha do Marajó é caracterizada em
usgs.gov/. As imagens foram analisadas com re-
grande parte por um relevo plano e baixo consti-
solução espacial de 30m, como forma de minimi-
tuído por sedimentos recentes. Na borda da ilha
zar a interferência do tamanho de pixel na análise
ocorrem os sedimentos do Grupo Barreiras e Pós-
comparativa. As datas de aquisição selecionadas
-Barreiras que sustentam os tabuleiros costeiros
correspondem aos meses de julho e agosto para
formando as falésias ativas, assim como ocorre no
o ano de 1988 e junho para o ano de 2019 (Tabela
setor continental estuarino, flúvio marítimo e na
1), coincidentes com o verão amazônico e também
costa atlântica paraense até a baía de Pirabas. Em
com a mínima cobertura de nuvens.
geral as falésias variam de 5 a 18 m, sendo cons-
tituídas por sedimentos pouco coesos do Grupo
Barreiras, composto na base por argilito laminado
53
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
54
PADRÕES DIFERENCIADOS DE RECUO DA LINHA DE COSTA E SUA CORRELAÇÃO COM PROCESSOS EROSIVOS E AS ÁREAS DE RISCO
Figura 2. Áreas de erosão e acreção, no trecho estudado da costa do Pará, no período de 1988 a 2019.
Apesar da tendência regional de acreção, exis- setores de risco alto e muito alto a erosão costeira
tem extensas áreas com suscetibilidade a erosão em 12 municípios (Figura 3 e Gráfico 1). Alguns
que foram ocupados pela população, constituindo dos setores com processo destrutivo instalado e
assim, setores de risco a erosão costeira, que fo- outros em potencial. Esses setores abrigam no to-
ram identificados no mapeamento realizado pelo tal 571 edificações e 2891 pessoas em situação de
Serviço Geológico do Brasil, no período de 2012 a risco à erosão costeira (Gráficos 2).
2019. O mapeamento registrou a ocorrência de 54
55
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 3. Setores de risco à erosão costeira mapeados pelo Serviço Geológico do Brasil no período de 2012 a 2019.
56
PADRÕES DIFERENCIADOS DE RECUO DA LINHA DE COSTA E SUA CORRELAÇÃO COM PROCESSOS EROSIVOS E AS ÁREAS DE RISCO
Gráfico 2. Quantidade de edificações e pessoas em situação de risco à erosão costeira mapeadas por município.
A partir da análise dos dados foi possível -se que esses movimentos podem influenciar na
identificar que 40 setores de risco associam-se às erosão basal das falésias. Esses processos são ob-
ocupações irregulares do topo das falésias que es- servados tanto nos trechos de falésia submetidos
tão sendo recuadas e 14 localizam-se nas praias à ação das macromarés como as de mesomarés.
ancoradas em manguezais ou praias expostas. Associado a esse processo, os altos índices pluvio-
O recuo de falésias ocorre devido às mesmas métricos geram erosão laminar na face da falésia,
serem sustentadas por sedimentos do Grupo Bar- com o surgimento de sulcos e ravinas (Figura 4c
reiras e do Pós-Barreiras, constituídos por mate- e d). Assim, no período chuvoso, é frequente a
rial friável e altamente suscetíveis à erosão. Esse ocorrência de desmoronamentos e deslizamentos,
material é margeado por canais estuarinos, loca- que também são influenciados pelo fluxo da água
lizados na porção interna do estuário ou zona de subterrânea, levando ao recuo da falésia (Figura
mistura, sujeitos a interação de processos fluviais 4e e f). Outro deflagrador observado foi a ocupa-
e marinhos (correntes de maré). Onde no período ção desordenada que ocorre no topo das falésias,
chuvoso, principalmente no mês de março, tem- onde observa-se o despejo de águas servidas (Fi-
-se a ação das marés altas de sizígia equinociais, gura 4b, d e f), através de tubulações, diretamente
caracterizadas pelas maiores amplitudes de maré, na porção superior das falésias, que é composta
provocando assim erosões nas bases das falésias, por sedimentos arenosos erodíveis, acelerando o
o que leva a um solapamento do topo (Figura 4a processo erosivo.
e b). Segundo (Miranda et al. 2002), nessa posição A partir dos dados analisados, sugere-se a
do estuário a água possui movimentos transver- utilização do termo erosão estuarina, para classi-
sais e verticais que geram complexos movimentos ficar os recuos das margens dos canais estuarinos,
tridimensionais na forma de espirais e acredita- que são influenciados pelos regimes de macro-
57
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
marés e mesomarés, na costa do estado do Pará. Diferenciando-se das erosões costeiras, que pos-
Pois o termo é mais adequado em relação à ero- sui além da componente maré a arrebentação das
são fluvial e erosão costeira, uma vez que leva em ondas e das erosões fluviais que possuem como
consideração o efeito do complexo movimento da principal agente o rio. E nas erosões estuarinas
água no estuário sobre as margens, levando em estariam também incluídas as erosões laminares
consideração também o efeito da maré rio aci- que ocorrem no topo das falésias, assim como já
ma, na porção conhecida como Zona de Mistura. apresentado por Teixeira et al. (2019).
Figura 4. Representação dos processos envolvidos no recuo das falésias às margens dos canais estuari-
nos: a: esquema de erosão da base da falésia com solapamento do topo; b – Falésia com erosão de base
na Praia do Ariramba – Ilha de Mosqueiro – Belém – Pará, Fonte: CPRM (2012); c: Esquema de lança-
mento de água servida e a presença de sulco e ravinas na face da falésia; d: Casas em situação de risco
em falésia com presença de sulcos e exposição de canos de águas de servidas na Praia do Quarenta do
Mocoóca – Maracanã, Fonte: Teixeira & Bandeira (2020); e: Esquema de erosão de falésia por desliza-
mento da porção superior da mesma; f: Deslizamentos da porção superior da falésia com árvores caídas
na Praia do Mota – Maracanã, Fonte: Teixeira & Bandeira (2020).
58
PADRÕES DIFERENCIADOS DE RECUO DA LINHA DE COSTA E SUA CORRELAÇÃO COM PROCESSOS EROSIVOS E AS ÁREAS DE RISCO
As praias das porções externas dos estuários rios, e que acabam retendo os sedimentos areno-
estão sujeitas a interação das ondas e das corren- sos transportados da plataforma continental em
tes de maré, que possuem uma energia destrutiva direção à costa. Essa situação foi verificada nas
maior no período das marés de sizígia equino- praias de Ajuruteua (Bragança) e Boa Vista (Qua-
ciais. Nessas áreas altamente suscetíveis a erosão tipuru). Além da destruição das edificações e es-
como a faixa dinâmica da praia, incluindo a zona truturas urbanas, como ruas e postes, o recuo da
praial, berma e os campos de dunas, que também linha de costa é observado pela migração dos cor-
são fontes de sedimentos para todo o sistema de dões arenosos sobre os manguezais, acarretando
praia, verificou-se a ocupação irregular de mora- a morte e tombamento de árvores do mangue (Fi-
dias. Tal situação foi observada nas praias do Cris- gura 5c e d). Outros processos associados à erosão
pim (Marapanim), Ajuruteua (Bragança) (Figura costeira foram vistos nas praias expostas da costa
5a e b) e Farol Velho (Salinópolis). Outro fator que do Pará, como o escarpamento das dunas frontais
contribui para o déficit sedimentar é a posição dos e migração de canais de maré em direção ao con-
deltas de maré vazante, que ocorrem na forma de tinente (Figura 5e e f).
bancos submersos na desembocadura dos estuá-
Figura 5. Representação de alguns processos envolvidos no recuo de praias expostas, baseado no perfil de praia da
região elaborado por Alves (2002): a: esquema mostrando a ocupação do campo de dunas e berma; b: Ocupação da
zona dinâmica da praia com processo erosivo instalado, Praia de Ajuruteua – Bragança, Fonte: Fonseca et al. 2015;
c: Esquema de migração dos cordões arenosos em direção ao manguezal com a morte das árvores; d: Migração dos
cordões arenosos sobre o mangue na Praia do Crispim – Marapanim, Fonte: Teixeira & Melo (2019); e: Esquema
de migração de canais de maré em direção ao continente na zona de intermaré; f: Migração de canal na Praia do
Crispim – Marapanim, Fonte: Teixeira & Melo (2019).
59
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Foi observado como forma de contenção a à erosão costeira. Em algumas praias é possível
construção de obras rígidas como muros de arri- verificar uma série de linhas de muro destruídas
mo (Figuras 6a e b), uso de pneus (Figura 6c), que pela erosão como é o caso da praia do Maçarico
a longo prazo se mostraram ineficientes diante em Salinópolis (Figura 6d).
Figura 6. a: Muro de arrimo destruído pela erosão costeira na orla da cidade de Salvaterra, Fonte: Melo & Simões
(2016) b: Muro de arrimo embarrigado na Praia do Paraíso, Ilha de Mosqueiro (Belém), situação em 2018; c: Utili-
zação de pneus na base da falésia, bem como o uso de lonas para impedir o recuo da falésia na Praia do Recreio
(Marapanim), Fonte: Teixeira & Melo (2019); d: Ruínas de duas posições de muro de arrimo destruídos pela erosão
costeira na Praia do Maçarico (Salinópolis), Fonte: Teixeira & Bandeira (2020).
60
PADRÕES DIFERENCIADOS DE RECUO DA LINHA DE COSTA E SUA CORRELAÇÃO COM PROCESSOS EROSIVOS E AS ÁREAS DE RISCO
erosões estuarinas para essas erosões localizadas Journal of Coastal Conservation, v.22, n.4, 769–776.
na porção mais interna do estuário. Os setores http://dx.doi.org/10.1007/s11852-018-0607-z.
localizados na porção externa do estuário estão
relacionados ao déficit sedimentar que apresenta CPRM – Serviço Geológico do Brasil.2012. Ação
diversas causas, como as identificadas pelo traba- emergencial para delimitação de áreas de alto
lho, como retenção de sedimentos da plataforma e muito alto risco a enchentes e movimentos de
continental pelos bancos arenosos localizados na massa no município de Belém, Estado do Pará.
foz dos estuários, ocupação da faixa dinâmica da Belém, CPRM. http://rigeo.cprm.gov.br/jspui/
praia e migração de canais de maré em direção ao handle/doc/20761.1.
continente. Essas informações podem auxiliar na
Crowell M., Leatherman S.P., Buckley M.K. 1991.
política de gestão de riscos costeiros, pois podem
Historical Shoreline Change: Error Analysis and
servir de guia para a escolha da melhor maneira
Mapping Accuracy. Journal of Coastal Research,
de mitigar o processo, levando em consideração
v.7, n.3, 839-852.
as suas especificidades físicas e oceanográficas.
Dolan R., Hayden B.P., May P., May S. 1980. The
AGRADECIMENTOS reliability of shoreline change measurements
from aerial photographs. Shore and Beach, v.48,
Os autores agradecem o apoio financeiro e p.22- 29.
institucional recebido do Serviço Geológico do
Brasil para a realização da pesquisa. El-Robrini M., Silva M. A., Souza Filho P. W. M.,
El-Robrini M. H. S., Silva Jr. O. G., França C. F.
2006. Pará. In: Muehe D. (org.). Erosão e prograda-
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63
RISCO E PLANEJAMENTO URBANO E SUA
ABORDAGEM NOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS
RISK AND URBAN PLANNING AND ITS APPROACH IN SCIENTIFIC JOURNALS
RIESGO Y PLANIFICACIÓN URBANA Y SU ENFOQUE EN REVISTAS CIENTÍFICAS
64
RISCO E PLANEJAMENTO URBANO E SUA ABORDAGEM NOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS
65
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
335 artigos na base CAPES e 167 artigos na base o retorno de amostras de artigos vinculados aos
SCOPUS. temas de interesse inicialmente elencados, assim
como a identificação de lacunas nos estudos. As
a2| Segunda etapa da seleção amostras das duas etapas passaram por processos
Dentre os periódicos selecionados na primei- de refinamento semelhantes. Foi realizada uma
ra etapa, alguns foram identificados pelo foco es- primeira triagem após a leitura dos títulos e re-
pecífico em riscos e desastres, como o Natural Ha- sumos. Seguiu-se uma segunda leitura expedita
zards, International Journal Disaster Risk Science, dos próprios artigos, identificando-se estudos de
Natural Hazards and Earth System Sciences, além casos vinculados aos temas de interesse da pes-
do Environment & Urbanization com característi- quisa, assim como lacunas de temas que se mos-
ca interdisciplinar. Percebeu-se a necessidade de traram ausentes desde as amostras iniciais mais
uma segunda etapa complementar de pesquisa a amplas.
ser realizada diretamente nestes periódicos, bus- Uma primeira seleção a partir da leitura dos
cando avaliar se em seu diálogo corrente faz parte títulos e dos resumos levou à escolha de 66 arti-
o tema da prevenção de riscos através do planeja- gos; após leitura expedita dos próprios artigos,
mento urbano. chegou-se à amostra final de 36 artigos. As buscas
Quanto aos critérios de seleção, manteve-se da primeira etapa foram finalizadas em janeiro de
a ausência de recorte espacial, porém o recorte 2016, sendo que as bases permitem que cada uma
temporal inicial foi alterado para 2010. A primeira das buscas seja salva e a seleção de novos artigos
etapa de seleção retornou um número irrelevante publicados continue a ocorrer de forma contínua
de artigos de interesse publicados antes de 2010. e automática. Desta forma, a partir do início de
Desta forma optou-se por este ajuste na data ini- 2016 até 2018, periodicamente foram encaminha-
cial de publicação nesta etapa, mais próxima à pu- das por e-mail listas de artigos resultantes das
blicação da PNPDEC. Em ambas as etapas prio- buscas automáticas; após a leitura dos títulos e
rizou-se a seleção de estudos de casos urbanos. resumos foram priorizados mais 13 artigos de in-
Foram selecionados estudos que relacionam áreas teresse. No total 49 artigos foram selecionados na
de risco com o planejamento urbano, abordando primeira etapa por tratarem da interface entre ris-
planos diretores, expansão urbana, ocupação de cos e planejamento, em várias escalas de aborda-
áreas suscetíveis, vulnerabilidades socioambien- gem. O gráfico 1 mostra as porcentagens de arti-
tais e a PNPDEC. Foram excluídos artigos que gos pré-selecionados e a seleção final para leitura
façam apenas revisão bibliográfica, ou somente integral, de acordo com sua origem, para as duas
comparação de ferramentas de representação geo- etapas das buscas da pesquisa.
gráfica do meio ambiente.
B| REFINAMENTO DA AMOSTRAGEM
A escolha de palavras-chaves cruzando ris-
co e planejamento urbano nas buscas permitiu
66
RISCO E PLANEJAMENTO URBANO E SUA ABORDAGEM NOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS
Gráfico 1. Artigos selecionados nas duas etapas da pesquisa, segundo porcentagens (e nú-
mero de artigos) da seleção final de acordo com periódicos de origem.
Fonte: Elaborado pelos autores, com base em Portal de Periódicos (2018).
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Fonte: Elaborada pelos autores, com base em Qualis Periódico (2019), Portal de Periódicos (2018).
68
RISCO E PLANEJAMENTO URBANO E SUA ABORDAGEM NOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS
Total de artigos 65
Total de periódicos 4
Fonte: Elaborada pelos autores, com base em Qualis Periódico (2019), Portal de Periódicos (2018).
69
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
2.3 Análise dos artigos selecionados. -chaves do artigo, temas principais abordados, lo-
cal do estudo de caso, além do método utilizado
Os 114 artigos da seleção final foram conside- na pesquisa. Estes dados foram tabulados e a par-
rados para análise e identificação de temas mais tir deles foi possível elaborar os gráficos e demais
presentes ou os que foram pouco abordados. Du- planilhas de apoio para elaboração das análises e
rante a leitura dos artigos foram elencadas e tabu- quantitativos.
ladas diversas características dos estudos de casos Para cada artigo foi elaborada uma ficha sín-
que forneceram um detalhamento adequado para tese dos assuntos tratados, assim como cópia de
a análise dos resultados obtidos. trechos importantes para futuras citações. Esta
Quanto aos artigos foram registradas as in- síntese subsidiou o trabalho seguinte de identifi-
formações referentes à base e periódico de ori- cação de temas. O gráfico 2 mostra os quantitati-
gem, aos autores, ao vínculo com instituições, país vos de artigos por temas abordados.
de origem do autor, ano de publicação, palavras-
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RISCO E PLANEJAMENTO URBANO E SUA ABORDAGEM NOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS
71
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
redução do risco, tratando-se de um conceito cha- dade de ações concretas na redução da vulnera-
ve para se entender a construção social do risco. bilidade. Apesar dos vários estudos teóricos no
No Brasil identifica-se um processo constante tema, ainda são grandes as dificuldades de se
de formação de novas áreas de riscos, principal- efetivá-los em ações práticas.
mente de ordem geológica e hidrológica, impul-
sionadas pela pobreza e desigualdade na distri-
buição de renda. Uma parcela da população não
3.1.2 A incorporação do risco no
consegue ter acesso à moradia através do mercado planejamento urbano
formal, se instalando em cortiços, favelas ou peri-
O Planejamento Urbano passa por uma crise
ferias de expansão urbana, muitas vezes expostas
na década de 1980, quando no contexto interna-
a riscos por ocupar terrenos com alta suscetibili-
cional surgem novas propostas em três vertentes
dade natural a eventos.
principais, uma delas comprometida com a “cida-
Verifica-se a produção de um espaço de ris-
de justa” (Randolph 2007). As cidades são resulta-
cos desiguais, sem justiça social, onde alguns se
do de um processo histórico-geográfico contínuo,
apropriam das “externalidades” positivas e ou-
no qual processos “sociais” e “naturais”, combi-
tros sofrem as consequências adversas por não
nados, resultam no que Swyngedouw denomina
disporem de condições econômicas ou recursos
como objeto “híbrido” ou “ciborgue”. (Swynge-
para ocupar e construir de forma segura (Rosell &
douw 2009). A “cidade justa” implica na capaci-
Zinger 2009, Nascimento & Fonseca Matias 2011,
dade do Estado em alocar os aspectos ambientais
Young 2013, Ríos 2015). Ainda em Valêncio (2014,
positivos e negativos (Lynch 2001).
p. 3640):
O Planejamento Urbano no Brasil participa
É plausível considerar certos tipos de ameaças da busca de reverter a lógica capitalista de produ-
como naturais, mas não os desastres, uma vez ção do espaço a partir do Movimento de Reforma
que são produzidos socialmente. Os processos so- Urbana, conseguindo avanços na Constituição Fe-
cioambientais que engendram, simultaneamente, deral de 1988 nos artigos 182 e 183, com o direito à
a precariedade das condições de vida, da prote-
moradia e a função social da propriedade (Amore
ção social oferecida e da territorialização dos gru-
pos sociais empobrecidos favorecem a ocorrência 2013). Apesar dos avanços, alguns instrumentos
de desastres. foram incorporados somente treze anos depois
com a Lei nº 10.257/ 2001, ou Estatuto da Cidade
Rosell & Zinger (2009) apresentam um estu- (EC). O EC reforçou o Plano Diretor (PD) como
do de caso na Argentina, onde tratam a conver- “instrumento básico da política de desenvolvi-
gência de fatores físicos, sociais e de evolução do mento e expansão urbana”, tornando-o obrigató-
uso do solo como determinantes das recorrentes rio para um grande número de cidades e fixando
inundações. Cita Cardona (1994) a teoria de que o outubro de 2006 como limite para sua elaboração,
risco é uma categoria social e, como tal, possui um com revisões a cada dez anos (Brasil 2001).
processo de construção. A PNPDEC alterou legislações de planeja-
Outro aspecto a se destacar é abordado por mento urbano, incluindo a percepção das áreas
Souza (2008) que observa que um desastre expri- de risco e das áreas suscetíveis, além de definir
me a materialização da vulnerabilidade social; as- atribuições específicas às diversas esferas de go-
sim, a definição de área de risco no Brasil deve verno. O artigo 3º-A da Lei 12.340/2010 trata da
ser vista como resultado da interface de uma instituição do “Cadastro Nacional de Municípios
população marginalizada e um ambiente físico Críticos com Áreas Suscetíveis”, sobre os quais re-
deteriorado. cai a maior parte das atribuições, mas que, infeliz-
Ao final de 2017 foi publicado um livro abor- mente, até hoje não está em vigor.
dando a interface risco e planejamento urbano e A PNPDEC alterou legislações de planeja-
verifica-se no segundo capítulo em Smith et al. mento urbano, incluindo a percepção das áreas de
(2017), um estudo acerca da construção social do risco e das áreas suscetíveis, além de definir atri-
risco e suas causas básicas, reforçando a necessi- buições específicas às diversas esferas de governo.
72
RISCO E PLANEJAMENTO URBANO E SUA ABORDAGEM NOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS
O artigo 3º-A da Lei 12.340/2010 trata da institui- planos diretores municipais para minimizar em
ção do “Cadastro Nacional de Municípios Críti- diferentes escalas os principais riscos.
cos com Áreas Suscetíveis”, sobre os quais recai O periódico Natural Hazards and Earth Sys-
a maior parte das atribuições. Somente nove anos tem Sciences trouxe em Luino et al. (2012), um es-
depois este cadastro foi instituído pelo Decreto tudo de caso sobre a cidade de Alba, onde ocorreu
n°10.692, de 3 de maio de 2021 (BRASIL, 2021), uma grande inundação em 1994, a partir de quan-
porém cabendo ao próprio município realizar sua do se iniciaram diversos estudos para revisar o
inscrição, o que enfraqueceu muito a proposta ini- planejamento urbano da cidade no entorno do rio
cial do cadastro. Alba. Ainda no mesmo periódico identifica-se um
O EC foi revisado pela PNPDEC quanto ao artigo brasileiro que trata da necessidade urgente
ordenamento e controle do uso do solo, de forma de se desenvolver políticas públicas para conter a
a evitar a exposição da população a riscos de de- ocupação de áreas suscetíveis, em Mendes et al.
sastres. O PD passa a ser obrigatório para cida- (2018).
des incluídas no Cadastro. Já os Municípios que Por fim, a PNPDEC relaciona a importância
pretendam ampliar o seu perímetro urbano, inde- do planejamento urbano na prevenção dos ris-
pendente do Cadastro, devem elaborar projeto es- cos e os problemas decorrentes da expansão da
pecífico, incluindo a delimitação dos trechos com ocupação nos municípios. A PNPDEC afirma a
restrições à urbanização e dos trechos sujeitos a importância dos municípios mais críticos quanto
controle especial em função de ameaça de desas- às áreas de risco revisarem seus Planos Diretores
tres naturais (Brasil 2012). incorporando o conhecimento das características
A interface entre Planos Diretores e áreas naturais dos terrenos tanto em áreas indevida-
de risco, e a indicação da necessidade do plane- mente ocupadas como nas áreas apropriadas para
jamento urbano ser tecnicamente suportado pela expansão urbana, no contexto de uma melhor ges-
geologia são temas sistematicamente abordados tão do território municipal (Coutinho et al. 2015).
nos artigos analisados. Os estudos apontam que
investimentos em ações preventivas que buscam
evitar a ocupação intensiva em áreas propensas a
3.1.3 Áreas suscetíveis e vulnerabilidades no
desastres trazem retorno eficaz quando compara- estudo do risco
dos ao custo da perda de vidas e bens materiais na
Vários autores tratam da importância de se
ocorrência de um desastre. Por outro lado, remo-
coibir a ocupação de áreas sujeitas a processos pe-
ver pessoas implica em altos custos monetários
rigosos, ou de áreas suscetíveis, através da indica-
e pode causar impactos sociais nas populações
ção destas áreas nos zoneamentos e planos dire-
afetadas (Compagnoni et al. 2009, Nascimento &
tores municipais, tratando também da PNPDEC
Fonseca Matias 2011, Costa & Nishiyama 2012,
com este enfoque (Compagnoni et al. 2009, Garcia
Travassos 2012, Kim & Rowe 2013, Saito & Peller-
et al. 2012, Saito & Pellerin 2013, Martinez-Graña
in 2013, Young 2013, Ríos 2015).
et al. 2014, Tehrany et al. 2014 e Jebur et al. 2014).
Em Kim & Rowe (2013) verifica-se que o
Quanto ao mapeamento de áreas suscetíveis,
cumprimento estrito dos planos diretores pode
foram publicados diversos artigos recentes tratan-
ser menos atribuído à legitimidade teórica de um
do de metodologias e sua validação em estudos de
plano e mais às escolhas pragmáticas feitas pelos
casos. Apesar de termos diversos estudos técnicos
municípios locais para coordenar a urbanização
sobre a suscetibilidade, ainda são poucos os estu-
em larga escala. Os resultados indicam que os pla-
dos que analisam a relação entre essa suscetibili-
nos urbanos devem ser feitos de acordo com a dis-
dade, a vulnerabilidade e o risco, de forma a sus-
tribuição das áreas potencialmente suscetíveis aos
tentar ações de planejamento. Dentre eles aparece
diferentes processos, para se evitar investimentos
o de Mendes et al. (2018) e de Martinez-Graña et
em expansão urbana em áreas altamente propen-
al. (2014). O primeiro trata de um estudo de caso
sas a desastres. Identifica-se um exemplo prático
em Campos do Jordão e aponta ser imprescin-
na China a partir da década de 1980 utilizando
dível a análise da vulnerabilidade da população
73
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
exposta aos perigos em sobreposição às suscetibi- tem feito parte das pesquisas acadêmicas e aos
lidades nas análises de riscos. O segundo escreve poucos vem se incorporando no âmbito das po-
sobre riscos, áreas suscetíveis e vulnerabilidades líticas públicas. Tais fatos se deram pelo aumento
na Espanha, afirmando que o fator chave para mi- de perdas humanas e aumento nos impactos eco-
nimizar o risco de deslizamentos de terra são o nômicos derivados de desastres no mundo, assim
monitoramento das chuvas e o planejamento do como pela responsabilização dos governos por
uso da terra. Ele sugere que os mapas podem ser parte destas perdas. Cabe lembrar que no Brasil
utilizados pelo governo para criar setores de ocu- identifica-se uma mudança no conceito inicial de
pação proibida ou restrita em áreas de alto risco. “vítima de desastre” existente na década de 1960,
Anterior à PNPDEC, um artigo já tratava da quando a partir da década de 1980 o Estado passa
necessidade de relacionar a forma de ocupação do a ser responsabilizado judicialmente por negli-
território, as injustiças sociais e a vulnerabilidade gência. Esta conjuntura revelou a necessidade de
socioespacial com o planejamento de ações da De- ações preventivas de redução de riscos e não mais
fesa Civil, visto que em cidades brasileiras a res- apenas medidas de remediação e resposta.
trição de acesso à terra tem impacto no aumento A partir da década de 2010 no Brasil iniciou-
dos desastres. (Valêncio 2010). -se um maior debate acerca dos conceitos de ris-
O debate sobre a teoria social do risco, sobre co ambiental na pauta das políticas públicas, no
o estudo dos processos que geram as condições contexto da PNPDEC (Costa & Conceição 2012,
materiais para sua ocorrência, sobre a importân- Nogueira et al. 2014).
cia da abordagem conjunta da evolução do uso do Em Vaz e Rony (2011) se elabora o conceito
solo com a vulnerabilidade socioambiental, e por de vítima virtual no contexto do desastre ocorrido
fim sobre como os riscos se tornam globais tendo na região serrana do Rio em Janeiro de 2011. Por
a vulnerabilidade como responsável pela desi- um lado, os veículos de comunicação anunciaram
gualdade na distribuição dos danos que se inten- a catástrofe como resultante da incompetência
sificam num contexto de mudanças climáticas, é em se coibir a ocupação de áreas de encostas com
encontrado nos seguintes trabalhos: Souza (2008), alto risco de deslizamento; por outro, o governo
Rosell & Zinger (2009), Valêncio (2010), Kazmier- de Dilma Roussef associou a catástrofe ao déficit
czak & Cavan (2011), Freitas et al. (2012), Lopez & habitacional, resgatando a desigualdade como a
Sangabriel (2012), Gamba & Costa (2012), Olím- principal causa dos desastres.
pio et al. (2013), Saito & Pellerin (2013), Freire et Aspecto a se destacar sobre a relação da ges-
al. (2014), Spink (2014), Aledo & Sulaiman (2014), tão de risco de desastres com políticas públicas
Torrens & Jurio (2014), Ríos (2015), Inouye et al. de planejamento do território é apresentado por
(2015), Boughedir (2015), Coutinho et al. (2015). Coutinho et al. (2015), principalmente quanto a
Cabe ainda lembrar a desumanização dos inibir a ocupação de áreas ambientalmente vulne-
afetados nos desastres, tema abordado em Valên- ráveis e de risco, em acordo com os objetivos da
cio (2014), que fala dos equívocos dos ditames do PNPDEC, e reforçando a necessária atuação dos
conhecimento científico que inspiram e calibram a estados e municípios nas suas respectivas compe-
ação do Estado e seus reflexos no meio social. Va- tências suplementares.
lêncio (2010) também analisa a PNPDEC com foco
nas vulnerabilidades sociais dos afetados, falta de
confiança nos sistemas de proteção, e falhas nas
3.2 Gestão de risco e Planejamento
práticas institucionais e das comunidades, em um territorial: Lacunas
contexto de pré e pós-desastres.
3.2.1 A pessoa afetada pelo risco
3.1.4 A gestão de riscos na pauta das Poucos são os artigos publicados em periódi-
cos que estudam e qualificam as pessoas em situa-
políticas públicas
ção de risco. A visão tecnicista privilegia o estudo
A temática dos riscos associados a problemas das metodologias de análises matemáticas, dos
ambientais nas últimas décadas cada vez mais
74
RISCO E PLANEJAMENTO URBANO E SUA ABORDAGEM NOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS
processos e dos riscos, em detrimento de análises para que as leis funcionem efetivamente (Couti-
sociais mais complexas (Valêncio 2010). nho et al. 2015). Em Mendes et al. (2018), podemos
Valêncio ainda faz uma dura crítica sobre ver uma investigação mais concreta acerca do
dotar a população de uma “percepção de risco”, tema num estudo de caso em Campos do Jordão,
como se ignorassem o risco e estivessem nessa si- em que os autores analisam o risco de escorrega-
tuação por opção; enquanto outros autores con- mento através da sobreposição de áreas suscetí-
sideram ser uma ação necessária, como em Saito veis com a vulnerabilidade da população.
e Pellerin (Valêncio 2010, Saito & Pellerin 2013). A pesquisa não encontrou artigos que tratas-
Ainda quanto aos desastres, Valêncio (2010, 2014) sem da redução da vulnerabilidade em exemplos
alerta para o fato da falta de rigor nas estatísticas práticos. O acesso a uma moradia digna e segura
que mensuram seus impactos macroeconômicos e através de programas públicos de Habitação ou
a falta de registros da situação das pessoas afeta- Regularização Fundiária pode reduzir a vulne-
das no pós-desastre, nas remoções e nos abrigos rabilidade da população de menor renda, desta
temporários. Aponta que em contextos sociais de forma diminuindo sua própria situação de risco,
afluência de investimentos os desastres podem ter porém esse tema, assim como as dificuldades e
repercussões promissoras, ao contrário de contex- impedimentos legais para se implantar progra-
tos de pobreza, onde ocorrem grandes retrocessos mas públicos em áreas de risco, não foram identi-
econômicos. ficados em artigos dos periódicos durante a reali-
Uma publicação recente da prefeitura de zação da pesquisa.
São Paulo, que não faz parte das bases de busca, Nos artigos analisados predomina a abor-
traz um informe detalhando aspectos socioeconô- dagem teórica sobre a importância da vulnera-
micos das pessoas que estão nos setores de risco bilidade na análise do risco, com poucos estudos
do município, possibilitando entender um pouco concretos relacionados à suscetibilidade. Trata-se
melhor esse contexto social (São Paulo 2018). de um assunto que necessita de maiores investi-
gações porque pode auxiliar no entendimento dos
fatores que dão origem ao risco nas diversas situa-
3.2.2 O planejamento urbano e a gênese do ções de falta de moradia adequada.
risco
75
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
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RISCO E PLANEJAMENTO URBANO E SUA ABORDAGEM NOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS
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80
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE
MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS:
UM PANORAMA PRELIMINAR A PARTIR DE
MODELAGEM ESTATÍSTICA E MORFOMÉTRICA
GEOLOGICAL SUSCEPTIBILITY OF MINING DAMS IN THE STATE OF MINAS GERAIS: A
PRELIMINARY OVERVIEW FROM STATISTICAL AND MORPHOMETRIC MODELING
RESUMO ABSTRACT
O risco de acidentes e desastres relacionados a falhas The risk of accidents and disasters related to failures in
no projeto, construção, operação e manutenção de bar- the design, construction, operation, and maintenance
ragens constituem tema de estudo bastante recorrente. of dams is a recurring topic of study. Nevertheless,
Porém, poucos são os trabalhos que relacionam a pos- few works relate the possibility of failures in dams
sibilidade de falhas em barragens com processos geo- to geological processes that occur in the environment
lógicos que ocorrem no ambiente que as cercam. Pa- that surrounds them. Paradoxically, it is not rare to
radoxalmente, não são raros os registros na literatura find records in the related literature in which extreme
em que eventos pluviométricos extremos, enxurradas pluviometric events, flash floods, and mass movements
e movimentos de massa no entorno das estruturas fo- around the structures triggered or contributed to the
ram deflagradores ou contribuíram para a sua ruptu- dam rupture. The present research aims to contribute
ra. A presente pesquisa busca contribuir com o tema to the dam safety theme, from the identification of
da segurança de barragens, a partir da identificação scenarios of natural susceptibility to landslides, debris
de cenários de suscetibilidade natural à deflagração flows, and flash floods in the lands surrounding
de deslizamentos, corridas e enxurradas nos terrenos the mining dams in the state of Minas Gerais. For
do entorno das barragens de mineração no estado de such, a statistical and morphometric modeling of
Minas Gerais. Para tal, executou-se uma modelagem the natural susceptibility to mass movements and
estatística e morfométrica da suscetibilidade natural a hydrological processes was performed by the use
movimentos de massa e processos hidrológicos, atra- of geoprocessing tools in variables derived from the
vés do emprego de ferramentas de geoprocessamento digital elevation model (DEM) and photointerpretation
em variáveis derivadas de modelo digital de elevação such as geological lineaments, slope and curvature
(MDE) e fotointerpretação, tais como lineamentos geo- of the terrain. The final result is the construction of a
lógicos, declividade e curvatura do terreno. O produto geographic information system (GIS) with the zoning
final é a construção de um sistema de informação geo- of susceptibility to mass movements of all mining
gráfica (SIG) com o zoneamento da suscetibilidade a dams in the state of Minas Gerais officially registered
movimentos de massa de todas as barragens de mine- with the National Mining Agency (NMA). The zoning
ração do estado de Minas Gerais, oriundas do cadastro enabled the calculation of statistics for the studied
oficial da Agência Nacional de Mineração (ANM). O dams universe, based on the geological susceptibility
zoneamento permitiu o cálculo de estatísticas para o of their location. The results demonstrate that 38%
universo de barragens estudado, com base na susceti- of the land surrounding the dams has medium to
bilidade geológica de seus sítios de locação. Os resulta- high susceptibility to landslides, and that 30% of the
dos demonstram que 38% dos terrenos no entorno das
81
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
barragens possuem média a alta suscetibilidade a de- structures are located in drainage basins with high
flagração de deslizamentos, e que 30% das estruturas susceptibility to flash flood or debris flow processes.
estão locadas em bacias de drenagem com alta susce-
tibilidade aos processos de enxurradas ou de corridas Keywords: Susceptibility, Mass movements, Flash
de massa. Floods, Dam safety, Mining dams.
82
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS
de água para quaisquer usos, à disposição final ou Através da PNSB, a ANM (antigo DNPM)
temporária de rejeitos e à acumulação de resíduos teve incorporadas as competências de órgão fisca-
industriais que apresentem pelo menos uma das lizador da segurança das barragens de mineração.
seguintes características: Salienta-se que o papel de controle e fiscalização
I. altura do maciço, contada do ponto mais da ANM abrange também as barragens de mi-
baixo da fundação à crista, maior ou neração que não estão inseridas na PNSB, isto é,
igual a 15m; aquelas que não se encaixam nas características de
II. capacidade total do reservatório maior enquadramento da referida lei.
ou igual a 3.000.000m³; Um dos instrumentos de gestão da PNSB é
III. reservatório que contenha resíduos pe- a implementação do sistema de classificação de
rigosos conforme normas técnicas apli- barragens por categoria de risco e por dano po-
cáveis; tencial associado. Para normatizar a classificação
IV. dano potencial associado, médio ou alto, das barragens de mineração, a Portaria DNPM n°
em termos econômicos, sociais, ambien- 70.389/2017 utiliza uma matriz que analisa a ca-
tais ou de perda de vidas humanas; tegoria de risco versus o dano potencial associado
V. categoria de risco alto (incluído pela Lei da barragem (tabela 1).
Federal n° 14.066/2020).
Tabela 1. Matriz de classificação das barragens de mineração, conforme a Portaria DNPM n° 70.389/2017.
Da Portaria DNPM n° 70.389/2017 define-se: graduado de acordo com as perdas de vidas huma-
“Categoria de Risco – CRI: classificação da nas, impactos sociais, econômicos e ambientais”;
barragem de acordo com os aspectos que possam As faixas de classificação da CRI são obtidas
influenciar na possibilidade de ocorrência de aci- pela soma dos pontos oriundos das matrizes de
dente, levando-se em conta as características téc- Características Técnicas – CT, Estado de Conser-
nicas, o estado de conservação e o Plano de Segu- vação – EC e Plano de Segurança de Barragens
rança da Barragem”; – PS (tabela 2), já a categoria referente ao DPA é
“Dano Potencial Associado – DPA: dano fornecida por uma única matriz secundária (tabe-
que pode ocorrer devido ao rompimento ou mau la 3).
funcionamento de uma barragem, independente-
mente da sua probabilidade de ocorrência, a ser
83
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Tabela 2. Faixas de classificação da CRI obtidas pela soma conforme definição empregada na metodologia
dos pontos oriundos das matrizes de Características Técnicas
de zoneamento de suscetibilidade da CPRM/IPT
– CT, Estado de Conservação – EC e Plano de Segurança de
Barragens – PS, segundo a Portaria DNPM 70.389/2017. (Bitar 2014).
Macedo & Bressani (2013) apontam que a sus-
CATEGORIA PONTUAÇÃO TOTAL cetibilidade se refere ao primeiro passo de uma
DE RISCO (CRI) = CT + EC + PS análise progressiva de risco geológico. Áreas de
atingimento, severidade, probabilidade de ocor-
ALTO >= 65 ou EC = 10
rência e tempos de recorrência dos processos não
CLASSIFICAÇÃO
FAIXAS DE
84
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS
maciço ou o galgamento da barragem por ondas ta-se que os processos naturais (geológico-geotéc-
(Jansen 1983). nicos e hidrológicos) estão intimamente ligados
Costa (2012) aponta que foi a partir dos aci- aos riscos tecnológicos, como no caso da falha de
dentes ocorridos com a barragem de Vajont, na uma barragem.
Itália, em 1963 e, no ano seguinte, na barragem de
Gepatsch, na Áustria, é que se passou a dar maior
importância ao estudo de estabilidade de encostas
5 ÁREA DE ESTUDO
no entorno do sítio de locação das barragens.
O estado de Minas Gerais apresenta grande
No caso mais famoso, em Vajont, o desliza-
diversidade geológica, ocorrendo nessa área se-
mento de uma massa de 250 milhões de metros
quências de idades arqueana a fanerozoica, em
cúbicos de rocha e solo proveniente de uma en-
contextos tectônicos e metamórficos dos mais va-
costa natural instável no entorno da estrutura mo-
riados. Tal variedade geológica se reflete na histó-
vimentou-se com uma velocidade de 25 m/s para
ria mineradora do estado, cujo desenvolvimento
dentro do reservatório. Como resultado, houve
está intimamente ligado à exploração de recursos
a expulsão instantânea de um volume de 40 mi-
minerais desde o período colonial (Machado &
lhões de metros cúbicos de água que se deslocou
Silva 2010).
por sobre o maciço, causando a destruição da ci-
Minas Gerais configura-se como o maior
dade de Longarone, situada à jusante. O desastre
produtor nacional de minério de ferro. Dados do
provocou a morte de mais de 2.600 pessoas.
Anuário Mineral de 2019 (ANM 2020) mostram
Em relação à alta taxa de falha por causas hi-
que a produção beneficiada chegou a mais de 203
drológico-hidráulicas, Christian e Baecher (2002)
milhões de toneladas.
apud Pereira (2020) apresentam algumas razões:
Com toda esta vasta produção de minério
a. quando o evento hidrológico causador
beneficiado, há também uma colossal geração de
da falha se dá antes do término da cons-
rejeitos. Como em Minas Gerais o método mais
trução dos órgãos extravasores;
utilizado para disposição de rejeitos de mineração
b. quando se tratam de barragens de mi-
são as barragens, é no estado onde estão concen-
neração, visto que normalmente nesta
tradas 42% de todas as estruturas existentes no
classe de estrutura não são utilizadas
país, segundo cadastro do Sistema Integrado de
boas práticas de engenharia no projeto e
Gestão de Barragens de Mineração – SIGBM da
durante a construção, ou a manutenção
ANM.
é deficiente;
Assim, a área de estudo abrange a distribui-
c. quando os sistemas extravasores são an-
ção das barragens de mineração presentes no ca-
tigos e sua capacidade encontra-se desa-
dastro da ANM para o estado de Minas Gerais, as
tualizada para as condições climáticas
quais somam 365 estruturas. As barragens estão
atuais das bacias hidrográficas onde se
localizadas em 61 municípios, os quais estão in-
situam.
seridos em distritos minerários, destacando-se o
Quadrilátero Ferrífero, a Província Diamantífera
A Codificação Brasileira de Desastres clas-
do Triângulo Mineiro, o Distrito Plumbo-zincífe-
sifica aqueles causados por rompimento de bar-
ro e Rochas Dolomíticas de Vazante-Paracatu e a
ragens como tecnológicos e relacionados a obras
Província de Grafita Pedra Azul e Salto da Divisa
civis (CENAD 2012 apud Fonseca 2019), porém,
(figura 1).
como visto, muitas rupturas tiveram como causa
processos naturais do meio físico. Assim, consta-
85
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 1. Mapa da área de estudo mostrando a localização das barragens de mineração de MG cadastradas no SIGBM e seu
contexto frente aos distritos minerários, conforme Machado & Silva (2010).
86
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS
radas com os limites de abrangência das barragens bem como as informações sobre as barragens fo-
de mineração, de modo a calcular a incidência das ram obtidos de fontes acessíveis a todos os usuá-
suscetibilidades nos sítios de locação das barra- rios na internet, destacando-se os sites da ANM,
gens. A etapa final consistiu na parametrização CPRM, IPT, IBGE e Earth Data (NASA).
desses dados, através da construção de uma ma-
triz que permite atribuir notas a cada barragem de
mineração estudada em relação à suscetibilidade
6.1 Construção de uma base cartográfica
incidente em seu sítio de locação. Tal passo per- digital em formato SIG
mitiu a geração de estatísticas e a construção de
Como ponto de partida, buscou-se junto ao
um panorama das suscetibilidades das barragens
SIGBM os arquivos georreferenciados das barra-
de mineração de MG, com base na distribuição
gens de mineração cadastradas para o estado de
dessas notas. Destaca-se que a matriz de parame-
MG, disponíveis no site da ANM. O passo seguin-
trização proposta é inspirada e potencialmente
te foi fazer a aquisição das cenas de MDE que co-
aplicável na sistemática de notas presente na Por-
brissem a distribuição geográfica das barragens e
taria DNPM n° 70.389/2017, a qual regulamenta
que possuíssem uma resolução espacial compa-
as barragens de mineração frente à PNSB.
tível com a escala de análise da metodologia da
Assim, as etapas metodológicas definidas
suscetibilidade (1:25.000). Por esse motivo, fez-se
para o alcance dos objetivos propostos são descri-
o download de cenas do MDE adquiridas pelo
tas na figura 2.
satélite ALOS, com resolução espacial de 12,5m,
considerada adequada para a escala de trabalho
adotada. Uma vez adquiridas as cenas, foram
gerados os mosaicos do MDE final no software
ARCGIS 10.4.
Os demais arquivos que compõem a base car-
tográfica são constituídos por imagens de satélite
do acervo multi-escala do BING Maps, disponi-
bilizadas de forma nativa no ARCGIS 10.4, assim
como arquivos vetoriais de hidrografia, altime-
tria, limites políticos e cartas temáticas, extraídos
do Mapa de Geodiversidade do estado de MG
(Machado & Silva 2010) e do Mapa geológico de
MG (CPRM, 2003).
87
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
trabalhos: declividade, curvatura das vertentes e cias de drenagem mais suscetíveis à geração des-
densidade de lineamentos estruturais, que refle- ses fenômenos. Assim, apontam-se as bacias de
tem, respectivamente, a influência combinada de drenagem separadas em duas situações básicas:
aspectos geomorfológicos, hidrológico-pedológi- bacia de drenagem com alta suscetibilidade a cor-
cos e geológicos. rida de massa e enxurrada; e bacia de drenagem
No caso das corridas de massa e enxurra- com alta suscetibilidade a enxurrada.
das, as etapas metodológicas aplicadas são aque- O resultado final da análise de suscetibili-
las detalhadas em Corsi et al. (2015), pautando- dade é um zoneamento do terreno que traduz a
-se em parâmetros morfométricos das bacias de incidência das distintas classes de suscetibilidade
drenagem (amplitude topográfica e área), padrão (alta, média e baixa), consideradas em relação aos
de relevo predominante (serras e/ou morros) e deslizamentos e, no caso de corridas de massa e
presença de zonas enquadradas na classe de alta enxurradas, a incidência é destacada em relação à
suscetibilidade a deslizamento, conforme previa- delimitação de bacias de drenagem com alta sus-
mente mapeadas, para fins de delimitação das ba- cetibilidade a esses dois processos (figura 3).
Figura 3. Porção da área de estudo mostrando bacias de drenagem suscetíveis a corridas de massa e en-
xurradas (delimitadas na cor preta) e a enxurradas (em vermelho), indicadas sobre o zoneamento referen-
te a movimentos gravitacionais de massa.
6.3 Cruzamento das informações de ção a essas zonas, de modo a se determinar a in-
suscetibilidade geológica com os limites de cidência das suscetibilidades em relação aos sítios
abrangência das barragens de mineração de locação das barragens.
Esta estimativa da incidência é obtida por
Uma vez que a área de estudo foi zoneada meio de cálculos efetuados diretamente em am-
em termos da suscetibilidade a deslizamentos, biente de SIG, os quais baseiam-se em correlações
corridas de massa e enxurradas, esta etapa tem o de área entre as zonas e o entorno das barragens
objetivo de correlacionar as barragens de minera- (em hectares) bem como em proporção (%). Para
88
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS
alcançar este objetivo, foi necessário desenvolver Inicialmente, foi preciso determinar a posi-
uma etapa metodológica para a delimitação dos li- ção das cristas ou cumes das elevações do terreno.
mites de abrangência das barragens de mineração. Para isto inverteu-se o MDE multiplicando-o por
-1 com a função raster calculator. O produto desta
operação é um novo raster, onde os picos foram
6.3.1 Delimitação do limite de abrangência transformados em depressões. Posteriormente,
das barragens de mineração fez-se um mapa de direção de fluxo a partir do
MDE invertido, e então, aplicou-se a este mapa a
Como as estimativas baseiam-se em relações
função sink utilizada para identificar depressões
de área, primeiramente, foi necessário definir uma
espúrias. O resultado foi uma camada em formato
área de abrangência para análise de cada barra-
raster onde cada pixel corresponde a um cume.
gem, haja vista que as barragens de mineração
Em seguida converteu-se esta camada para o for-
são cadastradas pela ANM apenas com um par de
mato vetorial do tipo ponto.
coordenadas localizadas no centro da crista da es-
Posteriormente, atribuiu-se a esses pontos
trutura, resultando em um único ponto.
valores de amplitude topográfica, que correspon-
É comum que as barragens estejam apenas
de à distância altimétrica entre a base da encosta e
parcialmente envoltas por encostas, o que ocorre
seu respectivo cume, a partir da função add surface
normalmente nas ombreiras e região de montan-
information. As amplitudes foram obtidas com a
te. Assim, adaptou-se o critério descrito em CPRM
aplicação do algoritmo HAND – Height Above the
(2018), no qual, para estes casos, a definição do
Nearest Drainage (RENNÓ et al. 2008). O HAND é
limite de abrangência para as análises deverá ser
um algoritmo utilizado na modelagem de inun-
realizada a partir do cálculo da média aritmética
dação das cartas de suscetibilidade (BITAR, 2014),
das distâncias entre o local de interesse e as cris-
por medir a diferença altimétrica entre qualquer
tas das encostas mais próximas, utilizando-se, no
ponto da grade do MDE e o respectivo ponto de
mínimo, 03 distâncias. A finalidade deste passo
escoamento na drenagem mais próxima. Matema-
é abranger os terrenos onde já ocorreu mobiliza-
ticamente, a utilização do HAND nos fornece a
ção de material em eventos pretéritos ou onde ela
variação de amplitude do relevo.
pode ocorrer.
Para assegurar que ruídos do MDE fossem
Dentro desta premissa, definiu-se como limi-
eliminados e que somente os cumes de encostas
te de abrangência um raio de entorno a partir do
com amplitude suficiente para gerar deslizamen-
ponto de cadastro de cada barragem, perfazendo
tos fossem computados na definição do limite de
uma área circular (figura 4). Para viabilizar este
abrangência das barragens, foram utilizados os
cálculo foram utilizadas ferramentas de geopro-
critérios e parâmetros de classificação de padrões
cessamento sobre o MDE da área de estudo, em
de relevo definidos por IPT/Emplasa (1990). Esta
ambiente SIG.
ação tem a função de limpar o ruído do arqui-
vo de pontos para só admitir a permanência de
cumes com amplitude superior a 40 metros, ou
seja, maiores ou iguais ao padrão “colinas”.
O raio de abrangência de cada barragem foi
calculado com base na média aritmética da dis-
tância dos cumes mais próximos do seu respecti-
vo ponto de cadastro da ANM, utilizando a fun-
ção generate near table. Por fim, aplicou-se a função
buffer nos pontos de cadastro para a delimitação
dos limites de abrangência, utilizando como raio
o valor da média calculado na tabela de atributos.
Assim, o limite de abrangência adequa-se ao ter-
Figura 4. Delimitação do limite de abrangência das barragens
reno do entorno da barragem, de modo que uma
de mineração. barragem localizada em um vale mais dissecado
89
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 5. Porção da área de estudo mostrando barragens de mineração no município de Itabira (MG), as
quais tiveram seus limites de abrangência delimitados com área proporcional à média das distâncias dos
cumes do entorno.
90
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS
Tabela 4. Matriz de pontuação de Suscetibilidade Geológica, inspirada e potencialmente aplicável na sistemática de notas
presente na Portaria DNPM n° 70.389/2017.
Para os deslizamentos, utilizou-se a percen- grande potencial destrutivo (Tominaga 2012). Por
tagem de ocorrência da classe de baixa suscetibi- esse motivo, em caso de incidência das barragens
lidade no interior do limite de abrangência das em bacias de drenagem suscetíveis, a nota deverá
barragens como balizador para a definição das ser diferenciada em relação ao processo e propor-
notas da coluna “Deslizamentos” da matriz de cional ao seu potencial destrutivo, impondo me-
“Suscetibilidade Geológica”. Tal escolha baseia-se nor ou maior impacto negativo à estrutura. Tal
na premissa de que uma barragem construída em abordagem resulta na coluna “Corridas e Enxur-
um sítio com predomínio de baixa suscetibilida- radas” da matriz de “Suscetibilidade Geológica”.
de a deslizamentos encontra-se em um cenário de
maior estabilidade geológica frente à deflagração
desses processos nas encostas naturais de seu en-
7 RESULTADOS E DISCUSSÃO
torno, acarretando menor propensão de impactos
O zoneamento da suscetibilidade a movimen-
negativos à estrutura.
tos de massa na área de estudo permitiu a divisão
No caso das enxurradas e corridas de massa,
do terreno em 3 classes homogêneas (alta, média
o fator determinante para as notas é a incidência
e baixa) com diferentes propensões à deflagração
ou não da barragem em uma bacia de drenagem
natural dos processos geológicos analisados, além
suscetível. Corridas e enxurradas são processos
da delimitação de bacias de drenagem propensas
de alta energia hidrodinâmica, entretanto, por sua
à deflagração de enxurradas e corridas de massa
elevada concentração de sólidos, bem como por
(figura 6).
seu amplo raio de alcance, as corridas apresentam
91
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
A partir de tais cenários, inicialmente, foram lidade a deslizamentos, representando 62% dos
geradas estatísticas que mostram um panorama terrenos analisados. Os terrenos com média e alta
geral com base na representatividade de cada suscetibilidade a deslizamentos somam os 38%
classe, em percentagem (figura 7), ou na incidên- restantes da área de estudo, sendo 25% de rele-
cia das barragens de mineração em bacias suscetí- vos que apresentam média suscetibilidade e 13%
veis (figura 8). traduzidos por encostas com alta propensão a
deslizamentos.
92
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS
Com relação às corridas de massa e enxurra- será a propensão de impactos negativos decorren-
das, as análises demonstraram que 70% das bar- tes desses processos à segurança da estrutura.
ragens de mineração cadastradas se encontram
inseridas em bacias de drenagem não suscetíveis
ou com baixa suscetibilidade a esses processos.
Entretanto, destaca-se que 94 barragens (26%) es-
tão localizadas em bacias com alta suscetibilidade
a enxurradas e que 15 barragens (4%) estão locali-
zadas em terrenos com alta suscetibilidade a cor-
ridas de massa.
Este panorama geral chama a atenção por de-
monstrar que mais de 30% do universo amostral
dos terrenos de entorno das barragens de mine-
ração de MG apresentam suscetibilidade média
a alta aos processos geológicos e hidrológicos
analisados. A deflagração desses processos pode Figura 9. Situação das barragens de mineração de MG em
afetar negativamente a segurança das barragens, relação às notas de suscetibilidade a deslizamentos.
por este motivo, os dados aqui mostrados podem
servir de balizadores para a realização de estudos Notadamente nas duas situações frente à
geotécnicos e hidrológicos mais detalhados, com PNSB, a maior frequência de barragens de mine-
a avaliação da influência da barragem no grau de ração de MG insere-se na nota 3 (CB ≤ 50%), sendo
suscetibilidade natural dos terrenos e, onde ne- 74 barragens fora da PNSB (50%) e 99 barragens
cessário, elaborar análise de riscos, carta de riscos inseridas na PNSB (45,8%). Isto equivale a dizer
e plano de gerenciamento de riscos, incluindo-se que quase a metade das barragens cadastradas
a execução de medidas preventivas estruturais e pela ANM no estado de MG encontram-se em
não estruturais. uma situação na qual os terrenos potencialmente
mais instáveis (classes média e alta) podem estar
representando mais de 50% das áreas de entorno
7.1 Distribuição dos dados de dessas estruturas.
suscetibilidade parametrizados As barragens dentro e fora da PNSB apresen-
tam uma distribuição semelhante frente às notas
A discretização dos dados de suscetibilidade
para incidência em bacias de drenagem suscetí-
segue as notas propostas na tabela 4. Embora sai-
veis a corridas de massa e enxurradas (figura 10).
ba-se que na legislação as matrizes de notas não se
aplicam às barragens fora da PNSB, optou-se por
incluí-las nesta parametrização somente para que
a sua distribuição frente à suscetibilidade geológi-
ca também fosse delineada.
No caso da suscetibilidade a deslizamentos, a
categorização se deu conforme faixas de pontua-
ção que consideram a representatividade dos ter-
renos mais estáveis (classe baixa) no interior dos
limites de abrangência das barragens, como bali-
zador das notas (figura 9). Assim, quanto maior
a proporção da classe de baixa suscetibilidade no
entorno da barragem, menor será a propensão de
Figura 10. Situação das barragens de mineração de MG em
deflagração de deslizamentos no limite de abran- relação às notas de suscetibilidade a corridas de massa e
gência da barragem e, em consequência, menor enxurradas.
93
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 11. Distribuição das notas de suscetibilidade a deslizamentos relacionando: a) a classificação final de risco; b) a CRI
isoladamente; c) o DPA isoladamente; e d) o nível de emergência.
Em relação às notas de deslizamentos, embo- seguem esta tendência, com a nota 3 para desliza-
ra não representem o maior grupo em número ab- mentos representando 44% da classe “B”, 44,4%
soluto de estruturas, constata-se que as barragens da classe “C” e 41,2% da classe “E”. No cadastro
com classificação “A”, situação de maior risco da de barragens de mineração da ANM utilizado
PNSB, são aquelas que apresentam a maior pro- neste trabalho, período de referência novembro
porção da nota 3 (CB ≤ 50%), representando 55,3% de 2020, não há registro de barragem classe “D”
dessas estruturas (figura 11a). As demais classes em MG.
94
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS
Isoladamente, DPA e CRI também refletem iniciada uma ISE e para qualquer outra situação
a tendência de distribuição das notas de desliza- com potencial comprometimento de segurança da
mento observada na classificação da PNSB, haja estrutura;
vista que esta é definida pelo cruzamento entre II. Nível 2 – Quando o resultado das ações
DPA e CRI (figura 11b e c). Tomando-se as piores adotadas na anomalia referida no inciso I for clas-
situações em termos de segurança como exemplo, sificado como “não controlado”, de acordo com a
as estruturas com nota 3 representam 58% do gru- definição do § 1º do art. 27 desta Portaria; ou
po de barragens com CRI alto e 46% das estrutu- III. Nível 3 – A ruptura é iminente ou está
ras com DPA alto. Justamente nas situações nas ocorrendo”.
quais as barragens aspiram maior atenção (DPA e
CRI altos), ocorre a maior proporção de terrenos O gráfico da figura 11d mostra que quase a
mais propensos a deslizamentos no entorno das totalidade das barragens que se encontram em si-
barragens. tuação de emergência possuem notas 2 e 3 para
O artigo 37 da Portaria DNPM 70.389/2017, deslizamentos. Mesmo que tal estado de emer-
em seus incisos I, II e III define os níveis de gência muito provavelmente não tenha como cau-
emergência: sa os processos de deslizamentos, o atingimento
“I. Nível 1 – Quando detectada anomalia que por um eventual deslizamento tem maior poten-
resulte na pontuação máxima de 10 (dez) pontos cial para configurar um gatilho para a ruptura de
em qualquer coluna do Quadro 3 – Matriz de Clas- estruturas com este grau de fragilidade.
sificação Quanto à Categoria de Risco (1.2 – Esta-
do de Conservação), do Anexo V, ou seja, quando
Figura 12. Distribuição das notas de suscetibilidade a corridas e enxurradas relacionando: a) a classificação final de risco; b) a
CRI isoladamente; c) o DPA isoladamente; e d) o nível de emergência.
95
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Ao analisarmos a figura 12a é possível cons- nagem (Araújo 2006). A própria Portaria DNPM
tatar que a maior parte das barragens com nota 2 70.389/2017 atribui notas diferentes ao tipo de
(suscetível a enxurradas) encontra-se na classifi- método construtivo para o cálculo da CRI. Assim,
cação “B”, representando 31%, seguido pela clas- as barragens com o método à montante possuem
se “A”, perfazendo 26%. As barragens com nota 4 as maiores notas, contribuindo mais para o au-
(suscetível a corridas de massa) representam um mento do risco da barragem.
reduzido grupo de 6 estruturas e distribuem-se da
seguinte forma: 1 na classe “A”, 3 na classe “B” e
2 na classe “C”.
Tomando-se a CRI isoladamente (figura 12b),
as barragens suscetíveis a corridas de massa e en-
xurradas predominam na CRI baixo, sendo que
27% deste grupo possui nota 2 e 2% a nota 4. No
que diz respeito ao grupo com CRI alto, constata-
-se que 10 barragens estão locadas em terrenos
com alta suscetibilidade a enxurradas, enquanto
que 2 estruturas se situam em bacias com alta sus-
cetibilidade à deflagração de corridas de massa. Figura 13. Distribuição das notas de suscetibilidade a desli-
Já quando averiguamos o DPA isoladamente (fi- zamentos relacionando os métodos construtivos das barra-
gura 12c), 46 barragens suscetíveis a processos de gens de mineração.
96
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS
Em tese, este grupo é o que apresentaria a menor 7.1.3 Análise da distribuição conjunta das
vulnerabilidade geotécnica, por não ter sofrido notas de deslizamentos e notas de corridas e
alteamentos, denotando um maior controle cons- enxurradas
trutivo e robustez. Já no grupo com maior vul-
nerabilidade aos processos aqui analisados, com Aproveitando o poder de análise propor-
alteamento à montante, é digno de nota que 28% cionado pelo SIG elaborado neste trabalho, fez-
das barragens estão locadas em terrenos com alta -se uma análise da distribuição conjunta das no-
suscetibilidade a enxurradas e 4% em bacias com tas de deslizamentos com as notas de corridas e
alta suscetibilidade a corridas. enxurradas, de modo a avaliar a sinergia de sua
distribuição.
Figura 15. Distribuição conjunta das notas de deslizamentos com as de corridas e enxurradas nas barragens: a) inseridas na
PNSB e b) fora da PNSB. NCE = nota de corridas e enxurradas. ND = nota de deslizamentos.
97
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 16. A seta indica um caso de barragem inserida em bacia suscetível a corridas, porém circundada
por terrenos mais suaves, por se encontrar junto ao exutório.
98
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS
pacial das estruturas. Como forma de contornar Bitar O. Y. (Coord.) 2014. Cartas de suscetibilida-
essa dificuldade, neste estudo desenvolveu-se de a movimentos gravitacionais de massa e inun-
uma metodologia para definir as áreas de abran- dações: 1:25.000 – Nota técnica explicativa. São
gência das barragens. Embora isto tenha permi- Paulo: IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas
tido o desenvolvimento das análises, salienta-se do Estado de São Paulo; Brasília, DF: CPRM – Ser-
que são áreas teóricas, não representando exata- viço Geológico do Brasil. (Publicação IPT, 3016).
mente o polígono formado pelos sítios de locação
de cada barragem. Brasil. Lei n° 12.334, de 20 de setembro de 2012.
Contudo, considera-se que os resultados Estabelece a Política Nacional de Segurança de
produzidos foram capazes de atingir os objetivos Barragens destinadas à acumulação de água para
propostos neste trabalho. quaisquer usos, à disposição final ou temporária
Como considerações finais, é importante sa- de rejeitos e à acumulação de resíduos industriais,
lientar que os critérios de corte e as respectivas cria o Sistema Nacional de Informações sobre Se-
notas da matriz de suscetibilidade foram aqui gurança de Barragens e altera a redação do art. 35
propostas empiricamente, não tendo passado por da Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997, e do art.
consulta pública ou sob o crivo de um painel de 4o da Lei no 9.984, de 17 de julho de 2000. Diário
especialistas, tal como foram as notas das matri- Oficial. Brasília, 21 set. 2010.
zes existentes na legislação.
Brasil. Portaria 70.389 do Departamento Nacional
de Mineração – DNM, de 17 de maio de 2017. Cria
AGRADECIMENTOS o Cadastro Nacional de Barragens de Mineração,
o Sistema Integrado de Gestão em Segurança de
Registram-se agradecimentos especiais ao Barragens de Mineração e estabelece a periodici-
geólogo Ricardo Abrahão, consultor e professor dade de execução ou atualização, a qualificação
do Curso de Especialização em Segurança de Bar- dos responsáveis técnicos, o conteúdo mínimo e
ragens da UFBA/PTI, pela contribuição e orien- o nível de detalhamento do Plano de Segurança
tação. Agradecimentos também ao geólogo José da Barragem, das Inspeções de Segurança Regular
Luiz Kepel Filho da CPRM, pelo apoio prestado e Especial, da Revisão Periódica de Segurança de
nas etapas de geoprocessamento. Barragem e do Plano de Ação de Emergência para
Agradece-se, ainda, à CPRM, IPT e ANM Barragens de Mineração, conforme art. 8°, 9°, 10,
pela disponibilização de material de consulta e 11 e 12 da Lei n° 12.334 de 20 de setembro de 2010,
insumos para o desenvolvimento desta pesquisa. que estabelece a Política Nacional de Segurança
de Barragens – PNSB. Diário Oficial. Brasília, 19
mai. 2017.
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lece medidas regulatórias objetivando assegurar a
cias metálicas. Brasília, Disponível em: https://
estabilidade de barragens de mineração, notada-
www.gov.br/anm/pt-br/centrais-de-conteudo/
mente aquelas construídas ou alteadas pelo mé-
publicacoes/serie-estatisticas-e-economia-mine-
todo denominado “a montante” ou por método
ral/anuario-mineral/anuario-mineral-brasileiro.
declarado como desconhecido e dá outras provi-
Acessado em: 29 nov. 2020.
dências. Diário Oficial. Brasília, 01 out. 2020.
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de 1989, que cria o Fundo Nacional do Meio Am-
biente (FNMA), a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de
99
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
1997, que institui a Política Nacional de Recursos Macedo E.S. & Bressani L.A. (Org.). 2013. Diretri-
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100
WORKSHOP DE RISCO
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS
INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL
RELACIONADOS AO PLANEJAMENTO URBANO E À
GESTÃO DE RISCO GEOLÓGICO E HIDROLÓGICO
OVERVIEW OF THE GEOTECHNICAL CARTOGRAPHY AND CURRENT INSTRUMENTS IN
BRAZIL RELATED TO URBAN PLANNING AND GEOLOGICAL AND HYDROLOGICAL RISK
MANAGEMENT
RESUMO ABSTRACT
Este artigo tem por pressuposto reforçar a necessida- This work aims to reinforce the need to expand
de de ampliarmos as discussões sobre os instrumentos discussions on existing instruments in Brazil applied to
existentes no Brasil aplicados no planejamento urbano urban planning and risk management. Currently, the
e gestão do risco. Atualmente os principais instrumen- main instruments used in decision-making in municipal
tos que permeiam a tomada de decisões nos territórios territories are the Municipal Risk Reduction Plans
municipais são os Planos Municipais de Redução de (PMRR), the CPRM Risk Sector Maps, the Contingency
Risco (PMRR), os Mapas de Setorização de Riscos da Plans, the Civil Defense Preventive Plans and, more
CPRM, os Planos de Contingência, os Planos Preven- recently, the GIDES Project – Natural Disaster Risk
tivos de Defesa Civil e, mais recentemente, as Cartas Management. The Geotechnical Susceptibility Maps
de Perigo e Risco do Projeto GIDES. Soma-se a estes and the Geotechnical Maps for Urban Planning still
as Cartas Geotécnicas de Suscetibilidade e as Cartas have no defined reference methodologies. From an
de Aptidão à Urbanização, ainda sem metodologias overview of what has already been prepared in the
de referência definidas. A partir de um panorama do national territory, one of the aims of this work is to
que já foi elaborado no território nacional, um dos ob- bring to light a critical discussion of consolidated
jetivos deste trabalho é trazer à luz uma discussão crí- instruments defined as mandatory by Law 12.608,
tica dos instrumentos consolidados e definidos como aimed at risk management and disaster management,
obrigatórios pela Lei 12.608, voltados à gestão do risco in order to check the scope and applicability of
e manejo dos desastres, com o intuito de se verificar information and products that are being generated
a abrangência e aplicabilidade das informações e pro- and delivered to Brazilian cities. The methodology
dutos que estão sendo gerados e entregues aos muni- used to elaborate the PMRR has not undergone any
cípios brasileiros. A metodologia utilizada para a ela- revisions since its implementation, and contingency
boração do PMRR não passou por quaisquer revisões plans continue to be generated without the adequate
desse a sua implantação, e os planos de contingência preparation of risk scenarios. The CPRM risk sector
continuam sendo gerados sem a elaboração adequada maps are, for the most part, out of date, but continue
dos cenários de risco. Os mapas de setorização do risco to be used by Public Prosecutors to pressure cities to
da CPRM estão, em sua maioria, desatualizados, mas take actions related to works and/or mass removals.
continuam sendo utilizados pelos Ministérios Públicos The GIDES Project proposes a methodology that does
para pressionar os municípios a tomarem ações rela- not consider geological-geotechnical variability as a
cionadas a obras e/ou remoções em massa. O Projeto condition for the elaboration of scenarios, which goes
GIDES propõe uma metodologia que não considera a against the geological-structural complexity of Brazil.
variabilidade geológica-geotécnica como condicionan- The Geotechnical Maps for Urban Planning, on the
102
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL
te para a elaboração dos cenários, o que vai de encontro other hand, are still restricted to extension/research
com a complexidade geológico-estrutural do Brasil. Já projects and the Geotechnical Susceptibility Maps have
as Cartas de Aptidão à Urbanização, essas ainda estão not yet been used by municipal administrations.
restritas a projetos de extensão/pesquisa e as cartas de
suscetibilidades ainda não tiveram seu uso compreen- Keywords: Mapping, Urban Planning, Risk
dido pelas administrações municipais. Management.
103
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
em 2015 foi definido na Assembleia do Escritório mas Temáticos e de Gestão, nos programas asso-
de Redução de Riscos de Desastres da ONU, rea- ciados à gestão de riscos e respostas a desastres
lizada na cidade de Sendai, no Japão o Marco de estabeleceu-se como principais metas a ampliação
Ação de Sendai, estabelecendo diretrizes para que do conhecimento público sobre as áreas de risco
os governos locais possam investir no desenvol- nos municípios mais críticos, por meio do mapea-
vimento da resiliência. Como objetivos principais mento da suscetibilidade geológica-geotécnica
destaca-se a redução de riscos de desastres exis- aos fenômenos de deslizamentos, inundações e
tentes e prevenir novos riscos por meio da imple- enxurradas; do mapeamento de riscos nas áreas
mentação de medidas integradas e inclusivas em ocupadas; da definição de diretrizes para a ocu-
âmbito econômico, estrutural, legal, social, saúde, pação urbana segura; e do monitoramento para
cultural, educacional, ambiental, tecnológico, po- reduzir a ocupação de áreas de maior fragilidade
lítico e institucional que previnam e reduzam a natural.
exposição ao risco e a vulnerabilidade a desastres, Ainda em 2012 destaca-se a decretação da
aprimorando a preparação para a resposta e para Lei 12.608, que institui a Política, o Sistema e o
a recuperação e, consequentemente, fortalecendo Conselho Nacionais de Proteção e Defesa Civil
a resiliência. e autoriza a criação de sistema de informações e
Cabe ressaltar como marco em relação à polí- monitoramento de desastres, tratando destes de
tica pública brasileira, após décadas de crescimen- forma ampla e organizada, abrangendo a identi-
to desordenado e o aumento significativo de ocor- ficação e análise de riscos, as medidas estruturais
rências de desastres naturais, a regulamentação e não-estruturais para mitigação e/ou solução de
da Lei Federal n.º 10.257, de 10 de julho de 2001, problemas, os sistemas de contingência, a capa-
denominada Estatuto da Cidade, que estabelece citação e treinamento dos agentes de proteção e
normas de ordem pública e interesse social que defesa civil e a obrigação da informação pública.
regulam o uso da propriedade urbana em prol do A Lei determina a atuação articulada entre União,
bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos ci- Estados e Municípios; a abordagem sistêmica; a
dadãos, bem como do equilíbrio ambiental. prioridade às ações preventivas; a adoção da ba-
Após a regulamentação do Estatuto das Ci- cia hidrográfica como unidade de análise; o pla-
dades destaca-se, no ano de 2003, a criação do nejamento com base em pesquisas e estudos e a
Ministério das Cidades (MCID) e da Coordenação participação da sociedade civil, que os Estados e
de Prevenção de Riscos vinculada à Secretaria Na- Municípios deverão identificar e mapear áreas de
cional de Programas Urbanos. A partir de então, risco e realizar estudos de identificação de amea-
a análise de risco deixou de ser exclusividade dos ças, suscetibilidades e vulnerabilidades.
projetos acadêmicos ou de iniciativas individuais Passados quase dez anos da decretação da
de algumas poucas cidades no Brasil, passando Lei 12.608 muitos novos “mapas” de risco, susce-
a se constituir como um embrião de uma políti- tibilidade e aptidão foram elaborados no território
ca pública, pouco respaldada politicamente, mas nacional, mas nenhuma discussão ocorreu sobre o
capaz de desenvolver e implementar uma ação or- uso adequado das informações, sobre a aplicabi-
çamentária denominada “Apoio à Prevenção de lidade das informações geradas e correlação com
Riscos em Assentamentos Precários”. planos diretores, planos de contingência, planos
Já em 2012 abriu-se uma nova janela de opor- preventivos de defesa civil, entre outros e, prin-
tunidades para a consolidação de uma gestão cipalmente, se o que foi estabelecido na Lei tem
adequada do meio físico, de riscos e desastres no sido cumprido. Faltam análises sobre a participa-
país, destacando-se a formulação do Plano Pluria- ção da sociedade na elaboração dos mapeamentos
nual (PPA) 2012-2015, a nova política estabeleci- como previsto em Lei, se os Estados e municípios
da pela Lei 12.340/10, que dispõe sobre o Sistema avançaram na identificação e mapeamento de
Nacional de Defesa Civil – SINDEC, e os recursos seus territórios e de suas áreas de risco geológico
alocados para intervenções estruturadoras atra- e hidrológico, se as ações preventivas estão sendo
vés do Programa de Aceleração do Crescimento efetivamente desenvolvidas ou se estamos apenas
(PAC). Para o PPA 2012 – 2015, entre os Progra- gerando documentos para o cumprimento buro-
104
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL
crático dos processos administrativos e/ou jurídi- mento ambiental, assim, pode ser definido como
cos. Esse artigo não tem a pretensão de responder um processo político, social, econômico e tecno-
todas essas questões em aberto, mas ao descrever lógico, que deve possuir um caráter educativo e
resumidamente os instrumentos hoje existentes participativo, onde os agentes que representam a
no território nacional e a forma como estes estão sociedade (políticos, líderes comunitários, repre-
sendo aplicados amplia-se a percepção da neces- sentantes de instituições governamentais e civis,
sidade de uma visão mais integrada do sistema e poder público federal, estadual e municipal) de-
de um efetivo Plano Nacional de Gestão de Riscos verão escolher as melhores alternativas para a
e Resposta a Desastres. conservação dos recursos naturais, consoante com
um desenvolvimento compatível e equilibrado
com o ambiente.
2 CONTEXTUALIZAÇÃO Calderón e Segura (1996); Bonduki (1998,
apud Carriço, 2002) destacam que, no fenômeno
Remonta da década de 1980 o debate sobre a
de urbanização, a intervenção antrópica é quase
necessidade de o Governo Federal assumir de for-
sempre geradora de problemas imediatos ou de
ma coordenada ações referentes ao ordenamento
médio prazo, seja pela inadequação ou não apti-
do território nacional, mas apenas em 1988, a Car-
dão geotécnica das áreas ocupadas para o uso ur-
ta Magna estabeleceu, em seu Artigo 21, parágra-
bano, seja pela ocupação de áreas de menor valor
fo IX: “Compete à União elaborar e executar planos
imobiliário, e/ou pela instalação de bairros e as-
nacionais e regionais de ordenação do território e de
sentamentos em áreas de proteção ambiental.
desenvolvimento econômico e social”. Para cumprir
Um resgate histórico no Brasil, mesmo que
este preceito constitucional, em 1990 foi criada a
breve, nos traz um panorama com a ocorrência
Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE e, a ela
de muitos desastres sócio naturais destacando-se
subordinada, a Diretoria de Ordenação Territo-
entre outros, o do Vale do Paraíba do Sul (MG e
rial (DOT), cuja estratégia básica se concentrou na
RJ) em 1948 com 250 vítimas fatais; o de Caragua-
elaboração de planos de zoneamento ecológico-
tatuba (SP) em março de 1967 com pelo menos 120
-econômico (ZEE). Em 1999, mediante a Medida
vítimas; o da Serra das Araras (RJ) em janeiro de
Provisória 1.795/99, a SAE foi extinta e as suas
1967 com, no mínimo, 1700 vítimas fatais; o de Vi-
atribuições referentes ao ZEE transferidas para o
tória (ES) em 1985 com 93 vítimas e o de Petrópo-
Ministério do Meio Ambiente pela Medida Pro-
lis (RJ) em fevereiro de 1988, com 171 vítimas fa-
visória 1.911-8/99, e em 2003, a Lei 10.683/03,
tais registradas oficialmente. Mais recentemente,
que estabeleceu as atribuições de cada Ministério,
as inundações em novembro de 2008 e setembro
conferiu a responsabilidade sobre o ordenamento
de 2011 no Vale do Itajaí em Santa Catarina e em
territorial ao Ministério da Integração Nacional e
junho de 2010 na região Nordeste, as enxurradas
ao Ministério da Defesa. A partir daí ainda se en-
e deslizamentos em janeiro de 2011 na região ser-
contra em aberto a elaboração de uma proposta
rana do Rio de Janeiro, as cheias neste mesmo ano
de Política Nacional de Ordenamento Territorial
na Região Norte, a seca severa no Semiárido Nor-
(PNOT).
destino em 2012, as inundações no Espírito Santo
A Gestão Ambiental e o Ordenamento Ter-
em 2013/2014, e as inundações e deslizamentos
ritorial são processos continuados de análise, de-
na Região Sudeste em 2019/2020.
cisão, organização das atividades, controle dos
Segundo o Atlas Brasileiro de Desastres Na-
dados, cuja integração das etapas elencadas deve
turais (BRASIL, 2011), foram registrados no Brasil
possibilitar a avaliação dos resultados visando à
31.909 desastres naturais no período 1991-2010,
utilização dos recursos naturais com minimização
relacionados com as secas, inundações bruscas
dos impactos ambientais, a partir da formulação
e graduais, vendavais, granizo, movimentos de
e implementação de políticas e ações efetivas que
massa, incêndios florestais, geadas, tornados e
permitam vislumbrar as possíveis consequências
erosões linear, marinha e fluvial. Este levanta-
futuras, em decorrência do uso dos recursos na-
mento foi baseado nos documentos da Secretaria
turais, sejam elas positivas ou negativas. Planeja-
Nacional de Defesa Civil – SEDEC, nas defesas
105
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
civis estaduais e do Distrito Federal, sendo certo pelo meio físico, aumenta a vulnerabilidade das
que os registros devem estar subnotificados. populações, bens e infraestrutura, promovendo
Ao mesmo tempo, de acordo com o Painel uma combinação perigosa. Soma-se a esse con-
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas texto a atuação de sistemas atmosféricos distintos
Globais (IPCC), e o que aponta o primeiro Rela- em diferentes épocas do ano, que além de defla-
tório de Avaliação Nacional (RAN1), lançado em grarem os processos mencionados, ainda podem
2013 pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáti- causar tornados, chuvas intensas e concentradas,
cas (PBMC), a temperatura média do planeta su- granizos, secas e estiagens prolongadas, resultan-
biu 0,7ºC ao longo do século 20, e esse aquecimen- do em danos severos à sociedade.
to vem ocorrendo de maneira mais rápida nos A comunidade técnico-científica teve, duran-
últimos 25 anos. Em geral, espera-se uma eleva- te as três últimas décadas, uma ação importante
ção em torno de 4°C nas próximas décadas, o que em relação à produção de Cartografia Geotécnica
vai desencadear várias alterações em todo o pla- e Geoambiental, com a realização de pelo menos
neta, como mudança no regime das chuvas; ele- um evento anual tratando a temática em Simpó-
vação do nível do mar; e aumento na frequência sios e Congressos nacionais nas áreas de Geologia
de eventos climáticos extremos, como enchentes, e Geologia de Engenharia ou em eventos especí-
tempestades, furacões e secas; além de interferir ficos, de caráter local, regional, nacional e inter-
na agricultura e contribuir para o processo de de- nacional que, associados aos recorrentes desas-
sertificação. No Brasil, o clima ficará mais quente tres relacionados a deslizamentos e inundações,
com aumento gradativo e variável da temperatu- impulsionaram o desenvolvimento de inúmeros
ra média em todas as regiões do país, e o regime trabalhos e muitos procedimentos metodológicos,
de chuvas também vai mudar. As precipitações bem como o surgimento de centros produtores
diminuirão significativamente em grande parte deste tipo de cartografia, tais como a Universi-
das regiões central, Norte e Nordeste do país e dade Federal do Rio de Janeiro, a EESC-USP São
aumentarão nas regiões Sul e Sudeste. Carlos, o Instituto de Pesquisa Tecnológicas do
Os números apresentados indicam a urgen- Estado de São Paulo, o Instituto Geológico (IG), a
te necessidade das cidades incorporarem a carto- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, den-
grafia geotécnica nos diagnósticos do meio físico tre outros, além da formação de importantes gru-
(suscetibilidade, perigo, risco e aptidão) transver- pos de pesquisa, tendo como pioneiro o IPT (São
salmente à gestão pública, com a adoção de me- Paulo), produzindo e irradiando conhecimentos
didas (planejamento/zoneamento urbano e rural) técnicos de avaliação e gestão de risco, seguido
anteriormente à deflagração de processos geoló- por grupos no Rio de Janeiro (GEORIO), Recife
gicos e hidrológicos, a partir da previsão de con- (UFPE), Florianópolis (UFSC e CEPED-SC), Rio
dições potencialmente favoráveis à sua ocorrên- Claro (UNESP), Ouro Preto (UFOP) entre outros.
cia, e para isso tem que haver o interesse político A profusão de trabalhos, geralmente produtos
com uma forte coordenação de governo, sem abrir de pesquisas acadêmicas e quase sempre desen-
mão da participação indispensável da sociedade. volvendo, testando ou adaptando procedimentos
Condições geológicas, geomorfológicas, cli- metodológicos, possibilitou o mapeamento de um
máticas e a contínua expansão desordenada da considerável número de cidades e regiões.
urbanização levam a situações extremamente crí- A sequência de desastres a partir de 2008 im-
ticas por todo o planeta. No Brasil não é diferente pulsionou a elaboração de inúmeros trabalhos de
e diversos fatores contribuem para a ocorrência mapeamento, além dos trabalhos associados ao
dos desastres sócio naturais, tais como as carac- meio acadêmico, a partir da criação de programas
terísticas do relevo, que associados aos contextos e sistemáticas envolvendo, principalmente, o Mis-
geológicos favorecem a ocorrência natural de dife- tério das Cidades, o Ministério da Integração Na-
rentes processos geológicos e hidrológicos. O pro- cional e agora o Ministério do Desenvolvimento
cesso de ocupação realizado de forma inadequada Regional.
e sem nenhuma forma de planejamento que in- Com a criação do Ministério das Cidades
corpore efetivamente as especificidades impostas em janeiro de 2003 e quase simultaneamente da
106
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL
107
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
108
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL
pal de gerenciamento e gestão do risco geológico to, não mais do que 150 municípios brasileiros
e hidrológico. Entre os instrumentos existentes é o conseguiram de alguma forma elaborar na íntegra
único que é executado na escala de detalhe e que o seu PMRR retratando a dificuldade de dissemi-
envolve a participação dos técnicos municipais e nação e/ou execução desse instrumento (Tabelas
da população em sua construção. Entretanto, até o 1 a 6). Ressalta-se, também, que nenhuma revisão
ano de 2020, 17 anos após a criação do instrumen- metodológica ocorreu desde a sua implantação.
Tabela 1. Municípios com Plano Municipal de Redução de Risco – PMRR nos estados de Alagoas, Ceará e Pernambuco.
MUNICÍPIO UF MUNICÍPIO UF
Maceió AL Itapissuma PE
Fortaleza CE Jaboatão dos Guararapes PE
Abreu e Lima PE Olinda PE
Cabo De Santo Agostinho PE Paulista PE
Camaragibe PE Recife PE
Igarassu PE São Lourenço Da Mata PE
Ipojuca PE Natal RN
Tabela 2. Municípios com Plano Municipal de Redução de Risco – PMRR no estado do Espírito Santo.
MUNICÍPIO UF MUNICÍPIO UF
109
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Tabela 3. Municípios com Plano Municipal de Redução de Risco – PMRR no estado de Minas Gerais.
MUNICÍPIO UF MUNICÍPIO UF
Tabela 4. Municípios com Plano Municipal de Redução de Risco – PMRR no estado do Rio de Janeiro.
MUNICÍPIO UF MUNICÍPIO UF
Tabela 5. Municípios com Plano Municipal de Redução de Risco – PMRR nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
MUNICÍPIO UF
Caxias Do Sul RS
Santa Maria RS
Blumenau SC
Criciúma SC
Florianópolis SC
Jaraguá Do Sul SC
110
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL
Tabela 6. Municípios com Plano Municipal de Redução de Risco – PMRR no estado de São Paulo.
MUNICÍPIO UF MUNICÍPIO UF
Aparecida SP Jundiaí SP
Arujá SP Limeira SP
Bom Jesus Dos Perdões SP Mauá SP
Caieiras SP Osasco SP
Campos Do Jordão SP Piquete SP
Caraguatatuba SP Poá SP
Carapicuíba SP Ribeirão Pires SP
Cubatão SP Rio Grande da Serra SP
Cunha SP Santana de Parnaíba SP
Diadema SP Santo André SP
Embu Das Artes SP Santos SP
Francisco Morato SP São Bernardo Do Campo SP
Franco Da Rocha SP São Jose Dos Campos SP
Guarujá SP São Sebastião SP
Guarulhos SP São Paulo SP
Itapecerica Da Serra SP São Vicente SP
Itapevi SP Sumaré SP
Itápolis SP Suzano SP
Itaquaquecetuba SP Taboão Da Serra SP
Jacareí SP Vargem Grande Paulista SP
Jandira SP
3.3 Plano Preventivo de Defesa Civil (PPDC) vistorias de campo e atendimentos emergenciais.
Como acontece com os Planos de Contingência,
O Plano Preventivo de Defesa Civil (PPDC) na prática e em grande parte dos municípios,
é um instrumento implantado pelo Governo do ocorrem problemas na delimitação dos cenários
Estado de São Paulo (Decreto Estadual nº 30.860 de riscos geológicos e hidrológicos, o que pode ser
de 04/12/1989, redefinido pelo Decreto Estadual associado às dificuldades de estruturação, qualifi-
nº42.565 de 01/12/1997), específico para desliza- cação e continuidade administrativa das equipes
mentos nas encostas da Serra do Mar, tendo por municipais de Defesa Civil, que é um problema
objetivo principal evitar a ocorrência de mortes, em todo o país. Entretanto, a metodologia propos-
com a remoção preventiva e temporária da po- ta para a sua elaboração e o apoio técnico forne-
pulação que ocupa as áreas de risco, antes que os cido pelo IPT e pelo IG é um avanço importante
deslizamentos atinjam suas moradias. Implanta- quando comparado aos Planos de Contingência
do desde 1988, o PPDC entra em operação anual- pelo suporte técnico qualificado prestado, o que
mente (de 1º de dezembro até 31 de março), na não se replica em nenhum outro estado brasileiro.
chamada Operação Verão, com coordenação da
Defesa Civil Estadual e apoio técnico do Institu-
to Geológico e do Instituto de Pesquisas Tecno- 3.4 Setorização de Riscos – CPRM
lógicas do estado de São Paulo. Posteriormente
Os Mapas de Setorização de Riscos foram
foi ampliado e implantado em 177 municípios do
fruto de ação uma emergencial onde o Serviço
Estado, envolve ações de monitoramento dos ín-
Geológico do Brasil – CPRM ficou encarregado de
dices pluviométricos e da previsão meteorológica,
111
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
delimitar as áreas com maior predisposição a pro- tro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desas-
blemas geológicos e hidrológicos em 286 cidades tres (CENAD), sendo que o objetivo principal foi
brasileiras até o final do ano de 2012, em caráter atingir 821 municípios até 2014. Até meados do
emergencial, para dar suporte ao monitoramento ano de 2021 a setorização do risco foi realizada em
de riscos do Centro Nacional de Monitoramento e 1609 municípios brasileiros abrangendo os 26 es-
Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e Cen- tados brasileiros (Tabela 7).
Tabela 7. Número de municípios por estado com setorização de risco da CPRM. Fonte: CPRM, 2021.
N.º DE
N.º DE MUNICÍPIOS
UNIDADE FEDERATIVA MUNICÍPIOS UNIDADE FEDERATIVA
MAPEADOS
MAPEADOS
Acre (Ac) 22 Paraíba (Pb) 40
Alagoas (Al) 31 Paraná (Pr) 48
Amapá (Ap) 08 Pernambuco (Pe) 88
Amazonas (Am) 62 Piauí (Pi) 46
Bahia (Ba) 87 Rio De Janeiro (Rj) 06
Ceará (Ce) 69 Rio Grande Do Norte (Rn) 28
Espírito Santo (Es) 78 Rio Grande Do Sul (Rs) 57
Goiás (Go) 27 Rondônia (Ro) 52
Maranhão (Ma) 88 Roraima (Rr) 05
Mato Grosso (Mt) 20 Santa Catarina (Sc) 295
Mato Grosso Do Sul (Ms) 22 São Paulo (Sp) 119
Minas Gerais (Mg) 193 Sergipe (Se) 29
Pará (Pa) 74 Tocantins (To) 15
Por ser uma ação emergencial, entre outras Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desas-
questões técnicas relacionadas ao instrumento, o tres – CENAD e dão suporte à emissão de avisos e
resultado prático obtido com as primeiras setori- alertas meteorológicos, independente de quando
zações foi a definição das áreas que devem ser car- tenham sido geradas.
tografadas na escala de detalhe para a delimitação
do risco nos municípios mapeados, em programas
específicos para esta finalidade, impedindo assim
3.5 Cartas de Perigo – CPRM
o uso das informações geradas para uma gestão
O Projeto de Fortalecimento da Estratégia
efetiva dos riscos.
Nacional de Gestão Integrada de Riscos em De-
Entretanto, o que merece mais destaque é o
sastres Naturais (GIDES) é fruto de um acordo
fato de os resultados gerados pela setorização do
firmado entre os governos do Brasil e do Japão,
risco pela CPRM, mesmo estando, por vezes, em
como parte do esforço para o gerenciamento in-
escalas inadequadas e já se encontrarem defasa-
tegrado de riscos de desastres naturais ocasiona-
dos, têm sido utilizados pelos Ministérios Públi-
dos por movimentos gravitacionais de massa, tais
cos Municipais e Estaduais, por meio de ações
como deslizamentos planar e rotacional, fluxo de
judiciais e Termos de Ajustamento de Conduta
detritos e queda de blocos. O acordo foi firma-
(TAC), para pressionarem os municípios na reali-
do em 2013 por intermédio de Japan Internacional
zação de intervenções estruturais e/ou remoções
Cooperation Agency (JICA) e Agência Brasileira de
em massa. Além disso, as informações geradas
Cooperação (ABC), com a participação de diver-
desde o ano de 2012 são disponibilizadas para o
sos órgãos do governo brasileiro. Como resultado
Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de
dessa cooperação, foram produzidos seis manuais
Desastres Naturais – CEMADEN, e para o Centro
técnicos, com os quais se objetiva auxiliar as ad-
112
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL
113
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Tabela 9. Número de municípios por Estado com Cartas de Suscetibilidade a Movimentos Gravitacionais de Massa e Inunda-
ções elaboradas e/ou contratadas pela CPRM.
Cabe ressaltar que a avaliação da suscetibi- por-se dos dados básicos de uma enorme quanti-
lidade é um problema complexo, multivariado dade de encostas naturais.
e que envolve extrapolação de dados locais para
áreas maiores. Esta prática envolve um alto grau
de incerteza, principalmente em relação ao pro-
3.7 Cartas Geotécnicas de Aptidão à
cesso de classificação e graduação da suscetibili- Urbanização
dade. Nesse sentido a elaboração de uma Carta
Com a promulgação da Lei n° 12.608/2012
de Suscetibilidade deve ser entendida como algo
tornou-se obrigatório para os municípios a execu-
muito além de sua mera concepção, a partir da
ção de um conjunto de ações que compreendem
aplicação de uma metodologia pré-estabelecida.
quatro eixos de atuação: Prevenção, Mapeamento,
O município além de receber a carta deve ser ca-
Resposta e Sistema de Monitoramento e Alerta.
pacitado para entender detalhadamente o seu sig-
No eixo Mapeamento, o Ministério do Desenvol-
nificado e, principalmente, suas limitações.
vimento Regional é responsável pelo apoio aos
Os métodos denominados “qualitativos” e
municípios para a elaboração de cartas de aptidão
“quantitativos relativos” atuais, de previsão de
à urbanização frente aos desastres naturais, ins-
suscetibilidade baseados em elementos geológi-
trumento de planejamento urbano que visa forne-
co/geomorfológicos são subjetivos, pouco preci-
cer subsídios para que os novos projetos de par-
sos e de difícil transporte automático de um lo-
celamento do solo incorporem diretrizes voltadas
cal para outro. Os métodos baseados em critérios
para a prevenção dos desastres, especialmente
“históricos” dependem de um período bastante
aqueles associados a deslizamentos de encostas,
extenso de observações e que nada garante que
enxurradas, corridas de massa, inundações e pro-
locais sem histórico anterior não venham a ter al-
cessos hidrológicos e geológicos correlatos. Trata-
gum processo geodinâmico em um determinado
-se, assim, de um instrumento novo cujas metodo-
momento. Os métodos “absolutos” (determinís-
logias de análise ainda estão em fase de discussão
ticos) atualmente empregados para avaliação de
e consolidação.
estabilidade de taludes, ainda são impraticáveis
A aptidão à urbanização pode ser definida
como método de uso intensivo para essa mesma
como a capacidade dos terrenos para suportar
finalidade, em razão da impossibilidade de dis-
os diferentes usos e práticas da engenharia e do
114
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL
urbanismo, com o mínimo de impacto possível e usuários (públicos e privados), indicando as po-
com o maior nível de segurança (Sobreira e Souza, tencialidades e restrições das áreas no perímetro
2012). Sua análise parte do mapeamento, caracte- urbano dos municípios e em zonas de futura ocu-
rização e integração de atributos do meio físico pação (expansão urbana).
que condicionam o comportamento deste fren- Entre os anos de 2012 e 2021 foram elabora-
te às solicitações existentes ou a serem impostas das aproximadamente 70 cartas de aptidão à ur-
(implantação de infraestrutura e acesso a serviços banização municipais, sendo que a maior parte
urbanos, melhorias habitacionais, parcelamento vinculada a projetos de extensão e/ou pesquisa
do solo, consolidações geotécnicas, regularização (Tabela 10). Embora seja um instrumento obri-
fundiária etc.). As cartas geotécnicas de aptidão gatório estabelecido pela Lei 12.608 que institui
devem sempre considerar que será necessária a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil –
uma abordagem posterior integrada dos diagnós- PNPDEC e pelo Decreto Nº 10.692, de 3 de Maio
ticos dos eixos físico-ambiental (aptidão geotéc- de 2021, que institui o Cadastro Nacional de Mu-
nica à urbanização), urbanístico, jurídico-legal e nicípios com Áreas Suscetíveis à Ocorrência de
socioeconômico-organizativo das áreas alvo das Deslizamentos de Grande Impacto, Inundações
análises e para tal, os estudos com estes objetivos Bruscas ou Processos Geológicos ou Hidrológicos
devem ser feitos em escala de detalhe e com su- Correlatos, este instrumento ainda não teve seu
porte de dados quantitativos quando necessário. uso compreendido pelas administrações munici-
O resultado destes estudos deve estar represen- pais, além de não possuir uma metodologia de re-
tado cartograficamente de forma direta para os ferência estabelecida que permita sua elaboração.
Tabela 10. Municípios no Brasil com Cartas de Aptidão à Urbanização até o ano de 2020. Fonte: CPRM, 2021.
MUNICÍPIO UF MUNICÍPIO UF
Manaus AM José Boiteux SC
Caucaia CE Luiz Alves SC
Vila Velha ES Navegantes SC
Cataguases MG Nova Trento SC
Ervália MG Nova Veneza SC
João Monlevade MG Palhoça SC
Juiz de Fora MG Presidente Getúlio SC
Manhuaçu MG Rio Fortuna SC
Nova Lima MG Rodeio SC
Ouro Preto MG São José SC
Além Paraíba MG Santo Amaro da Imperatriz SC
Teresina PI Taió SC
Guapimirim RJ Tijucas SC
Itaboraí RJ Timbó SC
Magé RJ Tubarão SC
Valença RJ Caieiras SP
Igrejinha RS Cananéia SP
Alfredo Wagner SC Cajamar SP
Águas Mornas SC Conchas SP
Antônio Carlos SC Itapecerica da Serra SP
Araranguá SC Itapevi SP
Balneário Camboriú SC Mauá SP
Biguaçu SC Mairiporã SP
Blumenau SC Monteiro Lobato SP
115
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
MUNICÍPIO UF MUNICÍPIO UF
Botuverá SC Praia Grande 2016 SP
Brusque SC Rio Grande da Serra SP
Camboriú SC Ribeirão Pires SP
Criciúma SC Santana de Parnaíba SP
Florianópolis SC Santa André SP
Gaspar SC São Bernardo do Campo SP
Governador Celso Ramos SC Abreu e Lima PE
Ilhota SC Cabo de Santo Agostinho PE
Itapema SC Camaragibe PE
Itajaí SC Ipojuca PE
Ituporanga SC Jaboatão dos Guararapes PE
116
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL
quando se quer realizar uma análise mais geral trumentos estão sendo utilizados no funciona-
ou se comparar situações em diferentes partes do mento dos municípios (planejamento urbano e
país. rural, processos de fiscalização e monitoramento
O que se percebe atualmente é que, além da de áreas de risco, remoções preventivas e definiti-
dificuldade de se ampliar a elaboração dos Pla- vas de moradores, proposição e execução de obras
nos Municipais de Redução de Risco no território estruturais, convivência com o risco, capacitação
nacional, a multiplicidade de instrumentos, que e conscientização de moradores etc.). Essa apro-
poderiam e deveriam ser complementares, acaba ximação entre aqueles que elaboram a cartografia
por dificultar a construção de efetivos programas (inclusive em relação aos trabalhos acadêmicos) e
de gestão de risco nos municípios. Os planos mu- os que a utilizam é preponderante para que seja
nicipais de redução de risco não abrangem ade- possível avaliar se os objetivos centrais dos ins-
quadamente as ações para manejo dos desastres trumentos atualmente existentes estão sendo al-
e, ao mesmo tempo, os Planos de Contingência cançados, ou se os produtos vêm sendo utilizados
e Preventivos de Defesa Civil não abrangem a apenas para cumprimento da legislação.
geração dos cenários de risco necessários para o Cartas geotécnicas não devem estar asso-
seu funcionamento. É discutível o uso dos mapas ciadas, apenas, a soluções de engenharia e inter-
de setorização de risco da CPRM para a efetiva venções estruturais, mas, também, a propostas
gestão do risco geológico e hidrológico nos terri- de ações não estruturais subsidiando instrumen-
tórios municipais. Não há por parte do Governo tos de planejamento, ordenamento e gestão do
Federal quaisquer correlações entre os instrumen- território.
tos existentes, somando-se a isso as deficiências Esforços devem ser feitos no sentido de se
técnicas e estruturais das equipes municipais e caminhar para uma padronização dos instrumen-
estaduais para o funcionamento efetivo desses tos. O fato é que iniciativas bem-sucedidas como
instrumentos. os Planos Municipais de Redução de Risco e os
Uma análise crítica sobre como as cartas geo- Planos Preventivos de Defesa Civil só puderam
técnicas de suscetibilidade, aptidão, perigo e risco ser implementados a partir do momento que se
têm sido geradas e aplicadas no Brasil enquan- estabeleceu a padronização de procedimentos,
to política pública é premente, objetivando uma tornando-os mais facilmente replicáveis e exe-
maior padronização dos procedimentos adotados quíveis pelas municipalidades e instâncias pú-
nos diversos níveis (regional, local e de detalhe), o blicas responsáveis. Levando-se em conta que o
estabelecimento de bases mínimas para os mapea- planejamento urbano e a gestão de riscos são de
mentos e, principalmente, que tipo de produto se responsabilidade e financiados quase que exclusi-
pretende ter e quem será o usuário direto. vamente pelo Estado (órgãos federais, estaduais e
A análise crítica deve se dar, inicialmente, municipais), esta uniformização torna-se impres-
pela correlação entre os preceitos metodológi- cindível no momento.
cos dos Planos Municipais de Redução de Risco, A relevância da ampliação das discussões en-
Planos de Contingência, Planos Preventivos de volvendo os atuais instrumentos aplicados no ter-
Defesa Civil, Mapas de Setorização do Risco da ritório nacional para a gestão dos territórios passa
CPRM, Cartas de Suscetibilidade, de Perigo e de pelo entendimento da necessidade de revisão das
Aptidão à Urbanização, e os resultados dos pro- metodologias, já que o crescimento desordenado
dutos entregues e utilizados pelos municípios. dos municípios nas últimas décadas somado ao
Também é necessário entender como e se os mu- não controle e ordenamento da expansão urbana
nicípios brasileiros que geraram ou receberam os atual, e à certeza absoluta da continuidade, recor-
instrumentos supracitados o utilizam no seu dia rência e ampliação dos eventos pluviométricos in-
a dia. Os usuários diretos da cartografia geotécni- tensos, resultará, ainda, por um longo tempo, na
ca precisam ser consultados sobre a aplicabilida- ocorrência de desastres sócio naturais.
de dos instrumentos no dia a dia dos municípios Se quisermos um futuro com menos danos
(técnicos das secretarias municipais e técnicos de associados aos desastres sócio naturais precisa-
defesas civis), para a verificação de como os ins- mos começar a responder algumas perguntas que
117
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
já deveriam estar respondidas destacando-se en- como a demanda habitacional terão que neces-
tre elas: Qual o tempo de validade de uma carta sariamente considerar os riscos ambientais como
geotécnica? A metodologia dos instrumentos é um dos elementos indispensáveis de análise e in-
adequada aos objetivos propostos? A metodo- tervenção. Assim, os diagnósticos geoambientais
logia dos instrumentos existentes é clara e com- e as cartas geotécnicas ganharão cada dia mais
preendida pelos técnicos municipais? A escala importância, desde que executados em escalas
dos mapas gerados e cenários de risco são ade- adequadas, devendo ser incorporados aos diver-
quadas aos usos pretendidos e empregados pelos sos instrumentos de planejamento que envolvam
municípios? Os técnicos municipais participam o meio físico.
efetivamente da construção dos instrumentos? As cidades precisam incorporar os diagnósti-
A sociedade é envolvida na construção dos ins- cos do meio físico transversalmente à gestão pú-
trumentos? As equipes técnicas municipais estão blica, com a adoção de medidas preventivas ante-
capacitadas para a utilização dos instrumentos riormente à deflagração de processos geológicos
técnicos gerados e entregues? e hidrológicos, a partir da previsão de condições
As respostas ajudarão na construção de pro- potencialmente favoráveis à sua ocorrência, e
gramas e sistemáticas mais adequados às realida- para isso tem que haver uma forte coordenação
des municipais, uniformizando procedimentos, de governo, ações intersecretariais e a participa-
formas de representação, escalas e produtos, bem ção efetiva da sociedade. Planejamento urbano,
como a proposta de um instrumento que integre ordenamento territorial e gestão de risco sem a
os Processos de Conhecimento e Redução do Ris- participação do cidadão só existe no papel.
co, e Manejo dos Desastres com vistas a uma efeti-
va gestão dos territórios municipais.
Sem o entendimento da forma de uso e vali-
REFERÊNCIAS
dade dos instrumentos existentes os profissionais
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE
da área são instados a reavaliarem áreas já carto-
SÃO PAULO. DECRETO Nº 30.860, DE 04 DE
grafadas em resposta a Ações Civis Públicas (que
DEZEMBRO DE 1989. Dispõe sobre a aprovação e
geralmente cobram remoções ou providências
implantação do Plano Preventivo de Defesa Civil
imediatas), Termos de Ajustamento de Conduta
Específico para Escorregamentos nas Encostas do
(entre Ministérios Públicos e municípios e entre
Mar. São Paulo, 1989.
municípios e proprietários de áreas particula-
res residenciais e comerciais), Compromissos de ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE
Anuência Corretiva – CAC (loteamentos) e emer- SÃO PAULO. DECRETO Nº 42.565, DE 01 DE
gências/sinistros relacionados a ocorrências pon- DEZEMBRO DE 1997. Redefine o Plano Preven-
tuais de movimentos de massa. tivo de Defesa Civil – PPDC específico para Es-
Embora os eventos catastróficos como os corregamentos nas Encostas da Serra do Mar, e dá
ocorridos no Brasil chamem a atenção e comovam outras providências. São Paulo, 1997.
a população e autoridades, uma real política de
redução de riscos e das consequências dos even- BRASIL Lei n° 6.766, de 19 de dezembro de 1979.
tos naturais passa por medidas preventivas e, Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e dá
principalmente, de planejamento urbano e orde- outras Providências. Diário Oficial da República
namento territorial, considerando aqui o quadro Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1979, 11 p.
atual da grande maioria das cidades brasileiras,
o que amplia à necessidade de se discutir o uso BRASIL. Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981. Dis-
adequado da cartografia geotécnica de suscetibili- põe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
dade, perigo, risco e aptidão à urbanização. seus fins e mecanismos de formulação e aplicação,
Para se pensar em gestão integrada e no de- e dá outras providências. Diário Oficial da Repú-
senvolvimento dos municípios, dos Estados e do blica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2 set. 1981,
País, o planejamento das ações de recuperação p. 16509.
e melhoria dos ambientes urbanos e rurais, bem
118
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL
BRASIL. Constituição 1988: Texto Constitucional Santos Carvalho, Eduardo Soares de Macedo e
de 5 de outubro e 1988 com alterações adotadas Agostinho Tadashi Ogura, organizadores – Brasí-
pelas Emendas Constitucionais nº 1/92 a 26/00 e lia: Ministério das Cidades; Instituto de Pesquisas
Emendas Constitucionais de Revisão números 1 a Tecnológicas – IPT, 2007.
6/94. Brasília: Senado Federal – Subsecretaria de
Edições Técnicas, 2000. BRASIL. Presidência da República. Lei nº 12.340,
de 1º de dezembro de 2010. Dispõe sobre as trans-
BRASIL. Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997a. Ins- ferências de recursos da União aos órgãos e enti-
titui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria dades dos Estados, Distrito Federal e Municípios
o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recur- para a execução de ações de prevenção em áreas
sos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 de risco de desastres, de resposta e de recupera-
da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº ção em áreas atingidas por desastres, sobre o Fun-
8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei do Nacional para Calamidades Públicas, Proteção
nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Diário Oficial e Defesa Civil e dá outras providências. Brasília,
da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 9 2010.
jan. 1997a.
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamen-
BRASIL. Câmara dos Deputados. MEDIDA to e Gestão. Secretaria de Planejamento e Inves-
PROVISÓRIA Nº 1.795, DE 1º DE JANEIRO DE timentos Estratégicos. Orientações para elabora-
1999. Altera dispositivos da Lei nº 9.649, de 27 de ção do Plano Plurianual 2012-2015. Ministério do
maio de 1998, que dispõe sobre a organização da Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de
Presidência da República e dos Ministérios, e dá Planejamento e Investimentos Estratégicos. – Bra-
outras providências. Brasília: MP, 1999. sília: MP, 2011. 72p.: il. color.
BRASIL. Câmara dos Deputados. MEDIDA PRO- BRASIL. Câmara dos Deputados. Legislação Lei
VISÓRIA Nº 1.911-8, DE 29 DE JULHO DE 1999. n. 12.608, de 10 de abril de 2012. Institui a Política
Altera dispositivos da Lei nº 9.649, de 27 de maio Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC.
de 1998, que dispõe sobre a organização da Presi- Dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e
dência da República e dos Ministérios, e dá outras Defesa Civil – SINPDEC e o Conselho Nacional
providências. Brasília: MP, 1999. de Proteção e Defesa Civil – CONPDEC. Autoriza
a criação de sistema de informações e monitora-
BRASIL. Presidência da República. Lei n° 10.257, mento de desastres. Brasília, 2012.
de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e
183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes BRASIL. Lei 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe
gerais da política urbana e dá outras providên- sobre a proteção da vegetação nativa e dá outras
cias. Brasília, 2001. providências. Diário Oficial da República Federa-
tiva do Brasil, Brasília, DF, 2012, 34 p.
BRASIL. Presidência da República. Lei n° 10.683,
de 28 de maio de 2003. Dispõe sobre a organização BRASIL. Presidência da República. Lei Nº 12.983,
da Presidência da República e dos Ministérios, e de 2 de Junho de 2014. Altera a Lei nº 12.340, de 1º
dá outras providências. Brasília, 2003. de dezembro de 2010, para dispor sobre as trans-
ferências de recursos da União aos órgãos e enti-
BRASIL. Ministério das Cidades. 2004. Critérios dades dos Estados, Distrito Federal e Municípios
para mapeamento de riscos. Programa de Preven- para a execução de ações de prevenção em áreas
ção e Erradicação de Riscos, Secretaria de Progra- de risco e de resposta e recuperação em áreas atin-
mas Urbanos. gidas por desastres e sobre o Fundo Nacional para
Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil, e
BRASIL. Ministério das Cidades / Instituto de
as Leis nºs 10.257, de 10 de julho de 2001, e 12.409,
Pesquisas Tecnológicas – IPT. Mapeamento de
de 25 de maio de 2011, e revoga dispositivos da
Riscos em Encostas e Margem de Rios / Celso
119
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Lei nº 12.340, de 1º de dezembro de 2010. Brasília, IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-
2014. tica. Resultados do censo 2018.
120
PANORAMA DOS RISCOS
GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE
OVERVIEW OF GEOLOGICAL RISKS IN THE MIDWEST REGION
RESUMO ABSTRACT
O presente artigo tem como objetivo apresentar os re- This article aims to present the results of geological and
sultados da setorização de risco geológicos e hidrológi- hydrological risk sectorization in the states of Goiás,
cos nos estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso Mato Grosso and Mato Grosso do Sul, carried out by
do Sul, realizados pelo Serviço Geológico do Brasil – the Geological Service of Brazil - CPRM, over the last 10
CPRM, ao longo dos 10 últimos anos, devido à implan- years, due to the implementation of the law 12,608. The
tação da lei 12.608. O artigo apresenta o panorama dos article presents an overview of the work carried out in
trabalhos realizados nestes estados, as cidades setori- the states, the sectored cities, the causes and number
zadas, as causas e o número de pessoas afetadas pelos of people affected by risks, in a succinct manner, in
riscos, de forma sucinta, a fim de nortear o leitor acerca order to guide the reader about the risk sectors in the
das setorizações de risco no Centro Oeste. Midwest.
Palavras-chave: risco geológico, deslizamento, inun- Keywords: geological risk, landslide, flood, Goiás,
dação, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul Mato Grosso, Mato Grosso do Sul
121
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Energia, foi convocada a partir de novembro de Como objetivos específicos, podemos desta-
2011, a realizar os mapeamentos das áreas de risco car alguns pontos, que são:
englobando o mapeamento, a descrição e a clas- a. Gerar e difundir as informações técni-
sificação de áreas de risco geológico alto e muito cas a respeito de áreas em risco, a nível
alto em municípios de todas as unidades da fede- nacional, para alimentar o banco de da-
ração selecionados pelas Defesas Civis Nacional e dos das instituições ligadas às ações de
Estaduais. monitoramento e alerta de desastres
A implantação da Lei 12.608 foi motivada (CENAD, CEMADEM, Defesa Civis Es-
pelos diversos desastres naturais que ocorreram taduais);
em anos anteriores, como as chuvas intensas em b. Subsidiar aos responsáveis, critérios
Santa Catarina no ano de 2008, eventos em Ala- para a disponibilização de recursos pú-
goas e Pernambuco em 2010, e os mega-desastres blicos destinados às obras de prevenção
na Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011. De e respostas aos desastres naturais;
acordo com Nogueira et al., 2014, os avanços for- c. Alimentar os órgãos de fiscalização vol-
malizados no aparato legal trouxeram consigo, tados ao controle e inibição da expansão
entretanto, os desafios relacionados à sua opera- de áreas de risco, no âmbito estadual e
cionalização, já que ainda que a PNPDEC preveja municipal;
a ação articulada entre os entes federados, o pró- d. Fazer o indicativo geral de intervenção
prio arranjo federativo brasileiro dificulta a coo- para a orientação de implantação de prá-
peração intergovernamental, somando-se a isso o ticas voltadas a prevenção de desastres;
perfil de boa parte dos municípios brasileiros, em e. Desenvolvimento de documentos car-
especial os de menor porte: fragilidade institucio- tográficos (cartas e mapas), e relatórios
nal e baixa capacidade econômica e burocrática técnicos em linguagem clara e acessível,
para cumprir as exigências de grande parte das para alcançar e difundir as questões de
políticas públicas nacionais. Diante deste contex- risco para o público em geral, de forma
to, devido ao seu corpo técnico especializado, o mais abrangente possível.
Serviço Geológico do Brasil foi convocado a reali-
zar os mapeamentos das áreas de risco conforme
já supracitados.
3 CONCEITOS
Ao longo desses dez anos, os trabalhos rea-
Para o melhor entendimento do artigo, nesse
lizados no Centro-Oeste foram feitos pela Supe-
capítulo iremos definir alguns conceitos básicos
rintendência Regional de Goiânia e São Paulo. No
acerca de risco e desastres naturais. Os conceitos
estado de Goiás foram levantados 27 municípios,
foram baseados nos entendimentos dos seguintes
sendo três cidades já revisitadas. Em Mato Grosso,
autores: Macedo et al. (2013), Santos (2012), Tomi-
20 cidades já foram mapeadas pela CPRM, destas
naga (2012).
seis ressetorizadas, e em Mato Grosso do Sul, 22
Evento: Fenômeno com características, di-
cidades, com três cidades revisitadas.
mensões e localização geográfica registrada no
tempo.
2 OBJETIVO Risco: Probabilidade de ocorrer um efeito
adverso de um processo sobre um elemento, sen-
O objetivo da setorização de risco é identi- do qualificado como a relação entre perigo e vul-
ficar, caracterizar e delimitar locais urbanizados nerabilidade pressupondo sempre a perda.
propensos a sofrerem perdas materiais e/ou hu- Risco geológico: Relação entre a probabilida-
manos ou danos, decorrentes de eventos de natu- de de ocorrência de um evento adverso de nature-
reza geológica ou hidrológica, para subsidiar os za geológica e a magnitude de suas consequências
administradores públicos a cerca de decisões re- socioeconômicas.
lacionadas às políticas de prevenção de desastres,
ordenamento territorial e engenharia urbana.
122
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE
Perigo: Uma condição com potencial para Erosão linear: erosão causada pela concen-
causar consequência indesejável, em um intervalo tração do escoamento superficial e de fluxo de
de tempo. água em forma de filetes. A evolução da erosão
Suscetibilidade: Relação à propensão ou linear dá origem a três tipos de erosão, em ordem
potencialidade natural de ocorrer um evento do de grandeza, sulco, ravinas e voçorocas.
meio físico em uma determinada área.
Desastres naturais: Resultados do impacto
de fenômenos naturais extremos ou intensos so-
4 METODOLOGIA
bre um sistema social, causando sérios danos e
As setorizações de áreas de risco geológico
prejuízos que excedem a capacidade da comuni-
são realizadas em áreas urbanizadas, com presen-
dade ou da sociedade atingida em conviver com
ça de população em habitações. Têm por finalida-
o impacto.
de a identificação, a delimitação e a caracterização
Vulnerabilidade: Conjunto de fatores físicos,
de áreas ou setores de uma encosta ou planície de
sociais, ambientais, econômicos e institucionais
inundação sujeitas à ocorrência de processos des-
que condicionam a magnitude do dano do meio
trutivos de movimentos de massa, enchentes de
exposto à determinada ameaça delimitado no es-
alta energia e inundações.
paço e no tempo. Corresponde à predisposição a
Os trabalhos das setorizações de risco podem
sofrer danos ou perdas.
ser divididos em três etapas, sendo a primeira
Área de Risco: Área passível de ser atingida
consistindo nas atividades anteriores às ativida-
por processos naturais e/ou induzidos que cau-
des de campo, onde são levantadas informações
sem efeito adverso. As pessoas que habitam essas
prévias sobre as características geológicas do mu-
áreas estão sujeitas a danos à integridade física,
nicípio, histórico de ocorrência de desastres natu-
perdas materiais e patrimoniais.
rais, feições indicativas de instabilização de talu-
Talude natural: Superfície natural inclinada,
des e encostas, ou outras informações úteis para
sem alterações em sua geometria provocadas pela
o desenvolvimento do trabalho. Em caso de res-
ação humana.
setorização há também o levantamento e estudo
Talude de corte: Superfície inclinada decor-
do antigo relatório, para análise e programação da
rente da ação antrópica (escavação ou aterro).
etapa de campo, para que a mesma possa abran-
Movimentação de massa: deslocamentos
ger os antigos setores de risco, além dos novos que
descendentes de solo, rochas ou detritos sob a
a defesa civil local possa apresentar. Nessa etapa
ação da força da gravidade.
também é realizado o contato com a Defesa Civil
Enxurrada: Escoamento superficial concen-
Municipal, durante o qual são coletadas informa-
trado e com alta energia de transporte.
ções pertinentes ao trabalho de mapeamento de
Enchente: Elevação do nível de água no
risco, assim como verificada a disponibilidade de
canal de drenagem devido ao aumento da va-
acompanhamento em visitas nas áreas que apre-
zão, atingindo a cota máxima no canal, sem
sentam risco geológico.
extravasamento.
A segunda etapa do trabalho abrange as ati-
Inundação: Transbordamento das águas de
vidades de campo nas áreas onde, segundo a de-
um curso de água, atingindo a planície de inun-
fesa civil municipal, há histórico de ocorrência de
dação ou a área de várzea.
desastres naturais ou naquelas áreas onde existem
Erosão: Processo de desagregação e remoção
situações de risco. Essa etapa é realizada com o
de partículas do solo ou de fragmentos e partícu-
acompanhamento de um agente ou responsável
las de rochas por ação combinada da gravidade
pela defesa civil local, para que seja feito o reco-
com a água, vento, gelo e/ou organismos.
nhecimento regional dos problemas apresenta-
Erosão laminar: Erosão causada pelo escoa-
dos. Nesta etapa também ocorre a transferência de
mento uniforme pela superfície do terreno, trans-
conhecimento entre os pesquisadores do Serviço
portando partículas de solo, sem a formação de
Geológico do Brasil e os responsáveis pela defesa
canais definidos.
civil local, onde os pesquisadores podem explici-
123
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
tar, em campo, os problemas apontados, questões Em se tratando de maciço rochoso, são ob-
geológicas, de geotecnia e de risco geológico. servadas as propriedades das descontinuidades,
Nos locais visitados são analisadas visual- número, geometria e tamanho de blocos dispostos
mente as características geológicas e geotécnicas nas porções superiores da encosta, aspectos rela-
do terreno, além de ser realizado o levantamento cionados à presença e tipo de vegetação, indícios
do histórico local e das ocorrências de processos de processos desestabilizadores do terreno, geo-
e indícios de instabilização de taludes ou encos- morfologia da encosta e atributos dos taludes.
tas (relatos de moradores) e, especialmente nos Durante os levantamentos de campo, foram
casos de enchentes e inundações, é verificada a feitos registros fotográficos, anotações e marca-
frequência dos eventos nos últimos cinco anos. ção de pontos visitados com auxílio de aparelho
No caso de maciço de solo, são observados os in- de posicionamento global (GPS), levantamentos
dícios de processos desestabilizadores do terreno, de altura dos taludes com trenas eletrônicas e
como trincas em muros, paredes e pisos, trincas hipsômetro.
no terreno, depressão de pavimentos, inclinação O mapeamento e setorização dos riscos são
e tombamento de muros, postes e árvores, defor- realizados de acordo com a classificação proposta
mação de muros de contenção e outros elementos pelo Ministério das Cidades (Brasil, 2004) e Insti-
que sugerem a deformação e/ou deslocamento do tuto de Pesquisas Tecnológicas (IPT, 2007), onde
terreno, geomorfologia da encosta, atributos do(s) os graus de risco são determinados conforme a
talude(s) e do maciço, aterro lançado, escoamento presença de indícios, onde o grau pode variar de
de águas pluviais e de águas servidas, presença de risco baixo (R1), até risco muito alto (R4). Por se
feição erosiva, tipo de vegetação, lixo, lançamento tratar de trabalho emergencial, foi definido que
de esgoto, existência de blocos de rocha. No caso somente setores de risco alto (R3) e muito alto (R4)
dos locais verificados para o fenômeno de inunda- eram mapeados em trabalhos de campo. Os indí-
ções e enchentes, é verificada a propensão da área cios de movimentação de massa e inundação, de
para os eventos estudados e, em caso positivo, são acordo com seu grau de risco, podem ser observa-
analisadas as características do curso de água e a dos na tabela 1 e 2.
extensão de atingimento das cheias.
Tabela 1. Classificação dos graus de risco para movimentação de massa. (Adaptado de Brasil, 2004 e 2007 e IPT, 2007).
124
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE
Tabela 2. Classificação dos graus de risco para enchentes e inundações. (Adaptado de Brasil, 2004 e 2007 e IPT, 2007).
A terceira etapa, após a etapa de campo para ções, além dessas, as áreas apresentadas no antigo
a coleta de dados, consiste na definição e descri- relatório.
ção de áreas de risco geológico alto e muito alto,
onde cada área é denominada Setor de Risco, e
para cada um desses setores é confeccionada uma
5 RESULTADOS
prancha. A prancha é identificada por um códi-
go, possuindo uma breve descrição, os nomes do
bairro e rua(s) que compõem o setor, o mês e ano 5.1 Estado de Goiás
de sua conclusão, a coordenada GPS de um ponto
de referência local, a tipologia do movimento de No estado de Goiás, até março de 2021, já fo-
massa ou informação da ocorrência de enchente ram setorizadas 27 cidades, sendo elas, Acreúna,
ou inundação, número aproximado de constru- Alexânia, Anápolis, Aparecida de Goiânia, Baliza,
ções e habitantes no interior do polígono delimi- Bela Vista de Goiás, Bonfinópolis, Caldas Novas,
tado, sugestões de intervenção, o grau de risco, os Caldazinha, Ceres, Formosa, Goiânia, Cidade de
nomes da equipe executora do trabalho, imagens Goiás, Itumbiara, Itajá, Jataí, Lagoa Santa, Minei-
que representam o setor de risco, uma figura cen- ros, Novo Gama, Pirenópolis, Quirinópolis, Rio
tral na qual é representada a delimitação do se- Verde, Santa Helena de Goiás, Santa Rita do Ara-
tor, circundada por fotografias menores obtidas guaia, Senador Canedo Silvânia e Uruaçu. Dessas
em campo. Tais fotografias são indicadas por nú- cidades, três já foram revisitadas para a ressetori-
meros sequenciais cuja localização é inserida na zação, sendo Uruaçu em 2018 e Anápolis e Formo-
imagem central. Nessa etapa também é redigido o sa em 2019.
relatório técnico, contendo informações relativas Dessas 27 cidades visitadas, sete cidades não
ao mapeamento de risco do município. apresentaram problemas relativos ao mapeamen-
É importante salientar que todas as áreas vi- to realizado pelo Serviço Geológico do Brasil, na
sitadas são áreas que são indicadas pelo responsá- data da visita. Em 2013 foram realizadas vistorias
vel local da Defesa Civil, e no caso das ressetoriza- nas cidades de Baliza e Itumbiara, onde as defe-
125
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
sas civis municipais informaram que não haviam cípio de Bela Vista de Goiás mostrou ter apenas
incidentes registrados nas respectivas cidades até um setor de acompanhamento, com uma pequena
a data da visita. Já em 2015 foram visitadas as ci- erosão marginal no córrego Ponte de Terra (Figu-
dades de Rio Verde e Acreúna. Não foram verifi- ra 1). Bonfinópolis apresentou dois pontos de in-
cadas áreas de risco enquadradas no mapeamento teresse de monitoramento, sendo o primeiro um
de risco realizado pelo Serviço Geológico do Bra- ponto de erosão marginal ao lado do lago de re-
sil. Em Acreúna, apenas alguns locais próximo creação do município, erosão essa causada devido
ao Ribeirão do Veredão apresentaram problemas à intensa impermeabilização do entorno do local e
devido à insuficiente gestão das águas pluviais, má gestão das drenagens urbanas, não estando re-
assim como em Rio Verde, que também apresen- lacionado a áreas de risco, e o outro ponto estando
tava alguns pontos atingidos por alagamentos relacionado com enxurrada ao lado da via férrea
provenientes também da má gestão das drena- que percorrer a área urbana do município (Figura
gens pluviais. 2). A cidade de Caldazinha, também não apontou
Em 2018, as cidades de Bela Vista de Goiás, setores de risco aplicados na metodologia, tendo
Bonfinópolis e Caldazinha foram mapeadas pelo apenas dois pontos de observação relacionados à
SGB e não apresentaram áreas de risco. O muni- enxurrada.
Figura 1. Local de pequena erosão marginal na cidade de Bela Vista de Goiás, 2018 (Fernandes et al, 2018).
Figura 2. A- Local de pequena erosão próximo ao lago de recreação da cidade de Bonfinópolis e, B- local de enxurrada ao lado
da linha férrea, 2018 (Fernandes et al), 2018.
126
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE
Com relação às cidades setorizadas, os prin- com tipologia de eventos de erosão. Tais erosões
cipais eventos notados nas cidades foram eventos foram desenvolvidas devido à ausência de drena-
de erosões e inundações. Em Alexânia, em visita gens pluviais aliados à geomorfologia da cidade
realizada em 2014, foram setorizados dois locais (Figura 3).
Figura 3. Erosões que atingiram a área urbana da cidade de Alexânia, 2014 (Fernandes et al, 2014).
127
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Com relação às cidades atingidas por outras sões devido ao antigo garimpo de ouro na cidade,
tipologias, podemos citar as cidades de Novo como as áreas localizadas nas ruas Rui Barbosa e
Gama e Silvânia, cidades essas atingidas por 18, e bairro Maria de Lourdes. As outras erosões
eventos de erosões. Novo Gama apresentava dois de Silvânia são antigas erosões reativadas devi-
setores atingidos pelas erosões em cabeceira de do à má gestão de água pluvial, aliada à falta de
drenagens, essas em atividade na data da visita, gestão territorial (Figura 8). Em Novo Gama, 18
em 2013, devido a má gestão das águas pluviais residências e 76 pessoas estavam afetadas pelas
(Figura 7). Em Silvânia, dos nove setores cadas- áreas de risco, e em Silvânia, na data da vistoria,
trados no momento da vistoria, cinco foram de 216 residências e 864 pessoas estavam em áreas de
erosões, dos quais podemos citar locais com ero- risco no município.
Figura 7. Local atingido por erosões na cidade de Novo Gama, 2013 (Vieira Junior et al, 2015).
Figura 8. Residência próxima ao rebordo erosivo, com lançamento de água servida, e residência próxima a erosão ativa, Sil-
vânia 2017 (Fernandes et al, 2017).
128
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE
destes 9 setores de erosão, 8 de deslizamento pla- construtiva da cidade, já que nesses pontos, tais
nares solo-solo e apenas 1 setor de inundação, e problemas foram ocasionados devido ao método
Goiânia apresentavam 24 setores em 2016, dos construtivo de corte-aterros realizados de forma
quais 12 setores foram enquadrados na tipologia errônea pelos cidadãos (Figuras 9 e 10).
de inundação, 9 na tipologia de erosão e 3 de mo- Mais uma vez, cabe salientar que os proble-
vimentos de massa. mas de erosões apontados no município são de-
Na cidade de Aparecida de Goiânia, os des- correntes da falta de gestão das águas pluviais,
taques notados durante o mapeamento dos riscos ausências de drenagens urbanas adequadas e im-
foram os diversos pontos de deslizamento pla- permeabilização descontrolada das cabeceiras de
nar solo-solo ocasionado devido à falta de gestão drenagens da cidade.
Figura 9. Típico local de corte aterro, ocasionando movimentação de solo planar de solo-solo em Aparecida de Goiânia, 2017
(Fernandes et al, 2017).
Figura 10. Erosão marginal ocasionando problemas a moradia próximas, Rua das Mangueiras, Setor Retiro dos Bosques, Apa-
recida de Goiânia, 2017 (Fernandes et al, 2017).
129
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 11. Locais atingidos por inundações em eventos de 2016, Goiânia, 2016 (Fernandes et al, 2016).
Figura 12. Erosão marginal atingindo residências, Jardim América, Goiânia, 2016 (Fernandes et al, 2016).
As cidades de Anápolis, Formosa e Uruaçu Esse elevado números de setores entre cinco anos
tiveram os trabalhos de setorização de risco refei- podem ser considerados devido à evolução da de-
tos, no ano de 2019 e 2018 sucessivamente. A cida- fesa civil municipal nos quesitos de riscos, uma
de de Uruaçu, que foi visitada pela primeira vez melhor compreensão do assunto e melhor acom-
no ano 2013, e revisitada em 2018, deixou de ter panhamento em campo dos eventos anuais. Em
setor de risco, devido à análise e classificação pe- 2019, Anápolis apresentava 13 setores de erosões,
los técnicos do SGB. Já a cidade de Formosa, que nove setores de movimentação de massa e um se-
em 2013 tinha quatro setores de risco, passou a ter tor de inundação. Esse fato é observado devido à
oito em 2019, mantendo os quatro já existentes e ocupação desenfreada nas margens dos córregos
quatro novos. da cidade, em áreas de APP, e a impermeabiliza-
A cidade de Anápolis apresentou uma gran- ção das cabeceiras das drenagens, o que resulta no
de evolução na questão de risco geológico e hi- aumento do volume e velocidade de águas nas ba-
drológico. Em 2014 a cidade tinha três setores de cias de drenagens, ocasionando diversos pontos
risco, sendo que em 2019 passou a ter 23 setores. de erosões marginais (Figuras 13 e 14).
130
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE
Figura 13. Erosão marginal atingindo residências, Ruas Padre Anchieta e Joaquim Sebastião, Bairro Santa Maria de Nazareth,
Anápolis, 2019 (Fernandes et al, 2019).
Figura 14. Local de movimentação de solo em situação de corte-aterro, Rua Doze, Bairro Morumbi, Anápolis, 2019 (Fernandes
et al, 2019).
Ao todo o estado de Goiás apresenta 2.937 do Leverger, São José do Rio Claro, Sinop, Sorri-
moradias em situação de risco, com 10.624 pes- so, Várzea Grande e Vila Rica. Dessas 18 cidades
soas na mesma situação, distribuídos em 113 seto- visitadas, oito não apresentaram setores de risco:
res ao longo das 27 cidades mapeadas. Água Boa, Confressa, Feliz Natal, Nova Bandei-
rantes, Nova Canaã do Norte, Peixoto do Azeve-
do, São José do Rio Claro e Vila Rica. Em alguns
5.2 Estado de Mato Grosso casos, essas cidades sequer apresentavam algum
problema de risco geológico ou hidrológico, ou
O estado de Mato Grosso teve 20 cidades
em outros casos, os problemas não se encaixavam
contempladas com a visitação dos técnicos do
no projeto de setorização. Das dez cidades restan-
SGB, sendo elas, Água Boa, Barra dos Bugres,
tes, as principais tipologias apresentadas foram as
Barra do Garças, Colniza, Comodoro, Confressa,
inundações e enchentes, estando presentes prati-
Cuiabá, Feliz Natal, Nova Bandeirantes, Nova
camente em todas as cidades setorizadas e resse-
Canaã do Norte, Nova Olímpia, Paranatinga, Pei-
torizadas. As cidades de Barra de Bugres, Colniza,
xoto do Azevedo, Santa Terezinha, Santo Antônio
131
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Sinop e Várzea Grande, que foram visitadas ape- nio do Leverger foram vistoriadas duas vezes, no
nas uma vez só, apresentaram em sua totalidade a ano de 2013 e 2019, e também expuseram em seu
tipologia de enchentes ou inundações. Já as cida- município apenas problemas relacionados a risco
des de Nova Olímpia, Paranatinga e Santo Antô- hidrológicos (Figuras 15 e 16).
Figura 15. Locais atingidos por enchente, Várzea Grande, 2018 (Silva et al, 2018).
Figura 16. Locais atingidos por enchente, Santo Antônio do Lerverger, 2019 (Silva et al, 2019).
132
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE
Figura 17. Locais atingidos por deslizamento, Santa Terezinha, 2019 (Silva et al, 2019).
Figura 18. Locais atingidos por enxurrada, Sorriso, 2021 (Silva et al, 2021).
133
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 19. Local atingido por rolamento de bloco, Rua Rio Negro e Rua Purus, Barra do Garças, 2020 (Fernandes et al, 2020).
Figura 20. Local de movimentação de solo devido a método construtivo de corte/aterro, com muro embarrigado na foto à
direita, Barra do Garças, 2020 (Fernandes et al, 2020).
Figura 21. Local atingido por rolamento de blocos, mostrando residências próximo ao talude rochoso da Serra Azul, Barra do
Garças, 2020 (Fernandes et al, 2020).
134
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE
Ao todo, o estado de Mato Grosso apresenta foi apontado pelos gestores que a cidade possuía
2.491 moradias em situação de risco, com 10.149 mais habitantes na zona rural do que a urbana. Os
pessoas na mesma situação, distribuídos em 103 problemas relacionados pelos próprios gestores
setores ao longo das 20 cidades mapeadas. foram de erosões na zona rural, não atingindo a
população.
A cidade de Jardim não apresentou nenhum
5.2 Estado de Mato Grosso do Sul problema de risco geológico ou hidrológico na
data da visita (ano de 2015), apenas diversos pon-
No estado do Mato Grosso do Sul, as cida-
to com problemas construtivos na drenagem ur-
des contempladas com a visitação dos técnicos
bana e o município de Mundo Novo enfrentou
do Serviço Geológico do Brasil foram Anastácio,
diversos problemas com erosão e inundação entre
Aquidauana, Bataguassu, Batayporã, Bela Vis-
os anos de 1997 a 2002, que foram sanados devido
ta, Bonito, Camapuã, Campo Grande, Corumbá,
a obras realizadas pela prefeitura local.
Costa Rica, Coxim, Dourados, Guia Lopes da La-
Nas cidades que expuseram problemas geo-
guna, Itaquiraí, Ivinhema, Jardim, Miranda, Mun-
lógicos e hidrológicos notou-se que os maiores
do Novo, Nioaque, Ponta Porã, Porto Murtinho e
transtornos apresentados foram as questões hi-
Três Lagoas, totalizando 22 municípios. Destas,
drológicas de inundação e enchentes. Das 18 ci-
quatro cidades não apresentavam problemas rela-
dades setorizadas, 12 se mostraram com proble-
cionados com o escopo do projeto no momento da
mas citados, entre elas Anastácio, Aquidauana,
vistoria, sendo elas Costa Rica, Itaquiraí, Jardim e
Batayporã, Bela Vista, Bonito, Coxim, Guia Lopes
Mundo Novo.
da Laguna, Miranda, Niaoque, Ponta Porã e Porto
No município de Costa Rica, os pontos vis-
Murtinho. Tal questão está diretamente relacio-
toriados apresentam baixos problemas para inun-
nada com a ocupação desenfreada em Áreas de
dação e uma erosão em tratamento, no ano de
Proteção Permanente como margens de rios e cór-
2015 (ano da visitação por parte dos técnicos do
regos e locais de várzeas. Dos municípios citados,
Serviço Geológico do Brasil). Já a cidade de Ita-
por exemplo, Miranda em 2015 tinha seis setores
quaraí, em 2013, não possuía defesa civil em seu
de risco hidrológico e Ponta Porã quatro (Figuras
quadro administrativo e durante os trabalhos,
22 a 24).
Figura 22. Comparativo de áreas atingidas por inundação, Nioaque, 2015 (Facuri et al, 2015).
135
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 23. Residências atingidas por inundação provocadas pelo córrego Vilas Boas, Miranda, 2015(Lima et al, 2015).
Figura 24. Residências atingidas por inundação, Ponta Porã, 2015(Lazareti et al, 2015).
Três municípios se destacam por apresen- lixo e entulhos variados, e posteriormente aterra-
tarem outra tipologia no projeto de setorização. dos para liberação do loteamento e construção de
Bataguassu apresentou um setor de recalque di- residências que contribuíram para a subsidência
ferencial instalado no loteamento São João devido do local (Figura 25).
ao soterramento da antiga área de empréstimo por
136
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE
Figura 25. Moradias atingidas por recalque local, Bataguassu, 2013 (Vieira Junior et al, 2013).
Camapuã apresentou quatro setores, sendo um de inundação e três de deslizamento planar oca-
sionado por construções realizadas no método corte-aterro em solo friável, no ano de 2015 (Figura 26).
Figura 26. Exemplos de residências em área de risco de deslizamento planar em construção de corte-aterro, Camapuã, 2015
(Facuri et al. 2015).
Três municípios tiveram durante esses anos visita. Campo Grande em 2013 apresentava cinco
do projeto ressetorização e avaliação dos proble- setores cadastrados (um de erosão linear e 4 de
mas de risco, Campo Grande, Corumbá e Três inundação) passou a ter 4 em 2019, sendo todos
Lagoas, todas com a primeira visita em 2013 e a de inundação, onde apenas a Avenida Presidente
segunda em 2019. Diferente dos outros estados Ernesto Geisel permaneceu com o fator apontado
aqui citados, as três cidades tiveram suas áreas nas duas visitas (Figura 27).
de risco diminuídas da primeira para a segunda
137
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 27. Avenida Presidente Ernesto Geisel, em evento e pós-evento de inundação, Campo Grande, 2019 (Antoneli et al.
2019).
Caso excepcional em todo o Centro Oeste, a cimento pluvial. A cidade, que apresentava sete
cidade de Três Lagoas se destaca por ter acabado setores em 2013, sendo uma de solapamento de
com todas as áreas de risco alto ou muito alto da margem de curso de água e seis de inundação,
cidade através de obras de contenção e amorte- apresentou apenas locais de observação em 2019.
Figura 28. Bacia de contenção de águas pluviais e em operação, Três Lagoas, 2019 (Antoneli et al. 2019).
Ao todo, o estado de Mato Grosso do Sul cabe a processos hidrológicos. Em todas as cida-
apresenta 2.391 moradias em situação de risco, des vistoriadas, os setores de risco hidrológicos
com 21.329 pessoas na mesma situação, distri- são resultantes da ocupação desenfreada das
buídos em 39 setores ao longo das 21 cidades áreas de proteção permanente dos cursos de água,
mapeadas. sendo que em 80% dos casos são áreas de várzea.
Em casos raros, as residências são atingidas por
cheias de recorrências históricas, como cheias de
6 CONCLUSÃO 10 ou 100 anos.
As erosões marginais urbanas da beira de cór-
Com os dados apresentados, podemos con-
regos e rios são causadas pela gestão insuficiente
cluir que todos os três estados do Centro Oeste
e/ou incorreta das águas pluviais, descaso por
apresentam características semelhantes no que
138
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE
parte da administração pública local em relação à alto risco a movimentos de massa e enchentes:
construção de rede de drenagens adequadas para Três Lagoas, MS, Belo Horizonte-MG, 2019. 15
o atendimento do volume de chuva e também a págs.
falta de planejamento territorial para a construção
e autorização de novos loteamentos, que contri- BRASIL. Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012. Ins-
buem para a impermeabilização das cidades. Em titui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil
consequência, a jusante dos pontos das erosões, - PNPDEC; dispõe sobre o Sistema Nacional de
pode-se verificar o aumento do assoreamento des- Proteção e Defesa Civil – SINPDEC e o Conselho
ses mesmos rios e córregos, o que causa o aumen- Nacional de Proteção e Defesa Civil – CONPDEC.
to da recorrência de enchentes e inundações.
CABRAL, DOUGLAS SILVA; PERET, GUILHER-
No que tange aos deslizamentos planares
ME HENRIQUE SANTOS. Ação emergencial
solo-solo, em 90% dos casos registrados foram
para reconhecimento de áreas de alto e muito
ocasionados devido a questões construtivas e fal-
alto risco a movimentos de massa e enchentes:
ta de fiscalização dos órgãos gestores. No caso de
Colniza, MT, Goiânia-GO, 2014. 1 págs.
queda de blocos, os problemas são devido à pro-
ximidade das moradias à área fonte.
CABRAL, DOUGLAS SILVA; PERET, GUILHER-
É perceptível a melhor visão por partes das
ME HENRIQUE SANTOS. Ação emergencial
defesas civis municipais nos municípios que tive-
para reconhecimento de áreas de alto e muito
ram o acompanhamento e ressetorização, tanto
alto risco a movimentos de massa e enchentes:
no caso das cidades que apresentaram maiores ou
Confressa, MT, Goiânia-GO, 2014. 1 págs.
menores quantidades de locais de risco. Essa per-
cepção foi possível graças à interação do Serviço CABRAL, DOUGLAS SILVA; PEIXOTO, DARIO;.
Geológico do Brasil-CPRM com as defesas civis, Ação emergencial para reconhecimento de áreas
com troca de expertise, conhecimento técnico e de alto e muito alto risco a movimentos de massa
conhecimento técnico. e enchentes: Cuiabá, MT, Goiânia-GO, 2014. 40
O problema apontado em muitos casos para págs.
a perda dos eventos e dados históricos está rela-
cionado com a constante troca dos responsáveis CABRAL, DOUGLAS SILVA; PERET, GUILHER-
pelas defesas civis em cidades menores, o que en- ME HENRIQUE SANTOS;. Ação emergencial
fraquece o processo. para reconhecimento de áreas de alto e muito
alto risco a movimentos de massa e enchentes:
Feliz Natal, MT, Goiânia-GO, 2014. 1 págs.
REFERENCIAS
CPRM – SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL.
ANTONELLI, TIAGO; CABRAL, DOUGLAS SIL- Ação emergencial para reconhecimento de áreas
VA; LANA, JÚLIO CÉSAR. Ação emergencial de alto e muito alto risco a movimentos de massa
para reconhecimento de áreas de alto e muito e enchentes: Acreúna, GO, Goiânia-GO, 2015. 13
alto risco a movimentos de massa e enchentes: págs.
Campo Grande, MS, Belo Horizonte-MG, 2019.
23 págs. CPRM – SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL;.
Ação emergencial para reconhecimento de áreas
ANTONELLI, TIAGO; CABRAL, DOUGLAS SIL- de alto e muito alto risco a movimentos de massa
VA; LANA, JÚLIO CÉSAR. Ação emergencial e enchentes: Rio Verde, GO, Rio de Janeiro - RJ,
para reconhecimento de áreas de alto e muito 2015. 17 págs.
alto risco a movimentos de massa e enchentes:
Corumbá, MS, Belo Horizonte-MG, 2019. 24 págs. CPRM – SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL;.
Ação emergencial para reconhecimento de áreas
ANTONELLI, TIAGO; CABRAL, DOUGLAS SIL- de alto e muito alto risco a movimentos de massa
VA; LANA, JÚLIO CÉSAR. Ação emergencial
para reconhecimento de áreas de alto e muito
139
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
140
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE
141
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
142
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE
movimentos de massa e enchentes: Sinop, MT, VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
Cuiabá- MT, 2021. 16 págs. XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe-
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
SILVA, JOSÉ ANTONIO DA; SOUZA, ANDER- vimentos de massa e enchentes: Formosa, GO,
SON ALVES DA;. Ação emergencial para reco- Goiânia-GO, 2013, 14 págs.
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a
movimentos de massa e enchentes: Sorriso, MT, VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
Cuiabá- MT, 2021. 20 págs. XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe-
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
SILVA, JOSÉ ANTONIO DA; SOUZA, ANDER- vimentos de massa e enchentes: Itaquirai, GO,
SON ALVES DA;. Ação emergencial para reco- Goiânia-GO, 2013, 15 págs.
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a
movimentos de massa e enchentes: Várzea Gran- VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
de, MT, Cuiabá- MT, 2018. 49 págs. XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe-
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- vimentos de massa e enchentes: Itumbiara, MS,
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe- Goiânia-GO, 2013, 1 págs.
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
vimentos de massa e enchentes: Agua Boa, MT, VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
Goiânia-GO, 2012. 9 págs. XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe-
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- vimentos de massa e enchentes: Ivinhema, MS,
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reco- Goiânia-GO, 2013, 21 págs.
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a
movimentos de massa e enchentes: Baliza, GO, VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
Goiânia-GO, 2013. 1 págs. XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reco-
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- a movimentos de massa e enchentes: Nova Ban-
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe- deirantes, MT, Goiânia-GO, 2012, 1 págs.
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
vimentos de massa e enchentes: Bataguassu, MS, VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
Goiânia-GO, 2013. 18 págs. XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe-
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- vimentos de massa e enchentes: Nova Canaã do
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe- Norte, MT, Goiânia-GO, 2012, 9 págs.
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
vimentos de massa e enchentes: Campo Grande, VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
MS, Goiânia-GO, 2013. 10 págs. XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe-
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- vimentos de massa e enchentes: Nova Olímpia,
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe- MT, Goiânia-GO, 2012, 31 págs.
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
vimentos de massa e enchentes: Comodoro, MT, VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
Goiânia-GO, 2012. 11 págs. XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reco-
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- movimentos de massa e enchentes: Novo Gama,
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe- GO, Goiânia-GO, 2013, 10 págs.
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
vimentos de massa e enchentes: Corumbá, MS, VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
Goiânia-GO, 2013. 30 págs. XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reco-
143
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
movimentos de massa e enchentes: Paranatinga, vimentos de massa e enchentes: Vila Rica, MT,
MT, Goiânia-GO, 2013, 14 págs. Goiânia-GO, 2013, 13 págs.
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reco- XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reco-
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a
a movimentos de massa e enchentes: Peixoto de movimentos de massa e enchentes: Três Lagoas,
Azevedo, MT, Goiânia-GO, 2013, 1 págs. MS, Goiânia-GO, 2013, 23 págs.
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- TOMINAGA, LÍDIA KEIKO; SANTORO, JAIR;
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reco- AMARAL, ROSANGELA DO;. Desastres Na-
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a turais: Conhecer para prevenir. 2ª Ed., Instituto
movimentos de massa e enchentes: Santa Terezi- Geológico, 2012.
nha, MT, Goiânia-GO, 2013, 15 págs.
TOMITA, SUELI AKEMI; ANTONELLI, TIAGO;.
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- Ação emergencial para reconhecimento de áreas
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe- de alto e muito alto risco a movimentos de massa
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo- e enchentes: Costa Rica, MS, São Paulo-SP, 2015,
vimentos de massa e enchentes: Santo Antônio 14 págs.
do Leverger, MT, Goiânia-GO, 2013, 22 págs.
TOMITA, SUELI AKEMI; ANTONELLI, TIAGO;.
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- Ação emergencial para reconhecimento de áreas
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe- de alto e muito alto risco a movimentos de massa
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo- e enchentes: Coxim, MS, São Paulo-SP, 2015, 15
vimentos de massa e enchentes: São José do Rio págs.
Claro, MT, Goiânia-GO, 2013, 9 págs.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATA-
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- RINA – UFSC. CENTRO UNIVERSITÁRIO DE
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reco- ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE DESASTRES.
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a Atlas Brasileiro de desastres naturais: 1991 a
movimentos de massa e enchentes: Uruaçu, GO, 2010, 2 ed., Florianópolis. 2012. 168p
Goiânia-GO, 2013, 9 págs.
144
RISCOS GEOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS NO
MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, MG
GEOLOGICAL AND HYDROLOGICAL RISKS IN BELO HORIZONTE, MG.
RESUMO ABSTRACT
Este artigo apresenta os condicionantes geológicos de This article presents the geological conditions of
escorregamentos, enchentes e inundações no território landslides and floods in Belo Horizonte county. The
do município de Belo Horizonte. O território exibe va- territory exhibits varied geological constitution divided
riada constituição geológica dividida em dois grandes into two large lithological and geomorphological
domínios litológicos e geomorfológicos. O primeiro domains. The first domain, known as Complexo Belo
domínio, conhecido por Complexo Belo Horizonte, Horizonte, represents almost seventy percent of the
abrange cerca de setenta por cento do território muni- county territory, it contains gnaisses and residual and
cipal e constitui-se de gnaisses e solos residuais e trans- transported soils. Geomorphologically the area is called
portados. Geomorfologicamente a área é denominada the Belo Horizonte Depression and is characterized
de Depressão Belo Horizonte e caracteriza-se por um by a relief named “mar de morros” occupying the
relevo de mar de morros ocupando as altitudes entre altitudes between 600 to 900 meters. The second
600 a 900 metros. O segundo domínio, localizado ao domain, located south of the municipal area, consists
sul da área municipal, constitui-se de rochas metasse- of metasedimentary rocks of the Minas Supergroup
dimentares do Supergrupo Minas do Quadrilátero Fer- - “Quadrilátero Ferrífero”, occupying about 30% of
rífero, ocupando cerca de 30% do território de beloho- the territory extending from 900 meters to the highest
rizontino. Estende-se desde cotas de 900 metros até levels of the hill named “Serra do Curral” (1340
os patamares mais elevados da Serra do Curral (1340 meters), a natural monument between Belo Horizonte
metros), monumento natural que separa os municípios and Nova Lima counties. Landslides occur particularly
de Belo Horizonte e Nova Lima. Os escorregamentos in three distinct groups of geological materials. The
ocorrem particularmente em três grupos de materiais first group, represented by metasedimentary rocks,
geológicos distintos. No primeiro grupo representa- landslides and other mass movements depend on the
do por rochas metassedimentares os escorregamentos arrangement, confinement, characteristics and intensity
e outros movimentos de massa dependem da dispo- of the discontinuities and the degree of alteration of
sição, confinamento, características e intensidade das the rocky massifs. The second group, represented by
descontinuidades e do grau de alteração dos maciços the residual soils of gnaisse, the ruptures depend on
rochosos. No segundo grupo, representado pelos solos cuts and erosive processes that expose residual soils
residuais de gnaisse, as rupturas dependem de cortes that preserve reliquiar structures of the original rock.
e processos erosivos que expõem solos saprolitos que The third group, represented by talus, ruptures occur
preservam estruturas reliquiares da rocha mãe. No ter- stimulated by cuts at the base of the slopes. Drainage
ceiro grupo, representado por tálus, as rupturas mais patterns are different in the two main hydrographic
comuns ocorrem estimuladas por cortes na base dos basins of the Belo Horizonte county: the Ribeirão do
taludes. Os padrões de drenagem são distintos para Onça basin and the Arrudas River Basin. Due to the
as duas principais bacias hidrográficas do município: influence of geological and geomorphological domains
A bacia do Ribeirão do Onça e a Bacia do Ribeirão on the drainage patterns and relief, floods and overflow
Arrudas. Os domínios geológicos e geomorfológicos are predominant in the Ribeirão do Onça Basin, while
145
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
impõem a declividade e os padrões de drenagem das water torrent, followed by floods and overflow are
duas bacias sendo que as inundações são predominan- common in the Ribeirão Arrudas Basin.
tes na Bacia do Ribeirão do Onça enquanto que enxur- Keywords: Geological hazards, Hidrological hazards,
radas bruscas, enchentes seguidas de inundações são Geology, Belo Horizonte.
mais comuns na Bacia do Ribeirão Arrudas.
146
RISCOS GEOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, MG
Belo condicionam erosão diferencial que pode ser e intemperizados, a Formação Cercadinho define
facilmente observada na paisagem do município. aspecto serrilhado ao relevo com cristas e subcris-
Os itabiritos e depósitos ferruginosos oriundos da tas (Figura 2). O mapa hipsométrico (Figura 3) de-
formação Cauê preservam as maiores altitudes monstra a influência da geologia e conformação
no topo da Serra do Curral. Os dolomitos e filitos da Serra do Curral no relevo. É possível observar
dolomíticos e ferruginosos da formação Ganda- as altitudes superiores a 1000 metros ao longo da
rela, menos resistentes, geram vales nas cotas de faixa serrana ocupada pelas metassedimentares
900 metros interrompidos por subcristas susten- do Quadrilátero Ferrífero decrescendo em direção
tadas pelos quartzitos ferruginosos da Formação à Depressão Belo Horizonte para as cotas de 650
Cercadinho. Em decorrência da interdigitação de a 850 metros.
quartzitos mais resistentes e filitos mais brandos
147
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 2. imagem área com delimitação aproximada da abrangência das formações geológicas do município de Belo Horizon-
te em função do relevo.
Os padrões de drenagem são distintos para município encontra-se na área da depressão Belo
as duas principais bacias hidrográficas do municí- Horizonte mantendo o padrão dendrítico. Entre-
pio: A Bacia do Ribeirão do Onça e a Bacia do Ri- tanto ao sul do município, a Bacia do Ribeirão
beirão Arrudas. A Bacia do Ribeirão do Onça en- Arrudas apresenta drenagem do tipo paralela e
contra-se integralmente na área de mar de morros sub-bacias alongadas, tendo forte influência das
da Depressão Belo Horizonte. O padrão de dre- maiores altitudes e declividades e da orientação
nagem é do tipo dendrítico e as sub-bacias apre- SW-SE da Serra do Curral e subcristas definidas
sentam formatos circulares a ramificadas. Parte pela sequência das rochas metassedimentares do
da Bacia do Ribeirão Arrudas na área central do Supergrupo Minas. Os domínios geológicos e geo-
148
RISCOS GEOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, MG
149
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Parizzi (2004) e Parizzi et al.(2011) estudaram De uma maneira geral os maciços estudados
os condicionantes de movimentos de massa no pertencentes ao grupo 1 foram considerados de
município de Belo Horizonte por meio da análise qualidade ruim a muito ruim pelas classificações
de estabilidade de taludes representativos das di- RMR (Bieniawski, 1989) e Q (Barton et al., 1974).
versas litologias e solos presentes na área. Assim como as classes da RMR, os parâmetros de
Os autores estabeleceram os tipos de movi- resistência (coesão e atrito) também não são mui-
mentos de massa e seus condicionantes atuantes to diferentes. Os maciços das Formações Cercadi-
nos diferentes materiais geológicos. Pôde-se ob- nho, Fecho do Funil, Barreiro e Taboões, apresen-
servar a existência de processos gravitacionais taram os menores valores de coesão. Os ângulos
particulares de três grupos de materiais geológi- de atrito dos maciços variaram entre 13° e 21°. Os
cos distintos, a saber: menores valores dos parâmetros de resistência são
Grupo 1: Maciços rochosos da seqüência de atribuídos aos filitos, independente de seu grupo
metassedimentares (Supergrupo Minas) ou formação. A tabela 1 apresenta os principais
Grupo 2: Solos residuais de gnaisse (Comple- parâmetros geomecânicos das rochas da sequên-
xo Belo Horizonte) cia de metassedimentares baseada nos estudos de
Grupo 3: Depósitos superficiais Parizzi (2004).
Tabela 1. Características geomecânicas das rochas da sequência de metassedimentares (Fonte: Parizzi, 2004)
Sequência de Metassedimentares
Unidade Geológica
Grupo Sabará Formações Fecho do Funil
Formação Cercadinho
Barreiro e Taboões
Número de descontinuidades 3 4 5
Classificação RMR Maciço regular Pobre a muito pobre Pobre a muito pobre
Figura 5. A orientação das encostas da Serra do Curral e o mergulho do acamamento do Itabirito da Formação Cauê favorecem
queda de blocos no lado de Belo Horizonte e escorregamento planar no lado de Nova Lima.
Fiori e Carmignani (2002) enfatizam que a cresceram para valores iguais ou menores do
água tem grande influência no estado de alteração que 1.
dos maciços atuando em aspectos fundamentais, Outro modo da influência da água nas ruptu-
tais como: ras dos maciços rochosos está na diminuição
Na decomposição dos minerais, principal- quase completa da coesão entre os planos de
mente os micáceos, abundantes em todos os descontinuidade, ou seja, os blocos se des-
maciços, ocasionando a perda da resistência placam por alívio de tensão e, após suces-
das paredes das descontinuidades. sivos eventos chuvosos e secos, escorregam
Na criação de poro-pressões nas descontinui- facilmente ao longo dos outros planos lisos
dades. As análises de estabilidade compro- e umedecidos. Este fenômeno se assemelha
varam que é necessário um preenchimento ao processo de empastilhamento descrito por
parcial ou total por água nas descontinuida- Frazão et al. (1976).
des para que rupturas ocorram nos taludes.
Em quase todas as análises de estabilidade Com relação às ações antrópicas, a execução
de acordo com o método de equilíbrio limite, dos cortes dos taludes, geralmente muito incli-
quando se considerou que as descontinuida- nados, que estimulam os processos erosivos, ou
des estavam secas, os fatores de segurança orientados de maneira à desconfinar estruturas
foram maiores do que 1,3, indicando situa- dos maciços rochosos, são os principais condicio-
ção estável. Com o aumento da porcentagem nantes antrópicos que desencadeiam escorrega-
de água dentro das descontinuidades e das mentos nas áreas de ocorrência das Seqüências
fendas de tração, os fatores de segurança de- Metassedimentares (Figura 6).
Figura 6. Condicionantes antrópicos dos escorregamentos. Lançamentos de terra descartada, cortes subverticais que desconfi-
nam descontinuidades e contatos entre solos e o maciço rochoso e construções sobre material inconsolidado. A foto da direita
foi tirada no Conjunto Taquaril em Belo Horizonte.
151
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Outro fator importante, observado por Pariz- mentos em cunha que evoluem na face do talude
zi (2004), é a execução de obras de estabilização (Figura 7). Devido à presença regular de mais de
que não levam em consideração os reais mecanis- uma família de descontinuidades e ao avançado
mos de ruptura atuantes nos maciços rochosos. estado de alteração dos maciços, a susceptibilida-
Os taludes em áreas de substrato rochosos de a escorregamentos em cunha se torna elevada.
constituídos por filitos da Formação Fecho do Interseções entre duas famílias parecem ser
Funil, Barreiro, xistos e filitos do Grupo Sabará comuns e os escorregamentos em cunha ocorrem
e filitos alternados por quartzitos da Formação nos primeiros estágios de instabilização dos ma-
Cercadinho se movimentam e se rompem a partir ciços. A ocorrência conjunta de erosão e escorre-
de mecanismos que podem ser diferenciados de gamento em cunha contribui para a mudança da
acordo com a relação geométrica entre corte dos geometria inicial dos taludes, geralmente com a
taludes e as descontinuidades dos maciços. É pos- criação de novas faces planas, que irão desconfi-
sível distinguir três modelos de ruptura para essa nar as outras descontinuidades do maciço, geral-
região. Geralmente, os cortes não possuem dire- mente a xistosidade. A partir da nova geometria
ções paralelas às direções das foliações, sendo, estabelecida e a exposição de novos planos, tom-
muitas vezes, até perpendiculares a elas. Nestes bamentos e escorregamentos planares passam a
casos, o processo de escorregamento é estimula- ocorrer.
do a partir de um sulco erosivo ou por escorrega-
Figura 7. Modelo de evolução progressiva dos movimentos de massa a partir de rupturas em cunha.
Quando as encostas ou taludes estão cober- As novas configurações dos taludes, obtidas
tos por depósitos de vertentes, a cobertura, asso- após os primeiros escorregamentos e processos
ciada à baixa permeabilidade do maciço, retarda a erosivos, são geralmente côncavas com topos es-
saturação das descontinuidades, o que mantém o carpados e rampas com inclinação em torno de
maciço rochoso estável por mais tempo. 30°, o que favorece a acumulação dos depósitos
152
RISCOS GEOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, MG
de vertentes e a concentração das águas pluviais. tos circulares ou planares próximos ao contato
Os depósitos passam a se movimentar sob a for- depósito/maciço rochoso (Figura 8).
ma de rastejos, fluxos de detritos e escorregamen-
Figura 8. Ruptura em cunha seguida de ruptura planar, tombamento e fluxo de detritos em talude da Av, Raja Gabaglia em
Belo Horizonte. A foto superior data de 2005 e a foto inferior data de 2021 após intervenções no local. Muro gabião foi feito na
base do talude e um prédio foi construído na parte superior. As lonas ao longo da face indicam que as intervenções não foram
eficazes e o talude continua em movimentação.
153
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 10. Tombamento e queda de blocos de filitos do Grupo Sabará sobre casa no bairro São Lucas de Belo Horizonte. A foto
da esquerda exibe detalhe do processo e a foto da direita mostra a localização da casa.
154
RISCOS GEOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, MG
Alguns cortes dessas litologias favorecem as formando uma camada protetora dos movimen-
rupturas planares. Entretanto pelo que foi obser- tos de massa e erosão dos horizontes inferiores. O
vado as rupturas planares são geralmente secun- horizonte C, ou solos saprolíticos e saprolitos, ge-
dárias conforme exposto na Figura 6. ralmente areno-siltosos, apresentam coesão nula
ou baixa, e ainda possuem estruturas reliquiares
da rocha de origem como famílias de fraturas e a
2.2 Condicionantes dos movimentos de foliação gnáissica. Processos erosivos, geralmente
massa dos solos residuais de gnaisse desenvolvidos nos horizontes de solo saprolíticos
e sobre os saprolitos, são responsáveis pela alte-
Os solos residuais desenvolvidos a partir
ração na morfologia das encostas, criando sulcos
dessas litologias contêm os horizontes A, B, C,
com paredes íngremes que facilitam o desenca-
saprolítico e os saprolitos da rocha original. Os
deamento de escorregamentos dos solos pouco
dois primeiros possuem espessuras variadas, de-
coesivos. A erosão também contribui para reti-
pendo do relevo local e possuem textura de argila
rada dos horizontes A e B, permitindo a exposi-
arenosa e coesão mais alta que os horizontes so-
ção dos horizontes sotopostos, caracterizados por
topostos. Viana (2000) encontrou menores valo-
maior erodibilidade e susceptibilidade a escorre-
res de erodibilidade para os horizontes A e B em
gamentos (Figuras 11 e 12).
relação ao horizonte C. Os horizontes superiores
(A e B) apresentam maior resistência à ruptura,
155
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 12. Imagem de escorregamento em solos residual de gnaisse no bairro Engenho Nogueira em Belo
Horizonte.
O município de Belo Horizonte possui antigas pedreiras de gnaisse que foram ocupadas de modo
irregular. Quedas de blocos são comuns, conforme a Figura 13.
Figura 13. As imagens exibem antigas pedreiras de gnaisse ocupadas inadequadamente. Ocorrem queda de blocos e há risco
para as moradias.
156
RISCOS GEOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, MG
Figura 14. Modelo exibindo ruptura de depósito de tálus ao longo do contato com o maciço rochoso.
157
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 15. Rastejamento que ocorre em talude formado por tálus derivado da fragmentação de filitos e quartzitos da Formação
Cercadinho no bairro Mangabeiras em Belo Horizonte.
158
Figura 16. Mapa das áreas de vilas e favelas sobre o mapa geológico simplificado do município de Belo Horizonte.
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NOSSA HISTÓRIA
CONFERÊNCIA ESPECIAL APRESENTADA NO 5º CONGRESSO BRASILEIRO DE
GEOLOGIA DE ENGENHARIA, SÃO PAULO, 1987
163
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
ao trabalho pioneiro que havia sido desenvolvi- usar cada vez mais os recursos da Geomecânica
do individualmente por geólogos de várias partes no entendimento dos fenômenos naturais, aliados
do Brasil. Aquela época coincidiu também com a seu conhecimento das geociências.
o início da formação de geólogos brasileiros, e a Desde o começo da geologia de engenharia,
engenharia teve que buscar seus primeiros cola- um conceito fundamental consistia em definir as
boradores recém saídos da fornada das escolas feições geológicas importantes que deveriam ser
de geologia brasileiras. Todos nós que iniciamos investigadas nos estudos de engenharia. É uma
na Geologia de Engenharia nos primeiros anos constatação quase decepcionante quando lemos
da década de 1960, o fizemos como recém forma- trabalhos que compõem o famoso Berkey Volu-
dos, e já começamos envolvidos diretamente com me, Application of Geology to Engineering Practi-
a responsabilidade dos grandes projetos. Muitos ce (Paige, 1950), da Geological Society of America,
tiveram a chance de cursos de pós-graduação que as principais feições geológicas importantes
posteriormente, mas, naquele momento, só tínha- às obras de engenharia já eram conhecidas naque-
mos a formação básica que nos deram nos bancos la época. Algumas feições novas foram determi-
de escola. Fomos formados em Geologia de En- nadas após aquele período e algumas novas sur-
genharia pelo contato diário com a engenharia e presas nos esperam no futuro, mas não é aí que se
seus problemas. Foi aí que deixamos a Fase Ama- situa o nosso maior desafio.
dorística da GE1 e iniciamos a Fase Profissional, Onde aconteceu a grande evolução da geolo-
quando as empresas de engenharia começaram a gia de engenharia nas três décadas? Nieto (1977)
contratar geólogos para seus quadros. A formação mostra dois pontos fundamentais que gostaría-
do geólogo de engenharia foi feita principalmente mos de reforçar:
pelo engenheiro e não por geólogos de engenha- O extraordinário desenvolvimento dos mé-
ria mais experientes. Tivemos a sorte de já contar todos de investigação. Este é um desafio
neste momento com uma instituição de pesquisas permanente pois anda de braços dados com
à frente de nossos conhecimentos, já preparada o próprio desenvolvimento tecnológico. Va-
para desenvolver tecnologias e formar pessoal, mos abordar este ponto apenas superficial-
e que foi o nosso primeiro suporte tecnológico. mente no capítulo 4. Cabe ainda comentar,
Rendo neste momento uma justa homenagem entretanto com decepção, a fragilidade do
ao IPT de São Paulo, que forjou naquela época o sistema de pesquisas no Brasil que não tem
mais brilhante grupo de geólogos de engenharia permitido um desenvolvimento mais dinâ-
que nossa geração teve, hoje trabalhando nas mais mico de nossas técnicas de investigação ou
diversas frentes. sua distribuição no mercado. Constata-se a
Os recursos teóricos de que dispõe o geólogo grande preocupação por parte de indivíduos,
de engenharia advém, portanto, de duas fontes empresas privadas e mesmo institutos de
principais: as geociências e a engenharia. Os pri- pesquisas oficiais em reter para uso próprio,
meiros compõem a sua formação básica, própria com únicos interesses comerciais, metodolo-
de qualquer geólogo, com o enfoque principal gias recentemente desenvolvidas e de grande
de que cabe neste caso principalmente definir a interesse para a comunidade.
“fenomenologia natural”, o que abordaremos no O segundo ponto é a grande influência exer-
capítulo 2. Muito do que se consegue hoje inter- cida pela Mecânica dos Solos e Mecânica das
pretar do comportamento dos materiais naturais Rochas na geologia de engenharia. O grande
foi possível graças a teorias desenvolvidas dentro avanço observado na caracterização dos ma-
da engenharia, basicamente sintetizadas na Mecâ- ciços rochosos observado nos últimos anos se
nica dos Solos e das Rochas ou a Geomecânica, o deu ao melhor conhecimento que hoje se tem
que também estará visível no capítulo 2. Aqui se das características geológicas que influen-
pode resumir o primeiro grande desafio com que ciam as propriedades mecânicas e hidráuli-
se depara atualmente o geólogo de engenharia: cas do maciço. Este ponto abordaremos em
maior detalhe no item 3.
1 Geologia de Engenharia
164
DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL
meira vez que tive contato com este efeito na esca- água pelas paredes, incluindo jorros equivalentes
la gigantesca dos nossos solos. a tubulações de 2” a 4” realçou o porte, a continui-
Entretanto, somente em 1984, voltei a ter con- dade e a importância das cavidades no horizonte
tato pessoal com a intensa ação animal em nossos de solo aluvionar abaixo do chamado coluvião. A
solos ao examinar os canalículos e cavidades en- porosidade desse horizonte é absurda. Existem ca-
contradas nas fundações dos diques da barragem nalículos de pequenas dimensões, só observados
de Samuel, em Rondônia, em construção pela Ele- com o uso de lupas de 10 a 20 vezes de aumen-
tronorte. A ocorrência mais generalizada de cana- to, e que praticamente ocorrem em todo o solo,
lículos em Samuel se deve aos Minhocuçus. Esta com origem animal clara. Canalículos regulares
minhoca de grande porte (atinge 40 cm de com- de minhocuçu, subverticais, são vistos em todos
primento e 1,5 cm de diâmetro) deixou evidências os locais das trincheiras. Canalículos e cavidades
de sua atividade em todos os solos de Samuel, em de forma variável, numa distribuição espacial ir-
vários estágios de preservação. Assim é que ca- regular, intercomunicantes e com continuidade
nalículos atuais, com o animal em pela atividade, lateral enorme, demonstrada pelo fluxo de água,
são encontrados lado a lado com canalículos intei- forma a feição mais impressionante do solo.
ramente preenchidos por solo ainda fofo e outros A origem animal de alguns canalículos de Sa-
preenchidos por material endurecido por hidró- muel já foi realçada por Machado (1983) e Buck
xido de ferro. É de se esperar que a atividade dos (1984), respectivamente, responsabilizando as tér-
minhocuçus venha ocorrendo há longo tempo em mitas e os minhocuçus. Formigas são, entretanto,
Samuel os insetos atualmente mais comuns nos solos de
Chama a atenção a grande dimensão dos co- Samuel, e são vistos em todos os tipos de solo e
nes de material fecal observados sobre os canalí- em todos os locais, e negar-lhes a importância que
culos à superfície, que chegam a atingir 5 cm de têm na atividade de transformação recente, e mes-
base por outros de altura, o que evidencia a gran- mo passada, do horizonte superficial do solo é um
de quantidade de solo que este animal pode trazer tanto injusto.
de profundidade à superfície do terreno. Obser- Estruturas semelhantes a estas, em forma e
vações feitas durante a pesquisa mostraram que o dimensões, já foram observadas pelo autor em so-
número de bolos fecais formados por mês em 10 los recentes, mesmo fora da Amazônia. Sua ori-
quadrados de 3 x 3 m variam durante o ano de 3 gem animal é reconhecida e facilmente observa-
a 40, num total médio de cerca de 26 por área de da. Cupins, formigas e minhocas, e um número
9 m². Se admitirmos o volume de cada bolo de 30 ainda maior de pequenos animais, compõem uma
cm³, o que é comum, é fácil calcular que o volume fauna que povoa a camada superficial do solo, em
de solo trazido só por este animal à superfície é de qualquer região do Brasil, e são os maiores res-
1 cm por século. ponsáveis pela sua total desagregação, uniformi-
De Heinzelin (1955, citado por Tricart e Cail- zação de textura e grande parte da sua alteração
leux, 1965) avaliou que o volume de terra revol- química. A intensidade deste processo na Ama-
vido pelos cupins pode atingir cerca de 1 m por zônia, debaixo de proteção da floresta, é muito
1.000 anos. Os canalículos de minhocuçus são maior. É reconhecido o papel vital que tais ani-
facilmente identificados por serem muito unifor- mais têm na reincorporação ao solo dos elementos
mes, com diâmetro regular, subverticais, sempre nutrientes que se encontram nos vegetais mortos
tubulares, e apresentam frequência de ocorrência que se acumulam sob a mata. Em solos tão pobres
de várias dezenas por metro quadrado. Entretan- como os amazônicos, estes processos têm que su-
to, uma grande variedade de outros canalículos prir, com sua intensidade, as deficiências próprias
e cavidades, de dimensões das mais variadas, é de um solo basicamente estéril.
observada em Samuel. A mais espetacular e im- Mesmo ocorrendo em qualquer tipo de solo
pressionante observação desses canalículos pôde e região, a ação animal deixa marcas mais per-
ser feita durante o bombeamento das trincheiras manentes nos solos da Amazônia em virtude dos
de investigação feitas na fundação do dique na processos de ferruginização por que passam os
margem direita, sob o lençol freático. O afluxo de solos desta região. Os solos observados nas trin-
166
DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL
cheiras possuíam em “esqueleto” endurecido nas recuperação. Uma questão intrigante, que durante
suas fases de ressecamento que permitia a “esta- os estudos chamou a atenção, foi a capacidade que
bilização” das cavidades, mesmo de grandes di- se teria de previsão de acidentes como aqueles.
mensões. Este é o fator que não é observado nos Dentre os oito casos analisados, quatro cha-
solos das regiões sul e sudeste, onde se construiu maram a atenção por se tratarem de aterros (ape-
a nossa maior experiência barrageira. Mas a ati- nas um corte) de pequena altura (de 5 a 10 m), em
vidade animal nestes solos também existe e vem encostas muito suaves e com grande extensão da
sendo cada vez mais notada, após a experiência área danificada.
das obras na Amazônia. Nos três casos em aterro, houve total ruptura
A hipótese que formulamos para explicar a do pavimento, com a formação de uma série de
origem do horizonte superficial extremamente degraus mantendo-se as superfícies dos mesmos
poroso, mesmo em superfícies muito horizontais, ligeiramente horizontais, não tendo havido rota-
como um aluvião, é uma intensa ação animal ca- ção perceptível dos blocos rompidos. Os desloca-
paz de abrir canalículos e cavidades, revolver o mentos verticais entre degraus contíguos eram de
solo e mesmo carregá-lo até a superfície, deixando cerca de 1 m e no total de 3 a 4 m. O deslocamen-
no lugar um solo de elevadíssima porosidade. A to horizontal era mais acentuado, tendo atingido
desagregação superficial do solo e a disposição de 10 m.
grande quantidade de solo trazida de profundi- Durante a inspeção de campo, um ponto ficou
dades maiores pelos animais, misturada à matéria realçado de imediato. Não se observava nenhum
orgânica disponível, dá origem à camada superfi- abaulamento do pé do aterro, isto é, o volume
cial de solo orgânico. deslocado no escorregamento não foi “expulso”
junto ao pé. Não se tratava, portanto, de escorre-
gamentos rotacionais comuns. A impressão que
2.2 Mecanismos de Movimentação de se tinha é que havia ocorrido um “espalhamento”
Encostas do aterro. A inspeção da encosta natural abaixo
dos aterros mostrou uma série de rachaduras que
A cada período chuvoso, a sociedade se cho-
evidenciaram sua movimentação em áreas que
ca com os inúmeros escorregamentos ocorridos
atingiram de 60 a 200 m, a partir da saia do aterro.
nas nossas cidades e estradas, alguns de registros
No km 82, o corte original tinha no máximo
trágicos, com perdas de dezenas de vidas. Este
10 m de altura, tendo sofrido deslizamentos gene-
permanece como um dos grandes desafios ao geó-
ralizados com grande surgência de água e estufa-
logo de engenharia: a previsão do comportamen-
mento do pavimento da estrada por levantamento
to das encostas naturais e aquelas ocupadas pelo
generalizado de cerca de 0,50 a 1,0 m, numa exten-
homem.
são de 100 m. Rachaduras recentes foram observa-
O enfoque central do estudo tem que consi-
das a 180 m do corte, encosta acima.
derar que este é um processo natural de desenvol-
Em todos os casos, as encostas são bastante
vimento das paisagens e é desta forma que tem
suaves (5° a 15°). Não havia dúvida de que toda
que ser entendido: as rochas desagregadas física
a encosta estava envolvida no escorregamento e
e/ou quimicamente nos pontos altos da topogra-
deu exame cuidadoso mostrou degraus que leva-
fia são trazidas para os pontos baixos por ação
vam a suspeitar da ocorrência de escorregamentos
primeiro da gravidade obviamente, mas com uma
antigos. Tudo indicava que as encostas haviam se
ajuda quase inseparável da água. Seja em partícu-
movimentado, levando consigo os aterros, e não
las individuais, seja em grandes massas de consis-
o contrário.
tência variável de sólido a quase líquido, os solos
Todos os locais se situam em região de gnais-
e rochas têm uma tendência incontrolável a des-
se mas não há rocha envolvida nos fenômenos
cer as encostas em velocidades das mais variáveis.
(apenas blocos), ocorrendo em todos os casos
No período chuvoso de janeiro de 1979, uma
um coluvião argiloso vermelho (com ou sem blo-
série de deslizamentos em encostas e aterros ocor-
cos) de espessura variável, mas em média de 5 a
reu na BR-262, no trecho Belo Horizonte-Monle-
10 m, sobre o solo residual de gnaisse. Os escorre-
vade, e foram objeto de estudos para projetos de
167
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
168
DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL
devido a condições morfológicas de terreno já co- têm sido consideradas com certo desprezo. Na re-
nhecidas ou analisáveis, com os recursos que se gião de Salto Grande – MG, vários moradores in-
dispõem em geologia de engenharia e geotecnia. sistiram que “terremotos” foram sentidos simul-
Parece ser possível correlacionar com boa taneamente com grandes escorregamentos, não se
precisão os episódios de chuvas com os escorre- conhecendo qualquer registro dos mesmos. Lopes
gamentos, mas previsões desses escorregamentos (1987), em trabalho apresentado a este Congresso,
com antecedência suficiente parecem impossíveis volta a mencionar a questão relacionada ao abati-
em casos semelhantes ao descrito neste trabalho. mento das fundações em Terra Roxa, no Paraná.
Novas tentativas de correlação entre chuvas e es- O fato é que solos de estruturas muito instá-
corregamentos foram feitas posteriormente e uma veis, como alguns dos nossos coluviões, quando
delas é a publicada nos anais deste Congresso (Ta- saturados, podem sofrer um processo de liquefa-
tizana e outros, 1987). ção, que é como se assemelham vários dos escor-
Os autores concluíram que a acumulada de 4 regamentos de encostas no Brasil.
dias de chuva anterior ao escorregamento foi con- Há pouco tempo, participamos do estudo da
siderada como efetiva no processo de escorrega- ruptura de uma barragem de rejeitos cujo meca-
mento, sendo responsável pela preparação do ter- nismo de desencadeamento da liquefação foi qua-
reno para fenômenos de instabilização, ao passo se certamente a vibração causada por 3 caminhões
que as precipitações de curta duração (horárias) estacionados simultaneamente em sua crista.
podem estar associadas a fenômenos de desenvol- Acredito que a geomorfologia pode dar uma
vimento instantâneo que podem funcionar como grande ajuda aos geólogos de engenharia no en-
detonantes do processo de escorregamento. Não tendimento dos fenômenos de estabilidade de
estamos convencidos de que a “acumulada de 4 encostas, sendo mesmo o grande caminho a ser
dias”, segundo os dados dos autores, apresente seguido nesta fase.
qualquer indício de correlação com os acidentes
melhor do que a de 2, 3 e 8 dias. Aliás, a dispersão
observada é absurda em qualquer dos gráficos.
2.3 Deformações de Paredes e Fundos de
Entretanto, o que vale a pena insistir, o que é Vales
reconhecido pelos autores, é que os estudos têm
A presença de algumas juntas horizontais
validade para uma dada conformação geomor-
abaixo do leito do rio na barragem de Foz do
fológica, o que não foi considerado. O segundo
Areia foi mencionada por Marques Filho e outros
ponto, referente à previsibilidade, é tratado pelos
(1978), mas uma tentativa para sua explicação só
autores como base no CPC (Coeficiente de Preci-
foi apresentada posteriormente (Marques Filho e
pitação Crítica), que depende da intensidade ho-
outros, 1981).
rária da chuva do episódio e da acumulada de 4
Citam os autores a existência no leito do rio,
dias, o que, de novo, tem pouco valor na previsão
constituído de basalto denso, de “uma série de
do fenômeno.
zonas fraturadas e alteradas mergulhando suave-
O estudo das correlações de chuvas com es-
mente no sentido das duas margens (20° a 25°,em
corregamentos têm grande valor no entendimento
ambos os sentidos) e reduzindo-se a uma única
da fenomenologia, mas só pode ser usado em ava-
zona suborizontal em direção à ombreira esquer-
liação de predisposição regional, se associados ao
da. Na terceira dimensão, estas zonas mostram
conhecimento da evolução morfológica da área.
um pequeno mergulho para jusante, com os hori-
Várias outras questões associadas ao com-
zontes mais superficiais aflorando na área do plin-
portamento das encostas precisam ser melhor
to e aprofundando-se no sentido do fluxo do rio”.
abordadas, sendo que uma delas também foi tra-
Ao explicar o fenômeno, os autores consideram a
tada neste Congresso por Carvalho e Wolle (1987)
existência de tensões horizontais, porém apenas
sobre o fluxo d’água em solos insaturados.
atuando como tensões principais maiores após a
Outro ponto que não pode ser menospreza-
remoção ou diminuição das cargas verticais pela
do se refere ao efeito das vibrações causadas pelas
erosão.
trovoadas, já várias vezes mencionado, mas que
169
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
As feições de Itaipu foram detalhadamente Uma grande cavidade, com dimensão maior
descritas por Paes de Barros e Guidicini (1981), da ordem de 5 m, foi descoberta durante o início
com comparações com as descobertas de Foz do da escavação em rocha para o canal de desvio.
Areia. Os autores realçam a presença, no interior Não foi possível observá-la integralmente pois
de quase todos os derrames, de descontinuidades a mesma já havia desabado e sido parcialmente
de amplo desenvolvimento lateral. Trata-se de escavada quando da nossa inspeção. A parte re-
feições suborizontais, de andamento subparalelo manescente da cavidade forneceu-nos entretanto
ao topo e base dos derrames, que podem variar, uma observação adequada da ocorrência dando
em aspecto, desde a simples junta com abertura bons indícios de sua origem.
milimétrica e faces constituídas por rocha sã, ou A cavidade foi descoberta no promontório de
pacotes de rocha fortemente fraturada e alterada, rocha que representa o ponto mais alto da rocha
com espessura da ordem de um a dois metros, até na escavação, ocorrendo pouco abaixo do contato
caixas de material argiloso com algumas dezenas solo-rocha. O xisto apresenta-se com sua xistosi-
de centímetros de espessura”. “Fato importante é dade muito desenvolvida, subvertical, sendo o
a verificação que tais descontinuidades apresen- fraturamento, na zona da cavidade, muito inten-
tam com frequência sinais de movimentação re- so (F3 a F4) e a decomposição variável, predomi-
lativa das faces, isto é, observa-se que, ao longo nando a rocha pouco decomposta (D2) mas com
de algumas dessas feições, a porção do maciço a inúmeras zonas muito decompostas (D3 e D4).
elas sobrepostas se deslocou em relação à porção As feições geológicas que mais chamam a atenção
sotoposta. Tanto a quantidade do deslocamen- são as fraturas suborizontais de grande extensão
to como seu rumo são variáveis, dependendo da e muito abertas. Ocorre uma laje de rocha relati-
descontinuidade que estiver sendo enfocada e da vamente maciça e sã, com 1 a 2 m de espessura,
ombreira em questão. Vale, entretanto, a norma no topo do promontório, praticamente isolada da
de que os movimentos das porções sobrepostas rocha. O exame cuidadoso das fraturas horizon-
às descontinuidades convergem para o centro tais mostra que houve acentuado deslocamento
do vale... tendo sido observados movimentos de em direção ao rio e lateralmente, denunciado pela
37 cm”. grande quantidade de superfícies estriadas e es-
Os autores explicam tais casos como devidos pelhadas, e pelo tombamento de blocos de xisto
aos deslocamentos de fundos de vale causados que são encontrados com a xistosidade horizon-
pelo alívio das tensões durante a erosão, usando tal, entre a laje superior e a rocha inferior, am-
o modelo exposto por Patton e Hendron (1974) bos com a xistosidade vertical. Acredita-se que o
que se aplicava entretanto apenas a rochas sedi- movimento horizontal foi de, no mínimo, 0,5 m,
mentares. Admitem a pré-existência de juntas su- podendo mesmo ter ultrapassado 1 m. Tais des-
borizontais na rocha que foram deslocadas pelo locamentos criaram uma grande quantidade de
processo de abertura do vale. vazios na rocha que foram localmente alargados
Um caso interessante foi observado pelo au- pela remoção do material fragmentado e intem-
tor em 1986 durante a construção da barragem do perizado. Parece-me ser esta a origem mais plau-
rio Mando, a 40 km de Belo Horizonte, para abas- sível para as cavidades observadas, não havendo
tecimento de água da capital mineira. nenhuma evidência de dissolução nas paredes
A geologia local é constituída de xistos do remanescentes.
Grupo Nova Lima, com xistosidade vertical e pa- Esta origem para as cavidades fica reforçada
ralela ao eixo da barragem, estrutura esta consi- quando se observa a existência de inúmeras outras
derada obviamente muito favorável. Durante as zonas fraturadas da rocha, em tudo semelhante à
investigações, o único problema descoberto foram principal, mas em menores dimensões. No pé do
as perdas d’água elevadas no contato do horizon- talude do corte em solo, uma destas zonas foi par-
te intemperizado com a rocha sã, que praticamen- cialmente limpa e mostrou as fraturas horizontais
te coincidia com o nível do rio, devido ao espesso abertas até 5 cm, e aparentemente com grande ex-
pacote intemperizado. Este ponto também consti- tensão para dentro da ombreira.
tui uma anomalia de monta.
170
DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL
A relação das cavidades com a abertura das sequência de camadas correspondendo a solos re-
juntas suborizontais do topo da rocha, criando siduais de argilito, siltito e arenito, este ocorrendo
zonas fragmentadas, intemperizadas e posterior- mais no fundo da trincheira. Originalmente, as co-
mente erodidas pela água de percolação parece res são claras mas o solo encontra-se hoje inteira-
clara. mente mosqueado pela precipitação de hidróxido
Deslocamentos em direção ao rio das pare- de ferro, dando origem à plintita típica.
des de seus vales, em rochas sedimentares hori- Algumas superfícies suborizontais espelha-
zontais, têm sido observados frequentemente e das e estriadas são observadas com continuidade
são relacionados ao alívio das tensões horizontais da ordem de metros à dezena de metros, porém
produzido pelo desconfinamento lateral durante interrompidas localmente por zonas do solo mais
o entalhe do vale pela erosão. intensamente ferruginizados.
Os movimentos de encosta que ocorreram na Um dos planos observados ocorre no conta-
região da Barragem de Manso em tempo geoló- to entre o siltito e o arenito, junto à base superior
gico recente se deram ao longo de planos de fra- da trincheira (encosta acima) e outro ocorre den-
turas tectônicas pré-existentes, caracterizando-se tro de uma fina camada (5 cm) de argilito dentro
pela movimentação do maciço saprolítico sobre a do arenito. Ambos sofrem interrupção por zonas
rocha sã. ferruginizadas.
O alívio de tensões decorrentes da rápida Junto ao fundo da trincheira ocorrem hori-
escavação do vale pelo rio Manso alcançou as zontes de espessuras centimétricas de limonita,
condições de equilíbrio no maciço, provocan- com grande extensão horizontal, atravessando
do movimentações ao longo das descontinuida- toda a trincheira. Alguns “pilares” ferruginizados
des geológicas preservadas no saprolito e na ro- de 10 a 20 cm de largura se formam para cima e
cha alterada. Abaixo do topo da rocha sã, pouco para baixo desses horizontes. São bem duros na
fraturada, não se constataram mais indícios de parte central, tornando-se mais friáveis nas bor-
movimento. das. O aspecto de pilar se deve à intersecção com
Do mapeamento das paredes de escavação a parede, mas não há dúvidas de que se trata de
do canal de desvio e da galeria, concluiu-se que os feições planares verticais perpendiculares ao eixo
movimentos tinham direção preferencial NNW- da barragem. Entre as zonas ferruginizadas ocor-
-SSE, normal ao leito do rio e no sentido do tal- rem grandes bolsões métricos de argilito que so-
vegue. Nestes casos, os movimentos se davam frem relaxação intensa quando da escavação, com
principalmente segundo planos suborizontais desmoronamentos sucessivos, talvez por alívio de
(conjunto J-2), e secundariamente segundo planos tensões ou por variação de umidade.
subverticais (conjuntos J-1 e J-3). Os horizontes ferruginizados associados aos
No caso das escavações do vertedouro, o “pilares” parecem ser feições devidas aos desloca-
mapeamento também foi conclusivo quanto à di- mentos sofridos pelas ombreiras quando do alívio
reção preferencial dos movimentos (aproximada- de tensões causado pela erosão do vale. Formam-
mente E-W) ser normal à direção do leito do rio. -se superfícies horizontais de deslizamento e ver-
Neste caso, o movimento se dava principalmente ticais de tração, ambas apresentando boas condi-
segundo planos com ângulos intermediários e no ções para precipitação de hidróxido de ferro cuja
sentido do talvegue. mobilização ocorre simultaneamente. Inverte-se
Na região Amazônica, onde várias obras es- pois o resultado do fenômeno, havendo o endure-
tão sendo construídas em rochas sedimentares, o cimento dos planos fracos.
mesmo tipo de fenômeno vem sendo observado. Como o processo é contínuo e plenamente
Em Cachoeira Porteira, uma trincheira feita na ativo ainda nos dias atuais, encontramos superfí-
ombreira direita revelou feições interessantes, já cies em várias fases, algumas ainda bem preserva-
suspeitadas na escavação de poços manuais. das, outras parcialmente ferruginizadas e outras
O solo superficial é um coluvião vermelho, inteiramente endurecidas pelo hidróxido de ferro.
argilo-siltoso poroso, com grande quantidade de Poços feitos abaixo e acima da trincheira con-
concreções duras de limonita. Abaixo, segue uma firmam a extensão lateral do fenômeno.
171
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Parece que os processos de cimentação com 2.4 O Estudo do Estado de Tensão dos
limonita diminuem bastante a importância das Maciços Rochosos
feições quanto à resistência. Permeabilidade mais
altas podem ainda estar associadas a elas. Na maior parte dos casos onde foi feita a de-
Uma questão que pode estar intimamente re- terminação do estado de tensões naturais em ma-
lacionada à “neotectônica de fundo de vale” é a ciços rochosos no Brasil, pouca ou nenhuma aten-
sismicidade induzida por reservatórios. É muito ção foi dada aos “registros geológicos”, sejam eles
mais fácil admitir a interferência do enchimento de ordem estrutural ou petrográfica.
de reservatórios e o equilíbrio existente no fundo Uma exceção é a análise feita por Serra Júnior
dos vales do que procurar explicação na tectônica e outros (1986) sobre o maciço basáltico da UHE
regional. Taquaruçu. Os autores usaram o procedimento
Este ponto já foi aventado um tanto indire- desenvolvido por Arthaud (19696). Mesmo consi-
tamente por Ferguson (1974, p 19) que afirma: derando que sejam ainda discutíveis as hipóteses
“When high water conditions occurred in the área sobre a origem das descontinuidades “primárias”
such as those occurring during the time of glacial e “secundárias” no basalto, análises como estas
meltwater runoff, or other extreme flooding con- devem ser incentivadas ao máximo e vêm sendo
ditions, additional uplift forces could further re- empregadas rotineiramente em várias partes do
duce the effective strength of valley botton rocks. mundo (Herget, 1967).
Under these conditions shear failures in the form Ainda sem aplicação no Brasil, mas de uso
of thrust faulting and tensile failures could occur extenso no mundo, é a análise da relação entre es-
in the weaker rocks or springing or dowing in the forços e deformação nas rochas, com base no estu-
stronger rocks”. do dos registros que permaneceram na estrutura
Nichols e Avel (1975) foram mais diretamente cristalina da rocha.
à questão quando afirmam que: “the mere remo-
val of geologic restraints by erosional processes
2.5– A Colmatação de Filtros
may be sufficient to mobilize and reconcentrate
strain energy sufficient to cause rock failure or an Vários estudos têm sido apresentados sobre
earthquake”. a questão da colmatação de filtros por hidróxido
Ferguson (1967) já havia alertado que o alívio de ferro, mas com um enfoque quase que emi-
de tensões observado no fundo dos vales poderia nentemente físico-químico, deixando de lado um
atingir profundidades de vários milhares de pés dos fatores mais relevantes que é a participação
ou pelo menos várias vezes a altura e a largura biológica. Bactérias que reduzem o óxido de fer-
do vale. ro e depositam o produto em suas colônias são
Infanti (1986) faz uma ligação entre erosão universalmente conhecidas (Ghiorse, 198; Jones,
dos vales e o alívio de tensões no fundo dos mes- 1983; Jones e outros, 1983) e devem merecer consi-
mos: “while the river carves the valley the conse- deração em nossos futuros estudos.
quente stress relief provokes fracturas in the rock
mass”, clara referência à possibilidade de geração
de sismos, que ele menciona mais adiante com re- 2.6 Desagregação das Rochas
lação a Kariba: “The seismic induced activity that
followed reservoir impounding clearly demons- Recentemente, além dos problemas clássi-
trates that there was stress concentration beneath cos de desagregação nos basaltos, casos surgi-
the valley”. ram com rochas sedimentares, principalmente na
As evidências hoje justificam que uma gran- Amazônia, alguns mencionados neste Congresso.
de atenção seja dada à possibilidade de associação Um caso interessante vem sendo observado na
entre as deformações em fundo de vale e a sismi- barragem de Três Marias, da CEMIG, com sedi-
cidade induzida. mentos já ligeiramente metamorfizados, muito
resistentes.
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DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
174
DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL
perismo, que tendendo para um solo, deve usar a conta portanto todas as feições de baixa resistên-
terminologia adequada para solos em geotecnia. cia à tração e viria a ser o “grau de fissuração” do
maciço.
A escala proposta inicialmente pela ABGE
3.2.2 Grau de Fraturamento para medir o grau de fraturamento da rocha pre-
cisa ser revista. Primeiro, ela não diferencia qual-
Melhor seria ser chamado de grau de descon-
quer classe acima de um espaçamento de 1 m, o
tinuidade da rocha. Para definir descontinuidade,
que é injusto. Cabe sem dúvida distinguir os ma-
existem dois conceitos imprescindíveis à sua ca-
ciços que tenham descontinuidades com espaça-
racterização: sua baixa resistência em comparação
mento de 1 m daquelas com 3 m e daqueles com
com a da rocha intacta e sua persistência diante
10 m, cujo comportamento geomecânico será in-
das dimensões da obra. Só são descontinuidades
teiramente diverso. Por outro lado, não acredito
aquelas que atendam a estes dois pré-requisitos.
que seja necessário distinguir entre espaçamento
Aqui vale a pena diferenciar dois comportamen-
como F3 e F4. Diante das obras de engenharia,
tos distintos dos maciços comandados pelo fratu-
estes maciços têm comportamento inteiramente
ramento e que dependem de estar o maciço em
similar.
compressão ou em relaxação.
A escala de grau de fraturamento de forma
Em primeiro lugar, cabe reconhecer que as
proposta pela ISRM (Brown, 1981) é a seguinte:
descontinuidades só comandam a resistência do
maciço quando a rocha intacta tem resistência
diante do estado de tensão a que esteja submetida.
Quando sob compressão, só interessa con-
siderar as descontinuidades que condicionem a
resistência ao cisalhamento do maciço e a sua de-
formabilidade. Sob estes esforços, só são desconti-
nuidades as feições planares que tenham paredes
planas e muito lisas, ou paredes intemperizadas
ou ainda com preenchimentos fracos. O termo FO poderia ser reservado para des-
Para o caso de uma rocha submetida à relaxa- crições locais onde valesse a pena distinguir ainda
ção, qualquer superfície que tenha baixa resistên- espaçamentos mais abertos que 6 m.
cia à tração é importante, pois influi na definição Uma simplificação da escala foi apresenta-
do bloco unitário que pode se soltar. da pela própria ISRM (1981) unificando alguns
Um exemplo bem conhecido de todos nós é índices:
o comportamento do basalto denso intensamen- F1 > 200 cm
te fissurado devido às juntas de contração. Este 60 cm < F2 < 200 cm
grau de fissuração não condiciona a resistência ao 20 cm < F3 < 60 cm
cisalhamento nem a deformabilidade do maciço 6 cm < F4 < 20 cm
diante das tensões de compressão normalmente F5 < 6 cm
aplicadas por nossas estruturas. Porém, quando
submetidas à relaxação, todas estas juntas traba- Minha sugestão é usar a seguinte
lham como descontinuidades e facilitam enorme- terminologia:
mente o desmonte. É importante que se passe a F1 > 200 cm (F1A > 600 cm e 200 cm < F1B < 600 cm)
distinguir dois índices que meçam a frequência de 60 cm < F2 < 200 cm
descontinuidade que tenham resistência e persis- 20 cm < F3 < 60 cm
tência que comprometem a resistência ao cisalha- 6 cm < F4 < 20 cm
mento e a deformabilidade do maciço e que seria F5 < 6 cm (2 cm < F6A < 6 cm e F6B < 2cm)
o “grau de fraturamento” como o conhecemos. O
outro incluiria todas as feições que pudessem in-
terferir nas relaxação do maciço e que levaria em
175
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
3.3 Caracterização das Descontinuidades do maciço, nem mesmo das suas descontinuida-
des. O efeito de escala não pode ser menosprezado.
Este é o ponto que mais avançou nos últimos
tempos, estando bem descrito pela ISRM (Brown,
1981), traduzido pela ABGE. Pouco teríamos a 4.2 Ensaios em Furos de Sondagem
acrescentar.
A utilização dos furos de sondagem para en-
saios in situ ficou estacionada no tempo com ape-
4 ENSAIOS ÍNDICES nas a execução do convencional ensaio de perda
d’água. Somente nos últimos anos tem-se assis-
São ensaios que não medem diretamente as tido a uma certa evolução nos ensaios realizados
propriedades do maciço rochoso mas permitem em furos de sondagem.
sua avaliação. São em geral ensaios expeditos, de Na década de 1970, o dilatômetro (Rocha,
fácil realização, usando amostras de pequenas di- 1970) foi usado em vários de nossos projetos, por
mensões ou executados nos furos de sondagens. exemplo UHE São Simão (Rocha, 1975), e usado
como um índice para classificação de maciços
(Franciss, 1974). Entretanto seu custo elevado e a
4.1 Ensaios Expeditos
falta de alternativas nacionais impediu sua maior
Entre eles realça-se o ensaio de compressão divulgação no país.
puntiforme já em uso há bastante tempo no Bra- O ensaio de perda d’água (EPA) vem sendo
sil, desde o trabalho de Guidicini e outro (1972b). aprimorado intensamente nos últimos anos, ca-
Posteriormente o ensaio foi padronizado pela bendo realçar os trabalhos de Corrêa e Freitas.
ISRM (Brown, 1981). Este mesmo Congresso foi palco de discus-
Conforme já definido no item anterior, este sões em torno de vários métodos recentemente in-
ensaio deve ter uso rotineiro em nossas obras troduzidos na engenharia de investigações de ma-
devido à facilidade de sua execução e a grande ciços, tanto para observação da parede de furos
simplicidade do equipamento, que pode ser cons- de sondagem como para caracterização das suas
truído hoje sem dificuldades, usando macacos hi- propriedades hidráulicas.
dráulicos de pequena capacidade (10 a 15 t). As No primeiro grupo incluem-se o obturador
pontas de compressão podem ser feitas com esfe- de impressão, o TRH e o SRH. Com o obturador
ras de aço de rolamento o que é mais simples que de impressão consegue-se uma “impressão” de
a sua preparação no torno. todas as irregularidades da parede, o que exige
Materiais muito brandos (com menos de 50 uma boa dose de interpretação, na eliminação
kgf/m²) não são facilmente ensaiados com a com- daqueles puramente mecânicas. Ainda possui
pressão puntiforme, devendo-se executar o ensaio grandes deficiências, principalmente devido às
de compressão simples, os quais também são usa- deformações da borracha, produzindo um exage-
dos em pequena quantidade para aferição dos en- ro nas dimensões das feições, as quais também se
saios de compressão puntiforme. encontram mascaradas pelo desgaste durante a
O próprio ensaio de compressão triaxial em sondagem, e ainda em virtude da dificuldade de
amostras de rocha intacta é apenas um índice a ser diferenciar as características do material de preen-
usado na avaliação da qualidade do maciço, que chimento das feições de maior porte, sendo quase
apenas em condições muito especiais pode ter sua impossível distinguir rocha fraturada de material
resistência representada por este ensaio. intemperizado. O desenvolvimento de borrachas
Um ensaio índice já introduzido no Brasil com vários níveis de rigidez pode levar a um apri-
(Dobereiner, 1987) e que pode vir a ser mais di- moramento do ensaio. Seu uso é bem promissor e
vulgado é o de cisalhamento direto em amostras no projeto do Complexo da Altamira já permitiu
pequenas, obtidas de testemunhos de sondagem, esclarecer várias dúvidas quanto à existência de
não se perdendo de vista entretanto que ele não zonas intemperizadas na fundação rochosa, com
passa de um índice e não representa a resistência perda de testemunho (Correa e Quadros, 1987).
176
DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL
177
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
178
DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL
metros. A sua seleção pelo geólogo de engenharia 5.3 Obtenção Empírica de Parâmetros
exige um conhecimento profundo do fenômeno Geomecânicos
envolvido para o que ele deve contar com a cola-
boração estreita do engenheiro geotécnico. Parâmetros geomecânicos dos maciços ro-
Esta é sem dúvida a atividade profissional chosos podem ser obtidos com aceitável preci-
mais importante do geólogo de engenharia e deve são, pelo menos para as fases iniciais dos estudos
representar a síntese consciente de todo seu tra- (viabilidade e projeto básico), a partir de uma boa
balho. Para executá-la é absolutamente necessário caracterização, ensaios índices e classificação dos
que ele tenha: maciços. Este é um dos campos que mais tem ex-
um amplo conhecimento do maciço através perimentado avanços nos últimos tempos, sendo,
de uma boa caracterização geomecânica; entretanto, ainda limitada a contribuição nacio-
um perfeito conhecimento do condiciona- nal. Um grande esforço deve ser dedicado a estu-
mento que cada feição geológica possa ter no dos que possam validar ou reformular a experiên-
fenômeno a ser previsto; cia estrangeira, e mesmo contribuir para novos
uma certa criatividade em agrupar as ca- procedimentos.
racterísticas geomecânicas importantes de Dobereiner e outros (1987) apresentam uma
modo a definir cada classe de maciço para boa síntese dos métodos mais em uso hoje em dia
cada aplicação. e como foram aplicados nos estudos da Cachoeira
da Porteira.
O produto final deste trabalho é a comparti- Resistência ao cisalhamento das descontinui-
mentanção geomecânica do maciço que significa dades, resistência ao cisalhamento do maciço ro-
seu zoneamento onde se mostra a distribuição das choso, resistência à compressão simples do maci-
várias classes de maciço e o que necessariamente ço, deformabilidade do maciço, abertura de juntas
será feito para cada comportamento a ser previs- podem ser avaliadas com base apenas na caracte-
to. Assim a compartimentação do maciço quanto rização do maciço e em ensaios índice.
à escavabilidade não é necessariamente a mesma
que para a injetabilidade ou durabilidade, etc.
5.4 A Importância da Observação do
É no exercício da tarefa de prever o compor-
Protótipo
tamento dos maciços rochosos que se pode medir
o sucesso do trabalho do geólogo de engenharia. A base da sistematização do uso das “classi-
Uma questão que gostaria de comentar é ficações locais” é a análise do comportamento do
quanto à pressão que é feita sobre o geólogo de protótipo. Cada classificação feita é uma previsão
engenharia no sentido de obter resultados numé- que tem que ser verificada diante do comporta-
ricos, isto é, quantitativos. Este ponto não é abso- mento do protótipo. Mesmo no caso de projetos já
lutamente imprescindível. Classificar não é obter em operação, o uso dos sistemas de classificação
números, é prever comportamento. Aliás, o fato locais permite analisar o comportamento que vem
de que as classificações mais usadas hoje levam à apresentando ao longo do tempo e ainda estabele-
obtenção de classes de maciço definidos por va- cer procedimentos que poderão ser extrapolados
lores numéricos, alguns excessivamente detalha- para outros projetos.
dos (3 casas decimais) podem dar uma conotação Uma das questões mais importantes, e que
de precisão que nenhum dos métodos realmente é paradoxalmente uma das mais negligenciadas
tem. Não se pode “operar” matematicamente com da geologia de engenharia, está na previsão do
tais valores livremente, nem existe entre classes comportamento dos maciços rochosos nas áreas
diferentes as mesmas relações que existem entre de dissipação de energia a jusante dos vertedou-
seus números representativos. Sempre que possí- ros de nossas barragens. Criou-se aí uma ceri-
vel, as características de um maciço devem ser de- moniosa área de não comprometimento em que
finidas por valores numéricos, mas a classificação os hidráulicos confiam na previsão com base em
não necessariamente. considerações teóricas e em modelos reduzidos, e
em ambos o maciço rochoso se encontra normal-
180
DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL
mente mal definido. Os geólogos de engenharia e teve o objetivo de mostrar ao profissional da área,
os engenheiros geotécnicos têm se mantido afas- principalmente os mais novos, o enorme campo
tados desta área, o que precisa ser urgentemente científico e técnico que se abre à sua ação. Muito
corrigido. longe de mim qualquer intenção de abranger toda
Imediatamente nos deparamos com a pro- a área de atuação da geologia de engenharia. Com
palada dificuldade de modelar tanto em modelos apenas alguns poucos casos comentados, espera-
físicos como matemáticos os pormenores geoló- mos ter incentivado os colegas a se aprofundarem
gicos que têm importância no comportamento da cada vez mais nos fundamentos e nas aplicações
rocha. do campo técnico-científico que compõem a Geo-
A observação de vertedouros em operação logia de Engenharia.
deve trazer uma grande ajuda ao equacionamen-
to do problema, desde que suportado por uma
boa caracterização do maciço. Este é um trabalho
REFERÊNCIAS
que terá que ser desenvolvido em conjunto, pe-
PAIGE, S. (1950) . Application of Geology to Engi-
los geotécnicos e engenheiros hidráulicos. É no
neering Practice Berkey Volume. GSA-
conhecimento dos esforços atuantes, como pulsa-
ção intensa das pressões, o impacto do jato, as vi- NIETO, ALBERTO S. (1977) . Significant Enginee-
brações, a velocidade da água, etc., que se poderá ring — Geology Features at Damsites in Flat—
selecionar os parâmetros geomecânicos condicio- Lying Sedimentary Rocks. Ohio River Valley Soils
nantes. A resistência à compressão simples con- Seminar.
trola evidentemente a resistência ao impacto, e a
ação da velocidade sobre os materiais mais fracos STÄPLEDON, D. H. (1976) . Geological Hazards
é o elemento dominante. Nas rochas mais resis- and Water Storage, Boletin n° 14 da IAEG.
tentes, o fraturamento passa a definir o comporta-
mento, pois o mecanismo de erosão passa a ser o MACHADO, A. (1983). Inspeção dos Canalículos
de remoção de blocos. Assim, é importante a de- dos Solos Residuais das Áreas das Usinas Hidre-
finição do tamanho, peso, orientação em relação à létricas de Tucuruí, Balbina e Samuel. Relatório
superfície, imbricamento dos blocos, abertura das Interno da Eletronorte.
juntas.
BUCK, N. (1984) Vários Relatórios Internos da
A experiência tem mostrado que a hetero-
Eletronorte.
geneidade da rocha e sua anisotropia são fatores
dominantes no comportamento do macio quando
TRICART, J. e CAILLEUX, A. (1965). Traité de
erodido e não podem ser esquecidas.
Géomorphologie. Volume 5.
O trabalho de Infanti (1986) mostra a única
sugestão feita no brasil para a classificação de GUIDICINI, G., IWASA, O. Y. (1976) . Ensaios
maciços quanto à erodibilidade a jusante de ver- de Correlação entre Pluviosidade e Escorrega-
tedouros. O sistema de classificação geomecânica mento em Meio Tropical Úmido. Publicação 1080
proposto por Klaus John é adaptado, introduzin- – IPT-SP.
do-se ainda importantes modificações quanto à
forma da partícula. TATIZANA, C e outros (1987) . Análise de Corre-
O assunto merece, entretanto, que se dê a lação entre Chuvas e Escorregamentos. Serra do
ele a importância que lhe cabe num país onde se Mar no Município de Cubatão. 5° CBGE.
constroem os maiores vertedouros do mundo.
CARVALHO, C. S. e WOLLE C. M. (1987) . Con-
siderações sobre o Fluxo de Água em Taludes de
5 CONCLUSÃO Solos Insaturados. 5° CBGE.
A apresentação de algumas questões que MARQUES FILHO, P.L.; LEVIS, P. (1978) . Aspec-
ainda desafiam a geologia de engenharia no brasil tos Geológicos de Barragens de Enrocamento com
181
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Face de Concreto. A Experiência de Foz do Areia. GHTORSE, W.C. (1984) . Biology of Iron and Man-
2° CBGE. ganese Depositing Bacteria. Ann. Rev. Microbiol.
1984.
MARQUES FILHO, P. L.; LEVIS, P. (1981) . A In-
fluência do Manto de Alteração na Barragem de JONES, J. G. (1983) . A note on the Isolation and
Foz do Areia. 3° CBGE. Enumeration of Bacteria which Deposit and Re-
duce Ferric Iron . Journal Applied Bacteriology .
PAES DE BARROS, F.; GUIDICINI, G. (1981) . Um
Processo Natural de Alívio de Tensões e o Projeto JONES, J. C. e outros (1984) . Reduction of Fer-
de Drenagem da Fundação da Barragem de Itai- ric Iron by Heterothrophic Bacteria in Lake Se-
pu. 14° Congresso do CBGB. diments. Journal of General Microbiology. Great
Britain.
PATTON, F. D., HENDRON, A. J. (1974) . General
-Report on Mass Movements. 2° Congresso Inter- GUIDICINI, G. e outros (1972a) . Um Método de
nacional da IAEG. Classificação Geotécnica Preliminar de Meios Ro-
chosos. Anais da 4 a Semana da APGA.
FERGUSON, H. F. (1974) . Geologic Observations
and Geotechnical Effects of Valley Stress Relief in BROWN, E. T. (1981) . Rock Characterization Tes-
the Allegheny Plateaus. ASCE National Meeting ting and Monitoring ISRM Suggested Methods.
on Water Resources Engineering. Pergamon Press.
HERCET, G. (1976) . The Stress Field in the Urqu- CORRÊA FILHO, D. e QUADROS, E. F. (1986) .
hart Shales at Mount Isa (Queensland, Australia) Metodologia para Determinação do Comporta-
, Based on Structural Investigations . Felsmecha- mento Hidrogeotécnico dos Maciços Rochosos.
nilk u. Ingenierurgeol (1968) . Anais do 2° Simpósio Sulamericano de Mecânica
das Rochas. Porto Alegre .
182
DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL
183
COMENTÁRIO À CONFERÊNCIA
DO SÉRGIO BRITO
COMMENTARY ON SÉRGIO BRITO’S CONFERENCE
184
COMENTÁRIO À CONFERÊNCIA DO SÉRGIO BRITO
dor de MG na época, esteve na abertura do even- a parte pericial a cargo do colega Leandro E. da
to, graças à articulação do Sérgio e de seu irmão, Silva Cerri. Sérgio já havia participado como co-
então deputado federal. -editor, junto com Antônio Manuel dos Santos Oli-
Devo mencionar que, coincidindo com aque- veira, da publicação pioneira da ABGE “Geologia
le Congresso, houve a votação (tarde e noite de de Engenharia”, de 1998, que inspirou a revisão e
25/04/1984) da emenda constitucional do de- atualização do livro de 2018, acima citado. Esse
putado Dante de Oliveira, para permitir eleição artigo do Sérgio foi indicado pelo colega Erik, jun-
direta à Presidente da República. Na Praça da tamente com outras referências bibliográficas, ao
Rodoviária, em BH, um ato político contou com a Grupo de Trabalho da Comissão 25 da IAEG, que
presença de muitos colegas, que acompanharam trata de “modelos de geologia de engenharia”.
pelos alto falantes discursos de políticos e, depois, Erik fez questão de endereçar a IAEG, inspirado
a votação de cada deputado. Infelizmente a emen- no Depoimento do Sérgio, uma recomendação
da por diretas, uma das maiores campanhas cívi- de inestimável valor metodológico: “o Geólogo
cas do Brasil, saiu derrotada. de Engenharia deve antecipar ocorrências que,
Outras duas ocasiões merecem ser mesmo não tendo sido identificadas nas investi-
rememoradas gações de campo, são reconhecidamente admis-
No aniversário de 45 anos de ABGE síveis naquele cenário geológico, surgindo daí o
(out/2013), Sérgio aceitou meu convite e fez uma critério para contingenciamento e para avaliação
Depoimento de título “Imprevisto geológico em do risco geológico.”(Negrito nosso).
contratos EPC”, publicado pela ABGE no livro A outra ocasião foi a participação de Sérgio
“45 anos: perspectivas da Geologia de Engenharia em Mesa Redonda sobre “Investigações” no 14º
e Ambiental e o papel da ABGE – Depoimentos”. Congresso Nacional da ABGE, no Rio de Janei-
Nesse relato Sérgio retoma o tema da sua Confe- ro, em dezembro de 2013. Sérgio, muito atarefa-
rência Especial de 1987 sobre o papel do Geólogo do, havia declinado do convite, mas por minha
de Engenharia e defende a necessidade dos contra- insistência compareceu e brindou a todos com
tos previrem “Junta para Disputas”, antes da judi- magnífica intervenção. Ainda me recordo de co-
cialização e que os Imprevistos Geológicos sejam legas dizerem que a ABGE deveria evitar sessões
debatidos ao âmbito da geologia e por seus técni- paralelas em seus Congressos, pois aquela mesa
cos. O artigo passou a fazer parte, na sua íntegra, sobre Investigações merecia uma sessão exclusi-
do Capítulo 40 do livro “Geologia de Engenharia va, dado o interesse do tema e a relevância dos
e Ambiental” da ABGE (publicado em 2018), com participantes.
o título “Imprevistos geológicos e perícias”, sendo
185
CONTRIBUIÇÕES
E REFLEXÕES
A questão ambiental vem sendo crescente- tos de aterros sanitários; e até mesmo as questões
mente um dos principais temas de debates e preo- sociais e urbanas como a cartografia geotécnica e
cupações da sociedade em geral, e das comunida- de riscos.
des técnicas e científicas em particular.
Os recursos naturais estão sendo explorados
exaustivamente numa escala cada vez maior.
LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Os ecossistemas e os refúgios de vida silves-
Uma das áreas importantes de atuação são os
tre estão sendo reduzidos e degradados.
Licenciamentos Ambientais.
A produção de todo tipo de poluição aumen-
Os Grandes Empreendimentos apresentam
ta à medida que a população mundial cresce.
classicamente 3 fases distintas: a fase de projeto; a
É um cenário triste, catastrófico e deprimen-
fase de obras; a fase de operação. O Licenciamen-
te. A raça humana parece não conseguir se desen-
to ambiental também é dividido em 3 fases: a fase
volver em equilíbrio com a natureza e degrada
de estudos socioambientais ou Estudos de Impac-
continuamente seu próprio habitat, colocando em
tos Ambientais e obtenção da licença ambiental
risco sua própria sobrevivência, e a de outras es-
prévia; a fase de desenvolvimento dos programas
pécies também.
ambientais, obtenção da Licença de Instalação e a
Mas existem inúmeros exemplos de boas ini-
realização das obras; e a fase de gestão ambiental
ciativas e casos de sucesso na busca do equilíbrio
da operação do empreendimento.
entre desenvolvimento e preservação. A Susten-
A primeira fase, dos estudos e obtenção de
tabilidade está entre as prioridades de uma gran-
licenças tem sido objeto de inúmeras discussões
de parcela da população, de vários governos e até
e controvérsias, muito em função do tempo que
mesmo de muitas empresas.
demora o licenciamento e da subjetividade que o
A ABGE desde a muito tempo engloba e valo-
envolve. O fato é que o licenciamento ambiental
riza a questão ambiental. É a Associação Brasileira
tem sido muitas vezes tratado como um entrave e
de Geologia de Engenharia e Ambiental. Poderia
uma dificuldade a ser vencida para realizar uma
e deveria ter um A à mais na sua sigla – ABGEA!
obra. Quando de fato é ou deveria ser encarado
Mas fica implícito!
como uma fase de avaliação e melhoria do proje-
O grande foco da Geologia de Engenharia
to e do empreendimento proposto, de modo a ser
historicamente sempre foi a atuação dos geólogos
menos impactante e trazer ganhos ambientais.
e geotécnicos nos projetos e nas grandes obras de
O licenciamento seria uma fase nobre do
infraestrutura. E há décadas foram incorporadas
empreendimento, quando diferentes aspectos
também as ações e atuações nas questões ambien-
são analisados por equipes multidisciplinares; a
tais. Muitos profissionais ligados ou interessados
comunidade é ouvida; o projeto como um todo é
na ABGE atuam na área Ambiental, em diversos
melhorado.
campos, como os estudos e análises de impactos
Mas Infelizmente o licenciamento ambien-
ambientais e a proposição de medidas de controle
tal em muitos casos tem sido considerado e tra-
e mitigação; o diagnóstico e soluções para áreas
contaminadas; a recuperação de erosões; os proje-
187
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
188
O Meio Ambiente merece respeito. Merece Gestão. Merece soluções
189
PROJETOS DE USINAS HIDRELÉTRICAS
Nos anos 1970, com o país em desenvolvi- que merecem ser considerados na definição do
mento acelerado, nós tínhamos muitos projetos arranjo geral das estruturas que compõem uma
de usinas hidrelétricas para fazer. Naquela época usina hidrelétrica. Apresentam-se também alguns
não tínhamos nem experiência, expertise, os con- exemplos de usinas hidrelétricas com diferentes
sultores e os livros eram estrangeiros e caros. composições de arranjo das estruturas.
Tempos difíceis. Foi tanto sufoco que pensei Desde o início, ressalta-se que as condições
“um dia, vou escrever um livro”, e esse sonho foi topográficas e geológico-geotécnicas dos sítios
concretizado 40 anos depois com a publicação do condicionam fortemente os arranjos das usinas, e
“Projetos de Usinas Hidrelétricas-Passo a Passo” acima de tudo, a importância da multidisciplina-
pela Editora Oficina de Textos. ridade no desenvolvimento do projeto, com a in-
tegração das disciplinas da Cartografia, Topogra-
fia, Hidrologia, Geologia, Geotecnia, Estruturas,
Hidráulica, Mecânica, Elétrica e Meio Ambiente.
1 TRANSFORMAÇÃO DA ENERGIA
POTENCIAL EM ENERGIA ELÉTRICA
190
PROJETOS DE USINAS HIDRELÉTRICAS
191
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Empreendimento Sigla
Potência Instalada A figura a seguir apresenta as usinas do rio
(MW)
Teles Pires, na região Norte, uma das últimas a ser
Central Geradora Hidrelétrica CGH P≤5
totalmente aproveitada no país. Ele se junta ao rio
Pequena Central Hidrelétrica PCH 5 < P ≤ 30
Juruena para jutos formarem o rio Tapajós.
Usina Hidrelétrica UHE P > 30*
* São caracterizados como UHEs os aproveitamentos com potência
instalada superior a 5 MW e igual ou inferior a 50 MW desde que
não sejam enquadrados como PCH e estejam sujeitos a outorga de
autorização.
Figura 3. Localização da Bacia Hidrográfica do rio Tapajós, formado pela junção dos rios Teles
Pires e Juruena.
1
https://eletrobras.com/pt/Paginas/Manuais-e-Diretri-
zes-para-Estudos-e-Projetos.aspx
192
PROJETOS DE USINAS HIDRELÉTRICAS
193
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
De forma resumida, existem 2 tipos mais co- e verificações durante os estudos e projetos dos
muns de arranjo: empreendimentos.
Arranjos compactos: onde todas as estruturas Nos livros do Comitê Brasileiro de Barra-
da usina ficam posicionadas ao longo do eixo gens, Topmost Dams of Brazil (CBDB, 1978) e
de barramento; “Main Brazilian Dam.” Vol. 1 (CBDB, 1982), Vol.
Arranjos com circuito de adução: onde a 2 (CBDB, 2000) e Vol. 3 (CBDB, 2009), encontram-
estrutura do barramento, que estabelece o -se ilustrados os principais projetos das usinas
reservatório, e a estrutura da casa de força, hidrelétricas brasileiras. Esses documentos são da
que abriga as unidades turbogeradoras, es- maior importância e de consulta imprescindível
tão desassociadas e separadas, e o fluxo hi- para quem trabalha para o setor elétrico. Neles
dráulico é conduzido do reservatório à casa constam, com alguns detalhes, os arranjos gerais
de força por meio de um circuito hidráulico das principais obras brasileiras. Não será difí-
de adução. cil observar que, para locais com características
semelhantes.
Cada caso tem suas particularidades e as A seguir são apresentados alguns exemplos
alternativas mais econômicas, técnica e am- de arranjo utilizados em usinas no Brasil, ilustran-
bientalmente, são objeto de pesquisas, análises do o uso dos 2 tipos de arranjo acima identificados.
Figura 5. UHE Tucuruí – Arranjo Compacto. Situa-se no trecho baixo do rio Tocantins, no Estado do Pará,
com potência de 8.125 MW. A barragem tem 95 m de altura e comprimento de 7 km. O vertedouro da usina, um
dos maiores do mundo, tem 23 vãos de 20 m largura e 21 m altura e capacidade de vertimento (Q) de 110.000 m3/s.
194
PROJETOS DE USINAS HIDRELÉTRICAS
Figura 6. UHE Itaipu - Arranjo Compacto. Situa-se no rio Paraná e tem potência de 14.180 MW. A barragem
tem 196 m de altura e 7,8 km comprimento. O vertedouro tem 14 vãos de 20 m largura e 21,34 m altura e capaci-
dade de vazão de 62.000 m3/s.
Figura 7. UHE Campos Novos – Arranjo com Circuito Adutor. Situa-se no rio Canoas, 21 km a montante da
confluência com o rio Pelotas, e tem potência de 900 MW. A barragem, de enrocamento com face de concreto, tem
202 m de altura e 590 m de comprimento. O vertedouro tem 4 vãos de 17.4 m largura e 20 m altura. A capacidade
de vazão é de 18.300 m³/s.
195
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 8. UHE Irapé – Arranjo com Circuito Adutor. Situada no rio Jequitinhonha, Minas Gerais, possui
a maior barragem do Brasil e a segunda maior da América Latina, com 205 m de altura. Possui 360 MW de
potência instalada. O arranjo compreende uma barragem de enrocamento com núcleo de argila fechando o vale,
túneis de desvio na margem direita, tomada de água, vertedouro e extravasor na margem esquerda e casa de força
a jusante da barragem.
196
PROJETOS DE USINAS HIDRELÉTRICAS
fornecem orientações e recomendações para a ava- No caso da PCH Poço Fundo verificou-se que
liação do impacto dos sedimentos carreados pelos não eram esperados problemas de assoreamento.
cursos d’água aos reservatórios neles instalados. O reservatório é estreito e pouco profundo, com
A Tabela 1 apresenta os resultados desses considerável velocidade de escoamento, o que re-
estudos desenvolvidos para o Projeto Básico da sultou em um baixo índice de sedimentação.
PCH Poço Fundo, localizada no município de São
José do Vale do Rio Preto.
Tabela 1. Cálculo do Tempo de Assoreamento Previsto para o Reservatório da PCH Poço Fundo.
Entretanto existem vários de reservatórios de desmatamento extensivo nas margens dos cursos
usinas no Brasil com algum tipo de problema as- d’água.
sociado ao acúmulo de sedimentos. O ambiente Cita-se por exemplo o caso da UHE Masca-
geológico, o regime pluviométrico e as grandes renhas (120 MW), inaugurada em 1974, o projeto
declividades da bacia são as principais causas na- não contemplou os estudos sedimentológicos, se-
turais que favorecem a erosão do seu solo. Como gundo Almeida e Carvalho (1993). Essa usina teve
causas antrópicas, destacam-se a proximidade de seu reservatório quase que totalmente assoreado
regiões de exploração de minérios a céu aberto e o em 1979, 5 anos após a inauguração e sua opera-
197
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
ção exigia dragagem permanente até a época da forme levantamentos batimétricos realizados na
publicação do trabalho de Almeida e Carvalho região. Segundo a pesquisa, na época já não era
(1993). possível navegar com embarcações de 2,9 m de
A UHE Funil, com 30 MW de potência ins- calado. Neste trecho a hidrovia só funcionava, de
talada no rio das Contas, na Bahia, foi inaugura- forma plena, seis meses por ano e a tendência era
da em 1962 e teve as três unidades geradoras pa- de que isso piorasse com o aumento do assorea-
ralisadas no período de janeiro de 1992 a março mento. Além do prejuízo para a geração de ener-
de 1993. Para recolocar a usina em operação, foi gia, havia o risco de paralisação do transporte de
necessário efetuar a dragagem de um volume de cargas no trecho que integra o traçado da hidrovia
33.000 m3 do reservatório, e a retirada de 1.000 m3 Tietê-Paraná.
de sedimentos dos condutos forçados. A questão deve receber a atenção e ser mo-
Coelho (1993) mostrou em sua Dissertação de nitorada pelos concessionários ou autorizados de
Mestrado desenvolvida no Instituto de Geociên- geração de energia hidrelétrica de acordo com a
cias e Ciências Exatas UNESP que o reservatório Resolução Conjunta no 3, de 10 de agosto de 2010,
da UHE Americana (SP) assoreou 8,9% em 40 da ANEEL e ANA, a qual estabelece as condições
anos, correspondente a 0,22% ao ano. e os procedimentos a serem observados pelos con-
Miranda (2011) mostrou em sua Dissertação cessionários de geração de energia hidrelétrica
de Mestrado apresentada a Escola de Engenharia para a instalação, operação e manutenção de es-
de São Carlos, que o reservatório de Três Irmãos tações hidrométricas visando ao monitoramento
assoreou 14% entre 1975 e 2008, o que correspon- pluviométrico, limnimétrico, fluviométrico, sedi-
de a 0,42% ao ano, e que as perdas de energia, de mentométrico e de qualidade da água associado a
1993, ano de funcionamento da primeira turbina, aproveitamentos hidrelétricos.
a 2008 seriam de 377 MWh/mês. O assunto do assoreamento possui grande
As pesquisas desenvolvidas na Universidade importância e relevância para a vida e a capaci-
Estadual de Campinas mostram que o reservató- dade operacional das usinas hidrelétricas, para a
rio da UHE Barra Bonita, onde existe a eclusa que manutenção da trafegabilidade das embarcações
permite o tráfego fluvial, também sofre as conse- e para a qualidade socioambiental das bacias
quências do assoreamento. Em menos de cinco hidrográficas
anos, alguns pontos ficaram 12 m mais rasos, con-
198
PROPOSTA DE ESTRUTURAÇÃO DE UM
CURSO DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA
STRUCTURE PROPOSAL OF AN ENGINEERING GEOLOGY COURSE
RESUMO ABSTRACT
Os cursos brasileiros de Geologia têm até hoje reve- Brazilian Geology courses have so far shown a certain
lado uma certa relutância em entender a Geologia de reluctance to understand Engineering Geology as an
Engenharia como uma atribuição própria do campo attribution of the field of Geology, so the teaching
da Geologia, pelo que o ensino e o desenvolvimento and technical-scientific development of this applied
técnico-científico dessa geociência aplicada, que en- geoscience, which understands Man as a geological
tende o Homem como agente geológico, não têm sido agent, have not been perceived as an activity of strategic
percebidos como uma atividade de importância estra- importance by the University. This paper has the
tégica pela Universidade. Tem esse trabalho o objetivo objective of defending and proposing the structuring
de defender e propor a estruturação de um curso de of a course in Engineering Geology closely associated
Geologia de Engenharia intimamente associado à sua with its support science, Geology, understanding
ciência de sustentação, a Geologia, entendendo o “ra- “geological reasoning” as its main working tool.
ciocínio geológico” como seu principal instrumento de
trabalho.
199
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
200
PROPOSTA DE ESTRUTURAÇÃO DE UM CURSO DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA
201
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
202
PROPOSTA DE ESTRUTURAÇÃO DE UM CURSO DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA
O curso proposto pode ser considerado tanto 3.2 Disciplinas e cargas horárias
como um referencial didático para a discipli-
na de Geologia de Engenharia hoje existente Módulo I (Objeto: o que é e como trabalha a GE)
em vários cursos de graduação universitária Carga
Nº Disciplinas
de Geologia, como para o oferecimento de Horária
cursos de especialização ou de pós-gradua- • Fundamentos conceituais e metodológi-
1 cos. 40
ção em GE. • Posicionamento disciplinar.
O curso está proposto em seus marcos funda- • Evolução no mundo e no Brasil.
mentais: Justificativa, Módulos, Disciplinas e • Geologia de Engenharia e Engenharia
2 30
Geotécnica – trabalho integrativo/respon-
Ementas. Os demais detalhamentos, como sabilidades profissionais.
tópicos disciplinares, bibliografias, créditos
por disciplina, etc., deverão ser considera- Módulo II (Objeto: as intervenções humanas no
dos após o período de discussão do presente planeta interagem com processos geológicos)
documento.
Carga
Nº Disciplinas
Horária
• A paisagem fisiográfica na qual o Ho-
3.1 Módulos mem interfere.
• Processos geológicos de formação das
3 40
Módulo I paisagens.
• Dinâmica Interna x Dinâmica Externa.
Questões Conceituais e Metodológicas – geo- • Geomorfologia aplicada.
logia de engenharia, uma geociência aplicada que • Hidrologia, Hidromorfologia, Hidrogeo-
vê o homem como agente geológico (Objeto: o 4 logia, Climatologia. 40
• Dinâmica Costeira e Fluvial
que é e como trabalha a GE)
• Solos – Intemperismo, Laterização, Pedo-
5 30
gênese.
Módulo II • Geologia do Quaternário.
6 40
Cenários Geológicos que Recebem e Intera- • Neotectônica.
gem com Intervenções Humanas – disciplinas • Mecânica dos Solos. Mecânica das Ro-
7 60
chas.
de apoio e sustentação (Objeto: as intervenções • Técnicas diretas e indiretas de investiga-
humanas no planeta interagem com processos 8 ção. 60
geológicos) • Ensaios e instrumentação.
203
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
204
PROPOSTA DE ESTRUTURAÇÃO DE UM CURSO DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA
205
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
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mais comuns na região sede da Univer-
LEGGET, R.F; HATHEWAY, A.W. Geology and
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