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RBGEA

REVISTA BRASILEIRA DE
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
E AMBIENTAL

Volume 11 (02)
2021
ISSN 2237-4590
REVISTA BRASILEIRA DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA E AMBIENTAL
Publicação Científica da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

EDITORES

Prof. Dra. Alessandra Cristina Corsi – IPT


Prof. Dr. Eduardo Soares de Macedo – IPT
MSc. Erik Wunder – Estelar Engenheiros Associados

REVISORES
Adalberto Aurélio Azevedo – Consultor João Francisco Alves Silveira – Consultor
Alberto Pio Fiori – UFPR Jorge Kazuo Yamamoto – USP
Aline Freitas da Silva – DRM-RJ José Alcino Rodrigues de Carvalho – Univ. Nova de Lisboa (Port.)
Andrea Valli Nummer – UFSM José Augusto de Lollo – UNESP
Angelo José Consoni – TSAP José Domingos Gallas – USP
Antonio Cendrero – Univ. da Cantabria (Espanha) José Eduardo Zaine – UNESP
Antonio Manoel Santos Oliveira – UNG José Luiz Albuquerque Filho – IPT
Candido Bordeaux Rego Neto – IPUF Leandro Eugênio da Silva Cerri – Consultor
Carlos Geraldo Luz de Freitas – IPT Luis de Almeida Prado Bacellar – UFOP
Clovis Gonzatti – CIENTEC Luiz Fernando D’Agostino – SENAI
Denise de la Corte Bacci – USP Luiz Nishiyama – UFU
Diana Sarita Hamburger – UFABC Malva Andrea Mancuso – UFSM
Dirceu Pagotto Stein – Geoexec Marcelo Denser Monteiro – Metrô – SP / UAM
Edilson Pissato – USP Marcilene Dantas Ferreira – UFSCar
Eduardo Brandau Quitete – IPT Marcio A. Cunha – Consultor
Eduardo Goulart Collares – UEMG Maria Heloisa B.O. Frascá – Consultora
Emilio Velloso Barroso – UFRJ Marta Luzia de Souza – UEM
Eraldo L. Pastore – Consultor Nelson Meirim Coutinho – GEORIO
Fábio Soares Magalhães – Walm Engenharia Newton Moreira de Souza – UnB
Filipe Antonio Marques Falcetta – IPT Noris Costa Diniz -UnB
Flávio Almeida da Silva – Engecorps Reinaldo Lorandi – UFSCar
Frederico Garcia Sobreira – UFOP Renato Luiz Prado – USP
Ginaldo Campanha – USP Ricardo Vedovello – IG/SIMA
Helena Polivanov – UFRJ Yociteru Hasui – Consultor
Jair Santoro – IG/SIMA

APOIO EDITORIAL
Denise Amaral e Didiana Dórea

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO


Rita Motta – Editora Tribo da Ilha

Volume 11 (02)
2021
ISSN 2237-4590
DIRETORIA ABGE GESTÃO 2021/2022

Presidente: Delfino Luiz Gouveia Gambetti


Vice Presidente: Fernando Facciolla Kertzman
Diretora Secretária: Marcela Penha Pereira Guimaraes
Diretora Financeira: Silvia Maria Kitahara
Diretora de Comunicação: Maria Heloisa B. Oliveira Frascá
Diretor de Eventos: Otávio C. Brasil Gandolfo

Conselho Deliberativo da ABGE: Ana Elisa Abreu, Delfino Luiz Gouveia


Gambetti, Fabio Augusto Gomes Vieira Reis, Fernando Facciolla Kertzman, Iramir Barba Pacheco,
Ivan José Delatim, João Antônio Curtis, João Paulo Monticeli, José
Luiz Albuquerque Filho, José Tarcísio de Melo Pinheiro, Marcela Penha Pereira Guimarães,
Maria Heloisa B. Oliveira Frascá, Otávio C. Brasil Gandolfo, Renata Augusta Rocha N. de Oliveira,
Ricardo Antônio Abrahão, Ricardo Vedovello e Silvia Maria Kitahara.

NÚCLEO RIO DE JANEIRO


Presidente: Marcela Tuler Castelo Branco
Conselho Deliberativo: Thiago Dutra dos Santos, Aline Pimentel da Silva,
Altair Carrasco de Souza, Ana Caroline Duarte Dutra, Analice Ramos Pereira Gomes,
Cristiane Tinoco dos Santos, Giovanna Tristão da Cunha, Nelson Meirim Coutinho e
Raquel Batista Medeiros da Fonseca.

NÚCLEO MINAS GERAIS


Presidente: Romildo Dias Moreira Filho
Conselho Deliberativo: Frederico Nascimento Mendes Bezerra, Ellen Delgado Fernandes,
Alberto Ferreira do Amaral, Ângelo Almeida Zenobio, Fabio Soares Magalhães,
Inácio Diniz Carvalho, Luís de Almeida P. Bacellar, Maria Giovana Parizzi,
Thiago Baptista Teixeira e Yan Lucas de Oliveira Pereira dos Santos.

NÚCLEO SUL
Presidente: Erik Wunder
Conselho Deliberativo: Débora Lamberty, Adriana Ahrendt Talamini,
Mariano Badalotti Smaniotto, Malva A. Mancuso, Andréa V. Nummer,
Cezar Augusto Burkert Bastos, Adelir José Strieder e Karina Retzlaff Camargo.

NÚCLEO CENTRO OESTE


Presidente: Gabriel do Nascimento Ribeiro
Conselho Deliberativo: Bruna Maria Cruz Fernandes, Caiubi Emanuel Souza Kuhn,
Patrícia de Araújo Romão, Rodrigo Luiz Gallo Fernandes, Diogo Eduardo de Oliveira Martins,
Raphael Teixeira de Paiva Citon e Kurt João Albrecht.

NÚCLEO NORTE
Presidente: Dianne Danielle Farias Fonseca
Conselho Deliberativo: Milena Marí­lia Nogueira de Andrade, Sheila Gatinho Teixeira,
Claudio Fabian Szlafsztein, Elton Rodrigo de Andretta,
Iris Celeste Nascimento Bandeira e José Sidney Barros.

SECRETARIA ABGE
Gerente Executiva: Luciana Marques
Analista Administrativa: Didiana Dórea
Estagiária Administrativa: Denise Amaral

ABGE Central
Av. Prof. Almeida Prado, 532 | Prédio 36 | Cidade Universitária | São Paulo – SP
Fones: (11) 3767-4361 | (11) 3719-0661
E-mail: abge@abge.org.br | Site: abge.org.br
APRESENTAÇÃO

Sejam todos bem-vindos à segunda edição de de publicações de periódicos técnicos entre 2010 a
2021 da RBGEA - Revista Brasileira de Geologia 2018 sobre a interface entre riscos geológicos, ris-
de Engenharia e Ambiental, a revista da ABGE. cos hidrológicos e planejamento urbano.
Nesta edição reunimos 5 artigos técnico-cien- Nesta edição, a RBGEA oferece também 3
tíficos que desenvolvem temas da estabilidade artigos compilados do workshop “Riscos Geoló-
de encostas naturais, da cartografia geotécnica, gicos: Regionalidade e Gestão”, promovido e or-
do planejamento urbano, dos processos de ero- ganizado pelos Núcleos Regionais da ABGE. No
são costeira e da geotecnia aplicada à mineração. trabalho apresentado por Souza, é feita uma dis-
Apesar desta ser a 2a edição de 2021, a reunião cussão dos instrumentos definidos como obriga-
destes temas não poderiam ter maior relevância, tórios pela Lei 12.608, voltados à gestão do risco
pertinência e tempestividade em função dos acon- e manejo dos desastres, analisando a abrangência
tecimentos vividos por toda a sociedade brasileira e aplicabilidade das informações e produtos que
no início de 2022. estão sendo gerados e entregues aos municípios
Blaudt e colaboradores publicam as caracte- brasileiros. Fernandes e Canello nos mostram os
rísticas petrográficas, estruturais e tecnológicas resultados da setorização de risco geológicos e hi-
das rochas que, junto com as condições climáticas drológicos nos estados de Goiás, Mato Grosso e
circunstanciais, contribuíram para a deflagração Mato Grosso do Sul, realizados pelo Serviço Geo-
do acidente ocorrido na cidade de Petrópolis (RJ) lógico do Brasil – CPRM, ao longo dos últimos
em novembro de 2016. Bitar e colaboradores nos dez anos. E finalmente, Parizzi nos fala sobre os
apresentam uma síntese do mapeamento de áreas condicionantes geológicos de escorregamentos,
suscetíveis a movimentos de massa e a inunda- enchentes e inundações no município de Belo Ho-
ções realizado na região que envolve os 174 mu- rizonte, Minas Gerais.
nicípios que integram a Macrometrópole Paulista. Na seção Nossa História, resgatamos o tra-
Teixeira e Bandeira dividem conosco a caracte- balho elaborado pelo geólogo Sérgio Brito (in me-
rização dos agentes e processos erosivos, a qual, morian) para a sua Conferência Especial ocorrida
junto à identificação dos tipos de ocupação antró- no 5° Congresso Brasileiro de Geologia de Enge-
pica, possibilitou diferenciar padrões de recuo de nharia, em São Paulo, em 1987. O título do traba-
linha de costa em 12 municípios do Pará. Noronha lho é “Desafios atuais do Geólogo de Engenharia
apresenta sua contribuição ao tema de seguran- no Brasil”, e nos dá a oportunidade de resgatar
ça de barragens de mineração, com a construção a história de importantes assuntos técnicos que
em ambiente SIG de um zoneamento da susceti- ainda hoje nos demandam atenção e cuidado.
bilidade a movimentos de massa no entorno das O comentário ao trabalho de Sérgio Brito é feito
barragens de mineração de Minas Gerais. Por fim, pelo geólogo João Jerônimo Monticeli, presidente
Raffaelli e Moretti mostram o resultado da análise da ABGE na gestão 2012-2013 e editor, junto com
geólogo Antônio Manuel dos Santos Oliveira, da raldo Magela Pereira com texto sobre “Projetos de
re-edição do livro Geologia de Engenharia e Am- Usinas Hidrelétricas”.
biental (2018). Ciente e ansioso pelo nosso próximo congres-
Na seção Contribuições e Reflexões, publi- so, o Corpo Editorial da RBGEA abre o espaço
camos importantes colaborações de profissionais para a Comissão Organizadora do 17° Congresso
e colegas de experiência indiscutível na geologia Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental.
aplicada à engenharia e ao meio ambiente. O geó- Participe de nossa revista enviando seu arti-
logo Álvaro Rodrigues dos Santos com sua “Pro- go técnico, seu texto de reflexão, seu comentário
posta de estruturação de um curso de Geologia ou sua sugestão para que possamos juntos fazer
de Engenharia”, o geólogo Fernando Kertzman, da RBGEA a revista de divulgação e integração
presidente da ABGE na gestão 2009-2011 com seu da Geologia de Engenharia e Ambiental no Brasil.
instigante “O Meio Ambiente merece respeito. Desejamos a todos uma ótima leitura.
Merece gestão. Merece soluções”, e o geólogo Ge-
O 17º CONGRESSO DE GEOLOGIA
DE ENGENHARIA E AMBIENTAL

A ABGE – Associação Brasileira de Geologia desenvolvido, etc. Algumas das maiores jazidas
de Engenharia e Ambiental realizará o 17º Con- brasileiras de ferro encontram-se na periferia ou
gresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e proximidade da capital no Quadrilátero Ferrífero
Ambiental, no período de 25 a 28 de setembro de e ainda diversas minas de ouro.
2022, no Mercure Lourdes Hotel, em Belo Hori- A construção civil é grande consumidora de
zonte, MG. A programação do 17º CBGE está sen- materiais de construção como brita advinda das
do cuidadosamente organizada, de modo a propi- pedreiras de gnaisse ou calcário, e areia prove-
ciar um ambiente produtivo de discussões e troca niente de aluviões e terraços das bacias hidrográ-
de experiências entre pesquisadores de institui- ficas do São Francisco e do Rio Doce. Ocorrem
ções de ensino e pesquisa, profissionais das áreas importantes depósitos de calcários utilizados na
técnicas, gestores públicos e demais membros da fabricação de cimento, brita e cal, para fins si-
comunidade técnico-científica. derúrgicos e, principalmente, como insumos na
A Região Metropolitana de Belo Horizonte agricultura como corretivo de solo.
caracteriza-se por três importantes domínios geo- A expansão urbana é acompanhada por de-
lógicos e geomorfológicos: A Depressão Periférica manda crescente em estudos e investimentos na
do São Francisco, onde o relevo foi esculpido em área de Geotecnia, Geologia de Engenharia e Meio
rochas granito-gnáissicas e em rochas do Grupo Ambiente. Desastres relacionados aos processos
Bambuí, destacando-se o relevo cárstico de extre- de movimento de massa, hidrológicos, cársticos,
ma beleza, complexidade e fragilidade, O Quadri- decorrentes das atividades urbanas e minerárias,
látero Ferrífero um dos mais importantes centros infelizmente, têm marcado a região, tais como
mineradores do país onde ocorrem rochas do Su- rupturas de barragens de rejeito, inundações e
per Grupo Minas e Super Grupo Rio das Velhas deslizamentos. Por outro lado, muito tem sido fei-
e as exuberantes serras, patamares e escarpas do to no sentido de busca de soluções seguras tanto
Cipó com as rochas do Supergrupo Espinhaço. do ponto de vista tecnológico quanto social.
Belo Horizonte, sede do governo de Minas O 17º Congresso Brasileiro de Geologia de
Gerais, apresenta em toda a região metropolitana Engenharia Ambiental em BH proporcionará o
aspectos diversos que justificam estudos nas áreas reencontro da comunidade da ABGE, após dois
de Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio anos de isolamento, distanciamento, e muita
Ambiente. Em nível nacional é a terceira capital preocupação e sofrimento devido à pandemia.
brasileira em população. Centro bastante desen- Uma grande oportunidade para debatermos os
volvido conta com infraestrutura digna de seu grandes desafios da Geologia de Engenharia no
porte. A vocação mineral de Minas Gerais com mundo, no Brasil e em Minas Gerais. Serão dez
jazidas de ferro propicia a montagem de parques simpósios discutindo sobre as temáticas de Edu-
industriais com siderúrgicas, comércio bastante cação, Gestão de Cidades, Grandes Obras, Inves-
O 17º CONGRESSO DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA E AMBIENTAL

tigações Geotécnicas, Meio Ambiente e Minera- Acompanhe a programação e regulamentos


ção. Uma vasta programação pré-congresso, com do 17º CBGE pelo site https://17cbge.abge.org.
palestras, apresentações, simpósios e minicursos br/home
já está ocorrendo e todos devem ficar atentos aos Esperamos por vocês em 2022 porque “Nós
prazos de envio dos trabalhos com data limite Acreditamos na Geologia de Engenharia e Ambiental”.
para 22 de fevereiro de 2022. Atenciosamente,

Comissão Organizadora e
Técnica Científica do 17º CBGE
SUMÁRIO

4 APRESENTAÇÃO

6 O 17º CONGRESSO DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA E AMBIENTAL

ARTIGOS CIENTÍFICOS

11 CONDICIONANTES GEOLÓGICAS DE MOVIMENTOS DE MASSA EM MACIÇOS


ROCHOSOS: ESTUDO DO ACIDENTE OCORRIDO NA RUA URUGUAI,
PETRÓPOLIS, RIO DE JANEIRO, BRASIL
Larissa Mozer Blaudt
Rubem Porto Jr
Yuri Garin

29 MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE


MASSA E INUNDAÇÕES NA REGIÃO DA MACROMETRÓPOLE PAULISTA
Omar Yazbek Bitar
Sofia Júlia Alves Macedo Campos
Ana Cândida Melo Cavani Monteiro
Priscilla Moreira Argentin
Alessandra Cristina Corsi
Nivaldo Paulon

50 PADRÕES DIFERENCIADOS DE RECUO DA LINHA DE COSTA E SUA


CORRELAÇÃO COM PROCESSOS EROSIVOS E AS ÁREAS DE RISCO À EROSÃO
COSTEIRA NO ESTADO DO PARÁ
Sheila Gatinho Teixeira
Íris Celeste do Nascimento Bandeira

64 RISCO E PLANEJAMENTO URBANO E SUA ABORDAGEM NOS PERIÓDICOS


CIENTÍFICOS
Cristina Boggi da Silva Raffaelli
Ricardo de Sousa Moretti

81 SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO


DE MINAS GERAIS: UM PANORAMA PRELIMINAR A PARTIR DE MODELAGEM
ESTATÍSTICA E MORFOMÉTRICA
Fabio de Lima Noronha
WORKSHOP DE RISCO

102 PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS


EXISTENTES NO BRASIL RELACIONADOS AO PLANEJAMENTO URBANO E À
GESTÃO DE RISCO GEOLÓGICO E HIDROLÓGICO
Leonardo Andrade De Souza

121 PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE


Rodrigo Luiz Gallo Fernandes
Vivian Athaydes Canello

145 RISCOS GEOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS NO MUNICÍPIO DE BELO


HORIZONTE, MG
Maria Giovana Parizzi

NOSSA HISTÓRIA

163 DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL


Sérgio Nertan Alves de Brito

184 COMENTÁRIO À CONFERÊNCIA DO SÉRGIO BRITO


João Jerônimo Monticelli

CONTRIBUIÇÕES E REFLEXÕES

187 O MEIO AMBIENTE MERECE RESPEITO. MERECE GESTÃO. MERECE SOLUÇÕES


Fernando Facciola Kertzman

190 PROJETOS DE USINAS HIDRELÉTRICAS


Geraldo Magela Pereira

199 PROPOSTA DE ESTRUTURAÇÃO DE UM CURSO DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA


Álvaro Rodrigues dos Santos
ARTIGOS CIENTÍFICOS
CONDICIONANTES GEOLÓGICAS DE MOVIMENTOS
DE MASSA EM MACIÇOS ROCHOSOS:
ESTUDO DO ACIDENTE OCORRIDO NA RUA
URUGUAI, PETRÓPOLIS, RIO DE JANEIRO, BRASIL
GEOLOGICAL CONDITIONS OF MASS MOVEMENTS IN ROCKY MASSIFS:
STUDY OF THE ACCIDENT THAT OCCURRED IN URUGUAI STREET,
PETRÓPOLIS, RIO DE JANEIRO, BRASIL

LARISSA MOZER BLAUDT


Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Seropédica, Rio de Janeiro, Brasil
larissamozer13@gmail.com

RUBEM PORTO JR
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Seropédica, Rio de Janeiro, Brasil
rubempjr@gmail.com

YURI GARIN
Prefeitura de Petrópolis
Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil
ygarin@geologia.ufrj.br

RESUMO ABSTRACT

Movimentos de massa em maciços rochosos são co- Mass movements in rocky massifs are common in the
muns nas cidades serranas do Brasil e reconhecer quais mountainous cities in Brazil and recognizing which
fatores determinam a sua ocorrência é de grande im- factors determine their occurrence is very important
portância para a segurança das populações que vivem for the safety of the populations living in risk areas.
em áreas de risco. O objetivo deste artigo é levantar as The purpose of this paper is to survey the geological
características geológicas que contribuíram para a de- features that contributed to the deflagration of the ac-
flagração do acidente ocorrido na Pedra do Quitandi- cident occurred in Quitandinha Massif in November
nha em novembro de 2016 e que atingiu residências na 2016 and that reached some residences in Uruguai
Rua Uruguai, cidade de Petrópolis, Rio de Janeiro, Bra- Street, Petrópolis city, Rio de Janeiro, Brazil. The pe-
sil. Foram determinadas as características petrográfi- trographic, structural and technological features of the
cas, estruturais e tecnológicas das rochas do maciço em massif were determined, in addition to the interactions
questão, além das interações entre essas características between these features and the region’s climate. The
e o clima da região. Os resultados obtidos podem ser results can be applied as a basis for studies in other
aplicados como base para estudos em outros maciços rocky massifs that exist in similar climatic and geomor-
rochosos existentes em situações climáticas e geomor- phological situations.
fológicas semelhantes.
Keywords: mass movements; rock fall; landslides; geo-
Palavras-chave: movimentos de massa, queda de blo- logical risk
cos; escorregamentos; risco geológico

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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

1 INTRODUÇÃO ções, desde os lotes destinados à agricultura, até


os lotes destinados às funções administrativas do
Os casos de movimentos de massa associa- Império.
dos a maciços rochosos são comuns a muitas áreas O Major Koeler passou cerca de dois anos na
do sudeste do Brasil, principalmente à Serra do região estudando suas características topográficas
Mar, feição geomorfológica de importância nesta e demarcando as terras. O objetivo desse estudo
área e onde se inserem importantes cidades, prin- prévio era adaptar o traçado urbano ao meio am-
cipalmente no Estado do Rio de Janeiro. Durante biente da área. Os “prazos de terra” foram distri-
o verão, as chuvas intensas que se formam a partir buídos ao longo do traçado dos rios, com as ruas
da ascendência orográfica da umidade vinda do e avenidas os margeando, e as encostas não po-
oceano causam enchentes e deslizamentos, oca- deriam ser ocupadas, para evitar deslizamentos
sionando perdas materiais e de vidas (Guerra et e garantir a conservação das matas e das águas
al., 2007). (Pedroso, 2014). O traçado urbano também visava
Determinar quais fatores levam à ocorrência resolver questões de saneamento. As residências
de movimentos de massa associados a maciços ro- deveriam ser construídas nos fundos dos lotes,
chosos é muito importante para demarcar as áreas valorizando os rios e evitando a contaminação
de risco e coordenar os investimentos em obras das águas por dejetos vindos das casas.
de contenção, de maneira a evitar que mais vidas A cidade foi ocupada por famílias de colo-
sejam afetadas por esse tipo de acidente. Sendo nos alemães, grande parte vinda do Grão Ducado
assim, o objetivo deste artigo é levantar as carac- de Hesse, onde é o atual estado alemão Renânia-
terísticas geológicas associadas à ocorrência do -Palatinado, no sudoeste do país. A chegada dos
movimento de massa ocorrido na Rua Uruguai, imigrantes ocorreu em 29 de junho de 1845, data
município de Petrópolis, em novembro de 2016. oficial da fundação da cidade (Pedroso, 2014).
O estudo deste acidente se faz importante, Poucos anos após a fundação, com o crescimento
pois ele ocorreu em condições tipicamente encon- da população e a valorização dos terrenos, os colo-
tradas em outros pontos da Serra do Mar no Es- nos venderam partes de seus lotes e vias transver-
tado do Rio de Janeiro. No mesmo município de sais foram criadas, extinguindo as características
Petrópolis, outro caso relevante de queda de blo- originais do Plano Koeler. Uma grande expansão
cos ocorreu no distrito da Posse, em 22 de janeiro populacional ocorreu na cidade na segunda meta-
de 2019, atingindo seis casas. Outro caso de des- de do Século XX, com a ocupação das áreas mais
taque ocorreu em Nova Friburgo em 12 de janeiro inclinadas e com maior risco de deslizamentos
de 2011, no bairro Duas Pedras, quando blocos de (Guerra et al., 2007).
rocha atingiram um hospital. Todos estes outros A combinação de clima e relevo são fatores
acidentes apontam para processos de detonação e condicionantes na ocorrência de áreas de risco de
movimentação similares. ocorrência de movimentos de massa na cidade de
Petrópolis. A cidade está localizada na Região das
Escarpas e Reversos da Serra do Mar, especifica-
2 ÁREA DE ESTUDO
mente na Unidade Geomorfológica da Serra dos
A cidade de Petrópolis foi a primeira cidade Órgãos (Guerra et al., 2007), sendo caracterizada
planejada do Brasil, sendo projetada para abrigar por vales alongados, segmentos de drenagem re-
a Família Imperial brasileira e sua corte durante tilíneos, maciços graníticos, grandes desníveis al-
os meses de verão. O Imperador D. Pedro II con- timétricos e escarpas íngremes.
tratou o engenheiro alemão Major Júlio Frederico O relevo acidentado permite o processo de
Koeler para criar um plano de urbanização para ascendência orográfica, que é o aumento da turbu-
as fazendas da região, especialmente a Fazenda lência do ar durante a passagem de frentes frias.
do Córrego Seco e a Fazenda Quitandinha (Pe- Episódios intensos e prolongados de precipitação
droso, 2014). O Plano Koeler, como foi conhecido ocorrem, pois o ar quente e úmido se eleva e perde
o projeto urbanístico, dividiu a cidade em lotes, temperatura, formando grandes nuvens de chuva
chamados “prazos de terra”, com diferentes fun- (Guerra et al., 2007). O clima da cidade é defini-

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CONDICIONANTES GEOLÓGICAS DE MOVIMENTOS DE MASSA EM MACIÇOS ROCHOSOS

do como Tropical de Altitude, com pluviosidade do Rio de Janeiro, e as áreas de vegetação originais
média anual acima de 2.500 mm e temperaturas diminuíram em 57% (Guerra et al., 2007). A ocupa-
médias inferiores a 18ºC no inverno e pouco supe- ção irregular das encostas, acentuada a partir das
riores a 21ºC no verão. As chuvas se concentram décadas de 1970 e 1980, oferece grande risco para
de outubro a março, com médias pluviométricas a população de Petrópolis. A condição socioeco-
mensais de cerca de 300 mm (Guerra et al., 2007). nômica dos residentes dessas áreas também é um
A cidade de Petrópolis é drenada pelo Rio fator relevante para a condição de risco. Em geral,
Piabanha, que possui cerca de 80 km de extensão os moradores possuem baixo poder aquisitivo e
e uma área de drenagem de 2.065 km² e é um dos isso implica em baixo padrão construtivo, uso de
principais afluentes do Rio Paraíba do Sul. Os dois materiais impróprios, falta de acompanhamento
principais afluentes do Rio Piabanha na cidade de técnico e uso de técnicas inadequadas (Guerra et
Petrópolis são os rios Palatinado e Quitandinha al., 2007).
(IBGE, 2017). A combinação de obras realizadas O movimento de massa gravitacional (MMG)
nos canais, assoreamento dos leitos e o escoamen- aqui estudado ocorreu às 22h40min do dia 14 de
to rápido das águas, que ocorre por conta das en- novembro de 2016, no Bairro Quitandinha, Petró-
costas íngremes e urbanizadas, gera inundações polis, especificamente entre as residências nº70 e
frequentes em episódios de chuvas intensas. nº199 da Rua Uruguai (Figura 1). O material mo-
Entre 1985 e 2004 ocorreu um aumento de bilizado atingiu um compartimento de água res-
45% da área urbana de Petrópolis, principalmente ponsável pelo abastecimento do bairro, quatro
ao longo dos eixos rodoviários de acesso à cidade casas e levou duas pessoas a óbito (Figura 2).

Figura 1. Localização da área do acidente.

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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

(a) (b)
Figura 2. Em (a), residências existentes na Rua Uruguai antes do deslizamento; em (b), residências atingidas pelo deslizamen-
to. Fotos cedidas pelo Departamento Técnico da Defesa Civil de Petrópolis (DT-SDCAV).

Os estudos realizados pelos técnicos da Pre- re, foi desacelerado pelo impacto com os materiais
feitura de Petrópolis o caracterizaram como um do depósito de tálus, com as próprias residências
deslizamento planar de lascas e blocos rochosos, destruídas e com o platô formado pela Rua Uru-
que se iniciou no terço superior da encosta. O mo- guai (Figura 3a). A expansão lateral do material
vimento foi do tipo queda livre até atingir o plano foi limitada pela existência de um grande bloco
inclinado do depósito de tálus, onde se encontra- rochoso na lateral direita da encosta, concentran-
vam as residências atingidas (Relatório DRM-RJ, do o fluxo de blocos na área das residências des-
2016). O material mobilizado, formado por solo truídas (Figura 3b).
areno-argiloso, blocos de rocha e troncos de árvo-

(a) (b)
Figura 3. (a) Imagem aérea da Rua Uruguai e das residências atingidas; observar que o material não ultrapassa o platô formado
pela rua; (b) À direita da figura, bloco rochosos que limitou a expansão lateral do movimento. Fotos cedidas pelo DT-SDCAV.

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CONDICIONANTES GEOLÓGICAS DE MOVIMENTOS DE MASSA EM MACIÇOS ROCHOSOS

A encosta, da Rua Uruguai até o seu topo, principalmente entre os dias 12 e 14, gerando uma
apresenta cerca de 160 metros de altura e inclina- média antecedente de cerca de 270 mm. Apesar
ção média de 43º, sendo que na área de origem do de os dados do pluviômetro mais próximo (Rua
evento a inclinação é de 66º, na área de transporte Amazonas-Quitandinha, CEMADEN) não terem
é de 48º e na área de deposição é de 21º (Figura 4). registrado precipitações significativas no momen-
O acidente ocorreu durante a passagem de to do acidente, o acumulado de 24 horas foi de
uma frente fria pelo Estado do Rio de Janeiro, que 112,8 mm para o dia 13/11 e o acumulado mensal
provocou chuvas contínuas no mês de novembro, foi de 383,6 mm (Figura 5)

Figura 4. Perfil de inclinação da encosta com as características do acidente.

Figura 5. Precipitação acumulada para o pluviômetro da Estação Rua Amazonas-Qui-


tandinha. Retirado de Relatório CPRM, 2016 e elaborado pelo CEMADEN (Centro Na-
cional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).

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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Após o acidente foram realizadas vistorias estruturais e tecnológicas do maciço, além da re-
pela Defesa Civil e pelo DRM-RJ (Departamen- cuperação de dados e imagens da Defesa Civil do
to de Recursos Minerais – RJ) a fim de avaliar o município de Petrópolis.
risco remanescente de outras movimentações na Nos trabalhos de campo foram feitas obser-
área atingida e de outros deslizamentos nas áreas vações quanto à litologia existente e de seu padrão
adjacentes, definindo a necessidade de interdição estrutural, obtendo-se dados como medidas de di-
das residências vizinhas (Relatórios de Ocorrên- reção e mergulho das fraturas, descrições sobre a
cia SDCAV nº 32759, 32769 e 32869). As medidas composição mineralógica e as características tex-
emergenciais realizadas foram a desobstrução da turais das rochas. Também foram observadas as
Rua Uruguai e a interdição das residências inse- características de alterações intempéricas quími-
ridas na área de risco remanescente (Relatório cas e físicas da rocha e das fraturas que ocorrem
DRM-RJ, 2016). O material mobilizado pelo aci- no maciço. Por conta das dificuldades de acesso
dente foi utilizado para a construção de um di- ao terreno, não foi possível observar com detalhes
que de blocos na área das residências atingidas, as relações de contato entre os dois tipos de ro-
amparando possíveis quedas de outros blocos chas presentes no maciço. Foi realizada amostra-
(Figura 6). gem de rochas com diferentes graus aparentes de
alteração para serem analisadas em laboratório.
As análises laboratoriais foram divididas em
três etapas: 1) análise macroscópia e microscópi-
ca dos litotipos para determinar as características
mineralógicas, texturais e de alteração das rochas,
além de realizar a sua classificação; 2) análise dos
dados estruturais através dos softwares Stereonet
9.2.3 e Stereo 32 1.0.1, para determinar as famílias
de direções preferenciais das fraturas existentes
no maciço e; 3) testes de Ultrassom e Esclerômetro
de Schmidt, com o objetivo de determinar o grau
de alteração das rochas que se desprenderam no
Figura 6. Dique construído com o material rochoso que desli- movimento.
zou da encosta. Fotos cedidas pelo DT-SDCAV.

3 MATERIAIS E MÉTODOS 4 RESULTADOS

Por definição, os maciços rochosos são hete- 4.1 Caracterização litológica


rogêneos, anisotrópicos e descontínuos e sua es-
tabilidade depende fortemente da presença e das A geologia da região de Petrópolis é caracte-
características de descontinuidades, como aber- rizada pela ocorrência de um complexo granítico-
tura, espaçamento, persistência e preenchimento -gnáissico-migmatítico definido por Rosier (1965)
(Pinotti e Carneiro, 2013; Serra Junior e Oujima, como “Série Serra dos Órgãos”. Esse complexo
1998). Sendo assim, estudar e reconhecer as ca- foi subdividido por Penha et al. (1981) em cinco
racterísticas estruturais de um maciço rochoso é unidades de mapeamento: Unidade Santo Aleixo,
de suma importância para determinar as áreas de Unidade Bingen, Unidade σ, Granito Suruí e Gra-
risco de quedas de blocos. A presença de descon- nito Andorinha. A Unidade Bingen, na qual está
tinuidades permite a percolação de água pelo ma- inserida a área de estudo, é formada por um bioti-
ciço, promovendo a alteração da rocha e a perda ta gnaisse granítico homogêneo, de granulometria
de suas características mecânicas. fina a média e cor clara. Apresenta gnaissificação
Para determinar quais fatores levaram à moderada com porções internadas com texturas
ocorrência do movimento de massa estudado fo- ainda tipicamente relacionadas ao protólito mag-
ram determinadas as características litológicas, mático de composição granítica.

16
CONDICIONANTES GEOLÓGICAS DE MOVIMENTOS DE MASSA EM MACIÇOS ROCHOSOS

Para a caracterização dos litotipos ocorren- arredondados e zircão. O segundo tipo é reconhe-
tes na área estudada foram coletadas amostras cido como grãos anédricos a subédricos tabula-
de rocha na trilha que acessa o topo da Pedra do res/prismáticos, variando de 1 a 2 mm. Nesses
Quitandinha e amostras do dique de contenção da grãos a geminação é muito fraca ou ausente e a
Rua Uruguai. No maciço foram identificados dois alteração é leve, podendo ocorrer apenas nos seus
tipos de rocha: um gnaisse homogêneo e veios de núcleos ou nos planos de clivagem e nas fraturas
pegmatito, sendo o primeiro predominante. (Figura 10). Podem ocorrer inclusões de zircão.

4.1.1 Biotita-hornblenda gnaisse homogêneo

Por toda a área mapeada do maciço, o biotita


gnaisse se apresenta como uma rocha homogê-
nea, sem bandamento metamórfico bem definido,
dobras ou qualquer outra estrutura típica de ro-
chas de alto grau metamórfico, mas com uma ob-
servação detalhada das amostras de mão pode-se
observar que os grãos de biotita estão orientados
segundo planos subparalelos (Figura 7).

Figura 8. Aspecto geral do biotita-hornblenda gnaisse. É pos-


sível observar seus minerais principais quartzo (Qtz), micro-
clina (Kfs), plagioclásio (Pl), biotita (Bt) e hornblenda (Hbl).
Observar a orientação dos minerais máficos e a textura equi-
granular média.

A microclina se caracteriza por grãos ané-


dricos a subédricos tabulares que variam de 0,5 a
1 mm. Suas bordas podem estar corroídas por
grãos de quartzo (Figura 11). Alguns grãos po-
dem ter quartzo arredondado, biotita e zircão
inclusos (Figura 12). Os grãos estão pouco alte-
Figura 7. Amostra de mão do biotita gnaisse com veio de rados e quando ocorre, o processo de concentra
pegmatito. É possível observar que os minerais máficos se nas suas bordas, especialmente quando estas es-
encontram orientados
tão fraturadas. Os grãos de quartzo são anédricos,
Trata-se de uma rocha leucocrática, de cor intersticiais, possuem cerca de 1 mm e podem ter
cinza claro, equigranular de granulação média (1 extinção ondulante (Figura 13). Também ocorrem
a 10 mm) e com textura lepidonematoblástica. Sua como grãos arredondados de menos de 0,5 mm
composição mineralógica básica é plagioclásio, inclusos em outros minerais.
microclina, quartzo, hornblenda, biotita e titanita A hornblenda é descrita como grãos anédri-
e seus minerais acessórios são apatita, zircão e mi- cos que variam de 0,5 a 1 mm. Apresentam pleo-
nerais opacos (Figura 8). croísmo de marrom-claro para verde-escuro e se
Existem dois tipos de grãos de plagioclásio. organizam em aglomerados orientados com bio-
O primeiro é caracterizado por grãos subédricos, tita, titanita, zircão, apatita e minerais opacos (Fi-
de cerca de 1 mm, nos quais é possível visualizar gura 14). Os grãos de biotita são subédricos de há-
geminação (Figura 9). Estão levemente fraturados bito tabular e possuem de 0,5 a 1 mm. Existe uma
e pouco alterados, apresentando alteração apenas variação pouco ou nada alterada, que apresenta
nos poucos planos de clivagem e nas fraturas. Po- pleocroísmo de marrom-claro para marrom-escu-
dem ter inclusões de outros grãos de plagioclásio ro (Figura 15) e uma variação mais alterada, com

17
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

pleocroísmo fraco de castanho para marrom-escu- gura 17) e os grãos menores são anédricos (Figura
ro (Figura 16). Ambas as variações se encontram 18). Em relação aos minerais acessórios, zircão e
orientadas nos aglomerados de minerais máficos. apatita ocorrem inclusos em outros minerais e os
A titanita ocorre como grãos de 0,5 a 1 mm. minerais opacos, que são escassos, ocorrem prin-
Em geral os grãos maiores são subédricos de há- cipalmente associados aos grãos de biotita.
bito rômbico e estão intensamente fraturados (Fi-

Figura 9. Grão de plagioclásio tabular de aproximadamente 1 Figura 10. Grão de plagioclásio de hábito tabular com apro-
mm, pouco alterado, com geminação visível e com inclusões ximadamente 1 mm. Sua geminação é mais difícil de ser
de quartzo arredondado. identificada.

Figura 11. Grão de microclina de aproximadamente 1 mm Figura 12. Grão de microclina de hábito prismático e aproxi-
e hábito tabular. Suas bordas estão corroídas por grãos de madamente 1 mm. Suas bordas estão modificadas por grãos
quartzo arredondados. de quartzo e hornblenda e ocorre inclusão de biotita.

18
CONDICIONANTES GEOLÓGICAS DE MOVIMENTOS DE MASSA EM MACIÇOS ROCHOSOS

Figura 13. Grão de quartzo intersticial, anédrico e com apro- Figura 14. Aglomerado de minerais máficos com hornblenda,
ximadamente 1,5 mm. Apresenta extinção ondulante. biotita e titanita. Grãos de hornblenda anédricos de aproxi-
madamente 0,5 mm.

Figura 15. Aglomerado de grãos de biotita pouco ou nada Figura 16. Grãos de biotita alterados, de hábito tabular e
alterados, de aproximadamente 0,5 mm e hábito tabular. aproximadamente 1 mm. Apresentam pleocroísmo muito
fraco de castanho para marrom-escuro.

Figura 17. Grãos de titanita intensamente fraturados, de Figura 18. Grãos de titanita anédricos com menos de 0,5 mm,
aproximadamente 1 mm e hábito rômbico. em aglomerado máfico.

19
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

4.1.2 Veios de pegmatito forma em um material esbranquiçado de granulo-


metria muito fina e que nas partes mais externas
O pegmatito ocorre na forma de bolsões e se torna amarelado (Figura 20). Em amostra de
veios de espessuras e orientações variadas, disse- mão não é possível observar alteração dos grãos
minados por toda a extensão da área estudada (Fi- de biotita. Já nos veios de pegmatito, a alteração
gura 19). Trata-se de uma massa hololeucocrática, modifica e individualiza os grãos, gerando um
de cor branco acinzentado e granulação grossa a material friável. Os cristais de microclina e plagio-
muito grossa. Os principais minerais encontrados clásio perdem o brilho e assumem um tom ama-
são microclina, quartzo, plagioclásio e biotita. Os relado e a biotita se transforma em vermiculita
minerais acessórios são zircão, apatita e minerais (Figura 21).
opacos.

Figura 20. Aspecto do biotita-hornblenda gnaisse alterado.


Os retângulos em vermelho indicam as áreas onde a altera-
ção dos minerais é mais perceptível.

Figura 19. Veios de pegmatito disseminados pelo gnaisse na


área de ruptura do movimento. Foto cedida pelo DT-SDCAV.

Macroscopicamente, a granulação varia de


grossa a muito grossa, sendo que os grãos de pla-
gioclásio variam de 4 a 20 mm, os grãos de mi-
croclina variam de 5 a 40 mm, o quartzo possui
de 2 a 7 mm e a biotita possui de 1 a 7 mm. A
composição média da rocha é: microclina (36%),
quartzo (31%), plagioclásio (11%), biotita (11%) e Figura 21. Aspecto do pegmatito alterado. O retângulo em
outros (2%). A partir desta composição é possível vermelho sinaliza a presença de cristal de microclina alterado
classificar a rocha como um monzogranito, segun- e o círculo em azul indica a presença de biotita parcialmente
alterada para vermiculita.
do Streckeisen (1974).

4.2 Caracterização estrutural


4.1.3 Alteração das rochas
Nas análises de campo foram identificados
Os dois conjuntos rochosos possuem respos- dois tipos de estruturas no maciço: fraturas tec-
tas levemente diferentes em relação aos processos tônicas e fraturas de alívio. As direções preferen-
de alteração. O biotita gnaisse, por sua caracterís- ciais dessas estruturas foram determinadas com o
tica textural, apresenta um comportamento mais uso de estereogramas e gráficos de frequência.
homogêneo do que o pegmatito. No gnaisse ocor-
re intensa alteração do plagioclásio, que se trans-

20
CONDICIONANTES GEOLÓGICAS DE MOVIMENTOS DE MASSA EM MACIÇOS ROCHOSOS

4.2.1 Fraturas tectônicas formam blocos que são encontrados na área. Uma
característica muito notável em relação às fraturas
Nos afloramentos visitados foi possível é a sua abertura, que varia de poucos centímetros
identificar dois conjuntos principais de fraturas até aproximadamente um metro (Figura 22), per-
tectônicas, um com orientação N-S e outro com mitindo inclusive o crescimento de vegetação (Fi-
orientação E-W. Esses dois padrões se cruzam e gura 23).

Figura 22. Fraturas tectônicas com abertura de aproximada- Figura 23. Crescimento de vegetação em fratura tectônica
mente 1 metro no topo da Pedra do Quitandinha. Observar com abertura de cerca de 20 centímetros.
também a formação de blocos pela interseção das fraturas.

A partir da avaliação dos dados de orientação é a N-S, apresentando mergulho moderado a ele-
coletados em campo, foram definidas quatro dire- vado (50º-80º) tanto para E quanto para W. As di-
ções preferenciais de fraturas tectônicas (Tabela reções menos frequentes são a direção NE-SW, de
1). A direção mais frequente é a E-W, que apre- mergulho moderado a elevado (60º-80º) para SE
senta mergulho elevado (70º-90º) tanto para N e a direção NNW-SSE, de mergulho moderado a
quanto para S. A segunda direção mais frequente elevado (60º-80º) para NE (Figura 24).

21
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Figura 24. Gráfico de frequência das medidas de direção das


fraturas tectônicas medidas na Pedra do Quitandinha.

Tabela 1. Frequência das medidas de direção das fraturas


tectônicas.

Direção Frequência Frequência Total


N-S 0º-10º 6% 27%
10º-20º 6%
170º-180º 3%
180º-190º 3% Figura 25. Fraturas de alívio sub-horizontais encontradas no
190º-200º 3% topo da Pedra do Quitandinha.
350º-360º 6%
NE-SW 20º-30º 3% 16% Os dados de medidas de orientação das fratu-
40º-50º 10% ras (Tabela 2) foram obtidos nos afloramentos da
50º-60º 3% parte mais superior do maciço, logo, o seu mergu-
E-W 70º-80º 3% 47% lho tende a ser horizontal a baixo (0º-30º). Todas
80º-90º 3% as fraturas possuem mergulho para os quadran-
90º-100º 10% tes a oeste, sendo possível identificar três famí-
100º-110º 10% lias de fraturas: uma família mais frequente, com
250º-260º 3% mergulho para NW, outra com mergulho para W
260º-270º 6% e uma menos ocorrente com mergulho para SW
270º-280º 12% (Figura 27).
NNW-SSE 320º-330º 3% 12%
330º-340º 6%
Tabela 2. Frequência das medidas de sentido de mergulho
340º-350º 3% das fraturas de alívio encontradas da Pedra do Quitandinha.

Sentido do mergulho Frequência Frequência Total


NW 0º-10º 5% 45%
4.2.2 Fraturas de Alívio
310º-320º 10%

As fraturas de alívio foram reconhecidas 320º-330º 15%

tanto dos afloramentos visitados quanto nas fo- 330º-340º 5%

tografias e filmagens do deslizamento. Nos aflo- 340º-350º 5%


350º-360º 10%
ramentos as fraturas são caracterizadas por seu
W 260º-270º 5% 25%
mergulho muito baixo, às vezes quase horizontal
270º-280º 10%
(Figura 25), que aumenta conforme se afasta do
280º-290º 10%
topo do maciço. Nas fotografias obtidas após o
SW 200º-210º 5% 20%
deslizamento é possível identificar as fraturas de
210º-220º 10%
alívio com mergulhas moderado a elevado, acom-
panhando a morfologia da encosta (Figura 26).

22
CONDICIONANTES GEOLÓGICAS DE MOVIMENTOS DE MASSA EM MACIÇOS ROCHOSOS

Figura 27. Gráfico de frequência dos valores de sentido de mergulho das fraturas de alívio.

4.3 CARACTERIZAÇÃO TECNOLÓGICA Tabela 3. Identificação do grau de alteração aparente das


amostras coletadas em campo.
Uma das propriedades mais importantes
Número da amostra Características de campo
para determinar a qualidade de um maciço ro-
1 Gnaisse aparentemente são
chosos é o seu grau de alteração, que é o nível de
2 Gnaisse moderadamente alterado
degradação das características mineralógicas de
3 Gnaisse bastante alterado
uma rocha. A degradação das rochas ocorre a pa-
4 Pegmatito levemente alterado
rir de modificações físico-químicas relacionadas à
interação entre a rocha e a hidrosfera e a atmosfe-
ra (Serra Junior & Oujima, 1998).
Considerando o tipo de rocha existente na 4.3.1 Determinação da massa específica
área do acidente, quanto maior for o seu grau de
Os valores de massa específica para cada
alteração, maior será a perda das suas proprieda-
amostra foram calculados a partir da relação entre
des mecânicas e, consequentemente, maior será
as suas dimensões, medidas com um paquímetro,
a susceptibilidade a ocorrer algum tipo de movi-
e a sua massa em gramas, obtida a partir de uma
mento de massa.
balança de precisão de três dígitos.
Para definir o grau de alteração das rochas
Os valores de massa específica determinados
envolvidas no deslizamento foram coletadas
para as amostras de biotita gnaisse apresentam
amostras da litologia predominante que estives-
valores decrescentes da amostra 1 para a amostra
sem visualmente sãs, medianamente alteradas e
3 (Tabela 4). Não houve variação significativa en-
muito alteradas. Apesar de ocorrer em pouco vo-
tre as amostras 1 e 2, entretanto a amostra 3 apre-
lume, também foi coletada uma amostra de um
senta um valor bastante inferior (Figura 28). Isso
veio de pegmatito como fator de comparação (Ta-
acontece, provavelmente, pois a amostra 3 está
bela 3).
mais alterada e, consequentemente, é mais poro-
sa. O aumento da porosidade implica em presen-
ça de ar no volume da amostra, o que diminui a
sua densidade.

23
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

A amostra de pegmatito apresenta um valor de de propagação das ondas ultrassônicas em um


de massa específica relativamente baixo, conse- material sólido, homogêneo e isotrópico depende
quência de sua composição mineralógica. Uma da densidade e das propriedades elásticas desse
vez que a rocha é composta quase totalmente por material.
microclina e quartzo, sua massa específica será re- O Ensaio de Ultrassom consiste na medição
flexo da densidade desses minerais. do tempo de propagação das ondas ultrassônicas
através de um determinado material, entre um
Tabela 4. Valores determinados de massa específica para as
emissor e um receptor, chamados transdutores.
amostras coletadas. O comprimento do material analisado dividido
pelo tempo de propagação resulta na velocidade
Amostra Massa Específica (G/cm³) média de propagação da onda ultrassônica (NBR
1 2,74 8802, 2019).
2 2,72 É possível correlacionar a velocidade de pro-
3 2,64 pagação das ondas ultrassônicas com o grau de
4 2,65 alteração das rochas (Tabela 5). Quanto maior for
a alteração de uma rocha, maior será a sua poro-
sidade e, consequentemente, menor será a veloci-
dade de propagação das ondas. Isso acontece em
razão dos poros estarem preenchidos por ar e as
ondas ultrassônicas se propagarem com menor
velocidade por esse meio (Pinho, 2016).

Tabela 5. Correlação entre grau de alteração das rochas e va-


lores de velocidade ultrassônica em m/s. Retirado de Pinho,
2016.

Grau de Alteração Velocidade Ultrassônica (m/s)


Figura 28. Gráfico com valores de massa específica para cada Sã >5000
amostra. Em cinza estão representadas as três amostras de
Suavemente Alterada 5000-4000
biotita-hornblenda gnaisse e em rosa está representada a
amostra de pegmatito. Moderadamente Alterada 4000-3000
Altamente Alterada 3000-2000
Totalmente Alterada <2000
4.3.2 Ensaio de ultrassom

Por definição, onda é uma perturbação que se As análises foram realizadas nas quatro
propaga através de um meio, transmitindo ener- amostras considerando suas diferentes direções
gia sem transportar matéria (Medeiros, 2007). As (Figura 29) e os resultados estão apresentados na
ondas podem ser classificadas quanto à natureza Tabela 6.
em eletromagnéticas, que se propagam tanto no
vácuo quanto em todos os materiais, e mecânicas,
que necessitam de um meio para se propagar. As
ondas sonoras são classificadas como ondas me-
cânicas e podem ser diferenciadas de acordo com
suas frequências em ondas subsônicas (frequên-
cias de até 16 Hz), ondas sônicas (frequências en-
tre 16 Hz e 20 Hz) e ondas ultrassônicas (frequên-
cias entre 20 Hz e 1000 MHz) (Medeiros, 2007).
A velocidade das ondas depende principal-
Figura 29. Bloco diagrama representativo das três direções
mente do meio de propagação, sendo maior nos
de análise realizadas no Ensaio de Ultrassom: Direção 1 (ver-
sólidos e menor nos líquidos e gases. A velocida- melho), Direção 2 (amarelo) e Direção 3 (verde).

24
CONDICIONANTES GEOLÓGICAS DE MOVIMENTOS DE MASSA EM MACIÇOS ROCHOSOS

Tabela 6. Resultado das análises de ultrassom realizadas em sã, enquanto as direções 2 e 3 apresentaram ve-
diferentes direções nas amostras coletadas em campo.
locidades compatíveis com a classe de rocha mo-
deradamente alterada. Uma possível explicação
Valor medido Valor médio
Direção
(m/s) (m/s)
Classificação para isto é a característica anisotrópica da rocha,
Amostra 1 com orientação dos cristais de microclina segun-
1 5246 do a direção 1.
5363 Rocha sã
2 5481
Amostra 2
1 4523
4.3.3 Esclerômetro de Schmidt
2 4407 Rocha
4367 suavemente O Esclerômetro de Schmidt é um equipamen-
2.1 4109 alterada
to que mede a dureza superficial de um material
3 4430
rochoso e a correlaciona com a sua resistência à
Amostra 3
compressão. O ensaio, caracterizado como não
1 3053
Rocha destrutivo, é utilizado para determinar proprie-
2 3577 3587 moderadamente
3 4130
alterada dades das rochas, concreto, asfalto, argamassa e
Amostra 4
outros materiais (Brandi et al., 2015).
1 5641
O princípio mecânico de funcionamento do
Rocha
2 3716 4447 suavemente
esclerômetro é a liberação de um pistão sustenta-
3 3984
alterada do por uma mola sobre uma superfície. A ener-
gia de impacto do pistão na superfície é em parte
devolvida ao martelo, promovendo seu rebote. O
A partir da observação dos resultados das valor do rebote do pistão representa a resistência
análises realizadas, é possível caracterizar um au- da superfície ao impacto (Brandi et al., 2015). O
mento progressivo do grau de alteração da Amos- valor de rebote é uma consequência das proprie-
tra 1 para a Amostra 3, representado pela dimi- dades do material, como elasticidade, resistência
nuição na velocidade de propagação das ondas e dureza, e pode ser relacionado ao coeficiente
ultrassônicas (Figura 30). de compressão uniaxial através de um gráfico de
conversão.
Em geral, rochas pouco alteradas apresen-
tam valores maiores de resistência à compressão
uniaxial, quando comparadas a rochas alteradas
de mesma composição ou de composições simi-
lares, resultado de sua maior resistência mecâni-
ca. As rochas mais alteradas apresentam valores
progressivamente menores de resistência, reflexo
da perda das suas propriedades mecânicas pelo
processo de intemperismo.
Figura 30. Gráfico do valor médio de velocidade ultrassôni- Para determinar a resistência à compressão
ca, em m/s, para cada amostra analisada. uniaxial das rochas envolvidas no acidente da
Rua Uruguai, foram realizados dez testes em cada
A amostra de pegmatito apresentou diferen-
uma das quatro amostras. Os valores de rebote es-
ças consideráveis de velocidade de propagação
tão apresentados na tabela a seguir:
das ondas para cada direção. A direção 1 apresen-
tou velocidade compatível com a classe de rocha

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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Tabela 7. Valores de rebote obtidos para cada amostra.

Teste Amostra 1 Amostra 2 Amostra 3 Amostra 4


1 49 50 26 52
2 52 52 40 60
3 52 42 32 64
4 49 44 34 65
5 50 50 34 62
6 50 52 30 63
7 50 52 33 63
8 48 54 37 53
9 50 54 34 62
10 52 49 33 59
Média 50,2 49,9 33,3 60,3

Apesar de possuírem graus de alteração di-


ferentes, as amostras 1 e 2 (gnaisse são e gnaisse
moderadamente alterado, respectivamente) não
apresentaram variação significativa do valor de
rebote. Entretanto, a amostra 3 (gnaisse bastante
alterado) apresentou um valor consideravelmen-
te inferior, indicando que é necessário atingir um
grau de alteração maior para que as propriedades
mecânicas da rocha se alterem (Figura 31).
A amostra de pegmatito (Amostra 4) apresen-
tou um valor de rebote substancialmente elevado
em comparação com as amostras de gnaisse. Isso Figura 32. Ábaco de Miller -gráfico de correlação entre os
acontece por conta das características mineralógi- valores de rebote e de resistência à compressão uniaxial das
cas e texturais do pegmatito: a presença de gran- amostras analisadas.
des cristais de microclina e quartzo tornam o ma-
terial mais resistente ao impacto do esclerômetro. Os valores de resistência à compressão unia-
xial seguem o mesmo padrão dos valores de re-
bote (Figura 33). As amostras 1 e 2 apresentam
valores muito semelhantes, enquanto a amostra
3 apresenta um valor bastante inferior. Mais uma
vez é possível observar que é necessário um grau
de alteração mais elevado para que a rocha per-
ca suas características mecânicas. A amostra de
pegmatito exibe um valor muito elevado de resis-
tência à compressão uniaxial quando comparado
com os valores das amostras de gnaisse. Esse valor
encontrado é reflexo das suas características tex-
Figura 31. Gráfico dos valores de rebote determinados para
cada amostra. turais e mineralógicas, já citadas anteriormente.

Os valores de rebote foram convertidos para


valores de resistência à compressão uniaxial (Fi-
gura 32) através de um gráfico que relaciona os va-
lores de rebote com a massa específica da amostra.

26
CONDICIONANTES GEOLÓGICAS DE MOVIMENTOS DE MASSA EM MACIÇOS ROCHOSOS

tes que contribuíram para a sua ocorrência. Além


dos fatores climáticos, as características geológi-
cas são extremamente importantes para que um
movimento de massa ocorra. Observando todos
os dados levantados, é possível concluir que o
deslizamento ocorreu pela reunião de diversos fa-
tores. A presença de diversas fraturas permite a
formação de blocos na parte superior da encosta
e ajuda no processo de percolação de água pelo
Figura 33. Gráfico com os valores de resistência à compressão maciço. A água que percola pelas fraturas pro-
uniaxial de cada amostra. move a alteração progressiva da rocha, que perde
suas propriedades mecânicas, o que foi observado
6 CONCLUSÕES a partir das análises tecnológicas realizadas (Figu-
ra 34).
O mapeamento da área do deslizamento per-
mitiu caracterizar diversos aspectos condicionan-

Figura 34. Comparação dos resultados das análises tecnológicas para as amostras do biotita-hornblenda gnaisse

A associação de uma rocha intensamente fra- O padrão que levou à ocorrência do movi-
turada, e cada vez menos resistente, com uma en- mento de massa na Rua Uruguai se repete por
costa muito inclinada, gera grande instabilidade e toda a encosta da Pedra do Quitandinha, onde
risco. Com tanta instabilidade latente, bastou um ainda existem diversas residências que poderiam
grande volume de chuva acumulado para que a ser atingidas por novos deslizamentos, o que de-
força da gravidade superasse a coesão e a resis- manda ações objetivas e atenção ao problema por
tência da rocha e o deslizamento acontecesse. parte dos órgãos competentes.

27
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

REFERÊNCIAS blocos em encostas: aplicação no Granito Santos,


SP. Terrae Didatica, Campinas, v.9, n.2, p. 132-
ABNT – NBR 8802 (2019) – Concreto endurecido 168, 2013.
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Guerra, A.J.T.; Gonçalves, L.F.H.; Lopes, P.B.M. fia (Graduação em Geologia) – Departamento de
(2007) – Evolução histórico-geográfica da ocu- Geociências, Universidade Federal Rural do Rio
pação desordenada e movimentos de massa no de Janeiro, Seropédica.
Município de Petrópolis, nas últimas décadas. Re-
vista Brasileira de Geomorfologia, Rio de Janeiro, Relatório CPRM (2016) – Relatório de visita téc-
v.8, p.: 35-43. nica ao Município de Petrópolis. Serviço Geológi-
co do Brasil (Representado por Thiago Dutra dos
Medeiros, A. (2007) – Aplicação do ultrassom Santos, Pedro Augusto dos Santos Pfaltzgraff e
na estimativa de profundidade de fendas super- Marcelo Jorge).
ficiais e na avaliação da eficácia de injeções em
elementos de concreto armado. 2007. Dissertação Relatório DRM-RJ (2016) – Correlação chuvas
(Mestrado em Engenharia Civil)- PPGEC/UFSC, x escorregamentos no Estado do Rio de Janeiro
Florianópolis. no mês de novembro de 2016. Departamento de
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Penha, H.M.; Ferrari, A.L.; Ribeiro, A.; Amador, Niterói.
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Pinotti, A.M.; Carneiro, C.D. (2013) – Geologia


Estrutural na previsão e contenção de queda de

28
MAPEAMENTO DE ÁREAS
SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS
GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES
NA REGIÃO DA MACROMETRÓPOLE PAULISTA
MAPPING OF AREAS SUSCEPTIBLE TO GRAVITATIONAL MASS MOVEMENTS AND
FLOODS IN THE “MACROMETRÓPOLE PAULISTA” REGION

OMAR YAZBEK BITAR


Geólogo, Dr., Pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do
Estado de São Paulo – IPT, 11 3767.4489/4938, omar@ipt.br;

SOFIA JÚLIA ALVES MACEDO CAMPOS


Enga. Civil, Ma., Pesquisadora do IPT, scampos@ipt.br;

ANA CÂNDIDA MELO CAVANI MONTEIRO


Matemática, Ma., Pesquisadora do IPT, anacandi@ipt.br;

PRISCILLA MOREIRA ARGENTIN


Geógrafa, Pesquisadora do IPT, priscillam@ipt.br;

ALESSANDRA CRISTINA CORSI


Geóloga, Dra., Pesquisadora do IPT, accorsi@ipt.br;

NIVALDO PAULON
Tecnólogo, Pesquisador do IPT, nivaipt@ipt.br.

RESUMO ABSTRACT

Este artigo sintetiza os resultados finais dos trabalhos This article summarizes the final results of the mapping
de mapeamento de áreas suscetíveis a movimentos of areas susceptible to gravitational mass movements
gravitacionais de massa e inundações efetuados na re- and floods in the “Macrometrópole Paulista” region,
gião da Macrometrópole Paulista, que compreende 174 which comprises 174 municipalities in the São Paulo
municípios do Estado de São Paulo. Os trabalhos de State. The mapping work was carried out between 2014
mapeamento foram realizados entre 2013 e 2020, por and 2020, through a partnership between the Geologi-
meio de parceria entre o Serviço Geológico do Brasil cal Service of Brazil and the Institute for Technological
e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de Research of the São Paulo State, in view of the imple-
São Paulo, em vista da implantação da Política Nacio- mentation of the National Policy for Protection and Ci-
nal de Proteção e Defesa Civil e da execução do Plano vil Defense and the execution of the National Plan for
Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Risk Management and Response to Natural Disasters,
Naturais, bem como do Programa Estadual de Preven- as well as the State Program for Natural Disaster Pre-
ção de Desastres Naturais e de Redução de Riscos do vention and Risk Reduction of the São Paulo State. The
Estado de São Paulo. O objetivo geral do mapeamento main goal of the mapping is to elaborate the cartogra-
realizado é o de elaborar o zoneamento cartográfico phic zoning of the distinct susceptibilities to geological
das distintas suscetibilidades a processos geológicos e and hydrological processes that occur in the “Macro-
hidrológicos que ocorrem na Macrometrópole Paulis- metrópole of São Paulo”. The methods employed in
ta. Os métodos empregados na elaboração das cartas the elaboration of the susceptibility maps consider the
de suscetibilidade geradas consideraram os principais main physical environment processes occurring in the

29
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

processos do meio físico incidentes na região, analisa- region, analyzed from the compilation, treatment and
dos a partir da compilação, tratamento e integração integration of geological, geomorphological, hydrolo-
de dados geológicos, geomorfológicos, hidrológicos gical data and other material previously available or
e outros materiais previamente disponíveis ou obti- obtained during the work, using computer modeling
dos durante os trabalhos, utilizando-se modelagens and field verification. The results comprise the classi-
computacionais e verificação de campo. Os resultados fication of the territory of each municipality in zones
obtidos compreendem a classificação do território de of high, medium and low susceptibility, according to
cada município da região em zonas de alta, média e two basic sets of processes: landslide, creep and rock
baixa suscetibilidade, segundo dois conjuntos básicos fall; and flooding. It also points out the drainage basins
de processos: deslizamento, rastejo e queda de bloco; e susceptible to the generation of debris flow and flash
inundação e/ou alagamento. Apontam-se também as flood. The synthesis of susceptibility map also contains
bacias de drenagem suscetíveis à geração de corrida de features correlated to the processes mapped in the site,
massa e enxurrada. A carta síntese de suscetibilidade as well as indicators that allow us to estimate the inci-
elaborada contém, ainda, feições correlatas aos proces- dence in area relative to each class in the municipality.
sos mapeados, bem como indicadores que propiciam At the end, conclusions and general recommendations
estimar a incidência em área referente a cada classe no are presented for the use of the susceptibility maps
município. Ao final, apresentam-se conclusões sobre os produced, both by municipal administrations and for
trabalhos realizados e recomendações gerais para uti- regional planning purposes.
lização das cartas de suscetibilidade produzidas, tanto
por parte das administrações municipais quanto no Keywords: susceptibility map; geotechnical map; Ma-
planejamento regional. cro metropolitan region of Sao Paulo.

Palavras-chave: Carta de suscetibilidade; Carta geotéc-


nica; Macrometrópole Paulista.

INTRODUÇÃO cetibilidade gerada por esse tipo de mapeamento


se constitui, ainda, como um dos requisitos a ser
O mapeamento de áreas suscetíveis a proces- cumpridos previamente pelos municípios para
sos geológicos e hidrológicos que podem gerar de- pleitear o acesso a recursos financeiros da União,
sastres no País é um dos requisitos estabelecidos destinados a apoiar medidas e obras de redução
pela Política Nacional de Proteção e Defesa Civil de riscos (Lei Federal 12.340/2010). A carta de
(PNPDEC – Lei Federal 12.608/2012; BRASIL, suscetibilidade representa também um insumo
2012). O conhecimento prévio sobre a distribuição básico para a elaboração da carta geotécnica de
espacial das distintas classes de suscetibilidade aptidão à urbanização, a ser realizada em escala
incidentes em cada município tende a auxiliar as de detalhe e prevista também na denominada Lei
prefeituras e a sociedade de modo geral a evitar Lehmann (Lei Federal 6.766/1979), que dispõe
a ocupação das áreas mais suscetíveis e a conse- sobre o parcelamento do solo urbano e na qual
quente geração de novas áreas de risco no futuro, a PNPDEC introduziu dispositivo que vincula a
orientando as demandas associadas às dinâmicas aprovação de novos projetos de parcelamento do
territoriais urbanas para zonas onde ocorrem bai- solo urbano ao atendimento dos requisitos cons-
xas suscetibilidades aos processos do meio físico. tantes da CGAU. Além disso, o Estatuto da Ci-
A PNPDEC estabelece que a execução do dade (Lei Federal 10.257/2001) explicita que, no
mapeamento de áreas suscetíveis no País seja in- plano diretor municipal, instrumento básico da
tegrada às demais políticas setoriais, incluindo política de desenvolvimento e expansão urbana,
as de ordenamento territorial, desenvolvimento a identificação e o mapeamento de áreas de ris-
urbano e meio ambiente, de modo a subsidiar as co devem levar em conta as cartas geotécnicas, as
ações locais e regionais de planejamento territo- quais dependem também do mapeamento prévio
rial e de prevenção de desastres. A carta de sus- das áreas suscetíveis.

30
MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES

O Plano Nacional de Gestão de Riscos e Res- Bitar (2014), Bitar e Silva (2015), Bitar et al. (2018)
posta a Desastres Naturais (PNGRRDN – BRA- e Bitar (2019). Os dados aqui sintetizados incluem
SIL, 2013) deflagrou a elaboração de cartas de ajustes pontuais em relação aos mapeamentos
suscetibilidade em diferentes regiões do País, parciais citados e que contemplam municípios
sob a coordenação do Serviço Geológico do Bra- da Macrometrópole Paulista, efetuados durante a
sil (CPRM). Para o desenvolvimento das cartas, consolidação dos resultados gerais. Os trabalhos
a CPRM estabeleceu parceria com o Instituto de de mapeamento de áreas suscetíveis na Macrome-
Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo trópole Paulista foram executados pelo IPT (144
(IPT). As premissas para a elaboração das cartas municípios) e CPRM (30 municípios), com apoio
de suscetibilidade compreenderam a formulação da Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa
de um modelo de mapeamento que propiciasse a Civil (CEPDEC/SP) e das prefeituras dos municí-
aplicabilidade nacional, com as adaptações neces- pios mapeados.
sárias a cada região, bem como a comparabilidade
entre os municípios mapeados, com padronização
dos produtos elaborados e, ainda, objetividade no
2 A REGIÃO DA MACROMETRÓPOLE
atendimento às diretrizes da PNPDEC e ações do PAULISTA
PNGRRDN, disponibilizando quanto antes os re-
A região da Macrometrópole Paulista foi pro-
sultados aos municípios. Desde 2013, mais de 600
posta originalmente em 2014 pela Empresa Pau-
municípios foram mapeados no País, cujos dados
lista de Planejamento Metropolitano, em seu Pla-
completos têm sido progressivamente incluídos
no de Ação da Macrometrópole Paulista voltado
no acervo digital da CPRM (2021) para acesso
ao ano de 2040, como ferramenta de planejamento
público.
de longo prazo para dar suporte à formulação e
No caso do Estado de São Paulo (ESP), após
implementação de políticas públicas integradas e
a execução dos primeiros mapeamentos, estabele-
às ações de governo no conjunto das regiões me-
ceu-se a meta de completar os municípios da re-
tropolitanas e aglomerações urbanas contíguas e
gião da Macrometrópole Paulista, no âmbito do
instituídas legalmente no ESP. Abrange um ter-
Programa Estadual de Prevenção de Desastres
ritório com 53 mil km2 (21,5 % do total do ESP),
Naturais e de Redução de Riscos (PDN – criado
compreendendo 50 % da área urbanizada, 74,6 %
inicialmente pelo Decreto Estadual 57.512/2011
da população residente, 82,8 % do Produto Inter-
e reorganizado posteriormente pelo Decreto Es-
no Bruto (PIB) e, ainda, um contingente popula-
tadual 64.673/2019). A Macrometrópole Paulista
cional com aproximadamente 2,68 milhões de ha-
compreende a região do ESP onde os problemas
bitantes vivendo em assentamentos habitacionais
associados a deslizamentos e inundações tendem
considerados precários ou subnormais (EMPLA-
a afetar de maneira o desenvolvimento econômi-
SA, 2018).
co, social e ambiental de maneira significativa,
A Macrometrópole Paulista considerada nos
especialmente quanto à urbanização, infraestru-
trabalhos de mapeamento de áreas suscetíveis re-
tura e industrialização, sendo importante o co-
portados neste artigo contempla 174 municípios,
nhecimento das áreas suscetíveis para auxiliar as
distribuídos em oito sub-regiões nucleadas por ci-
administrações locais e regionais em suas ações
dades que apresentam dimensões populacionais e
preventivas referentes ao uso e ocupação do solo.
de urbanização de médio a grande porte: Aglome-
Este artigo apresenta breve síntese dos re-
ração Urbana de Jundiaí; Aglomeração Urbana de
sultados finais obtidos acerca do mapeamento de
Piracicaba; Micro Região Bragantina; Região Me-
áreas suscetíveis a movimentos gravitacionais de
tropolitana de Campinas; Região Metropolitana
massa e inundações realizados na totalidade dos
de Sorocaba; Região Metropolitana de São Paulo;
174 municípios que compõem a Macrometrópo-
Região Metropolitana da Baixada Santista; e Re-
le Paulista, entre 2013 e 2020. Resultados parciais
gião Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral
sobre a evolução dos mapeamentos realizados
Norte (Figura 1 e Tabela 1).
nessa região, bem como em outras do ESP e do
País, foram apresentados e discutidos em Silva e

31
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Siglas: AU-Aglomeração Urbana; MR-Micro Região; e RM- Região Metropolitana.


Figura 1. Localização das sub-regiões da Macrometrópole Paulista no Estado de São Paulo. Fonte: Emplasa (2018).

Tabela 1. Sub-regiões e quantidade de municípios da Macro- Convém salientar que, durante o ano de 2021,
metrópole Paulista.
a configuração geral das regiões metropolitanas e
aglomerações urbanas do ESP se encontrava em
Quantidade de
Sub-região
municípios processo de discussão e mudanças no âmbito
Aglomeração Urbana de Jundiaí (AUJ) 7 do legislativo estadual, com prováveis reflexos
à composição da Macrometrópole Paulista. Não
Aglomeração Urbana de Piracicaba (AUP) 23
obstante, dado que os mapeamentos reportados
Micro Região Bragantina (MRB) 10
neste estudo se referem ao período 2013 a 2020,
Região Metropolitana da Baixada Santista as sub-regiões contempladas pelos mapeamentos
9
(RMBS)
realizados se referem à composição expressa na
Região Metropolitana de Campinas (RMC) 20
Figura 1.
Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) 39

Região Metropolitana de Sorocaba (RMS) 27


Região Metropolitana do Vale do Paraíba e
39
Litoral Norte (RMVPLN)
Total 174

Fonte: Emplasa (2018).

32
MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES

3 OBJETIVOS tintos de mapeamento, estes necessariamente em


escalas de maior detalhe. Sobreira e Souza (2012)
O objetivo geral dos trabalhos realizados é distinguem as cartas geotécnicas de planejamen-
o de elaborar o zoneamento das suscetibilidades to, segundo as escalas geográficas e os processos
aos principais processos geológicos e hidrológicos identificáveis: cartas de suscetibilidade (em escala
que ocorrem na Macrometrópole Paulista, estabe- 1:25.000 ou maior); cartas de aptidão à urbaniza-
lecendo as bases tecnológicas para o desenvolvi- ção (em escala 1:10.000, 1:5.000 ou maior); e cartas
mento contínuo do conhecimento acerca das ca- de riscos geológicos (em escala 1:2.000 ou maior).
racterísticas do meio físico inerentes ao território Essa diferenciação é apontada e discutida também
da região. em Diniz (2012) e IPT (2015).
Os objetivos específicos compreendem: efe- Os métodos e técnicas utilizados no mapea-
tuar a análise, classificação e zoneamento das mento de áreas suscetíveis, bem como a tipologia
suscetibilidades a movimentos gravitacionais de dos diversos materiais cartográficos reunidos e
massa e inundações em áreas ocupadas e não empregados nos trabalhos, como os diversos ma-
ocupadas dos territórios municipais, na escala pas temáticos necessários (relevo, geologia, hi-
geográfica de referência 1:25.000; e disponibilizar drologia, modelo digital de elevação, declividade,
os dados gerados na internet, por meio dos por- altimetria, hipsometria, ocorrência registradas e
tais da CPRM, CEPDEC/SP, Plataforma IPT Pró- outros), foram definidos em conjunto pelo IPT e
-Municípios e, ainda, nas infraestruturas de da- CPRM e estão resumidos em Bitar et al. (2014). Os
dos espaciais (IDEs) do Datageo da Secretaria de procedimentos metodológicos foram aplicados de
Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA/SP) e do modo similar a cada município, envolvendo basi-
Instituto Geográfico e Cartográfico (IGC). camente: compilação bibliográfica, elaboração de
mapas temáticos e estruturação da base de dados
digitais; análise, classificação e zoneamento das
4 MÉTODOS E MATERIAIS UTILIZADOS
suscetibilidades aos processos do meio físico con-
O conceito de suscetibilidade adotado para as siderados no mapeamento; fotointerpretação de
finalidades dos trabalhos de mapeamento realiza- feições associadas aos processos analisados, efe-
dos, tendo em conta as diretrizes da PNPDEC e a tuada sobre imagens aéreas e de satélites; compo-
literatura técnico-científica do campo das geociên- sição do pré-mapa de áreas suscetíveis mediante
cias aplicadas, relaciona-se com a predisposição utilização de técnicas, equipamentos e softwares
ou propensão dos terrenos à geração e desenvol- de geoprocessamento, em ambiente de Sistema
vimento de um fenômeno ou processo do meio fí- de Informação Geográfica (SIG); confecção do
sico em uma dada área (FELL et al., 2008; JULIÃO quadro-legenda correspondente aos zoneamentos
et al., 2009; SOBREIRA e SOUZA, 2012; DINIZ, de suscetibilidade gerados, contendo as caracte-
2012; COUTINHO, 2013; BRESSANI e COSTA, rísticas predominantes em cada classe de susceti-
2013; MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2013). bilidade; verificação e validação do pré-mapa de
Para o desenvolvimento do modelo de ma- áreas suscetíveis em atividades de campo; revisão
peamento empregado foram considerados diver- do pré-mapa; e consolidação da carta de susceti-
sos estudos como base de orientação, podendo-se bilidade e da base de dados digitais referentes ao
salientar o Guia para Zoneamento de Suscetibili- município mapeado.
dade, Perigo e Risco a Deslizamentos (FELL et al.,
2008), elaborado pelo Joint Technical Committee on 4.1 Procedimentos metodológicos no
Landslides and Engineered Slopes (JTC-1), órgão li- zoneamento das suscetibilidades
gado a International Association for Engineering Geo-
logy and The Environment (IAEG), conforme apre- Para análise, classificação e zoneamento das
sentado em Macedo e Bressani (2013). De acordo suscetibilidades em cada município, integraram-
com o Guia, o mapeamento de suscetibilidade não -se, em especial, dados e materiais cartográficos
deve ser confundido com o de perigo e tampou- referentes a fatores predisponentes de natureza
co com o de risco, os quais constituem tipos dis-

33
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

geológica, geomorfológica e hidrológica, previa- mulação, extração de drenagens e delimitação de


mente disponíveis ou gerados durante os traba- bacias e sub-bacias hidrográficas, seleção e extra-
lhos, resultando em uma classificação relativa de ção de parâmetros morfométricos das sub-bacias
suscetibilidade a cada processo considerado. Os hidrográficas contribuintes (área de contribui-
terrenos foram analisados para as finalidades de ção, relação de relevo, densidade de drenagem,
zoneamento de acordo com dois conjuntos básicos índice de circularidade e índice de sinuosidade)
de processos: deslizamento, envolvendo também e classificação e zoneamento das suscetibilida-
rastejo e queda de bloco; e inundação, envolvendo des a inundação (classes: alta, média e baixa); b)
também alagamento. Delimitaram-se, ainda, as abordagem em nível local, mediante aplicação do
bacias de drenagem suscetíveis à geração de cor- modelo denominado HAND (Height Above Nea-
rida de massa e/ou enxurrada, mediante critérios rest Drainage), conforme Rennó et al. (2008), para
específicos e apropriados a esses dois processos. classificação e zoneamento de suscetibilidades a
Dessa forma, os procedimentos específicos a inundações (classes: alta, média e baixa); e c) inte-
cada conjunto de processos compreenderam, no gração dos zoneamentos anteriores (regional e lo-
caso de deslizamento: mapeamento dos fatores cal), mediante cruzamento das duas classificações
predisponentes; construção do modelo digital de obtidas por matriz de correlação, com recorte nas
elevação; fotointerpretação de imagens e ortofo- áreas de padrões de relevo referentes a planícies
tos e tratamento de dados em sistemas de geopro- aluviais e/ou marinhas atuais e a terraços fluviais
cessamento; mapeamento de cicatrizes de desli- e/ou marinhos antigos, resultando no zoneamen-
zamento em área-piloto; validação da área-piloto to geral igualmente classificado em zonas de alta,
a cada município, de acordo com a similaridade média e baixa suscetibilidade. Suscetibilidades a
local em relação ao contexto geológico-geomor- alagamento foram apontadas localmente, tendo-
fológico da área-piloto considerada; cálculo do -se em conta a presença de feições corresponden-
índice de suscetibilidade, a partir dos parâmetros tes, como áreas úmidas, áreas alagadas e outras
mapeados (declividade, curvatura de encosta e associadas a ocorrências registradas e/ou a condi-
lineamentos estruturais); testes de aferição do ín- ções potenciais identificadas em fotointerpretação
dice, efetuados em diferentes municípios; classifi- e verificadas em atividades de campo.
cação da suscetibilidade em relação à área-piloto; Para a delimitação de bacias de drenagem
e zoneamento da suscetibilidade no município suscetíveis a corrida de massa, consideraram-se
correspondente. Suscetibilidades a rastejo e que- os seguintes parâmetros: a delimitação de uni-
da de rocha foram apontadas localmente, tendo- dade ou padrão de relevo serrano; incidência de
-se em conta a presença de feições corresponden- suscetibilidade alta a deslizamento; amplitude de
tes, como depósitos de acumulação em sopé de relevo; área de bacias de drenagem; e Índice de
encosta (no caso de rastejo) e campos de blocos Melton, conforme Wilford (2004), definido pela
rochosos e paredões rochosos (no caso de queda razão entre amplitude de relevo e a raiz quadra-
de rocha), entre outras associadas a ocorrências da da área da bacia de drenagem. Para enxurrada,
registradas e/ou a condições potenciais identifi- consideraram-se a presença de padrão de relevo
cadas em fotointerpretação e verificadas em ativi- serrano e/ou de morros altos, bem como ampli-
dades de campo. tude de relevo e área da bacia de drenagem. As
No caso de inundação, três etapas de traba- suscetibilidades a esses processos nas bacias de
lho foram desenvolvidas para análise, classifica- drenagem puderam ser verificadas em atividades
ção e zoneamento das suscetibilidades: a) aborda- de campo, mediante identificação de feições asso-
gem em nível regional, com a caracterização da ciadas a eventos pretéritos, como a presença de
morfologia das bacias hidrográficas abrangentes blocos e depósitos correlatos a jusante. De acordo
para identificação daquelas que tendem a favore- com a abordagem empregada, as bacias de drena-
cer o transbordamento do nível do curso d’água gem suscetíveis a corrida de massa são considera-
principal por ocasião de chuvas intensas, median- das suscetíveis também em relação à ocorrência
te obtenção do modelo digital de elevação, defini- de enxurrada, enquanto que o inverso nem sem-
ção de direção de fluxos, cálculo da área de acu- pre se verifica.

34
MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES

Os fatores e parâmetros utilizados na abor- estar apontadas nas cartas de suscetibilidade, a


dagem dos processos do meio físico considerados depender do município, como ravinas erosivas
no mapeamento de áreas suscetíveis na Macro- e subsidências e colapsos associados a proces-
metrópole Paulista encontram-se sintetizados no sos cársticos, porém sem resultar no zoneamento
Quadro 1. Feições adicionais referentes a outros correspondente.
processos não contemplados nas análises podem

Quadro 1. Fatores predisponentes e parâmetros considerados no mapeamento de áreas suscetíveis na Macrometrópole Pau-
lista, de acordo com o tipo de processo do meio físico.

Conjunto de processos Classes de suscetibilidade


Fatores predisponentes e parâmetros, de acordo com o tipo de processo
considerados geradas

• Deslizamento: declividade, curvatura de encosta e densidade de linea-


• Alta, média ou baixa
mentos (falhas, fraturas, juntas e outras descontinuidades estruturais)

Movimentos • Rastejo: presença de feições locais correspondentes (depósitos de acu- • Alta, média ou baixa,
gravitacionais de massa mulação em sopé de encosta, depósitos de tálus, depósitos coluvionares conforme a classe a
(exceto corrida de massa) e outras), indicativas de suscetibilidade ao processo deslizamento

• Queda de rocha: presença de feições locais correspondentes (campo de • Alta, média ou baixa,
blocos rochosos, paredão rochoso e outras), indicativas de suscetibili- conforme a classe a
dade ao processo deslizamento

• Inundação: características morfológicas das bacias hidrográficas, regio-


nais (área de contribuição, relação de relevo, densidade de drenagem,
Inundações e/ou índice de circularidade e índice de sinuosidade) e locais (aplicação do • Alta, média ou baixa
alagamentos modelo HAND), com integração e recorte em padrão de relevo de pla-
(expresso em planícies e nícies e terraços
terraços)
• Alta, média ou baixa,
• Alagamento: presença de feições locais correspondentes (áreas úmidas,
conforme a classe a
áreas alagadas e outras), indicativas de suscetibilidade ao processo
inundação

• Corrida de massa: padrão de relevo serrano; incidência de susceti-


bilidade alta a deslizamento; amplitude de relevo > 500m; bacias de
Corrida de massa e/ou • Alta
drenagem com Área < 10km2; e Índice de Melton “M” > 0,3, onde
enxurrada M=amplitude/raiz quadrada da Área
(bacias de drenagem com
alta suscetibilidade)
• Enxurrada: padrão de relevo serrano e/ou de morros altos; amplitude
• Alta
de relevo > 300m; e bacia de drenagem com Área < 10km2.

Fonte: IPT e CPRM.

4.2 Abrangência e limitações das físico, como a precipitação pluviométrica e o uso e


classificações e zoneamentos gerados ocupação do solo. Não se indicam o alcance terri-
torial dos materiais potencialmente mobilizáveis
As cartas de suscetibilidade a movimentos (solos, rochas, vegetação e outros), como em desli-
gravitacionais de massa e inundações elaboradas zamento e corrida de massa, e tampouco a cumu-
representam um primeiro estágio de conhecimen- latividade e sinergia entre os processos conside-
to acerca de características do meio físico ineren- rados, que devem ser objeto de análises de maior
tes aos terrenos na região da Macrometrópole detalhe. O modelo de mapeamento desenvolvido
Paulista, mostrando as áreas suscetíveis à geração é fundamentado em fatores predisponentes es-
dos processos considerados em vista de eventuais pacializáveis e validação em campo. Fatores não
fatores deflagradores que possam atuar no meio incluídos acerca dos processos considerados, ou

35
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

mesmo de outros processos não abordados num Nesse contexto, ressalta-se a incidência de
dado município, podem ser agregados à medida áreas suscetíveis a deslizamento, a inundação e/
que haja disponibilidade das informações corres- ou alagamento e a corrida de massa e/ou enxur-
pondentes, uma vez que a base de dados digitais rada, discutindo-se a seguir, de maneira breve e
produzida encontra-se em SIG. comparativa, os resultados obtidos em relação às
A utilização dos métodos e técnicas em di- oito sub-regiões mapeadas. No caso de corrida
ferentes regiões do País foi discutida em Silva e de massa e/ou enxurrada, a incidência é destaca-
Bitar (2015), que ressaltam a compatibilidade re- da em relação às bacias de drenagem suscetíveis
lativamente maior entre as cartas elaboradas nas à geração dos dois processos conjuntamente ou
regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste do apenas a enxurrada. As abrangências territoriais
Brasil, sobretudo em relação aos dados e informa- consideradas se referem à área municipal total e
ções observados durante a realização dos traba- à área urbanizada e/ou edificada, a qual engloba
lhos de verificação e validação de campo. Dificul- também as ocupações situadas além da zona ur-
dades específicas foram encontradas em relação bana central (onde geralmente se localiza a sede
às aplicações dos métodos e técnicas em municí- municipal), ou seja, distritos, bairros e povoados
pios da região Norte, denotadas particularmente mais afastados, além de pequenas aglomerações
pela ausência de dados básicos compatíveis com a de edificações localizadas em zonas rurais. Cada
escala de trabalho adotada e pelos tipos de mode- classe de suscetibilidade é acompanhada de indi-
los digitais de elevação disponíveis, requerendo cadores que apresentam uma estimativa acerca da
adaptações e complementações para geração de incidência dos processos no território municipal.
produtos que se aproximassem mais da realidade A composição das cartas municipais em cada sub-
observada durante os trabalhos de campo. -região possibilita a comparação dessa incidência
no âmbito regional da Macrometrópole Paulista,
bem como entre as sub-regiões mapeadas.
5 RESULTADOS GERAIS OBTIDOS E
DISCUSSÃO
5.1 Áreas suscetíveis a deslizamento
Os principais produtos gerados para cada
município da Macrometrópole Paulista com- Tendo em vista o mapeamento das áreas sus-
preendem uma carta síntese de suscetibilidade a cetíveis a deslizamento realizado (que pode in-
movimentos gravitacionais de massa e inunda- cluir, a depender de cada município, a suscetibi-
ções e uma base de dados digitais, organizadas lidade a processos de rastejo e de queda de rocha
em SIG. Essa base de dados contém todos os ma- mencionados), nota-se que a Região Metropolita-
pas temáticos e intermediários utilizados nos tra- na da Baixada Santista e a Região Metropolitana
balhos de mapeamento, bem como informações do Vale do Paraíba e Litoral Norte correspondem
referentes ao regime local de chuvas obtidas pela às sub-regiões que abrigam a incidência maior de
equipe de hidrologia da CPRM (PINTO, 2013). O zonas com alta suscetibilidade, em comparação às
formato geral e o conteúdo das cartas de suscetibi- demais sub-regiões mapeadas. Por outro lado, a
lidade foram gerados em padrão similar para cada Aglomeração Urbana de Piracicaba, Região Me-
um dos 174 municípios da Macrometrópole Pau- tropolitana de Campinas e Região Metropolitana
lista. As cartas de suscetibilidade foram produzi- de Sorocaba se destacam por apresentar maior
das com base na escala geográfica 1:25.000 e sua incidência de zonas com baixa suscetibilidade a
apresentação final (em formato de impressão A0 deslizamento. A Figura 2 apresenta um panora-
ou A1) pode estar nessa mesma escala ou mesmo ma ilustrativo da distribuição das três classes de
em outras escalas menores (1:50.000 ou 1:75.000, suscetibilidade a deslizamento, conforme identi-
por exemplo), a depender da dimensão territorial ficadas no território da Macrometrópole Paulista.
de cada município em vista de seu enquadramen-
to para fins de composição do chamado layout de
saída da carta síntese em formato PDF.

36
MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES

Siglas: AU-Aglomeração Urbana; MR-Micro Região; e RM- Região Metropolitana.

Figura 2. Ilustração geral da incidência de áreas suscetíveis a deslizamento na Macrometrópole Paulista. A depender do mu-
nicípio, essa incidência pode incluir a suscetibilidade local a processos de rastejo e de queda de rocha. Fonte: IPT e CPRM.

Nesse aspecto, a Região Metropolitana da (10,33 %). Quanto à incidência específica de área
Baixada Santista se destaca por abrigar 30,67 % de urbanizada e/ou edificada situada em zona de
seu território em zonas com alta suscetibilidade alta suscetibilidade a deslizamento, a Região Me-
a deslizamento. A Região Metropolitana do Vale tropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte se
do Paraíba e Litoral Norte apresenta também um destaca novamente (2,53 %), seguida pela Região
valor significativo (22,65 %), enquanto a Região Metropolitana de São Paulo (1,80 %), Micro Re-
Metropolitana de São Paulo mostra uma incidên- gião Bragantina (1,25%) e Região Metropolitana
cia proporcionalmente menor em seu território da Baixada Santista (1,20 %) (Tabela 2).

37
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Tabela 2. Incidência específica de classes de suscetibilidade a deslizamento na Macrometrópole Paulista, segundo a abrangên-
cia territorial e a sub-região. Fonte: IPT e CPRM.

Sub-região Alta Média Baixa Total *


Abrangência
(número de
territorial km2 % km2 % km2 % km2
municípios)
AUJ (7) 86,41 6,81 177,92 14,02 1.005,03 79,18 1.269,36
AUP (23) 43,10 0,58 290,68 3,94 7.045,48 95,48 7.379,26
MRB (10) 262,84 9,50 1.115,75 40,32 1.388,34 50,18 2.766,93
RMBS (9) 741,54 30,67 333,85 13,81 1.342,12 55,52 2.417,51
Área municipal
RMC (20) 23,63 0,62 213,21 5,62 3.556,13 93,76 3.792,97
RMSP (39) 821,10 10,33 1.631,18 20,53 5.494,65 69,14 7.946,93
RMS (27) 167,58 1,44 1.017,48 8,75 10.438,70 89,80 11.623,79
RMVPLN (39) 3.661,01 22,65 4.525,36 28,00 7.976,78 49,35 16.163,15
AUJ (7) 2,85 0,95 15,00 5,00 282,11 94,05 299,96
AUP (23) 0,07 0,01 5,19 0,95 539,67 99,03 544,93
MRB (10) 3,48 1,25 77,24 27,69 198,24 71,06 278,96
Área municipal RMBS (9) 3,72 1,20 1,94 0,63 303,63 98,17 309,29
urbanizada e/ou
edificada RMC (20) 0,75 0,09 21,67 2,54 831,51 97,37 853,93
RMSP (39) 41,94 1,80 174,49 7,48 2.117,54 90,73 2.333,97
RMS (27) 1,76 0,17 30,36 2,85 1.032,81 96,98 1.064,93
RMVPLN (39) 21,28 2,53 94,98 11,30 724,48 86,17 840,74

* refere-se ao total da área da sub-região correspondente, dado que as áreas em padrão de relevo representado por planícies aluviais e/ou
marinhas atuais e terraços fluviais e/ou marinhos antigos estão contabilizadas como áreas de baixa ou nula suscetibilidade a deslizamento.
Siglas: AUJ-Aglomeração Urbana de Jundiaí; AUP-Aglomeração Urbana de Piracicaba; MRB-Micro Região Bragantina; RMC-Região Metro-
politana de Campinas; RMS-Região Metropolitana de Sorocaba; RMSP-Região Metropolitana de São Paulo; RMBS-Região Metropolitana da
Baixada Santista; e RMVPLN-Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte.

5.2 Áreas suscetíveis a inundações e/ou e Litoral Norte, posicionada mais ao centro-norte
alagamentos da sub-região com direção aproximada NE-SW,
correspondente ao contexto do curso do rio Pa-
No que diz respeito a inundação e/ou alaga- raíba do Sul. Nas demais sub-regiões se podem
mento, tendo em conta exclusivamente o domínio notar ocorrências desse mesmo domínio suscetí-
de padrões de relevo de planícies aluviais e/ou vel a inundações e/ou alagamentos, porém em
marinhas e terraços fluviais e/ou marinhos susce- áreas mais restritas, excetuando-se o contexto dos
tíveis a esses processos (isoladamente ou em con- principais rios presentes em cada uma delas, cuja
junto), observa-se a incidência maior de alta sus- expressão em área tende a ser maior. A Figura 3
cetibilidade ao longo da Região Metropolitana da ilustra a distribuição territorial das classes de sus-
Baixada Santista (acompanhando a orla costeira) cetibilidade a inundação e/ou alagamento identi-
e em porção territorial também em formato alon- ficadas no território da Macrometrópole Paulista.
gado na Região Metropolitana do Vale do Paraíba

38
MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES

Siglas: AU-Aglomeração Urbana; MR-Micro Região; e RM- Região Metropolitana.

Figura 3. Ilustração geral da incidência de áreas suscetíveis a inundação e/ou alagamento na Macrome-
trópole Paulista. Fonte: IPT e CPRM.

Quanto à incidência específica das distintas em zonas de suscetibilidade baixa, média e alta, a
classes de suscetibilidade (baixa, média e alta) a Região Metropolitana da Baixada Santista mostra
inundação e/ou alagamento, em relação à área 94,77 % dessa porção do seu território ocupado
municipal, a Região Metropolitana da Baixada nessa condição, seguida à distância pela Região
Santista (45,96 %) se destaca das demais sub-re- Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte
giões, considerando-se apenas o domínio de rele- e Região Metropolitana de São Paulo, respectiva-
vo de planícies e terraços. No que diz respeito à mente com 32,71 % e 17,53 % (Tabela 3).
porção de área urbanizada e/ou edificada situada

39
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Tabela 3. Incidência específica das classes de suscetibilidade a inundação e/ou alagamento no território da Macrometrópole
Paulista, de acordo com a abrangência territorial e a sub-região. Fonte: IPT e CPRM.

Sub-região Área total da Alta Média Baixa Total


Abrangência
(número de sub-região
territorial km2 % km2 % km2 % km2 * % **
municípios) (km²)
AUJ (7) 1.269,36 32,22 19,74 50,50 30,94 80,50 49,32 163,22 12,86
AUP (23) 7.379,26 449,66 65,85 173,85 25,46 59,36 8,69 682,87 9,25
MRB (10) 2.766,93 170,58 67,47 54,24 21,45 28,00 11,08 252,82 9,14
Área RMBS (9) 2.417,51 505,00 45,45 299,33 26,94 306,86 27,62 1.111,19 45,96
municipal RMC (20) 3.792,97 160,95 33,92 119,44 25,17 194,06 40,90 474,45 12,51
RMSP (39) 7.946,93 331,78 29,33 302,72 26,76 496,57 43,90 1.131,07 14,23
RMS (27) 11.623,79 430,20 31,16 430,97 31,22 519,33 37,62 1.380,50 11,88
RMVPLN (39) 16.163,15 796,09 33,88 589,27 25,08 964,53 41,05 2.349,89 14,54
AUJ (7) 299,96 8,91 18,79 14,94 31,51 23,57 49,70 47,42 15,81
AUP (23) 544,93 14,19 65,72 6,12 28,35 1,28 5,93 21,59 3,96
MRB (10) 278,96 20,85 60,56 8,97 26,05 4,61 13,39 34,43 12,34
Área
municipal RMBS (9) 309,29 100,36 34,24 102,34 34,92 90,40 30,84 293,10 94,77
urbanizada e/ RMC (20) 853,93 17,96 27,28 16,39 24,90 31,48 47,82 65,83 7,71
ou edificada
RMSP (39) 2.333,97 101,47 24,79 116,87 28,56 190,90 46,65 409,24 17,53
RMS (27) 1.064,93 16,57 18,19 33,96 37,29 40,55 44,52 91,08 8,55
RMVPLN (39) 840,74 51,23 18,63 85,00 30,91 138,77 50,46 275,00 32,71

* Refere-se à soma das áreas em padrões de relevo de planícies aluviais e/ou marinhas e terraços fluviais e/ou marinhos.
** Refere-se à proporção de ocorrência desses mesmos padrões de relevo em relação à área total da sub-região.
Siglas: AUJ-Aglomeração Urbana de Jundiaí; AUP-Aglomeração Urbana de Piracicaba; MRB-Micro Região Bragantina; RMC-Região Metro-
politana de Campinas; RMS-Região Metropolitana de Sorocaba; RMSP-Região Metropolitana de São Paulo; RMBS-Região Metropolitana da
Baixada Santista; e RMVPLN-Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte.

5.3 Áreas suscetíveis a corrida de massa e/ Jundiaí (interface com as serras da Cantareira e do
ou enxurrada Japi) e sul da Região Metropolitana de Sorocaba
(interface com a serra de Paranapiacaba) denotam
Em relação ao panorama de bacias de drena- a incidência de bacias de drenagem particular-
gem com alta suscetibilidade a corrida de massa mente suscetíveis a enxurrada, assim como no oes-
e/ou enxurrada, observa-se incidência maior em te da Aglomeração Urbana de Piracicaba (serra do
áreas de serras e adjacências situadas ao longo da Itaqueri, onde se observam também porções loca-
faixa norte da Região Metropolitana da Baixada lizadas do território abrigando bacias suscetíveis
Santista (serra do Mar) e nas porções também a corrida de massa e/ou enxurrada) e no norte da
alongadas da Região Metropolitana do Vale do Região Metropolitana de São Paulo (serra da Can-
Paraíba e Litoral Norte situadas ao sul (serras do tareira). A Figura 4 ilustra a distribuição territorial
Mar e da Bocaina) e norte (serra da Mantiqueira), das bacias de drenagem com alta suscetibilidade a
que alcança a parte leste da Micro Região Bragan- corrida de massa e/ou enxurrada identificadas no
tina. As porções sul da Aglomeração Urbana de território da Macrometrópole Paulista.

40
MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES

Siglas: AU-Aglomeração Urbana; MR-Micro Região; e RM- Região Metropolitana.

Figura 4. Ilustração da incidência de áreas suscetíveis a corrida de massa e/ou enxurrada na Macrometrópole
Paulista. Fonte: IPT e CPRM.

Nesse contexto, a Região Metropolitana da Região Bragantina se sobressai, com incidência es-
Baixada Santista e a Região Metropolitana do Vale pecífica de 19,72 %. Quanto à presença de área ur-
do Paraíba e Litoral Norte se destacam em rela- banizada e/ou edificada em bacias de drenagem
ção à incidência específica de bacias de drenagem com alta suscetibilidade à geração de corrida de
com alta suscetibilidade a esses dois processos massa e/ou enxurrada, a Micro Região Braganti-
nas áreas totais municipais, respectivamente com na apresenta 10,59 %, seguida pela Região Metro-
12,16 % e 10,01 %. No que se refere exclusivamen- politana do Vale do Paraíba e Litoral Norte com
te a bacias suscetíveis apenas a enxurrada, a Micro 5,38 %. (Tabela 4).

41
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Tabela 4. Incidência específica de classes de suscetibilidade a corrida de massa e/ou enxurrada na Macrometrópole Paulista,
segundo a abrangência territorial e a sub-região. Fonte: IPT e CPRM.

Área total Corrida de massa e


Sub-região Enxurrada (b) Total (a + b)
Abrangência da sub- enxurrada (a)
(número de
territorial região
municípios) km2 % km2 % km2 %
(km²)
AUJ (7) 1.269,36 3,55 0,28 112,64 8,87 116,19 9,15
AUP (23) 7.379,26 1,79 0,02 134,01 1,82 135,80 1,84
MRB (10) 2.766,93 54,76 1,98 545,67 19,72 600,43 21,70
RMBS (9) 2.417,51 293,86 12,16 264,67 10,95 558,53 23,10
Área municipal
RMC (20) 3.792,97 0,00 0,00 7,48 0,20 7,48 0,20
RMSP (39) 7.946,93 21,91 0,28 214,64 2,70 236,55 2,98
RMS (27) 11.623,79 6,14 0,05 189,27 1,63 195,41 1,68
RMVPLN (39) 16.163,15 1.617,46 10,01 2.076,32 12,85 3.693,78 22,85
AUJ (7) 299,96 0,05 0,02 3,30 1,10 3,35 1,12
AUP (23) 544,93 0,00 0,00 1,65 0,30 1,65 0,30
MRB (10) 278,96 1,79 0,64 27,75 9,95 29,54 10,59
Área municipal RMBS (9) 309,29 0,42 0,14 0,90 0,29 1,32 0,43
urbanizada e/ou
edificada RMC (20) 853,93 0,00 0,00 1,51 0,18 1,51 0,18
RMSP (39) 2.333,97 0,18 0,01 9,68 0,41 9,86 0,42
RMS (27) 1.064,93 0,00 0,00 2,71 0,25 2,71 0,25
RMVPLN (39) 840,74 16,75 1,99 28,48 3,39 45,23 5,38

Siglas: AUJ-Aglomeração Urbana de Jundiaí; AUP-Aglomeração Urbana de Piracicaba; MRB-Micro Região Bragantina; RMC-Região Metro-
politana de Campinas; RMS-Região Metropolitana de Sorocaba; RMSP-Região Metropolitana de São Paulo; RMBS-Região Metropolitana da
Baixada Santista; e RMVPLN-Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte.

Não obstante, convém mencionar que o valor to e a corrida de massa e/ou enxurrada, nas oito
atribuído a Micro Região Bragantina encontra-se sub-regiões mapeadas na Macrometrópole Paulis-
bastante influenciado pela incidência maior refe- ta, encontra-se na Figura 5. Entre outros aspectos,
rente ao processo de enxurrada, considerado de observa-se que a Região Metropolitana da Baixa-
forma isolada, enquanto o da Região Metropolita- da Santista é a sub-região com incidência maior
na do Vale do Paraíba e Litoral Norte se deve tam- de áreas municipais em zonas com alta suscetibi-
bém à significativa extensão das áreas de bacias lidade aos processos considerados, em proporção
de drenagem que abrangem corrida de massa. ao seu território, seguida da Região Metropolitana
Entretanto, deve-se alertar que esses dados não do Vale do Paraíba e Litoral Norte, Região Metro-
contemplam as áreas passíveis de atingimento politana de São Paulo e Micro Região Bragantina.
em um cenário de um possível evento de corrida Por sua vez, a Região Metropolitana de Sorocaba
de massa e/ou de enxurrada deflagrado por chu- e a Região Metropolitana de Campinas se apre-
vas intensas e/ou extremas, refletindo apenas as sentam como as de incidência menor de áreas
áreas onde esses processos tendem a ser gerados municipais em zonas com alta suscetibilidade aos
nessas ocasiões. processos considerados, enquanto a Aglomeração
Urbana de Jundiaí e a Aglomeração Urbana de Pi-
racicaba se mostram em posições intermediárias.
5.4 Áreas suscetíveis ao conjunto de
processos considerados

A sobreposição da incidência de áreas susce-


tíveis a deslizamento, inundação e/ou alagamen-

42
MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES

Siglas: AU-Aglomeração Urbana; MR-Micro Região; e RM- Região Metropolitana.

Figura 5. Ilustração da incidência geral de áreas suscetíveis a deslizamento, inundação e/ou alagamento
e corrida de massa e/ou enxurrada na Macrometrópole Paulista. Fonte: IPT e CPRM.

Ao se abordar essa incidência em áreas urba- do modo pelo qual essa ocupação venha a se de-
nizadas e/ou edificadas (Figura 6) e compará-la senvolver, como se observa hoje em muitos casos
em relação à Figura 5 anterior, na qual essa inci- onde se pode constatar o desacordo de obras em
dência não está representada, nota-se que grande relação a boas práticas de engenharia, bem como
parte delas se assenta sobre zonas com baixa sus- desprovidas do conhecimento prévio acerca das
cetibilidade a deslizamento, pressupondo-se con- suscetibilidades inerentes aos terrenos, podem ser
siderar que poucos problemas venham a ocorrer geradas situações de perigo e risco em nível local,
em relação ao uso e ocupação do solo. Entretanto, requerendo análises detalhadas visando gerir os
convém atentar para o fato de que, a depender prováveis problemas ocasionados.

43
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Siglas: AU-Aglomeração Urbana; MR-Micro Região; e RM- Região Metropolitana.

Figura 6. Ilustração da incidência geral de áreas suscetíveis a deslizamento, inundação e/ou alagamento e cor-
rida de massa e/ou enxurrada na Macrometrópole Paulista, incluindo-se as áreas urbanizadas e/ou edificadas.
Fonte: IPT e CPRM.

De modo geral, considerando-se as sub- ser consideradas em eventuais análises de perigo


-regiões mapeadas, observa-se na Figura 5 que o e risco que venham a ser requeridas e que tendem
processo que apresenta incidência maior de áreas a salientar os assentamentos humanos precários.
em zonas com alta suscetibilidade, em relação
à soma das áreas municipais (urbanas e rurais),
corresponde a deslizamento. No entanto, conside-
5.5 Considerações sobre a utilização das
rando-se apenas a área urbanizada e/ou edificada cartas de suscetibilidade
(Figura 6), ou seja, onde há populações residentes
As cartas de suscetibilidade a movimentos
e variadas atividades sociais e econômicas em an-
gravitacionais de massa e inundações se destinam
damento, a incidência maior é de inundação e/
ao planejamento territorial e à prevenção de de-
ou alagamento. Somam-se a esse panorama as di-
sastres, aplicáveis a planos diretores municipais
ferentes vulnerabilidades inerentes aos elementos
e zoneamentos ecológico-econômicos, visando
expostos aos processos mapeados, que deverão
orientar a expansão urbana e evitar a edificação

44
MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES

em áreas mais suscetíveis, bem como subsidiar o Não obstante, à medida que se identifiquem
licenciamento ambiental e a avaliação de impac- áreas de alta ou média suscetibilidade em coinci-
tos de empreendimentos de infraestrutura em dência com áreas urbanizadas e/ou edificadas, ou
âmbito local e regional. Ressalta-se que as cartas seja, em áreas ocupadas pela urbanização, há que
geradas não devem ser utilizadas para tomada de se considerar, nessas situações, eventual neces-
decisão em escala de projeto de engenharia, bem sidade de análises sistemáticas de perigo e risco
como para delimitação exata de zonas para fins de a realizar em escala local e em nível de detalhe.
formulação de normas de uso e ocupação do solo Essas análises podem resultar na elaboração de
em cada município, devido a sua escala de elabo- cartas de setorização e classificação de risco, em
ração. Considera-se que as cartas devem ser revis- escala 1:2.000 ou maior, assim como em planos de
tas periodicamente, à medida que surjam novos redução de risco, particularmente quando ampa-
conhecimentos acerca dos processos analisados radas em evidências de instabilidades de terrenos
e mapas temáticos correspondentes, em escalas ou mesmo em registros de ocorrências pretéritas
compatíveis e/ou em bases cartográficas em esca- acerca dos processos considerados no mapeamen-
las maiores para o município em questão. to, o que por si só pode representar uma contri-
A leitura da carta de suscetibilidade execu- buição relevante para fins de gestão municipal de
tada em escala 1:25.000, em vista de sua potencial riscos e prevenção de desastres. A construção de
aplicação ao planejamento territorial e urbano plataformas digitais para monitoramento contí-
de um determinado município, deve inicialmen- nuo do avanço da urbanização sobre áreas de al-
te distinguir a incidência de áreas suscetíveis de tas suscetibilidades encontra-se nesse mesmo con-
acordo com a classe (alta, média ou baixa) e com o texto de estudos mais detalhados que poderiam
fato de haver áreas não ocupadas ou áreas ocupa- ser realizados.
das pela urbanização (que correspondem a áreas Ainda, em vista da edição do Estatuto da
urbanizadas e/ou edificadas), uma vez que nes- Metrópole (Lei Federal 13.089/2015) e a obrigato-
tas últimas as suscetibilidades podem estar alte- riedade de elaboração, pelos estados, do Plano de
radas, para mais ou para menos, a depender das Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) das
condições locais, particularmente em razão de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas
prováveis efeitos geológico-geotécnicos e hidroló- do Brasil, tem-se que as cartas de suscetibilidade
gico-hidráulicos introduzidos pelas construções e foram utilizadas na formulação do PDUI da Re-
sistemas de drenagem urbana instalados. gião Metropolitana de São Paulo, em 2017. Dian-
Desse modo, espera-se uma aplicação relati- te dessa experiência, bem como do subsequente
vamente maior das cartas de suscetibilidade nas compartilhamento de dados realizado durante
análises relacionadas a áreas não ocupadas pela os trabalhos de mapeamento com as equipes en-
urbanização, projetando-se, por um lado, a ex- carregadas do PDUI da Região Metropolitana da
pansão urbana das cidades para zonas de baixas Baixada Santista, no mesmo ano, denota-se o po-
suscetibilidades e, por outro lado, a definição de tencial de aplicação das cartas de suscetibilidade
áreas a proteger sob o ponto de vista ambiental ao contexto de planejamento regional das regiões
e de atividades rurais em zonas de altas susceti- metropolitanas e aglomerações urbanas do Brasil,
bilidades aos processos considerados. No parce- bem como na elaboração da carta geotécnica de
lamento do solo urbano (loteamento, desmem- aptidão à urbanização, a ser realizada em escala
bramento, conjunto habitacional e outros tipos), de detalhe e em nível municipal.
caso não se disponha de uma carta geotécnica de As informações e os dados completos a res-
aptidão à urbanização, podem-se desenvolver di- peito dos mapeamentos realizados na Macrome-
retrizes específicas a partir das cartas de susceti- trópole Paulista estão disponíveis ao público e
bilidade, de acordo com a classe incidente na área podem ser acessados nos portais e infraestruturas
de interesse, explicitando-se o correspondente de- de bases espaciais da CPRM, CEPDEC/SP, Plata-
talhamento dos estudos específicos de engenharia forma IPT Pró-Municípios e, ainda, nas infraes-
e ambientais a realizar em nível de projeto. truturas de dados espaciais (IDEs) do Datageo
da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente

45
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

(SIMA/SP) e do Instituto Geográfico e Cartográ- Região Metropolitana da Baixada Santista e nas


fico (IGC) porções alongadas situadas no sul e norte da Re-
gião Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral
Norte, que alcança a parte leste da Micro Região
6 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Bragantina. As porções sul da Aglomeração Ur-
bana de Jundiaí e sul da Região Metropolitana de
Os resultados gerais obtidos no mapeamento
Sorocaba denotam a incidência de bacias de dre-
efetuado nos municípios e sub-regiões da Macro-
nagem particularmente suscetíveis apenas a en-
metrópole Paulista revelam um panorama geral
xurradas, assim como no oeste da Aglomeração
sobre a distribuição territorial das zonas mais
Urbana de Piracicaba e norte da Região Metropo-
suscetíveis aos diferentes processos analisados, as
litana de São Paulo.
quais devem merecer atenção especial nas ativi-
Nos dois primeiros contextos (áreas suscetí-
dades de planejamento territorial e de prevenção
veis a deslizamento e eventualmente a rastejo e
de desastres.
queda de rocha; e áreas suscetíveis a inundações
Em vista das áreas suscetíveis a deslizamen-
e/ou alagamentos), considerando-se as especi-
to, a Região Metropolitana do Vale do Paraíba e
ficidades das sub-regiões mapeadas, observa-se
Litoral Norte e a Região Metropolitana da Baixa-
que o processo que apresenta incidência maior
da Santista se mostram como as sub-regiões que
de zonas com alta suscetibilidade, em relação à
abrigam incidência relativamente maior de zonas
soma das áreas municipais (urbanas e rurais) na
com alta suscetibilidade, em proporção a seu ter-
Macrometrópole Paulista, corresponde a desli-
ritório. Por outro lado, a Aglomeração Urbana de
zamento. No entanto, considerando-se apenas a
Piracicaba, Região Metropolitana de Campinas e
área urbanizada e/ou edificada, ou seja, terrenos
Região Metropolitana de Sorocaba se destacam
onde há populações residentes e variadas ativida-
por apresentar incidência relativamente maior
des socioeconômicas em andamento, a incidência
de zonas com baixa suscetibilidade a esse mesmo
maior de zonas com alta suscetibilidade se refere
processo. A depender do município, os processos
a processos de inundação e/ou alagamento.
de rastejo e queda de rocha podem estar associa-
Sobre o conjunto de processos considerados,
dos às classes de suscetibilidades a deslizamento.
a Região Metropolitana da Baixada Santista se
No que diz respeito a inundações e/ou ala-
destaca como a que apresenta incidência relativa-
gamentos, tendo em conta exclusivamente o do-
mente maior de zonas com altas suscetibilidades
mínio de relevo de planícies aluviais e/ou mari-
em seu território, seguida da Região Metropoli-
nhas e terraços fluviais e/ou marinhos suscetíveis
tana do Vale do Paraíba e Litoral Norte, Região
a ambos, observa-se a incidência maior de zonas
Metropolitana de São Paulo e Micro Região Bra-
com alta suscetibilidade ao longo da Região Me-
gantina. Por outro lado, a Região Metropolitana
tropolitana da Baixada Santista e da Região Me-
de Sorocaba e a Região Metropolitana de Campi-
tropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte.
nas se apresentam com incidência relativamente
Nas demais sub-regiões se podem notar ocorrên-
menor de zonas com alta suscetibilidade a esse
cias mais restritas, excetuando-se o contexto dos
mesmo conjunto de processos, enquanto a Aglo-
principais rios presentes em cada uma delas. De
meração Urbana de Jundiaí e a Aglomeração
maneira geral, o processo de alagamento mostra
Urbana de Piracicaba se mostram em posições
correspondência com as classes de suscetibilidade
intermediárias. Ao se analisar as áreas urbaniza-
a inundação, uma vez que tendem a se salientar
das e/ou edificadas, observa-se que grande parte
nas mesmas unidades de padrão de relevo consi-
delas se assenta sobre zonas com baixa suscetibi-
deradas no zoneamento.
lidade a deslizamento. No entanto, a depender
Quanto a bacias de drenagem com alta sus-
do modo de ocupação local, como em casos onde
cetibilidade a corrida de massa e/ou enxurrada e
esta se realize em desacordo com as boas práticas
apenas a enxurrada, observa-se incidência maior
de engenharia e, ainda, desprovida do necessário
desse conjunto de processos em áreas de serras e
conhecimento prévio acerca das suscetibilidades
adjacências situadas ao longo da faixa norte da
inerentes aos terrenos em que as intervenções

46
MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES

venham a ser executadas, podem ser geradas si- de massa e inundações. Ao IPT e à CPRM, tam-
tuações de perigo e risco, requerendo abordagens bém pelo apoio financeiro à realização contínua
detalhadas para gerir os problemas ocasionados. dos mapeamentos na Macrometrópole Paulista.
Com a utilização das cartas de suscetibilida-
de no planejamento territorial e na prevenção de
desastres, recomenda-se que as demandas e pres-
REFERÊNCIAS
sões acerca de expansão urbana nos municípios
BITAR, O. Y. (Coord.). Cartas de suscetibilidade
das sub-regiões da Macrometrópole Paulista ma-
a movimentos gravitacionais de massa e inunda-
peadas sejam dirigidas preferencialmente para zo-
ções-1:25.000: Nota Técnica Explicativa. São Pau-
nas de baixa suscetibilidade, impondo-se aos mu-
lo: IPT; Brasília, DF: CPRM, 2014 (Publicação IPT
nicípios a gestão controlada das áreas situadas em
3016).
zonas de média e de alta suscetibilidade, de modo
a reduzir a possibilidade de geração de novas BITAR, O. Y.; SILVA, S. F. da. Breve panorama
áreas de risco e a eventual ocorrência de desastres sobre a incidência de áreas suscetíveis a movi-
no futuro, bem como a definição de áreas a pro- mentos gravitacionais de massa e inundações em
teger sob o ponto de vista ambiental, sobretudo municípios das regiões Sul e Sudeste do Brasil.
em zonas de altas suscetibilidades aos processos In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE CARTOGRA-
considerados. Por sua vez, as bacias de drenagem FIA GEOTÉCNICA E GEOAMBEINTAL, 9., 2015,
suscetíveis a corridas de massa e/ou enxurrada, Cuiabá. Anais ... Cuiabá: ABGE, 2015. 1 CD-ROM.
que tendem a abrigar dinâmicas de grande ener- 5p.
gia e potencialmente mais destrutivas, devem ser
objeto de estudos específicos e detalhados, focali- BITAR, O.Y.; CAMPOS. S.J.A.M.; MONTEIRO,
zando as áreas ocupadas situadas em seu interior A.C.M.C; ARGENTIN, P.M.; CORSI, A.C.; PAU-
e também a jusante, analisando-se a probabilida- LON, N. Áreas suscetíveis a movimentos gravita-
de de atingimento em caso de ocorrência de um cionais de massa e inundações nas regiões metro-
evento chuvoso intenso e/ou extremo. A constru- politanas de São Paulo, Baixada Santista e Litoral
ção de plataformas digitais para monitoramento Norte do Estado de São Paulo. In: CONGRESSO
contínuo do avanço da urbanização sobre áreas BRASILEIRO DE GEOLOGIA DE ENGENHA-
de altas suscetibilidades encontra-se nesse contex- RIA E AMBIENTAL, 16, 2018, São Paulo. Anais ...
to de estudos mais detalhados a realizar. São Paulo: ABGE, 2018.
Deve-se recomendar, ainda, conforme efetua-
do na Região Metropolitana de São Paulo, a utili- BITAR, O.Y. Desenvolvimento de cartas de sus-
zação das cartas de suscetibilidade na elaboração cetibilidade a movimentos gravitacionais de mas-
do PDUI das demais sub-regiões da Macrometró- sa e inundações na Macrometrópole Paulista. In:
pole Paulista e, nos casos em que haja disponibi- FÓRUM DE GOVERNANÇA AMBIENTAL DA
lidade prévia dessas cartas a todos os municípios MACROMETRÓPOLE PAULISTA CONGRESSO
envolvidos, também em outras regiões metropoli- BRASILEIRO DE GEOLOGIA DE ENGENHA-
tanas e aglomerações do ESP e do País. RIA E AMBIENTAL, 1, 20198, São Paulo. Anais ...
São Paulo: IEE/USP, 2019.

AGRADECIMENTOS BRASIL. Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012. Ins-


titui a Política Nacional de Proteção e Defesa Ci-
Registram-se os agradecimentos a todos os vil-PNPDEC; dispõe sobre o Sistema Nacional de
colegas do IPT que colaboraram, direta ou indi- Proteção e Defesa Civil – SINPDEC e o Conselho
retamente, na realização dos trabalhos de ma- Nacional de Proteção e Defesa Civil – CONPDEC;
peamento sintetizados neste artigo, bem como às autoriza a criação de sistema de informações e
equipes da CPRM e da CEPDEC/SP, pela coope- monitoramento de desastres; altera as Leis nos
ração e apoio permanentes à execução das cartas 12.340, de 1º de dezembro de 2010, 10.257, de 10
de suscetibilidade a movimentos gravitacionais de julho de 2001, 6.766, de 19 de dezembro de

47
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

1979, 8.239, de 4 de outubro de 1991, e 9.394, de 20 IPT – INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGI-


de dezembro de 1996; e dá outras providências. CAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Guia Cartas
Diário Oficial da União, Brasília, 11 abr. 2012. geotécnicas [livro eletrônico] :orientações básicas
aos municípios / autores e organizadores Omar
BRASIL. Governo Federal. Plano Nacional de Yazbek Bitar, Carlos Geraldo Luz de Freitas,
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48
MAPEAMENTO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS A MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA E INUNDAÇÕES

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... Bento Gonçalves: ABGE, 2015. 1 CD-ROM. debris flood and flood hazard through watershed
morphometrics. Landslides, v. 1, p. 61-66, 2004.

49
PADRÕES DIFERENCIADOS DE RECUO DA
LINHA DE COSTA E SUA CORRELAÇÃO COM
PROCESSOS EROSIVOS E AS ÁREAS DE RISCO
À EROSÃO COSTEIRA NO ESTADO DO PARÁ
SHORELINE CHANGE PATTERNS AND THEIR CORRELATION WITH EROSIVE PROCESSES
AND COASTAL EROSION RISK AREAS IN PARÁ STATE- BRAZIL

SHEILA GATINHO TEIXEIRA


Serviço Geológico do Brasil, Belém, Pará-Brasil.
sheila.teixeira@cprm.gov.br

ÍRIS CELESTE DO NASCIMENTO BANDEIRA


Serviço Geológico do Brasil, Belém, Pará-Brasil.
iris.bandeira@cprm.gov.br

RESUMO ABSTRACT

A região costeira do Estado do Pará possui uma rede The coastal State of Pará has a complex estuaries
complexa de estuários, submetida à macromarés, me- network, subjected to macrotides, mesotides and
somarés e a altas correntes de marés, que associadas high tidal currents, which associated with waves,
a ondas, alto índice pluviométrico e a uma geologia high rainfall and a diversified geology, composed of
diversificada, composta por materiais pouco consoli- poorly consolidated materials provide differentiated
dados proporcionam processos erosivos costeiros dife- coastal erosive processes. These areas susceptible to
renciados. Estas áreas suscetíveis a processos erosivos erosive processes were occupied without territorial
foram ocupadas sem planejamento territorial, levando planning, leading to the emergence of risk erosion
ao surgimento de áreas de risco à erosão. Portanto, este areas. Therefore, this work aims to characterize the
trabalho tem como objetivo caracterizar os agentes e erosive agents and processes, associating them with the
processos erosivos, associando com a forma de ocupa- occupation of the risk sectors, in order to differentiate
ção dos setores de risco, a fim de diferenciar padrões patterns of shoreline retreat. For this, a bibliographic
de recuo da linha de costa. Para isso foi realizada revi- review was carried out, a temporal analysis of two
são bibliográfica, análise temporal de dois mosaicos de Landsat images mosaics (1988 and 2019), to verify the
imagens Landsat (1988 e 2019), para verificar a dinâmi- coastal dynamics on a regional scale. And statistical
ca costeira em escala regional, e avaliação estatística e evaluation and the occupation patterns of 54 sectors
a forma de ocupação de 54 setores de risco alto e muito of high and very high risk coastal erosion mapped
alto à erosão costeira mapeados pelo Serviço Geológi- by the Geological Survey of Brazil, in the period from
co do Brasil, no período de 2012 a 2019, em 12 muni- 2012 to 2019, in 12 municipalities in the State of Pará.
cípios do Estado do Pará. Foi possível identificar dois It was possible to identify two patterns of shorelines
padrões de recuo de linhas de costa, que envolvem di- retreat, which involves different processes. When these
ferentes processos. Quando estes setores ocorrem nas sectors occur on the estuaries margins (inland), they
margens dos estuários (região interna), estão associa- are associated with the occupation of cliffs top, being
dos à ocupação do topo das falésias, sendo submetidos subjected to the processes of landslides, undermining
aos processos de deslizamentos, solapamentos e erosão and laminar erosion, as well as, the influence of
laminar, bem como, a influência do despejo de águas the wastewater discharge on the cliff face. When
servidas na face da falésia. Quando estes ocorrem nas these occur in the outer estuaries portions, they are
porções externas dos estuários, estão associados ao dé- associated with a sedimentary deficit on sandy beaches

50
PADRÕES DIFERENCIADOS DE RECUO DA LINHA DE COSTA E SUA CORRELAÇÃO COM PROCESSOS EROSIVOS E AS ÁREAS DE RISCO

ficit sedimentar nas praias arenosas e estão relaciona- and are associated with processes such as: retention
dos a processos como: retenção dos sedimentos oriun- of sediments from the platform by the submerged
dos da plataforma pelos bancos submersos localizados banks located at the mouth of the estuaries, disordered
na foz dos estuários, ocupação desordenada da faixa occupation of the dynamic beaches zones and
dinâmica das praias e migração dos canais de maré em migration of the channels tide towards the continent.
direção ao continente. Essa caracterização pode ser uti- This characterization can be used as a subsidy by
lizada como subsídio pelos órgãos competentes no ge- competente institutions in coastal management and in
renciamento costeiro e na mitigação dos eventos, que the mitigation of events, which must take into account
devem levar em consideração as características físicas the local physical and oceanographic characteristics.
e oceanográficas locais.
Keywords: geological risk, natural disaster, microtides
Palavras-chave: risco geológico, desastres naturais, and amazon coastal zone
macromarés e zona costeira amazônica

1 INTRODUÇÃO Conforme o inciso IV do artigo 6º da lei nú-


mero 12.608/12, “compete à União apoiar os Esta-
A região costeira é a zona mais fortemente dos, o Distrito Federal e os Municípios no mapea-
urbanizada no mundo, cerca de 45% a 60% da po- mento das áreas de risco”. Dessa forma, o Serviço
pulação mundial vive nessa região (Syvitski et al. Geológico do Brasil – CPRM (Companhia de Pes-
2005, Church et al. 2006, Jonah et al. 2016, Boye quisa de Recursos Minerais), empresa do governo
et al. 2018). Segundo IBGE (2011), no Brasil apro- federal ligada ao Ministério de Minas e Energia,
ximadamente 50,7 milhões de pessoas (24,6% da vem realizando desde novembro de 2011, o ma-
população) vivem na zona costeira. Essas regiões peamento, descrição e classificação de áreas de
são altamente dinâmicas e frequentemente vul- risco geológico alto e muito alto em municípios
neráveis à processos naturais e interferências ar- de todas as unidades da federação selecionados
tificiais com mudanças ocorrendo continuamente pelas Defesas Civis Nacional e Estadual. A fina-
em diferentes momentos e escalas espaciais (Bird lidade de tal estudo é a prevenção e consequente
2008). As mudanças morfológicas são controladas redução de perdas sociais e econômicas relacio-
pela constituição geológica da linha de costa, que nadas a desastres naturais. Nessas áreas o risco
possui diferentes graus de resistência aos vários geológico está relacionado com a possibilidade de
agentes erosivos como a chuva, maré, ondas e ocorrência de acidentes causados por movimentos
ventos. de massa, feições erosivas, enchente e inundação.
Segundo Souza (1997), como consequência No Estado do Pará o mapeamento de risco
dessas interações têm-se, o balanço sedimentar, iniciou no ano de 2012 e até o final de 2019 já fo-
que é a relação entre perdas/saídas e ganhos/en- ram mapeados 74 municípios, o que permitiu ava-
tradas de sedimentos na zona costeira. Essas tro- liar as principais tipologias de risco que ocorrem
cas podem ocorrer entre a praia e o continente, a em 50% dos municípios do estado. Entre as tipo-
plataforma continental e a própria praia. Assim, logias mapeadas está a erosão costeira que foi se-
quando o balanço sedimentar for positivo, haverá torizada em 12 municípios. Desta maneira, a pre-
a predominância de acreção, enquanto que o mes- sente pesquisa propõe-se em analisar a tendência
mo for negativo, haverá um déficit sedimentar, regional aos processos de erosão de parte da zona
predominando o processo erosivo. costeira do estado, através de análise de imagens
A ocupação desordenada dessa região, em de sensores remotos e também integrar, caracteri-
alguns casos acelera o processo erosivo, levando zar e analisar os dados dos mapeamentos de risco
à ameaça de áreas de interesse socioeconômicos realizados pelo SGB-CPRM, na costa do Estado
e o surgimento de áreas de risco à erosão costeira do Pará, a fim de gerar informações dos processos
(Finkl & Makowski 2013). dominantes envolvidos no recuo da costa. Estas

51
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

informações servirão de subsídios para que os de Gerenciamento Costeiro, a Zona Costeira do


órgãos competentes possam trabalhar no monito- Estado do Pará é o espaço geográfico constituído
ramento, prevenção e mitigação de desastres, le- pela faixa terrestre, composta por 47 municípios
vando em consideração as condicionantes físicas subdivididos em 5 setores: I – Setor 1 – Marajó
da região. Ocidental; II – Setor 2 – Marajó Oriental; III – Se-
tor 3 – Continental Estuarino; IV – Setor 4 – Flúvio
Marítimo e V – Setor 5 – Costa Atlântica Paraense
2 ÁREA DE ESTUDO (Figura 1).
De acordo com a Lei Estadual no 9.064, de 25
de maio de 2020, e para fins da Política Estadual

Figura 1. Setores da Zona Costeira do Estado do Pará, segundo a Lei Estadual no 9.064 e a localização da área de estudo.

52
PADRÕES DIFERENCIADOS DE RECUO DA LINHA DE COSTA E SUA CORRELAÇÃO COM PROCESSOS EROSIVOS E AS ÁREAS DE RISCO

A costa paraense é dominada por um clima de coloração cinza a avermelhada, gradando para
tropical úmido, influenciado pela Zona de Con- camadas de pelitos com intercalações de areia,
vergência Intertropical, com precipitação que va- sobrepostas por um nível de concreções ferrugi-
ria de 2500 a 3000 mm entre os meses de janeiro a nosas e no topo ocorrem os sedimentos da Uni-
abril, enquanto que no período de julho a dezem- dade Pós-Barreiras, que são caracterizados por
bro a precipitação é inferior a 60mm, com média um pacote de sedimento arenoso, de granulação
anual de temperatura de 27,7º C (Martorano et al. fina com contribuição de silte, homogêneo de co-
1993). loração creme amarelada, muito friável (Teixeira e
Essa região é cortada por uma complexa rede Bandeira 2020). Estas falésias estão sujeitas à ação
de estuários, onde os setores Marajó Ocidental e das ondas e correntes de marés, descritas anterior-
Oriental, Continental Estuarino e parte do setor mente e ocorrem associadas as praias estuarinas,
Flúvio Marítimo, são influenciados por mesoma- que geralmente são estreitas e formam enseadas
rés semi-diurnas de amplitudes que alcançam (El-Robrini et al. 2006).
3,65m, durante as marés de sizígia no período Entre as baías de Pirabas e Gurupi, os tabu-
chuvoso (El-Robrini et al. 2018). A outra parte do leiros estão recuados em direção ao sul e formam
setor Flúvio Marítimo, principalmente a área da falésias inativas, em geral, com cotas mais baixas.
foz da Baía do Marajó e a Costa Atlântica Paraen- Os manguezais atingem uma largura de aproxi-
se, os estuários são influenciados por macromarés madamente 30km, as baías são largas e os estuá-
semi-diurnas que alcançam 6 m de amplitude du- rios alcançam cerca de 80km em direção ao con-
rante as marés de sizígia. tinente (Franzinelli 1992, Souza Filho 2005). Nas
As correntes de marés são intensas na costa porções externas dos estuários ocorrem as praias
paraense, alcançando na Baía do Marajó valores oceânicas, que geralmente são retilíneas com ex-
durante a descarga máxima do rio Pará: 1,7m/s tremidades recurvadas e larguras da ordem de
(enchente) e 1.1m/s (vazante), entretanto duran- centenas de metros durante a baixamar (El-Robri-
te a descarga mínima, as velocidades foram de ni et al. 2018).
1,5m/s (enchente) e 1,33m/s (vazante) (Prestes
2016). No estuário do Rio Caeté, costa Atlântica
Paraense, Araújo e Asp (2013) indicam que duran-
3 MATERIAIS E MÉTODOS
te o período chuvoso, a corrente de maré (vazante)
O trabalho iniciou com uma extensa revisão
atinge velocidade de 1,4m/s, entretanto, durante
bibliográfica sobre aspectos físicos e oceanográ-
a enchente, a velocidade atinge 0,8m/s.
ficos da região costeira do Estado do Pará, em
O litoral norte sofre influência das ondas
seguida foi feita a avaliação da variação linha de
formadas a partir dos alísios, de direção NE e E,
costa, onde foram analisadas oito cenas Landsat
que apresentam em regra geral, alturas abaixo de
sendo quatro do Landsat-5 TM do ano de 1988 e
1-1,5m em mar aberto (El-Robrini et al. 2006, Pe-
quatro cenas do Landsat 8 OLI de 2019. As cenas
reira et al. 2014).
foram adquiridas no formato geotiff, já georrefen-
A linha de costa corta afloramentos do gru-
ciadas, gratuitamente, no site da USGS (United
po Barreiras e Pós Barreiras além de sedimentos
States Geological Survey) https://earthexplorer.
recentes. A Ilha do Marajó é caracterizada em
usgs.gov/. As imagens foram analisadas com re-
grande parte por um relevo plano e baixo consti-
solução espacial de 30m, como forma de minimi-
tuído por sedimentos recentes. Na borda da ilha
zar a interferência do tamanho de pixel na análise
ocorrem os sedimentos do Grupo Barreiras e Pós-
comparativa. As datas de aquisição selecionadas
-Barreiras que sustentam os tabuleiros costeiros
correspondem aos meses de julho e agosto para
formando as falésias ativas, assim como ocorre no
o ano de 1988 e junho para o ano de 2019 (Tabela
setor continental estuarino, flúvio marítimo e na
1), coincidentes com o verão amazônico e também
costa atlântica paraense até a baía de Pirabas. Em
com a mínima cobertura de nuvens.
geral as falésias variam de 5 a 18 m, sendo cons-
tituídas por sedimentos pouco coesos do Grupo
Barreiras, composto na base por argilito laminado

53
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Tabela 1. Características das imagens utilizadas.

Satélite Sensor Órbita/Ponto Data de aquisição Resolução espacial (m)


Landsat 5 TM 222/061 31/07/1988 30
Landsat 5 TM 223/060 22/07/1988 30
Landsat 5 TM 223/061 07/08/1988 30
Landsat 5 TM 224/061 14/08/1988 30
Landsat 8 OLI 222/061 19/06/2019 30
Landsat 8 OLI 223/060 26/06/2019 30
Landsat 8 OLI 223/061 26/06/2019 30
Landsat 8 OLI 224/061 17/06/2019 30

As imagens foram submetidas a correções ou em muros de contenção, árvores ou postes


radiométrica e atmosférica no software ENVI 5.5. inclinados, cicatrizes de escorregamento, feições
Nas imagens foram utilizadas as composições co- erosivas, erosão dos depósitos costeiros (mangue,
loridas falsa cor, com as composições das bandas duna, banco de areia) proximidade da moradia
5R4G3B para as cenas Landsat – 5 TM e 6R5G4B em relação a linha de costa, destruição de estru-
para as cenas Landsat – 8 OLI, pois estas bandas turas artificiais, presença de troncos mortos da
possuem o mesmo comprimento de onda das vegetação de manguezal e exposição de canais de
bandas analisadas do Landsat-5 TM. Em segui- maré na zona de intermarés (Teixeira et. al., s.d).
da para cada ano foi construído um mosaico de Estas informações foram organizadas, anali-
imagens. Esses mosaicos foram organizados em sadas e inseridas em tabelas do Excel e no Arcgis.
planos de informações diferentes no ArcGis 10.7, Assim, foi possível especializar e fazer uma aná-
a partir dos quais foram digitalizadas as linhas de lise estatística dos municípios mais atingidos por
costa para os anos de 1988 e 2019. As linhas de esta tipologia de risco, identificando o número de
costa foram traçadas seguindo a metodologia su- pessoas e de edificações afetadas. Além disso, os
gerida por Dolan et al. 1980 e Crowell et al. (1991) relatórios disponíveis de cada setorização foram
adotada por França (2003) e Souza Filho & Para- consultados para auxiliar no entendimento e ca-
della (2003), na zona costeira do Pará, que utili- racterização dos processos atuantes.
zam como linha de costa a linha de maré alta de
sizígia, que corresponde: à linha de contato entre
os manguezais e os cordões arenosos duna/praia;
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
interface falésia e cordão arenoso praial e interfa-
A análise multitemporal de imagens, no pe-
ce campo e cordões arenosos duna/praia.
ríodo de 1988 a 2019, constatou que a costa do Esta-
Para a análise das áreas de risco à erosão
do do Pará apresenta uma intensa dinâmica, com
costeira na costa do Pará foram compilados os
tendência regional da variação da linha de costa,
dados produzidos pelo projeto Setorização de
mostrando as áreas que sofreram com o processo
áreas de risco desenvolvido pelo Serviço Geológi-
de erosão e acreção (Figura 2). Identificou-se que
co do Brasil – SGB -CPRM, entre os anos de 2012
a tendência regional é de acreção, com um ganho
e 2019. A metodologia utilizada pelo SGB-CPRM
de cerca de 123,36 km² de área (54%) e as áreas
para mapear os graus de risco alto e muito alto a
erodidas foram de aproximadamente 104,65 km²
erosão costeira baseiam-se na intensidade das evi-
(46%). Essa análise de apenas dois momentos não
dências de instabilidade, onde o grau de risco alto
demonstra a dinâmica anual que a costa está sub-
caracteriza-se pela presença menos expressiva de
metida, mostra apenas o total e a localização das
evidências, já o grau de risco muito alto caracteri-
áreas em que os processos são dominantes duran-
za-se pela presença expressiva, em grande quanti-
te o período analisado.
dade de evidências como: trincas no solo, degraus
de abatimento em falésias, trincas em moradias

54
PADRÕES DIFERENCIADOS DE RECUO DA LINHA DE COSTA E SUA CORRELAÇÃO COM PROCESSOS EROSIVOS E AS ÁREAS DE RISCO

Figura 2. Áreas de erosão e acreção, no trecho estudado da costa do Pará, no período de 1988 a 2019.

Apesar da tendência regional de acreção, exis- setores de risco alto e muito alto a erosão costeira
tem extensas áreas com suscetibilidade a erosão em 12 municípios (Figura 3 e Gráfico 1). Alguns
que foram ocupados pela população, constituindo dos setores com processo destrutivo instalado e
assim, setores de risco a erosão costeira, que fo- outros em potencial. Esses setores abrigam no to-
ram identificados no mapeamento realizado pelo tal 571 edificações e 2891 pessoas em situação de
Serviço Geológico do Brasil, no período de 2012 a risco à erosão costeira (Gráficos 2).
2019. O mapeamento registrou a ocorrência de 54

55
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Figura 3. Setores de risco à erosão costeira mapeados pelo Serviço Geológico do Brasil no período de 2012 a 2019.

Gráfico 1. Quantidade de setores de risco à erosão costeira mapeados por município.

56
PADRÕES DIFERENCIADOS DE RECUO DA LINHA DE COSTA E SUA CORRELAÇÃO COM PROCESSOS EROSIVOS E AS ÁREAS DE RISCO

Gráfico 2. Quantidade de edificações e pessoas em situação de risco à erosão costeira mapeadas por município.

A partir da análise dos dados foi possível -se que esses movimentos podem influenciar na
identificar que 40 setores de risco associam-se às erosão basal das falésias. Esses processos são ob-
ocupações irregulares do topo das falésias que es- servados tanto nos trechos de falésia submetidos
tão sendo recuadas e 14 localizam-se nas praias à ação das macromarés como as de mesomarés.
ancoradas em manguezais ou praias expostas. Associado a esse processo, os altos índices pluvio-
O recuo de falésias ocorre devido às mesmas métricos geram erosão laminar na face da falésia,
serem sustentadas por sedimentos do Grupo Bar- com o surgimento de sulcos e ravinas (Figura 4c
reiras e do Pós-Barreiras, constituídos por mate- e d). Assim, no período chuvoso, é frequente a
rial friável e altamente suscetíveis à erosão. Esse ocorrência de desmoronamentos e deslizamentos,
material é margeado por canais estuarinos, loca- que também são influenciados pelo fluxo da água
lizados na porção interna do estuário ou zona de subterrânea, levando ao recuo da falésia (Figura
mistura, sujeitos a interação de processos fluviais 4e e f). Outro deflagrador observado foi a ocupa-
e marinhos (correntes de maré). Onde no período ção desordenada que ocorre no topo das falésias,
chuvoso, principalmente no mês de março, tem- onde observa-se o despejo de águas servidas (Fi-
-se a ação das marés altas de sizígia equinociais, gura 4b, d e f), através de tubulações, diretamente
caracterizadas pelas maiores amplitudes de maré, na porção superior das falésias, que é composta
provocando assim erosões nas bases das falésias, por sedimentos arenosos erodíveis, acelerando o
o que leva a um solapamento do topo (Figura 4a processo erosivo.
e b). Segundo (Miranda et al. 2002), nessa posição A partir dos dados analisados, sugere-se a
do estuário a água possui movimentos transver- utilização do termo erosão estuarina, para classi-
sais e verticais que geram complexos movimentos ficar os recuos das margens dos canais estuarinos,
tridimensionais na forma de espirais e acredita- que são influenciados pelos regimes de macro-

57
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

marés e mesomarés, na costa do estado do Pará. Diferenciando-se das erosões costeiras, que pos-
Pois o termo é mais adequado em relação à ero- sui além da componente maré a arrebentação das
são fluvial e erosão costeira, uma vez que leva em ondas e das erosões fluviais que possuem como
consideração o efeito do complexo movimento da principal agente o rio. E nas erosões estuarinas
água no estuário sobre as margens, levando em estariam também incluídas as erosões laminares
consideração também o efeito da maré rio aci- que ocorrem no topo das falésias, assim como já
ma, na porção conhecida como Zona de Mistura. apresentado por Teixeira et al. (2019).

Figura 4. Representação dos processos envolvidos no recuo das falésias às margens dos canais estuari-
nos: a: esquema de erosão da base da falésia com solapamento do topo; b – Falésia com erosão de base
na Praia do Ariramba – Ilha de Mosqueiro – Belém – Pará, Fonte: CPRM (2012); c: Esquema de lança-
mento de água servida e a presença de sulco e ravinas na face da falésia; d: Casas em situação de risco
em falésia com presença de sulcos e exposição de canos de águas de servidas na Praia do Quarenta do
Mocoóca – Maracanã, Fonte: Teixeira & Bandeira (2020); e: Esquema de erosão de falésia por desliza-
mento da porção superior da mesma; f: Deslizamentos da porção superior da falésia com árvores caídas
na Praia do Mota – Maracanã, Fonte: Teixeira & Bandeira (2020).

58
PADRÕES DIFERENCIADOS DE RECUO DA LINHA DE COSTA E SUA CORRELAÇÃO COM PROCESSOS EROSIVOS E AS ÁREAS DE RISCO

As praias das porções externas dos estuários rios, e que acabam retendo os sedimentos areno-
estão sujeitas a interação das ondas e das corren- sos transportados da plataforma continental em
tes de maré, que possuem uma energia destrutiva direção à costa. Essa situação foi verificada nas
maior no período das marés de sizígia equino- praias de Ajuruteua (Bragança) e Boa Vista (Qua-
ciais. Nessas áreas altamente suscetíveis a erosão tipuru). Além da destruição das edificações e es-
como a faixa dinâmica da praia, incluindo a zona truturas urbanas, como ruas e postes, o recuo da
praial, berma e os campos de dunas, que também linha de costa é observado pela migração dos cor-
são fontes de sedimentos para todo o sistema de dões arenosos sobre os manguezais, acarretando
praia, verificou-se a ocupação irregular de mora- a morte e tombamento de árvores do mangue (Fi-
dias. Tal situação foi observada nas praias do Cris- gura 5c e d). Outros processos associados à erosão
pim (Marapanim), Ajuruteua (Bragança) (Figura costeira foram vistos nas praias expostas da costa
5a e b) e Farol Velho (Salinópolis). Outro fator que do Pará, como o escarpamento das dunas frontais
contribui para o déficit sedimentar é a posição dos e migração de canais de maré em direção ao con-
deltas de maré vazante, que ocorrem na forma de tinente (Figura 5e e f).
bancos submersos na desembocadura dos estuá-

Figura 5. Representação de alguns processos envolvidos no recuo de praias expostas, baseado no perfil de praia da
região elaborado por Alves (2002): a: esquema mostrando a ocupação do campo de dunas e berma; b: Ocupação da
zona dinâmica da praia com processo erosivo instalado, Praia de Ajuruteua – Bragança, Fonte: Fonseca et al. 2015;
c: Esquema de migração dos cordões arenosos em direção ao manguezal com a morte das árvores; d: Migração dos
cordões arenosos sobre o mangue na Praia do Crispim – Marapanim, Fonte: Teixeira & Melo (2019); e: Esquema
de migração de canais de maré em direção ao continente na zona de intermaré; f: Migração de canal na Praia do
Crispim – Marapanim, Fonte: Teixeira & Melo (2019).

59
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Foi observado como forma de contenção a à erosão costeira. Em algumas praias é possível
construção de obras rígidas como muros de arri- verificar uma série de linhas de muro destruídas
mo (Figuras 6a e b), uso de pneus (Figura 6c), que pela erosão como é o caso da praia do Maçarico
a longo prazo se mostraram ineficientes diante em Salinópolis (Figura 6d).

Figura 6. a: Muro de arrimo destruído pela erosão costeira na orla da cidade de Salvaterra, Fonte: Melo & Simões
(2016) b: Muro de arrimo embarrigado na Praia do Paraíso, Ilha de Mosqueiro (Belém), situação em 2018; c: Utili-
zação de pneus na base da falésia, bem como o uso de lonas para impedir o recuo da falésia na Praia do Recreio
(Marapanim), Fonte: Teixeira & Melo (2019); d: Ruínas de duas posições de muro de arrimo destruídos pela erosão
costeira na Praia do Maçarico (Salinópolis), Fonte: Teixeira & Bandeira (2020).

5 CONCLUSÕES res de risco alto e muito alto à erosão costeira no


Pará. E de acordo com a localização destes setores,
Os resultados obtidos mostram que o trecho foi possível identificar dois padrões de recuo da
analisado da costa do Pará possui uma intensa linha de costa, levando em consideração os aspec-
dinâmica, e mesmo com uma tendência regional tos físicos (geológicos e geomorfológicos), ocea-
de acreção, no período de 1988 a 2019, diversos nográficos e as formas de ocupação. Os setores lo-
trechos encontram-se com processo erosivo insta- calizados nas porções internas dos estuários estão
lado. E esse processo passa a ser problema quan- associados ao recuo das falésias, onde processos
do ameaça áreas com ocupação, levando ao sur- de erosão laminar, deslizamentos e solapamentos
gimento das áreas de risco à erosão costeira. A estão presentes e como proposta para diferenciar
partir do mapeamento desenvolvido pelo Serviço das erosões que ocorrem nas praias arenosas da
Geológico do Brasil foram identificados 54 seto- porção externa do estuário, sugere-se o uso de

60
PADRÕES DIFERENCIADOS DE RECUO DA LINHA DE COSTA E SUA CORRELAÇÃO COM PROCESSOS EROSIVOS E AS ÁREAS DE RISCO

erosões estuarinas para essas erosões localizadas Journal of Coastal Conservation, v.22, n.4, 769–776.
na porção mais interna do estuário. Os setores http://dx.doi.org/10.1007/s11852-018-0607-z.
localizados na porção externa do estuário estão
relacionados ao déficit sedimentar que apresenta CPRM – Serviço Geológico do Brasil.2012. Ação
diversas causas, como as identificadas pelo traba- emergencial para delimitação de áreas de alto
lho, como retenção de sedimentos da plataforma e muito alto risco a enchentes e movimentos de
continental pelos bancos arenosos localizados na massa no município de Belém, Estado do Pará.
foz dos estuários, ocupação da faixa dinâmica da Belém, CPRM. http://rigeo.cprm.gov.br/jspui/
praia e migração de canais de maré em direção ao handle/doc/20761.1.
continente. Essas informações podem auxiliar na
Crowell M., Leatherman S.P., Buckley M.K. 1991.
política de gestão de riscos costeiros, pois podem
Historical Shoreline Change: Error Analysis and
servir de guia para a escolha da melhor maneira
Mapping Accuracy. Journal of Coastal Research,
de mitigar o processo, levando em consideração
v.7, n.3, 839-852.
as suas especificidades físicas e oceanográficas.
Dolan R., Hayden B.P., May P., May S. 1980. The
AGRADECIMENTOS reliability of shoreline change measurements
from aerial photographs. Shore and Beach, v.48,
Os autores agradecem o apoio financeiro e p.22- 29.
institucional recebido do Serviço Geológico do
Brasil para a realização da pesquisa. El-Robrini M., Silva M. A., Souza Filho P. W. M.,
El-Robrini M. H. S., Silva Jr. O. G., França C. F.
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62
PADRÕES DIFERENCIADOS DE RECUO DA LINHA DE COSTA E SUA CORRELAÇÃO COM PROCESSOS EROSIVOS E AS ÁREAS DE RISCO

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riation-and-Identification-of-Local?redirectedFro
m=fulltextISSN 0749-0208.

63
RISCO E PLANEJAMENTO URBANO E SUA
ABORDAGEM NOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS
RISK AND URBAN PLANNING AND ITS APPROACH IN SCIENTIFIC JOURNALS
RIESGO Y PLANIFICACIÓN URBANA Y SU ENFOQUE EN REVISTAS CIENTÍFICAS

CRISTINA BOGGI DA SILVA RAFFAELLI


Instituto Geológico – IG, São Paulo-SP, Brasil – cristinaboggi@uol.com.br

RICARDO DE SOUSA MORETTI


Universidade Federal do ABC – UFABC, Santo André – SP, Brasil – ufabc.moretti@gmail.com

RESUMO aiming to characterize the main themes and identify


the topics that were absent. The results show that,
O presente trabalho tem por objetivo apresentar uma on the one hand, there are several studies addressing
análise das publicações realizadas em periódicos no risk in a multidisciplinary way in the context of urban
período de 2010 a 2018, na temática que aborda a in- planning, on the other hand, the publications on the
terface entre riscos geológicos e hidrológicos e planeja- subject still present several gaps in approach and
mento urbano. Os artigos foram selecionados em duas research topics that need to be deepened.
bases de dados, Capes e Scopus, a partir de algumas
palavras-chaves. Também foram analisadas as publi- Keywords: Civil defense and protection, Risk reduc-
cações recentes em periódicos com foco em riscos e tion, Disaster prevention, Urban planning.
desastres, buscando-se os textos que abordam o tema
do planejamento urbano. Os resultados foram siste-
matizados e analisados, buscando-se caracterizar os RESUMEN
principais temas tratados e identificar os tópicos que
se mostraram ausentes. Os resultados encontrados de- El presente trabajo tiene por objetivo presentar un aná-
monstram que, se por um lado, existem diversas pes- lisis de las publicaciones realizadas en periódicos en
quisas abordando o risco de forma multidisciplinar no el período de 2010-2018, en la temática que aborda la
contexto do planejamento urbano, por outro lado, as interfaz entre riesgos geológicos e hidrológicos y pla-
publicações na temática ainda apresentam várias lacu- nificación urbana. Los artículos fueron seleccionados
nas de abordagem e temas de investigação que preci- en dos bases de datos, Capes y Scopus, a partir de pa-
sam ser aprofundados. labras clave. También se analizaron las publicaciones
recientes en periódicos con foco en riesgos, buscando
Palavras-chave: Proteção e Defesa Civil, Redução de los textos que abordan el tema de la planificación urba-
riscos, Prevenção de desastres, Planejamento urbano. na. Los resultados fueron sistematizados y analizados,
buscando caracterizar los principales temas tratados e
identificar los tópicos que se mostraron ausentes. Los
ABSTRACT resultados encontrados demuestran que por un lado,
existen diversas investigaciones abordando el riesgo
The present work aims to present an analysis of journal de forma multidisciplinar en el contexto de la planifica-
publications in the period 2010-2018, in the theme ción urbana, por otro lado, las publicaciones en la temá-
that addresses the interface between risks geological tica todavía presentan varias lagunas de abordaje y te-
and hydrological and urban planning. The articles mas de investigación que necesitan ser profundizados.
were selected in two databases, Capes and Scopus,
from a few keywords. We also analyzed the recent Palabras claves: Defensa civil y protección, Reduc-
publications in journals with a focus on risks and ción de riesgos, Prevención de desastres, Planificación
disasters, seeking texts that address the theme of urban urbana.
planning. The results were systematized and analyzed,

64
RISCO E PLANEJAMENTO URBANO E SUA ABORDAGEM NOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS

1 INTRODUÇÃO ção dos artigos foi realizada em duas etapas no


Portal de Periódicos: nas bases CAPES e SCO-
Pesquisar as investigações já realizadas sobre PUS (49 artigos), e em periódicos especializados
uma determinada temática permite o entendimen- no tema de riscos e desastres (65 artigos). Foram
to sobre o avanço do conhecimento já disponível. utilizados critérios de buscas e refinamento das
O relatório da editora Holandesa Elsevier de 2017 amostras, de forma a se obter artigos qualificados
mostrou que no período de 2012 a 2016 foram no contexto internacional. Os resultados foram
publicados no mundo mais de 27 mil artigos em analisados, sendo possível também identificar la-
ciência do desastre, tratando-se de 0,22% do total cunas, por vezes indicadas nos próprios artigos
de artigos indexados na base de dados Scopus no estudados, ou na ausência de estudos sobre deter-
mesmo período (Pierro 2018). O relatório apresen- minados temas.
ta um perfil geral dos artigos sobre desastres, res-
saltando que o Brasil tem tradição nesse tipo de
pesquisa, principalmente relacionadas a desastres 2.1 Seleção de artigos para análise.
hidrológicos e geológicos (Mobed et al. 2017).
A| OBTENÇÃO DE AMOSTRAGEM INICIAL DE
Em 2012, após uma série de grandes desas-
ARTIGOS PARA ANÁLISE.
tres associados a processos geodinâmicos no Bra-
sil, foi instituída com a Lei 12.608/2012 a Política
a1| Primeira etapa da seleção.
Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDC). A
O objetivo desta primeira etapa da pesqui-
lei indica, entre outros aspectos, a necessidade
sa foi selecionar artigos qualificados que tratam
de tratar a questão das áreas de riscos não só em
prioritariamente de riscos geológicos e hidroló-
termos de preparação para respostas a desastres,
gicos com interface com o planejamento urbano,
mas notoriamente voltada para a prevenção e ar-
publicados em português, inglês e espanhol, nas
ticulando a atuação da Defesa Civil com este enfo-
bases CAPES e SCOPUS.
que. Desta forma, foi definido o tema da interface
Optou-se de início por um recorte temporal
da gestão de risco com o planejamento urbano sob
de dez anos, de 2008 a 2018. Não houve um recor-
a ótica da Lei 12.608/2012.
te espacial, possibilitando publicações com dife-
Ainda que a gestão de riscos de desastres
rentes origens. A classificação QUALIS não foi um
apresente um avanço significativo em anos recen-
recorte, mas apenas uma verificação.
tes, considera-se que a sua incorporação no plane-
A seleção de artigos no contexto especifica-
jamento territorial tem sido lenta e com importan-
do ocorreu por meio do uso de palavras-chaves;
tes lacunas de desenvolvimento técnico e teórico.
isto demandou testes e ajustes na medida em que
Para avaliar essa hipótese, foram identificados e
os artigos retornavam das buscas. Inicialmente as
analisados artigos qualificados e que contemplem
palavras utilizadas foram “risk area” em conjunto
diversos aspectos de temas relacionados ao assun-
com “urban plan”, “master plan” e “urban occu-
to. Os portais de periódicos constituem excelente
pation”. A definição das palavras-chaves contou
ambiente para pesquisas de artigos a partir de pa-
com apoio de contextos teóricos sobre áreas de
lavras chaves relacionadas aos temas de interesse,
risco, formação social do risco e as agendas am-
e que se apliquem à avaliação do estado da arte
bientais e urbanas, buscando artigos com foco na
em uma determinada área. Entre esses portais
interface entre prevenção de riscos e planejamen-
destacam-se as bases de dados CAPES e SCOPUS,
to urbano.
utilizados nesta pesquisa.
As bases CAPES e SCOPUS oferecem ferra-
mentas para um primeiro refinamento auxiliando
2 MÉTODOS a fechar o foco nos temas buscados por tipo de re-
curso (artigo), por tópicos de estudos, periódicos
Um total de 114 artigos foram identificados, revisados por pares, por data de publicação, por
sistematizados e analisados visando avaliar a in- idiomas, por local da publicação, dentre outros.
corporação da gestão de riscos ao planejamento Ao final, as buscas da primeira etapa retornaram
urbano territorial com foco na prevenção. A sele-

65
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

335 artigos na base CAPES e 167 artigos na base o retorno de amostras de artigos vinculados aos
SCOPUS. temas de interesse inicialmente elencados, assim
como a identificação de lacunas nos estudos. As
a2| Segunda etapa da seleção amostras das duas etapas passaram por processos
Dentre os periódicos selecionados na primei- de refinamento semelhantes. Foi realizada uma
ra etapa, alguns foram identificados pelo foco es- primeira triagem após a leitura dos títulos e re-
pecífico em riscos e desastres, como o Natural Ha- sumos. Seguiu-se uma segunda leitura expedita
zards, International Journal Disaster Risk Science, dos próprios artigos, identificando-se estudos de
Natural Hazards and Earth System Sciences, além casos vinculados aos temas de interesse da pes-
do Environment & Urbanization com característi- quisa, assim como lacunas de temas que se mos-
ca interdisciplinar. Percebeu-se a necessidade de traram ausentes desde as amostras iniciais mais
uma segunda etapa complementar de pesquisa a amplas.
ser realizada diretamente nestes periódicos, bus- Uma primeira seleção a partir da leitura dos
cando avaliar se em seu diálogo corrente faz parte títulos e dos resumos levou à escolha de 66 arti-
o tema da prevenção de riscos através do planeja- gos; após leitura expedita dos próprios artigos,
mento urbano. chegou-se à amostra final de 36 artigos. As buscas
Quanto aos critérios de seleção, manteve-se da primeira etapa foram finalizadas em janeiro de
a ausência de recorte espacial, porém o recorte 2016, sendo que as bases permitem que cada uma
temporal inicial foi alterado para 2010. A primeira das buscas seja salva e a seleção de novos artigos
etapa de seleção retornou um número irrelevante publicados continue a ocorrer de forma contínua
de artigos de interesse publicados antes de 2010. e automática. Desta forma, a partir do início de
Desta forma optou-se por este ajuste na data ini- 2016 até 2018, periodicamente foram encaminha-
cial de publicação nesta etapa, mais próxima à pu- das por e-mail listas de artigos resultantes das
blicação da PNPDEC. Em ambas as etapas prio- buscas automáticas; após a leitura dos títulos e
rizou-se a seleção de estudos de casos urbanos. resumos foram priorizados mais 13 artigos de in-
Foram selecionados estudos que relacionam áreas teresse. No total 49 artigos foram selecionados na
de risco com o planejamento urbano, abordando primeira etapa por tratarem da interface entre ris-
planos diretores, expansão urbana, ocupação de cos e planejamento, em várias escalas de aborda-
áreas suscetíveis, vulnerabilidades socioambien- gem. O gráfico 1 mostra as porcentagens de arti-
tais e a PNPDEC. Foram excluídos artigos que gos pré-selecionados e a seleção final para leitura
façam apenas revisão bibliográfica, ou somente integral, de acordo com sua origem, para as duas
comparação de ferramentas de representação geo- etapas das buscas da pesquisa.
gráfica do meio ambiente.

B| REFINAMENTO DA AMOSTRAGEM
A escolha de palavras-chaves cruzando ris-
co e planejamento urbano nas buscas permitiu

66
RISCO E PLANEJAMENTO URBANO E SUA ABORDAGEM NOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS

Gráfico 1. Artigos selecionados nas duas etapas da pesquisa, segundo porcentagens (e nú-
mero de artigos) da seleção final de acordo com periódicos de origem.
Fonte: Elaborado pelos autores, com base em Portal de Periódicos (2018).

O refinamento da amostra da segunda eta- 2.2 Sistematização dos arquivos


pa ocorreu diretamente nos periódicos específi- selecionados
cos, em parte apenas com a leitura dos títulos e
resumos, e em parte com uma busca inicial por A| ORGANIZAÇÃO DA AMOSTRAGEM QUAN-
palavras-chaves para posterior refinamento por TO À NATUREZA DOS PERIÓDICOS.
leitura dos títulos e resumos. Os artigos selecionados foram organizados
O periódico International Journal Disaster e quantificados nas duas etapas e os periódicos
Risk Science disponibilizou um total de 230 artigos foram agrupados por áreas do conhecimento. O
(2010 a 2018) e, desta forma, foi possível refinar quadro 1 mostra o quantitativo de artigos sele-
esta amostra para 31 artigos a partir da leitura dos cionados na primeira etapa e o quadro 2 de se-
títulos e resumos. Os periódicos Natural Hazards lecionados na segunda; ambos demonstram os
and Earth System Sciences, Natural Hazards, e o periódicos onde os artigos foram publicados e sua
Environment & Urbanization, possibilitaram bus- classificação QUALIS. Os periódicos internacio-
cas por palavras-chaves, retornando 800 artigos, nais foram destacados em itálico e com sombrea-
dos quais 34 foram selecionados após a leitura de do colorido.
títulos e resumos.

67
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Quadro 1. Número de artigos e QUALIS da primeira etapa (2008 a 2018).

ÁREA PERIÓDICO – CAPES / SCOPUS QUALIS N° DE ARTIGOS


Ambiente e Sociedade. A2 2
Ciência e Natura B2 1
Cuadernos de Vivienda y Urbanismo A2 1
Current Opinion in Environmental A1 1
Environmental Earth Sciences A2 1
GEOUSP B1 1
Habitat International A1 1
Ocean & Coastal Management B1 1
Planejamento Urbano e Regional Revista Ciência e Cultura B1 1
REVISTA FAMECOS B1 1
Revista Geográfica Acadêmica B3 1
Ciência e Saúde Coletiva A2 4
GEO UERJ B1 2
Water Resources A1 1
Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana A2 1
Journal of Cleaner Production A1 1
Land Use Policy A1 1
Ra’e Ga B4 6
PLoS ONE B2 1
Arquitetura, Urbanismo e design
Journal of Hydrology A1 2
Landscape And Urban Planning A1 3
Arquitectura y Urbanismo
Interdisciplinar B2 1
interdiscipl.
Administração Pública e de
GeAS B2 1
Empresas
Climate Research B1 1
Remote Sensing of Environment A1 1
Geociências
Revista Brasileira de Geociências B1 1
Revista Escola de Minas B2 1
Journal Of Maps B1 1
Geografia
Natural Hazards and Earth System Sciences A1 1
Engenharia Environment and Urbanization B1 1
Revista Geografica Venezolana B1 1
Environmental Research Letters A1 1
Ciências Ambientais
Opinião Pública B1 1
Regional Environmental Change A1 1
International Journal of Disaster Risk Science
1
Não definida Reduction Sem QUALIS
Boletín Geográfico 1
Quantidade de artigos 49
Quantidade de periódicos 37

Fonte: Elaborada pelos autores, com base em Qualis Periódico (2019), Portal de Periódicos (2018).

68
RISCO E PLANEJAMENTO URBANO E SUA ABORDAGEM NOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS

Quadro 2. Número de artigos e QUALIS da segunda etapa (2010 a 2018).

ÁREA PERIÓDICO – CAPES / SCOPUS QUALIS N° DE ARTIGOS

Arquitetura, Urbanismo e design Natural Hazards A1 7

International Journal of Disaster


Não definida Risk Science Sem QUALIS 31

Natural Hazards and Earth


Geografia A1 21
System Sciences

Engenharia Environment & Urbanization B1 6

Total de artigos 65
Total de periódicos 4

Fonte: Elaborada pelos autores, com base em Qualis Periódico (2019), Portal de Periódicos (2018).

Dentre os artigos selecionados na segunda nados. Esta espacialização ajuda na contextualiza-


etapa, 80% são oriundos do International Journal ção e análise dos resultados.
Disaster Risk Science e do Natural Hazards and Os riscos geológicos e hidrológicos sofrem in-
Earth System Sciences (Gráfico 1). fluência dos índices de chuva locais, assim como
de aspectos socioeconômicos e formas de ocupa-
B| DISTRIBUIÇÃO DOS ARTIGOS POR PAÍSES. ção do território. Estes aspectos precisam ser con-
O mapa 1 mostra a distribuição espacial dos siderados na leitura dos artigos para comparações
estudos selecionados, ou seja, os 49 artigos da pri- válidas entre países. Verifica-se o predomínio de
meira etapa da pesquisa, e os 65 artigos da segun- autores e de estudos de casos do Brasil e em par-
da etapa, num total de 114 artigos. Optou-se pela te, esse resultado se justifica porque um dos crité-
apresentação em forma de mapa, pois proporcio- rios de seleção é a Política Nacional de Proteção e
na uma visualização mais didática e sintética da Defesa Civil – PNPDEC.
distribuição espacial dos estudos de casos selecio-

69
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

LEGENDA Símbolo proporcional ao número de estudos de casos no país.

Mapa 1. Países estudados nos 114 artigos selecionados, 2008 a 2018.


Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados encontrados.

2.3 Análise dos artigos selecionados. -chaves do artigo, temas principais abordados, lo-
cal do estudo de caso, além do método utilizado
Os 114 artigos da seleção final foram conside- na pesquisa. Estes dados foram tabulados e a par-
rados para análise e identificação de temas mais tir deles foi possível elaborar os gráficos e demais
presentes ou os que foram pouco abordados. Du- planilhas de apoio para elaboração das análises e
rante a leitura dos artigos foram elencadas e tabu- quantitativos.
ladas diversas características dos estudos de casos Para cada artigo foi elaborada uma ficha sín-
que forneceram um detalhamento adequado para tese dos assuntos tratados, assim como cópia de
a análise dos resultados obtidos. trechos importantes para futuras citações. Esta
Quanto aos artigos foram registradas as in- síntese subsidiou o trabalho seguinte de identifi-
formações referentes à base e periódico de ori- cação de temas. O gráfico 2 mostra os quantitati-
gem, aos autores, ao vínculo com instituições, país vos de artigos por temas abordados.
de origem do autor, ano de publicação, palavras-

70
RISCO E PLANEJAMENTO URBANO E SUA ABORDAGEM NOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS

Gráfico 3. Primeira e segunda etapas – Temas agrupados.


Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados encontrados.

Gráfico 2. Temas dos artigos selecionados nas duas etapas,


2008 a 2018. 3 RESULTADOS E ANÁLISES
Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados encontrados.
Conforme já explicado na metodologia, obte-
Os temas anteriores foram agrupados pos- ve-se uma amostra significativa de artigos e foram
sibilitando análises sintéticas vinculadas às dis- identificados os principais temas e lacunas que se
cussões dos resultados, em torno dos seguintes relacionavam com os objetivos da pesquisa. Os ar-
tópicos: tigos foram sistematizados e agrupados de acordo
‚ A construção social do risco, origem e inten- com os temas conforme descrito a seguir.
sificação dos riscos com a expansão urbana e
o crescimento acelerado das cidades; 3.1 Gestão de risco e Planejamento
‚ A incorporação do risco ao planejamento ur- territorial: Temas abordados.
bano, aos planos diretores, às leis de uso do
solo; 3.1.1 O risco como construção social
‚ Ocupação de áreas suscetíveis a escorrega-
mentos e inundações, e vulnerabilidades no O risco é um perigo calculável, pois um pro-
estudo do risco; cesso perigoso torna-se um risco a partir do mo-
‚ A gestão do risco na pauta das políticas pú- mento em que sua ocorrência é previsível. O risco
blicas, a PNPDEC e governança. pode ser calculado em função do Perigo/susce-
tibilidade, da exposição de pessoas e bens (Dano
A análise e sistematização dos artigos ilumi- potencial) e das condições de vulnerabilidade das
naram algumas lacunas muitas vezes levantadas populações e bens expostos. Diversos autores tra-
pelos próprios artigos. Desde a amostra inicial de tam da avaliação do risco, como Cerri e Amaral
artigos alguns temas se mostraram pouco presen- (1998), Nogueira (2002), Veyret (2007), Cardona
tes, como os que abordam e qualificam as pessoas (2007), Tominaga et al. (2009) e Valêncio et al.
em situação de risco, presente somente em Valên- (2009). A vulnerabilidade, um fator fundamental
cio; a relação direta entre planejamento urbano e na análise de risco, expressa o grau de predisposi-
a gênese do risco; e o controle na destinação de ção ao dano de um elemento ou grupo de elemen-
áreas com alta suscetibilidade que foram objeto de tos (pessoas e bens) expostos à manifestação de
processos de remoção. um fenômeno perigoso (Cardona 2001). A redu-
ção da vulnerabilidade influi de forma direta na

71
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

redução do risco, tratando-se de um conceito cha- dade de ações concretas na redução da vulnera-
ve para se entender a construção social do risco. bilidade. Apesar dos vários estudos teóricos no
No Brasil identifica-se um processo constante tema, ainda são grandes as dificuldades de se
de formação de novas áreas de riscos, principal- efetivá-los em ações práticas.
mente de ordem geológica e hidrológica, impul-
sionadas pela pobreza e desigualdade na distri-
buição de renda. Uma parcela da população não
3.1.2 A incorporação do risco no
consegue ter acesso à moradia através do mercado planejamento urbano
formal, se instalando em cortiços, favelas ou peri-
O Planejamento Urbano passa por uma crise
ferias de expansão urbana, muitas vezes expostas
na década de 1980, quando no contexto interna-
a riscos por ocupar terrenos com alta suscetibili-
cional surgem novas propostas em três vertentes
dade natural a eventos.
principais, uma delas comprometida com a “cida-
Verifica-se a produção de um espaço de ris-
de justa” (Randolph 2007). As cidades são resulta-
cos desiguais, sem justiça social, onde alguns se
do de um processo histórico-geográfico contínuo,
apropriam das “externalidades” positivas e ou-
no qual processos “sociais” e “naturais”, combi-
tros sofrem as consequências adversas por não
nados, resultam no que Swyngedouw denomina
disporem de condições econômicas ou recursos
como objeto “híbrido” ou “ciborgue”. (Swynge-
para ocupar e construir de forma segura (Rosell &
douw 2009). A “cidade justa” implica na capaci-
Zinger 2009, Nascimento & Fonseca Matias 2011,
dade do Estado em alocar os aspectos ambientais
Young 2013, Ríos 2015). Ainda em Valêncio (2014,
positivos e negativos (Lynch 2001).
p. 3640):
O Planejamento Urbano no Brasil participa
É plausível considerar certos tipos de ameaças da busca de reverter a lógica capitalista de produ-
como naturais, mas não os desastres, uma vez ção do espaço a partir do Movimento de Reforma
que são produzidos socialmente. Os processos so- Urbana, conseguindo avanços na Constituição Fe-
cioambientais que engendram, simultaneamente, deral de 1988 nos artigos 182 e 183, com o direito à
a precariedade das condições de vida, da prote-
moradia e a função social da propriedade (Amore
ção social oferecida e da territorialização dos gru-
pos sociais empobrecidos favorecem a ocorrência 2013). Apesar dos avanços, alguns instrumentos
de desastres. foram incorporados somente treze anos depois
com a Lei nº 10.257/ 2001, ou Estatuto da Cidade
Rosell & Zinger (2009) apresentam um estu- (EC). O EC reforçou o Plano Diretor (PD) como
do de caso na Argentina, onde tratam a conver- “instrumento básico da política de desenvolvi-
gência de fatores físicos, sociais e de evolução do mento e expansão urbana”, tornando-o obrigató-
uso do solo como determinantes das recorrentes rio para um grande número de cidades e fixando
inundações. Cita Cardona (1994) a teoria de que o outubro de 2006 como limite para sua elaboração,
risco é uma categoria social e, como tal, possui um com revisões a cada dez anos (Brasil 2001).
processo de construção. A PNPDEC alterou legislações de planeja-
Outro aspecto a se destacar é abordado por mento urbano, incluindo a percepção das áreas
Souza (2008) que observa que um desastre expri- de risco e das áreas suscetíveis, além de definir
me a materialização da vulnerabilidade social; as- atribuições específicas às diversas esferas de go-
sim, a definição de área de risco no Brasil deve verno. O artigo 3º-A da Lei 12.340/2010 trata da
ser vista como resultado da interface de uma instituição do “Cadastro Nacional de Municípios
população marginalizada e um ambiente físico Críticos com Áreas Suscetíveis”, sobre os quais re-
deteriorado. cai a maior parte das atribuições, mas que, infeliz-
Ao final de 2017 foi publicado um livro abor- mente, até hoje não está em vigor.
dando a interface risco e planejamento urbano e A PNPDEC alterou legislações de planeja-
verifica-se no segundo capítulo em Smith et al. mento urbano, incluindo a percepção das áreas de
(2017), um estudo acerca da construção social do risco e das áreas suscetíveis, além de definir atri-
risco e suas causas básicas, reforçando a necessi- buições específicas às diversas esferas de governo.

72
RISCO E PLANEJAMENTO URBANO E SUA ABORDAGEM NOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS

O artigo 3º-A da Lei 12.340/2010 trata da institui- planos diretores municipais para minimizar em
ção do “Cadastro Nacional de Municípios Críti- diferentes escalas os principais riscos.
cos com Áreas Suscetíveis”, sobre os quais recai O periódico Natural Hazards and Earth Sys-
a maior parte das atribuições. Somente nove anos tem Sciences trouxe em Luino et al. (2012), um es-
depois este cadastro foi instituído pelo Decreto tudo de caso sobre a cidade de Alba, onde ocorreu
n°10.692, de 3 de maio de 2021 (BRASIL, 2021), uma grande inundação em 1994, a partir de quan-
porém cabendo ao próprio município realizar sua do se iniciaram diversos estudos para revisar o
inscrição, o que enfraqueceu muito a proposta ini- planejamento urbano da cidade no entorno do rio
cial do cadastro. Alba. Ainda no mesmo periódico identifica-se um
O EC foi revisado pela PNPDEC quanto ao artigo brasileiro que trata da necessidade urgente
ordenamento e controle do uso do solo, de forma de se desenvolver políticas públicas para conter a
a evitar a exposição da população a riscos de de- ocupação de áreas suscetíveis, em Mendes et al.
sastres. O PD passa a ser obrigatório para cida- (2018).
des incluídas no Cadastro. Já os Municípios que Por fim, a PNPDEC relaciona a importância
pretendam ampliar o seu perímetro urbano, inde- do planejamento urbano na prevenção dos ris-
pendente do Cadastro, devem elaborar projeto es- cos e os problemas decorrentes da expansão da
pecífico, incluindo a delimitação dos trechos com ocupação nos municípios. A PNPDEC afirma a
restrições à urbanização e dos trechos sujeitos a importância dos municípios mais críticos quanto
controle especial em função de ameaça de desas- às áreas de risco revisarem seus Planos Diretores
tres naturais (Brasil 2012). incorporando o conhecimento das características
A interface entre Planos Diretores e áreas naturais dos terrenos tanto em áreas indevida-
de risco, e a indicação da necessidade do plane- mente ocupadas como nas áreas apropriadas para
jamento urbano ser tecnicamente suportado pela expansão urbana, no contexto de uma melhor ges-
geologia são temas sistematicamente abordados tão do território municipal (Coutinho et al. 2015).
nos artigos analisados. Os estudos apontam que
investimentos em ações preventivas que buscam
evitar a ocupação intensiva em áreas propensas a
3.1.3 Áreas suscetíveis e vulnerabilidades no
desastres trazem retorno eficaz quando compara- estudo do risco
dos ao custo da perda de vidas e bens materiais na
Vários autores tratam da importância de se
ocorrência de um desastre. Por outro lado, remo-
coibir a ocupação de áreas sujeitas a processos pe-
ver pessoas implica em altos custos monetários
rigosos, ou de áreas suscetíveis, através da indica-
e pode causar impactos sociais nas populações
ção destas áreas nos zoneamentos e planos dire-
afetadas (Compagnoni et al. 2009, Nascimento &
tores municipais, tratando também da PNPDEC
Fonseca Matias 2011, Costa & Nishiyama 2012,
com este enfoque (Compagnoni et al. 2009, Garcia
Travassos 2012, Kim & Rowe 2013, Saito & Peller-
et al. 2012, Saito & Pellerin 2013, Martinez-Graña
in 2013, Young 2013, Ríos 2015).
et al. 2014, Tehrany et al. 2014 e Jebur et al. 2014).
Em Kim & Rowe (2013) verifica-se que o
Quanto ao mapeamento de áreas suscetíveis,
cumprimento estrito dos planos diretores pode
foram publicados diversos artigos recentes tratan-
ser menos atribuído à legitimidade teórica de um
do de metodologias e sua validação em estudos de
plano e mais às escolhas pragmáticas feitas pelos
casos. Apesar de termos diversos estudos técnicos
municípios locais para coordenar a urbanização
sobre a suscetibilidade, ainda são poucos os estu-
em larga escala. Os resultados indicam que os pla-
dos que analisam a relação entre essa suscetibili-
nos urbanos devem ser feitos de acordo com a dis-
dade, a vulnerabilidade e o risco, de forma a sus-
tribuição das áreas potencialmente suscetíveis ​​aos
tentar ações de planejamento. Dentre eles aparece
diferentes processos, para se evitar investimentos
o de Mendes et al. (2018) e de Martinez-Graña et
em expansão urbana em áreas altamente propen-
al. (2014). O primeiro trata de um estudo de caso
sas a desastres. Identifica-se um exemplo prático
em Campos do Jordão e aponta ser imprescin-
na China a partir da década de 1980 utilizando
dível a análise da vulnerabilidade da população

73
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

exposta aos perigos em sobreposição às suscetibi- tem feito parte das pesquisas acadêmicas e aos
lidades nas análises de riscos. O segundo escreve poucos vem se incorporando no âmbito das po-
sobre riscos, áreas suscetíveis e vulnerabilidades líticas públicas. Tais fatos se deram pelo aumento
na Espanha, afirmando que o fator chave para mi- de perdas humanas e aumento nos impactos eco-
nimizar o risco de deslizamentos de terra são o nômicos derivados de desastres no mundo, assim
monitoramento das chuvas e o planejamento do como pela responsabilização dos governos por
uso da terra. Ele sugere que os mapas podem ser parte destas perdas. Cabe lembrar que no Brasil
utilizados pelo governo para criar setores de ocu- identifica-se uma mudança no conceito inicial de
pação proibida ou restrita em áreas de alto risco. “vítima de desastre” existente na década de 1960,
Anterior à PNPDEC, um artigo já tratava da quando a partir da década de 1980 o Estado passa
necessidade de relacionar a forma de ocupação do a ser responsabilizado judicialmente por negli-
território, as injustiças sociais e a vulnerabilidade gência. Esta conjuntura revelou a necessidade de
socioespacial com o planejamento de ações da De- ações preventivas de redução de riscos e não mais
fesa Civil, visto que em cidades brasileiras a res- apenas medidas de remediação e resposta.
trição de acesso à terra tem impacto no aumento A partir da década de 2010 no Brasil iniciou-
dos desastres. (Valêncio 2010). -se um maior debate acerca dos conceitos de ris-
O debate sobre a teoria social do risco, sobre co ambiental na pauta das políticas públicas, no
o estudo dos processos que geram as condições contexto da PNPDEC (Costa & Conceição 2012,
materiais para sua ocorrência, sobre a importân- Nogueira et al. 2014).
cia da abordagem conjunta da evolução do uso do Em Vaz e Rony (2011) se elabora o conceito
solo com a vulnerabilidade socioambiental, e por de vítima virtual no contexto do desastre ocorrido
fim sobre como os riscos se tornam globais tendo na região serrana do Rio em Janeiro de 2011. Por
a vulnerabilidade como responsável pela desi- um lado, os veículos de comunicação anunciaram
gualdade na distribuição dos danos que se inten- a catástrofe como resultante da incompetência
sificam num contexto de mudanças climáticas, é em se coibir a ocupação de áreas de encostas com
encontrado nos seguintes trabalhos: Souza (2008), alto risco de deslizamento; por outro, o governo
Rosell & Zinger (2009), Valêncio (2010), Kazmier- de Dilma Roussef associou a catástrofe ao déficit
czak & Cavan (2011), Freitas et al. (2012), Lopez & habitacional, resgatando a desigualdade como a
Sangabriel (2012), Gamba & Costa (2012), Olím- principal causa dos desastres.
pio et al. (2013), Saito & Pellerin (2013), Freire et Aspecto a se destacar sobre a relação da ges-
al. (2014), Spink (2014), Aledo & Sulaiman (2014), tão de risco de desastres com políticas públicas
Torrens & Jurio (2014), Ríos (2015), Inouye et al. de planejamento do território é apresentado por
(2015), Boughedir (2015), Coutinho et al. (2015). Coutinho et al. (2015), principalmente quanto a
Cabe ainda lembrar a desumanização dos inibir a ocupação de áreas ambientalmente vulne-
afetados nos desastres, tema abordado em Valên- ráveis e de risco, em acordo com os objetivos da
cio (2014), que fala dos equívocos dos ditames do PNPDEC, e reforçando a necessária atuação dos
conhecimento científico que inspiram e calibram a estados e municípios nas suas respectivas compe-
ação do Estado e seus reflexos no meio social. Va- tências suplementares.
lêncio (2010) também analisa a PNPDEC com foco
nas vulnerabilidades sociais dos afetados, falta de
confiança nos sistemas de proteção, e falhas nas
3.2 Gestão de risco e Planejamento
práticas institucionais e das comunidades, em um territorial: Lacunas
contexto de pré e pós-desastres.
3.2.1 A pessoa afetada pelo risco

3.1.4 A gestão de riscos na pauta das Poucos são os artigos publicados em periódi-
cos que estudam e qualificam as pessoas em situa-
políticas públicas
ção de risco. A visão tecnicista privilegia o estudo
A temática dos riscos associados a problemas das metodologias de análises matemáticas, dos
ambientais nas últimas décadas cada vez mais
74
RISCO E PLANEJAMENTO URBANO E SUA ABORDAGEM NOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS

processos e dos riscos, em detrimento de análises para que as leis funcionem efetivamente (Couti-
sociais mais complexas (Valêncio 2010). nho et al. 2015). Em Mendes et al. (2018), podemos
Valêncio ainda faz uma dura crítica sobre ver uma investigação mais concreta acerca do
dotar a população de uma “percepção de risco”, tema num estudo de caso em Campos do Jordão,
como se ignorassem o risco e estivessem nessa si- em que os autores analisam o risco de escorrega-
tuação por opção; enquanto outros autores con- mento através da sobreposição de áreas suscetí-
sideram ser uma ação necessária, como em Saito veis com a vulnerabilidade da população.
e Pellerin (Valêncio 2010, Saito & Pellerin 2013). A pesquisa não encontrou artigos que tratas-
Ainda quanto aos desastres, Valêncio (2010, 2014) sem da redução da vulnerabilidade em exemplos
alerta para o fato da falta de rigor nas estatísticas práticos. O acesso a uma moradia digna e segura
que mensuram seus impactos macroeconômicos e através de programas públicos de Habitação ou
a falta de registros da situação das pessoas afeta- Regularização Fundiária pode reduzir a vulne-
das no pós-desastre, nas remoções e nos abrigos rabilidade da população de menor renda, desta
temporários. Aponta que em contextos sociais de forma diminuindo sua própria situação de risco,
afluência de investimentos os desastres podem ter porém esse tema, assim como as dificuldades e
repercussões promissoras, ao contrário de contex- impedimentos legais para se implantar progra-
tos de pobreza, onde ocorrem grandes retrocessos mas públicos em áreas de risco, não foram identi-
econômicos. ficados em artigos dos periódicos durante a reali-
Uma publicação recente da prefeitura de zação da pesquisa.
São Paulo, que não faz parte das bases de busca, Nos artigos analisados predomina a abor-
traz um informe detalhando aspectos socioeconô- dagem teórica sobre a importância da vulnera-
micos das pessoas que estão nos setores de risco bilidade na análise do risco, com poucos estudos
do município, possibilitando entender um pouco concretos relacionados à suscetibilidade. Trata-se
melhor esse contexto social (São Paulo 2018). de um assunto que necessita de maiores investi-
gações porque pode auxiliar no entendimento dos
fatores que dão origem ao risco nas diversas situa-
3.2.2 O planejamento urbano e a gênese do ções de falta de moradia adequada.
risco

Entre os artigos pesquisados a gênese do 3.2.3 Controle na destinação de áreas de


risco, ou seja, os condicionantes do meio físico e alta suscetibilidade que foram objeto de
os sociais que deflagram uma situação de risco, processos de remoção
ainda não é um tema tratado com o devido peso
e importância quando relacionado às possibilida- Coibir ou controlar a ocupação de áreas de
des de ações concretas pelo planejamento urbano. alta suscetibilidade é de grande importância, le-
Alguns estudos tratam do risco como resultado vando em conta que boa parte da população não
da vulnerabilidade e do perigo, outros falam de consegue ter acesso às áreas mais propícias à ur-
suscetibilidade e vulnerabilidade. Porém nos ar- banização. Da mesma forma, é grave o problema
tigos não foi encontrada uma abordagem clara e e o risco de reocupação de áreas que foram ob-
concreta destes como subsídio ao planejamento jeto de processos de remoção da população, em
com objetivo de intervir na gênese do risco. função da presença de problemas geotécnicos.
Coutinho cita outros autores que tratam da Apesar desta importância, estes temas não foram
formação de áreas de risco associadas à expansão identificados nos poucos artigos que tratam de
urbana e à incapacidade do Estado em atender a suscetibilidade. Trata-se de uma grande lacuna
demanda por moradias. Estes tratam da PNPDEC, que traz retrocessos nas ações tanto de mitigação
planos diretores, mapeamentos de áreas suscetí- como de prevenção de riscos, porque não se sabe
veis, controle do uso e ocupação do solo, análise ao certo o que fazer com essas áreas de alta susce-
das vulnerabilidades socioambientais e, por fim, tibilidade em contextos de expansão da ocupação.
a necessidade de articulação das ações públicas

75
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS indicando também que o assunto ainda não é prio-


ridade nos mesmos. Cabe lembrar que o periódi-
A opção de utilizar predominantemente ar- co International Journal of Disaster Risk chegou a
tigos qualificados como fonte de dados para ava- fazer chamada específica indicando a necessida-
liação do estado da arte sobre o tema das áreas de de de construir essa ponte (Shi et al. 2012). Para
risco e planejamento urbano se mostrou adequa- melhor compreensão, foi utilizada a Plataforma
da, visto que foi possível ter acesso a estudos com Sucupira, base de referência do Sistema Nacional
grande variedade e qualidade, oriundos de diver- de Pós-Graduação, para verificar a classificação
sas localidades e instituições, que abordaram uma QUALIS de periódicos relacionados ao risco e de-
série de aspectos relacionados ao tema. sastres, perante as diversas áreas do conhecimen-
A primeira etapa da pesquisa, realizada nas to (Qualis Periódico 2019). A busca com a palavra
bases CAPES e SCOPUS permitiu identificar pe- “risk” no título retornou um único periódico com
riódicos com foco no tema do risco, mas que abor- QUALIS “A1” em planejamento, o “Human and
dam também o planejamento urbano, direcionan- Ecological Risk Assessment”. A busca com as pala-
do assim uma segunda etapa complementar de vras “disaster, hazards, risco e desastres” no título
pesquisa diretamente nestes periódicos. retornou apenas o periódico Natural Hazards com
Verificou-se um relativo equilíbrio entre a QUALIS em Arquitetura e urbanismo, mas não
quantidade de artigos da pré-seleção e da seleção em planejamento urbano.
final na primeira fase, ao contrário da segunda, De acordo com os critérios estabelecidos
onde a amostra da seleção inicial e da seleção final para a seleção de artigos no âmbito desta pesqui-
se mostraram desproporcionais, principalmente sa, conforme consta no gráfico 2 , o tema mais en-
em relação aos periódicos Natural Hazards and contrado foi o da vulnerabilidade relacionada às
Earth System Sciences e International Journal Di- áreas de risco. O risco relacionado ao planejamen-
saster Risk Science. to e expansão urbanos aparecem como os temas
As buscas utilizando palavras-chaves vincu- seguintes mais predominantes. Os demais temas
ladas aos temas pré-definidos possibilitou agru- aparecem equilibrados, com leve predomínio de
par os artigos de forma sistemática para as aná- estudos relacionados à ocupação de áreas suscetí-
lises, assim como a identificação de lacunas. A veis. Por consequência, as teorias acerca da vulne-
tabulação dos resultados propiciou a classificação rabilidade e construção social do risco se apresen-
dos artigos selecionados por temas, por data de taram mais consolidadas nos artigos estudados.
publicação, por localização, por tipo de periódico Por outro lado. verifica-se que foram encontrados
de origem, dentre outras. Observou-se que predo- poucos estudos que abordam planos diretores e
minaram dentre os artigos selecionados autores prevenção do risco, demonstrando que se trata de
e estudos de casos do Brasil. Em menor número um tema recente, principalmente no Brasil.
também foram selecionados artigos da Argentina, A pesquisa realizada conseguiu levantar ar-
Colômbia, México, Haiti e Malásia, assim como tigos significativos sobre a interface entre riscos
da Espanha, França, Inglaterra, Turquia, USA, e planejamento urbano na década recente, mos-
China e Coréia. Alguns países possuem uma cul- trando como este tema de interface é apresentado
tura mais antiga de prevenção de riscos, proteção nos periódicos, parte deles qualificados na área de
e defesa civil, como a China e Coréia do Sul. Ou- planejamento urbano e regional. Porém foi neces-
tros apresentam contexto de legislações muito re- sário pesquisar em diferentes bases e periódicos
centes, como a Argentina, Colômbia e Brasil. para formar uma amostra que permitisse a garim-
Os periódicos selecionados na primeira etapa pagem de artigos para as análises.
de forma predominante possuem boa classifica- Através dos estudos selecionados vinculados
ção QUALIS, parte deles na área de Planejamento aos temas prioritários da pesquisa, foi possível
Urbano e Regional. Os periódicos específicos da visualizar de forma mais concreta em experiên-
segunda etapa não possuem classificação QUA- cias nacionais e internacionais as possibilidades
LIS nessa área, o que indica que publicações com do alcance do planejamento urbano ao incorporar
esta interface ainda ocorrem em pequeno número, instrumentos de redução de riscos geológicos e

76
RISCO E PLANEJAMENTO URBANO E SUA ABORDAGEM NOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS

hidrológicos. Os artigos selecionados mostraram AGRADECIMENTOS


a relevância do tema em vários países, de diferen-
tes culturas, mas com problemas assemelhados Agradeço ao Programa de Pós-Graduação da
aos que ocorrem no Brasil, em especial quanto aos UFABC em Planejamento e Gestão do Território,
riscos geológicos e hidrológicos, quanto às dificul- onde durante o percurso de aprendizado foi pos-
dades de implementar o planejamento e quanto à sível iniciar e elaborar este artigo.
ocupação inadequada do território devido a fato-
res de ordem econômica e social.
REFERÊNCIAS
Verificam-se bons exemplos de iniciativas
locais em criar um ordenamento na ocupação do Aledo A. & Sulaiman S. 2014. La incuestionabili-
território com intuito de prevenir os riscos de de- dad del riesgo. Ambiente e Sociedade, São Paulo,
sastres, principalmente em países asiáticos com v. 17, n. 4, p. 9-16, 2014. ISSN 1414753X.
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com histórico de desastres. Amore C.S. 2013. “Reforma Urbana já“ e “Nunca
No Brasil, principalmente a partir de 2012, antes na História desse país“: Bordões de um Im-
são publicados artigos que tratam da PNPDEC e passe. In: Amore, C.S. Entre o nó e o fato consu-
da importância de se incorporar o meio físico ao mado, o lugar dos pobres na cidade. Um estudo
planejamento urbano para orientar a ocupação do sobre as ZEIS e os Impasses da Reforma Urbana
território e prevenir o risco de desastres. É visível na atualidade. Tese de doutoramento, Faculdade
o aumento nas publicações em 2012 e 2014, possi- de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
velmente devido aos desastres ocorridos no Brasil São Paulo – FAU-USP, São Paulo, 283 p.
na década de 2010 e à própria PNPDEC.
Foi também possível identificar lacunas sig- Boughedir S. 2015. Case study: disaster risk mana-
nificativas de estudos de natureza social, sendo gement and climate change adaptation in Greater
imprescindível estudar os aspectos sociais das Algiers: overview on a study assessing urban vul-
pessoas em situação de risco, o que levou essas nerabilities to disaster risk and proposing measu-
pessoas a buscarem abrigo numa área que oferece res for adaptation. Current Opinion in Environ-
altos riscos à sua segurança, quais os laços que a mental Sustainability, França, v. 13, p. 103-108.
prendem a esta situação e se existem perspecti- ISSN 1877-3435.
vas. A necessidade de trabalho de campo assíduo
e a longo prazo, com realização de entrevistas e Brasil 2001. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001.
maior interação com os moradores, pode explicar Brasília: Diário Oficial da União, seção 1, edição
essa ausência. Estudos podem se encaminhar nes- nº 133.
sa direção, com a análise concreta dos fatos que
Brasil 2010. Lei nº 12.340/10, de 1º de dezembro
levam as pessoas a se colocarem e permanecerem
de 2010. Brasília: Diário Oficial da União.
em situação de risco, quando ocupam áreas de
alta suscetibilidade a processos geológico-geotéc- Brasil 2012. Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012.
nicos. Este tema se relaciona à busca de soluções Institui a Política Nacional de Proteção e Defesa
para o controle e destinação de áreas impróprias Civil – PNPDEC. Brasília: Diário Oficial da União,
à ocupação, além de áreas que foram objeto de seção 1, edição nº 70.
remoção.
Os resultados obtidos confirmaram a hipóte- Cardona O. D. 1994. Prevención de desastres y
se de uma lenta e difícil incorporação dos estudos participación ciudadana. In: Allan Lavell (comp.).
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SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE
MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS:
UM PANORAMA PRELIMINAR A PARTIR DE
MODELAGEM ESTATÍSTICA E MORFOMÉTRICA
GEOLOGICAL SUSCEPTIBILITY OF MINING DAMS IN THE STATE OF MINAS GERAIS: A
PRELIMINARY OVERVIEW FROM STATISTICAL AND MORPHOMETRIC MODELING

FABIO DE LIMA NORONHA


Agência Nacional de Mineração – ANM; Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil; fabio.noronha@anm.gov.br

RESUMO ABSTRACT

O risco de acidentes e desastres relacionados a falhas The risk of accidents and disasters related to failures in
no projeto, construção, operação e manutenção de bar- the design, construction, operation, and maintenance
ragens constituem tema de estudo bastante recorrente. of dams is a recurring topic of study. Nevertheless,
Porém, poucos são os trabalhos que relacionam a pos- few works relate the possibility of failures in dams
sibilidade de falhas em barragens com processos geo- to geological processes that occur in the environment
lógicos que ocorrem no ambiente que as cercam. Pa- that surrounds them. Paradoxically, it is not rare to
radoxalmente, não são raros os registros na literatura find records in the related literature in which extreme
em que eventos pluviométricos extremos, enxurradas pluviometric events, flash floods, and mass movements
e movimentos de massa no entorno das estruturas fo- around the structures triggered or contributed to the
ram deflagradores ou contribuíram para a sua ruptu- dam rupture. The present research aims to contribute
ra. A presente pesquisa busca contribuir com o tema to the dam safety theme, from the identification of
da segurança de barragens, a partir da identificação scenarios of natural susceptibility to landslides, debris
de cenários de suscetibilidade natural à deflagração flows, and flash floods in the lands surrounding
de deslizamentos, corridas e enxurradas nos terrenos the mining dams in the state of Minas Gerais. For
do entorno das barragens de mineração no estado de such, a statistical and morphometric modeling of
Minas Gerais. Para tal, executou-se uma modelagem the natural susceptibility to mass movements and
estatística e morfométrica da suscetibilidade natural a hydrological processes was performed by the use
movimentos de massa e processos hidrológicos, atra- of geoprocessing tools in variables derived from the
vés do emprego de ferramentas de geoprocessamento digital elevation model (DEM) and photointerpretation
em variáveis derivadas de modelo digital de elevação such as geological lineaments, slope and curvature
(MDE) e fotointerpretação, tais como lineamentos geo- of the terrain. The final result is the construction of a
lógicos, declividade e curvatura do terreno. O produto geographic information system (GIS) with the zoning
final é a construção de um sistema de informação geo- of susceptibility to mass movements of all mining
gráfica (SIG) com o zoneamento da suscetibilidade a dams in the state of Minas Gerais officially registered
movimentos de massa de todas as barragens de mine- with the National Mining Agency (NMA). The zoning
ração do estado de Minas Gerais, oriundas do cadastro enabled the calculation of statistics for the studied
oficial da Agência Nacional de Mineração (ANM). O dams universe, based on the geological susceptibility
zoneamento permitiu o cálculo de estatísticas para o of their location. The results demonstrate that 38%
universo de barragens estudado, com base na susceti- of the land surrounding the dams has medium to
bilidade geológica de seus sítios de locação. Os resulta- high susceptibility to landslides, and that 30% of the
dos demonstram que 38% dos terrenos no entorno das

81
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

barragens possuem média a alta suscetibilidade a de- structures are located in drainage basins with high
flagração de deslizamentos, e que 30% das estruturas susceptibility to flash flood or debris flow processes.
estão locadas em bacias de drenagem com alta susce-
tibilidade aos processos de enxurradas ou de corridas Keywords: Susceptibility, Mass movements, Flash
de massa. Floods, Dam safety, Mining dams.

Palavras-chave: Suscetibilidade, Movimentos de mas-


sa, Enxurradas, Segurança de Barragens, Barragens de
Mineração.

1 INTRODUÇÃO Os objetivos específicos são: (a) construção


de um SIG com os dados de suscetibilidade geo-
Este artigo tem como objetivo geral a identifi- lógica das 365 barragens de mineração de MG; (b)
cação preliminar, através de modelagem estatísti- a parametrização da suscetibilidade, através da
ca e morfométrica, dos cenários de suscetibilidade proposição de uma matriz de notas relacionadas
natural à deflagração de deslizamentos, corridas ao grau de suscetibilidade a deslizamentos, corri-
de massa e enxurradas nos sítios de locação das das de massa e enxurradas, formatada de acordo
barragens de mineração no estado de Minas Ge- com a sistemática de notas presente na Portaria
rais. Busca-se, assim, contribuir com o tema de se- DNPM n° 70.389/2017, a qual regulamenta as bar-
gurança de barragens. ragens de mineração frente à Política Nacional de
A escolha do estado de Minas Gerais como Segurança de Barragens – PNSB e; (c) a produção
área de estudo justifica-se por ser este o local que de estatísticas sobre a suscetibilidade geológica
concentra 42% de todas as barragens de minera- das barragens de mineração no estado de MG.
ção do Brasil, somando 365 estruturas, confor- A relevância dos dados produzidos nesta pes-
me cadastro da Agência Nacional de Mineração quisa traduz-se na possibilidade de sua utilização
– ANM, autarquia responsável pela sua fiscali- por gestores de barragens, como subsídio na ava-
zação. Além disso, o estado foi o palco da maior liação de cenários de riscos a serem considerados
parte dos acidentes e desastres envolvendo este no Plano de Segurança das estruturas (PSB) e nos
tipo de barragem, como, por exemplo, a barragem Planos de Ação de Emergência (PAE). Aos órgãos
de Fundão, em Mariana (2015), e a barragem B1, fiscalizadores, a sua utilização pode se dar como
em Brumadinho (2019). ferramenta de gestão de segurança de barragens,
O termo suscetibilidade pode ser descrito servindo, por exemplo, como base para a formula-
como a propensão natural dos terrenos ao desen- ção de exigências aos empreendedores, referentes
volvimento de um fenômeno ou processo do meio à execução de investigações geotécnicas e hidroló-
físico (Macedo & Bressani 2013). O conhecimento gicas detalhadas nas áreas identificadas como de
destes dados é tradicionalmente utilizado no pla- média a alta suscetibilidade, incluindo medidas
nejamento do uso e ocupação do território, bem preventivas ou mitigadoras.
como no controle da expansão urbana.
No caso das barragens de mineração, a iden-
tificação da suscetibilidade geológica permitiu a 2 POLÍTICA NACIONAL DE SEGURANÇA
construção de um panorama inédito dos terrenos DE BARRAGENS – PNSB E O SISTEMA DE
nos quais estas estruturas estão inseridas, com- CLASSIFICAÇÃO
partimentando-os em 3 classes de suscetibilidade
A PNSB, editada pela Lei 12.334/2010, esta-
(alta, média e baixa) a processos de movimentos
belece em seu conteúdo critérios para o enqua-
de massa e hidrológicos, conforme a metodologia
dramento de barragens, assim como relaciona os
de mapeamento proposta por CPRM e IPT (Bitar
instrumentos de controle e gestão. São reguladas
2014).
pela PNSB as barragens destinadas à acumulação

82
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS

de água para quaisquer usos, à disposição final ou Através da PNSB, a ANM (antigo DNPM)
temporária de rejeitos e à acumulação de resíduos teve incorporadas as competências de órgão fisca-
industriais que apresentem pelo menos uma das lizador da segurança das barragens de mineração.
seguintes características: Salienta-se que o papel de controle e fiscalização
I. altura do maciço, contada do ponto mais da ANM abrange também as barragens de mi-
baixo da fundação à crista, maior ou neração que não estão inseridas na PNSB, isto é,
igual a 15m; aquelas que não se encaixam nas características de
II. capacidade total do reservatório maior enquadramento da referida lei.
ou igual a 3.000.000m³; Um dos instrumentos de gestão da PNSB é
III. reservatório que contenha resíduos pe- a implementação do sistema de classificação de
rigosos conforme normas técnicas apli- barragens por categoria de risco e por dano po-
cáveis; tencial associado. Para normatizar a classificação
IV. dano potencial associado, médio ou alto, das barragens de mineração, a Portaria DNPM n°
em termos econômicos, sociais, ambien- 70.389/2017 utiliza uma matriz que analisa a ca-
tais ou de perda de vidas humanas; tegoria de risco versus o dano potencial associado
V. categoria de risco alto (incluído pela Lei da barragem (tabela 1).
Federal n° 14.066/2020).

Tabela 1. Matriz de classificação das barragens de mineração, conforme a Portaria DNPM n° 70.389/2017.

DANO POTENCIAL ASSOCIADO – DPA


CATEGORIA DE RISCO – CRI ALTO MÉDIO BAIXO
ALTO A B C
MÉDIO B C D
BAIXO B C E

Da Portaria DNPM n° 70.389/2017 define-se: graduado de acordo com as perdas de vidas huma-
“Categoria de Risco – CRI: classificação da nas, impactos sociais, econômicos e ambientais”;
barragem de acordo com os aspectos que possam As faixas de classificação da CRI são obtidas
influenciar na possibilidade de ocorrência de aci- pela soma dos pontos oriundos das matrizes de
dente, levando-se em conta as características téc- Características Técnicas – CT, Estado de Conser-
nicas, o estado de conservação e o Plano de Segu- vação – EC e Plano de Segurança de Barragens
rança da Barragem”; – PS (tabela 2), já a categoria referente ao DPA é
“Dano Potencial Associado – DPA: dano fornecida por uma única matriz secundária (tabe-
que pode ocorrer devido ao rompimento ou mau la 3).
funcionamento de uma barragem, independente-
mente da sua probabilidade de ocorrência, a ser

83
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Tabela 2. Faixas de classificação da CRI obtidas pela soma conforme definição empregada na metodologia
dos pontos oriundos das matrizes de Características Técnicas
de zoneamento de suscetibilidade da CPRM/IPT
– CT, Estado de Conservação – EC e Plano de Segurança de
Barragens – PS, segundo a Portaria DNPM 70.389/2017. (Bitar 2014).
Macedo & Bressani (2013) apontam que a sus-
CATEGORIA PONTUAÇÃO TOTAL cetibilidade se refere ao primeiro passo de uma
DE RISCO (CRI) = CT + EC + PS análise progressiva de risco geológico. Áreas de
atingimento, severidade, probabilidade de ocor-
ALTO >= 65 ou EC = 10
rência e tempos de recorrência dos processos não
CLASSIFICAÇÃO
FAIXAS DE

são abordados pelas análises de suscetibilidade,


MÉDIO 37 < CRI < 65
sendo tema de análises de vulnerabilidade, peri-
go e risco.
BAIXO <= 37

4 MOVIMENTOS DE MASSA, PROCESSOS


HIDROLÓGICOS E SUA RELAÇÃO COM
Tabela 3. Faixas de classificação do DPA obtidas pela soma
dos pontos oriundos de uma única matriz secundária, segun- FALHAS EM BARRAGENS
do a Portaria DNPM 70.389/2017.
O estudo dos aspectos envolvidos nos aci-
DANO POTENCIAL PONTUAÇÃO TOTAL dentes com barragens é de suma importância
ASSOCIADO (DPA) para o entendimento dos riscos e consequências
decorrentes. Independentemente do uso a que se
ALTO >= 13
destinam essas estruturas, o ponto em comum é
CLASSIFICAÇÃO
FAIXAS DE

que todas armazenam energia potencial, capaz de


MÉDIO 7 < DPA < 13 provocar acidentes ou desastres na região de ju-
sante, caso sua carga seja liberada repentinamente
BAIXO <= 7 por ocasião de uma ruptura.
Jansen (1983), em publicação do Bureau of
Reclamation sobre acidentes com barragens sob o
título “Barragens e Segurança Pública” (Dams and
3 SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA
Public Safety) conclui que 59% dos acidentes se de-
Bitar (2014) aponta que o termo suscetibilida- vem a causas geológico-geotécnicas e 23% se dão
de pode ser sintetizado como a propensão ao de- por causas hidrológico-hidráulicas.
senvolvimento de um fenômeno ou processo do Oliveira et al. (2013) destacam que a constru-
meio físico que pode gerar desastres naturais, em ção de barragens impõe diversas solicitações aos
face da presença de determinadas características maciços geológicos naturais, que podem interferir
dos terrenos ocupados e não ocupados. O autor na estabilidade geológico-geotécnica. A principal
explica que uma área cujos terrenos apresentam solicitação é o empuxo hidráulico causado pelo
o predomínio de declividade alta, por exemplo, enchimento do reservatório, resistido pelo peso
pode ser considerada como propensa a ocorrência da barragem e pela fundação. Na condição de en-
de deslizamentos e corridas de massa, indepen- chimento, o maciço geológico tem suas condições
dentemente de previsão acerca de quando poderá de estabilidade alteradas em virtude do carrega-
ocorrer um evento e tampouco do grau de certeza mento e da mudança nas linhas de percolação da
atribuível a essa possibilidade. Evidencia-se, as- água em subsuperfície.
sim, o vínculo entre fatores predisponentes e pro- Muitas barragens falharam onde o risco de
pensão dos terrenos a processos do meio físico. deslizamento foi ignorado ou recebeu atenção
A análise de suscetibilidade realizada neste inadequada, por exemplo: barragem de Vajont
estudo tem como objeto os processos de movi- (Itália), barragem do rio Ohio (EUA), barragem
mentos gravitacionais de massa (deslizamentos Austin (EUA). As consequências de deslizamen-
e corridas de massa) e hidrológicos (enxurradas), tos de terra podem incluir dano ou ruptura do

84
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS

maciço ou o galgamento da barragem por ondas ta-se que os processos naturais (geológico-geotéc-
(Jansen 1983). nicos e hidrológicos) estão intimamente ligados
Costa (2012) aponta que foi a partir dos aci- aos riscos tecnológicos, como no caso da falha de
dentes ocorridos com a barragem de Vajont, na uma barragem.
Itália, em 1963 e, no ano seguinte, na barragem de
Gepatsch, na Áustria, é que se passou a dar maior
importância ao estudo de estabilidade de encostas
5 ÁREA DE ESTUDO
no entorno do sítio de locação das barragens.
O estado de Minas Gerais apresenta grande
No caso mais famoso, em Vajont, o desliza-
diversidade geológica, ocorrendo nessa área se-
mento de uma massa de 250 milhões de metros
quências de idades arqueana a fanerozoica, em
cúbicos de rocha e solo proveniente de uma en-
contextos tectônicos e metamórficos dos mais va-
costa natural instável no entorno da estrutura mo-
riados. Tal variedade geológica se reflete na histó-
vimentou-se com uma velocidade de 25 m/s para
ria mineradora do estado, cujo desenvolvimento
dentro do reservatório. Como resultado, houve
está intimamente ligado à exploração de recursos
a expulsão instantânea de um volume de 40 mi-
minerais desde o período colonial (Machado &
lhões de metros cúbicos de água que se deslocou
Silva 2010).
por sobre o maciço, causando a destruição da ci-
Minas Gerais configura-se como o maior
dade de Longarone, situada à jusante. O desastre
produtor nacional de minério de ferro. Dados do
provocou a morte de mais de 2.600 pessoas.
Anuário Mineral de 2019 (ANM 2020) mostram
Em relação à alta taxa de falha por causas hi-
que a produção beneficiada chegou a mais de 203
drológico-hidráulicas, Christian e Baecher (2002)
milhões de toneladas.
apud Pereira (2020) apresentam algumas razões:
Com toda esta vasta produção de minério
a. quando o evento hidrológico causador
beneficiado, há também uma colossal geração de
da falha se dá antes do término da cons-
rejeitos. Como em Minas Gerais o método mais
trução dos órgãos extravasores;
utilizado para disposição de rejeitos de mineração
b. quando se tratam de barragens de mi-
são as barragens, é no estado onde estão concen-
neração, visto que normalmente nesta
tradas 42% de todas as estruturas existentes no
classe de estrutura não são utilizadas
país, segundo cadastro do Sistema Integrado de
boas práticas de engenharia no projeto e
Gestão de Barragens de Mineração – SIGBM da
durante a construção, ou a manutenção
ANM.
é deficiente;
Assim, a área de estudo abrange a distribui-
c. quando os sistemas extravasores são an-
ção das barragens de mineração presentes no ca-
tigos e sua capacidade encontra-se desa-
dastro da ANM para o estado de Minas Gerais, as
tualizada para as condições climáticas
quais somam 365 estruturas. As barragens estão
atuais das bacias hidrográficas onde se
localizadas em 61 municípios, os quais estão in-
situam.
seridos em distritos minerários, destacando-se o
Quadrilátero Ferrífero, a Província Diamantífera
A Codificação Brasileira de Desastres clas-
do Triângulo Mineiro, o Distrito Plumbo-zincífe-
sifica aqueles causados por rompimento de bar-
ro e Rochas Dolomíticas de Vazante-Paracatu e a
ragens como tecnológicos e relacionados a obras
Província de Grafita Pedra Azul e Salto da Divisa
civis (CENAD 2012 apud Fonseca 2019), porém,
(figura 1).
como visto, muitas rupturas tiveram como causa
processos naturais do meio físico. Assim, consta-

85
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Figura 1. Mapa da área de estudo mostrando a localização das barragens de mineração de MG cadastradas no SIGBM e seu
contexto frente aos distritos minerários, conforme Machado & Silva (2010).

6 MATERIAIS E MÉTODOS a. como o enfoque desta pesquisa está re-


lacionado aos movimentos gravitacio-
As etapas metodológicas foram compostas nais de massa e processos hidrológicos
pela execução de pesquisa bibliográfica e aqui- de alta energia (enxurradas) que podem
sição de dados cartográficos que serviram de in- afetar as áreas de montante e entorno
sumos para a análise da suscetibilidade natural à das barragens de mineração, somen-
movimentos de massa e processos hidrológicos, te os passos metodológicos aplicados a
através do emprego de ferramentas de geoproces- esses processos foram empregados, não
samento em variáveis derivadas de modelo digi- abrangendo a modelagem de inundação.
tal de elevação (MDE) e fotointerpretação. b. considerando o caráter preliminar deste
A modelagem da suscetibilidade funda- trabalho, a etapa de validação in loco não
mentou-se nos procedimentos descritos em Bitar foi executada. Portanto, a aplicação des-
(2014) para promover a compartimentação dos ta metodologia limitou-se à composição
terrenos da área de estudo em zonas, segundo do que Bitar (2014) define como o pré-
comportamentos homogêneos desses processos -mapa de áreas suscetíveis.
ante fatores condicionantes do meio físico. Sobre
a aplicação desta metodologia, é importante que O passo seguinte consistiu no cruzamento
se destaque as seguintes adaptações: das informações de suscetibilidade geológica ge-

86
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS

radas com os limites de abrangência das barragens bem como as informações sobre as barragens fo-
de mineração, de modo a calcular a incidência das ram obtidos de fontes acessíveis a todos os usuá-
suscetibilidades nos sítios de locação das barra- rios na internet, destacando-se os sites da ANM,
gens. A etapa final consistiu na parametrização CPRM, IPT, IBGE e Earth Data (NASA).
desses dados, através da construção de uma ma-
triz que permite atribuir notas a cada barragem de
mineração estudada em relação à suscetibilidade
6.1 Construção de uma base cartográfica
incidente em seu sítio de locação. Tal passo per- digital em formato SIG
mitiu a geração de estatísticas e a construção de
Como ponto de partida, buscou-se junto ao
um panorama das suscetibilidades das barragens
SIGBM os arquivos georreferenciados das barra-
de mineração de MG, com base na distribuição
gens de mineração cadastradas para o estado de
dessas notas. Destaca-se que a matriz de parame-
MG, disponíveis no site da ANM. O passo seguin-
trização proposta é inspirada e potencialmente
te foi fazer a aquisição das cenas de MDE que co-
aplicável na sistemática de notas presente na Por-
brissem a distribuição geográfica das barragens e
taria DNPM n° 70.389/2017, a qual regulamenta
que possuíssem uma resolução espacial compa-
as barragens de mineração frente à PNSB.
tível com a escala de análise da metodologia da
Assim, as etapas metodológicas definidas
suscetibilidade (1:25.000). Por esse motivo, fez-se
para o alcance dos objetivos propostos são descri-
o download de cenas do MDE adquiridas pelo
tas na figura 2.
satélite ALOS, com resolução espacial de 12,5m,
considerada adequada para a escala de trabalho
adotada. Uma vez adquiridas as cenas, foram
gerados os mosaicos do MDE final no software
ARCGIS 10.4.
Os demais arquivos que compõem a base car-
tográfica são constituídos por imagens de satélite
do acervo multi-escala do BING Maps, disponi-
bilizadas de forma nativa no ARCGIS 10.4, assim
como arquivos vetoriais de hidrografia, altime-
tria, limites políticos e cartas temáticas, extraídos
do Mapa de Geodiversidade do estado de MG
(Machado & Silva 2010) e do Mapa geológico de
MG (CPRM, 2003).

6.2 Análise da suscetibilidade a


deslizamentos, corridas de massa e
enxurradas

Figura 2. Etapas de trabalho desenvolvidas. Para o zoneamento da suscetibilidade a des-


lizamentos, os procedimentos metodológicos
Os procedimentos de geoprocessamento fo- aplicados são aqueles discutidos em Stabile et al.
ram executados no software ARCGIS 10.4, no (2013), fundamentando-se nas relações estatísticas
entanto, todas as funções utilizadas podem ser observadas entre cada fator condicionante e a dis-
encontradas também em outros softwares de geo- tribuição dos deslizamentos em área. Nesta meto-
processamento, estando assim o método passível dologia são utilizados como insumos três fatores
de ser aplicado em outras plataformas. predisponentes de deslizamentos, frequentemen-
Os insumos para os procedimentos de geo- te associados à distribuição das cicatrizes, referen-
processamento executados neste trabalho, tais ciados em literatura técnico-científica e com pos-
como imagens de satélite, MDE, mapas temáticos, sibilidades de mapeamento dentro do escopo dos

87
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

trabalhos: declividade, curvatura das vertentes e cias de drenagem mais suscetíveis à geração des-
densidade de lineamentos estruturais, que refle- ses fenômenos. Assim, apontam-se as bacias de
tem, respectivamente, a influência combinada de drenagem separadas em duas situações básicas:
aspectos geomorfológicos, hidrológico-pedológi- bacia de drenagem com alta suscetibilidade a cor-
cos e geológicos. rida de massa e enxurrada; e bacia de drenagem
No caso das corridas de massa e enxurra- com alta suscetibilidade a enxurrada.
das, as etapas metodológicas aplicadas são aque- O resultado final da análise de suscetibili-
las detalhadas em Corsi et al. (2015), pautando- dade é um zoneamento do terreno que traduz a
-se em parâmetros morfométricos das bacias de incidência das distintas classes de suscetibilidade
drenagem (amplitude topográfica e área), padrão (alta, média e baixa), consideradas em relação aos
de relevo predominante (serras e/ou morros) e deslizamentos e, no caso de corridas de massa e
presença de zonas enquadradas na classe de alta enxurradas, a incidência é destacada em relação à
suscetibilidade a deslizamento, conforme previa- delimitação de bacias de drenagem com alta sus-
mente mapeadas, para fins de delimitação das ba- cetibilidade a esses dois processos (figura 3).

Figura 3. Porção da área de estudo mostrando bacias de drenagem suscetíveis a corridas de massa e en-
xurradas (delimitadas na cor preta) e a enxurradas (em vermelho), indicadas sobre o zoneamento referen-
te a movimentos gravitacionais de massa.

6.3 Cruzamento das informações de ção a essas zonas, de modo a se determinar a in-
suscetibilidade geológica com os limites de cidência das suscetibilidades em relação aos sítios
abrangência das barragens de mineração de locação das barragens.
Esta estimativa da incidência é obtida por
Uma vez que a área de estudo foi zoneada meio de cálculos efetuados diretamente em am-
em termos da suscetibilidade a deslizamentos, biente de SIG, os quais baseiam-se em correlações
corridas de massa e enxurradas, esta etapa tem o de área entre as zonas e o entorno das barragens
objetivo de correlacionar as barragens de minera- (em hectares) bem como em proporção (%). Para

88
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS

alcançar este objetivo, foi necessário desenvolver Inicialmente, foi preciso determinar a posi-
uma etapa metodológica para a delimitação dos li- ção das cristas ou cumes das elevações do terreno.
mites de abrangência das barragens de mineração. Para isto inverteu-se o MDE multiplicando-o por
-1 com a função raster calculator. O produto desta
operação é um novo raster, onde os picos foram
6.3.1 Delimitação do limite de abrangência transformados em depressões. Posteriormente,
das barragens de mineração fez-se um mapa de direção de fluxo a partir do
MDE invertido, e então, aplicou-se a este mapa a
Como as estimativas baseiam-se em relações
função sink utilizada para identificar depressões
de área, primeiramente, foi necessário definir uma
espúrias. O resultado foi uma camada em formato
área de abrangência para análise de cada barra-
raster onde cada pixel corresponde a um cume.
gem, haja vista que as barragens de mineração
Em seguida converteu-se esta camada para o for-
são cadastradas pela ANM apenas com um par de
mato vetorial do tipo ponto.
coordenadas localizadas no centro da crista da es-
Posteriormente, atribuiu-se a esses pontos
trutura, resultando em um único ponto.
valores de amplitude topográfica, que correspon-
É comum que as barragens estejam apenas
de à distância altimétrica entre a base da encosta e
parcialmente envoltas por encostas, o que ocorre
seu respectivo cume, a partir da função add surface
normalmente nas ombreiras e região de montan-
information. As amplitudes foram obtidas com a
te. Assim, adaptou-se o critério descrito em CPRM
aplicação do algoritmo HAND – Height Above the
(2018), no qual, para estes casos, a definição do
Nearest Drainage (RENNÓ et al. 2008). O HAND é
limite de abrangência para as análises deverá ser
um algoritmo utilizado na modelagem de inun-
realizada a partir do cálculo da média aritmética
dação das cartas de suscetibilidade (BITAR, 2014),
das distâncias entre o local de interesse e as cris-
por medir a diferença altimétrica entre qualquer
tas das encostas mais próximas, utilizando-se, no
ponto da grade do MDE e o respectivo ponto de
mínimo, 03 distâncias. A finalidade deste passo
escoamento na drenagem mais próxima. Matema-
é abranger os terrenos onde já ocorreu mobiliza-
ticamente, a utilização do HAND nos fornece a
ção de material em eventos pretéritos ou onde ela
variação de amplitude do relevo.
pode ocorrer.
Para assegurar que ruídos do MDE fossem
Dentro desta premissa, definiu-se como limi-
eliminados e que somente os cumes de encostas
te de abrangência um raio de entorno a partir do
com amplitude suficiente para gerar deslizamen-
ponto de cadastro de cada barragem, perfazendo
tos fossem computados na definição do limite de
uma área circular (figura 4). Para viabilizar este
abrangência das barragens, foram utilizados os
cálculo foram utilizadas ferramentas de geopro-
critérios e parâmetros de classificação de padrões
cessamento sobre o MDE da área de estudo, em
de relevo definidos por IPT/Emplasa (1990). Esta
ambiente SIG.
ação tem a função de limpar o ruído do arqui-
vo de pontos para só admitir a permanência de
cumes com amplitude superior a 40 metros, ou
seja, maiores ou iguais ao padrão “colinas”.
O raio de abrangência de cada barragem foi
calculado com base na média aritmética da dis-
tância dos cumes mais próximos do seu respecti-
vo ponto de cadastro da ANM, utilizando a fun-
ção generate near table. Por fim, aplicou-se a função
buffer nos pontos de cadastro para a delimitação
dos limites de abrangência, utilizando como raio
o valor da média calculado na tabela de atributos.
Assim, o limite de abrangência adequa-se ao ter-
Figura 4. Delimitação do limite de abrangência das barragens
reno do entorno da barragem, de modo que uma
de mineração. barragem localizada em um vale mais dissecado

89
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

(fechado) terá um raio de abrangência menor do englobar proporcionalmente os sítios de locação


que uma barragem localizada em um vale mais das estruturas e as encostas mais próximas, com
aberto, por exemplo. Tal dinâmica permitiu a potencial de deflagração dos processos analisados
definição de um limite de abrangência capaz de (figura 5).

Figura 5. Porção da área de estudo mostrando barragens de mineração no município de Itabira (MG), as
quais tiveram seus limites de abrangência delimitados com área proporcional à média das distâncias dos
cumes do entorno.

6.4 Parametrização dos dados e construção a inserção das informações de suscetibilidade a


de um panorama das suscetibilidades das movimentos de massa nas áreas de abrangência
barragens de mineração de MG das barragens de mineração, bem como permiti-
ram o cálculo da representatividade de cada zona
Para normatizar a classificação das barragens em termos de área e proporção, executou-se pa-
de mineração, a Portaria DNPM n° 70.389/2017 rametrização desses dados, através da construção
utiliza matrizes de pontuação que expõem carac- de uma matriz inspirada e potencialmente aplicá-
terísticas relacionadas à barragem e seu entorno, vel na sistemática de notas presente na Portaria
as quais funcionam como descritores da probabi- DNPM n° 70.389/2017 (tabela 4). É plenamente
lidade de falha e das consequências. Dependendo compatível, por exemplo, a inclusão da matriz
do grau de contribuição dessas características são aqui proposta no cálculo da nota final da Catego-
atribuídas pontuações. Assim, se a característica ria de Risco (CRI) de uma barragem, de modo que
pouco contribui terá pontuação zero ou baixa, au- esta seria formada pelo somatório final das pon-
mentando à medida que aumenta a contribuição tuações atingidas nas matrizes de Características
da característica para a probabilidade de falha e Técnicas (CT), Estado de Conservação (EC), Pla-
consequências. no de Segurança (PS) e Suscetibilidade Geológica
Uma vez que os procedimentos metodoló- (SG): CRI = CT + EC + PS + SG.
gicos descritos nas etapas anteriores permitiram

90
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS

Tabela 4. Matriz de pontuação de Suscetibilidade Geológica, inspirada e potencialmente aplicável na sistemática de notas
presente na Portaria DNPM n° 70.389/2017.

MATRIZ DE CLASSIFICAÇÃO QUANTO À SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA (SG)


Deslizamentos Corridas de Massa e Enxurradas
(em relação à proporção de ocorrência da (em relação à incidência da barragem em
classe baixa – CB no limite de abrangência da barragem) bacia de drenagem suscetível)
(o) (p)
CB > 90% Não incide
(0) (0)
70% < CB ≤ 90% Bacia suscetível a enxurradas
(1) (2)
50% < CB ≤ 70% Bacia suscetível a corridas de massa
(2) (4)
CB ≤ 50%
(3)
SG = ∑ (o até p)

Para os deslizamentos, utilizou-se a percen- grande potencial destrutivo (Tominaga 2012). Por
tagem de ocorrência da classe de baixa suscetibi- esse motivo, em caso de incidência das barragens
lidade no interior do limite de abrangência das em bacias de drenagem suscetíveis, a nota deverá
barragens como balizador para a definição das ser diferenciada em relação ao processo e propor-
notas da coluna “Deslizamentos” da matriz de cional ao seu potencial destrutivo, impondo me-
“Suscetibilidade Geológica”. Tal escolha baseia-se nor ou maior impacto negativo à estrutura. Tal
na premissa de que uma barragem construída em abordagem resulta na coluna “Corridas e Enxur-
um sítio com predomínio de baixa suscetibilida- radas” da matriz de “Suscetibilidade Geológica”.
de a deslizamentos encontra-se em um cenário de
maior estabilidade geológica frente à deflagração
desses processos nas encostas naturais de seu en-
7 RESULTADOS E DISCUSSÃO
torno, acarretando menor propensão de impactos
O zoneamento da suscetibilidade a movimen-
negativos à estrutura.
tos de massa na área de estudo permitiu a divisão
No caso das enxurradas e corridas de massa,
do terreno em 3 classes homogêneas (alta, média
o fator determinante para as notas é a incidência
e baixa) com diferentes propensões à deflagração
ou não da barragem em uma bacia de drenagem
natural dos processos geológicos analisados, além
suscetível. Corridas e enxurradas são processos
da delimitação de bacias de drenagem propensas
de alta energia hidrodinâmica, entretanto, por sua
à deflagração de enxurradas e corridas de massa
elevada concentração de sólidos, bem como por
(figura 6).
seu amplo raio de alcance, as corridas apresentam

91
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Figura 6. Porção da área de estudos mostrando as zonas de suscetibilidade geológica a deslizamentos


inseridas no limite de abrangência de cada barragem de mineração. Nesta área também é possível iden-
tificar a incidência de barragem de mineração em bacia suscetível a enxurradas.

A partir de tais cenários, inicialmente, foram lidade a deslizamentos, representando 62% dos
geradas estatísticas que mostram um panorama terrenos analisados. Os terrenos com média e alta
geral com base na representatividade de cada suscetibilidade a deslizamentos somam os 38%
classe, em percentagem (figura 7), ou na incidên- restantes da área de estudo, sendo 25% de rele-
cia das barragens de mineração em bacias suscetí- vos que apresentam média suscetibilidade e 13%
veis (figura 8). traduzidos por encostas com alta propensão a
deslizamentos.

Figura 7. Representatividade de cada classe de suscetibilida-


de a deslizamentos em relação à área de estudo. Figura 8. Situação da localização das barragens de mineração
de MG em relação à suscetibilidade aos processos de corridas
Os resultados mostraram uma maior repre- de massa e enxurradas.
sentatividade global da classe de baixa suscetibi-

92
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS

Com relação às corridas de massa e enxurra- será a propensão de impactos negativos decorren-
das, as análises demonstraram que 70% das bar- tes desses processos à segurança da estrutura.
ragens de mineração cadastradas se encontram
inseridas em bacias de drenagem não suscetíveis
ou com baixa suscetibilidade a esses processos.
Entretanto, destaca-se que 94 barragens (26%) es-
tão localizadas em bacias com alta suscetibilidade
a enxurradas e que 15 barragens (4%) estão locali-
zadas em terrenos com alta suscetibilidade a cor-
ridas de massa.
Este panorama geral chama a atenção por de-
monstrar que mais de 30% do universo amostral
dos terrenos de entorno das barragens de mine-
ração de MG apresentam suscetibilidade média
a alta aos processos geológicos e hidrológicos
analisados. A deflagração desses processos pode Figura 9. Situação das barragens de mineração de MG em
afetar negativamente a segurança das barragens, relação às notas de suscetibilidade a deslizamentos.
por este motivo, os dados aqui mostrados podem
servir de balizadores para a realização de estudos Notadamente nas duas situações frente à
geotécnicos e hidrológicos mais detalhados, com PNSB, a maior frequência de barragens de mine-
a avaliação da influência da barragem no grau de ração de MG insere-se na nota 3 (CB ≤ 50%), sendo
suscetibilidade natural dos terrenos e, onde ne- 74 barragens fora da PNSB (50%) e 99 barragens
cessário, elaborar análise de riscos, carta de riscos inseridas na PNSB (45,8%). Isto equivale a dizer
e plano de gerenciamento de riscos, incluindo-se que quase a metade das barragens cadastradas
a execução de medidas preventivas estruturais e pela ANM no estado de MG encontram-se em
não estruturais. uma situação na qual os terrenos potencialmente
mais instáveis (classes média e alta) podem estar
representando mais de 50% das áreas de entorno
7.1 Distribuição dos dados de dessas estruturas.
suscetibilidade parametrizados As barragens dentro e fora da PNSB apresen-
tam uma distribuição semelhante frente às notas
A discretização dos dados de suscetibilidade
para incidência em bacias de drenagem suscetí-
segue as notas propostas na tabela 4. Embora sai-
veis a corridas de massa e enxurradas (figura 10).
ba-se que na legislação as matrizes de notas não se
aplicam às barragens fora da PNSB, optou-se por
incluí-las nesta parametrização somente para que
a sua distribuição frente à suscetibilidade geológi-
ca também fosse delineada.
No caso da suscetibilidade a deslizamentos, a
categorização se deu conforme faixas de pontua-
ção que consideram a representatividade dos ter-
renos mais estáveis (classe baixa) no interior dos
limites de abrangência das barragens, como bali-
zador das notas (figura 9). Assim, quanto maior
a proporção da classe de baixa suscetibilidade no
entorno da barragem, menor será a propensão de
Figura 10. Situação das barragens de mineração de MG em
deflagração de deslizamentos no limite de abran- relação às notas de suscetibilidade a corridas de massa e
gência da barragem e, em consequência, menor enxurradas.

93
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Cerca de 70% de todas as barragens cadastra- 7.1.1 Suscetibilidade geológica em relação


das foram construídas em bacias não suscetíveis aos atributos do sistema de classificação das
ou com baixa suscetibilidade. Entretanto, consi- barragens de mineração (portaria DNPM
derando a grande energia e o alto potencial des- 70.389/2017)
trutivo destes processos, é importante destacar
que 38 barragens de mineração não inseridas na Para as barragens inseridas na PNSB foram
PNSB (26%) e 56 que fazem parte da Política (26%) geradas estatísticas relacionando as notas propos-
encontram-se em relevos com alta suscetibilidade tas para a suscetibilidade geológica com os atri-
a enxurradas. No caso das corridas de massa, ape- butos do sistema de classificação das barragens,
sar do número ser bem menor para ambos os gru- previsto na Política e regulamentada pela Portaria
pos, registra-se que 9 barragens não inseridas na DNPM 70.389/2017, tais como a classificação de
PNSB e 6 dentro da Política inserem-se em bacias risco propriamente dita, a CRI isoladamente, o
com alta suscetibilidade, constituindo 6% e 3%, DPA isoladamente e o nível de emergência isola-
respectivamente. damente (figuras 11 e 12).

Figura 11. Distribuição das notas de suscetibilidade a deslizamentos relacionando: a) a classificação final de risco; b) a CRI
isoladamente; c) o DPA isoladamente; e d) o nível de emergência.

Em relação às notas de deslizamentos, embo- seguem esta tendência, com a nota 3 para desliza-
ra não representem o maior grupo em número ab- mentos representando 44% da classe “B”, 44,4%
soluto de estruturas, constata-se que as barragens da classe “C” e 41,2% da classe “E”. No cadastro
com classificação “A”, situação de maior risco da de barragens de mineração da ANM utilizado
PNSB, são aquelas que apresentam a maior pro- neste trabalho, período de referência novembro
porção da nota 3 (CB ≤ 50%), representando 55,3% de 2020, não há registro de barragem classe “D”
dessas estruturas (figura 11a). As demais classes em MG.

94
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS

Isoladamente, DPA e CRI também refletem iniciada uma ISE e para qualquer outra situação
a tendência de distribuição das notas de desliza- com potencial comprometimento de segurança da
mento observada na classificação da PNSB, haja estrutura;
vista que esta é definida pelo cruzamento entre II. Nível 2 – Quando o resultado das ações
DPA e CRI (figura 11b e c). Tomando-se as piores adotadas na anomalia referida no inciso I for clas-
situações em termos de segurança como exemplo, sificado como “não controlado”, de acordo com a
as estruturas com nota 3 representam 58% do gru- definição do § 1º do art. 27 desta Portaria; ou
po de barragens com CRI alto e 46% das estrutu- III. Nível 3 – A ruptura é iminente ou está
ras com DPA alto. Justamente nas situações nas ocorrendo”.
quais as barragens aspiram maior atenção (DPA e
CRI altos), ocorre a maior proporção de terrenos O gráfico da figura 11d mostra que quase a
mais propensos a deslizamentos no entorno das totalidade das barragens que se encontram em si-
barragens. tuação de emergência possuem notas 2 e 3 para
O artigo 37 da Portaria DNPM 70.389/2017, deslizamentos. Mesmo que tal estado de emer-
em seus incisos I, II e III define os níveis de gência muito provavelmente não tenha como cau-
emergência: sa os processos de deslizamentos, o atingimento
“I. Nível 1 – Quando detectada anomalia que por um eventual deslizamento tem maior poten-
resulte na pontuação máxima de 10 (dez) pontos cial para configurar um gatilho para a ruptura de
em qualquer coluna do Quadro 3 – Matriz de Clas- estruturas com este grau de fragilidade.
sificação Quanto à Categoria de Risco (1.2 – Esta-
do de Conservação), do Anexo V, ou seja, quando

Figura 12. Distribuição das notas de suscetibilidade a corridas e enxurradas relacionando: a) a classificação final de risco; b) a
CRI isoladamente; c) o DPA isoladamente; e d) o nível de emergência.

95
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Ao analisarmos a figura 12a é possível cons- nagem (Araújo 2006). A própria Portaria DNPM
tatar que a maior parte das barragens com nota 2 70.389/2017 atribui notas diferentes ao tipo de
(suscetível a enxurradas) encontra-se na classifi- método construtivo para o cálculo da CRI. Assim,
cação “B”, representando 31%, seguido pela clas- as barragens com o método à montante possuem
se “A”, perfazendo 26%. As barragens com nota 4 as maiores notas, contribuindo mais para o au-
(suscetível a corridas de massa) representam um mento do risco da barragem.
reduzido grupo de 6 estruturas e distribuem-se da
seguinte forma: 1 na classe “A”, 3 na classe “B” e
2 na classe “C”.
Tomando-se a CRI isoladamente (figura 12b),
as barragens suscetíveis a corridas de massa e en-
xurradas predominam na CRI baixo, sendo que
27% deste grupo possui nota 2 e 2% a nota 4. No
que diz respeito ao grupo com CRI alto, constata-
-se que 10 barragens estão locadas em terrenos
com alta suscetibilidade a enxurradas, enquanto
que 2 estruturas se situam em bacias com alta sus-
cetibilidade à deflagração de corridas de massa. Figura 13. Distribuição das notas de suscetibilidade a desli-
Já quando averiguamos o DPA isoladamente (fi- zamentos relacionando os métodos construtivos das barra-
gura 12c), 46 barragens suscetíveis a processos de gens de mineração.

enxurradas (nota 2) encontram-se enquadradas


com DPA alto, representando 31% deste grupo. A partir da figura 13, o quadro geral mostra a
As barragens suscetíveis a corridas (nota 4) estão maior ocorrência da nota 3 (CB ≤ 50%) de desliza-
igualmente distribuídas em DPA médio e alto, mentos, com exceção das barragens cadastradas
com 3 estruturas em cada grupo. como “método indefinido”, nas quais há o claro
Quanto à situação de emergência (figura 12d), predomínio da nota 2 (50% < CB ≤ 70%). Cabe
2 barragens no nível 1 encontram-se em terrenos destaque que 69% das barragens construídas pelo
com alta suscetibilidade a corridas. Com nota 2 método à montante, as quais demandam especial
(enxurradas) há 6 barragens em emergência nível atenção dos órgãos fiscalizadores em razão de sua
1, 3 estruturas em nível 2 e uma em nível 3. maior fragilidade geotécnica, possuem notas 2 e 3
para deslizamentos.

7.1.2 Suscetibilidade geológica em relação


ao método construtivo das barragens de
mineração

Outra importante análise realizada a partir


das estatísticas é com relação à distribuição das
notas de deslizamentos e as notas de corridas e
enxurradas, frente ao método construtivo das bar-
ragens. Desta vez a análise agrupou todo o uni-
verso de barragens estudado, ou seja, as incluídas
e as fora da PNSB. Figura 14. Distribuição das notas de suscetibilidade a corri-
A forma de construção da barragem de mi- das de massa e enxurradas relacionando os métodos constru-
neração está diretamente relacionada ao seu grau tivos das barragens de mineração.
de segurança. Barragens de mineração construí-
das com o método à montante são criticadas por A maior incidência de barragens de minera-
apresentar alto risco de ruptura por liquefação e ção em bacias com alta suscetibilidade a corridas
por dificultar a implantação de sistema de dre- de massa se dá no grupo das estruturas cons-
truídas em etapa única, com 11 casos (figura 14).

96
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS

Em tese, este grupo é o que apresentaria a menor 7.1.3 Análise da distribuição conjunta das
vulnerabilidade geotécnica, por não ter sofrido notas de deslizamentos e notas de corridas e
alteamentos, denotando um maior controle cons- enxurradas
trutivo e robustez. Já no grupo com maior vul-
nerabilidade aos processos aqui analisados, com Aproveitando o poder de análise propor-
alteamento à montante, é digno de nota que 28% cionado pelo SIG elaborado neste trabalho, fez-
das barragens estão locadas em terrenos com alta -se uma análise da distribuição conjunta das no-
suscetibilidade a enxurradas e 4% em bacias com tas de deslizamentos com as notas de corridas e
alta suscetibilidade a corridas. enxurradas, de modo a avaliar a sinergia de sua
distribuição.

Figura 15. Distribuição conjunta das notas de deslizamentos com as de corridas e enxurradas nas barragens: a) inseridas na
PNSB e b) fora da PNSB. NCE = nota de corridas e enxurradas. ND = nota de deslizamentos.

Em ambos os grupos de barragens de mine- relacionam às notas de deslizamentos (ND) 3 e 2,


ração apresentados na figura 15, a maior frequên- respectivamente.
cia das estruturas apresenta conjuntamente a nota Os gráficos sugerem que a suscetibilidade a
3 para deslizamentos (ND) e nota 0 para corridas corridas e enxurradas tende a ocorrer em terrenos
e enxurradas (NCE), seguido das frequências de que apresentam maior proporção das classes de
barragens que apresentam a combinação de nota deslizamento média a alta. Esta constatação vem
0 para corridas e enxurradas com variações das ao encontro dos pressupostos enunciados por
notas de deslizamentos. Tal comportamento su- Bitar (2014) para o mapeamento dos os terrenos
gere que a suscetibilidade a deslizamentos não suscetíveis a enxurradas e corridas de massa, os
tem forte correlação com a ocorrência de bacias quais, segundo o autor, caracterizam-se por apre-
suscetíveis a enxurradas e corridas, no universo sentar amplitudes e declividades elevadas e, no
de barragens analisado. caso das corridas de massa, as bacias devem, ne-
Em contrapartida, quando tomamos a susce- cessariamente, compreender terrenos de alta sus-
tibilidade a corridas de massa (NCE: 4), verifica- cetibilidade a deslizamentos.
mos que no grupo das barragens fora da PNSB a Observa-se na figura 15a que 2 barragens não
sua ocorrência se dá exclusivamente em terrenos seguem esta correlação, pois agregam a incidência
com a maior nota de deslizamentos (ND: 3). No de bacias de corridas e enxurradas com notas bai-
grupo de barragens inseridas na PNSB, as corri- xas de deslizamento. Verificou-se que os limites
das estão relacionadas com as notas de desliza- de abrangência dessas barragens se posicionam
mentos (ND) 3 e 2, principalmente. Para as enxur- junto ao exutório das bacias suscetíveis, no único
radas (NCE: 2), as maiores frequências também se trecho onde predominam os terrenos mais suaves,
explicando tal combinação (figura 16).

97
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Figura 16. A seta indica um caso de barragem inserida em bacia suscetível a corridas, porém circundada
por terrenos mais suaves, por se encontrar junto ao exutório.

8 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES Aponta-se o grande potencial do mapeamen-


FINAIS to de suscetibilidade geológica para o planeja-
mento da locação de novas barragens, a nível de
Os resultados apresentados e discutidos fo- plano diretor, bem como a sua utilização pelos
ram bastante relevantes para a montagem de um órgãos fiscalizadores e licenciadores como uma
panorama preliminar da suscetibilidade geológi- ferramenta de gestão territorial.
ca das barragens de mineração no estado de Mi- É importante destacar que segundo Bitar
nas Gerais. A metodologia aplicada neste estudo (2014) o mapeamento de suscetibilidade limita-
permitiu a identificação dos cenários de susceti- -se a atividades de gestão territorial e de plane-
bilidade natural à deflagração de deslizamentos, jamento e não se destina à análise de estabilidade
corridas de massa e enxurradas nos quais estas de terrenos a nível de projeto. Entretanto, não se
estruturas foram construídas. pode minimizar o seu potencial uso para que, por
A opção por trabalhar esses dados em forma- exemplo, os órgãos fiscalizadores exijam dos em-
to SIG permitiu agregar ferramentas de geopro- preendedores estudos geotécnicos de detalhe nas
cessamento para a parametrização dos dados de áreas identificadas como de média a alta susceti-
suscetibilidade e geração de estatísticas, revelan- bilidade, incluindo medidas preventivas.
do importantes informações para a gestão da se- Com principal limitação deste trabalho cita-
gurança de barragens. Desse modo, confirma-se o -se o fato de não ter contado com a etapa de cam-
potencial de se compatibilizar critérios de susce- po para a validação das informações produzidas,
tibilidade geológica para a classificação de barra- determinando o caráter preliminar do trabalho.
gens na PNSB e Portaria DNPM n° 70.389/2017, Outra limitação importante é o fato do cadastro
de modo a contribuir para o aumento da seguran- de barragens de mineração da ANM trabalhar
ça dessas estruturas. apenas com pares de coordenadas (pontos), o que
inicialmente dificultou a avaliação da extensão es-

98
SUSCETIBILIDADE GEOLÓGICA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS

pacial das estruturas. Como forma de contornar Bitar O. Y. (Coord.) 2014. Cartas de suscetibilida-
essa dificuldade, neste estudo desenvolveu-se de a movimentos gravitacionais de massa e inun-
uma metodologia para definir as áreas de abran- dações: 1:25.000 – Nota técnica explicativa. São
gência das barragens. Embora isto tenha permi- Paulo: IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas
tido o desenvolvimento das análises, salienta-se do Estado de São Paulo; Brasília, DF: CPRM – Ser-
que são áreas teóricas, não representando exata- viço Geológico do Brasil. (Publicação IPT, 3016).
mente o polígono formado pelos sítios de locação
de cada barragem. Brasil. Lei n° 12.334, de 20 de setembro de 2012.
Contudo, considera-se que os resultados Estabelece a Política Nacional de Segurança de
produzidos foram capazes de atingir os objetivos Barragens destinadas à acumulação de água para
propostos neste trabalho. quaisquer usos, à disposição final ou temporária
Como considerações finais, é importante sa- de rejeitos e à acumulação de resíduos industriais,
lientar que os critérios de corte e as respectivas cria o Sistema Nacional de Informações sobre Se-
notas da matriz de suscetibilidade foram aqui gurança de Barragens e altera a redação do art. 35
propostas empiricamente, não tendo passado por da Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997, e do art.
consulta pública ou sob o crivo de um painel de 4o da Lei no 9.984, de 17 de julho de 2000. Diário
especialistas, tal como foram as notas das matri- Oficial. Brasília, 21 set. 2010.
zes existentes na legislação.
Brasil. Portaria 70.389 do Departamento Nacional
de Mineração – DNM, de 17 de maio de 2017. Cria
AGRADECIMENTOS o Cadastro Nacional de Barragens de Mineração,
o Sistema Integrado de Gestão em Segurança de
Registram-se agradecimentos especiais ao Barragens de Mineração e estabelece a periodici-
geólogo Ricardo Abrahão, consultor e professor dade de execução ou atualização, a qualificação
do Curso de Especialização em Segurança de Bar- dos responsáveis técnicos, o conteúdo mínimo e
ragens da UFBA/PTI, pela contribuição e orien- o nível de detalhamento do Plano de Segurança
tação. Agradecimentos também ao geólogo José da Barragem, das Inspeções de Segurança Regular
Luiz Kepel Filho da CPRM, pelo apoio prestado e Especial, da Revisão Periódica de Segurança de
nas etapas de geoprocessamento. Barragem e do Plano de Ação de Emergência para
Agradece-se, ainda, à CPRM, IPT e ANM Barragens de Mineração, conforme art. 8°, 9°, 10,
pela disponibilização de material de consulta e 11 e 12 da Lei n° 12.334 de 20 de setembro de 2010,
insumos para o desenvolvimento desta pesquisa. que estabelece a Política Nacional de Segurança
de Barragens – PNSB. Diário Oficial. Brasília, 19
mai. 2017.
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ANM – Agência Nacional de Mineração. 2020.
neração – ANM, de 08 de agosto de 2019. Estabe-
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lece medidas regulatórias objetivando assegurar a
cias metálicas. Brasília, Disponível em: https://
estabilidade de barragens de mineração, notada-
www.gov.br/anm/pt-br/centrais-de-conteudo/
mente aquelas construídas ou alteadas pelo mé-
publicacoes/serie-estatisticas-e-economia-mine-
todo denominado “a montante” ou por método
ral/anuario-mineral/anuario-mineral-brasileiro.
declarado como desconhecido e dá outras provi-
Acessado em: 29 nov. 2020.
dências. Diário Oficial. Brasília, 01 out. 2020.
Araújo C. B. de. 2006. Contribuição ao estudo do
Brasil. Lei n° 14.066, de 30 de setembro de 2020.
comportamento de barragens de rejeito de mine-
Altera a Lei nº 12.334, de 20 de setembro de 2010,
ração de ferro. Dissertação de Mestrado, Univer-
que estabelece a Política Nacional de Segurança
sidade Federal do Rio de Janeiro, 143f.
de Barragens (PNSB), a Lei nº 7.797, de 10 de julho
de 1989, que cria o Fundo Nacional do Meio Am-
biente (FNMA), a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de

99
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

1997, que institui a Política Nacional de Recursos Macedo E.S. & Bressani L.A. (Org.). 2013. Diretri-
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100
WORKSHOP DE RISCO
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS
INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL
RELACIONADOS AO PLANEJAMENTO URBANO E À
GESTÃO DE RISCO GEOLÓGICO E HIDROLÓGICO
OVERVIEW OF THE GEOTECHNICAL CARTOGRAPHY AND CURRENT INSTRUMENTS IN
BRAZIL RELATED TO URBAN PLANNING AND GEOLOGICAL AND HYDROLOGICAL RISK
MANAGEMENT

LEONARDO ANDRADE DE SOUZA


Pesquisador Colaborador, Dr., CECS/ PPGPGT/ LabGRIS, Univ. Federal do ABC.
Zemlya Consultoria e Serviços. leonardo@zemlya.com.br

RESUMO ABSTRACT

Este artigo tem por pressuposto reforçar a necessida- This work aims to reinforce the need to expand
de de ampliarmos as discussões sobre os instrumentos discussions on existing instruments in Brazil applied to
existentes no Brasil aplicados no planejamento urbano urban planning and risk management. Currently, the
e gestão do risco. Atualmente os principais instrumen- main instruments used in decision-making in municipal
tos que permeiam a tomada de decisões nos territórios territories are the Municipal Risk Reduction Plans
municipais são os Planos Municipais de Redução de (PMRR), the CPRM Risk Sector Maps, the Contingency
Risco (PMRR), os Mapas de Setorização de Riscos da Plans, the Civil Defense Preventive Plans and, more
CPRM, os Planos de Contingência, os Planos Preven- recently, the GIDES Project – Natural Disaster Risk
tivos de Defesa Civil e, mais recentemente, as Cartas Management. The Geotechnical Susceptibility Maps
de Perigo e Risco do Projeto GIDES. Soma-se a estes and the Geotechnical Maps for Urban Planning still
as Cartas Geotécnicas de Suscetibilidade e as Cartas have no defined reference methodologies. From an
de Aptidão à Urbanização, ainda sem metodologias overview of what has already been prepared in the
de referência definidas. A partir de um panorama do national territory, one of the aims of this work is to
que já foi elaborado no território nacional, um dos ob- bring to light a critical discussion of consolidated
jetivos deste trabalho é trazer à luz uma discussão crí- instruments defined as mandatory by Law 12.608,
tica dos instrumentos consolidados e definidos como aimed at risk management and disaster management,
obrigatórios pela Lei 12.608, voltados à gestão do risco in order to check the scope and applicability of
e manejo dos desastres, com o intuito de se verificar information and products that are being generated
a abrangência e aplicabilidade das informações e pro- and delivered to Brazilian cities. The methodology
dutos que estão sendo gerados e entregues aos muni- used to elaborate the PMRR has not undergone any
cípios brasileiros. A metodologia utilizada para a ela- revisions since its implementation, and contingency
boração do PMRR não passou por quaisquer revisões plans continue to be generated without the adequate
desse a sua implantação, e os planos de contingência preparation of risk scenarios. The CPRM risk sector
continuam sendo gerados sem a elaboração adequada maps are, for the most part, out of date, but continue
dos cenários de risco. Os mapas de setorização do risco to be used by Public Prosecutors to pressure cities to
da CPRM estão, em sua maioria, desatualizados, mas take actions related to works and/or mass removals.
continuam sendo utilizados pelos Ministérios Públicos The GIDES Project proposes a methodology that does
para pressionar os municípios a tomarem ações rela- not consider geological-geotechnical variability as a
cionadas a obras e/ou remoções em massa. O Projeto condition for the elaboration of scenarios, which goes
GIDES propõe uma metodologia que não considera a against the geological-structural complexity of Brazil.
variabilidade geológica-geotécnica como condicionan- The Geotechnical Maps for Urban Planning, on the

102
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL

te para a elaboração dos cenários, o que vai de encontro other hand, are still restricted to extension/research
com a complexidade geológico-estrutural do Brasil. Já projects and the Geotechnical Susceptibility Maps have
as Cartas de Aptidão à Urbanização, essas ainda estão not yet been used by municipal administrations.
restritas a projetos de extensão/pesquisa e as cartas de
suscetibilidades ainda não tiveram seu uso compreen- Keywords: Mapping, Urban Planning, Risk
dido pelas administrações municipais. Management.

Palavras-chave: Mapeamento, Planejamento Urbano,


Gestão de Risco.

1 INTRODUÇÃO rança na convivência com os riscos, visto que a


década de 90 foi fortemente marcada pelas aná-
Embora atualmente o percentual da popula- lises dos processos destrutivos e de tecnologias
ção mundial urbana esteja em cerca de 50%, com para a avaliação, compreensão e minimização das
crescimento de aproximadamente 750 milhões em suscetibilidades.
1950 para 3,6 bilhões de habitantes em 2011, a po- Uma das atividades desenvolvidas neste pe-
pulação urbana brasileira cresceu, em um perío- ríodo foi a campanha de conscientização pública
do de 60 anos (entre 1950 e 2018) de 51 milhões sobre cidades em risco (ODA, 1996), em comple-
para mais de 211,8 milhões de habitantes (IBGE, mentação à Conferência Mundial sobre Assenta-
2018). No ano de 1950, 36,2% da população brasi- mentos Humanos – HABITAT II, realizada em Is-
leira vivia nas cidades, enquanto o censo de 1980 tambul em 1996. Já em maio de 1994 foi realizada
mostrou que este universo passou para 67,6%. No uma Conferência Mundial em Yokohama (Japão),
censo de 2010 (IBGE, 2010) 84,4% da população na qual foi aprovado o documento “Estratégia
brasileira já se encontrava instalada nas cidades, de Yokohama para um Mundo mais Seguro: Di-
confirmando as preocupantes tendências de con- retrizes para Prevenção, Resposta e Mitigação de
centração urbana no país. Desastres Naturais”, contendo um Plano de Ação
O acelerado processo de adensamento po- (1994-2004). Uma segunda Conferência Mun-
pulacional e a necessidade de expansão das áreas dial para a Redução de Desastres foi realizada
urbanas são realidades enfrentadas pela maio- em janeiro de 2005, em Kobe (Japão), logo após
ria das cidades brasileiras, que vêm sofrendo as a grande catástrofe ocorrida na Ásia, que levou a
consequências da deterioração do meio ambien- comunidade científica, técnica e política a cons-
te em função de atividades inadequadas nelas truir um conjunto de diretrizes que compõem o
desenvolvidas. “Marco de Ação de Hyogo” para o decênio 2005-
Concomitantemente ao crescimento popula- 2015: “construindo a resiliência das nações e das
cional, a recorrência de desastres naturais regis- comunidades aos desastres”, com o propósito
trados em quase todo o planeta tem despertado, de estimular a criação de Plataformas Nacionais
desde o final da década de 1980, a consciência da para Redução de Riscos de Desastres (PNRRD).
necessidade de se buscar soluções compartilha- A terceira Conferência Mundial foi realizada em
das, o que levou a Organização das Nações Uni- 2011, em Genebra, na Suíça. Em 2007 o Fórum das
das (ONU) a instituir a década de 90 como a Dé- Américas sobre Leis e Normas para Redução de
cada Internacional para a Redução dos Desastres Desastres foi realizado no Panamá, no qual uma
Naturais (resolução 46/182, de 22 de dezembro de das avaliações foi que a produção e difusão de co-
1989), e a se dedicar pela continuidade do esforço nhecimentos associado ao comprometimento po-
internacional sob a denominação de Estratégia In- lítico e institucional nos países mais vulneráveis,
ternacional para a Redução de Desastres (EIRD), tem trazido resultados concretos, embora ainda
reestruturada e redirecionada para aprofundar descontínuos e insuficientes. Dando continuidade
questões relacionadas a maiores níveis de segu- às ações definidas pelo Marco de Ação de Hyogo,

103
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

em 2015 foi definido na Assembleia do Escritório mas Temáticos e de Gestão, nos programas asso-
de Redução de Riscos de Desastres da ONU, rea- ciados à gestão de riscos e respostas a desastres
lizada na cidade de Sendai, no Japão o Marco de estabeleceu-se como principais metas a ampliação
Ação de Sendai, estabelecendo diretrizes para que do conhecimento público sobre as áreas de risco
os governos locais possam investir no desenvol- nos municípios mais críticos, por meio do mapea-
vimento da resiliência. Como objetivos principais mento da suscetibilidade geológica-geotécnica
destaca-se a redução de riscos de desastres exis- aos fenômenos de deslizamentos, inundações e
tentes e prevenir novos riscos por meio da imple- enxurradas; do mapeamento de riscos nas áreas
mentação de medidas integradas e inclusivas em ocupadas; da definição de diretrizes para a ocu-
âmbito econômico, estrutural, legal, social, saúde, pação urbana segura; e do monitoramento para
cultural, educacional, ambiental, tecnológico, po- reduzir a ocupação de áreas de maior fragilidade
lítico e institucional que previnam e reduzam a natural.
exposição ao risco e a vulnerabilidade a desastres, Ainda em 2012 destaca-se a decretação da
aprimorando a preparação para a resposta e para Lei 12.608, que institui a Política, o Sistema e o
a recuperação e, consequentemente, fortalecendo Conselho Nacionais de Proteção e Defesa Civil
a resiliência. e autoriza a criação de sistema de informações e
Cabe ressaltar como marco em relação à polí- monitoramento de desastres, tratando destes de
tica pública brasileira, após décadas de crescimen- forma ampla e organizada, abrangendo a identi-
to desordenado e o aumento significativo de ocor- ficação e análise de riscos, as medidas estruturais
rências de desastres naturais, a regulamentação e não-estruturais para mitigação e/ou solução de
da Lei Federal n.º 10.257, de 10 de julho de 2001, problemas, os sistemas de contingência, a capa-
denominada Estatuto da Cidade, que estabelece citação e treinamento dos agentes de proteção e
normas de ordem pública e interesse social que defesa civil e a obrigação da informação pública.
regulam o uso da propriedade urbana em prol do A Lei determina a atuação articulada entre União,
bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos ci- Estados e Municípios; a abordagem sistêmica; a
dadãos, bem como do equilíbrio ambiental. prioridade às ações preventivas; a adoção da ba-
Após a regulamentação do Estatuto das Ci- cia hidrográfica como unidade de análise; o pla-
dades destaca-se, no ano de 2003, a criação do nejamento com base em pesquisas e estudos e a
Ministério das Cidades (MCID) e da Coordenação participação da sociedade civil, que os Estados e
de Prevenção de Riscos vinculada à Secretaria Na- Municípios deverão identificar e mapear áreas de
cional de Programas Urbanos. A partir de então, risco e realizar estudos de identificação de amea-
a análise de risco deixou de ser exclusividade dos ças, suscetibilidades e vulnerabilidades.
projetos acadêmicos ou de iniciativas individuais Passados quase dez anos da decretação da
de algumas poucas cidades no Brasil, passando Lei 12.608 muitos novos “mapas” de risco, susce-
a se constituir como um embrião de uma políti- tibilidade e aptidão foram elaborados no território
ca pública, pouco respaldada politicamente, mas nacional, mas nenhuma discussão ocorreu sobre o
capaz de desenvolver e implementar uma ação or- uso adequado das informações, sobre a aplicabi-
çamentária denominada “Apoio à Prevenção de lidade das informações geradas e correlação com
Riscos em Assentamentos Precários”. planos diretores, planos de contingência, planos
Já em 2012 abriu-se uma nova janela de opor- preventivos de defesa civil, entre outros e, prin-
tunidades para a consolidação de uma gestão cipalmente, se o que foi estabelecido na Lei tem
adequada do meio físico, de riscos e desastres no sido cumprido. Faltam análises sobre a participa-
país, destacando-se a formulação do Plano Pluria- ção da sociedade na elaboração dos mapeamentos
nual (PPA) 2012-2015, a nova política estabeleci- como previsto em Lei, se os Estados e municípios
da pela Lei 12.340/10, que dispõe sobre o Sistema avançaram na identificação e mapeamento de
Nacional de Defesa Civil – SINDEC, e os recursos seus territórios e de suas áreas de risco geológico
alocados para intervenções estruturadoras atra- e hidrológico, se as ações preventivas estão sendo
vés do Programa de Aceleração do Crescimento efetivamente desenvolvidas ou se estamos apenas
(PAC). Para o PPA 2012 – 2015, entre os Progra- gerando documentos para o cumprimento buro-

104
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL

crático dos processos administrativos e/ou jurídi- mento ambiental, assim, pode ser definido como
cos. Esse artigo não tem a pretensão de responder um processo político, social, econômico e tecno-
todas essas questões em aberto, mas ao descrever lógico, que deve possuir um caráter educativo e
resumidamente os instrumentos hoje existentes participativo, onde os agentes que representam a
no território nacional e a forma como estes estão sociedade (políticos, líderes comunitários, repre-
sendo aplicados amplia-se a percepção da neces- sentantes de instituições governamentais e civis,
sidade de uma visão mais integrada do sistema e poder público federal, estadual e municipal) de-
de um efetivo Plano Nacional de Gestão de Riscos verão escolher as melhores alternativas para a
e Resposta a Desastres. conservação dos recursos naturais, consoante com
um desenvolvimento compatível e equilibrado
com o ambiente.
2 CONTEXTUALIZAÇÃO Calderón e Segura (1996); Bonduki (1998,
apud Carriço, 2002) destacam que, no fenômeno
Remonta da década de 1980 o debate sobre a
de urbanização, a intervenção antrópica é quase
necessidade de o Governo Federal assumir de for-
sempre geradora de problemas imediatos ou de
ma coordenada ações referentes ao ordenamento
médio prazo, seja pela inadequação ou não apti-
do território nacional, mas apenas em 1988, a Car-
dão geotécnica das áreas ocupadas para o uso ur-
ta Magna estabeleceu, em seu Artigo 21, parágra-
bano, seja pela ocupação de áreas de menor valor
fo IX: “Compete à União elaborar e executar planos
imobiliário, e/ou pela instalação de bairros e as-
nacionais e regionais de ordenação do território e de
sentamentos em áreas de proteção ambiental.
desenvolvimento econômico e social”. Para cumprir
Um resgate histórico no Brasil, mesmo que
este preceito constitucional, em 1990 foi criada a
breve, nos traz um panorama com a ocorrência
Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE e, a ela
de muitos desastres sócio naturais destacando-se
subordinada, a Diretoria de Ordenação Territo-
entre outros, o do Vale do Paraíba do Sul (MG e
rial (DOT), cuja estratégia básica se concentrou na
RJ) em 1948 com 250 vítimas fatais; o de Caragua-
elaboração de planos de zoneamento ecológico-
tatuba (SP) em março de 1967 com pelo menos 120
-econômico (ZEE). Em 1999, mediante a Medida
vítimas; o da Serra das Araras (RJ) em janeiro de
Provisória 1.795/99, a SAE foi extinta e as suas
1967 com, no mínimo, 1700 vítimas fatais; o de Vi-
atribuições referentes ao ZEE transferidas para o
tória (ES) em 1985 com 93 vítimas e o de Petrópo-
Ministério do Meio Ambiente pela Medida Pro-
lis (RJ) em fevereiro de 1988, com 171 vítimas fa-
visória 1.911-8/99, e em 2003, a Lei 10.683/03,
tais registradas oficialmente. Mais recentemente,
que estabeleceu as atribuições de cada Ministério,
as inundações em novembro de 2008 e setembro
conferiu a responsabilidade sobre o ordenamento
de 2011 no Vale do Itajaí em Santa Catarina e em
territorial ao Ministério da Integração Nacional e
junho de 2010 na região Nordeste, as enxurradas
ao Ministério da Defesa. A partir daí ainda se en-
e deslizamentos em janeiro de 2011 na região ser-
contra em aberto a elaboração de uma proposta
rana do Rio de Janeiro, as cheias neste mesmo ano
de Política Nacional de Ordenamento Territorial
na Região Norte, a seca severa no Semiárido Nor-
(PNOT).
destino em 2012, as inundações no Espírito Santo
A Gestão Ambiental e o Ordenamento Ter-
em 2013/2014, e as inundações e deslizamentos
ritorial são processos continuados de análise, de-
na Região Sudeste em 2019/2020.
cisão, organização das atividades, controle dos
Segundo o Atlas Brasileiro de Desastres Na-
dados, cuja integração das etapas elencadas deve
turais (BRASIL, 2011), foram registrados no Brasil
possibilitar a avaliação dos resultados visando à
31.909 desastres naturais no período 1991-2010,
utilização dos recursos naturais com minimização
relacionados com as secas, inundações bruscas
dos impactos ambientais, a partir da formulação
e graduais, vendavais, granizo, movimentos de
e implementação de políticas e ações efetivas que
massa, incêndios florestais, geadas, tornados e
permitam vislumbrar as possíveis consequências
erosões linear, marinha e fluvial. Este levanta-
futuras, em decorrência do uso dos recursos na-
mento foi baseado nos documentos da Secretaria
turais, sejam elas positivas ou negativas. Planeja-
Nacional de Defesa Civil – SEDEC, nas defesas

105
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

civis estaduais e do Distrito Federal, sendo certo pelo meio físico, aumenta a vulnerabilidade das
que os registros devem estar subnotificados. populações, bens e infraestrutura, promovendo
Ao mesmo tempo, de acordo com o Painel uma combinação perigosa. Soma-se a esse con-
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas texto a atuação de sistemas atmosféricos distintos
Globais (IPCC), e o que aponta o primeiro Rela- em diferentes épocas do ano, que além de defla-
tório de Avaliação Nacional (RAN1), lançado em grarem os processos mencionados, ainda podem
2013 pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáti- causar tornados, chuvas intensas e concentradas,
cas (PBMC), a temperatura média do planeta su- granizos, secas e estiagens prolongadas, resultan-
biu 0,7ºC ao longo do século 20, e esse aquecimen- do em danos severos à sociedade.
to vem ocorrendo de maneira mais rápida nos A comunidade técnico-científica teve, duran-
últimos 25 anos. Em geral, espera-se uma eleva- te as três últimas décadas, uma ação importante
ção em torno de 4°C nas próximas décadas, o que em relação à produção de Cartografia Geotécnica
vai desencadear várias alterações em todo o pla- e Geoambiental, com a realização de pelo menos
neta, como mudança no regime das chuvas; ele- um evento anual tratando a temática em Simpó-
vação do nível do mar; e aumento na frequência sios e Congressos nacionais nas áreas de Geologia
de eventos climáticos extremos, como enchentes, e Geologia de Engenharia ou em eventos especí-
tempestades, furacões e secas; além de interferir ficos, de caráter local, regional, nacional e inter-
na agricultura e contribuir para o processo de de- nacional que, associados aos recorrentes desas-
sertificação. No Brasil, o clima ficará mais quente tres relacionados a deslizamentos e inundações,
com aumento gradativo e variável da temperatu- impulsionaram o desenvolvimento de inúmeros
ra média em todas as regiões do país, e o regime trabalhos e muitos procedimentos metodológicos,
de chuvas também vai mudar. As precipitações bem como o surgimento de centros produtores
diminuirão significativamente em grande parte deste tipo de cartografia, tais como a Universi-
das regiões central, Norte e Nordeste do país e dade Federal do Rio de Janeiro, a EESC-USP São
aumentarão nas regiões Sul e Sudeste. Carlos, o Instituto de Pesquisa Tecnológicas do
Os números apresentados indicam a urgen- Estado de São Paulo, o Instituto Geológico (IG), a
te necessidade das cidades incorporarem a carto- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, den-
grafia geotécnica nos diagnósticos do meio físico tre outros, além da formação de importantes gru-
(suscetibilidade, perigo, risco e aptidão) transver- pos de pesquisa, tendo como pioneiro o IPT (São
salmente à gestão pública, com a adoção de me- Paulo), produzindo e irradiando conhecimentos
didas (planejamento/zoneamento urbano e rural) técnicos de avaliação e gestão de risco, seguido
anteriormente à deflagração de processos geoló- por grupos no Rio de Janeiro (GEORIO), Recife
gicos e hidrológicos, a partir da previsão de con- (UFPE), Florianópolis (UFSC e CEPED-SC), Rio
dições potencialmente favoráveis à sua ocorrên- Claro (UNESP), Ouro Preto (UFOP) entre outros.
cia, e para isso tem que haver o interesse político A profusão de trabalhos, geralmente produtos
com uma forte coordenação de governo, sem abrir de pesquisas acadêmicas e quase sempre desen-
mão da participação indispensável da sociedade. volvendo, testando ou adaptando procedimentos
Condições geológicas, geomorfológicas, cli- metodológicos, possibilitou o mapeamento de um
máticas e a contínua expansão desordenada da considerável número de cidades e regiões.
urbanização levam a situações extremamente crí- A sequência de desastres a partir de 2008 im-
ticas por todo o planeta. No Brasil não é diferente pulsionou a elaboração de inúmeros trabalhos de
e diversos fatores contribuem para a ocorrência mapeamento, além dos trabalhos associados ao
dos desastres sócio naturais, tais como as carac- meio acadêmico, a partir da criação de programas
terísticas do relevo, que associados aos contextos e sistemáticas envolvendo, principalmente, o Mis-
geológicos favorecem a ocorrência natural de dife- tério das Cidades, o Ministério da Integração Na-
rentes processos geológicos e hidrológicos. O pro- cional e agora o Ministério do Desenvolvimento
cesso de ocupação realizado de forma inadequada Regional.
e sem nenhuma forma de planejamento que in- Com a criação do Ministério das Cidades
corpore efetivamente as especificidades impostas em janeiro de 2003 e quase simultaneamente da

106
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL

Coordenação de Prevenção de Riscos vinculada tos de Engenharia para 17 Municípios do Estado,


à Secretaria Nacional de Programas Urbanos, a com a formulação de estratégias, diretrizes e pro-
identificação de risco deixou de estar relaciona- cedimentos para ampliar o conhecimento sobre
da exclusivamente aos projetos acadêmicos, ou a os processos geodinâmicos visando, consequen-
programas e ações isoladas de algumas cidades temente, reduzir os riscos e minimizar o impacto
no Brasil. Em 17 anos de programa estabeleceu-se relacionado aos desastres.
uma ação com alguma continuidade que, embo- Já no Estado de São Paulo a identificação do
ra incipiente e pouco respaldada politicamente, risco iniciou-se na década de 1980, quando o Go-
foi capaz de desenvolver uma ação orçamentária verno Estadual criou, em Cubatão, a Comissão
denominada “Apoio à Prevenção de Riscos em de Restauração da Serra do Mar, que montou um
Assentamentos Precários”. O ponto de partida foi primeiro sistema de gestão e monitoramento que
um diagnóstico de aproximadamente 61 cidades propiciou os estudos de correlação chuva x desli-
com ocorrência de desastres e/ou vítimas fatais, zamentos desenvolvidos pelo Instituto de Pesqui-
o que possibilitou, naquele momento, a identifi- sas Tecnológicas de São Paulo – IPT (Tatizana et
cação de um primeiro cenário a ser considerado al., 1987), sendo o instrumento mais representa-
para o estabelecimento de prioridades em relação tivo implantado em 1988, com o nome de Plano
a realização da identificação e mapeamento de ris- Preventivo de Defesa Civil – PPDC, para os mu-
co em escala de detalhe (1:2.500) de assentamentos nicípios da Baixada Santista e Litoral Norte do es-
precários em áreas de encostas e margens de rios, tado de São Paulo. Atualmente, o PPDC em São
bem como a capacitação dos técnicos municipais Paulo está atuante em 177 municípios, sob a coor-
ligados à defesa civil, a execução de obras e con- denação da Defesa Civil Estadual. Em 2020 o Go-
trole urbano e à elaboração de Planos Municipais verno de São Paulo, por meio do Instituto Geoló-
de Redução de Risco – PMRR. gico (IG) e com o apoio da Defesa Civil, entregou
Outras ações relacionadas à identificação do o mapeamento de risco para as áreas suscetíveis
risco foram realizadas pela Companhia de Pesqui- a desastres relacionados a inundações, escorre-
sa de Recursos Minerais – CPRM, o serviço geoló- gamentos e erosões, a 38 municípios. Os estudos
gico brasileiro, que ficou encarregada de delimi- fazem parte do “Programa Transporte, Logística e
tar as áreas com maior predisposição a problemas Meio Ambiente – Projeto Transporte Sustentável
geológicos e hidrológicos em 286 cidades brasilei- de São Paulo (PTLMA)”, implementado pelo De-
ras até o final do ano de 2012, em caráter emergen- partamento de Estradas de Rodagem (DER/SP) e
cial, para dar suporte ao monitoramento de riscos foram financiados pelo The World Bank (Banco
do CEMADEN e CENAD, sendo que o objetivo Mundial) e o componente “Aumento da resiliên-
principal foi atingir 821 municípios até 2014. cia do Estado para desastres naturais”
A estas ações voltadas para a identificação
dos riscos naturais somam-se as realizadas por
três estados brasileiros.
3 INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO,
No Estado do Rio de Janeiro o Núcleo de Aná- REDUÇÃO E GESTÃO DE RISCO
lise e Diagnóstico de Escorregamento do Departa- GEOLÓGICO E HIDROLÓGICO
mento de Recursos Minerais (DRM) avançou sig-
Atualmente, pode-se afirmar que os princi-
nificativamente no seu programa de mapeamento
pais instrumentos existentes no Brasil envolven-
do risco associado a deslizamentos, totalizando 85
do, mesmo que parcialmente, o planejamento, a
municípios mapeados segundo a sua própria con-
avaliação, gerenciamento e/ou a gestão do risco
ceituação e metodologia até o ano de 2013.
são os Planos de Contingência, os Planos Muni-
No Estado do Espírito Santo por intermédio
cipais de Redução de Risco (PMRR), os Mapas de
da Secretaria de Saneamento, Habitação e De-
Setorização de Riscos do Serviço Geológico do
senvolvimento Urbano – SEDURB concluiu-se
Brasil (CPRM), os Planos Preventivos de Defesa
em 2014 a execução do Plano Diretor de Águas
Civil, as Cartas de Suscetibilidade e de Aptidão à
Pluviais/Fluviais (PDAP), do Plano Municipal de
Urbanização e, mais recentemente, os Mapas de
Redução de Risco Geológico (PMRR) e de Proje-

107
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Perigo e Risco do Projeto de Fortalecimento da da transparência à gestão de riscos e desastres no


Estratégia Nacional de Gestão Integrada de Ris- Brasil, por meio da informatização de processos
cos em Desastres Naturais (GIDES), fruto de um e disponibilização de informações sistematiza-
acordo de cooperação firmado entre os governos das. Entretanto, o que se percebe na prática é que
do Brasil e do Japão. o Módulo PLANCON – Planos de Contingência
Municipais (ferramenta informatizada para a ela-
boração dos planos de contingência) que compõe
3.1 Plano de Contingência – PLANCON a estrutura do S2iD embora descrito como um
instrumento para um planejamento tático, ainda
O Plano de Contingência – PLANCON é um ins-
carece de discussões mais aprofundadas sobre a
trumento previsto na Política Nacional de Prote-
qualidade das informações geradas nos territó-
ção e Defesa Civil – PNPDEC, Lei 12.608/12. Fun-
rios municipais. O sistema conta hoje com mais
ciona como um planejamento da resposta e por
de 18.600 usuários ativos, distribuídos em 4.766
isso, deve ser elaborado fora de períodos críticos,
municípios do país, refletindo um descolamento
quando são definidos os procedimentos, ações e
preocupante entre o número de municípios inse-
decisões que devem ser tomadas na ocorrência do
ridos no sistema e a realidade no que se refere a
desastre. Nesse contexto, a PNPDEC atribui a res-
existência de planos de contingência aderentes às
ponsabilidade pela execução do Plano de Contin-
realidades municipais. Outro ponto que merece
gência aos Municípios. Aos Estados e União cabe
destaque é a impossibilidade de se acessar o pla-
a função de apoiar a execução local, a exemplo
no de contingência de um município a partir da
da criação, pelo governo federal, de um módulo
Plataforma, o que impede de se atender um dos
específico de registro dos planos no Sistema In-
preceitos fundamentais da gestão do risco que
tegrado de Informações sobre Desastres – S2ID.
é a publicização das informações e a promoção
A legislação vigente aborda, de forma prática, al-
da autoproteção.
guns aspectos relacionados aos Planos de Contin-
gência. De modo geral, há citações em duas leis,
a 12.608/2012, e a Lei 12.340/2010 (alterada pela 3.2 Plano Municipal de Redução de Risco –
primeira e pela Lei 12.983/2014), que dispõe sobre PMRR
o Sistema Nacional de Defesa Civil – SINDEC, da
qual se pode extrair conceitos relacionados à ela- O Plano Municipal de Redução de Risco é
boração e ao conteúdo mínimo para os Planos de um instrumento enquadrado tecnicamente nas
Contingência. Políticas Públicas de Gestão de Riscos e Resposta
Embora obrigatórios e imprescindíveis para o ma- a Desastres do Governo Federal, principalmente
nejo adequado dos desastres, na prática, este ins- no que indica os programas e ações de prevenção
trumento tem sido construído pelos municípios e mapeamento do antigo Ministério das Cidades,
apenas para cumprimento de sua obrigatorieda- hoje Ministério do Desenvolvimento Regional. A
de, descolados das realidades locais. Um percen- sua elaboração engloba importantes discussões
tual elevado de planos não possui a adequada sobre o reconhecimento dos processos geológi-
delimitação dos cenários dos riscos (geológicos, cos e hidrológicos mais recorrentes nos territórios
hidrológicos e outros), o que se reflete diretamen- municipais, e como devem ser aplicadas as técni-
te na sua concepção, objetivos e operação, dificul- cas de identificação, classificação, monitoramen-
tando e por vezes impossibilitando a realização to e prevenção de riscos nas áreas urbanas. Tem
de ações de prevenção e preparação, bem como o como um dos seus objetivos fortalecer a gestão
entendimento e aceitação por parte da sociedade urbana nos setores sujeitos a fatores de riscos, in-
dos alertas emitidos. É importante reconhecer que vestindo no conhecimento do problema para que
o Sistema Integrado de Informações sobre Desas- técnicos e gestores municipais assumam uma pos-
tres S2iD, que é a plataforma do Sistema Nacio- tura mais proativa que lhes permita, juntamente
nal de Proteção e Defesa Civil que integra diver- com a participação ativa das comunidades envol-
sos produtos da Sedec, é um avanço na direção vidas, a montagem plena de um sistema munici-

108
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL

pal de gerenciamento e gestão do risco geológico to, não mais do que 150 municípios brasileiros
e hidrológico. Entre os instrumentos existentes é o conseguiram de alguma forma elaborar na íntegra
único que é executado na escala de detalhe e que o seu PMRR retratando a dificuldade de dissemi-
envolve a participação dos técnicos municipais e nação e/ou execução desse instrumento (Tabelas
da população em sua construção. Entretanto, até o 1 a 6). Ressalta-se, também, que nenhuma revisão
ano de 2020, 17 anos após a criação do instrumen- metodológica ocorreu desde a sua implantação.

Tabela 1. Municípios com Plano Municipal de Redução de Risco – PMRR nos estados de Alagoas, Ceará e Pernambuco.

MUNICÍPIO UF MUNICÍPIO UF
Maceió AL Itapissuma PE
Fortaleza CE Jaboatão dos Guararapes PE
Abreu e Lima PE Olinda PE
Cabo De Santo Agostinho PE Paulista PE
Camaragibe PE Recife PE
Igarassu PE São Lourenço Da Mata PE
Ipojuca PE Natal RN

Tabela 2. Municípios com Plano Municipal de Redução de Risco – PMRR no estado do Espírito Santo.

MUNICÍPIO UF MUNICÍPIO UF

Afonso Cláudio ES Marechal Floriano ES


Alegre ES Mimoso Do Sul ES
Aracruz ES Santa Leopoldina ES
Bom Jesus Do Norte ES Santa Maria De Jetibá ES
Castelo ES Santa Teresa ES
Colatina ES Serra ES
Domingos Martins ES Rio Novo Do Sul ES
Guaçuí ES Vargem Alta ES
Ibatiba ES Viana ES
Iconha ES Vila Velha ES
João Neiva ES Vitória ES

109
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Tabela 3. Municípios com Plano Municipal de Redução de Risco – PMRR no estado de Minas Gerais.

MUNICÍPIO UF MUNICÍPIO UF

Além Paraíba MG Mariana MG


Barbacena MG Matozinhos MG
Belo Horizonte MG Muriaé MG
Betim MG Nova Lima MG
Brumadinho MG Pedro Leopoldo MG
Caeté MG Poços De Caldas MG
Cataguases MG Ponte Nova MG
Caratinga MG Raposos MG
Contagem MG Ribeirão Das Neves MG
Coronel Fabriciano MG Rio Acima MG
Governador Valadares MG Sabará MG
Ibirité MG Santa Luzia MG
Ipatinga MG Timóteo MG
Itabira MG Vespasiano MG
Juiz De Fora MG

Tabela 4. Municípios com Plano Municipal de Redução de Risco – PMRR no estado do Rio de Janeiro.

MUNICÍPIO UF MUNICÍPIO UF

Angra dos Reis RJ Nova Friburgo RJ


Barra Mansa RJ Paraíba do Sul RJ
Belford Roxo RJ Paraty RJ
Campos dos Goytacazes RJ Paty do Alferes RJ
Cantagalo RJ Petrópolis RJ
Carmo RJ São Gonçalo RJ
Comendador Levy Gasparian RJ São Joao De Meriti RJ
Duque De Caxias RJ Sapucaia RJ
Marica RJ São Sebastião do Alto RJ
Miracema RJ Teresópolis RJ
Niterói RJ Três Rios RJ

Tabela 5. Municípios com Plano Municipal de Redução de Risco – PMRR nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

MUNICÍPIO UF

Caxias Do Sul RS
Santa Maria RS
Blumenau SC
Criciúma SC
Florianópolis SC
Jaraguá Do Sul SC

110
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL

Tabela 6. Municípios com Plano Municipal de Redução de Risco – PMRR no estado de São Paulo.

MUNICÍPIO UF MUNICÍPIO UF

Aparecida SP Jundiaí SP
Arujá SP Limeira SP
Bom Jesus Dos Perdões SP Mauá SP
Caieiras SP Osasco SP
Campos Do Jordão SP Piquete SP
Caraguatatuba SP Poá SP
Carapicuíba SP Ribeirão Pires SP
Cubatão SP Rio Grande da Serra SP
Cunha SP Santana de Parnaíba SP
Diadema SP Santo André SP
Embu Das Artes SP Santos SP
Francisco Morato SP São Bernardo Do Campo SP
Franco Da Rocha SP São Jose Dos Campos SP
Guarujá SP São Sebastião SP
Guarulhos SP São Paulo SP
Itapecerica Da Serra SP São Vicente SP
Itapevi SP Sumaré SP
Itápolis SP Suzano SP
Itaquaquecetuba SP Taboão Da Serra SP
Jacareí SP Vargem Grande Paulista SP
Jandira SP

3.3 Plano Preventivo de Defesa Civil (PPDC) vistorias de campo e atendimentos emergenciais.
Como acontece com os Planos de Contingência,
O Plano Preventivo de Defesa Civil (PPDC) na prática e em grande parte dos municípios,
é um instrumento implantado pelo Governo do ocorrem problemas na delimitação dos cenários
Estado de São Paulo (Decreto Estadual nº 30.860 de riscos geológicos e hidrológicos, o que pode ser
de 04/12/1989, redefinido pelo Decreto Estadual associado às dificuldades de estruturação, qualifi-
nº42.565 de 01/12/1997), específico para desliza- cação e continuidade administrativa das equipes
mentos nas encostas da Serra do Mar, tendo por municipais de Defesa Civil, que é um problema
objetivo principal evitar a ocorrência de mortes, em todo o país. Entretanto, a metodologia propos-
com a remoção preventiva e temporária da po- ta para a sua elaboração e o apoio técnico forne-
pulação que ocupa as áreas de risco, antes que os cido pelo IPT e pelo IG é um avanço importante
deslizamentos atinjam suas moradias. Implanta- quando comparado aos Planos de Contingência
do desde 1988, o PPDC entra em operação anual- pelo suporte técnico qualificado prestado, o que
mente (de 1º de dezembro até 31 de março), na não se replica em nenhum outro estado brasileiro.
chamada Operação Verão, com coordenação da
Defesa Civil Estadual e apoio técnico do Institu-
to Geológico e do Instituto de Pesquisas Tecno- 3.4 Setorização de Riscos – CPRM
lógicas do estado de São Paulo. Posteriormente
Os Mapas de Setorização de Riscos foram
foi ampliado e implantado em 177 municípios do
fruto de ação uma emergencial onde o Serviço
Estado, envolve ações de monitoramento dos ín-
Geológico do Brasil – CPRM ficou encarregado de
dices pluviométricos e da previsão meteorológica,

111
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

delimitar as áreas com maior predisposição a pro- tro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desas-
blemas geológicos e hidrológicos em 286 cidades tres (CENAD), sendo que o objetivo principal foi
brasileiras até o final do ano de 2012, em caráter atingir 821 municípios até 2014. Até meados do
emergencial, para dar suporte ao monitoramento ano de 2021 a setorização do risco foi realizada em
de riscos do Centro Nacional de Monitoramento e 1609 municípios brasileiros abrangendo os 26 es-
Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e Cen- tados brasileiros (Tabela 7).

Tabela 7. Número de municípios por estado com setorização de risco da CPRM. Fonte: CPRM, 2021.

N.º DE
N.º DE MUNICÍPIOS
UNIDADE FEDERATIVA MUNICÍPIOS UNIDADE FEDERATIVA
MAPEADOS
MAPEADOS
Acre (Ac) 22 Paraíba (Pb) 40
Alagoas (Al) 31 Paraná (Pr) 48
Amapá (Ap) 08 Pernambuco (Pe) 88
Amazonas (Am) 62 Piauí (Pi) 46
Bahia (Ba) 87 Rio De Janeiro (Rj) 06
Ceará (Ce) 69 Rio Grande Do Norte (Rn) 28
Espírito Santo (Es) 78 Rio Grande Do Sul (Rs) 57
Goiás (Go) 27 Rondônia (Ro) 52
Maranhão (Ma) 88 Roraima (Rr) 05
Mato Grosso (Mt) 20 Santa Catarina (Sc) 295
Mato Grosso Do Sul (Ms) 22 São Paulo (Sp) 119
Minas Gerais (Mg) 193 Sergipe (Se) 29
Pará (Pa) 74 Tocantins (To) 15

Por ser uma ação emergencial, entre outras Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desas-
questões técnicas relacionadas ao instrumento, o tres – CENAD e dão suporte à emissão de avisos e
resultado prático obtido com as primeiras setori- alertas meteorológicos, independente de quando
zações foi a definição das áreas que devem ser car- tenham sido geradas.
tografadas na escala de detalhe para a delimitação
do risco nos municípios mapeados, em programas
específicos para esta finalidade, impedindo assim
3.5 Cartas de Perigo – CPRM
o uso das informações geradas para uma gestão
O Projeto de Fortalecimento da Estratégia
efetiva dos riscos.
Nacional de Gestão Integrada de Riscos em De-
Entretanto, o que merece mais destaque é o
sastres Naturais (GIDES) é fruto de um acordo
fato de os resultados gerados pela setorização do
firmado entre os governos do Brasil e do Japão,
risco pela CPRM, mesmo estando, por vezes, em
como parte do esforço para o gerenciamento in-
escalas inadequadas e já se encontrarem defasa-
tegrado de riscos de desastres naturais ocasiona-
dos, têm sido utilizados pelos Ministérios Públi-
dos por movimentos gravitacionais de massa, tais
cos Municipais e Estaduais, por meio de ações
como deslizamentos planar e rotacional, fluxo de
judiciais e Termos de Ajustamento de Conduta
detritos e queda de blocos. O acordo foi firma-
(TAC), para pressionarem os municípios na reali-
do em 2013 por intermédio de Japan Internacional
zação de intervenções estruturais e/ou remoções
Cooperation Agency (JICA) e Agência Brasileira de
em massa. Além disso, as informações geradas
Cooperação (ABC), com a participação de diver-
desde o ano de 2012 são disponibilizadas para o
sos órgãos do governo brasileiro. Como resultado
Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de
dessa cooperação, foram produzidos seis manuais
Desastres Naturais – CEMADEN, e para o Centro
técnicos, com os quais se objetiva auxiliar as ad-

112
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL

ministrações estaduais e municipais na prepara- rência de processos geodinâmicos está condicio-


ção de estratégias de atuação frente a desastres e nada pela predisposição natural do meio físico ao
situações de emergência vivenciadas pela popula- seu desenvolvimento, podendo em alguns casos
ção. Foram elaboradas Cartas de Perigo e Risco em ter como um elemento adicional às práticas de uso
5 municípios brasileiros até o ano de 2021 (Tabela e ocupação do solo. Assim, estudos de suscetibi-
8). Embora recente, com lançamento oficial dos re- lidade destacam um ou mais fenômenos naturais
sultados no segundo semestre do ano de 2018, por e o comportamento dos terrenos frente ao uso do
se tratar de um projeto que visa sua replicação em solo pretendido. Nos estudos de suscetibilida-
todo o território nacional seria oportuna a amplia- de devem ser avaliados os processos que podem
ção dentro do meio técnico da discussão sobre a ocorrer em áreas mais abrangentes e com agen-
metodologia proposta diante das especificidades tes deflagradores de maior magnitude, indepen-
do meio físico de cada um dos estados brasileiros. dentemente da ocupação destas áreas, buscando
avaliações mais gerais dos terrenos quanto ao seu
Tabela 8. Municípios com Cartas de Perigo do Projeto GI-
comportamento frente aos processos envolvidos e
DES. Fonte: CPRM, 2021. representando os resultados em cartas. Têm cará-
ter eminentemente orientativo e são mais eficazes
MUNICÍPIO UF no planejamento urbano e ordenamento territo-
Braço do Norte SC rial em um nível mais macro, buscando indicar
Guaramirim SC as áreas mais propícias para os diversos usos e
Herval D’Oeste SC ocupações, assim como as restrições existentes
Rio do Sul SC nos demais locais. A Carta Geotécnica de Susce-
Santo Amaro da Imperatriz SC tibilidade é uma leitura do meio físico obrigatória
desde o Estatuto das Cidades (Lei 10.257, de 10 de
Julho de 2001) devendo sempre ser incorporada
3.6 Cartas Geotécnicas de Suscetibilidade na elaboração e/ou revisão dos Planos Diretores
Municipais bem como outros instrumentos que
Entende-se aqui por suscetibilidade a poten-
envolvam o diagnóstico do meio físico. O servi-
cialidade de processos geológicos (movimentos
ço geológico do Brasil elaborou e/ou contratou
gravitacionais de massa, inundações/enchentes/
desde o ano de 2012, 526 cartas de suscetibilidade
alagamentos, corridas, erosões, assoreamento,
em cumprimento ao Plano Nacional de Gestão de
subsidências e colapsos, processos costeiros, sis-
Riscos e Resposta a Desastres Naturais (Tabela 9).
mos induzidos etc.) causarem transformações do
Entretanto, centenas de outras cartas têm sido ela-
meio físico, independentemente de suas conse-
boradas no território nacional quando da elabora-
quências para as atividades humanas (Sobreira e
ção e/ou revisão de Planos Diretores Municipais,
Souza, 2012). Neste caso, a possibilidade de ocor-
bem como em projetos acadêmicos.

113
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Tabela 9. Número de municípios por Estado com Cartas de Suscetibilidade a Movimentos Gravitacionais de Massa e Inunda-
ções elaboradas e/ou contratadas pela CPRM.

UNIDADE N.º DE MUNICÍPIOS UNIDADE N.º DE MUNICÍPIOS


FEDERATIVA MAPEADOS FEDERATIVA MAPEADOS
Acre (AC) 01 Paraíba (PB) 00
Alagoas (AL) 07 Paraná (PR) 08
Amapá (AP) 03 Pernambuco (PE) 23
Amazonas (AM) 01 Piauí (PI) 04
Bahia (BA) 07 Rio De Janeiro (RJ) 92
Ceará (CE) 07 Rio Grande Do Norte (RN) 01
Distrito Federal (DF) 00 Rio Grande Do Sul (RS) 10
Espírito Santo (ES) 78 Rondônia (RO) 05
Goiás (GO) 01 Roraima (RR) 01
Maranhão (MA) 07 Santa Catarina (SC) 98
Mato Grosso (MT) 01 São Paulo (SP) 104
Mato Grosso Do Sul (MS) 01 Sergipe (SE) 00
Minas Gerais (MG) 43 Tocantins (TO) 06
Pará (PA) 18

Cabe ressaltar que a avaliação da suscetibi- por-se dos dados básicos de uma enorme quanti-
lidade é um problema complexo, multivariado dade de encostas naturais.
e que envolve extrapolação de dados locais para
áreas maiores. Esta prática envolve um alto grau
de incerteza, principalmente em relação ao pro-
3.7 Cartas Geotécnicas de Aptidão à
cesso de classificação e graduação da suscetibili- Urbanização
dade. Nesse sentido a elaboração de uma Carta
Com a promulgação da Lei n° 12.608/2012
de Suscetibilidade deve ser entendida como algo
tornou-se obrigatório para os municípios a execu-
muito além de sua mera concepção, a partir da
ção de um conjunto de ações que compreendem
aplicação de uma metodologia pré-estabelecida.
quatro eixos de atuação: Prevenção, Mapeamento,
O município além de receber a carta deve ser ca-
Resposta e Sistema de Monitoramento e Alerta.
pacitado para entender detalhadamente o seu sig-
No eixo Mapeamento, o Ministério do Desenvol-
nificado e, principalmente, suas limitações.
vimento Regional é responsável pelo apoio aos
Os métodos denominados “qualitativos” e
municípios para a elaboração de cartas de aptidão
“quantitativos relativos” atuais, de previsão de
à urbanização frente aos desastres naturais, ins-
suscetibilidade baseados em elementos geológi-
trumento de planejamento urbano que visa forne-
co/geomorfológicos são subjetivos, pouco preci-
cer subsídios para que os novos projetos de par-
sos e de difícil transporte automático de um lo-
celamento do solo incorporem diretrizes voltadas
cal para outro. Os métodos baseados em critérios
para a prevenção dos desastres, especialmente
“históricos” dependem de um período bastante
aqueles associados a deslizamentos de encostas,
extenso de observações e que nada garante que
enxurradas, corridas de massa, inundações e pro-
locais sem histórico anterior não venham a ter al-
cessos hidrológicos e geológicos correlatos. Trata-
gum processo geodinâmico em um determinado
-se, assim, de um instrumento novo cujas metodo-
momento. Os métodos “absolutos” (determinís-
logias de análise ainda estão em fase de discussão
ticos) atualmente empregados para avaliação de
e consolidação.
estabilidade de taludes, ainda são impraticáveis
A aptidão à urbanização pode ser definida
como método de uso intensivo para essa mesma
como a capacidade dos terrenos para suportar
finalidade, em razão da impossibilidade de dis-
os diferentes usos e práticas da engenharia e do

114
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL

urbanismo, com o mínimo de impacto possível e usuários (públicos e privados), indicando as po-
com o maior nível de segurança (Sobreira e Souza, tencialidades e restrições das áreas no perímetro
2012). Sua análise parte do mapeamento, caracte- urbano dos municípios e em zonas de futura ocu-
rização e integração de atributos do meio físico pação (expansão urbana).
que condicionam o comportamento deste fren- Entre os anos de 2012 e 2021 foram elabora-
te às solicitações existentes ou a serem impostas das aproximadamente 70 cartas de aptidão à ur-
(implantação de infraestrutura e acesso a serviços banização municipais, sendo que a maior parte
urbanos, melhorias habitacionais, parcelamento vinculada a projetos de extensão e/ou pesquisa
do solo, consolidações geotécnicas, regularização (Tabela 10). Embora seja um instrumento obri-
fundiária etc.). As cartas geotécnicas de aptidão gatório estabelecido pela Lei 12.608 que institui
devem sempre considerar que será necessária a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil –
uma abordagem posterior integrada dos diagnós- PNPDEC e pelo Decreto Nº 10.692, de 3 de Maio
ticos dos eixos físico-ambiental (aptidão geotéc- de 2021, que institui o Cadastro Nacional de Mu-
nica à urbanização), urbanístico, jurídico-legal e nicípios com Áreas Suscetíveis à Ocorrência de
socioeconômico-organizativo das áreas alvo das Deslizamentos de Grande Impacto, Inundações
análises e para tal, os estudos com estes objetivos Bruscas ou Processos Geológicos ou Hidrológicos
devem ser feitos em escala de detalhe e com su- Correlatos, este instrumento ainda não teve seu
porte de dados quantitativos quando necessário. uso compreendido pelas administrações munici-
O resultado destes estudos deve estar represen- pais, além de não possuir uma metodologia de re-
tado cartograficamente de forma direta para os ferência estabelecida que permita sua elaboração.

Tabela 10. Municípios no Brasil com Cartas de Aptidão à Urbanização até o ano de 2020. Fonte: CPRM, 2021.

MUNICÍPIO UF MUNICÍPIO UF
Manaus AM José Boiteux SC
Caucaia CE Luiz Alves SC
Vila Velha ES Navegantes SC
Cataguases MG Nova Trento SC
Ervália MG Nova Veneza SC
João Monlevade MG Palhoça SC
Juiz de Fora MG Presidente Getúlio SC
Manhuaçu MG Rio Fortuna SC
Nova Lima MG Rodeio SC
Ouro Preto MG São José SC
Além Paraíba MG Santo Amaro da Imperatriz SC
Teresina PI Taió SC
Guapimirim RJ Tijucas SC
Itaboraí RJ Timbó SC
Magé RJ Tubarão SC
Valença RJ Caieiras SP
Igrejinha RS Cananéia SP
Alfredo Wagner SC Cajamar SP
Águas Mornas SC Conchas SP
Antônio Carlos SC Itapecerica da Serra SP
Araranguá SC Itapevi SP
Balneário Camboriú SC Mauá SP
Biguaçu SC Mairiporã SP
Blumenau SC Monteiro Lobato SP

115
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

MUNICÍPIO UF MUNICÍPIO UF
Botuverá SC Praia Grande 2016 SP
Brusque SC Rio Grande da Serra SP
Camboriú SC Ribeirão Pires SP
Criciúma SC Santana de Parnaíba SP
Florianópolis SC Santa André SP
Gaspar SC São Bernardo do Campo SP
Governador Celso Ramos SC Abreu e Lima PE
Ilhota SC Cabo de Santo Agostinho PE
Itapema SC Camaragibe PE
Itajaí SC Ipojuca PE
Ituporanga SC Jaboatão dos Guararapes PE

Ressalta-se em relação a cartografia geotécni- tentativa de obter correlações mais quantitativas


ca que, embora a análise de suscetibilidade esta- e/ou objetivas, orientadas por “parâmetros es-
beleça a indicação de áreas mais adequadas para tatísticos ou semi-estatísticos”, com o intuito de
a ocupação e outras com restrições, a metodologia facilitar e agilizar os trabalhos que envolvem aná-
e escala de análise não permitem o detalhamento lise e o zoneamento de suscetibilidade, perigos
que se deve ter na orientação da ocupação urbana e riscos. Entretanto, essas tentativas continuam
propriamente dita (sistemas de espaços públicos e esbarrando em alguns óbices, que vão desde o
privados – áreas de convívio coletivo, equipamen- emprego correto dos conceitos e a aplicação de
tos comunitários, centros comerciais, vias veicula- métodos adaptados da literatura internacional,
res, vias de pedestre, espaço construído e sistema passando pela abrangência e replicabilidade dos
de circulação, espaço construído e equipamentos procedimentos, bem como do processo de valida-
urbanos, sistemas de abastecimento de água, es- ção dos resultados.
gotamento sanitário, etc.), por isso a importância O que é possível afirmar é que, independen-
de cartografias específicas voltadas para a defini- temente da proposta metodológica, o zoneamen-
ção da aptidão à urbanização. to das áreas sujeitas à ocorrência de eventos pe-
rigosos dependerá, ainda por um longo tempo,
do conhecimento especialista. Para alcançarmos
4 DISCUSSÕES E CONCLUSÕES resultados aderentes à realidade ainda depen-
demos destes para o levantamento dos atributos
A cartografia geotécnica no Brasil já atingiu
que influenciam na predisposição e deflagração
um nível de excelência no domínio das técnicas
dos fenômenos; para a avaliação e delimitação da
e procedimentos de mapeamento, gerando pro-
variação espacial das condições dos terrenos e a
dutos finais dos mais diversos, tanto por questões
distribuição espacial dos problemas; para a ava-
metodológicas, como por particularidades locais
liação das interferências impostas pela ação antró-
do meio físico em estudo, quanto por questões
pica, seja como indutora dos processos geológico
relacionadas aos materiais e recursos disponíveis.
e hidrológicos, seja minimizando a possibilidade
Entretanto, embora existam dezenas de metodo-
de ocorrência dos processos; para atendimentos
logias propostas para análises de suscetibilidade,
qualificados de emergência em períodos de chu-
perigo, risco e aptidão, na prática, estas possuem
va, e remoção de famílias e/ou a construção dos
aplicações localizadas, ou cujos resultados não
sistemas de monitoramento sistemático nos muni-
permitem ou não são utilizados para uma gestão
cípios, entre outras ações.
efetiva dos problemas.
Ao mesmo tempo em que tem pontos positi-
Nos últimos anos alguns pesquisadores têm
vos a diversidade de metodologias e instrumentos
trabalhado com a possibilidade de se gerar bancos
obrigatórios traz, também, algumas dificuldades
de dados digitais confiáveis e representativos na

116
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL

quando se quer realizar uma análise mais geral trumentos estão sendo utilizados no funciona-
ou se comparar situações em diferentes partes do mento dos municípios (planejamento urbano e
país. rural, processos de fiscalização e monitoramento
O que se percebe atualmente é que, além da de áreas de risco, remoções preventivas e definiti-
dificuldade de se ampliar a elaboração dos Pla- vas de moradores, proposição e execução de obras
nos Municipais de Redução de Risco no território estruturais, convivência com o risco, capacitação
nacional, a multiplicidade de instrumentos, que e conscientização de moradores etc.). Essa apro-
poderiam e deveriam ser complementares, acaba ximação entre aqueles que elaboram a cartografia
por dificultar a construção de efetivos programas (inclusive em relação aos trabalhos acadêmicos) e
de gestão de risco nos municípios. Os planos mu- os que a utilizam é preponderante para que seja
nicipais de redução de risco não abrangem ade- possível avaliar se os objetivos centrais dos ins-
quadamente as ações para manejo dos desastres trumentos atualmente existentes estão sendo al-
e, ao mesmo tempo, os Planos de Contingência cançados, ou se os produtos vêm sendo utilizados
e Preventivos de Defesa Civil não abrangem a apenas para cumprimento da legislação.
geração dos cenários de risco necessários para o Cartas geotécnicas não devem estar asso-
seu funcionamento. É discutível o uso dos mapas ciadas, apenas, a soluções de engenharia e inter-
de setorização de risco da CPRM para a efetiva venções estruturais, mas, também, a propostas
gestão do risco geológico e hidrológico nos terri- de ações não estruturais subsidiando instrumen-
tórios municipais. Não há por parte do Governo tos de planejamento, ordenamento e gestão do
Federal quaisquer correlações entre os instrumen- território.
tos existentes, somando-se a isso as deficiências Esforços devem ser feitos no sentido de se
técnicas e estruturais das equipes municipais e caminhar para uma padronização dos instrumen-
estaduais para o funcionamento efetivo desses tos. O fato é que iniciativas bem-sucedidas como
instrumentos. os Planos Municipais de Redução de Risco e os
Uma análise crítica sobre como as cartas geo- Planos Preventivos de Defesa Civil só puderam
técnicas de suscetibilidade, aptidão, perigo e risco ser implementados a partir do momento que se
têm sido geradas e aplicadas no Brasil enquan- estabeleceu a padronização de procedimentos,
to política pública é premente, objetivando uma tornando-os mais facilmente replicáveis e exe-
maior padronização dos procedimentos adotados quíveis pelas municipalidades e instâncias pú-
nos diversos níveis (regional, local e de detalhe), o blicas responsáveis. Levando-se em conta que o
estabelecimento de bases mínimas para os mapea- planejamento urbano e a gestão de riscos são de
mentos e, principalmente, que tipo de produto se responsabilidade e financiados quase que exclusi-
pretende ter e quem será o usuário direto. vamente pelo Estado (órgãos federais, estaduais e
A análise crítica deve se dar, inicialmente, municipais), esta uniformização torna-se impres-
pela correlação entre os preceitos metodológi- cindível no momento.
cos dos Planos Municipais de Redução de Risco, A relevância da ampliação das discussões en-
Planos de Contingência, Planos Preventivos de volvendo os atuais instrumentos aplicados no ter-
Defesa Civil, Mapas de Setorização do Risco da ritório nacional para a gestão dos territórios passa
CPRM, Cartas de Suscetibilidade, de Perigo e de pelo entendimento da necessidade de revisão das
Aptidão à Urbanização, e os resultados dos pro- metodologias, já que o crescimento desordenado
dutos entregues e utilizados pelos municípios. dos municípios nas últimas décadas somado ao
Também é necessário entender como e se os mu- não controle e ordenamento da expansão urbana
nicípios brasileiros que geraram ou receberam os atual, e à certeza absoluta da continuidade, recor-
instrumentos supracitados o utilizam no seu dia rência e ampliação dos eventos pluviométricos in-
a dia. Os usuários diretos da cartografia geotécni- tensos, resultará, ainda, por um longo tempo, na
ca precisam ser consultados sobre a aplicabilida- ocorrência de desastres sócio naturais.
de dos instrumentos no dia a dia dos municípios Se quisermos um futuro com menos danos
(técnicos das secretarias municipais e técnicos de associados aos desastres sócio naturais precisa-
defesas civis), para a verificação de como os ins- mos começar a responder algumas perguntas que

117
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

já deveriam estar respondidas destacando-se en- como a demanda habitacional terão que neces-
tre elas: Qual o tempo de validade de uma carta sariamente considerar os riscos ambientais como
geotécnica? A metodologia dos instrumentos é um dos elementos indispensáveis de análise e in-
adequada aos objetivos propostos? A metodo- tervenção. Assim, os diagnósticos geoambientais
logia dos instrumentos existentes é clara e com- e as cartas geotécnicas ganharão cada dia mais
preendida pelos técnicos municipais? A escala importância, desde que executados em escalas
dos mapas gerados e cenários de risco são ade- adequadas, devendo ser incorporados aos diver-
quadas aos usos pretendidos e empregados pelos sos instrumentos de planejamento que envolvam
municípios? Os técnicos municipais participam o meio físico.
efetivamente da construção dos instrumentos? As cidades precisam incorporar os diagnósti-
A sociedade é envolvida na construção dos ins- cos do meio físico transversalmente à gestão pú-
trumentos? As equipes técnicas municipais estão blica, com a adoção de medidas preventivas ante-
capacitadas para a utilização dos instrumentos riormente à deflagração de processos geológicos
técnicos gerados e entregues? e hidrológicos, a partir da previsão de condições
As respostas ajudarão na construção de pro- potencialmente favoráveis à sua ocorrência, e
gramas e sistemáticas mais adequados às realida- para isso tem que haver uma forte coordenação
des municipais, uniformizando procedimentos, de governo, ações intersecretariais e a participa-
formas de representação, escalas e produtos, bem ção efetiva da sociedade. Planejamento urbano,
como a proposta de um instrumento que integre ordenamento territorial e gestão de risco sem a
os Processos de Conhecimento e Redução do Ris- participação do cidadão só existe no papel.
co, e Manejo dos Desastres com vistas a uma efeti-
va gestão dos territórios municipais.
Sem o entendimento da forma de uso e vali-
REFERÊNCIAS
dade dos instrumentos existentes os profissionais
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE
da área são instados a reavaliarem áreas já carto-
SÃO PAULO. DECRETO Nº 30.860, DE 04 DE
grafadas em resposta a Ações Civis Públicas (que
DEZEMBRO DE 1989. Dispõe sobre a aprovação e
geralmente cobram remoções ou providências
implantação do Plano Preventivo de Defesa Civil
imediatas), Termos de Ajustamento de Conduta
Específico para Escorregamentos nas Encostas do
(entre Ministérios Públicos e municípios e entre
Mar. São Paulo, 1989.
municípios e proprietários de áreas particula-
res residenciais e comerciais), Compromissos de ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE
Anuência Corretiva – CAC (loteamentos) e emer- SÃO PAULO. DECRETO Nº 42.565, DE 01 DE
gências/sinistros relacionados a ocorrências pon- DEZEMBRO DE 1997. Redefine o Plano Preven-
tuais de movimentos de massa. tivo de Defesa Civil – PPDC específico para Es-
Embora os eventos catastróficos como os corregamentos nas Encostas da Serra do Mar, e dá
ocorridos no Brasil chamem a atenção e comovam outras providências. São Paulo, 1997.
a população e autoridades, uma real política de
redução de riscos e das consequências dos even- BRASIL Lei n° 6.766, de 19 de dezembro de 1979.
tos naturais passa por medidas preventivas e, Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e dá
principalmente, de planejamento urbano e orde- outras Providências. Diário Oficial da República
namento territorial, considerando aqui o quadro Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1979, 11 p.
atual da grande maioria das cidades brasileiras,
o que amplia à necessidade de se discutir o uso BRASIL. Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981. Dis-
adequado da cartografia geotécnica de suscetibili- põe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
dade, perigo, risco e aptidão à urbanização. seus fins e mecanismos de formulação e aplicação,
Para se pensar em gestão integrada e no de- e dá outras providências. Diário Oficial da Repú-
senvolvimento dos municípios, dos Estados e do blica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2 set. 1981,
País, o planejamento das ações de recuperação p. 16509.
e melhoria dos ambientes urbanos e rurais, bem

118
PANORAMA DA CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA E DOS INSTRUMENTOS EXISTENTES NO BRASIL

BRASIL. Constituição 1988: Texto Constitucional Santos Carvalho, Eduardo Soares de Macedo e
de 5 de outubro e 1988 com alterações adotadas Agostinho Tadashi Ogura, organizadores – Brasí-
pelas Emendas Constitucionais nº 1/92 a 26/00 e lia: Ministério das Cidades; Instituto de Pesquisas
Emendas Constitucionais de Revisão números 1 a Tecnológicas – IPT, 2007.
6/94. Brasília: Senado Federal – Subsecretaria de
Edições Técnicas, 2000. BRASIL. Presidência da República. Lei nº 12.340,
de 1º de dezembro de 2010. Dispõe sobre as trans-
BRASIL. Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997a. Ins- ferências de recursos da União aos órgãos e enti-
titui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria dades dos Estados, Distrito Federal e Municípios
o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recur- para a execução de ações de prevenção em áreas
sos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 de risco de desastres, de resposta e de recupera-
da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº ção em áreas atingidas por desastres, sobre o Fun-
8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei do Nacional para Calamidades Públicas, Proteção
nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Diário Oficial e Defesa Civil e dá outras providências. Brasília,
da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 9 2010.
jan. 1997a.
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamen-
BRASIL. Câmara dos Deputados. MEDIDA to e Gestão. Secretaria de Planejamento e Inves-
PROVISÓRIA Nº 1.795, DE 1º DE JANEIRO DE timentos Estratégicos. Orientações para elabora-
1999. Altera dispositivos da Lei nº 9.649, de 27 de ção do Plano Plurianual 2012-2015. Ministério do
maio de 1998, que dispõe sobre a organização da Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de
Presidência da República e dos Ministérios, e dá Planejamento e Investimentos Estratégicos. – Bra-
outras providências. Brasília: MP, 1999. sília: MP, 2011. 72p.: il. color.

BRASIL. Câmara dos Deputados. MEDIDA PRO- BRASIL. Câmara dos Deputados. Legislação Lei
VISÓRIA Nº 1.911-8, DE 29 DE JULHO DE 1999. n. 12.608, de 10 de abril de 2012. Institui a Política
Altera dispositivos da Lei nº 9.649, de 27 de maio Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC.
de 1998, que dispõe sobre a organização da Presi- Dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e
dência da República e dos Ministérios, e dá outras Defesa Civil – SINPDEC e o Conselho Nacional
providências. Brasília: MP, 1999. de Proteção e Defesa Civil – CONPDEC. Autoriza
a criação de sistema de informações e monitora-
BRASIL. Presidência da República. Lei n° 10.257, mento de desastres. Brasília, 2012.
de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e
183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes BRASIL. Lei 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe
gerais da política urbana e dá outras providên- sobre a proteção da vegetação nativa e dá outras
cias. Brasília, 2001. providências. Diário Oficial da República Federa-
tiva do Brasil, Brasília, DF, 2012, 34 p.
BRASIL. Presidência da República. Lei n° 10.683,
de 28 de maio de 2003. Dispõe sobre a organização BRASIL. Presidência da República. Lei Nº 12.983,
da Presidência da República e dos Ministérios, e de 2 de Junho de 2014. Altera a Lei nº 12.340, de 1º
dá outras providências. Brasília, 2003. de dezembro de 2010, para dispor sobre as trans-
ferências de recursos da União aos órgãos e enti-
BRASIL. Ministério das Cidades. 2004. Critérios dades dos Estados, Distrito Federal e Municípios
para mapeamento de riscos. Programa de Preven- para a execução de ações de prevenção em áreas
ção e Erradicação de Riscos, Secretaria de Progra- de risco e de resposta e recuperação em áreas atin-
mas Urbanos. gidas por desastres e sobre o Fundo Nacional para
Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil, e
BRASIL. Ministério das Cidades / Instituto de
as Leis nºs 10.257, de 10 de julho de 2001, e 12.409,
Pesquisas Tecnológicas – IPT. Mapeamento de
de 25 de maio de 2011, e revoga dispositivos da
Riscos em Encostas e Margem de Rios / Celso

119
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Lei nº 12.340, de 1º de dezembro de 2010. Brasília, IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-
2014. tica. Resultados do censo 2018.

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Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambien-
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IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís- nópolis: CAD UFSC.
tica. Resultados do censo 2010.

120
PANORAMA DOS RISCOS
GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE
OVERVIEW OF GEOLOGICAL RISKS IN THE MIDWEST REGION

RODRIGO LUIZ GALLO FERNANDES


VIVIAN ATHAYDES CANELLO
Pesquisadores em Geociências – Serviço Geológico do Brasil – Superintendência
Regional de Goiânia – Goiânia – GO – Brasil
Email: rodrigo.fernandes@cprm.gov.br /vivian.fernandes@cprm.gov.br

RESUMO ABSTRACT

O presente artigo tem como objetivo apresentar os re- This article aims to present the results of geological and
sultados da setorização de risco geológicos e hidrológi- hydrological risk sectorization in the states of Goiás,
cos nos estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso Mato Grosso and Mato Grosso do Sul, carried out by
do Sul, realizados pelo Serviço Geológico do Brasil – the Geological Service of Brazil - CPRM, over the last 10
CPRM, ao longo dos 10 últimos anos, devido à implan- years, due to the implementation of the law 12,608. The
tação da lei 12.608. O artigo apresenta o panorama dos article presents an overview of the work carried out in
trabalhos realizados nestes estados, as cidades setori- the states, the sectored cities, the causes and number
zadas, as causas e o número de pessoas afetadas pelos of people affected by risks, in a succinct manner, in
riscos, de forma sucinta, a fim de nortear o leitor acerca order to guide the reader about the risk sectors in the
das setorizações de risco no Centro Oeste. Midwest.

Palavras-chave: risco geológico, deslizamento, inun- Keywords: geological risk, landslide, flood, Goiás,
dação, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul Mato Grosso, Mato Grosso do Sul

1 INTRODUÇÃO PED, 2012), a porcentagem de mortes em eventos


geológicos e hidrológicos entre os anos de 1991
Nos últimos anos, diversos eventos naturais a 2010 alcança 20,64% nos eventos geológico e
flagelaram o país, ocasionando diversos desas- 61,82% nos eventos hidrológicos, indicando que
tres decorrentes desses eventos. De acordo com a esses são as maiores causas de mortes por desas-
Classificação e Codificação Brasileira de Desastres tres no país.
(COBRADE), os eventos naturais que mais atingi- A lei 12.608/2012 que instituiu a Política
ram o Brasil estão classificados como eventos Geo- Nacional de Proteção e Defesa Civil - PNPDEC
lógicos – Movimentação de Massa, que incluem dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e
quedas, tombamentos e rolamentos de blocos, Defesa Civil - SINPDEC e o Conselho Nacional
deslizamentos, corridas de massas, subsidências e de Proteção e Defesa Civil – CONPDEC, em seu
colapsos e todas as erosões (costeiro-marinha, de artigo 6º inciso IV, “compete à União apoiar os
margem fluvial e continental) e os eventos hidro- Estados, o Distrito Federal e os Municípios no
lógicos que englobam as inundações, as enxurra- mapeamento das áreas de risco”. Dessa forma, o
das e os alagamentos. Segundo o Atlas Brasileiro Serviço Geológico do Brasil – CPRM, empresa do
de Desastres Naturais de 1991 a 2010 (UFSC-CE- governo federal ligada ao Ministério de Minas e

121
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Energia, foi convocada a partir de novembro de Como objetivos específicos, podemos desta-
2011, a realizar os mapeamentos das áreas de risco car alguns pontos, que são:
englobando o mapeamento, a descrição e a clas- a. Gerar e difundir as informações técni-
sificação de áreas de risco geológico alto e muito cas a respeito de áreas em risco, a nível
alto em municípios de todas as unidades da fede- nacional, para alimentar o banco de da-
ração selecionados pelas Defesas Civis Nacional e dos das instituições ligadas às ações de
Estaduais. monitoramento e alerta de desastres
A implantação da Lei 12.608 foi motivada (CENAD, CEMADEM, Defesa Civis Es-
pelos diversos desastres naturais que ocorreram taduais);
em anos anteriores, como as chuvas intensas em b. Subsidiar aos responsáveis, critérios
Santa Catarina no ano de 2008, eventos em Ala- para a disponibilização de recursos pú-
goas e Pernambuco em 2010, e os mega-desastres blicos destinados às obras de prevenção
na Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011. De e respostas aos desastres naturais;
acordo com Nogueira et al., 2014, os avanços for- c. Alimentar os órgãos de fiscalização vol-
malizados no aparato legal trouxeram consigo, tados ao controle e inibição da expansão
entretanto, os desafios relacionados à sua opera- de áreas de risco, no âmbito estadual e
cionalização, já que ainda que a PNPDEC preveja municipal;
a ação articulada entre os entes federados, o pró- d. Fazer o indicativo geral de intervenção
prio arranjo federativo brasileiro dificulta a coo- para a orientação de implantação de prá-
peração intergovernamental, somando-se a isso o ticas voltadas a prevenção de desastres;
perfil de boa parte dos municípios brasileiros, em e. Desenvolvimento de documentos car-
especial os de menor porte: fragilidade institucio- tográficos (cartas e mapas), e relatórios
nal e baixa capacidade econômica e burocrática técnicos em linguagem clara e acessível,
para cumprir as exigências de grande parte das para alcançar e difundir as questões de
políticas públicas nacionais. Diante deste contex- risco para o público em geral, de forma
to, devido ao seu corpo técnico especializado, o mais abrangente possível.
Serviço Geológico do Brasil foi convocado a reali-
zar os mapeamentos das áreas de risco conforme
já supracitados.
3 CONCEITOS
Ao longo desses dez anos, os trabalhos rea-
Para o melhor entendimento do artigo, nesse
lizados no Centro-Oeste foram feitos pela Supe-
capítulo iremos definir alguns conceitos básicos
rintendência Regional de Goiânia e São Paulo. No
acerca de risco e desastres naturais. Os conceitos
estado de Goiás foram levantados 27 municípios,
foram baseados nos entendimentos dos seguintes
sendo três cidades já revisitadas. Em Mato Grosso,
autores: Macedo et al. (2013), Santos (2012), Tomi-
20 cidades já foram mapeadas pela CPRM, destas
naga (2012).
seis ressetorizadas, e em Mato Grosso do Sul, 22
Evento: Fenômeno com características, di-
cidades, com três cidades revisitadas.
mensões e localização geográfica registrada no
tempo.
2 OBJETIVO Risco: Probabilidade de ocorrer um efeito
adverso de um processo sobre um elemento, sen-
O objetivo da setorização de risco é identi- do qualificado como a relação entre perigo e vul-
ficar, caracterizar e delimitar locais urbanizados nerabilidade pressupondo sempre a perda.
propensos a sofrerem perdas materiais e/ou hu- Risco geológico: Relação entre a probabilida-
manos ou danos, decorrentes de eventos de natu- de de ocorrência de um evento adverso de nature-
reza geológica ou hidrológica, para subsidiar os za geológica e a magnitude de suas consequências
administradores públicos a cerca de decisões re- socioeconômicas.
lacionadas às políticas de prevenção de desastres,
ordenamento territorial e engenharia urbana.

122
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE

Perigo: Uma condição com potencial para Erosão linear: erosão causada pela concen-
causar consequência indesejável, em um intervalo tração do escoamento superficial e de fluxo de
de tempo. água em forma de filetes. A evolução da erosão
Suscetibilidade: Relação à propensão ou linear dá origem a três tipos de erosão, em ordem
potencialidade natural de ocorrer um evento do de grandeza, sulco, ravinas e voçorocas.
meio físico em uma determinada área.
Desastres naturais: Resultados do impacto
de fenômenos naturais extremos ou intensos so-
4 METODOLOGIA
bre um sistema social, causando sérios danos e
As setorizações de áreas de risco geológico
prejuízos que excedem a capacidade da comuni-
são realizadas em áreas urbanizadas, com presen-
dade ou da sociedade atingida em conviver com
ça de população em habitações. Têm por finalida-
o impacto.
de a identificação, a delimitação e a caracterização
Vulnerabilidade: Conjunto de fatores físicos,
de áreas ou setores de uma encosta ou planície de
sociais, ambientais, econômicos e institucionais
inundação sujeitas à ocorrência de processos des-
que condicionam a magnitude do dano do meio
trutivos de movimentos de massa, enchentes de
exposto à determinada ameaça delimitado no es-
alta energia e inundações.
paço e no tempo. Corresponde à predisposição a
Os trabalhos das setorizações de risco podem
sofrer danos ou perdas.
ser divididos em três etapas, sendo a primeira
Área de Risco: Área passível de ser atingida
consistindo nas atividades anteriores às ativida-
por processos naturais e/ou induzidos que cau-
des de campo, onde são levantadas informações
sem efeito adverso. As pessoas que habitam essas
prévias sobre as características geológicas do mu-
áreas estão sujeitas a danos à integridade física,
nicípio, histórico de ocorrência de desastres natu-
perdas materiais e patrimoniais.
rais, feições indicativas de instabilização de talu-
Talude natural: Superfície natural inclinada,
des e encostas, ou outras informações úteis para
sem alterações em sua geometria provocadas pela
o desenvolvimento do trabalho. Em caso de res-
ação humana.
setorização há também o levantamento e estudo
Talude de corte: Superfície inclinada decor-
do antigo relatório, para análise e programação da
rente da ação antrópica (escavação ou aterro).
etapa de campo, para que a mesma possa abran-
Movimentação de massa: deslocamentos
ger os antigos setores de risco, além dos novos que
descendentes de solo, rochas ou detritos sob a
a defesa civil local possa apresentar. Nessa etapa
ação da força da gravidade.
também é realizado o contato com a Defesa Civil
Enxurrada: Escoamento superficial concen-
Municipal, durante o qual são coletadas informa-
trado e com alta energia de transporte.
ções pertinentes ao trabalho de mapeamento de
Enchente: Elevação do nível de água no
risco, assim como verificada a disponibilidade de
canal de drenagem devido ao aumento da va-
acompanhamento em visitas nas áreas que apre-
zão, atingindo a cota máxima no canal, sem
sentam risco geológico.
extravasamento.
A segunda etapa do trabalho abrange as ati-
Inundação: Transbordamento das águas de
vidades de campo nas áreas onde, segundo a de-
um curso de água, atingindo a planície de inun-
fesa civil municipal, há histórico de ocorrência de
dação ou a área de várzea.
desastres naturais ou naquelas áreas onde existem
Erosão: Processo de desagregação e remoção
situações de risco. Essa etapa é realizada com o
de partículas do solo ou de fragmentos e partícu-
acompanhamento de um agente ou responsável
las de rochas por ação combinada da gravidade
pela defesa civil local, para que seja feito o reco-
com a água, vento, gelo e/ou organismos.
nhecimento regional dos problemas apresenta-
Erosão laminar: Erosão causada pelo escoa-
dos. Nesta etapa também ocorre a transferência de
mento uniforme pela superfície do terreno, trans-
conhecimento entre os pesquisadores do Serviço
portando partículas de solo, sem a formação de
Geológico do Brasil e os responsáveis pela defesa
canais definidos.
civil local, onde os pesquisadores podem explici-

123
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

tar, em campo, os problemas apontados, questões Em se tratando de maciço rochoso, são ob-
geológicas, de geotecnia e de risco geológico. servadas as propriedades das descontinuidades,
Nos locais visitados são analisadas visual- número, geometria e tamanho de blocos dispostos
mente as características geológicas e geotécnicas nas porções superiores da encosta, aspectos rela-
do terreno, além de ser realizado o levantamento cionados à presença e tipo de vegetação, indícios
do histórico local e das ocorrências de processos de processos desestabilizadores do terreno, geo-
e indícios de instabilização de taludes ou encos- morfologia da encosta e atributos dos taludes.
tas (relatos de moradores) e, especialmente nos Durante os levantamentos de campo, foram
casos de enchentes e inundações, é verificada a feitos registros fotográficos, anotações e marca-
frequência dos eventos nos últimos cinco anos. ção de pontos visitados com auxílio de aparelho
No caso de maciço de solo, são observados os in- de posicionamento global (GPS), levantamentos
dícios de processos desestabilizadores do terreno, de altura dos taludes com trenas eletrônicas e
como trincas em muros, paredes e pisos, trincas hipsômetro.
no terreno, depressão de pavimentos, inclinação O mapeamento e setorização dos riscos são
e tombamento de muros, postes e árvores, defor- realizados de acordo com a classificação proposta
mação de muros de contenção e outros elementos pelo Ministério das Cidades (Brasil, 2004) e Insti-
que sugerem a deformação e/ou deslocamento do tuto de Pesquisas Tecnológicas (IPT, 2007), onde
terreno, geomorfologia da encosta, atributos do(s) os graus de risco são determinados conforme a
talude(s) e do maciço, aterro lançado, escoamento presença de indícios, onde o grau pode variar de
de águas pluviais e de águas servidas, presença de risco baixo (R1), até risco muito alto (R4). Por se
feição erosiva, tipo de vegetação, lixo, lançamento tratar de trabalho emergencial, foi definido que
de esgoto, existência de blocos de rocha. No caso somente setores de risco alto (R3) e muito alto (R4)
dos locais verificados para o fenômeno de inunda- eram mapeados em trabalhos de campo. Os indí-
ções e enchentes, é verificada a propensão da área cios de movimentação de massa e inundação, de
para os eventos estudados e, em caso positivo, são acordo com seu grau de risco, podem ser observa-
analisadas as características do curso de água e a dos na tabela 1 e 2.
extensão de atingimento das cheias.

Tabela 1. Classificação dos graus de risco para movimentação de massa. (Adaptado de Brasil, 2004 e 2007 e IPT, 2007).

124
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE

Tabela 2. Classificação dos graus de risco para enchentes e inundações. (Adaptado de Brasil, 2004 e 2007 e IPT, 2007).

A terceira etapa, após a etapa de campo para ções, além dessas, as áreas apresentadas no antigo
a coleta de dados, consiste na definição e descri- relatório.
ção de áreas de risco geológico alto e muito alto,
onde cada área é denominada Setor de Risco, e
para cada um desses setores é confeccionada uma
5 RESULTADOS
prancha. A prancha é identificada por um códi-
go, possuindo uma breve descrição, os nomes do
bairro e rua(s) que compõem o setor, o mês e ano 5.1 Estado de Goiás
de sua conclusão, a coordenada GPS de um ponto
de referência local, a tipologia do movimento de No estado de Goiás, até março de 2021, já fo-
massa ou informação da ocorrência de enchente ram setorizadas 27 cidades, sendo elas, Acreúna,
ou inundação, número aproximado de constru- Alexânia, Anápolis, Aparecida de Goiânia, Baliza,
ções e habitantes no interior do polígono delimi- Bela Vista de Goiás, Bonfinópolis, Caldas Novas,
tado, sugestões de intervenção, o grau de risco, os Caldazinha, Ceres, Formosa, Goiânia, Cidade de
nomes da equipe executora do trabalho, imagens Goiás, Itumbiara, Itajá, Jataí, Lagoa Santa, Minei-
que representam o setor de risco, uma figura cen- ros, Novo Gama, Pirenópolis, Quirinópolis, Rio
tral na qual é representada a delimitação do se- Verde, Santa Helena de Goiás, Santa Rita do Ara-
tor, circundada por fotografias menores obtidas guaia, Senador Canedo Silvânia e Uruaçu. Dessas
em campo. Tais fotografias são indicadas por nú- cidades, três já foram revisitadas para a ressetori-
meros sequenciais cuja localização é inserida na zação, sendo Uruaçu em 2018 e Anápolis e Formo-
imagem central. Nessa etapa também é redigido o sa em 2019.
relatório técnico, contendo informações relativas Dessas 27 cidades visitadas, sete cidades não
ao mapeamento de risco do município. apresentaram problemas relativos ao mapeamen-
É importante salientar que todas as áreas vi- to realizado pelo Serviço Geológico do Brasil, na
sitadas são áreas que são indicadas pelo responsá- data da visita. Em 2013 foram realizadas vistorias
vel local da Defesa Civil, e no caso das ressetoriza- nas cidades de Baliza e Itumbiara, onde as defe-

125
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

sas civis municipais informaram que não haviam cípio de Bela Vista de Goiás mostrou ter apenas
incidentes registrados nas respectivas cidades até um setor de acompanhamento, com uma pequena
a data da visita. Já em 2015 foram visitadas as ci- erosão marginal no córrego Ponte de Terra (Figu-
dades de Rio Verde e Acreúna. Não foram verifi- ra 1). Bonfinópolis apresentou dois pontos de in-
cadas áreas de risco enquadradas no mapeamento teresse de monitoramento, sendo o primeiro um
de risco realizado pelo Serviço Geológico do Bra- ponto de erosão marginal ao lado do lago de re-
sil. Em Acreúna, apenas alguns locais próximo creação do município, erosão essa causada devido
ao Ribeirão do Veredão apresentaram problemas à intensa impermeabilização do entorno do local e
devido à insuficiente gestão das águas pluviais, má gestão das drenagens urbanas, não estando re-
assim como em Rio Verde, que também apresen- lacionado a áreas de risco, e o outro ponto estando
tava alguns pontos atingidos por alagamentos relacionado com enxurrada ao lado da via férrea
provenientes também da má gestão das drena- que percorrer a área urbana do município (Figura
gens pluviais. 2). A cidade de Caldazinha, também não apontou
Em 2018, as cidades de Bela Vista de Goiás, setores de risco aplicados na metodologia, tendo
Bonfinópolis e Caldazinha foram mapeadas pelo apenas dois pontos de observação relacionados à
SGB e não apresentaram áreas de risco. O muni- enxurrada.

Figura 1. Local de pequena erosão marginal na cidade de Bela Vista de Goiás, 2018 (Fernandes et al, 2018).

Figura 2. A- Local de pequena erosão próximo ao lago de recreação da cidade de Bonfinópolis e, B- local de enxurrada ao lado
da linha férrea, 2018 (Fernandes et al), 2018.

126
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE

Com relação às cidades setorizadas, os prin- com tipologia de eventos de erosão. Tais erosões
cipais eventos notados nas cidades foram eventos foram desenvolvidas devido à ausência de drena-
de erosões e inundações. Em Alexânia, em visita gens pluviais aliados à geomorfologia da cidade
realizada em 2014, foram setorizados dois locais (Figura 3).

Figura 3. Erosões que atingiram a área urbana da cidade de Alexânia, 2014 (Fernandes et al, 2014).

As cidades de Jataí, Itajá, Lagoa Santa, Minei-


ros, Quirinópolis, Santa Helena de Goiás e Santa
Rita do Araguaia foram vistoriadas em 2015, ten-
do apresentado um setor de risco cada, na tipolo-
gia de inundação. Ao todo essas cidades tinham
220 residências em área de risco e 883 pessoas (Fi-
guras 4 a 6).

Figura 5. Local de atingimento por inundações na cidade de


Mineiros, 2015 (Melo et al, 2015).

Figura 4. Local de atingimento por inundações na cidade de


Quirinópolis, 2015 (Melo et al, 2015).

Figura 6. Local de atingimento por inundações na cidade de


Jataí, onde em eventos a agua podia alcançar 2,00 mts, 2015
(Melo et al, 2015).

127
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Com relação às cidades atingidas por outras sões devido ao antigo garimpo de ouro na cidade,
tipologias, podemos citar as cidades de Novo como as áreas localizadas nas ruas Rui Barbosa e
Gama e Silvânia, cidades essas atingidas por 18, e bairro Maria de Lourdes. As outras erosões
eventos de erosões. Novo Gama apresentava dois de Silvânia são antigas erosões reativadas devi-
setores atingidos pelas erosões em cabeceira de do à má gestão de água pluvial, aliada à falta de
drenagens, essas em atividade na data da visita, gestão territorial (Figura 8). Em Novo Gama, 18
em 2013, devido a má gestão das águas pluviais residências e 76 pessoas estavam afetadas pelas
(Figura 7). Em Silvânia, dos nove setores cadas- áreas de risco, e em Silvânia, na data da vistoria,
trados no momento da vistoria, cinco foram de 216 residências e 864 pessoas estavam em áreas de
erosões, dos quais podemos citar locais com ero- risco no município.

Figura 7. Local atingido por erosões na cidade de Novo Gama, 2013 (Vieira Junior et al, 2015).

Figura 8. Residência próxima ao rebordo erosivo, com lançamento de água servida, e residência próxima a erosão ativa, Sil-
vânia 2017 (Fernandes et al, 2017).

As cidades de Aparecida de Goiânia e Goiâ- ros de setores de áreas de risco. Em Aparecida de


nia, por serem as maiores cidades do estado, con- Goiânia os números de locais em risco geológico
sequentemente apresentaram os maiores núme- e hidrológico eram de 18, no ano de 2017, sendo

128
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE

destes 9 setores de erosão, 8 de deslizamento pla- construtiva da cidade, já que nesses pontos, tais
nares solo-solo e apenas 1 setor de inundação, e problemas foram ocasionados devido ao método
Goiânia apresentavam 24 setores em 2016, dos construtivo de corte-aterros realizados de forma
quais 12 setores foram enquadrados na tipologia errônea pelos cidadãos (Figuras 9 e 10).
de inundação, 9 na tipologia de erosão e 3 de mo- Mais uma vez, cabe salientar que os proble-
vimentos de massa. mas de erosões apontados no município são de-
Na cidade de Aparecida de Goiânia, os des- correntes da falta de gestão das águas pluviais,
taques notados durante o mapeamento dos riscos ausências de drenagens urbanas adequadas e im-
foram os diversos pontos de deslizamento pla- permeabilização descontrolada das cabeceiras de
nar solo-solo ocasionado devido à falta de gestão drenagens da cidade.

Figura 9. Típico local de corte aterro, ocasionando movimentação de solo planar de solo-solo em Aparecida de Goiânia, 2017
(Fernandes et al, 2017).

Figura 10. Erosão marginal ocasionando problemas a moradia próximas, Rua das Mangueiras, Setor Retiro dos Bosques, Apa-
recida de Goiânia, 2017 (Fernandes et al, 2017).

Já em Goiânia, as tipologias se dividem, sen- permeabilização do solo, falta de planejamento


do doze áreas afetadas por inundação, nove por acerca do controle das águas pluviais e o aumento
erosões e três por movimento de massa. Tais pro- do volume de chuvas são alguns dos fatores que
blemas são diretamente causados por intensa im- contribuem para as áreas de risco (Figuras 11 e 12).

129
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Figura 11. Locais atingidos por inundações em eventos de 2016, Goiânia, 2016 (Fernandes et al, 2016).

Figura 12. Erosão marginal atingindo residências, Jardim América, Goiânia, 2016 (Fernandes et al, 2016).

As cidades de Anápolis, Formosa e Uruaçu Esse elevado números de setores entre cinco anos
tiveram os trabalhos de setorização de risco refei- podem ser considerados devido à evolução da de-
tos, no ano de 2019 e 2018 sucessivamente. A cida- fesa civil municipal nos quesitos de riscos, uma
de de Uruaçu, que foi visitada pela primeira vez melhor compreensão do assunto e melhor acom-
no ano 2013, e revisitada em 2018, deixou de ter panhamento em campo dos eventos anuais. Em
setor de risco, devido à análise e classificação pe- 2019, Anápolis apresentava 13 setores de erosões,
los técnicos do SGB. Já a cidade de Formosa, que nove setores de movimentação de massa e um se-
em 2013 tinha quatro setores de risco, passou a ter tor de inundação. Esse fato é observado devido à
oito em 2019, mantendo os quatro já existentes e ocupação desenfreada nas margens dos córregos
quatro novos. da cidade, em áreas de APP, e a impermeabiliza-
A cidade de Anápolis apresentou uma gran- ção das cabeceiras das drenagens, o que resulta no
de evolução na questão de risco geológico e hi- aumento do volume e velocidade de águas nas ba-
drológico. Em 2014 a cidade tinha três setores de cias de drenagens, ocasionando diversos pontos
risco, sendo que em 2019 passou a ter 23 setores. de erosões marginais (Figuras 13 e 14).

130
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE

Figura 13. Erosão marginal atingindo residências, Ruas Padre Anchieta e Joaquim Sebastião, Bairro Santa Maria de Nazareth,
Anápolis, 2019 (Fernandes et al, 2019).

Figura 14. Local de movimentação de solo em situação de corte-aterro, Rua Doze, Bairro Morumbi, Anápolis, 2019 (Fernandes
et al, 2019).

Ao todo o estado de Goiás apresenta 2.937 do Leverger, São José do Rio Claro, Sinop, Sorri-
moradias em situação de risco, com 10.624 pes- so, Várzea Grande e Vila Rica. Dessas 18 cidades
soas na mesma situação, distribuídos em 113 seto- visitadas, oito não apresentaram setores de risco:
res ao longo das 27 cidades mapeadas. Água Boa, Confressa, Feliz Natal, Nova Bandei-
rantes, Nova Canaã do Norte, Peixoto do Azeve-
do, São José do Rio Claro e Vila Rica. Em alguns
5.2 Estado de Mato Grosso casos, essas cidades sequer apresentavam algum
problema de risco geológico ou hidrológico, ou
O estado de Mato Grosso teve 20 cidades
em outros casos, os problemas não se encaixavam
contempladas com a visitação dos técnicos do
no projeto de setorização. Das dez cidades restan-
SGB, sendo elas, Água Boa, Barra dos Bugres,
tes, as principais tipologias apresentadas foram as
Barra do Garças, Colniza, Comodoro, Confressa,
inundações e enchentes, estando presentes prati-
Cuiabá, Feliz Natal, Nova Bandeirantes, Nova
camente em todas as cidades setorizadas e resse-
Canaã do Norte, Nova Olímpia, Paranatinga, Pei-
torizadas. As cidades de Barra de Bugres, Colniza,
xoto do Azevedo, Santa Terezinha, Santo Antônio

131
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Sinop e Várzea Grande, que foram visitadas ape- nio do Leverger foram vistoriadas duas vezes, no
nas uma vez só, apresentaram em sua totalidade a ano de 2013 e 2019, e também expuseram em seu
tipologia de enchentes ou inundações. Já as cida- município apenas problemas relacionados a risco
des de Nova Olímpia, Paranatinga e Santo Antô- hidrológicos (Figuras 15 e 16).

Figura 15. Locais atingidos por enchente, Várzea Grande, 2018 (Silva et al, 2018).

Figura 16. Locais atingidos por enchente, Santo Antônio do Lerverger, 2019 (Silva et al, 2019).

132
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE

As cidades de Santa Terezinha e Sorriso apre- setores de inundação e deslizamento no caso de


sentaram tipologia mista em seus setores, como Sorriso, e enxurrada e enchente no caso de Sorriso.

Figura 17. Locais atingidos por deslizamento, Santa Terezinha, 2019 (Silva et al, 2019).

Figura 18. Locais atingidos por enxurrada, Sorriso, 2021 (Silva et al, 2021).

A cidade de Peixoto de Azevedo, que em de massa. Dos 20 setores cadastrados na cidade


2012 não apresentava setor de risco, passou a ter em sua segunda visita no ano de 2020, a primei-
quatro em 2019, sendo dois deles de processos ra setorização foi realizada em 2018 e contavam
geológicos (voçoroca e queda de blocos), e dois de com 13 setores, nove setores foram cadastrados
processos hidrológicos de enchentes. O município como queda e rolamento de blocos, nove de des-
de Barra do Garças se mostra diferente de todas lizamento de solo e dois de enxurrada. Esse fato é
as outras do estado do Mato Grosso até o presen- reflexo da ocupação urbana do município que se
te momento devido à sua tipologia principal ser dá totalmente no sopé da encosta da Serra Azul
de queda e rolamento de blocos e movimentação (Figuras 19 a 21) .

133
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Figura 19. Local atingido por rolamento de bloco, Rua Rio Negro e Rua Purus, Barra do Garças, 2020 (Fernandes et al, 2020).

Figura 20. Local de movimentação de solo devido a método construtivo de corte/aterro, com muro embarrigado na foto à
direita, Barra do Garças, 2020 (Fernandes et al, 2020).

Figura 21. Local atingido por rolamento de blocos, mostrando residências próximo ao talude rochoso da Serra Azul, Barra do
Garças, 2020 (Fernandes et al, 2020).

134
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE

Ao todo, o estado de Mato Grosso apresenta foi apontado pelos gestores que a cidade possuía
2.491 moradias em situação de risco, com 10.149 mais habitantes na zona rural do que a urbana. Os
pessoas na mesma situação, distribuídos em 103 problemas relacionados pelos próprios gestores
setores ao longo das 20 cidades mapeadas. foram de erosões na zona rural, não atingindo a
população.
A cidade de Jardim não apresentou nenhum
5.2 Estado de Mato Grosso do Sul problema de risco geológico ou hidrológico na
data da visita (ano de 2015), apenas diversos pon-
No estado do Mato Grosso do Sul, as cida-
to com problemas construtivos na drenagem ur-
des contempladas com a visitação dos técnicos
bana e o município de Mundo Novo enfrentou
do Serviço Geológico do Brasil foram Anastácio,
diversos problemas com erosão e inundação entre
Aquidauana, Bataguassu, Batayporã, Bela Vis-
os anos de 1997 a 2002, que foram sanados devido
ta, Bonito, Camapuã, Campo Grande, Corumbá,
a obras realizadas pela prefeitura local.
Costa Rica, Coxim, Dourados, Guia Lopes da La-
Nas cidades que expuseram problemas geo-
guna, Itaquiraí, Ivinhema, Jardim, Miranda, Mun-
lógicos e hidrológicos notou-se que os maiores
do Novo, Nioaque, Ponta Porã, Porto Murtinho e
transtornos apresentados foram as questões hi-
Três Lagoas, totalizando 22 municípios. Destas,
drológicas de inundação e enchentes. Das 18 ci-
quatro cidades não apresentavam problemas rela-
dades setorizadas, 12 se mostraram com proble-
cionados com o escopo do projeto no momento da
mas citados, entre elas Anastácio, Aquidauana,
vistoria, sendo elas Costa Rica, Itaquiraí, Jardim e
Batayporã, Bela Vista, Bonito, Coxim, Guia Lopes
Mundo Novo.
da Laguna, Miranda, Niaoque, Ponta Porã e Porto
No município de Costa Rica, os pontos vis-
Murtinho. Tal questão está diretamente relacio-
toriados apresentam baixos problemas para inun-
nada com a ocupação desenfreada em Áreas de
dação e uma erosão em tratamento, no ano de
Proteção Permanente como margens de rios e cór-
2015 (ano da visitação por parte dos técnicos do
regos e locais de várzeas. Dos municípios citados,
Serviço Geológico do Brasil). Já a cidade de Ita-
por exemplo, Miranda em 2015 tinha seis setores
quaraí, em 2013, não possuía defesa civil em seu
de risco hidrológico e Ponta Porã quatro (Figuras
quadro administrativo e durante os trabalhos,
22 a 24).

Figura 22. Comparativo de áreas atingidas por inundação, Nioaque, 2015 (Facuri et al, 2015).

135
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Figura 23. Residências atingidas por inundação provocadas pelo córrego Vilas Boas, Miranda, 2015(Lima et al, 2015).

Figura 24. Residências atingidas por inundação, Ponta Porã, 2015(Lazareti et al, 2015).

Três municípios se destacam por apresen- lixo e entulhos variados, e posteriormente aterra-
tarem outra tipologia no projeto de setorização. dos para liberação do loteamento e construção de
Bataguassu apresentou um setor de recalque di- residências que contribuíram para a subsidência
ferencial instalado no loteamento São João devido do local (Figura 25).
ao soterramento da antiga área de empréstimo por

136
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE

Figura 25. Moradias atingidas por recalque local, Bataguassu, 2013 (Vieira Junior et al, 2013).

Camapuã apresentou quatro setores, sendo um de inundação e três de deslizamento planar oca-
sionado por construções realizadas no método corte-aterro em solo friável, no ano de 2015 (Figura 26).

Figura 26. Exemplos de residências em área de risco de deslizamento planar em construção de corte-aterro, Camapuã, 2015
(Facuri et al. 2015).

Três municípios tiveram durante esses anos visita. Campo Grande em 2013 apresentava cinco
do projeto ressetorização e avaliação dos proble- setores cadastrados (um de erosão linear e 4 de
mas de risco, Campo Grande, Corumbá e Três inundação) passou a ter 4 em 2019, sendo todos
Lagoas, todas com a primeira visita em 2013 e a de inundação, onde apenas a Avenida Presidente
segunda em 2019. Diferente dos outros estados Ernesto Geisel permaneceu com o fator apontado
aqui citados, as três cidades tiveram suas áreas nas duas visitas (Figura 27).
de risco diminuídas da primeira para a segunda

137
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Figura 27. Avenida Presidente Ernesto Geisel, em evento e pós-evento de inundação, Campo Grande, 2019 (Antoneli et al.
2019).

Caso excepcional em todo o Centro Oeste, a cimento pluvial. A cidade, que apresentava sete
cidade de Três Lagoas se destaca por ter acabado setores em 2013, sendo uma de solapamento de
com todas as áreas de risco alto ou muito alto da margem de curso de água e seis de inundação,
cidade através de obras de contenção e amorte- apresentou apenas locais de observação em 2019.

Figura 28. Bacia de contenção de águas pluviais e em operação, Três Lagoas, 2019 (Antoneli et al. 2019).

Ao todo, o estado de Mato Grosso do Sul cabe a processos hidrológicos. Em todas as cida-
apresenta 2.391 moradias em situação de risco, des vistoriadas, os setores de risco hidrológicos
com 21.329 pessoas na mesma situação, distri- são resultantes da ocupação desenfreada das
buídos em 39 setores ao longo das 21 cidades áreas de proteção permanente dos cursos de água,
mapeadas. sendo que em 80% dos casos são áreas de várzea.
Em casos raros, as residências são atingidas por
cheias de recorrências históricas, como cheias de
6 CONCLUSÃO 10 ou 100 anos.
As erosões marginais urbanas da beira de cór-
Com os dados apresentados, podemos con-
regos e rios são causadas pela gestão insuficiente
cluir que todos os três estados do Centro Oeste
e/ou incorreta das águas pluviais, descaso por
apresentam características semelhantes no que

138
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE

parte da administração pública local em relação à alto risco a movimentos de massa e enchentes:
construção de rede de drenagens adequadas para Três Lagoas, MS, Belo Horizonte-MG, 2019. 15
o atendimento do volume de chuva e também a págs.
falta de planejamento territorial para a construção
e autorização de novos loteamentos, que contri- BRASIL. Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012. Ins-
buem para a impermeabilização das cidades. Em titui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil
consequência, a jusante dos pontos das erosões, - PNPDEC; dispõe sobre o Sistema Nacional de
pode-se verificar o aumento do assoreamento des- Proteção e Defesa Civil – SINPDEC e o Conselho
ses mesmos rios e córregos, o que causa o aumen- Nacional de Proteção e Defesa Civil – CONPDEC.
to da recorrência de enchentes e inundações.
CABRAL, DOUGLAS SILVA; PERET, GUILHER-
No que tange aos deslizamentos planares
ME HENRIQUE SANTOS. Ação emergencial
solo-solo, em 90% dos casos registrados foram
para reconhecimento de áreas de alto e muito
ocasionados devido a questões construtivas e fal-
alto risco a movimentos de massa e enchentes:
ta de fiscalização dos órgãos gestores. No caso de
Colniza, MT, Goiânia-GO, 2014. 1 págs.
queda de blocos, os problemas são devido à pro-
ximidade das moradias à área fonte.
CABRAL, DOUGLAS SILVA; PERET, GUILHER-
É perceptível a melhor visão por partes das
ME HENRIQUE SANTOS. Ação emergencial
defesas civis municipais nos municípios que tive-
para reconhecimento de áreas de alto e muito
ram o acompanhamento e ressetorização, tanto
alto risco a movimentos de massa e enchentes:
no caso das cidades que apresentaram maiores ou
Confressa, MT, Goiânia-GO, 2014. 1 págs.
menores quantidades de locais de risco. Essa per-
cepção foi possível graças à interação do Serviço CABRAL, DOUGLAS SILVA; PEIXOTO, DARIO;.
Geológico do Brasil-CPRM com as defesas civis, Ação emergencial para reconhecimento de áreas
com troca de expertise, conhecimento técnico e de alto e muito alto risco a movimentos de massa
conhecimento técnico. e enchentes: Cuiabá, MT, Goiânia-GO, 2014. 40
O problema apontado em muitos casos para págs.
a perda dos eventos e dados históricos está rela-
cionado com a constante troca dos responsáveis CABRAL, DOUGLAS SILVA; PERET, GUILHER-
pelas defesas civis em cidades menores, o que en- ME HENRIQUE SANTOS;. Ação emergencial
fraquece o processo. para reconhecimento de áreas de alto e muito
alto risco a movimentos de massa e enchentes:
Feliz Natal, MT, Goiânia-GO, 2014. 1 págs.
REFERENCIAS
CPRM – SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL.
ANTONELLI, TIAGO; CABRAL, DOUGLAS SIL- Ação emergencial para reconhecimento de áreas
VA; LANA, JÚLIO CÉSAR. Ação emergencial de alto e muito alto risco a movimentos de massa
para reconhecimento de áreas de alto e muito e enchentes: Acreúna, GO, Goiânia-GO, 2015. 13
alto risco a movimentos de massa e enchentes: págs.
Campo Grande, MS, Belo Horizonte-MG, 2019.
23 págs. CPRM – SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL;.
Ação emergencial para reconhecimento de áreas
ANTONELLI, TIAGO; CABRAL, DOUGLAS SIL- de alto e muito alto risco a movimentos de massa
VA; LANA, JÚLIO CÉSAR. Ação emergencial e enchentes: Rio Verde, GO, Rio de Janeiro - RJ,
para reconhecimento de áreas de alto e muito 2015. 17 págs.
alto risco a movimentos de massa e enchentes:
Corumbá, MS, Belo Horizonte-MG, 2019. 24 págs. CPRM – SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL;.
Ação emergencial para reconhecimento de áreas
ANTONELLI, TIAGO; CABRAL, DOUGLAS SIL- de alto e muito alto risco a movimentos de massa
VA; LANA, JÚLIO CÉSAR. Ação emergencial
para reconhecimento de áreas de alto e muito

139
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

FERNANDES, RODRIGO LUIZ GALLO; PEIXO-


e enchentes: Novo Mundo, MS, Rio de Janeiro -
TO, DARIO. Ação emergencial para reconheci-
RJ, 2013. 03 págs.
mento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
FACURI, GABRIEL GUIMARÃES; TOMITA, vimentos de massa e enchentes: Anápolis, GO,
SUELI AKEMI. Ação emergencial para reconhe- Goiânia-GO, 2014. 28 págs.
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
FERNANDES, RODRIGO LUIZ GALLO; PINHO,
vimentos de massa e enchentes: Bonito, MS, São
DEYNA. Ação emergencial para reconhecimento
Paulo-SP, 2015. 14 págs.
de áreas de alto e muito alto risco a movimentos
FACURI, GABRIEL GUIMARÃES; TOMITA, de massa e enchentes: Anápolis, GO, Goiânia-
SUELI AKEMI. Ação emergencial para reconhe- -GO, 2019. 92 págs.
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
FERNANDES, RODRIGO LUIZ GALLO; PINHO,
vimentos de massa e enchentes: Camapuã, MS,
DEYNA. Ação emergencial para reconhecimento
São Paulo-SP, 2015. 16 págs.
de áreas de alto e muito alto risco a movimen-
FACURI, GABRIEL GUIMARÃES; TOMITA, tos de massa e enchentes: Barra do Garças, MT,
SUELI AKEMI. Ação emergencial para reconhe- Goiânia-GO, 2018. 74 págs.
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
FERNANDES, RODRIGO LUIZ GALLO; PINHO,
vimentos de massa e enchentes: Guia Lopes da
DEYNA. Ação emergencial para reconhecimento
Laguna, MS, São Paulo-SP, 2015. 11 págs.
de áreas de alto e muito alto risco a movimen-
FACURI, GABRIEL GUIMARÃES; TOMITA, tos de massa e enchentes: Barra do Garças, MT,
SUELI AKEMI. Ação emergencial para reconhe- Goiânia-GO, 2020. 97 págs.
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
FERNANDES, RODRIGO LUIZ GALLO; CA-
vimentos de massa e enchentes: Jardim, MS, São
NELLO, VIVIAN ATHAYDES. Ação emergencial
Paulo-SP, 2015. 08 págs.
para reconhecimento de áreas de alto e muito
FACURI, GABRIEL GUIMARÃES; TOMITA, alto risco a movimentos de massa e enchentes:
SUELI AKEMI. Ação emergencial para reconhe- Bela Vista de Goiás, GO, Goiânia-GO, 2018. 18
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo- págs.
vimentos de massa e enchentes: Nioaque, MS,
FERNANDES, RODRIGO LUIZ GALLO; CA-
São Paulo-SP, 2015. 14 págs.
NELLO, VIVIAN ATHAYDES. Ação emergencial
FERNANDES, RODRIGO LUIZ GALLO; PEIXO- para reconhecimento de áreas de alto e muito
TO, DARIO; PERET, GUILHERME HENRIQUE alto risco a movimentos de massa e enchentes:
SANTOS; CABRAL, DOUGLAS SILVA. Ação Bonfinópolis, GO, Goiânia-GO, 2018. 21 págs.
emergencial para reconhecimento de áreas de
FERNANDES, RODRIGO LUIZ GALLO. Ação
alto e muito alto risco a movimentos de massa
emergencial para reconhecimento de áreas de
e enchentes: Alexânia, GO, Goiânia-GO, 2014. 24
alto e muito alto risco a movimentos de massa e
págs.
enchentes: Caldas Novas, GO, Goiânia-GO, 2018.
FERNANDES, RODRIGO LUIZ GALLO; CA- 59 págs.
NELLO, VIVIAN ATHAYDES; PINHO, DEY-
FERNANDES, RODRIGO LUIZ GALLO; CA-
NA; MAGALHÃES, LUIZ FERNANDO. Ação
NELLO, VIVIAN ATHAYDES. Ação emergencial
emergencial para reconhecimento de áreas de
para reconhecimento de áreas de alto e muito
alto e muito alto risco a movimentos de massa e
alto risco a movimentos de massa e enchentes:
enchentes: Aparecida de Goiânia, GO, Goiânia-
Caldazinha, GO, Goiânia-GO, 2018. 19 págs.
-GO, 2017. 75 págs.

140
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE

FERNANDES, RODRIGO LUIZ GALLO; PEI- LAZARETI, ANDREA FREGOLENTE; ANTO-


XOTO, DARIO. Ação emergencial para reco- NELLI, TIAGO;. Ação emergencial para reconhe-
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
movimentos de massa e enchentes: Ceres, GO, vimentos de massa e enchentes: Bela Vista, MS,
Goiânia-GO, 2014. 22 págs. São Paulo, 2015. 14 págs.

FERNANDES, RODRIGO LUIZ GALLO. Ação LAZARETI, ANDREA FREGOLENTE; ANTO-


emergencial para reconhecimento de áreas de NELLI, TIAGO;. Ação emergencial para reconhe-
alto e muito alto risco a movimentos de massa cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
e enchentes: Formosa, GO, Goiânia-GO, 2019. 48 vimentos de massa e enchentes: Dourados, MS,
págs. São Paulo, 2015. 14 págs.

FERNANDES, RODRIGO LUIZ GALLO; PE- LAZARETI, ANDREA FREGOLENTE; LIMA,


RET, GUILHERME HENRIQUE SANTOS; MA- GILBERTO. Ação emergencial para reconheci-
GALHÃES, LUIZ FERNANDO; BOAS, CÍNTIA mento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
VILLAS. Ação emergencial para reconhecimento vimentos de massa e enchentes: Ponta Porã, MS,
de áreas de alto e muito alto risco a movimentos São Paulo, 2015. 24 págs.
de massa e enchentes: Goiânia, GO, Goiânia-GO,
2016. 62 págs. LAZARETI, ANDREA FREGOLENTE; ANTO-
NELLI, TIAGO. Ação emergencial para reconhe-
FERNANDES, RODRIGO LUIZ GALLO; CA- cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
BRAL, DOUGLAS SILVA. Ação emergencial vimentos de massa e enchentes: Porto Murtinho,
para reconhecimento de áreas de alto e muito MS, São Paulo, 2015. 17 págs.
alto risco a movimentos de massa e enchentes:
Goiás, GO, Goiânia-GO, 2014. 18 págs. LIMA, GILBERTO; MORAIS, CARLA CRISTINA
MAGALHÃES DE. Ação emergencial para reco-
FERNANDES, RODRIGO LUIZ GALLO; CA- nhecimento de áreas de alto e muito alto risco
NELLO, VIVIAN ATHAYDES. Ação emergencial a movimentos de massa e enchentes: Anastácio,
para reconhecimento de áreas de alto e muito MS, São Paulo, 2015. 09 págs.
alto risco a movimentos de massa e enchentes:
Senador Canedo, GO, Goiânia-GO, 2018. 39 págs. LIMA, GILBERTO; MORAIS, CARLA CRISTINA
MAGALHÃES DE. Ação emergencial para reco-
FERNANDES, RODRIGO LUIZ GALLO; CA- nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a
NELLO, VIVIAN ATHAYDES; PINHO, DEYBA. movimentos de massa e enchentes: Aquidauana,
Ação emergencial para reconhecimento de áreas MS, São Paulo, 2015. 11 págs.
de alto e muito alto risco a movimentos de massa
e enchentes: Silvânia, GO, Goiânia-GO, 2018. 50 LIMA, GILBERTO; MORAIS, CARLA CRISTINA
págs. MAGALHÃES DE. Ação emergencial para reco-
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco
FERNANDES, VIVIAN ATHAYDES CANELLO; a movimentos de massa e enchentes: Miranda,
SILVA, SANDRA FERNANDES DA. Ação emer- MS, São Paulo, 2015. 15 págs.
gencial para reconhecimento de áreas de alto e
muito alto risco a movimentos de massa e en- MACEDO, EDUARDO SOARES DE; BRESSANI,
chentes: Uruaçu, GO, Goiânia-GO, 2018. 20 págs. LUIZ ANTÔNIO;. Diretrizes para o zoneamento
da suscetibilidade, perigo e risco de deslizamen-
LAZARETI, ANDREA FREGOLENTE; LIMA, tos para o planejamento de uso do solo. ABGE:
GILBERTO. Ação emergencial para reconheci- Associação Brasileira de Geologia de Engenharia
mento de áreas de alto e muito alto risco a mo- e Ambiental e ABMS: Associação Brasileira de
vimentos de massa e enchentes: Batayporã, MS, Mecânica de Solos e Engenharia Geotécnica, 2013.
São Paulo, 2015. 16 págs.

141
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

MELO, JEFFERSON SANTANA; SOUZA, MINISTÉRIO DAS CIDADES / INSTITUTO DE


ADRIANA GOMES DE;. Ação emergencial para PESQUISAS TECNOLÓGICAS – IPT. Mapea-
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MELO, JEFFERSON SANTANA; SOUZA, SANTOS, ÁLVARO RODRIGUES DOS. Enchen-


ADRIANA GOMES DE;. Ação emergencial para tes e deslizamentos: causas e soluções: áreas de
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risco a movimentos de massa e enchentes: Jataí,
GO, Rio de Janeiro - RJ, 2015. 18 págs. SILVA, JOSÉ ANTONIO DA; SOUZA, ANDER-
SON ALVES DA;. Ação emergencial para reco-
MELO, JEFFERSON SANTANA; SOUZA, nhecimento de áreas de alto e muito alto risco
ADRIANA GOMES DE;. Ação emergencial para a movimentos de massa e enchentes: Barra dos
reconhecimento de áreas de alto e muito alto ris- Bugres, MT, Cuiabá- MT, 2019. 23 págs.
co a movimentos de massa e enchentes: Lagoa
Santa, GO, Rio de Janeiro - RJ, 2015. 15 págs. SILVA, JOSÉ ANTONIO DA; SOUZA, ANDER-
SON ALVES DA;. Ação emergencial para reco-
MELO, JEFFERSON SANTANA; SOUZA, nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a
ADRIANA GOMES DE;. Ação emergencial para movimentos de massa e enchentes: Nova Olím-
reconhecimento de áreas de alto e muito alto ris- pia, MT, Cuiabá- MT, 2019. 16 págs.
co a movimentos de massa e enchentes: Minei-
ros, GO, Rio de Janeiro - RJ, 2015. 13 págs. SILVA, JOSÉ ANTONIO DA; SOUZA, ANDER-
SON ALVES DA;. Ação emergencial para reco-
MELO, JEFFERSON SANTANA; SOUZA, nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a
ADRIANA GOMES DE;. Ação emergencial para movimentos de massa e enchentes: Paranatinga,
reconhecimento de áreas de alto e muito alto ris- MT, Cuiabá- MT, 2019. 24 págs.
co a movimentos de massa e enchentes: Quirinó-
polis, GO, Rio de Janeiro - RJ, 2015. 17 págs. SILVA, JOSÉ ANTONIO DA; SOUZA, ANDER-
SON ALVES DA;. Ação emergencial para reco-
MELO, JEFFERSON SANTANA; SOUZA, nhecimento de áreas de alto e muito alto risco
ADRIANA GOMES DE;. Ação emergencial para a movimentos de massa e enchentes: Peixoto de
reconhecimento de áreas de alto e muito alto ris- Azevedo, MT, Cuiabá- MT, 2019. 21 págs.
co a movimentos de massa e enchentes: Santa
Helena de Goiás, GO, Rio de Janeiro - RJ, 2015. SILVA, JOSÉ ANTONIO DA; SOUZA, ANDER-
14 págs. SON ALVES DA;. Ação emergencial para reco-
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a
MELO, JEFFERSON SANTANA; SOUZA, movimentos de massa e enchentes: Santa Terezi-
ADRIANA GOMES DE;. Ação emergencial para nha, MT, Cuiabá- MT, 2019. 27 págs.
reconhecimento de áreas de alto e muito alto ris-
co a movimentos de massa e enchentes: Santa SILVA, JOSÉ ANTONIO DA; SOUZA, ANDER-
Rita do Araguaia, GO, Rio de Janeiro - RJ, 2015. SON ALVES DA;. Ação emergencial para reco-
13 págs. nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a
movimentos de massa e enchentes: Santo Antô-
MINISTÉRIO DAS CIDADES / INSTITUTO DE nio do Leverger, MT, Cuiabá- MT, 2019. 21 págs.
PESQUISAS TECNOLÓGICAS – IPT. Treina-
mento de Técnicos Municipais para o Mapea- SILVA, JOSÉ ANTONIO DA; SOUZA, ANDER-
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ções. Apostila de treinamento. 2004. 73p.

142
PANORAMA DOS RISCOS GEOLÓGICOS NO CENTRO OESTE

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Cuiabá- MT, 2021. 16 págs. XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe-
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
SILVA, JOSÉ ANTONIO DA; SOUZA, ANDER- vimentos de massa e enchentes: Formosa, GO,
SON ALVES DA;. Ação emergencial para reco- Goiânia-GO, 2013, 14 págs.
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a
movimentos de massa e enchentes: Sorriso, MT, VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
Cuiabá- MT, 2021. 20 págs. XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe-
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
SILVA, JOSÉ ANTONIO DA; SOUZA, ANDER- vimentos de massa e enchentes: Itaquirai, GO,
SON ALVES DA;. Ação emergencial para reco- Goiânia-GO, 2013, 15 págs.
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a
movimentos de massa e enchentes: Várzea Gran- VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
de, MT, Cuiabá- MT, 2018. 49 págs. XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe-
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- vimentos de massa e enchentes: Itumbiara, MS,
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe- Goiânia-GO, 2013, 1 págs.
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
vimentos de massa e enchentes: Agua Boa, MT, VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
Goiânia-GO, 2012. 9 págs. XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe-
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- vimentos de massa e enchentes: Ivinhema, MS,
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reco- Goiânia-GO, 2013, 21 págs.
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a
movimentos de massa e enchentes: Baliza, GO, VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
Goiânia-GO, 2013. 1 págs. XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reco-
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- a movimentos de massa e enchentes: Nova Ban-
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe- deirantes, MT, Goiânia-GO, 2012, 1 págs.
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
vimentos de massa e enchentes: Bataguassu, MS, VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
Goiânia-GO, 2013. 18 págs. XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe-
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- vimentos de massa e enchentes: Nova Canaã do
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe- Norte, MT, Goiânia-GO, 2012, 9 págs.
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
vimentos de massa e enchentes: Campo Grande, VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
MS, Goiânia-GO, 2013. 10 págs. XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe-
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- vimentos de massa e enchentes: Nova Olímpia,
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe- MT, Goiânia-GO, 2012, 31 págs.
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
vimentos de massa e enchentes: Comodoro, MT, VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
Goiânia-GO, 2012. 11 págs. XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reco-
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- movimentos de massa e enchentes: Novo Gama,
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe- GO, Goiânia-GO, 2013, 10 págs.
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
vimentos de massa e enchentes: Corumbá, MS, VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
Goiânia-GO, 2013. 30 págs. XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reco-

143
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo-
movimentos de massa e enchentes: Paranatinga, vimentos de massa e enchentes: Vila Rica, MT,
MT, Goiânia-GO, 2013, 14 págs. Goiânia-GO, 2013, 13 págs.

VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reco- XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reco-
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a
a movimentos de massa e enchentes: Peixoto de movimentos de massa e enchentes: Três Lagoas,
Azevedo, MT, Goiânia-GO, 2013, 1 págs. MS, Goiânia-GO, 2013, 23 págs.

VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- TOMINAGA, LÍDIA KEIKO; SANTORO, JAIR;
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reco- AMARAL, ROSANGELA DO;. Desastres Na-
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a turais: Conhecer para prevenir. 2ª Ed., Instituto
movimentos de massa e enchentes: Santa Terezi- Geológico, 2012.
nha, MT, Goiânia-GO, 2013, 15 págs.
TOMITA, SUELI AKEMI; ANTONELLI, TIAGO;.
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- Ação emergencial para reconhecimento de áreas
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe- de alto e muito alto risco a movimentos de massa
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo- e enchentes: Costa Rica, MS, São Paulo-SP, 2015,
vimentos de massa e enchentes: Santo Antônio 14 págs.
do Leverger, MT, Goiânia-GO, 2013, 22 págs.
TOMITA, SUELI AKEMI; ANTONELLI, TIAGO;.
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- Ação emergencial para reconhecimento de áreas
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe- de alto e muito alto risco a movimentos de massa
cimento de áreas de alto e muito alto risco a mo- e enchentes: Coxim, MS, São Paulo-SP, 2015, 15
vimentos de massa e enchentes: São José do Rio págs.
Claro, MT, Goiânia-GO, 2013, 9 págs.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATA-
VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI- RINA – UFSC. CENTRO UNIVERSITÁRIO DE
XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reco- ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE DESASTRES.
nhecimento de áreas de alto e muito alto risco a Atlas Brasileiro de desastres naturais: 1991 a
movimentos de massa e enchentes: Uruaçu, GO, 2010, 2 ed., Florianópolis. 2012. 168p
Goiânia-GO, 2013, 9 págs.

VIEIRA JUNIOR, HAMILCAR TAVARES; PEI-


XOTO, DARIO;. Ação emergencial para reconhe-

144
RISCOS GEOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS NO
MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, MG
GEOLOGICAL AND HYDROLOGICAL RISKS IN BELO HORIZONTE, MG.

MARIA GIOVANA PARIZZI


Departamento de Geologia – Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
mgparizzi18@gmail.com

RESUMO ABSTRACT

Este artigo apresenta os condicionantes geológicos de This article presents the geological conditions of
escorregamentos, enchentes e inundações no território landslides and floods in Belo Horizonte county. The
do município de Belo Horizonte. O território exibe va- territory exhibits varied geological constitution divided
riada constituição geológica dividida em dois grandes into two large lithological and geomorphological
domínios litológicos e geomorfológicos. O primeiro domains. The first domain, known as Complexo Belo
domínio, conhecido por Complexo Belo Horizonte, Horizonte, represents almost seventy percent of the
abrange cerca de setenta por cento do território muni- county territory, it contains gnaisses and residual and
cipal e constitui-se de gnaisses e solos residuais e trans- transported soils. Geomorphologically the area is called
portados. Geomorfologicamente a área é denominada the Belo Horizonte Depression and is characterized
de Depressão Belo Horizonte e caracteriza-se por um by a relief named “mar de morros” occupying the
relevo de mar de morros ocupando as altitudes entre altitudes between 600 to 900 meters. The second
600 a 900 metros. O segundo domínio, localizado ao domain, located south of the municipal area, consists
sul da área municipal, constitui-se de rochas metasse- of metasedimentary rocks of the Minas Supergroup
dimentares do Supergrupo Minas do Quadrilátero Fer- - “Quadrilátero Ferrífero”, occupying about 30% of
rífero, ocupando cerca de 30% do território de beloho- the territory extending from 900 meters to the highest
rizontino. Estende-se desde cotas de 900 metros até levels of the hill named “Serra do Curral” (1340
os patamares mais elevados da Serra do Curral (1340 meters), a natural monument between Belo Horizonte
metros), monumento natural que separa os municípios and Nova Lima counties. Landslides occur particularly
de Belo Horizonte e Nova Lima. Os escorregamentos in three distinct groups of geological materials. The
ocorrem particularmente em três grupos de materiais first group, represented by metasedimentary rocks,
geológicos distintos. No primeiro grupo representa- landslides and other mass movements depend on the
do por rochas metassedimentares os escorregamentos arrangement, confinement, characteristics and intensity
e outros movimentos de massa dependem da dispo- of the discontinuities and the degree of alteration of
sição, confinamento, características e intensidade das the rocky massifs. The second group, represented by
descontinuidades e do grau de alteração dos maciços the residual soils of gnaisse, the ruptures depend on
rochosos. No segundo grupo, representado pelos solos cuts and erosive processes that expose residual soils
residuais de gnaisse, as rupturas dependem de cortes that preserve reliquiar structures of the original rock.
e processos erosivos que expõem solos saprolitos que The third group, represented by talus, ruptures occur
preservam estruturas reliquiares da rocha mãe. No ter- stimulated by cuts at the base of the slopes. Drainage
ceiro grupo, representado por tálus, as rupturas mais patterns are different in the two main hydrographic
comuns ocorrem estimuladas por cortes na base dos basins of the Belo Horizonte county: the Ribeirão do
taludes. Os padrões de drenagem são distintos para Onça basin and the Arrudas River Basin. Due to the
as duas principais bacias hidrográficas do município: influence of geological and geomorphological domains
A bacia do Ribeirão do Onça e a Bacia do Ribeirão on the drainage patterns and relief, floods and overflow
Arrudas. Os domínios geológicos e geomorfológicos are predominant in the Ribeirão do Onça Basin, while

145
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

impõem a declividade e os padrões de drenagem das water torrent, followed by floods and overflow are
duas bacias sendo que as inundações são predominan- common in the Ribeirão Arrudas Basin.
tes na Bacia do Ribeirão do Onça enquanto que enxur- Keywords: Geological hazards, Hidrological hazards,
radas bruscas, enchentes seguidas de inundações são Geology, Belo Horizonte.
mais comuns na Bacia do Ribeirão Arrudas.

Palavras-chave: Riscos Geológicos, Riscos Hidrológi-


cos, Geologia, Belo Horizonte.

1 INTRODUÇÃO cerca de 70 % do território municipal e constitui-


-se por gnaisses e solos residuais e transportados
A cidade de Belo Horizonte, como muitas ci- correspondentes. Geomorfologicamente a área é
dades do Brasil, sofre constantemente com rela- denominada pela Depressão Belo Horizonte que
ção aos riscos geológicos, especialmente escorre- caracteriza-se por um relevo de mar de morros,
gamentos, enchentes, inundações e enxurradas. A colinas e espigões ocupando as altitudes entre
geologia do território tem uma grande influência 600 a 900 metros. O segundo domínio, localiza-
tanto no relevo do município como, consequente- do ao sul da área municipal, constitui-se por ro-
mente, nos processos geológicos e hidrogeológi- chas metassedimentares do Supergrupo Minas
cos mais frequentes. do Quadrilátero Ferrífero, especificamente dos
Este artigo apresenta as suscetibilidades e grupos Cauê, Piracicaba e Sabará. O Grupo Cauê
vulnerabilidades que condicionam o risco geoló- é dividido em duas formações: Formação Cauê
gico no município, assim como as principais ações composta predominantemente por Itabiritos e a
relacionadas à mitigação e prevenção do mesmo. Formação Gandarela composta por dolomitos,
A região metropolitana de Belo Horizonte filitos dolomíticos e ferruginosos. O Grupo Pira-
possui várias áreas de risco de escorregamentos e cicaba apresenta a Formação Cercadinho com fi-
inundações com elevado número de ocorrências. litos prateados interdigitados por quartzitos fer-
Além disso, existem casos de movimentações em ruginosos, a Formação Fecho do Funil com filitos
áreas não consideradas de risco, cujas edificações puros e filitos dolomíticos, a Formação Taboões
possuem médio a elevado padrão construtivo, com quartzitos puros de granulação muito fina
o que contribui para enfatizar que, além das ati- tipo chert, geralmente de pequena espessura, e in-
vidades desordenadas de ocupação, os terrenos terdigitada com a Formação Barreiro constituída
também apresentam susceptibilidade natural ao por filitos carbonosos. O Grupo Sabará constitui-
processo. -se principalmente de filitos, xistos, grauvacas e
A variedade de condicionantes geológicos, cherts. O mapa geológico simplificado e perfil cor-
geomorfológicos, e das formas de uso e ocupação respondente (Figura 1) mostra que as rochas do
presentes na região de Belo Horizonte, associada grupo de metassedimentares ocorrem ao longo
aos aspectos climáticos, são responsáveis pelo de- de faixas de espessuras variadas de direção SW-
sencadeamento de distintos processos escorrega- -SE. De um modo geral todos os contatos entre
mentos, assim como dos processos hidrológicos. as formações da sequência de metassedimenta-
res são gradacionais e o mergulho das camadas
tem forte vergência para sul-sudeste. Ocupando
1.1 Geologia, Geomorfologia e Hidrografia
cerca de 30% do território de belohorizontino o
de Belo Horizonte
Supergrupo Minas estende-se desde cotas de 900
O território do município de Belo Horizonte metros até os patamares mais elevados da Serra
exibe variada constituição geológica dividida em do Curral (1340 metros), monumento natural que
dois grandes domínios litológicos e geomorfoló- separa os municípios de Belo Horizonte e Nova
gicos. O primeiro domínio, conhecido por Com- Lima. Diferentes resistências e grau de alteração
plexo Belo Horizonte (Silva et al., 1995), abrange das rochas do Supergrupo Minas e Complexo

146
RISCOS GEOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, MG

Belo condicionam erosão diferencial que pode ser e intemperizados, a Formação Cercadinho define
facilmente observada na paisagem do município. aspecto serrilhado ao relevo com cristas e subcris-
Os itabiritos e depósitos ferruginosos oriundos da tas (Figura 2). O mapa hipsométrico (Figura 3) de-
formação Cauê preservam as maiores altitudes monstra a influência da geologia e conformação
no topo da Serra do Curral. Os dolomitos e filitos da Serra do Curral no relevo. É possível observar
dolomíticos e ferruginosos da formação Ganda- as altitudes superiores a 1000 metros ao longo da
rela, menos resistentes, geram vales nas cotas de faixa serrana ocupada pelas metassedimentares
900 metros interrompidos por subcristas susten- do Quadrilátero Ferrífero decrescendo em direção
tadas pelos quartzitos ferruginosos da Formação à Depressão Belo Horizonte para as cotas de 650
Cercadinho. Em decorrência da interdigitação de a 850 metros.
quartzitos mais resistentes e filitos mais brandos

Figura 1. Mapa geológico simplificado do município de Belo Horizonte.

147
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Figura 2. imagem área com delimitação aproximada da abrangência das formações geológicas do município de Belo Horizon-
te em função do relevo.

Figura 3. Mapa Hipsométrico do Município de Belo Horizonte.

Os padrões de drenagem são distintos para município encontra-se na área da depressão Belo
as duas principais bacias hidrográficas do municí- Horizonte mantendo o padrão dendrítico. Entre-
pio: A Bacia do Ribeirão do Onça e a Bacia do Ri- tanto ao sul do município, a Bacia do Ribeirão
beirão Arrudas. A Bacia do Ribeirão do Onça en- Arrudas apresenta drenagem do tipo paralela e
contra-se integralmente na área de mar de morros sub-bacias alongadas, tendo forte influência das
da Depressão Belo Horizonte. O padrão de dre- maiores altitudes e declividades e da orientação
nagem é do tipo dendrítico e as sub-bacias apre- SW-SE da Serra do Curral e subcristas definidas
sentam formatos circulares a ramificadas. Parte pela sequência das rochas metassedimentares do
da Bacia do Ribeirão Arrudas na área central do Supergrupo Minas. Os domínios geológicos e geo-

148
RISCOS GEOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, MG

morfológicos impõem a declividade e os padrões na Bacia do Ribeirão Arrudas. A figura 4 exibe a


de drenagem das duas bacias sendo que as inun- hidrografia do município de Belo Horizonte e é
dações são predominantes na Bacia do Ribeirão possível observar os diferentes padrões de drena-
do Onça enquanto que enxurradas bruscas, en- gem descritos.
chentes seguidas de inundações são mais comuns

Figura 4. Bacias hidrográficas e padrões de drenagem do território de Belo Horizonte.

149
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

2 MOVIMENTOS DE MASSA NO 2.1 Maciços rochosos da sequência de


MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE metassedimentares do Supergrupo Minas

Parizzi (2004) e Parizzi et al.(2011) estudaram De uma maneira geral os maciços estudados
os condicionantes de movimentos de massa no pertencentes ao grupo 1 foram considerados de
município de Belo Horizonte por meio da análise qualidade ruim a muito ruim pelas classificações
de estabilidade de taludes representativos das di- RMR (Bieniawski, 1989) e Q (Barton et al., 1974).
versas litologias e solos presentes na área. Assim como as classes da RMR, os parâmetros de
Os autores estabeleceram os tipos de movi- resistência (coesão e atrito) também não são mui-
mentos de massa e seus condicionantes atuantes to diferentes. Os maciços das Formações Cercadi-
nos diferentes materiais geológicos. Pôde-se ob- nho, Fecho do Funil, Barreiro e Taboões, apresen-
servar a existência de processos gravitacionais taram os menores valores de coesão. Os ângulos
particulares de três grupos de materiais geológi- de atrito dos maciços variaram entre 13° e 21°. Os
cos distintos, a saber: menores valores dos parâmetros de resistência são
‚ Grupo 1: Maciços rochosos da seqüência de atribuídos aos filitos, independente de seu grupo
metassedimentares (Supergrupo Minas) ou formação. A tabela 1 apresenta os principais
‚ Grupo 2: Solos residuais de gnaisse (Comple- parâmetros geomecânicos das rochas da sequên-
xo Belo Horizonte) cia de metassedimentares baseada nos estudos de
‚ Grupo 3: Depósitos superficiais Parizzi (2004).

Tabela 1. Características geomecânicas das rochas da sequência de metassedimentares (Fonte: Parizzi, 2004)

Sequência de Metassedimentares
Unidade Geológica
Grupo Sabará Formações Fecho do Funil
Formação Cercadinho
Barreiro e Taboões

Filito, filito carbonoso e


Maciço Rochoso Filitos, xistos e grauvacas Filitos e quartzitos ferruginosos
quartzito Taboões

Número de descontinuidades 3 4 5

Classificação RMR Maciço regular Pobre a muito pobre Pobre a muito pobre

Classificação Barton Maciço muito ruim Extremamente ruim Extremamente ruim

Angulo de Atrito 21º 17º 13º

Coesão 38 kPa 15 kPa 15 kPa

As descontinuidades dos maciços rochosos A análise cinemática dos maciços rochosos e


são de extrema importância para o desencadea- a análise de estabilidade mostraram a importância
mento dos escorregamentos observados, devido da relação geométrica entre as descontinuidades
às suas características de orientação, abertura, es- presentes e a face do talude (orientação, altura e
paçamento, rugosidade, preenchimento e estado inclinação) o que irá determinar as partes do ma-
de alteração das paredes. A análise dos maciços ciço que estão livres para deslizar ou cair, confor-
rochosos conforme os critérios da ISRM (1983) e me Hoek e Bray (1981). A orientação da Serra do
as investigações de campo definiram o número de Curral com encostas voltadas para norte no lado
famílias de descontinuidades variando entre 3 e 5, de Belo Horizonte e voltada para sul no lado de
incluindo xistosidade, juntas e falhas. O número Nova Lima favorece, dois tipos de escorregamen-
de famílias não é grande, entretanto estas famílias tos. Queda de blocos ocorrem em Belo Horizonte
são pouco espaçadas nos maciços, podendo variar e escorregamentos planares ocorrem no lado de
local e regionalmente de direção e mergulho, de- Nova Lima (Figura 5).
vido aos aspectos da geologia estrutural da área
de estudo (Parizzi et al. 2011).
150
RISCOS GEOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, MG

Figura 5. A orientação das encostas da Serra do Curral e o mergulho do acamamento do Itabirito da Formação Cauê favorecem
queda de blocos no lado de Belo Horizonte e escorregamento planar no lado de Nova Lima.

Fiori e Carmignani (2002) enfatizam que a cresceram para valores iguais ou menores do
água tem grande influência no estado de alteração que 1.
dos maciços atuando em aspectos fundamentais, ‚ Outro modo da influência da água nas ruptu-
tais como: ras dos maciços rochosos está na diminuição
‚ Na decomposição dos minerais, principal- quase completa da coesão entre os planos de
mente os micáceos, abundantes em todos os descontinuidade, ou seja, os blocos se des-
maciços, ocasionando a perda da resistência placam por alívio de tensão e, após suces-
das paredes das descontinuidades. sivos eventos chuvosos e secos, escorregam
‚ Na criação de poro-pressões nas descontinui- facilmente ao longo dos outros planos lisos
dades. As análises de estabilidade compro- e umedecidos. Este fenômeno se assemelha
varam que é necessário um preenchimento ao processo de empastilhamento descrito por
parcial ou total por água nas descontinuida- Frazão et al. (1976).
des para que rupturas ocorram nos taludes.
Em quase todas as análises de estabilidade Com relação às ações antrópicas, a execução
de acordo com o método de equilíbrio limite, dos cortes dos taludes, geralmente muito incli-
quando se considerou que as descontinuida- nados, que estimulam os processos erosivos, ou
des estavam secas, os fatores de segurança orientados de maneira à desconfinar estruturas
foram maiores do que 1,3, indicando situa- dos maciços rochosos, são os principais condicio-
ção estável. Com o aumento da porcentagem nantes antrópicos que desencadeiam escorrega-
de água dentro das descontinuidades e das mentos nas áreas de ocorrência das Seqüências
fendas de tração, os fatores de segurança de- Metassedimentares (Figura 6).

Figura 6. Condicionantes antrópicos dos escorregamentos. Lançamentos de terra descartada, cortes subverticais que desconfi-
nam descontinuidades e contatos entre solos e o maciço rochoso e construções sobre material inconsolidado. A foto da direita
foi tirada no Conjunto Taquaril em Belo Horizonte.
151
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Outro fator importante, observado por Pariz- mentos em cunha que evoluem na face do talude
zi (2004), é a execução de obras de estabilização (Figura 7). Devido à presença regular de mais de
que não levam em consideração os reais mecanis- uma família de descontinuidades e ao avançado
mos de ruptura atuantes nos maciços rochosos. estado de alteração dos maciços, a susceptibilida-
Os taludes em áreas de substrato rochosos de a escorregamentos em cunha se torna elevada.
constituídos por filitos da Formação Fecho do Interseções entre duas famílias parecem ser
Funil, Barreiro, xistos e filitos do Grupo Sabará comuns e os escorregamentos em cunha ocorrem
e filitos alternados por quartzitos da Formação nos primeiros estágios de instabilização dos ma-
Cercadinho se movimentam e se rompem a partir ciços. A ocorrência conjunta de erosão e escorre-
de mecanismos que podem ser diferenciados de gamento em cunha contribui para a mudança da
acordo com a relação geométrica entre corte dos geometria inicial dos taludes, geralmente com a
taludes e as descontinuidades dos maciços. É pos- criação de novas faces planas, que irão desconfi-
sível distinguir três modelos de ruptura para essa nar as outras descontinuidades do maciço, geral-
região. Geralmente, os cortes não possuem dire- mente a xistosidade. A partir da nova geometria
ções paralelas às direções das foliações, sendo, estabelecida e a exposição de novos planos, tom-
muitas vezes, até perpendiculares a elas. Nestes bamentos e escorregamentos planares passam a
casos, o processo de escorregamento é estimula- ocorrer.
do a partir de um sulco erosivo ou por escorrega-

Figura 7. Modelo de evolução progressiva dos movimentos de massa a partir de rupturas em cunha.

Quando as encostas ou taludes estão cober- As novas configurações dos taludes, obtidas
tos por depósitos de vertentes, a cobertura, asso- após os primeiros escorregamentos e processos
ciada à baixa permeabilidade do maciço, retarda a erosivos, são geralmente côncavas com topos es-
saturação das descontinuidades, o que mantém o carpados e rampas com inclinação em torno de
maciço rochoso estável por mais tempo. 30°, o que favorece a acumulação dos depósitos

152
RISCOS GEOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, MG

de vertentes e a concentração das águas pluviais. tos circulares ou planares próximos ao contato
Os depósitos passam a se movimentar sob a for- depósito/maciço rochoso (Figura 8).
ma de rastejos, fluxos de detritos e escorregamen-

Figura 8. Ruptura em cunha seguida de ruptura planar, tombamento e fluxo de detritos em talude da Av, Raja Gabaglia em
Belo Horizonte. A foto superior data de 2005 e a foto inferior data de 2021 após intervenções no local. Muro gabião foi feito na
base do talude e um prédio foi construído na parte superior. As lonas ao longo da face indicam que as intervenções não foram
eficazes e o talude continua em movimentação.

Em alguns maciços de quartzitos, filitos e e classificação dos maciços, que os tombamentos


xistos, quando os cortes não desconfinam a xis- da região ocorrem estimulados pela progressiva
tosidade, os tombamentos e quedas de blocos perda de resistência das descontinuidades que se
serão os principais tipos de movimentos (Figura intercruzam, como descrevem Yang & Chuang
9). Geralmente as descontinuidades contra a face (1997), e das outras descontinuidades presentes
livre mergulham em ângulos mais baixos do que nos maciços alterados responsáveis pela delimita-
as descontinuidades a favor da face livre. Há in- ção de blocos instáveis (Figura 9).
dícios, principalmente após as vistorias de campo

153
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Figura 9. Modo de ocorrência dos tombamentos e quedas de blocos de quartzitos, filitos e


xistos na área de estudo.

Figura 10. Tombamento e queda de blocos de filitos do Grupo Sabará sobre casa no bairro São Lucas de Belo Horizonte. A foto
da esquerda exibe detalhe do processo e a foto da direita mostra a localização da casa.

154
RISCOS GEOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, MG

Alguns cortes dessas litologias favorecem as formando uma camada protetora dos movimen-
rupturas planares. Entretanto pelo que foi obser- tos de massa e erosão dos horizontes inferiores. O
vado as rupturas planares são geralmente secun- horizonte C, ou solos saprolíticos e saprolitos, ge-
dárias conforme exposto na Figura 6. ralmente areno-siltosos, apresentam coesão nula
ou baixa, e ainda possuem estruturas reliquiares
da rocha de origem como famílias de fraturas e a
2.2 Condicionantes dos movimentos de foliação gnáissica. Processos erosivos, geralmente
massa dos solos residuais de gnaisse desenvolvidos nos horizontes de solo saprolíticos
e sobre os saprolitos, são responsáveis pela alte-
Os solos residuais desenvolvidos a partir
ração na morfologia das encostas, criando sulcos
dessas litologias contêm os horizontes A, B, C,
com paredes íngremes que facilitam o desenca-
saprolítico e os saprolitos da rocha original. Os
deamento de escorregamentos dos solos pouco
dois primeiros possuem espessuras variadas, de-
coesivos. A erosão também contribui para reti-
pendo do relevo local e possuem textura de argila
rada dos horizontes A e B, permitindo a exposi-
arenosa e coesão mais alta que os horizontes so-
ção dos horizontes sotopostos, caracterizados por
topostos. Viana (2000) encontrou menores valo-
maior erodibilidade e susceptibilidade a escorre-
res de erodibilidade para os horizontes A e B em
gamentos (Figuras 11 e 12).
relação ao horizonte C. Os horizontes superiores
(A e B) apresentam maior resistência à ruptura,

Figura 11. Modelo de desenvolvimento dos escorregamentos em solos residuais de gnaisse


a partir da modificação das encostas por erosão ou cortes.

155
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Figura 12. Imagem de escorregamento em solos residual de gnaisse no bairro Engenho Nogueira em Belo
Horizonte.

O município de Belo Horizonte possui antigas pedreiras de gnaisse que foram ocupadas de modo
irregular. Quedas de blocos são comuns, conforme a Figura 13.

Figura 13. As imagens exibem antigas pedreiras de gnaisse ocupadas inadequadamente. Ocorrem queda de blocos e há risco
para as moradias.

156
RISCOS GEOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, MG

2.3 Condicionantes e mecanismos de dos depósitos de tálus possuem dimensões


rupturas dos depósitos de vertentes que, geralmente, não ultrapassam o compri-
mento de 30 cm. Com o passar do tempo, os
Depósitos de vertentes em situação de insta- frágeis fragmentos posicionados na base dos
bilidade são comuns a muitos taludes da região depósitos vão sendo cominuídos devido ao
estudada. As análises geotécnicas e investigações peso provocado pelas camadas superiores. A
de campo realizadas permitiram observar que es- água que circula e a erosão também carreiam
ses materiais apresentam características bem se- materiais mais finos (silte e areia fina), que
melhantes entre si, apesar de terem se originado se depositam entre os fragmentos e passam
de litologias diferentes. As principais característi- constituir a matriz do tálus.
cas observadas estão esquematizadas a seguir:
‚ Grande parte dos depósitos encontrados foi Os escorregamentos foram aqui definidos
denominada de tálus, devido à sua granulo- como planares e circulares e correspondem aos
metria, constituída por fragmentos grossei- escorregamentos como descrito por Cruden e
ros, envolvidos por matriz mais fina. Varnes (1996) e Attewell e Farmer (1976. Nestes
‚ Os depósitos são originados de escorrega- casos, a frente de saturação atinge mais rapida-
mentos e queda de fragmentos dos maciços mente o ponto de fluência do material e a ruptura
rochosos de filitos e xistos que se depositam acontece. Existe grande influência da aproxima-
ao longo das faces dos taludes. Entretanto, ção do contato solo/rocha na determinação da
alguns depósitos são originados pela ação geometria e profundidade da superfície de ruptu-
antrópica devido ao lançamento de material ra (Figuras 14).
remobilizado nas encostas durante cortes de Depósitos acumulados resultantes de ruptu-
taludes e outras obras de engenharia. ras de filitos e xistos na base dos taludes geral-
‚ Devido ao acelerado grau de alteração física mente se movimentam lentamente, em função
e pequeno espaçamento entre as descontinui- da menor inclinação dessas áreas e rastejamento
dades dos maciços rochosos, os fragmentos também é comum (Figura 15).

Figura 14. Modelo exibindo ruptura de depósito de tálus ao longo do contato com o maciço rochoso.

157
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Figura 15. Rastejamento que ocorre em talude formado por tálus derivado da fragmentação de filitos e quartzitos da Formação
Cercadinho no bairro Mangabeiras em Belo Horizonte.

3 VULNERABILIDADE registradas no último ano, essas áreas sofreram


significativas alterações e um novo diagnóstico
O risco não pode ser compreendido de for- será realizado após a finalização das obras de rees-
ma desvinculada do contexto no qual ele ocorre, truturação necessárias e a finalização das ações de
mas devem ser consideradas as variáveis físicas, prevenção ao período chuvoso atual. Desde o últi-
sociais, políticas, econômicas e outras que possam mo período chuvoso de 2020, a PBH realizou mais
estar implicadas. Favero et al.(2014) enfatizam que de 5 mil vistorias e removeu mais de 500 famílias
riscos e desastres têm sua origem na interação en- de áreas de risco. Todas foram encaminhadas
tre seres humanos e seu contexto social, salien- para o Programa Bolsa Moradia e Auxílio Pecu-
tando-se que, mais do que um evento agudo, um niário. A Figura 16 exibe o mapa de vilas e favelas
desastre é a expressão aguda da vulnerabilidade de Belo Horizonte sobre o mapa geológico simpli-
em suas diferentes dimensões (física, social, am- ficado. A maioria das vilas e favelas encontra-se
biental, etc.). De acordo com o último diagnóstico nas altitudes medianas e baixas assentadas sobre
de Vilas e Favelas da Prefeitura de Belo Horizon- terrenos de xistos e filitos do Grupo Sabará e solos
te (2019) as vilas, favelas e aglomerados de Belo residuais de gnaisse do Complexo Belo Horizon-
Horizonte possuem cerca de 120 mil domicílios e te. A população em risco sofre com os efeitos de
uma população de mais de 370 mil pessoas. escorregamentos e inundações.
Foram diagnosticadas 1.100 edificações em
áreas de risco geológico. Com as chuvas históricas

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Figura 16. Mapa das áreas de vilas e favelas sobre o mapa geológico simplificado do município de Belo Horizonte.

4 MEDIDAS PREVENTIVAS E MITIGADORAS da chegada das chuvas, os esforços se concentram


no atendimento à população. Quando o local apre-
Por meio do programa estrutural em áreas senta grau de risco alto ou muito alto, o qual não
de risco (PEAR-PBH) de vilas e favelas, diversas pode ser eliminado ou controlado por uma obra
ações são realizadas para evitar acidentes graves tecnicamente viável, a família é removida, sendo
e preservar vidas, assegurar proteção para as fa- encaminhada para o abrigo municipal. Ela tam-
mílias que residem em áreas de risco geológico e bém pode acessar o programa Bolsa Moradia até
inundação. O trabalho é executado por meio de o seu reassentamento definitivo em uma unidade
vistorias, obras de manutenção, intervenções com habitacional construída pela Prefeitura. Durante
mão de obra do morador e atividades de preven- os meses da estiagem, a Companhia Urbaniza-
ção ao risco geológico (PBH, 2021). A Tabela 2 exi- dora de Belo Horizonte (Urbel) intensifica a rea-
be o quantitativo de ações realizadas ao longo dos lização de obras de pequeno e médio porte com o
últimos três anos pelo PEAR. objetivo de corrigir ou eliminar situações de risco
alto e muito alto, e, desta forma, prevenir aciden-
Tabela 2. ações do Programa Estrutural de Áreas de Risco tes e transtornos no período das chuvas.  Outro
nos anos de 2018 a 2020. (Fonte: BELO HORIZONTE, 2021) tipo de obra preventiva para evitar problemas
com as chuvas são as intervenções realizadas em
Obras com parceria com a comunidade. A Urbel doa o ma-
Ano (Dado Obras para
mão de Remoções
atualizado Vistorias
obra do
eliminação
preventivas terial de construção e fornece assistência técnica
de 2021) do risco
morador por meio de engenheiro, enquanto o morador é
2018 1651 43 80 1651 responsável pela mão de obra. As intervenções
2019 1347 19 69 1347 são de pequeno porte como muros de contenção
2020 5500 33 80 5500
de menor tamanho, canaletas de drenagem, lajes
impermeabilizantes, pavimentação de beco, etc.
A atenção nestas áreas é reforçada por meio
Os Núcleos de Defesa Civil (Nudec) são for-
de vistorias técnicas e monitoramento constante,
mados por cidadãos da comunidade que, através
principalmente nos locais mais críticos. Quando
do trabalho voluntário contribuem com ações
preventivas nas áreas de risco, além de orientar residuais de gnaisse e depósitos de tálus. Cada
e prestar socorro mais imediato nas situações de grupo se distingue pelo modo de ocorrência da
calamidade e emergência. Durante o ano, eles movimentação.
participam de diversas atividades de capacitação Em filitos e xistos, é comum rupturas em
oferecida pela Urbel, como curso de noções bási- cunha que estimulam a alteração da forma ori-
cas do PEAR, visita às áreas de risco de desliza- ginal do talude e, conseqüentemente, induzem a
mento, onde são instruídos a identificar os tipos ocorrência de outros tipos de ruptura tais como
de risco geológico e os agentes (lixo, corte inade- as planar, tombamentos e, por fim, fluxo dos de-
quado de barrancos, lançamento de água servida tritos gerados pelos processos anteriores. Quedas
em encostas, e outros), oficinas para implantação de blocos podem ocorrer em rochas um pouco
de hortas comunitárias em áreas remanescentes, mais resistentes porém muito fraturadas, como os
além de treinamentos de formação e reciclagem quartzitos e itabiritos e gnaisses sãos.
ministradas pelo Corpo de Bombeiros. Também Em solos residuais de gnaisses, o horizonte
aprendem como agir e orientar os moradores nos C se apresenta com pouca coesão e altamente sus-
períodos de chuvas intensas e prolongadas, sobre ceptível a erosão, seguida de escorregamentos pla-
os indícios de trincas nas moradias, movimenta- nares e circulares. Os depósitos de tálus são cons-
ção de terreno e elevação do nível das águas de tituídos por material areno-siltoso derivados da
córregos e ribeirões. Os voluntários também re- fragmentação de filitos e xistos e se movimentam
cebem os alertas de chuva e transmitem para a com muita facilidade quando o grau de saturação
comunidade. A PBH conta com a participação de se torna elevado durante períodos chuvosos, ge-
aproximadamente 461 voluntários, abrangendo ralmente desencadeando fluxos e rastejamentos.
mais de 55 comunidades de todas as regiões da As chuvas são importantes desencadeado-
cidade. O Programa Vila Viva é uma intervenção res dos movimentos e obviamente dos processos
estruturante com ações baseadas em três eixos: hidrológicos. Os estudos revelaram que a maior
urbanístico, social e jurídico. São obras de sanea- parte dos movimentos de massa ocorre de ma-
mento, remoção de famílias, construção de unida- neira progressiva e não instantânea, dependendo
des habitacionais, erradicação de áreas de risco, das mudanças geométricas dos taludes e da alte-
reestruturação do sistema viário, urbanização de ração sofrida pelos materiais geológicos ao longo
becos, além de implantação de parques e equipa- do tempo. Em todos os casos analisados, o risco
mentos para a prática de esportes e lazer. foi agravado por atividades humanas, ou seja, os
Com relação às inundações, a política de ges- movimentos de massa geralmente ocorrem após
tão compartilhada das águas tem definido ações alguns anos de execução das intervenções, que in-
que atuam no saneamento básico, gestão de resí- duzem os maciços de rochas alteradas à busca de
duos sólidos, reabilitação de áreas erodidas, diag- novas formas de equilíbrio, através do desenca-
nóstico de bacias hidrográficas buscando a inclu- deamento de processos como erosão e movimen-
são das comunidades nas decisões estratégicas. tos de massa.
As medidas preventivas e mitigadoras de-
vem levar em conta os fatores condicionantes dos
5 CONCLUSÃO riscos de escorregamentos, inundações e enchen-
tes, mas também a vulnerabilidade. Diversas
A região metropolitana de Belo Horizonte
políticas públicas têm sido implementadas neste
apresenta geologia variada constituída desde ro-
sentido, entretanto, ainda é preciso investir em
chas muito alteradas a solos residuais, altamen-
ações sociais que atuem especificamente na vulne-
te susceptíveis a movimentações de massa e que
rabilidade. Somente assim será possível eliminar
também condicionam o relevo e os padrões de
o risco para que o belo horizonte seja para todos.
drenagem das principais bacias. Destacam-se fili-
tos e xistos com alto grau de intemperismo, solos
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NOSSA HISTÓRIA
CONFERÊNCIA ESPECIAL APRESENTADA NO 5º CONGRESSO BRASILEIRO DE
GEOLOGIA DE ENGENHARIA, SÃO PAULO, 1987

DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO


DE ENGENHARIA NO BRASIL
CURRENT CHALLENGES OF ENGINEERING GEOLOGIST IN BRAZIL

SÉRGIO NERTAN ALVES DE BRITO


Geólogo, Consultor

1 INTRODUÇÃO genharia de modo a visualizar a dependência que


eles têm da natureza e de que maneira interagem
Para discutir quais são os desafios que hoje com o meio natural, o que traz à tona o segun-
enfrenta o Geólogo de Engenharia no Brasil é bom do campo de suas preocupações. Neste campo,
relembrar as suas funções fundamentais: ele tem contato com o engenheiro civil geotécni-
‚ prever de que maneira o comportamento co, que, ao longo dos anos, vem desenvolvendo
natural de um maciço pode influenciar uma metodologias de análise do comportamento dos
obra de engenharia; maciços naturais quando submetidos aos esforços
‚ prever o comportamento do maciço natural impostos pelas obras de engenharia. Aqui, a res-
diante das modificações impostas por uma ponsabilidade profissional é por excelência do en-
obra de engenharia. genheiro civil, sendo o geólogo de engenharia um
dos seus colaboradores imprescindíveis.
No primeiro caso, ele enfrenta o seu desafio Ao participar ativamente da elaboração dos
profissional por excelência, como um homem das modelos representativos do maciço natural, o
geociências e, portanto, habituado à análise dos geólogo de engenharia tem contato com as técni-
fenômenos naturais. Como preocupação básica, cas de análise desenvolvidas pelos mecânicos dos
ele centra suas considerações no entendimento da solos e das rochas e descobre a grande ajuda que
dinâmica dos maciços naturais, considerada sim- podem prestar no entendimento do comporta-
plificadamente como a maneira como eles alteram mento dos maciços naturais. E o círculo se fecha.
sua forma e/ou sua composição ao longo do tem- A atividade profissional do geólogo de en-
po. Nesta tarefa, ele assume o papel do profissio- genharia gora, portanto, em torno dessas três
nal responsável, mesmo que para exercê-la precise funções: trazer à engenharia o conhecimento da
contar com a colaboração dos outros profissionais dinâmica dos maciços naturais, ajudar o enge-
das geociências, cujo trabalho, entretanto, cabe a nheiro na modelagem desses maciços de maneira
ele coordenar. Faz-se necessário apenas algumas a poderem ser analisados pelas técnicas desenvol-
adaptações nos seus métodos de estudo de modo vidas pela engenharia e, finalmente, aplicar essas
a levar em conta a escala temporal bem mais dimi- técnicas no conhecimento do comportamento dos
nuída que corresponde à vida de nossos projetos maciços naturais.
e um conhecimento de quais sejam as influências Quando o Brasil iniciou sua fase de constru-
realmente pertinentes. ção de grandes projetos nos anos 1960, o papel da
Existe um período de treinamento intenso no geologia de engenharia já era reconhecido graças
qual o geólogo tem contato com os projetos de en-

163
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

ao trabalho pioneiro que havia sido desenvolvi- usar cada vez mais os recursos da Geomecânica
do individualmente por geólogos de várias partes no entendimento dos fenômenos naturais, aliados
do Brasil. Aquela época coincidiu também com a seu conhecimento das geociências.
o início da formação de geólogos brasileiros, e a Desde o começo da geologia de engenharia,
engenharia teve que buscar seus primeiros cola- um conceito fundamental consistia em definir as
boradores recém saídos da fornada das escolas feições geológicas importantes que deveriam ser
de geologia brasileiras. Todos nós que iniciamos investigadas nos estudos de engenharia. É uma
na Geologia de Engenharia nos primeiros anos constatação quase decepcionante quando lemos
da década de 1960, o fizemos como recém forma- trabalhos que compõem o famoso Berkey Volu-
dos, e já começamos envolvidos diretamente com me, Application of Geology to Engineering Practi-
a responsabilidade dos grandes projetos. Muitos ce (Paige, 1950), da Geological Society of America,
tiveram a chance de cursos de pós-graduação que as principais feições geológicas importantes
posteriormente, mas, naquele momento, só tínha- às obras de engenharia já eram conhecidas naque-
mos a formação básica que nos deram nos bancos la época. Algumas feições novas foram determi-
de escola. Fomos formados em Geologia de En- nadas após aquele período e algumas novas sur-
genharia pelo contato diário com a engenharia e presas nos esperam no futuro, mas não é aí que se
seus problemas. Foi aí que deixamos a Fase Ama- situa o nosso maior desafio.
dorística da GE1 e iniciamos a Fase Profissional, Onde aconteceu a grande evolução da geolo-
quando as empresas de engenharia começaram a gia de engenharia nas três décadas? Nieto (1977)
contratar geólogos para seus quadros. A formação mostra dois pontos fundamentais que gostaría-
do geólogo de engenharia foi feita principalmente mos de reforçar:
pelo engenheiro e não por geólogos de engenha- ‚ O extraordinário desenvolvimento dos mé-
ria mais experientes. Tivemos a sorte de já contar todos de investigação. Este é um desafio
neste momento com uma instituição de pesquisas permanente pois anda de braços dados com
à frente de nossos conhecimentos, já preparada o próprio desenvolvimento tecnológico. Va-
para desenvolver tecnologias e formar pessoal, mos abordar este ponto apenas superficial-
e que foi o nosso primeiro suporte tecnológico. mente no capítulo 4. Cabe ainda comentar,
Rendo neste momento uma justa homenagem entretanto com decepção, a fragilidade do
ao IPT de São Paulo, que forjou naquela época o sistema de pesquisas no Brasil que não tem
mais brilhante grupo de geólogos de engenharia permitido um desenvolvimento mais dinâ-
que nossa geração teve, hoje trabalhando nas mais mico de nossas técnicas de investigação ou
diversas frentes. sua distribuição no mercado. Constata-se a
Os recursos teóricos de que dispõe o geólogo grande preocupação por parte de indivíduos,
de engenharia advém, portanto, de duas fontes empresas privadas e mesmo institutos de
principais: as geociências e a engenharia. Os pri- pesquisas oficiais em reter para uso próprio,
meiros compõem a sua formação básica, própria com únicos interesses comerciais, metodolo-
de qualquer geólogo, com o enfoque principal gias recentemente desenvolvidas e de grande
de que cabe neste caso principalmente definir a interesse para a comunidade.
“fenomenologia natural”, o que abordaremos no ‚ O segundo ponto é a grande influência exer-
capítulo 2. Muito do que se consegue hoje inter- cida pela Mecânica dos Solos e Mecânica das
pretar do comportamento dos materiais naturais Rochas na geologia de engenharia. O grande
foi possível graças a teorias desenvolvidas dentro avanço observado na caracterização dos ma-
da engenharia, basicamente sintetizadas na Mecâ- ciços rochosos observado nos últimos anos se
nica dos Solos e das Rochas ou a Geomecânica, o deu ao melhor conhecimento que hoje se tem
que também estará visível no capítulo 2. Aqui se das características geológicas que influen-
pode resumir o primeiro grande desafio com que ciam as propriedades mecânicas e hidráuli-
se depara atualmente o geólogo de engenharia: cas do maciço. Este ponto abordaremos em
maior detalhe no item 3.
1 Geologia de Engenharia

164
DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL

Mesmo já conhecendo as principais feições seu inter-relacionamento com as obras de enge-


geológicas que são importantes na engenharia, o nharia. O que caracteriza este entendimento é a
geólogo de engenharia não pode esquecer que es- participação de um grande número de profissio-
tamos diante de um universo que em geral apre- nais cujos conhecimentos se somam para a tarefa
senta uma grande probabilidade de surpresas e comum. É uma atividade essencialmente multi-
imprevistos. Nenhum exemplo é mais elucidati- disciplinar. Dela têm participado os próprios en-
vo do que o dos basaltos, a rocha sobre a qual se genheiros geotécnicos, que forneceram as bases
construiu a maior experiência em projetos de bar- teóricas pelas quais os processos de erosão e de
ragem no Brasil. Mesmo assim, a cada ano, somos ruptura pudessem ser entendidos, mesmo que
surpreendidos por feições novas, algumas delas ainda parcialmente.
apresentadas neste congresso. Várias áreas de interesse para a geologia de
Stapledon (1976), ao analisar vários casos his- engenharia ainda exigem grande quantidade de
tóricos de barragens onde ocorreram acidentes de- pesquisa e formam um grande elenco de desafios
vido a causas geológicas (levantamento até 1965) para o geólogo de engenharia. Vamos comentar
mostrou que mais da metade das rupturas pude- algumas delas.
ram de certa forma ser relacionadas a essas causas.
A análise de dez casos mais conhecidos levou-o a
concluir que os fatores tecnológicos que contribuí-
2.1 Origem e Evolução dos Solos
ram para tais rupturas foram (apenas aqueles que
A origem dos solos pelo enfoque puramen-
interessam ao geólogo de engenharia):
te geológico levou-nos a esbarrar em problemas
inexplicáveis e quase insolúveis pelos processos
1°) atingiu-se o limite do estado da arte
físicos e químicos. Estes perdem inteiramente
.........................................................................6 casos;
a importância diante da imensurável atividade
processada pelos seres vivos, principalmente os
2°) falta de conhecimento de engenharia por parte
animais, o que só veio adquirir importância ade-
do geólogo
quada quando do surgimento dos famosos canalí-
..........................................................................4 casos;
culos da barragem de Tucuruí.
Em 1972, o geólogo americano Vernin Hurst,
3°) a informação geológica foi incorreta ou
da Universidade de Georgia, que dava um curso
insuficiente
de mapeamento os saprólitos para a CPRM em
..........................................................................3 casos;
Belo Horizonte, visitou as obras da barragem de
São Simão, a convite da CEMIG. Examinou os
4°) investigação inadequada de subsuperfície
solos coluvionares de espessura de 3 a 5 m que
.........................................................................2 casos;
cobriam espessos depósitos de cascalho também
coluvionares. O aspecto grumoso do solo, em que
5°) linguagem geológica não entendida pelos
partículas silto-argilosas formavam aglomerados
engenheiros
de tamanho de areia, dava ao solo uma baixa den-
............................................................................1 caso.
sidade in situ, que localmente atingia valores de
γs = 1 g/cm³. Não tínhamos na ocasião uma ex-
Este levantamento, se bem que um tanto defasa-
plicação aceitável para a origem do solo. Hurst foi
do no tempo, é ainda muito válido e realça vá-
enfático e categórico: a estrutura de solo coluvio-
rias questões que procuraremos abordar neste
nar era devida ao intenso trabalhamento do mes-
trabalho.
mo pelos animais que o habitam. Como exemplo,
citou dados da Geórgia: 20 toneladas de solo por
2 O CONHECIMENTO DA acre/ano passam através do trato digestivo dos
FENOMENOLOGIA NATURAL vermes; para uma camada de 3 m, em 800 anos,
todo o solo seria digerido pelo vermos. Foi a pri-
Entender de que maneira se processam os
fenômenos naturais é a chave para equacionar e
165
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

meira vez que tive contato com este efeito na esca- água pelas paredes, incluindo jorros equivalentes
la gigantesca dos nossos solos. a tubulações de 2” a 4” realçou o porte, a continui-
Entretanto, somente em 1984, voltei a ter con- dade e a importância das cavidades no horizonte
tato pessoal com a intensa ação animal em nossos de solo aluvionar abaixo do chamado coluvião. A
solos ao examinar os canalículos e cavidades en- porosidade desse horizonte é absurda. Existem ca-
contradas nas fundações dos diques da barragem nalículos de pequenas dimensões, só observados
de Samuel, em Rondônia, em construção pela Ele- com o uso de lupas de 10 a 20 vezes de aumen-
tronorte. A ocorrência mais generalizada de cana- to, e que praticamente ocorrem em todo o solo,
lículos em Samuel se deve aos Minhocuçus. Esta com origem animal clara. Canalículos regulares
minhoca de grande porte (atinge 40 cm de com- de minhocuçu, subverticais, são vistos em todos
primento e 1,5 cm de diâmetro) deixou evidências os locais das trincheiras. Canalículos e cavidades
de sua atividade em todos os solos de Samuel, em de forma variável, numa distribuição espacial ir-
vários estágios de preservação. Assim é que ca- regular, intercomunicantes e com continuidade
nalículos atuais, com o animal em pela atividade, lateral enorme, demonstrada pelo fluxo de água,
são encontrados lado a lado com canalículos intei- forma a feição mais impressionante do solo.
ramente preenchidos por solo ainda fofo e outros A origem animal de alguns canalículos de Sa-
preenchidos por material endurecido por hidró- muel já foi realçada por Machado (1983) e Buck
xido de ferro. É de se esperar que a atividade dos (1984), respectivamente, responsabilizando as tér-
minhocuçus venha ocorrendo há longo tempo em mitas e os minhocuçus. Formigas são, entretanto,
Samuel os insetos atualmente mais comuns nos solos de
Chama a atenção a grande dimensão dos co- Samuel, e são vistos em todos os tipos de solo e
nes de material fecal observados sobre os canalí- em todos os locais, e negar-lhes a importância que
culos à superfície, que chegam a atingir 5 cm de têm na atividade de transformação recente, e mes-
base por outros de altura, o que evidencia a gran- mo passada, do horizonte superficial do solo é um
de quantidade de solo que este animal pode trazer tanto injusto.
de profundidade à superfície do terreno. Obser- Estruturas semelhantes a estas, em forma e
vações feitas durante a pesquisa mostraram que o dimensões, já foram observadas pelo autor em so-
número de bolos fecais formados por mês em 10 los recentes, mesmo fora da Amazônia. Sua ori-
quadrados de 3 x 3 m variam durante o ano de 3 gem animal é reconhecida e facilmente observa-
a 40, num total médio de cerca de 26 por área de da. Cupins, formigas e minhocas, e um número
9 m². Se admitirmos o volume de cada bolo de 30 ainda maior de pequenos animais, compõem uma
cm³, o que é comum, é fácil calcular que o volume fauna que povoa a camada superficial do solo, em
de solo trazido só por este animal à superfície é de qualquer região do Brasil, e são os maiores res-
1 cm por século. ponsáveis pela sua total desagregação, uniformi-
De Heinzelin (1955, citado por Tricart e Cail- zação de textura e grande parte da sua alteração
leux, 1965) avaliou que o volume de terra revol- química. A intensidade deste processo na Ama-
vido pelos cupins pode atingir cerca de 1 m por zônia, debaixo de proteção da floresta, é muito
1.000 anos. Os canalículos de minhocuçus são maior. É reconhecido o papel vital que tais ani-
facilmente identificados por serem muito unifor- mais têm na reincorporação ao solo dos elementos
mes, com diâmetro regular, subverticais, sempre nutrientes que se encontram nos vegetais mortos
tubulares, e apresentam frequência de ocorrência que se acumulam sob a mata. Em solos tão pobres
de várias dezenas por metro quadrado. Entretan- como os amazônicos, estes processos têm que su-
to, uma grande variedade de outros canalículos prir, com sua intensidade, as deficiências próprias
e cavidades, de dimensões das mais variadas, é de um solo basicamente estéril.
observada em Samuel. A mais espetacular e im- Mesmo ocorrendo em qualquer tipo de solo
pressionante observação desses canalículos pôde e região, a ação animal deixa marcas mais per-
ser feita durante o bombeamento das trincheiras manentes nos solos da Amazônia em virtude dos
de investigação feitas na fundação do dique na processos de ferruginização por que passam os
margem direita, sob o lençol freático. O afluxo de solos desta região. Os solos observados nas trin-

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DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL

cheiras possuíam em “esqueleto” endurecido nas recuperação. Uma questão intrigante, que durante
suas fases de ressecamento que permitia a “esta- os estudos chamou a atenção, foi a capacidade que
bilização” das cavidades, mesmo de grandes di- se teria de previsão de acidentes como aqueles.
mensões. Este é o fator que não é observado nos Dentre os oito casos analisados, quatro cha-
solos das regiões sul e sudeste, onde se construiu maram a atenção por se tratarem de aterros (ape-
a nossa maior experiência barrageira. Mas a ati- nas um corte) de pequena altura (de 5 a 10 m), em
vidade animal nestes solos também existe e vem encostas muito suaves e com grande extensão da
sendo cada vez mais notada, após a experiência área danificada.
das obras na Amazônia. Nos três casos em aterro, houve total ruptura
A hipótese que formulamos para explicar a do pavimento, com a formação de uma série de
origem do horizonte superficial extremamente degraus mantendo-se as superfícies dos mesmos
poroso, mesmo em superfícies muito horizontais, ligeiramente horizontais, não tendo havido rota-
como um aluvião, é uma intensa ação animal ca- ção perceptível dos blocos rompidos. Os desloca-
paz de abrir canalículos e cavidades, revolver o mentos verticais entre degraus contíguos eram de
solo e mesmo carregá-lo até a superfície, deixando cerca de 1 m e no total de 3 a 4 m. O deslocamen-
no lugar um solo de elevadíssima porosidade. A to horizontal era mais acentuado, tendo atingido
desagregação superficial do solo e a disposição de 10 m.
grande quantidade de solo trazida de profundi- Durante a inspeção de campo, um ponto ficou
dades maiores pelos animais, misturada à matéria realçado de imediato. Não se observava nenhum
orgânica disponível, dá origem à camada superfi- abaulamento do pé do aterro, isto é, o volume
cial de solo orgânico. deslocado no escorregamento não foi “expulso”
junto ao pé. Não se tratava, portanto, de escorre-
gamentos rotacionais comuns. A impressão que
2.2 Mecanismos de Movimentação de se tinha é que havia ocorrido um “espalhamento”
Encostas do aterro. A inspeção da encosta natural abaixo
dos aterros mostrou uma série de rachaduras que
A cada período chuvoso, a sociedade se cho-
evidenciaram sua movimentação em áreas que
ca com os inúmeros escorregamentos ocorridos
atingiram de 60 a 200 m, a partir da saia do aterro.
nas nossas cidades e estradas, alguns de registros
No km 82, o corte original tinha no máximo
trágicos, com perdas de dezenas de vidas. Este
10 m de altura, tendo sofrido deslizamentos gene-
permanece como um dos grandes desafios ao geó-
ralizados com grande surgência de água e estufa-
logo de engenharia: a previsão do comportamen-
mento do pavimento da estrada por levantamento
to das encostas naturais e aquelas ocupadas pelo
generalizado de cerca de 0,50 a 1,0 m, numa exten-
homem.
são de 100 m. Rachaduras recentes foram observa-
O enfoque central do estudo tem que consi-
das a 180 m do corte, encosta acima.
derar que este é um processo natural de desenvol-
Em todos os casos, as encostas são bastante
vimento das paisagens e é desta forma que tem
suaves (5° a 15°). Não havia dúvida de que toda
que ser entendido: as rochas desagregadas física
a encosta estava envolvida no escorregamento e
e/ou quimicamente nos pontos altos da topogra-
deu exame cuidadoso mostrou degraus que leva-
fia são trazidas para os pontos baixos por ação
vam a suspeitar da ocorrência de escorregamentos
primeiro da gravidade obviamente, mas com uma
antigos. Tudo indicava que as encostas haviam se
ajuda quase inseparável da água. Seja em partícu-
movimentado, levando consigo os aterros, e não
las individuais, seja em grandes massas de consis-
o contrário.
tência variável de sólido a quase líquido, os solos
Todos os locais se situam em região de gnais-
e rochas têm uma tendência incontrolável a des-
se mas não há rocha envolvida nos fenômenos
cer as encostas em velocidades das mais variáveis.
(apenas blocos), ocorrendo em todos os casos
No período chuvoso de janeiro de 1979, uma
um coluvião argiloso vermelho (com ou sem blo-
série de deslizamentos em encostas e aterros ocor-
cos) de espessura variável, mas em média de 5 a
reu na BR-262, no trecho Belo Horizonte-Monle-
10 m, sobre o solo residual de gnaisse. Os escorre-
vade, e foram objeto de estudos para projetos de
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

gamentos ocorriam sistematicamente no contato Se plotarmos a curva de Cc acumulado para


entre os dois solos, ou dentro do coluvião. a área de BR-262, no gráfico dos autores, notamos
Em todos os locais, o coluvião era formado claramente que de janeiro em diante ela já atinge
em bacias convexas, portanto, coletoras de água a zona de 100% de correspondência de chuva com
tanto superficial como subterrânea, e tinha gran- escorregamento, mas o coeficiente do ciclo até de-
de extensão. Inúmeras minas de água surgiam no zembro é inteiramente normal, o que impede o
material escorregado, e em alguns ocorria argi- uso do gráfico na previsão dos eventos.
la orgânica associada ao coluvião e que também A análise da precipitação do episódio de chu-
condicionava o escorregamento. va correspondente ao escorregamento não pôde
Os solos porosos coluvionares são particular- ser feita neste caso por ser impossível datar os
mente sensíveis ao efeito da saturação na diminui- acidentes, como também por terem quase todos
ção de sua resistência e a submersão é bastante co- ocorridos gradativamente ao longo de vários dias.
mum devido à ascensão do NA no terreno. É fácil Consideramos por este motivo que os acidentes
observar que o NA tende a subir de maneira mais ocorreram próximo ao final do mês de janeiro de
crítica na parte inferior de inclinação suave, que 1979, quando a estrada foi interrompida.
na parte superior côncava de forte declividade. Só para efeito comparativo, entretanto, é bom
As linhas de percolação também se estabele- frisar que Guidicini e Iwasa descobriram que sem-
cem de maneira mais desfavorável na zona infe- pre que ocorrem chuvas de intensidade de 12%
rior, paralelamente à superfície, dando origem a a 18% de média anual, inevitavelmente ocorrem
forças de percolação na direção mais crítica. Essas escorregamentos. Não foram analisados os plu-
forças de percolação afetam bastante o fator de viogramas da área da BR-262, mas no período de
segurança destes taludes, apesar da sua pequena chuva analisado, em média pode-se considerar
inclinação. que a precipitação diária máxima de novembro a
O que é importante observar é que a veloci- março foi de 70 mm, variando de 18 a 250 mm.
dade de rastejo do solo, influenciada pela incli- Assim, episódios isolados podem ter ocorrido
nação da encosta e pela incidência da água, va- na área e que por si só podem ter desencadeado
ria bastante ao longo de uma mesma encosta, em escorregamentos.
função da ascensão do NA, da direção do fluxo Verifica-se no gráfico de pluviosidade acu-
subterrâneo e do tipo de solo predominante. É de mulada para o período 1978 – 1979 que o perío-
se esperar, portanto, “descontinuidades” no mo- do de chuva era absolutamente normal até fins
vimento ao longo da encosta, e grandes variações de dezembro, sendo que em janeiro e fevereiro
durante a história geológica de encostas, levando é que o gradiente de chuva aumentou de manei-
a rupturas locais. ra anormal. Detalhando essa parte do ciclo com
Guidicini e Iwasa (1976) procuraram correla- os registros diários, nota-se que, de 18 de janei-
cionar escorregamentos e pluviosidade em nove ro a 10 de fevereiro, choveu ininterruptamente a
áreas brasileiras, todas caracterizadas como de um ritmo médio de 55 mm por dia, período esse
clima tropical úmido, mas com pluviosidades mé- que coincide inteiramente com o período crítico
dias anuais diferentes. dos deslizamentos. Guidicini e Iwasa (op.cit.) já
A pluviosidade média anual da área da BR- haviam chamado atenção para esse aumento do
262 em questão é 1.366 mm, comparável àquela da gradiente de pluviosidade nos dias anteriores aos
Serra das Araras e do Sul de Minas, estudadas por escorregamentos e já reconheceram na ocasião o
Guidicini e Iwasa. pequeno significado do fato na previsão desses
A influência das chuvas foi analisada pelos acontecimentos.
autores citados com base na chuva que ocasionou No caso da BR-262, trecho BH-Monlevade,
o escorregamento e na quantidade de chuva acu- tudo indica que os deslizamentos estão relacio-
mulada no ciclo anual até o dia do acidente nados ao elevado gradiente de pluviosidade no
período de 18 de janeiro a 10 de fevereiro, o que
Cc (coeficiente de ciclo) = precipitação até o aci- torna impossível concluir pela sua previsibilida-
dente / média anual de. Conclui-se que acidentes desse tipo ocorrem

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DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL

devido a condições morfológicas de terreno já co- têm sido consideradas com certo desprezo. Na re-
nhecidas ou analisáveis, com os recursos que se gião de Salto Grande – MG, vários moradores in-
dispõem em geologia de engenharia e geotecnia. sistiram que “terremotos” foram sentidos simul-
Parece ser possível correlacionar com boa taneamente com grandes escorregamentos, não se
precisão os episódios de chuvas com os escorre- conhecendo qualquer registro dos mesmos. Lopes
gamentos, mas previsões desses escorregamentos (1987), em trabalho apresentado a este Congresso,
com antecedência suficiente parecem impossíveis volta a mencionar a questão relacionada ao abati-
em casos semelhantes ao descrito neste trabalho. mento das fundações em Terra Roxa, no Paraná.
Novas tentativas de correlação entre chuvas e es- O fato é que solos de estruturas muito instá-
corregamentos foram feitas posteriormente e uma veis, como alguns dos nossos coluviões, quando
delas é a publicada nos anais deste Congresso (Ta- saturados, podem sofrer um processo de liquefa-
tizana e outros, 1987). ção, que é como se assemelham vários dos escor-
Os autores concluíram que a acumulada de 4 regamentos de encostas no Brasil.
dias de chuva anterior ao escorregamento foi con- Há pouco tempo, participamos do estudo da
siderada como efetiva no processo de escorrega- ruptura de uma barragem de rejeitos cujo meca-
mento, sendo responsável pela preparação do ter- nismo de desencadeamento da liquefação foi qua-
reno para fenômenos de instabilização, ao passo se certamente a vibração causada por 3 caminhões
que as precipitações de curta duração (horárias) estacionados simultaneamente em sua crista.
podem estar associadas a fenômenos de desenvol- Acredito que a geomorfologia pode dar uma
vimento instantâneo que podem funcionar como grande ajuda aos geólogos de engenharia no en-
detonantes do processo de escorregamento. Não tendimento dos fenômenos de estabilidade de
estamos convencidos de que a “acumulada de 4 encostas, sendo mesmo o grande caminho a ser
dias”, segundo os dados dos autores, apresente seguido nesta fase.
qualquer indício de correlação com os acidentes
melhor do que a de 2, 3 e 8 dias. Aliás, a dispersão
observada é absurda em qualquer dos gráficos.
2.3 Deformações de Paredes e Fundos de
Entretanto, o que vale a pena insistir, o que é Vales
reconhecido pelos autores, é que os estudos têm
A presença de algumas juntas horizontais
validade para uma dada conformação geomor-
abaixo do leito do rio na barragem de Foz do
fológica, o que não foi considerado. O segundo
Areia foi mencionada por Marques Filho e outros
ponto, referente à previsibilidade, é tratado pelos
(1978), mas uma tentativa para sua explicação só
autores como base no CPC (Coeficiente de Preci-
foi apresentada posteriormente (Marques Filho e
pitação Crítica), que depende da intensidade ho-
outros, 1981).
rária da chuva do episódio e da acumulada de 4
Citam os autores a existência no leito do rio,
dias, o que, de novo, tem pouco valor na previsão
constituído de basalto denso, de “uma série de
do fenômeno.
zonas fraturadas e alteradas mergulhando suave-
O estudo das correlações de chuvas com es-
mente no sentido das duas margens (20° a 25°,em
corregamentos têm grande valor no entendimento
ambos os sentidos) e reduzindo-se a uma única
da fenomenologia, mas só pode ser usado em ava-
zona suborizontal em direção à ombreira esquer-
liação de predisposição regional, se associados ao
da. Na terceira dimensão, estas zonas mostram
conhecimento da evolução morfológica da área.
um pequeno mergulho para jusante, com os hori-
Várias outras questões associadas ao com-
zontes mais superficiais aflorando na área do plin-
portamento das encostas precisam ser melhor
to e aprofundando-se no sentido do fluxo do rio”.
abordadas, sendo que uma delas também foi tra-
Ao explicar o fenômeno, os autores consideram a
tada neste Congresso por Carvalho e Wolle (1987)
existência de tensões horizontais, porém apenas
sobre o fluxo d’água em solos insaturados.
atuando como tensões principais maiores após a
Outro ponto que não pode ser menospreza-
remoção ou diminuição das cargas verticais pela
do se refere ao efeito das vibrações causadas pelas
erosão.
trovoadas, já várias vezes mencionado, mas que

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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

As feições de Itaipu foram detalhadamente Uma grande cavidade, com dimensão maior
descritas por Paes de Barros e Guidicini (1981), da ordem de 5 m, foi descoberta durante o início
com comparações com as descobertas de Foz do da escavação em rocha para o canal de desvio.
Areia. Os autores realçam a presença, no interior Não foi possível observá-la integralmente pois
de quase todos os derrames, de descontinuidades a mesma já havia desabado e sido parcialmente
de amplo desenvolvimento lateral. Trata-se de escavada quando da nossa inspeção. A parte re-
feições suborizontais, de andamento subparalelo manescente da cavidade forneceu-nos entretanto
ao topo e base dos derrames, que podem variar, uma observação adequada da ocorrência dando
em aspecto, desde a simples junta com abertura bons indícios de sua origem.
milimétrica e faces constituídas por rocha sã, ou A cavidade foi descoberta no promontório de
pacotes de rocha fortemente fraturada e alterada, rocha que representa o ponto mais alto da rocha
com espessura da ordem de um a dois metros, até na escavação, ocorrendo pouco abaixo do contato
caixas de material argiloso com algumas dezenas solo-rocha. O xisto apresenta-se com sua xistosi-
de centímetros de espessura”. “Fato importante é dade muito desenvolvida, subvertical, sendo o
a verificação que tais descontinuidades apresen- fraturamento, na zona da cavidade, muito inten-
tam com frequência sinais de movimentação re- so (F3 a F4) e a decomposição variável, predomi-
lativa das faces, isto é, observa-se que, ao longo nando a rocha pouco decomposta (D2) mas com
de algumas dessas feições, a porção do maciço a inúmeras zonas muito decompostas (D3 e D4).
elas sobrepostas se deslocou em relação à porção As feições geológicas que mais chamam a atenção
sotoposta. Tanto a quantidade do deslocamen- são as fraturas suborizontais de grande extensão
to como seu rumo são variáveis, dependendo da e muito abertas. Ocorre uma laje de rocha relati-
descontinuidade que estiver sendo enfocada e da vamente maciça e sã, com 1 a 2 m de espessura,
ombreira em questão. Vale, entretanto, a norma no topo do promontório, praticamente isolada da
de que os movimentos das porções sobrepostas rocha. O exame cuidadoso das fraturas horizon-
às descontinuidades convergem para o centro tais mostra que houve acentuado deslocamento
do vale... tendo sido observados movimentos de em direção ao rio e lateralmente, denunciado pela
37 cm”. grande quantidade de superfícies estriadas e es-
Os autores explicam tais casos como devidos pelhadas, e pelo tombamento de blocos de xisto
aos deslocamentos de fundos de vale causados que são encontrados com a xistosidade horizon-
pelo alívio das tensões durante a erosão, usando tal, entre a laje superior e a rocha inferior, am-
o modelo exposto por Patton e Hendron (1974) bos com a xistosidade vertical. Acredita-se que o
que se aplicava entretanto apenas a rochas sedi- movimento horizontal foi de, no mínimo, 0,5 m,
mentares. Admitem a pré-existência de juntas su- podendo mesmo ter ultrapassado 1 m. Tais des-
borizontais na rocha que foram deslocadas pelo locamentos criaram uma grande quantidade de
processo de abertura do vale. vazios na rocha que foram localmente alargados
Um caso interessante foi observado pelo au- pela remoção do material fragmentado e intem-
tor em 1986 durante a construção da barragem do perizado. Parece-me ser esta a origem mais plau-
rio Mando, a 40 km de Belo Horizonte, para abas- sível para as cavidades observadas, não havendo
tecimento de água da capital mineira. nenhuma evidência de dissolução nas paredes
A geologia local é constituída de xistos do remanescentes.
Grupo Nova Lima, com xistosidade vertical e pa- Esta origem para as cavidades fica reforçada
ralela ao eixo da barragem, estrutura esta consi- quando se observa a existência de inúmeras outras
derada obviamente muito favorável. Durante as zonas fraturadas da rocha, em tudo semelhante à
investigações, o único problema descoberto foram principal, mas em menores dimensões. No pé do
as perdas d’água elevadas no contato do horizon- talude do corte em solo, uma destas zonas foi par-
te intemperizado com a rocha sã, que praticamen- cialmente limpa e mostrou as fraturas horizontais
te coincidia com o nível do rio, devido ao espesso abertas até 5 cm, e aparentemente com grande ex-
pacote intemperizado. Este ponto também consti- tensão para dentro da ombreira.
tui uma anomalia de monta.

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DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL

A relação das cavidades com a abertura das sequência de camadas correspondendo a solos re-
juntas suborizontais do topo da rocha, criando siduais de argilito, siltito e arenito, este ocorrendo
zonas fragmentadas, intemperizadas e posterior- mais no fundo da trincheira. Originalmente, as co-
mente erodidas pela água de percolação parece res são claras mas o solo encontra-se hoje inteira-
clara. mente mosqueado pela precipitação de hidróxido
Deslocamentos em direção ao rio das pare- de ferro, dando origem à plintita típica.
des de seus vales, em rochas sedimentares hori- Algumas superfícies suborizontais espelha-
zontais, têm sido observados frequentemente e das e estriadas são observadas com continuidade
são relacionados ao alívio das tensões horizontais da ordem de metros à dezena de metros, porém
produzido pelo desconfinamento lateral durante interrompidas localmente por zonas do solo mais
o entalhe do vale pela erosão. intensamente ferruginizados.
Os movimentos de encosta que ocorreram na Um dos planos observados ocorre no conta-
região da Barragem de Manso em tempo geoló- to entre o siltito e o arenito, junto à base superior
gico recente se deram ao longo de planos de fra- da trincheira (encosta acima) e outro ocorre den-
turas tectônicas pré-existentes, caracterizando-se tro de uma fina camada (5 cm) de argilito dentro
pela movimentação do maciço saprolítico sobre a do arenito. Ambos sofrem interrupção por zonas
rocha sã. ferruginizadas.
O alívio de tensões decorrentes da rápida Junto ao fundo da trincheira ocorrem hori-
escavação do vale pelo rio Manso alcançou as zontes de espessuras centimétricas de limonita,
condições de equilíbrio no maciço, provocan- com grande extensão horizontal, atravessando
do movimentações ao longo das descontinuida- toda a trincheira. Alguns “pilares” ferruginizados
des geológicas preservadas no saprolito e na ro- de 10 a 20 cm de largura se formam para cima e
cha alterada. Abaixo do topo da rocha sã, pouco para baixo desses horizontes. São bem duros na
fraturada, não se constataram mais indícios de parte central, tornando-se mais friáveis nas bor-
movimento. das. O aspecto de pilar se deve à intersecção com
Do mapeamento das paredes de escavação a parede, mas não há dúvidas de que se trata de
do canal de desvio e da galeria, concluiu-se que os feições planares verticais perpendiculares ao eixo
movimentos tinham direção preferencial NNW- da barragem. Entre as zonas ferruginizadas ocor-
-SSE, normal ao leito do rio e no sentido do tal- rem grandes bolsões métricos de argilito que so-
vegue. Nestes casos, os movimentos se davam frem relaxação intensa quando da escavação, com
principalmente segundo planos suborizontais desmoronamentos sucessivos, talvez por alívio de
(conjunto J-2), e secundariamente segundo planos tensões ou por variação de umidade.
subverticais (conjuntos J-1 e J-3). Os horizontes ferruginizados associados aos
No caso das escavações do vertedouro, o “pilares” parecem ser feições devidas aos desloca-
mapeamento também foi conclusivo quanto à di- mentos sofridos pelas ombreiras quando do alívio
reção preferencial dos movimentos (aproximada- de tensões causado pela erosão do vale. Formam-
mente E-W) ser normal à direção do leito do rio. -se superfícies horizontais de deslizamento e ver-
Neste caso, o movimento se dava principalmente ticais de tração, ambas apresentando boas condi-
segundo planos com ângulos intermediários e no ções para precipitação de hidróxido de ferro cuja
sentido do talvegue. mobilização ocorre simultaneamente. Inverte-se
Na região Amazônica, onde várias obras es- pois o resultado do fenômeno, havendo o endure-
tão sendo construídas em rochas sedimentares, o cimento dos planos fracos.
mesmo tipo de fenômeno vem sendo observado. Como o processo é contínuo e plenamente
Em Cachoeira Porteira, uma trincheira feita na ativo ainda nos dias atuais, encontramos superfí-
ombreira direita revelou feições interessantes, já cies em várias fases, algumas ainda bem preserva-
suspeitadas na escavação de poços manuais. das, outras parcialmente ferruginizadas e outras
O solo superficial é um coluvião vermelho, inteiramente endurecidas pelo hidróxido de ferro.
argilo-siltoso poroso, com grande quantidade de Poços feitos abaixo e acima da trincheira con-
concreções duras de limonita. Abaixo, segue uma firmam a extensão lateral do fenômeno.

171
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Parece que os processos de cimentação com 2.4 O Estudo do Estado de Tensão dos
limonita diminuem bastante a importância das Maciços Rochosos
feições quanto à resistência. Permeabilidade mais
altas podem ainda estar associadas a elas. Na maior parte dos casos onde foi feita a de-
Uma questão que pode estar intimamente re- terminação do estado de tensões naturais em ma-
lacionada à “neotectônica de fundo de vale” é a ciços rochosos no Brasil, pouca ou nenhuma aten-
sismicidade induzida por reservatórios. É muito ção foi dada aos “registros geológicos”, sejam eles
mais fácil admitir a interferência do enchimento de ordem estrutural ou petrográfica.
de reservatórios e o equilíbrio existente no fundo Uma exceção é a análise feita por Serra Júnior
dos vales do que procurar explicação na tectônica e outros (1986) sobre o maciço basáltico da UHE
regional. Taquaruçu. Os autores usaram o procedimento
Este ponto já foi aventado um tanto indire- desenvolvido por Arthaud (19696). Mesmo consi-
tamente por Ferguson (1974, p 19) que afirma: derando que sejam ainda discutíveis as hipóteses
“When high water conditions occurred in the área sobre a origem das descontinuidades “primárias”
such as those occurring during the time of glacial e “secundárias” no basalto, análises como estas
meltwater runoff, or other extreme flooding con- devem ser incentivadas ao máximo e vêm sendo
ditions, additional uplift forces could further re- empregadas rotineiramente em várias partes do
duce the effective strength of valley botton rocks. mundo (Herget, 1967).
Under these conditions shear failures in the form Ainda sem aplicação no Brasil, mas de uso
of thrust faulting and tensile failures could occur extenso no mundo, é a análise da relação entre es-
in the weaker rocks or springing or dowing in the forços e deformação nas rochas, com base no estu-
stronger rocks”. do dos registros que permaneceram na estrutura
Nichols e Avel (1975) foram mais diretamente cristalina da rocha.
à questão quando afirmam que: “the mere remo-
val of geologic restraints by erosional processes
2.5– A Colmatação de Filtros
may be sufficient to mobilize and reconcentrate
strain energy sufficient to cause rock failure or an Vários estudos têm sido apresentados sobre
earthquake”. a questão da colmatação de filtros por hidróxido
Ferguson (1967) já havia alertado que o alívio de ferro, mas com um enfoque quase que emi-
de tensões observado no fundo dos vales poderia nentemente físico-químico, deixando de lado um
atingir profundidades de vários milhares de pés dos fatores mais relevantes que é a participação
ou pelo menos várias vezes a altura e a largura biológica. Bactérias que reduzem o óxido de fer-
do vale. ro e depositam o produto em suas colônias são
Infanti (1986) faz uma ligação entre erosão universalmente conhecidas (Ghiorse, 198; Jones,
dos vales e o alívio de tensões no fundo dos mes- 1983; Jones e outros, 1983) e devem merecer consi-
mos: “while the river carves the valley the conse- deração em nossos futuros estudos.
quente stress relief provokes fracturas in the rock
mass”, clara referência à possibilidade de geração
de sismos, que ele menciona mais adiante com re- 2.6 Desagregação das Rochas
lação a Kariba: “The seismic induced activity that
followed reservoir impounding clearly demons- Recentemente, além dos problemas clássi-
trates that there was stress concentration beneath cos de desagregação nos basaltos, casos surgi-
the valley”. ram com rochas sedimentares, principalmente na
As evidências hoje justificam que uma gran- Amazônia, alguns mencionados neste Congresso.
de atenção seja dada à possibilidade de associação Um caso interessante vem sendo observado na
entre as deformações em fundo de vale e a sismi- barragem de Três Marias, da CEMIG, com sedi-
cidade induzida. mentos já ligeiramente metamorfizados, muito
resistentes.

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DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL

O fenômeno de desagregação observado no a deformação de sedimentos fortemente pré-


enrocamento abrange siltitos, arenitos e ritmitos. -adensados, quando do descarregamento, é
Pode ser caracterizado apenas como “rachadu- por si só dependente do tempo, mas pode
ras” e “lasqueamentos”, com um pouco de “frag- evidentemente ser acelerada por enfraqueci-
mentação”, mas nunca “desintegração” (termo mento das ligações cristalinas, seja por fissu-
conforme nomenclatura da MRL-01 – Ensaio de ramento, seja por dissolução.
Meteorização de Rochas da CESP).
O fenômeno parece estar ligado a uma fis- Assim, o fenômeno observado parece ser
suração da rocha que prossegue para a formação originado na energia de deformação armazenada
de rachaduras e liberação de lascas e fragmentos. nos sedimentos finos e liberada, seja naturalmen-
Dois fenômenos parecem estar em jogo: te, em função do tempo de exposição, seja acelera-
‚ A fissuração pode ser original da rocha, como da por ciclagem térmica e de umidade. As rochas
os planos de acamamento, ou criada pela de- ligeiramente intemperizadas ou com fissuras já
tonação, mas ambas de origem anterior ao oxidadas são as que desagregam mais intensa-
lançamento. Pode ter tido origem durante o mente, porém, têm pouca importância devido ao
lançamento, pela passagem do equipamento seu uso quase desprezível no enrocamento.
e choques na queda e no contato com outros Os aspectos das rochas que têm sofrido de-
blocos. Finalmente, a fissuração pode ser sagregação têm se ampliado nos últimos tempos
criada ou acentuada pelas variações térmicas graças ao maior tempo de observação das obras
e de umidade durante o aquecimento pelo concluídas.
sol e do esfriamento pela chuva ou ondas do
reservatório. A rocha usada na construção
dos aterros da Barragem de Três Marias são
3 A CARACTERIZAÇÃO GEOMECÂNICA
rochas sedimentares de baixo grau metamór- DE MACIÇOS ROCHOSO
fico, do Supergrupo Bambuí. Tem elevada
3.1 Geral
resistência, mas mesmo assim, após cerca de
20 anos de operação, começou a apresentar Pode parecer um tanto surpreendente, mas
sinais de deteriorização. um dos grandes desafios que se apresenta para
‚ No desenvolvimento das fissuras e liberação o geólogo de engenharia está na parte mais fun-
dos fragmentos, podem ter importância a damental e básica de qualquer atividade técnico-
dissolução do cimento pela água e a liberação -científica, que é o aprimoramento da sua lin-
das tensões internas da rocha. No primeiro guagem técnica, isto é, no desenvolvimento de
caso, o baixo grau metamórfico poderia justi- metodologias de caracterização e de classificação
ficar o cimento mais fraco, facilmente solúvel de maciços rochosos.
no nosso clima. Este fenômeno também expli- Dentro desse desafio, a parte mais importan-
caria o intenso desgaste sofrido pelas arestas te corresponde à exploração até os limites do pos-
do arenito quando em abrasão, mesmo sen- sível do que se pode fazer uma descrição visual-
do uma rocha de alta resistência. Entretanto, -táctil, usando apenas as simples ferramentas de
acho que para os siltitos, sedimentos finos e de trabalho de um geólogo: m martelo, um canivete,
matriz argilosa, o segundo fenômeno é mais uma lupa, uma bússola e uma trena.
importante. Sabe-se hoje que a “energia de Por caracterização entendemos o levanta-
deformação” (strain energy) absorvida pelos mento de todos os parâmetros geológicos que
materiais terrosos durante uma consolidação tenham interesse aos estudos geotécnicos, descri-
de longa duração, como nas bacias sedimen- tos de uma maneira padronizada, entendível por
tares, não é imediatamente liberada quando geólogos e por engenheiros, e que possa ser usado
da remição da carga (erosão e/ou escavação) para, de certa forma, avaliar as propriedades geo-
porque as ligações diagenéticas, desenvolvi- mecânicas do maciço.
das durante o longo período de aplicação de Em primeiro lugar, a seleção das caracterís-
carga, impedem a liberação imediata. Assim, ticas geológicas que devem ser descritas e como

173
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

descrevê-las está razoavelmente bem definida. 3.2.1 Grau de Decomposição / Grau de


Aqui, o avanço que observamos nos últimos anos Consistência
foi notável, graças principalmente ao trabalho li-
derado pela própria ISRM. Continua sendo a mais difícil característica
Na caracterização de um maciço, a linguagem das rochas a ter sua descrição padronizada, e te-
usada e a maneira de descrever deve ser a mais mos que admitir que inevitavelmente terá sempre
universal possível, de modo a facilitar a comuni- uma grande dose de subjetividade. Porém cabe
cação entre técnicos de diferentes locais. Os proce- perguntar: onde reside o verdadeiro interesse em
dimentos devem tanto quanto possível se aplicar caracterizar o estado de decomposição da rocha?
a testemunhos de sondagem e a afloramentos, de É claro que está na avaliação da sua perda de re-
modo a evitar distorções entre dados obtidos em sistência. A decomposição é uma caracterização
várias fases dos estudos. Como exemplo, vale a da rocha intacta e não do maciço. Não deve, como
pena citar o caso do RQD. em muitos casos se procura fazer, amarrar o grau
O RQD é uma medida modificada da recu- de decomposição ao estado de intemperismo ao
peração de testemunho numa sondagem. Como longo de descontinuidades, estas devem ser carac-
enxergá-lo num afloramento? Ninguém consegue terizadas em separado. Assim sendo, caracterizar
“ver” o RQD numa parede escavada, pois ele não o grau de decomposição de uma rocha é de certa
tem expressão física. forma, definir sua resistência relativa no que en-
Usam-se artifícios, como estender uma trena, tão ocorre uma superposição com o grau de con-
correlacionar com o grau de fraturamento, cor- sistência. É claro que este tem um caráter absoluto
relacionar com o tamanho do bloco unitário, etc. enquanto o outro é relativo. Graus de decompo-
ora, se é preciso obter estes dados para avaliar o sição são estados sucessivos de enfraquecimento
RQD, por que não eliminá-lo e usar diretamente da rocha a partir de seu estado original, enquanto
os índices observáveis? que graus de consistência compõem uma escala
para medir indiretamente a resistência da rocha,
independente do seu estado de decomposição.
3.2 A Revisão dos Procedimentos de Deste modo, nada melhor para substituir o
Caracterização em Uso no Brasil grau de consistência que uma verdadeira escala
de resistência medida por um procedimento ex-
O primeiro passo no Brasil para uma padro-
pedito, como o ensaio de compressão puntiforme.
nização da caracterização dos maciços rochosos
Em cada local, uma série de ensaios puntiformes
foi dado pelo IPT e apresentado na 2ª Semana
permitirão estabelecer procedimentos de inspe-
da APGA, e posteriormente complementado e
ção visual-táctil que forneçam a resistência dos
oficialmente apresentado por Guidicini e outros
vários materiais, de modo que aqueles ensaios se-
(1972a) na 4ª Semana da APGA. Foi chamado de
jam usados apenas para verificações esporádicas.
“Método de Classificação”, mas sem dúvida se
Se se tem a caracterização da resistência da
restringe a um método de caracterização geotéc-
rocha, o grau de decomposição deve ser apenas
nica de meios rochosos.
uma complementação da descrição geológica, de
Sugere um procedimento para descrição do
maneira mais padronizada possível, mas sem a
grau de alteração, do grau de fraturamento, do
necessidade da precisão que se exige dos parâme-
grau de coerência e do grau de resistência, que
tros de uma caracterização geomecânica.
vem sendo seguido até hoje. Necessita de revi-
Na descrição do grau de decomposição de
sões, no que pese o grande papel que desempe-
uma rocha, é importante definir o conceito de
nhou em nosso meio técnico.
“mineral(ais) chave(s)” que governam a resistên-
cia da rocha. O grau de decomposição deve ser
definido como um percentual de minerais-chaves
que se encontram intemperizados. Por exemplo:
25%, 50%, 75%, 100%. Esta descrição deve ser com-
pletada pela caracterização do produto de intem-

174
DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL

perismo, que tendendo para um solo, deve usar a conta portanto todas as feições de baixa resistên-
terminologia adequada para solos em geotecnia. cia à tração e viria a ser o “grau de fissuração” do
maciço.
A escala proposta inicialmente pela ABGE
3.2.2 Grau de Fraturamento para medir o grau de fraturamento da rocha pre-
cisa ser revista. Primeiro, ela não diferencia qual-
Melhor seria ser chamado de grau de descon-
quer classe acima de um espaçamento de 1 m, o
tinuidade da rocha. Para definir descontinuidade,
que é injusto. Cabe sem dúvida distinguir os ma-
existem dois conceitos imprescindíveis à sua ca-
ciços que tenham descontinuidades com espaça-
racterização: sua baixa resistência em comparação
mento de 1 m daquelas com 3 m e daqueles com
com a da rocha intacta e sua persistência diante
10 m, cujo comportamento geomecânico será in-
das dimensões da obra. Só são descontinuidades
teiramente diverso. Por outro lado, não acredito
aquelas que atendam a estes dois pré-requisitos.
que seja necessário distinguir entre espaçamento
Aqui vale a pena diferenciar dois comportamen-
como F3 e F4. Diante das obras de engenharia,
tos distintos dos maciços comandados pelo fratu-
estes maciços têm comportamento inteiramente
ramento e que dependem de estar o maciço em
similar.
compressão ou em relaxação.
A escala de grau de fraturamento de forma
Em primeiro lugar, cabe reconhecer que as
proposta pela ISRM (Brown, 1981) é a seguinte:
descontinuidades só comandam a resistência do
maciço quando a rocha intacta tem resistência
diante do estado de tensão a que esteja submetida.
Quando sob compressão, só interessa con-
siderar as descontinuidades que condicionem a
resistência ao cisalhamento do maciço e a sua de-
formabilidade. Sob estes esforços, só são desconti-
nuidades as feições planares que tenham paredes
planas e muito lisas, ou paredes intemperizadas
ou ainda com preenchimentos fracos. O termo FO poderia ser reservado para des-
Para o caso de uma rocha submetida à relaxa- crições locais onde valesse a pena distinguir ainda
ção, qualquer superfície que tenha baixa resistên- espaçamentos mais abertos que 6 m.
cia à tração é importante, pois influi na definição Uma simplificação da escala foi apresenta-
do bloco unitário que pode se soltar. da pela própria ISRM (1981) unificando alguns
Um exemplo bem conhecido de todos nós é índices:
o comportamento do basalto denso intensamen- ‚ F1 > 200 cm
te fissurado devido às juntas de contração. Este ‚ 60 cm < F2 < 200 cm
grau de fissuração não condiciona a resistência ao ‚ 20 cm < F3 < 60 cm
cisalhamento nem a deformabilidade do maciço ‚ 6 cm < F4 < 20 cm
diante das tensões de compressão normalmente ‚ F5 < 6 cm
aplicadas por nossas estruturas. Porém, quando
submetidas à relaxação, todas estas juntas traba- Minha sugestão é usar a seguinte
lham como descontinuidades e facilitam enorme- terminologia:
mente o desmonte. É importante que se passe a F1 > 200 cm (F1A > 600 cm e 200 cm < F1B < 600 cm)
distinguir dois índices que meçam a frequência de 60 cm < F2 < 200 cm
descontinuidade que tenham resistência e persis- 20 cm < F3 < 60 cm
tência que comprometem a resistência ao cisalha- 6 cm < F4 < 20 cm
mento e a deformabilidade do maciço e que seria F5 < 6 cm (2 cm < F6A < 6 cm e F6B < 2cm)
o “grau de fraturamento” como o conhecemos. O
outro incluiria todas as feições que pudessem in-
terferir nas relaxação do maciço e que levaria em

175
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

3.3 Caracterização das Descontinuidades do maciço, nem mesmo das suas descontinuida-
des. O efeito de escala não pode ser menosprezado.
Este é o ponto que mais avançou nos últimos
tempos, estando bem descrito pela ISRM (Brown,
1981), traduzido pela ABGE. Pouco teríamos a 4.2 Ensaios em Furos de Sondagem
acrescentar.
A utilização dos furos de sondagem para en-
saios in situ ficou estacionada no tempo com ape-
4 ENSAIOS ÍNDICES nas a execução do convencional ensaio de perda
d’água. Somente nos últimos anos tem-se assis-
São ensaios que não medem diretamente as tido a uma certa evolução nos ensaios realizados
propriedades do maciço rochoso mas permitem em furos de sondagem.
sua avaliação. São em geral ensaios expeditos, de Na década de 1970, o dilatômetro (Rocha,
fácil realização, usando amostras de pequenas di- 1970) foi usado em vários de nossos projetos, por
mensões ou executados nos furos de sondagens. exemplo UHE São Simão (Rocha, 1975), e usado
como um índice para classificação de maciços
(Franciss, 1974). Entretanto seu custo elevado e a
4.1 Ensaios Expeditos
falta de alternativas nacionais impediu sua maior
Entre eles realça-se o ensaio de compressão divulgação no país.
puntiforme já em uso há bastante tempo no Bra- O ensaio de perda d’água (EPA) vem sendo
sil, desde o trabalho de Guidicini e outro (1972b). aprimorado intensamente nos últimos anos, ca-
Posteriormente o ensaio foi padronizado pela bendo realçar os trabalhos de Corrêa e Freitas.
ISRM (Brown, 1981). Este mesmo Congresso foi palco de discus-
Conforme já definido no item anterior, este sões em torno de vários métodos recentemente in-
ensaio deve ter uso rotineiro em nossas obras troduzidos na engenharia de investigações de ma-
devido à facilidade de sua execução e a grande ciços, tanto para observação da parede de furos
simplicidade do equipamento, que pode ser cons- de sondagem como para caracterização das suas
truído hoje sem dificuldades, usando macacos hi- propriedades hidráulicas.
dráulicos de pequena capacidade (10 a 15 t). As No primeiro grupo incluem-se o obturador
pontas de compressão podem ser feitas com esfe- de impressão, o TRH e o SRH. Com o obturador
ras de aço de rolamento o que é mais simples que de impressão consegue-se uma “impressão” de
a sua preparação no torno. todas as irregularidades da parede, o que exige
Materiais muito brandos (com menos de 50 uma boa dose de interpretação, na eliminação
kgf/m²) não são facilmente ensaiados com a com- daqueles puramente mecânicas. Ainda possui
pressão puntiforme, devendo-se executar o ensaio grandes deficiências, principalmente devido às
de compressão simples, os quais também são usa- deformações da borracha, produzindo um exage-
dos em pequena quantidade para aferição dos en- ro nas dimensões das feições, as quais também se
saios de compressão puntiforme. encontram mascaradas pelo desgaste durante a
O próprio ensaio de compressão triaxial em sondagem, e ainda em virtude da dificuldade de
amostras de rocha intacta é apenas um índice a ser diferenciar as características do material de preen-
usado na avaliação da qualidade do maciço, que chimento das feições de maior porte, sendo quase
apenas em condições muito especiais pode ter sua impossível distinguir rocha fraturada de material
resistência representada por este ensaio. intemperizado. O desenvolvimento de borrachas
Um ensaio índice já introduzido no Brasil com vários níveis de rigidez pode levar a um apri-
(Dobereiner, 1987) e que pode vir a ser mais di- moramento do ensaio. Seu uso é bem promissor e
vulgado é o de cisalhamento direto em amostras no projeto do Complexo da Altamira já permitiu
pequenas, obtidas de testemunhos de sondagem, esclarecer várias dúvidas quanto à existência de
não se perdendo de vista entretanto que ele não zonas intemperizadas na fundação rochosa, com
passa de um índice e não representa a resistência perda de testemunho (Correa e Quadros, 1987).

176
DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL

O teste de registro hidráulico ou TRH é um compatíveis com a capacidade de bombeamento


engenhoso processo de identificação de feições da sonda.
permeáveis. Não possui precisão na definição da A medida da temperatura e de resistividade
dimensão pequena, milimétrica e submilimétrica, da água fornece informações ricas sobre sua ori-
nem nas zonas de grande espessura, onde as fei- gem, tempo de permanência no maciço, comu-
ções que absorvem estão associadas confusamen- nicação subterrânea e comparação entre vários
te. Seu uso em vários projetos (Andrade, 1987) aquíferos. Neste caso, a sonda é uma das primei-
tem permitido seu aprimoramento. ras tentativas brasileiras de emprego da Diagrafia.
A definição das descontinuidades abertas O Ensaio de Injeção d’Água sob Pressões De-
que absorvem água num ensaio tem importância crescentes – EIPD (Andrade, 1987) é um ensaio
fundamental na geotecnia. de injeção sendo que um determinado volume de
Inicialmente o interesse geomecânico é ób- água de um êmbolo pressurizado juntamente com
vio, pela importância que tem o conhecimento da o maciço é deixado fluir para a descontinuidade
abertura de uma feição, mesmo que em termos de sob pressão decrescente, quando é interrompida a
grandeza. Esta é uma das questões mais difíceis comunicação com a pressão aplicada inicialmen-
de avaliar na caracterização dos maciços. Em se- te. É possível definir o regime laminar para o flu-
gundo lugar, na montagem do modelo hidrogeo- xo, o que torna a análise mais confiável e permite
lógico, o conhecimento das feições que controlam a avaliação da espessura teórica da descontinui-
o fluxo da água é imprescindível. Não se pode dade. Este ensaio ainda se encontra em fase de
entretanto perder de vista a necessidade de um experimentação.
número de ensaios estatisticamente significativo Diagrafia é um dos mais promissores pro-
pois as informações são muito pontuais e condi- cessos de otimização de sondagens em pesquisa
ções de absorção locais podem não definir as prio- geotécnica, já em uso difundido no exterior, prin-
ridades do maciço. Além disso, é de se ter em con- cipalmente na Europa.
ta a enorme dependência do fluxo em relação ao Cabe distinguir as Diagrafias Instantâneas,
estado de tensão da rocha (abrindo e fechando as que são os registros contínuos e imediatos dos pa-
descontinuidades) e que será muito alterado após râmetros da perfuração em função da sondagem.
a construção e operação da barragem. Normalmente são medidos pressão de perfura-
No segundo grupo estão a Sonda Hidráulica ção, velocidade de rotação, torque, velocidade
Multiteste, o Ensaio de Injeção d’Água sob Pres- de avanço, pressão e vazão do fluido de circula-
são Decrescente e a Diagrafia. ção, em sondagens totó-percussivas, sempre com
A Sonda Hidráulica Multiteste – SHM é sem identificação dos detritos de furação.
dúvida um grande avanço na nossa capacidade A correlação destes parâmetros com as pro-
de estudo das condições hidrogeotécnicas dos priedades geotécnicas ou sua variação com a
maciços rochosos fraturados. profundidade permite a otimização do progra-
O seu funcionamento como um piezômetro ma de sondagens pelo uso maior de sondagens
triplo móvel já é em si um dispositivo poderoso destrutivas.
na avaliação das direções de fluxo e interdepen- As diagrafias diferidas são métodos de leitu-
dência entre sistemas de juntas. Para tanto é im- ra ou medição de propriedades físicas no interior
portante que as medidas dos transdutores sejam do furo, nas paredes ou na água do maciço. São
absolutas e não apenas por diferença, e que um feitas, portanto, após a execução dos furos (dife-
tempo adequado de estabilização das leituras seja ridos). Entre elas realça-se: potencial espontâneo,
adotado. A possibilidade de ensaio tanto por inje- gama natural, caliper, resistividade e velocidade
ção como por bombeamento (evidentemente abai- sônica.
xo do NA) tem permitido ensaios mais precisos Uma das grandes vantagens da diagrafia é
e dando valores de vazão surpreendentemente permitir a medida de determinada propriedade
altos (silva, 1987). Este último permite também o in situ, por exemplo a velocidade sônica, e repro-
estudo da influência do bombeamento em furos duzi-la em laboratório sob condições controladas.
vizinhos, desde que para permeabilidade baixas, A porosidade da fissuração de uma rocha amos-

177
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

trada de profundidade é um sinal de relaxação de c. especificar o método que usará para a


suas tensões. No entanto, não poderemos nunca orientação dos testemunhos, levanta-
avaliar a intensidade desta relaxação se não co- mento e descrição das descontinuidades
nhecermos as suas reais condições in situ. e sua análise estatística.
O desenvolvimento e implantação da Dia-
grafia no Brasil só se fará se houver um grande As empreiteiras devem por outro lado se
envolvimento por parte das empresas executoras preparar para poder propor técnicas alternativas
de sondagens. de investigação e aprimoramento na sua interpre-
tação. E só há uma alternativa para tal: envolver
nosso centro de pesquisas, institutos e universida-
4.3 O Papel das Empresas de Sondagens des, em programas objetivos de desenvolvimento
ou adaptação de tecnologias que já vinham sendo
Temos assistido nos últimos 20 anos uma
usadas com sucesso em outras partes do mundo.
gradativa alienação das empresas executoras de
Aliás, estas instituições também poderiam tomar
sondagem da participação em qualquer respon-
a iniciativa de desenvolver tais tecnologias, co-
sabilidade do projeto, limitando-se a simples exe-
mercializando-as posteriormente com as empre-
cutoras de sondagens, cumprindo especificações,
sas interessadas.
programas e quantitativos que não ajudaram a de-
O desenvolvimento dos métodos de investi-
finir. E ainda mais, sem participar em nada da in-
gações por sondagem, que ainda é o método mais
terpretação dos dados obtidos. Na minha opinião,
importante em uso, depende intrinsecamente dos
o desenvolvimento dos métodos de investigação
seguintes fatores:
passa inescapavelmente pela maior participação
‚ existência constante, por parte das proprietá-
das empresas de sondagens no Projeto.
rias, de métodos que visem uma otimização
É inadmissível que uma empresa técnica pos-
da investigação através de uma minimiza-
sa executar um bom trabalho se não tem acesso
ção de custos globais e aprimoramento dos
aos seus objetivos mais íntimos, quando não pode
resultados;
sugerir métodos alternativos de estudos.
‚ definição por parte das proprietárias dos ob-
A minha proposta é que as concorrências
jetivos, cada vez mais concretos, do progra-
para investigação sejam cada vez mais concorrên-
ma de investigação
cias técnicas e menos de custo. À empresa sonda-
‚ participação efetiva da empreiteira na res-
dora deve-se formular a questão que se deseja es-
ponsabilidade de definição dos métodos a
tudar e apresentar a concepção do projeto. É claro
empregar e na qualidade dos seus resultados
que existe fase inicial de qualquer projeto em que
‚ desenvolvimento tecnológicos fornecidos
não se tem informações suficientes para tanto. As
por parte de nossas instituições de pesquisa
primeiras sondagens praticamente começam a
no desenvolvimento de novas técnicas de
desbravar o maciço e revelar suas características
investigação.
principais. Mas acho que sempre que possível, a
questão a ser investigada deve ser colocada de
maneira objetiva, permitindo à empreiteira o uso 5 CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS
da sua criatividade. Por exemplo, poderia fazer ROCHOSOS
parte de uma concorrência o seguinte:
a. definir, quantificar e fornecer a meto- Nieble e Francis (1976) distinguiram duas ca-
dologia de interpretação para o método tegorias de sistemas classificatórios:
que sugere para a investigação das ca- ‚ critérios de classificação que interessam
racterísticas hidrológicas do maciço; apenas às propriedades intrínsecas do meio
b. que métodos possuem para o estudo e rochoso;
caracterização geomecânica de juntas ‚ critérios de classificação que interessam não
decompostas e/ou com preenchimento apenas às propriedades físicas do meio ro-
no maciço; choso, como também ao seu comportamento

178
DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL

em presença de determinados tipos de solici- ‚ elimina a “previsão do comportamento” a ser


tações e reações. feita pelo próprio geólogo de engenharia;
‚ legitima procedimentos e métodos muitas
É claro que os primeiros permitem zonear vezes inadequados e ultrapassados;
os maciços, estabelecer uma linguagem com sig- ‚ usa um sistema de ponderação cuja base não
nificado local preciso e universal compreensível, pode ser manipulada e torna arbitrário e de
e mais importante, permitem estimar, com algu- difícil entendimento o resultado final;
ma segurança, determinadas propriedades físicas ‚ usa o RQD, juntamente com outros parâme-
em função de classificações relativamente simples tros a ele relacionados, como frequência de
conforme realizado pelo autor e Francis em São fraturamento.
Simão, em 1972.
Entretanto devo confessar que a previsão não A minha proposta em consonância com o que
foi feita no ato da descrição do maciço, mas sim foi dito por Nieble e Francis (1976) é desenvolver
no escritório por meio de correlações puramente metodologias as mais padronizadas possíveis de
matemáticas. Não existiu o exercício mental, mais caracterização das feições geológicas, mas com
que isto, fundamental, de prever-se o comporta- ênfase nos comportamentos locais.
mento do maciço no ato da sua descrição.
Os segundos já trazem em si embutidos o
conceito do “comportamento”, sendo mais elabo-
5.2 Classificações Locais
rados e complexos. Hoje, tais sistemas tendem a
Por classificação local entendo o trabalho do
ser entretanto herméticos e inquestionáveis quan-
geólogo de engenharia de, em cada local, separar
to após uma sistemática de avaliação quase auto-
o maciço rochoso em várias classes que tenham
mática de índices, chega-se a números mágicos
comportamento diferente, Para isto tem-se que ter
que permitem prever comportamentos das várias
em mente dois pontos fundamentais: 1) a finalida-
classes de maciços com base em correlações esta-
de da classificação, isto é, o comportamento que
tísticas um tanto universais. Também aqui não é
deve ser previsto e 2) o conhecimento das caracte-
realizado o exercício de previsão que é o passo
rísticas do maciço rochoso local.
decisivo capaz de distinguir o sucesso do trabalho
O procedimento envolve, portanto, 3 etapas:
em geologia de engenharia.
‚ uma ampla caracterização do maciço ro-
choso, a mais universal possível, usando os
5.1 Sistemas Universais procedimentos discutidos no item 4, tanto
quanto possível com base apenas na inspeção
Dentre estes últimos, destacam-se dois sis- visual e em ensaios índice;
temas de classificação empregados em cavidades ‚ a definição dos vários comportamentos a se-
subterrâneas, referidos em trabalhos apresenta- rem previstos, e que podem ser em grande
dos neste Congresso e que são os sistemas de Bar- número dependendo da complexidade do
ton e de Bieniawski. projeto. Por exemplo, podemos citar:
Estes sistemas têm o mérito de ter selecio- » estabilidade de taludes e de fundação:
nado parâmetros classificatórios importantes e » deformabilidade;
terem aperfeiçoado a sua descrição sistematica- » escavabilidade;
mente. Com base em estudos de casos históricos, » durabilidade;
correlacionam os índices obtidos com o comporta- » permeabilidade / condutividade;
mento de obras subterrâneas. » erodibilidade;
São de fácil utilização e têm hoje uso gene- » injetabilidade / drenabilidade.
ralizado. Porém, seu emprego tem as seguintes » seleção das características do maciço a
desvantagens: serem usadas.
‚ automatiza a interpretação e análise do dado
geológico; Cada comportamento acima mencionado é
condicionado por um número limitado de parâ-
179
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

metros. A sua seleção pelo geólogo de engenharia 5.3 Obtenção Empírica de Parâmetros
exige um conhecimento profundo do fenômeno Geomecânicos
envolvido para o que ele deve contar com a cola-
boração estreita do engenheiro geotécnico. Parâmetros geomecânicos dos maciços ro-
Esta é sem dúvida a atividade profissional chosos podem ser obtidos com aceitável preci-
mais importante do geólogo de engenharia e deve são, pelo menos para as fases iniciais dos estudos
representar a síntese consciente de todo seu tra- (viabilidade e projeto básico), a partir de uma boa
balho. Para executá-la é absolutamente necessário caracterização, ensaios índices e classificação dos
que ele tenha: maciços. Este é um dos campos que mais tem ex-
‚ um amplo conhecimento do maciço através perimentado avanços nos últimos tempos, sendo,
de uma boa caracterização geomecânica; entretanto, ainda limitada a contribuição nacio-
‚ um perfeito conhecimento do condiciona- nal. Um grande esforço deve ser dedicado a estu-
mento que cada feição geológica possa ter no dos que possam validar ou reformular a experiên-
fenômeno a ser previsto; cia estrangeira, e mesmo contribuir para novos
‚ uma certa criatividade em agrupar as ca- procedimentos.
racterísticas geomecânicas importantes de Dobereiner e outros (1987) apresentam uma
modo a definir cada classe de maciço para boa síntese dos métodos mais em uso hoje em dia
cada aplicação. e como foram aplicados nos estudos da Cachoeira
da Porteira.
O produto final deste trabalho é a comparti- Resistência ao cisalhamento das descontinui-
mentanção geomecânica do maciço que significa dades, resistência ao cisalhamento do maciço ro-
seu zoneamento onde se mostra a distribuição das choso, resistência à compressão simples do maci-
várias classes de maciço e o que necessariamente ço, deformabilidade do maciço, abertura de juntas
será feito para cada comportamento a ser previs- podem ser avaliadas com base apenas na caracte-
to. Assim a compartimentação do maciço quanto rização do maciço e em ensaios índice.
à escavabilidade não é necessariamente a mesma
que para a injetabilidade ou durabilidade, etc.
5.4 A Importância da Observação do
É no exercício da tarefa de prever o compor-
Protótipo
tamento dos maciços rochosos que se pode medir
o sucesso do trabalho do geólogo de engenharia. A base da sistematização do uso das “classi-
Uma questão que gostaria de comentar é ficações locais” é a análise do comportamento do
quanto à pressão que é feita sobre o geólogo de protótipo. Cada classificação feita é uma previsão
engenharia no sentido de obter resultados numé- que tem que ser verificada diante do comporta-
ricos, isto é, quantitativos. Este ponto não é abso- mento do protótipo. Mesmo no caso de projetos já
lutamente imprescindível. Classificar não é obter em operação, o uso dos sistemas de classificação
números, é prever comportamento. Aliás, o fato locais permite analisar o comportamento que vem
de que as classificações mais usadas hoje levam à apresentando ao longo do tempo e ainda estabele-
obtenção de classes de maciço definidos por va- cer procedimentos que poderão ser extrapolados
lores numéricos, alguns excessivamente detalha- para outros projetos.
dos (3 casas decimais) podem dar uma conotação Uma das questões mais importantes, e que
de precisão que nenhum dos métodos realmente é paradoxalmente uma das mais negligenciadas
tem. Não se pode “operar” matematicamente com da geologia de engenharia, está na previsão do
tais valores livremente, nem existe entre classes comportamento dos maciços rochosos nas áreas
diferentes as mesmas relações que existem entre de dissipação de energia a jusante dos vertedou-
seus números representativos. Sempre que possí- ros de nossas barragens. Criou-se aí uma ceri-
vel, as características de um maciço devem ser de- moniosa área de não comprometimento em que
finidas por valores numéricos, mas a classificação os hidráulicos confiam na previsão com base em
não necessariamente. considerações teóricas e em modelos reduzidos, e
em ambos o maciço rochoso se encontra normal-

180
DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL

mente mal definido. Os geólogos de engenharia e teve o objetivo de mostrar ao profissional da área,
os engenheiros geotécnicos têm se mantido afas- principalmente os mais novos, o enorme campo
tados desta área, o que precisa ser urgentemente científico e técnico que se abre à sua ação. Muito
corrigido. longe de mim qualquer intenção de abranger toda
Imediatamente nos deparamos com a pro- a área de atuação da geologia de engenharia. Com
palada dificuldade de modelar tanto em modelos apenas alguns poucos casos comentados, espera-
físicos como matemáticos os pormenores geoló- mos ter incentivado os colegas a se aprofundarem
gicos que têm importância no comportamento da cada vez mais nos fundamentos e nas aplicações
rocha. do campo técnico-científico que compõem a Geo-
A observação de vertedouros em operação logia de Engenharia.
deve trazer uma grande ajuda ao equacionamen-
to do problema, desde que suportado por uma
boa caracterização do maciço. Este é um trabalho
REFERÊNCIAS
que terá que ser desenvolvido em conjunto, pe-
PAIGE, S. (1950) . Application of Geology to Engi-
los geotécnicos e engenheiros hidráulicos. É no
neering Practice Berkey Volume. GSA-
conhecimento dos esforços atuantes, como pulsa-
ção intensa das pressões, o impacto do jato, as vi- NIETO, ALBERTO S. (1977) . Significant Enginee-
brações, a velocidade da água, etc., que se poderá ring — Geology Features at Damsites in Flat—
selecionar os parâmetros geomecânicos condicio- Lying Sedimentary Rocks. Ohio River Valley Soils
nantes. A resistência à compressão simples con- Seminar.
trola evidentemente a resistência ao impacto, e a
ação da velocidade sobre os materiais mais fracos STÄPLEDON, D. H. (1976) . Geological Hazards
é o elemento dominante. Nas rochas mais resis- and Water Storage, Boletin n° 14 da IAEG.
tentes, o fraturamento passa a definir o comporta-
mento, pois o mecanismo de erosão passa a ser o MACHADO, A. (1983). Inspeção dos Canalículos
de remoção de blocos. Assim, é importante a de- dos Solos Residuais das Áreas das Usinas Hidre-
finição do tamanho, peso, orientação em relação à létricas de Tucuruí, Balbina e Samuel. Relatório
superfície, imbricamento dos blocos, abertura das Interno da Eletronorte.
juntas.
BUCK, N. (1984) Vários Relatórios Internos da
A experiência tem mostrado que a hetero-
Eletronorte.
geneidade da rocha e sua anisotropia são fatores
dominantes no comportamento do macio quando
TRICART, J. e CAILLEUX, A. (1965). Traité de
erodido e não podem ser esquecidas.
Géomorphologie. Volume 5.
O trabalho de Infanti (1986) mostra a única
sugestão feita no brasil para a classificação de GUIDICINI, G., IWASA, O. Y. (1976) . Ensaios
maciços quanto à erodibilidade a jusante de ver- de Correlação entre Pluviosidade e Escorrega-
tedouros. O sistema de classificação geomecânica mento em Meio Tropical Úmido. Publicação 1080
proposto por Klaus John é adaptado, introduzin- – IPT-SP.
do-se ainda importantes modificações quanto à
forma da partícula. TATIZANA, C e outros (1987) . Análise de Corre-
O assunto merece, entretanto, que se dê a lação entre Chuvas e Escorregamentos. Serra do
ele a importância que lhe cabe num país onde se Mar no Município de Cubatão. 5° CBGE.
constroem os maiores vertedouros do mundo.
CARVALHO, C. S. e WOLLE C. M. (1987) . Con-
siderações sobre o Fluxo de Água em Taludes de
5 CONCLUSÃO Solos Insaturados. 5° CBGE.

A apresentação de algumas questões que MARQUES FILHO, P.L.; LEVIS, P. (1978) . Aspec-
ainda desafiam a geologia de engenharia no brasil tos Geológicos de Barragens de Enrocamento com

181
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Face de Concreto. A Experiência de Foz do Areia. GHTORSE, W.C. (1984) . Biology of Iron and Man-
2° CBGE. ganese Depositing Bacteria. Ann. Rev. Microbiol.
1984.
MARQUES FILHO, P. L.; LEVIS, P. (1981) . A In-
fluência do Manto de Alteração na Barragem de JONES, J. G. (1983) . A note on the Isolation and
Foz do Areia. 3° CBGE. Enumeration of Bacteria which Deposit and Re-
duce Ferric Iron . Journal Applied Bacteriology .
PAES DE BARROS, F.; GUIDICINI, G. (1981) . Um
Processo Natural de Alívio de Tensões e o Projeto JONES, J. C. e outros (1984) . Reduction of Fer-
de Drenagem da Fundação da Barragem de Itai- ric Iron by Heterothrophic Bacteria in Lake Se-
pu. 14° Congresso do CBGB. diments. Journal of General Microbiology. Great
Britain.
PATTON, F. D., HENDRON, A. J. (1974) . General
-Report on Mass Movements. 2° Congresso Inter- GUIDICINI, G. e outros (1972a) . Um Método de
nacional da IAEG. Classificação Geotécnica Preliminar de Meios Ro-
chosos. Anais da 4 a Semana da APGA.
FERGUSON, H. F. (1974) . Geologic Observations
and Geotechnical Effects of Valley Stress Relief in BROWN, E. T. (1981) . Rock Characterization Tes-
the Allegheny Plateaus. ASCE National Meeting ting and Monitoring ISRM Suggested Methods.
on Water Resources Engineering. Pergamon Press.

NICHOLS, T. C .; ABEL, J . F. (1975) . Mobilized GUIDICINI, G. e outros (1972b) . Análise do Mé-


Residual Energy. A Factor in Rock Deformation. todo de Compressão Puntiforme em Fragmentos
Bulletin of the AEG. Irregulares na Caracterização Geotécnica Prelimi-
nar de Rochas. 4a Semana da APGA.
FERGUSON, H. F. (1967) . Valley Stress Release in
the Allegheny Plateau. Bulletin of the AEG. ROCHA, M. e outros (1970) . Characterization of
the Deformability of Rocks Masses by Dilatome-
SOBRINHO, J. A.; INFANTI JR., N. (1986) Erosion ter Tests, Memória 360 do LNEC.
of Rocks Masses Subject do Flow Action. Some
Geomechanical and Hydraulic Aspects. 5° Con- ROCHA, M – e outros ( 1975) . Application of Ad-
gresso da IAEG. Buenos Aires. vanced Techniques to the Study of the Founda-
tion of São Simão Dam. Memória 458, LNEC.
SERRA JÚNIOR, E. e outros (1986) . Análise das
Feições Estruturais para Estudo do Estado de LOPES, J. A. U. (1987) Terra Roxa-PR: Um Caso
Tensões Naturais no Maciço Basáltico da UHE Ta- Notável de Problemas em Fundações Rasas Pro-
quaruçu. 2° Simpósio Sulamericano de Mecânica vocados por Fenômenos Associados a Colapso
das Rochas. Porto Alegre. dos Solos.

ARTHAUD, F. (1969) . Método de Determinação CORRÊA FILHO, D. e QUADROS, E. F. (1987) .


Gráfica das Direções dos Eixos de Deformação de Instrumento Auxiliar de Interpretação do Com-
uma População de Falhas. Bulletin. Soc. France (7) portamento Hidrogeotécnico de Maciços Rocho-
. XI. Tradução do IPT. sos – Obturador de Impressão. 5° CBGE

HERCET, G. (1976) . The Stress Field in the Urqu- CORRÊA FILHO, D. e QUADROS, E. F. (1986) .
hart Shales at Mount Isa (Queensland, Australia) Metodologia para Determinação do Comporta-
, Based on Structural Investigations . Felsmecha- mento Hidrogeotécnico dos Maciços Rochosos.
nilk u. Ingenierurgeol (1968) . Anais do 2° Simpósio Sulamericano de Mecânica
das Rochas. Porto Alegre .

182
DESAFIOS ATUAIS DO GEÓLOGO DE ENGENHARIA NO BRASIL

ANDRADE , R. M. de (1987) . A Compressão do DOBEREINER, L. CAMARGO, F. JÁCOMO,


Escoamento em Maciços Fraturados Através de A.A.C. (1987) . Caracterização Geomecânica do
Novos Testes Realizados no Campo. 5° CBGE . Maciço Rochoso de Fundação da UHE Cachoeira
Porteira. 5° CBGE.
SILVA, R. F. (1987) Ensaio com a Sonda Hidráuli-
ca Multiteste na Barragem Juruá da Usina Hidre-
létrica de Kararaô. 5° CBGE.

183
COMENTÁRIO À CONFERÊNCIA
DO SÉRGIO BRITO
COMMENTARY ON SÉRGIO BRITO’S CONFERENCE

JOÃO JERÔNIMO MONTICELLI


Geólogo (IGc-USP, 1971), Mestre em Geotecnia (EESC-USP, 1984) e Presidente da ABGE em 2012-2013.

Os editores da RBGEA me convidaram para da D’água sob Pressão – Diretrizes. A conferên-


ser um dos revisores da Conferência feita pelo co- cia feita pelo Sérgio, de título “Desafios atuais do
lega Sérgio N.A. de Brito, publicada nos anais do Geólogo de Engenharia no Brasil”, agora republi-
5º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenha- cada pela RBGEA, contém assuntos correlatos ao
ria, realizado em São Paulo, no ano de 1987. Guia, entre eles o mérito de mostrar que a atuação
Resumidamente, a minha opinião aos edito- em GEA merece reflexão contínua e inseparável
res foi a seguinte: do questionamento das técnicas e metodologias
I. O tema permanece atual e deve propi- provenientes do exterior, nem sempre adequadas
ciar debate visando avanços para um ao meio físico e socioeconômico do nosso país.
nível mais elevado da Geologia de En- Como editor da coletânea, assumi o compromisso
genharia; de escrever à ABGE um relatório onde aponta-
II. Trata-se de artigo histórico que sugiro ria assuntos relevantes que ficaram pendentes, ou
ser publicado na íntegra, sem modifica- merecem atenção nas futuras revisões do Guia ou
ções, inclusive com Nota de rodapé ou dos livros que o compõem. Ao comentar com o
Apresentação, pelos Editores da Revista, colega Erik que iria abordar a Conferência do Sér-
que explique a importância do resgate gio no relatório citado, ele me sugeriu submeter
histórico do artigo. Recomendo a todos tal relatório à RBGEA, permitindo sua disponibi-
consultar o início do Capítulo 40, do li- lização aos associados da ABGE e demais interes-
vro GEA, da ABGE, onde há situação se- sados no tema.
melhante, ou seja, artigo do Sérgio Brito, Sérgio sempre teve muito orgulho em se
publicado na íntegra, in memorian. Cabe, dizer “Geólogo de Engenharia”. Em minhas an-
apenas, fazer a diagramação, dentro dos danças por Belo Horizonte, nos encontramos em
padrões da Revista. eventos ou nos finais dos expedientes, nossas tra-
dicionais confraternizações. Em 1984, no Congres-
Alguns dias depois, ao comentar a minha so Nacional da ABGE, em BH, eu sugeri e depois
avaliação com o colega Erik Wunder, um dos edi- fui organizador e mediador da Mesa Redonda
tores da Revista, ele me incentivou a estender um “Políticas Brasileiras de Grandes Obras”, tendo
pouco mais os comentários, o que faço nos pará- por palestrante Carlos Lessa, destacado jornalis-
grafos seguintes. ta nos anos de arrefecimento da ditadura militar.
A ABGE irá publicar (previsão para ju- Sérgio, que coordenava outra Mesa no mesmo ho-
lho/2021) o livro “Investigações geológico-geo- rário, me procurou para juntar as duas sessões, o
técnicas – Guia de boas práticas”, uma coletânea que foi prontamente atendido por mim, apesar do
que atualiza sucessos editoriais da entidade, entre posicionamento contrário dos organizadores do
os quais o Manual de Sondagens e o Ensaio de Per- Congresso. O saudoso Tancredo Neves, governa-

184
COMENTÁRIO À CONFERÊNCIA DO SÉRGIO BRITO

dor de MG na época, esteve na abertura do even- a parte pericial a cargo do colega Leandro E. da
to, graças à articulação do Sérgio e de seu irmão, Silva Cerri. Sérgio já havia participado como co-
então deputado federal. -editor, junto com Antônio Manuel dos Santos Oli-
Devo mencionar que, coincidindo com aque- veira, da publicação pioneira da ABGE “Geologia
le Congresso, houve a votação (tarde e noite de de Engenharia”, de 1998, que inspirou a revisão e
25/04/1984) da emenda constitucional do de- atualização do livro de 2018, acima citado. Esse
putado Dante de Oliveira, para permitir eleição artigo do Sérgio foi indicado pelo colega Erik, jun-
direta à Presidente da República. Na Praça da tamente com outras referências bibliográficas, ao
Rodoviária, em BH, um ato político contou com a Grupo de Trabalho da Comissão 25 da IAEG, que
presença de muitos colegas, que acompanharam trata de “modelos de geologia de engenharia”.
pelos alto falantes discursos de políticos e, depois, Erik fez questão de endereçar a IAEG, inspirado
a votação de cada deputado. Infelizmente a emen- no Depoimento do Sérgio, uma recomendação
da por diretas, uma das maiores campanhas cívi- de inestimável valor metodológico: “o Geólogo
cas do Brasil, saiu derrotada. de Engenharia deve antecipar ocorrências que,
Outras duas ocasiões merecem ser mesmo não tendo sido identificadas nas investi-
rememoradas gações de campo, são reconhecidamente admis-
No aniversário de 45 anos de ABGE síveis naquele cenário geológico, surgindo daí o
(out/2013), Sérgio aceitou meu convite e fez uma critério para contingenciamento e para avaliação
Depoimento de título “Imprevisto geológico em do risco geológico.”(Negrito nosso).
contratos EPC”, publicado pela ABGE no livro A outra ocasião foi a participação de Sérgio
“45 anos: perspectivas da Geologia de Engenharia em Mesa Redonda sobre “Investigações” no 14º
e Ambiental e o papel da ABGE – Depoimentos”. Congresso Nacional da ABGE, no Rio de Janei-
Nesse relato Sérgio retoma o tema da sua Confe- ro, em dezembro de 2013. Sérgio, muito atarefa-
rência Especial de 1987 sobre o papel do Geólogo do, havia declinado do convite, mas por minha
de Engenharia e defende a necessidade dos contra- insistência compareceu e brindou a todos com
tos previrem “Junta para Disputas”, antes da judi- magnífica intervenção. Ainda me recordo de co-
cialização e que os Imprevistos Geológicos sejam legas dizerem que a ABGE deveria evitar sessões
debatidos ao âmbito da geologia e por seus técni- paralelas em seus Congressos, pois aquela mesa
cos. O artigo passou a fazer parte, na sua íntegra, sobre Investigações merecia uma sessão exclusi-
do Capítulo 40 do livro “Geologia de Engenharia va, dado o interesse do tema e a relevância dos
e Ambiental” da ABGE (publicado em 2018), com participantes.
o título “Imprevistos geológicos e perícias”, sendo

185
CONTRIBUIÇÕES
E REFLEXÕES

A RBGEA abre esse espaço para que os membros de nossa comu-


nidade tenham divulgados suas ideias, pensamentos e opiniões
sobre temas e assuntos relacionados à Geologia de Engenharia e
Ambiental.
Esperamos com estes textos iniciar debates e discussões e por isso
questionamentos, perguntas, opiniões serão muito bem vindas.
O MEIO AMBIENTE MERECE RESPEITO.
MERECE GESTÃO. MERECE SOLUÇÕES

FERNANDO FACCIOLA KERTZMAN

A questão ambiental vem sendo crescente- tos de aterros sanitários; e até mesmo as questões
mente um dos principais temas de debates e preo- sociais e urbanas como a cartografia geotécnica e
cupações da sociedade em geral, e das comunida- de riscos.
des técnicas e científicas em particular.
Os recursos naturais estão sendo explorados
exaustivamente numa escala cada vez maior.
LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Os ecossistemas e os refúgios de vida silves-
Uma das áreas importantes de atuação são os
tre estão sendo reduzidos e degradados.
Licenciamentos Ambientais.
A produção de todo tipo de poluição aumen-
Os Grandes Empreendimentos apresentam
ta à medida que a população mundial cresce.
classicamente 3 fases distintas: a fase de projeto; a
É um cenário triste, catastrófico e deprimen-
fase de obras; a fase de operação. O Licenciamen-
te. A raça humana parece não conseguir se desen-
to ambiental também é dividido em 3 fases: a fase
volver em equilíbrio com a natureza e degrada
de estudos socioambientais ou Estudos de Impac-
continuamente seu próprio habitat, colocando em
tos Ambientais e obtenção da licença ambiental
risco sua própria sobrevivência, e a de outras es-
prévia; a fase de desenvolvimento dos programas
pécies também.
ambientais, obtenção da Licença de Instalação e a
Mas existem inúmeros exemplos de boas ini-
realização das obras; e a fase de gestão ambiental
ciativas e casos de sucesso na busca do equilíbrio
da operação do empreendimento.
entre desenvolvimento e preservação. A Susten-
A primeira fase, dos estudos e obtenção de
tabilidade está entre as prioridades de uma gran-
licenças tem sido objeto de inúmeras discussões
de parcela da população, de vários governos e até
e controvérsias, muito em função do tempo que
mesmo de muitas empresas.
demora o licenciamento e da subjetividade que o
A ABGE desde a muito tempo engloba e valo-
envolve. O fato é que o licenciamento ambiental
riza a questão ambiental. É a Associação Brasileira
tem sido muitas vezes tratado como um entrave e
de Geologia de Engenharia e Ambiental. Poderia
uma dificuldade a ser vencida para realizar uma
e deveria ter um A à mais na sua sigla – ABGEA!
obra. Quando de fato é ou deveria ser encarado
Mas fica implícito!
como uma fase de avaliação e melhoria do proje-
O grande foco da Geologia de Engenharia
to e do empreendimento proposto, de modo a ser
historicamente sempre foi a atuação dos geólogos
menos impactante e trazer ganhos ambientais.
e geotécnicos nos projetos e nas grandes obras de
O licenciamento seria uma fase nobre do
infraestrutura. E há décadas foram incorporadas
empreendimento, quando diferentes aspectos
também as ações e atuações nas questões ambien-
são analisados por equipes multidisciplinares; a
tais. Muitos profissionais ligados ou interessados
comunidade é ouvida; o projeto como um todo é
na ABGE atuam na área Ambiental, em diversos
melhorado.
campos, como os estudos e análises de impactos
Mas Infelizmente o licenciamento ambien-
ambientais e a proposição de medidas de controle
tal em muitos casos tem sido considerado e tra-
e mitigação; o diagnóstico e soluções para áreas
contaminadas; a recuperação de erosões; os proje-

187
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

tado simplesmente como uma burocracia e um responsabilidade de propor medidas, implantar e


obstáculo. fiscalizar de forma a evitar erosões e o assorea-
Do ponto de vista da Geologia de Engenha- mento, tão frequentes nas etapas de terraplena-
ria, uma contribuição muito importante nessa fase gem. A erosão e o consequente assoreamento dos
de estudos é o entendimento das características cursos d´água e das várzeas são impactos pratica-
do meio físico que condicionam os processos na- mente irreversíveis. O solo que levou milhares de
turais da região onde se pretende implantar obra anos par ser formado é perdido. Os cursos d´água
de infraestrutura, de grande porte. Assim, um são soterrados, e perdem seu leito natural. As dre-
instrumento muito importante é a caracterização nagens são modificadas, provocando enchentes e
geotécnica da região e com isso prever ou indicar inundações onde antes o córrego corria. A vege-
as principais características do comportamento do tação das baixadas e margens sofre ou morre e a
solo/relevo/substrato, e a identificação dos pro- fauna é duramente afetada.
cessos que já ocorrem no local ou poderão ocorrer, O impacto da erosão acelerada em função da
e que poderão ser intensificados ou deflagrados exposição do solo durante as obras é um dos im-
em função das futuras intervenções. pactos mais graves! E de difícil recuperação.
Mas muitas vezes não existe essa Carta Geo- Os impactos do meio físico são portanto de
técnica do local desejado. Aí vem o desafio de grande magnitude, duradouros e muitas vezes
interpretar a geologia, a geomorfologia, a hidro- irreversíveis. Mesmo sua compensação é difícil e
logia e os solos e elaborar uma Carta ou pelo me- duvidosa. Ou seja, precisam ser evitados ou pelo
nos uma classificação das Suscetibilidades, e gerar menos minimizados. Esse é um grande desafio da
uma Carta de Restrições Ambientais. comunidade geotécnica/ambiental.
Quando esse tipo de mapeamento e caracte- Boas práticas envolvem definir locais no-
rização é realizado e utilizado previamente, como táveis e de interesse que existem na região onde
base para a concepção e detalhamento do projeto, será implantado o empreendimento. Então, carac-
o que se percebe é que o Empreendimento como terizar esses locais, documentar e transformá-los
um todo ganha e o licenciamento ambiental é me- em pontos de controle e monitoramento durante
nos questionado. as obras. Fotografar, medir e principalmente pro-
Ou seja, quando a variável ambiental e o en- teger esses locais são medidas efetivas de controle
tendimento do meio físico é incorporado desde o ambiental.
início da concepção do projeto, o empreendimen- A supervisão e fiscalização ambiental per-
to fica mais sustentável, e ganham o empreende- manente das obras é outra medida fundamental.
dor e a sociedade, e o meio ambiente. As frentes de obras devem ser estudadas antes
de serem iniciados os trabalhos e implantadas
medidas de proteção das drenagens, das matas e
CONTROLE AMBIENTAL DAS OBRAS das comunidades lindeiras. Uma prática efetiva é
ter critérios claros e a aplicação de notas mensais
Muito destaque se dá a fase dos Estudos Am-
para cada trechos de obras. Premiar as boas práti-
bientais e obtenção das Licenças. É justo e impor-
cas. Implantar sistema de emissão de Notificação
tante. Porém os impactos de fato ocorrem na fase
de Não Conformidades e punir os responsáveis
de implantação das obras. É quando os programas
pelos problemas. Essas práticas fazem uma obra
ambientais previstos no licenciamento ambien-
mais limpa, um controle ambiental efetivo e evi-
tal precisam de fato ser implantados. Nessa fase
tam passivos ambientais.
de obras o desafio é implantar a gestão ambien-
As obras realizadas pelo DER do Estado de
tal, os monitoramentos e as medidas de controle,
São Paulo tem esse tipo de gestão ambiental.
para evitar os impactos no local das obras e no seu
É papel do geotécnico, geólogo ou engenhei-
entorno.
ro, propor medidas de prevenção e de controle.
Nessa fase as equipes de meio ambiente, em
Acompanhar a implantação e manutenção. Dar
especial os técnicos e engenheiros e geólogos am-
soluções e proteger de fato o meio ambiente.
bientais tem uma grande gente de trabalho. E uma

188
O Meio Ambiente merece respeito. Merece Gestão. Merece soluções

O bom Gerenciamento Ambiental implica Entender a região amazônica é importante


em cuidar do processo ambiental desde a fase para ver que o transporte tradicionalmente é rea-
de concepção até a implantação e construção do lizado pelos rios, embarcado. Assim, o transporte
empreendimento. sustentável seria o fluvial. Uma rede organizada,
Desde a Concepção do Projeto incorporar a funcional, protegida de transporte fluvial de car-
variável ambiental, e utilizar as informações am- gas e passageiros provavelmente seria muito efeti-
bientais para subsidiar um projeto amigável com vo, garantiria a mobilidade e preservaria a região.
o meio ambiente. Na construção da rodovia entre Cruzeiro do
Sul e Rio Branco, no Acre, isso ficou evidente. A
obra só era realizada durante 6 a 7 meses. O pe-
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ríodo chuvoso impedia o trabalho em boa parte
do ano, e ainda destruía setores recentemente
A sociedade quer o progresso e é natural que
construídos.
assim seja.
Por outro lado a ligação por rios nem sempre
Cabe aos setores de planejamento atuarem
garante a ligação entre grandes cidades, como é o
no sentido de tentar uma ocupação do solo e o uso
caso entre Cruzeiro do Sul e Rio Branco, e muitos
dos recursos naturais da forma menos impactante
outros casos. Tendo em vista novamente os fato-
possível e considerando a capacidade e resiliên-
res do meio físico, como o relevo em geral plano,
cia do território. Porém os setores dos governos
a ligação por ferrovias seria uma opção de menor
voltados ao planejamento estão sendo sucateados,
impacto que as rodovias.
fechados ou mesmo nunca existiram de fato.
Em resumo, o meio ambiente é a base da sus-
O licenciamento ambiental acaba fazendo
tentação da vida e da permanência de nossa espé-
esse papel de verificar a compatibilidade do em-
cie, e sua degradação e super exploração termina
preendimento proposto com o desenvolvimento
por comprometer a qualidade de vida e a própria
local e regional.
permanência do Homem nesse planeta.
Cada região tem suas peculiaridades e preci-
É possível entender os limites e as suscetibi-
sam ser entendidas, respeitadas e valorizadas.
lidades e desenvolver projetos e obras e empreen-
A Amazônia é um exemplo disso. A ocupa-
dimentos de modo mais amigável e sustentável.
ção dessa região através do desmatamento, pasta-
Enfim, existe conhecimento acumulado e
gens, rodovias e barragens é um modelo compro-
boas práticas e boas técnicas que a Geologia de
vadamente inadequado e insustentável.
Engenharia e Ambiental já desenvolveu e que po-
Para ficar nas questões mais geológicas e
dem e devem ser entendidas e aplicadas para a
geotécnicas, a implantação da infraestrutura de
apresentação e implantação de soluções.
transportes não pode e não deve seguir o mode-
lo de outras regiões. Os solos são frágeis e é mui-
to restrito o acesso e as condições das jazidas de
material pétreo tão necessário aos pavimentos e
as obras de concreto (pontes por exemplo). A im-
plantação de rodovias não parece ser a melhor so-
lução. E a manutenção das poucas rodovias exis-
tentes é um transtorno permanente. Geológica e
geotecnicamente rodovias na Amazônia são um
desafio e não parecem ser a melhor opção.
E socialmente e ambientalmente tampouco,
pois o que se observa é a acelerada degradação
ao longo dos eixos rodoviários. A abertura dos
acessos facilita o desmatamento, traz todo tipo de
degradação, impulsionando mais os impactos e a
pobreza do que o progresso.

189
PROJETOS DE USINAS HIDRELÉTRICAS

GERALDO MAGELA PEREIRA

Nos anos 1970, com o país em desenvolvi- que merecem ser considerados na definição do
mento acelerado, nós tínhamos muitos projetos arranjo geral das estruturas que compõem uma
de usinas hidrelétricas para fazer. Naquela época usina hidrelétrica. Apresentam-se também alguns
não tínhamos nem experiência, expertise, os con- exemplos de usinas hidrelétricas com diferentes
sultores e os livros eram estrangeiros e caros. composições de arranjo das estruturas.
Tempos difíceis. Foi tanto sufoco que pensei Desde o início, ressalta-se que as condições
“um dia, vou escrever um livro”, e esse sonho foi topográficas e geológico-geotécnicas dos sítios
concretizado 40 anos depois com a publicação do condicionam fortemente os arranjos das usinas, e
“Projetos de Usinas Hidrelétricas-Passo a Passo” acima de tudo, a importância da multidisciplina-
pela Editora Oficina de Textos. ridade no desenvolvimento do projeto, com a in-
tegração das disciplinas da Cartografia, Topogra-
fia, Hidrologia, Geologia, Geotecnia, Estruturas,
Hidráulica, Mecânica, Elétrica e Meio Ambiente.

1 TRANSFORMAÇÃO DA ENERGIA
POTENCIAL EM ENERGIA ELÉTRICA

A geração de energia elétrica a partir de uma


usina hidrelétrica acontece pela transformação da
energia potencial associada ao fluxo fluviométrico
e à diferença de nível d’água criada pela existên-
cia de quedas, degraus ou corredeiras no cami-
nhamento do rio.
Todas as estruturas civis, equipamentos me-
cânicos e sistemas elétricos da usina são definidos
em função do potencial de geração que o curso
d’água oferece e a definição do arranjo das estru-
turas e do tipo dos equipamentos eletromecânicos
é feita de forma a propiciar seu melhor aprovei-
Figura 1. Livro Projeto de Usina Hidrelétricas – Passo a tamento. A figura a seguir apresenta um croqui
Passo” clássico do esquema de transformação da energia
potencial em energia elétrica por meio de usina
O texto apresenta para a RBGEA, a revista da hidrelétrica.
ABGE, um resumo em notas sobre alguns pontos

190
PROJETOS DE USINAS HIDRELÉTRICAS

Figura 2. Geração de energia elétrica através de usinas hidrelétricas (fonte: ANEEL)

A vazão de fluxo e a diferença de nível de aspectos topográficos, hidrológicos, ge-


água são as características do rio que definem o ológicos e ambientais. Sua finalidade é
potencial de geração de energia elétrica de um verificar a vocação da bacia para a gera-
aproveitamento hidrelétrico. Desta forma, a po- ção de energia elétrica.
tência da usina é obtida pela expressão: ii. Estudos de Inventário Hidrelétrico: fase
em que se determina o potencial hidre-
P=HxQxgxh létrico da bacia hidrográfica e se esta-
belece o melhor posicionamento dos
onde: aproveitamentos hidrelétricos, que em
P = potência instalada (kW) conjunto ofereçam o máximo de energia
Q = vazão do rio (m³/s) ao menor custo e com o mínimo de im-
H = diferença de nível d’água ou queda (m) pacto ao meio ambiente. Por ele fica defi-
g = aceleração da gravidade (9,81 m/s²) nida a divisão de quedas no rio principal
h = rendimento dos equipamentos (%) e em seus afluentes que formam a bacia
hidrográfica.
iii. Estudos de Viabilidade: fase que se de-
2 ETAPAS DE ESTUDOS E PROJETOS DE
fine a concepção geral de um determi-
UM APROVEITAMENTO HIDRELÉTRICO
nado aproveitamento que compõem a
Os estudos para a identificação, avaliação, divisão de quedas de um rio. Sua finali-
projeto e implantação dos empreendimentos hi- dade é avaliar, otimizar e estabelecer as
drelétricos são desenvolvidos em etapas, cada características técnico, econômica e am-
uma avançando em conhecimento e detalhamen- biental do aproveitamento, analisando
to. As etapas são: seus benefícios e custos associados.
i. Estimativa do Potencial Hidrelétrico: iv. Projeto Básico: fase em que o aprovei-
fase que em se procede a análise preli- tamento concebido nos Estudos de Via-
minar das características da bacia hidro- bilidade tem seu projeto efetivamente
gráfica, especialmente quanto aos seus detalhado e desenvolvido, estabelecen-
do as características técnicas de suas

191
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

estruturas civis, dos seus equipamentos A experiência acumulada pelas décadas de


mecânicos e se seus sistemas elétricos, desenvolvimento do setor hidrelétrico brasileiro
bem como de seus programas socioam- possibilitou a elaboração de critérios, instruções,
bientais. manuais e diretrizes que estabelecem padrões
v. Projeto Executivo: fase em que são ela- para o desenvolvimento de cada etapa de estudo
borados todos os documentos, relató- dos aproveitamentos hidrelétricos1. Dentre eles,
rios, desenhos, memórias de cálculo, es- citam-se:
pecificações técnicas, lista de materiais, ‚ Manual de Inventário Hidrelétrico de Bacias
programas e instruções necessários para Hidrográficas;
a completa implantação do empreendi- ‚ Instruções para Estudos de Viabilidade de
mento hidrelétrico. Aproveitamentos Hidrelétricos;
‚ Diretrizes para Elaboração de Projeto Básico
Os aproveitamentos hidrelétricos são classi- de Usinas Hidrelétricas;
ficados em função de sua capacidade de geração ‚ Diretrizes para Estudos e Projetos de Peque-
de energia elétrica, dada pela potência instalada nas Centrais Hidrelétricas;
estabelecida no projeto. Os empreendimentos são ‚ Critérios de Projeto Civil de Usinas
classificados em: Hidrelétricas

Empreendimento Sigla
Potência Instalada A figura a seguir apresenta as usinas do rio
(MW)
Teles Pires, na região Norte, uma das últimas a ser
Central Geradora Hidrelétrica CGH P≤5
totalmente aproveitada no país. Ele se junta ao rio
Pequena Central Hidrelétrica PCH 5 < P ≤ 30
Juruena para jutos formarem o rio Tapajós.
Usina Hidrelétrica UHE P > 30*
* São caracterizados como UHEs os aproveitamentos com potência
instalada superior a 5 MW e igual ou inferior a 50 MW desde que
não sejam enquadrados como PCH e estejam sujeitos a outorga de
autorização.

Figura 3. Localização da Bacia Hidrográfica do rio Tapajós, formado pela junção dos rios Teles
Pires e Juruena.

1
https://eletrobras.com/pt/Paginas/Manuais-e-Diretri-
zes-para-Estudos-e-Projetos.aspx

192
PROJETOS DE USINAS HIDRELÉTRICAS

Figura 4. Divisão de quedas do rio Teles Pires indicando os Aproveitamentos Hidrelétri-


cos identificados no respectivo Estudo de Inventário.

3 NOTAS SOBRE DADOS E DISCIPLINAS entre o empreendimento e o maio ambiente onde


FUNDAMENTAIS estará inserido.
Demais disciplinas: Estruturas Civis, Hidráu-
Cartografia e Topografia: é preciso ter uma lica; Arquitetura; Engenharia Mecânica, Engenha-
base cartográfica e levantamentos topográficos ria Elétrica; Sistema de Transmissão.
em escala adequada para possibilitar à determi- Por isso, fica claro que o desenvolvimento
nação da queda bruta (H) do empreendimento, e dos estudos e projetos de empreendimentos hi-
para possibilitar a avaliação das alternativas de drelétricos é realizado necessariamente por uma
arranjo e o desenvolvimento do projeto da usina. equipe multidisciplinar composta por profissio-
Hidrologia: os estudos hidrológicos definem nais representantes de cada dessas disciplinas. A
as vazões médias máximas e mínimas caracterís- estes juntam-se ainda os profissionais de planeja-
ticas do rio as quais, junto com a queda ou desní- mento, orçamentação, coordenação e interface.
vel, serão utilizadas nos estudos energéticos para
determinação da potência a ser instalada na usina
e do dimensionamento das estruturas hidráulicas 4 ARRANJOS DE USINAS HIDRELÉTRICAS
da usina.
A definição do arranjo as estruturas da usina
Geologia e Geotecnia: é necessário ter a cor-
hidrelétrica é uma das tarefas mais importantes
reta caracterização e parametrização do ambiente
dos estudos pois através de um arranjo bem ela-
geológico que irá hospedar a usina, notadamente
borado, que considere as características fluviais,
quanto suas propriedades de resistência, defor-
geomorfológicas e geológicas do local, se obtém a
mabilidade e permeabilidade.
melhor alternativa, com a maior viabilidade técni-
Ambiental: é de extrema importância verifi-
ca, econômica e ambiental para a implantação do
car e quantificar os aspectos e as condicionantes
empreendimento.
socioambientais locais e regionais, estabelecendo
diagnósticos e prognósticos para as interações

193
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

De forma resumida, existem 2 tipos mais co- e verificações durante os estudos e projetos dos
muns de arranjo: empreendimentos.
‚ Arranjos compactos: onde todas as estruturas Nos livros do Comitê Brasileiro de Barra-
da usina ficam posicionadas ao longo do eixo gens, Topmost Dams of Brazil (CBDB, 1978) e
de barramento; “Main Brazilian Dam.” Vol. 1 (CBDB, 1982), Vol.
‚ Arranjos com circuito de adução: onde a 2 (CBDB, 2000) e Vol. 3 (CBDB, 2009), encontram-
estrutura do barramento, que estabelece o -se ilustrados os principais projetos das usinas
reservatório, e a estrutura da casa de força, hidrelétricas brasileiras. Esses documentos são da
que abriga as unidades turbogeradoras, es- maior importância e de consulta imprescindível
tão desassociadas e separadas, e o fluxo hi- para quem trabalha para o setor elétrico. Neles
dráulico é conduzido do reservatório à casa constam, com alguns detalhes, os arranjos gerais
de força por meio de um circuito hidráulico das principais obras brasileiras. Não será difí-
de adução. cil observar que, para locais com características
semelhantes.
Cada caso tem suas particularidades e as A seguir são apresentados alguns exemplos
alternativas mais econômicas, técnica e am- de arranjo utilizados em usinas no Brasil, ilustran-
bientalmente, são objeto de pesquisas, análises do o uso dos 2 tipos de arranjo acima identificados.

Figura 5. UHE Tucuruí – Arranjo Compacto. Situa-se no trecho baixo do rio Tocantins, no Estado do Pará,
com potência de 8.125 MW. A barragem tem 95 m de altura e comprimento de 7 km. O vertedouro da usina, um
dos maiores do mundo, tem 23 vãos de 20 m largura e 21 m altura e capacidade de vertimento (Q) de 110.000 m3/s.

194
PROJETOS DE USINAS HIDRELÉTRICAS

Figura 6. UHE Itaipu - Arranjo Compacto. Situa-se no rio Paraná e tem potência de 14.180 MW. A barragem
tem 196 m de altura e 7,8 km comprimento. O vertedouro tem 14 vãos de 20 m largura e 21,34 m altura e capaci-
dade de vazão de 62.000 m3/s.

Figura 7. UHE Campos Novos – Arranjo com Circuito Adutor. Situa-se no rio Canoas, 21 km a montante da
confluência com o rio Pelotas, e tem potência de 900 MW. A barragem, de enrocamento com face de concreto, tem
202 m de altura e 590 m de comprimento. O vertedouro tem 4 vãos de 17.4 m largura e 20 m altura. A capacidade
de vazão é de 18.300 m³/s.

195
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Figura 8. UHE Irapé – Arranjo com Circuito Adutor. Situada no rio Jequitinhonha, Minas Gerais, possui
a maior barragem do Brasil e a segunda maior da América Latina, com 205 m de altura. Possui 360 MW de
potência instalada. O arranjo compreende uma barragem de enrocamento com núcleo de argila fechando o vale,
túneis de desvio na margem direita, tomada de água, vertedouro e extravasor na margem esquerda e casa de força
a jusante da barragem.

5 ESTUDOS SEDIMENTOLÓGICOS E DE Power (1988), no artigo “Siltation is Threat


VIDA ÚTIL DOS RESERVATÓRIOS to Whole World´s Storage Dams”, registrou que:
o reservatório da Usina Hoover (1935) está asso-
Além de todos os recursos mobilizados para reando 0,3% ao ano, portanto, já perdeu 24% do
a elaboração dos estudos e dos projetos das estru- seu reservatório em 79 anos, aproximadamente;
turas civis e para a definições e especificações dos Tarbela está assoreando 1,5% ao ano; e Três Gar-
equipamentos mecânicos e dos sistemas elétricos gantas, inaugurada em 1970, está assoreando 1,7%
da usina, é necessário também prestar atenção ao ao ano; e que o reservatório de Warsak, no rio Ka-
reservatório. Não são raros os problemas de re- bul no Paquistão, perdeu 18% de sua capacidade
dução do volume do reservatório em função do no seu primeiro ano de operação.
assoreamento ao longo do tempo. White (2010), no trabalho “World Water:
A produção de sedimentos envolve muitos Resources, Usage and the Role of Man-Made Re-
fatores associados ao ambiente geológico, às ca- servoirs”, apresentou dados de 2.300 reservató-
racterísticas geomorfológicas da bacia, à pluvio- rios em 31 países fornecidos pelo ICOLD (2003),
sidade, aos ventos e às ações antrópicas. Para a “World Register of Dams”. Ele citou que a perda
avaliação da vida útil do reservatório deve-se es- anual de armazenamento é de 0,5% ao ano. Citou
colher a estação com medições sedimentométricas também a meia vida dos reservatórios de 12 re-
mais próxima ao projeto, cujos dados estejam dis- giões do mundo. Para a América do Sul essa meia
poníveis no Hidroweb/ANA. vida é de 500 anos.
O tema vem merecendo atenção crescente por Segundo Carvalho (1994) registra que no Bra-
parte dos projetistas, pesquisadores e agências de sil, nossa perda também é de 0,5% ao ano.
financiamento de todo o mundo. A revista World O Guia de Avaliação de Assoreamento de
Water (1988 apud Almeida e Carvalho, 1993), cita Reservatório2 publicado pela Superintendência de
um estudo do Banco Mundial, realizado em 1974, Estudos e Informações Hidrológicas da ANEEL
indicando que a expectativa média de vida útil
dos reservatórios mundiais havia decrescido de
100 para 24 anos.
2
https://www.aneel.gov.br/documents/656835/14876406/
2000_GuiaAvaliacaoAssoreamentoReservatorios.pdf/68c
4953-f696-5925-573a-b7b3207db875

196
PROJETOS DE USINAS HIDRELÉTRICAS

fornecem orientações e recomendações para a ava- No caso da PCH Poço Fundo verificou-se que
liação do impacto dos sedimentos carreados pelos não eram esperados problemas de assoreamento.
cursos d’água aos reservatórios neles instalados. O reservatório é estreito e pouco profundo, com
A Tabela 1 apresenta os resultados desses considerável velocidade de escoamento, o que re-
estudos desenvolvidos para o Projeto Básico da sultou em um baixo índice de sedimentação.
PCH Poço Fundo, localizada no município de São
José do Vale do Rio Preto.

Tabela 1. Cálculo do Tempo de Assoreamento Previsto para o Reservatório da PCH Poço Fundo.

Sigla Descrição / Fórmula Un. Valor


AD Área de drenagem (km²) 730
Qmlt Descarga líquida média de longo período (m³/s) 16,86
L Comprimento do reservatório (m) 5.191
NAres Nível d’água máximo normal do reservatório (m) 691,00
Ares Área do reservatório no NA máximo normal (10³ m²) 140
Vres Volume do reservatório no NA máximo normal (10 m³)
6
0,47
Qst Descarga sólida média de longo período (t/ano) 43.518
IS Índice de Sedimentação = Vres² / (Q² x L) - 1,83 E+05
ER Eficiência de retenção **(dado pela curva de Churchill) (%) 20%
Pc Porcentagem de argila contida no sedimento (%) 25%
Pm Porcentagem de silte contida no sedimento (%) 25%
Ps Porcentagem de areia contida no sedimento (%) 50%
Wc Coeficiente de compactação da argila* - 0,416
Wm Coeficiente de compactação do silte* - 1,121
Ws Coeficiente de compactação da areia* - 1,554
Kc Constante dependente do tipo de operação do reservatório (argila)* - 0,256
Km Constante dependente do tipo de operação do reservatório (silte)* - 0,091
Ks Constante dependente do tipo de operação do reservatório (areia)* - 0,000
K Constante dependente do tipo de operação do reservatório (total)* - 0,087
gi Peso específico aparente inicial = Wc x Pc + Wm x Pm + Ws x Os (t/m³) 1,161
T’ Tempo de assoreamento (cálculo inicial) = Vres x gi / (Qst x ER) (anos) 69,22
Peso específico aparente médio em T anos (compactado)
gT (t/m³) 1,319
= Kc x Pc + Km x Pm + Ks x Ps
T Tempo de Assoreamento (corrigido) = Vres x gT / (Qst x ER) (anos) 78,63
*Valores válidos para o caso de “sedimento sempre ou quase sempre submerso”;
**A eficiência de retenção obtida pela curva de Churchill para o sedimento em suspensão foi nula. Considerou-se 20% de retenção,
referentes à porcentagem estimada para o sedimento do leito.

Entretanto existem vários de reservatórios de desmatamento extensivo nas margens dos cursos
usinas no Brasil com algum tipo de problema as- d’água.
sociado ao acúmulo de sedimentos. O ambiente Cita-se por exemplo o caso da UHE Masca-
geológico, o regime pluviométrico e as grandes renhas (120 MW), inaugurada em 1974, o projeto
declividades da bacia são as principais causas na- não contemplou os estudos sedimentológicos, se-
turais que favorecem a erosão do seu solo. Como gundo Almeida e Carvalho (1993). Essa usina teve
causas antrópicas, destacam-se a proximidade de seu reservatório quase que totalmente assoreado
regiões de exploração de minérios a céu aberto e o em 1979, 5 anos após a inauguração e sua opera-

197
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

ção exigia dragagem permanente até a época da forme levantamentos batimétricos realizados na
publicação do trabalho de Almeida e Carvalho região. Segundo a pesquisa, na época já não era
(1993). possível navegar com embarcações de 2,9 m de
A UHE Funil, com 30 MW de potência ins- calado. Neste trecho a hidrovia só funcionava, de
talada no rio das Contas, na Bahia, foi inaugura- forma plena, seis meses por ano e a tendência era
da em 1962 e teve as três unidades geradoras pa- de que isso piorasse com o aumento do assorea-
ralisadas no período de janeiro de 1992 a março mento. Além do prejuízo para a geração de ener-
de 1993. Para recolocar a usina em operação, foi gia, havia o risco de paralisação do transporte de
necessário efetuar a dragagem de um volume de cargas no trecho que integra o traçado da hidrovia
33.000 m3 do reservatório, e a retirada de 1.000 m3 Tietê-Paraná.
de sedimentos dos condutos forçados. A questão deve receber a atenção e ser mo-
Coelho (1993) mostrou em sua Dissertação de nitorada pelos concessionários ou autorizados de
Mestrado desenvolvida no Instituto de Geociên- geração de energia hidrelétrica de acordo com a
cias e Ciências Exatas UNESP que o reservatório Resolução Conjunta no 3, de 10 de agosto de 2010,
da UHE Americana (SP) assoreou 8,9% em 40 da ANEEL e ANA, a qual estabelece as condições
anos, correspondente a 0,22% ao ano. e os procedimentos a serem observados pelos con-
Miranda (2011) mostrou em sua Dissertação cessionários de geração de energia hidrelétrica
de Mestrado apresentada a Escola de Engenharia para a instalação, operação e manutenção de es-
de São Carlos, que o reservatório de Três Irmãos tações hidrométricas visando ao monitoramento
assoreou 14% entre 1975 e 2008, o que correspon- pluviométrico, limnimétrico, fluviométrico, sedi-
de a 0,42% ao ano, e que as perdas de energia, de mentométrico e de qualidade da água associado a
1993, ano de funcionamento da primeira turbina, aproveitamentos hidrelétricos.
a 2008 seriam de 377 MWh/mês. O assunto do assoreamento possui grande
As pesquisas desenvolvidas na Universidade importância e relevância para a vida e a capaci-
Estadual de Campinas mostram que o reservató- dade operacional das usinas hidrelétricas, para a
rio da UHE Barra Bonita, onde existe a eclusa que manutenção da trafegabilidade das embarcações
permite o tráfego fluvial, também sofre as conse- e para a qualidade socioambiental das bacias
quências do assoreamento. Em menos de cinco hidrográficas
anos, alguns pontos ficaram 12 m mais rasos, con-

198
PROPOSTA DE ESTRUTURAÇÃO DE UM
CURSO DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA
STRUCTURE PROPOSAL OF AN ENGINEERING GEOLOGY COURSE

ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS


Geólogo, Ex-pesquisador Sênior V do IPT, Diretor Executivo ARS Geologia Ltda., santosalvaro@uol.com.br

RESUMO ABSTRACT

Os cursos brasileiros de Geologia têm até hoje reve- Brazilian Geology courses have so far shown a certain
lado uma certa relutância em entender a Geologia de reluctance to understand Engineering Geology as an
Engenharia como uma atribuição própria do campo attribution of the field of Geology, so the teaching
da Geologia, pelo que o ensino e o desenvolvimento and technical-scientific development of this applied
técnico-científico dessa geociência aplicada, que en- geoscience, which understands Man as a geological
tende o Homem como agente geológico, não têm sido agent, have not been perceived as an activity of strategic
percebidos como uma atividade de importância estra- importance by the University. This paper has the
tégica pela Universidade. Tem esse trabalho o objetivo objective of defending and proposing the structuring
de defender e propor a estruturação de um curso de of a course in Engineering Geology closely associated
Geologia de Engenharia intimamente associado à sua with its support science, Geology, understanding
ciência de sustentação, a Geologia, entendendo o “ra- “geological reasoning” as its main working tool.
ciocínio geológico” como seu principal instrumento de
trabalho.

Palavras-chave: Geologia de Engenharia, Ensino, Geo-


ciência Aplicada

1 INTRODUÇÃO – EXPOSIÇÃO DE dos próprios de trabalho, e que tem por missão


MOTIVOS maior a vital responsabilidade de compatibilizar
tecnicamente as intervenções do Homem no pla-
Não estaríamos exagerando se afirmássemos neta com as características geológicas naturais de
que, salvo raríssimas exceções, hoje ainda não se cada região ou local afetado. De uma forma con-
ensina Geologia de Engenharia (GE) aos geólogos cisa, podemos entender a Geologia de Engenharia
brasileiros em nossos cursos de graduação em como a Geociência Aplicada responsável pelo do-
Geologia. É importante observar que se está falan- mínio tecnológico da interface entre a atividade
do de Geologia de Engenharia e não de Mecânica humana e o meio físico geológico.
dos Solos ou Mecânica das Rochas ou Geotecnia, Por outro lado, a GE só conseguirá cumprir
disciplinas com que muitos ainda imaginam estar cabalmente essa responsabilidade, e assim ser
aprendendo ou ensinando Geologia de Engenha- útil à Engenharia e à sociedade em um sentido
ria. Estamos aqui nos referindo especificamente à mais amplo, na medida em que não se descole
Geologia de Engenharia, especialidade aplicada de suas raízes disciplinares, de sua ciência-mãe, a
da Geologia, com sua história, conceitos e méto- Geologia, o que significa exercitar e priorizar seu

199
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

principal instrumento de trabalho, o raciocínio da utilização da Geologia em apoio a obras de en-


geológico. Essa precaução a fará sempre ter como genharia no Brasil.
ponto de partida a consciência de que qualquer Antes e após esse evento, Vargas (1985) e
ação humana sobre o meio fisiográfico interfere, Ruiz (1987) consideram a possibilidade real de ou-
não só limitadamente, em matéria pura, mas sig- tras contribuições equivalentes da Geologia, mas
nificativamente, em matéria em movimento, ou sem recuperação documental, e destacam como
seja, em processos geológicos, sejam eles menos o segundo grande marco histórico, a criação em
ou mais perceptíveis, sejam eles mecânicos, físico- 1937, da Seção de Geologia e Petrografia no IPT –
-químicos ou de qualquer outra natureza, este- Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de
jam eles temporariamente contidos ou em pleno São Paulo, sob a chefia do Engenheiro Luis Flores
desenvolvimento. de Moraes Rego, e, já em 1938, com o nome de Se-
Já com tantos geólogos praticando a GE, e ção de Geologia e Minas, sob a chefia de Tharcisio
por tantos anos, e com tão importantes serviços Damy de Souza Santos; ambos, aliás, autores do
prestados à sociedade, impacta o fato de ainda a histórico Boletim n° 18 do IPT, Contribuições para o
grande maioria dos cursos de Geologia não ter Estudo dos Granitos da Serra da Cantareira, em cola-
acolhido devidamente essa especialização. A pon- boração com os então assistentes-alunos Fernan-
to de, a bem da verdade, o geólogo de engenharia do Flávio Marques de Almeida e Ernesto Pichler,
brasileiro continuar sendo, em boa parte de sua que tanto viriam marcar a história da Geologia no
formação, um autodidata. Ressalte-se a enorme e país.
estratégica importância, nas circunstâncias atuais Foi, no entanto, com os trabalhos práticos
de enfraquecimento de nossas instituições públi- intensivos e a produção bibliográfica de Ernesto
cas de pesquisa e das empresas nacionais de en- Pichler, nas décadas de 40 e 50, que a Geologia de
genharia, de nossas Universidades e seus cursos Engenharia brasileira foi pela primeira vez disci-
de Geologia assumirem a formação acadêmica em plinarmente individualizada.
Geologia de Engenharia. A Universidade deveria Nas décadas de 60 e 70, já com a então Seção
se projetar como o futuro e fantástico espaço para de Geologia Aplicada do IPT sob o dinâmico co-
a discussão, formação e desenvolvimento da Geo- mando do Engenheiro Murillo Dondici Ruiz, ex-
logia de Engenharia brasileira. -assistente-aluno de Pichler, a Geologia de Enge-
Do que foi exposto depreende-se a necessi- nharia brasileira, respondendo à implantação de
dade estratégica das escolas brasileiras de Geolo- grandes e diferenciadas obras de infraestrutura,
gia assumirem definitivamente como atribuição e observou um espetacular desenvolvimento, dan-
responsabilidade suas a formação disciplinar em do efetiva e reconhecida colaboração para alçar a
Geologia de Engenharia dos estudantes de geolo- Engenharia Nacional ao nível da melhor engenha-
gia, entendida a GE, em toda sua essência, como ria internacional, com soluções avançadas e apli-
uma Geociência Aplicada. cadas às características fisiográficas e socioeconô-
É preciso insistir e persistir, uma boa forma- micas do país e de suas diferentes regiões.
ção escolar é condição elementar para o ofereci- Nessa fase, o exercício da GE no Brasil, con-
mento de bons profissionais para o mercado de tando com o precioso aporte da consultoria e en-
trabalho e para o mundo da pesquisa. sinamentos de formidáveis geotecnologistas do
exterior — Terzaghi, Fox, Cabrera, Deere —, foi
natural e fortemente influenciado pelo ritmo das
2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA GEOLOGIA inúmeras grandes obras em implantação em todo
DE ENGENHARIA NO BRASIL o país e pelos paradigmas técnicos da Engenharia
Geotécnica, o que a levou a priorizar o esforço de
Vargas (1985) destaca os relatos do Engenhei-
parametrização geotécnica, ou seja, pela simples
ro Miguel Arrojado Lisboa sobre as obras de pro-
busca de informações e parâmetros geotécnicos
longamento da Estrada de Ferro Noroeste do Bra-
solicitados pela Engenharia. Desta fase resultou,
sil, em 1907, como o primeiro registro documental
como fator extremamente positivo, uma singular
intimidade dos geólogos de engenharia, que se

200
PROPOSTA DE ESTRUTURAÇÃO DE UM CURSO DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA

formavam autodidaticamente neste período já em o trabalho “Por Menos Ensaios e Instrumentações e


diversos estados brasileiros, com os mais diversos por uma Maior Observação da Natureza”, que mar-
aspectos dos grandes empreendimentos de enge- ca definitiva e conceitualmente o movimento de
nharia e das diferentes solicitações ao meio físico aproximação metodológica da Geologia de Enge-
geológico por eles provocadas nas diversas fases nharia com a Geologia, entendida então como sua
de sua implantação e de sua posterior operação. ciência matriz.
Esta singularidade histórica, como ressalta Ruiz Também emblemática desse período foi a
(1987), foi responsável pelo perfil objetivo e efi- participação dos professores. Fernando Flávio
ciente que marca a Geologia de Engenharia brasi- Marques de Almeida, José Moacyr Vianna Couti-
leira frente às suas congêneres internacionais. nho e Yociteru Hasui — reconhecidamente entre
Nas décadas subsequentes (70, 80 e 90), res- os mais brilhantes geólogos brasileiros — como
pondendo aos novos desafios técnicos que lhe fo- consultores permanentes da Divisão de Minas e
ram colocados pelo acelerado e diversificado pro- Geologia Aplicada do IPT para o apoio a diversas
cesso de interferência do crescimento econômico pesquisas e projetos de Geologia de Engenharia
brasileiro em sua fisiografia de suporte, resul- desenvolvidos pela referida Divisão. Foram então
tando em uma diferenciada gama de problemas definitivamente incorporados à prática da GE bra-
urbanos, rurais e ambientais, e apreendendo que sileira atributos e responsabilidades, como mode-
tão importantes como as características geotécni- lagem geológica/geomorfológica, identificação
cas intrínsecas dos materiais (solos e rochas) afe- e avaliação de processos, análises e modelagens
tados por um determinado empreendimento, são fenomenológicas, análises de previsibilidade e
os processos geológicos e geomorfológicos locais risco, avaliação e tratamento de impactos ambien-
e regionais e sua relação biunívoca com as solici- tais, etc.
tações então impostas, a Geologia de Engenharia Pelo exposto, percebe-se que a década de 70
brasileira galgou, com a participação ativa e ade- foi excepcionalmente marcante para a GE brasi-
são dos geólogos pioneiros, um patamar discipli- leira, abrigando tanto as ações e fatos que corro-
narmente mais personalizado. Neste novo pata- boraram para sua definitiva consolidação no ce-
mar, destacam-se, de um lado, a revalorização dos nário tecnológico brasileiro, como já os elementos
conhecimentos e dos instrumentos e procedimen- fundamentais que marcaram as características da
tos metodológicos próprios da Geologia e, de ou- fase posterior, quando se deu sua definitiva per-
tro, a percepção definitiva de que os patrimônios sonalização disciplinar e a diversificação de suas
naturais, de alguma forma afetados pela ativida- aplicações, e tendo como sua mais virtuosa marca
de humana, são finitos e têm propriedades e com- o resgate da GE brasileira para o domínio concei-
portamentos próprios que, uma vez não levados tual e metodológico da Geologia. A tabela adiante
em conta, podem concorrer para respostas catas- apresenta, esquematicamente, as diversas fases
tróficas ante os interesses maiores da sociedade. históricas da GE brasileira identificadas: Primór-
Em 1976, o autor desse texto apresenta ao 1º dios, Maturação, Consolidação e Personalização/
Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia Diversificação.

201
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

FASES PERÍODO CARACTERÍSTICAS MARCOS


• Oferecimento de informações geológicas • Pesquisa de materiais naturais de cons-
gerais e/ou acadêmicas. trução.
Primórdios Até 1930
• Ausência de uma experiência nacional. • Implantação de ferrovias e obras de sa-
neamento.
• Crescente valorização das informações • Criação em 1937 da Seção de Geologia e
geológicas pela engenharia. Petrografia do IPT.
• Primeiros equacionamentos conceituais e • Atuação prática e produção bibliográfica
disciplinares para GE. de Ernesto Pichler.
1930 ≅
Maturação • Ações pontuais e baixa participação de • Vinda de Terzaghi ao Brasil.
1960
geólogos nas decisões de engenharia. • Implantação de obras viárias e energéti-
cas na Serra do Mar.
• Implantação e estudos de UHEs em todo
o país.
• Aceitação indiscutível da informação • Formatura das primeiras turmas de geó-
geológica como instrumento indispensá- logos brasileiros.
vel da engenharia. • Presença no país dos melhores geotecno-
• Grande influência dos paradigmas da En- logistas do mundo.
genharia na GE brasileira. Priorização da • Normatização de ensaios e técnicas de
parametrização de variáveis geotécnicas. investigação.
• Início da participação de geólogos na • Explosiva implantação de obras de in-
1960 ≅
Consolidação concepção de projetos e soluções de en- fraestrutura viária e energética em todo
1975
genharia. o país.
• Constituição de equipes permanentes de
geotécnicos em empresas públicas e pri-
vadas.
• Fundação e atuação da APGA/ABGE.
• Realização do Congresso Internacional
da IAEG no Brasil.
• Resgate da GE para os domínios concei- • Aplicação extensiva da GE em problemas
tuais da Geologia. urbanos e rurais.
• Priorização do raciocínio geológico e da • Explosão da problemática ambiental.
interpretação fenomenológica. • Uso intensivo das ferramentas cartográ-
Personalização e • Participação crescente e decisiva de geó- ficas.
1975 até hoje
Diversificação logos na concepção de projetos e soluções • Refinamento de técnicas diretas e indire-
de engenharia e de planejamento do uso tas de investigação.
do solo. • Intensa produção bibliográfica na GE
brasileira. Edição do primeiro livro-texto
brasileiro.

3 O CURSO PROPOSTO gia de Engenharia ainda carece de consolidação


no âmbito da prática geral da GE brasileira, para
A Geologia de Engenharia brasileira desen- o que, não resta dúvida, lhe seria fundamental o
volveu-se basicamente fora do contexto acadê- abrigo do ambiente acadêmico, cultivador da re-
mico, devendo esse desenvolvimento em grande flexão teórica, do desenvolvimento prático e for-
parte a esforços autodidatas de caráter essencial- mador de profissionais através do exercício do-
mente empírico. Como já referido, desde meados cente nos níveis de graduação, pós-graduação e
dos anos 50, a GE brasileira sofreu grande influên- especialização.
cia dos paradigmas técnicos da Engenharia Geo- Refletindo essa circunstância histórica e as
técnica, o que a levou a priorizar o esforço mais considerações expostas nos itens anteriores, o cur-
simplório de parametrização geotécnica. A partir so proposto é composto por cinco módulos, cada
de meados da década de 1970, ganha espaço na qual com seu objetivo devidamente individuali-
GE brasileira a tendência em resgatá-la para o zado e refletido nas respectivas disciplinas e ativi-
campo dos paradigmas e dos métodos da Geolo- dades que os compõem. Assim:
gia, guindando-a a um patamar disciplinarmente ‚ Os módulos e suas disciplinas estão apoiados
mais personalizado e tecnicamente mais resoluti- na perspectiva de plena integração docente
vo e influente para as decisões de engenharia. dos diversos departamentos que compõem o
No entanto, ainda que extremamente posi- curso acadêmico de Geologia.
tiva e rica, essa abordagem geológica da Geolo-

202
PROPOSTA DE ESTRUTURAÇÃO DE UM CURSO DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA

‚ O curso proposto pode ser considerado tanto 3.2 Disciplinas e cargas horárias
como um referencial didático para a discipli-
na de Geologia de Engenharia hoje existente Módulo I (Objeto: o que é e como trabalha a GE)
em vários cursos de graduação universitária Carga
Nº Disciplinas
de Geologia, como para o oferecimento de Horária
cursos de especialização ou de pós-gradua- • Fundamentos conceituais e metodológi-
1 cos. 40
ção em GE. • Posicionamento disciplinar.
‚ O curso está proposto em seus marcos funda- • Evolução no mundo e no Brasil.
mentais: Justificativa, Módulos, Disciplinas e • Geologia de Engenharia e Engenharia
2 30
Geotécnica – trabalho integrativo/respon-
Ementas. Os demais detalhamentos, como sabilidades profissionais.
tópicos disciplinares, bibliografias, créditos
por disciplina, etc., deverão ser considera- Módulo II (Objeto: as intervenções humanas no
dos após o período de discussão do presente planeta interagem com processos geológicos)
documento.
Carga
Nº Disciplinas
Horária
• A paisagem fisiográfica na qual o Ho-
3.1 Módulos mem interfere.
• Processos geológicos de formação das
3 40
Módulo I paisagens.
• Dinâmica Interna x Dinâmica Externa.
Questões Conceituais e Metodológicas – geo- • Geomorfologia aplicada.
logia de engenharia, uma geociência aplicada que • Hidrologia, Hidromorfologia, Hidrogeo-
vê o homem como agente geológico (Objeto: o 4 logia, Climatologia. 40
• Dinâmica Costeira e Fluvial
que é e como trabalha a GE)
• Solos – Intemperismo, Laterização, Pedo-
5 30
gênese.
Módulo II • Geologia do Quaternário.
6 40
Cenários Geológicos que Recebem e Intera- • Neotectônica.

gem com Intervenções Humanas – disciplinas • Mecânica dos Solos. Mecânica das Ro-
7 60
chas.
de apoio e sustentação (Objeto: as intervenções • Técnicas diretas e indiretas de investiga-
humanas no planeta interagem com processos 8 ção. 60
geológicos) • Ensaios e instrumentação.

Módulo III Módulo III (Objeto: a prática da GE)


Campos de Aplicação – tipos de intervenções
Carga
humanas e suas solicitações típicas sobre a nature- Nº Disciplinas
Horária
za geológica (Objeto: a prática da GE) • Principais feições e fenômenos geológi-
9 cos/geotécnicos de interesse da Geol. de 40
Engenharia.
Módulo IV
Atividades Especiais – Atividades de cam- • Estabilidade de encostas e taludes de cor-
10 te. 40
po – Oficinas (Objeto: os principais problemas • Processos erosivos e assoreadores
geológico/geotécnicos/ambientais de caráter 11 • Barragens. Obras subterrâneas. 40
regional) 12 • Obras lineares. Mineração. 40
13 • Obras civis. Fundações. 40
Módulo V • Cidades – principais problemas, causas
Monografia (Objeto: desenvolvimento de e soluções. Gestão de Riscos. Mapas de
14 60
Suscetibilidade, Carta de Riscos, Carta
tema de livre escolha) Geotécnica.
15 • Obras marinhas, fluviais e lacustres. 40
16 • Problemas ambientais 60

203
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Módulo IV (Objeto: os principais problemas interesse para a compreensão da forma-


geológicos e ambientais de caráter regional) ção da paisagem e de sua interação com
Carga horária: 100 h as intervenções humanas. Processos
geológicos e hidromorfológicos envol-
Módulo V (Objeto: desenvolvimento de tema de vidos nas dinâmicas costeira e fluvial e
livre escolha) a importância de sua consideração para
Carga horária: 100 h o planejamento das intervenções huma-
nas.

3.3 Ementas disciplinares 5. Solos – Intemperismo, Laterização,


Pedogênese.
MÓDULO I
Formação dos solos, principais tipos e
1. Fundamentos conceituais e metodoló-
características. Os solos na perspectiva
gicos. Posicionamentos disciplinares
da Agronomia e na perspectiva da Geo-
Geologia de Engenharia, uma geociên-
logia de Engenharia. Os diferentes com-
cia aplicada com fundamentos conceitu-
portamentos frente à ação dos agentes
ais e metodológicos próprios. O Homem
geológicos e frente às ações humanas.
como agente geológico. A abordagem
fenomenológica. Posicionamentos dis-
6. Geologia do Quaternário. Neotectônica.
ciplinares na Geologia e na Geotecnia.
Processos geológicos recentes e contem-
Responsabilidades da GE no mundo
porâneos como palco das ações de uso e
atual.
ocupação do solo. O conceito de proces-
so contido ou dormente.
2. Geologia de Engenharia: evolução no
mundo e no Brasil. Geologia de Enge-
7. Mecânica dos Solos. Mecânica das
nharia e Engenharia Geotécnica.
Rochas.
Geologia de Engenharia – evolução no
Noções básicas de Mecânica dos Solos e
mundo e no Brasil. Geologia de Enge-
Mecânica das Rochas. Os fenômenos ge-
nharia e Engenharia Geotécnica: integra-
ológicos e os materiais geológicos à luz
ção colaborativa com diferentes respon-
da Mec. Solos e da Mec. Rochas.
sabilidades profissionais.

8. Técnicas diretas e indiretas de investi-


MÓDULO II
gação. Ensaios e instrumentação.
3. Processos geológicos de formação da
Técnicas de investigação de terrenos.
paisagem. Geomorfologia. Dinâmica
Sondagens diretas e sondagens geofí-
Interna x Dinâmica Externa.
sicas, resolutividade e campos de apli-
O ambiente geológico dinâmico e mu-
cação. Ensaios e instrumentações de
tante onde se dão as intervenções hu-
caracterização geotécnica de terrenos e
manas. A relação dialética da interação
materiais.
entre Dinâmica Interna X Dinâmica Ex-
terna. Geomorfologia Aplicada – Formas
MÓDULO III
de Relevo. Diferentes paisagens geológi-
9. Principais feições e fenômenos geoló-
cas e geomorfológicas brasileiras.
gicos de interesse da Geologia de En-
genharia. Modelos geológicos. Os dife-
4. Hidrologia, Hidromorfologia, Hidro-
rentes tipos de obras e suas solicitações
geologia, Climatologia. Dinâmica Cos-
típicas sobre o meio físico geológico.
teira e Fluvial.
Elenco de feições e fenômenos geoló-
Elementos de Hidrologia, Hidromorfo-
gicos que, pelos riscos associados, ge-
logia, Hidrogeologia e Climatologia de
ram necessidade de atenção e cuidados

204
PROPOSTA DE ESTRUTURAÇÃO DE UM CURSO DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA

especiais por parte das intervenções transmissão, torres de energia eólica,


humanas. A elaboração de modelos ge- torres de sinalização...). Tipos de obras,
ológicos como informação essencial à tipos de solicitações ao terreno, tipos de
investigação e à indicação de cuidados fundações mais adequados. A Geologia
e providências para o controle de poten- de Engenharia nas fases de Projeto, Obra
ciais problemas. Os diferentes tipos de e Operação.
obras e demais intervenções no meio fí-
sico geológico e suas solicitações típicas 14. Cidades. Mapas de Suscetibilidade.
sobre os terrenos. Interação biunívoca Carta de Riscos. Carta Geotécnica.
entre solicitação e meio físico geológico. Principais problemas decorrentes de
intervenções urbanas no meio físico ge-
10. Estabilidade de encostas naturais e ta- ológico. As informações e restrições de
ludes de corte. Processos erosivos e caráter geológico frente ao Estatuto das
assoreadores. Cidades, Plano Diretor, Lei de Parcela-
Análise aprofundada dos fenômenos de mento, Uso e Ocupação do Solo, Código
estabilidade de taludes de corte e encos- de Obras e demais instrumentos legais
tas naturais e processos erosivos/asso- de regulação técnica do uso do solo.
readores. Sua importância na ocupação Gestão de riscos. Cartografia de Geo-
do território. Modelos geológicos, ações logia de Engenharia como informação
preventivas e corretivas. O crucial papel privilegiada para a correta gestão das
da vegetação. relações entre a cidade e o meio físico de
suporte. Mapas de Suscetibilidade, Car-
11. Barragens. Obras subterrâneas. ta Geotécnica, Carta de Riscos.
A Geologia de Engenharia aplicada a es-
tudos associados a Barragens e a Obras 15. Obras marinhas, fluviais e lacustres
Subterrâneas. Metodologia de trabalho. A Geologia de Engenharia aplicada a
Problemas potenciais advindos da inte- estudos associados a Obras marinhas,
ração obras-meio físico e investigações fluviais e lacustres (canais, hidrovias,
necessárias à sua avaliação e controle. portos, diques, molhes, quebra-mares,
A Geologia de Engenharia nas fases de pier, espigões marítimos, quebra-ondas,
Projeto, Obra e Operação. emissários submarinos, plataformas
offshore ...). Metodologia de trabalho.
12. Obras lineares. Mineração. Problemas potenciais advindos da inte-
A Geologia de Engenharia aplicada a ração obras-meio físico e investigações
estudos associados a Obras Lineares necessárias à sua avaliação e controle.
(estradas, dutos, linhas de transmissão, A Geologia de Engenharia nas fases de
canais...) e a atividades de Mineração. Projeto, Obra e Operação.
Metodologia de trabalho. Problemas
potenciais advindos da interação obras- 16. Problemas ambientais
-meio físico e investigações necessárias à Principais e potenciais problemas de or-
sua avaliação e controle. A Geologia de dem ambiental associados aos diversos
Engenharia nas fases de Projeto, Obra e tipos de obras e intervenções humanas
Operação. no território. O Código Florestal e as le-
gislações ambientais e suas determina-
13. Fundações de edifícios, obras de arte e ções. Identificação em campo de feições
obras especiais. ambientais críticas: nascentes, manan-
A Geologia de Engenharia aplicada a es- ciais, cursos d’água, várzeas, áreas úmi-
tudos de fundações para edifícios, pon- das, encostas e escarpas, áreas de risco
tes, viadutos e obras especiais (torres de geológico, áreas de recarga de aqüíferos,

205
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

restingas, dunas... Expedientes para eli- KRYNINE, D.P.; JUDD, W.R. Principles of En-
minação e/ou mitigação de danos am- gineering Geology and geotechnics. New York:
bientais. McGraw-Hill Book, 1957. 730p. Graw-Hill Book,
1957. 730p.
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Oficinas com apresentações focando os LEGGET, R.F. Geology and engineering. Tokio:
problemas de Geologia de Engenharia McGraw-Hill/ Kogakusha, 1962. 884p.
mais comuns na região sede da Univer-
LEGGET, R.F; HATHEWAY, A.W. Geology and
sidade. Excursões, visitas técnicas orien-
engineering. 3.ed. Singapura: McGraw-Hill, 1988.
tadas e trabalhos de campo.
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