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Sendo assim, emergem indagações acerca da psicanálise e a sua relação com a cultura e a
sociedade contemporânea. Será que estamos municiados com reflexões e argumentos
suficientes para navegar nesse quadro? Será que o edifício, teórico e clínico, da psicanálise
suporta tais mudanças? E o exercício do ofício do psicanalista? No campo psicanalítico
como se move a dinâmica entre tradição e inovação no processo de formação/transmissão da
psicanálise? Como zelar do nosso ofício, em tempos de pandemia e de hiperconexão?
A FEBRAPSI, fundada em 1967, é composta por cerca de 2.308 filiados, 1.370 membros e
938 analistas em formação, espraiados pelo território nacional por meio de 18 Sociedades
Psicanalíticas e Grupos de Estudos. A Febrapsi é filiada à IPA, fundada por Freud há mais de
100 anos, presente em 51 países, com cerca de 18.300 analistas (12.820 membros e 5.480
analistas em formação) e 103 instituições (Sociedades e Grupos Psicanalíticos).
Sendo assim, como regulamentar, como definir legislações e arranjos institucionais estatais e
governamentais para enquadrar algo tão complexo, sensível e singular como a formação e o
exercício da psicanálise? Como lidar com o incremento acentuado da oferta de cursos de
psicanálise de matizes religiosos e outros que não seguem os parâmetros da formação de
psicanalistas pautados pela ética psicanalítica e pela seriedade na constituição no clássico
tripé formativo (análise pessoal, supervisão e seminários teóricos e clínicos)?
A Febrapsi reconhece as dificuldades e as complexidades!
Nossos psicanalistas em sua imensa maioria são médicos ou psicólogos. Mas também temos
membros com outras formações de origem. Eles estão amplamente inseridos na vida
acadêmica, com vasta produção científica, nas estruturas de atenção à saúde e atividades
junto à comunidade e à vida cultural do país. Participam em eventos científicos nacionais e
internacionais, bem como na publicação de trabalhos científicos. Cabe salientar que a
própria Federação publica a Revista Brasileira de Psicanálise, pioneira que está entre as mais
antigas do país na área, assim como a quase totalidade de suas federadas também possui suas
publicações. São revistas reconhecidas por indexadores nacionais e internacionais.
Destaque-se ainda a publicação da Associação Psicanalítica Internacional que está indexada
ao Medline.
Um psicanalista não orienta, não aconselha, não diz o que é melhor ou pior para a vida de
ninguém. Nem se arroga ao direito de saber o que deva ou não ser feito pelos seus pacientes.
Para tanto é fundamental que o psicanalista possa diferenciar o que é seu do que é do outro,
ou seja, que não confunda os sofrimentos e alegrias de seus pacientes com os seus próprios
sentimentos e pensamentos.
Para isso é essencial que o analista se submeta – ele próprio – a uma psicanálise com um
analista mais experiente que lhe permita alcançar o melhor autoconhecimento possível. Este
trabalho, conhecido como análise didática ou análise de formação, pode transcorrer por mais
de oito anos, com frequência de três a quatro sessões por semana e não raro, anos depois de
terminar esse processo, muitos analistas retornam ao divã para uma reanálise. Especialmente
este ponto, fundamental para a formação do analista, entende-se impossível de ser
regulamentado. Uma tentativa de fazê-lo acarretaria uma desfiguração da própria essência do
processo analítico.
Enfatizamos este ponto – a análise pessoal – como o mais importante elemento do chamado
tripé da formação. Algo que impossibilita definições e regulamentações sobre este processo.
Psicanálise não é uma prática de convencimento. Sendo um ofício – e não uma profissão – a
Psicanálise não se ajusta aos modelos de profissionalização que recebem algum tipo de
certificação ou diploma, expedidos por instituições de ensino ou órgãos reguladores
públicos.
Enfim, o surgimento de um psicanalista depende, essencialmente, de sua análise pessoal
conduzida nos moldes acima descritos. A Psicanálise não é regulamentada como profissão
no Brasil e não o foi até agora porque os parlamentares brasileiros, desde as primeiras
tentativas na década de 1970, reconheceram a complexidade do campo psicanalítico e
resistiram a qualquer decisão que pudesse desfigurar, e mesmo banalizar, um ofício que lida
tão intimamente com o sentir, o pensar e o agir humanos. Os psicanalistas não reclamam
nenhuma regulamentação do Estado. A Psicanálise persiste há mais de um século graças a
princípios e métodos rigorosos e a um corpo teórico e técnico que tem a proposta de
Sigmund Freud como fundamento. Uma regulamentação da Psicanálise externa a seu campo
geraria um funcionamento contraditório ao surgimento ou formação de um analista.
Dificultaria a operação em vez de melhorar suas condições.
Hoje tramitam no Senado Federal dois Projetos de Lei que pretendem a “regulamentação”
do ofício da psicanálise, que podem levar a um quadro sério de manipulação e persuasão
dirigidas não para o atendimento à saúde mental do brasileiro, mas a interesses não
republicanos.
São eles: o PLS 174/2017, que regulamenta o exercício da profissão de terapeuta naturista e,
inexplicavelmente, inclui o psicanalista nesta classificação. O projeto está na Comissão de
Assuntos Sociais e o relator é o senador Irajá (PSD-TO), que apresenta voto pela rejeição da
proposta. E o PLS 101/2018, que regulamenta a profissão de psicanalista. Também se
encontra na Comissão de Assuntos Sociais, com relatório apresentado pelo senador Jayme
Campos (DEM-MT). Ambos os projetos são de autoria do senador Telmário Mota (PTB-
RR).
A FEBRAPSI se coloca à disposição para o debate desta importante questão e conta com o
apoio dos senhores senadores na luta pela preservação de uma psicanálise baseada na ética e
na rigorosa formação de seus profissionais.
A psicanálise no Brasil, como se sabe, é um ofício, e não uma profissão; ou seja, não está
regulamentada como profissão. Ela está incluída na Classificação Brasileira de Ocupações
(C.B.O.) versão 2002. A (C.B.O.) não regulamenta, apenas reconhece as ocupações.
Com raras exceções, como é o caso na Itália, a psicanálise não é regulamentada em outros
países do mundo.
A necessidade de marcar posição sobre o que é a psicanálise, quais são os seus fundamentos
teóricos e sua práxis, remete à sua própria história. Desde Freud, inúmeras vezes tornou-se
indispensável delimitar o campo psicanalítico.
Em nosso meio esta situação assumiu uma premência maior nos últimos anos,
particularmente com a proliferação de entidades que ofereciam cursos e formações
psicanalíticas que não consideram os critérios indispensáveis a formação de um psicanalista,
estabelecidos desde a criação da psicanálise. A análise pessoal do analista, supervisão do
trabalho clínico e o estudo teórico dos textos psicanalíticos , aspectos fundamentais para que
se possa exercer a psicanálise sofriam graves deturpações por estes grupos.
É importante lembrar que, desde 1998, a Febrapsi, quando ainda era denominada –
Associação Brasileira de Psicanálise , tomou a iniciativa de entrar com uma representação
no Ministério Público envolvendo propaganda enganosa. O caminho foi basear-se no Código
de Defesa do Consumidor, uma vez que a profissão não é regulamentada. Posteriormente, o
Conselho Federal de Psicologia (CFP) também seguiu esta prerrogativa, através dos seus
conselhos estaduais.
Com o objetivo de tornar ainda mais eficazes e abrangentes as ações, a FEBRAPSI junto
com o Conselho Federal de Psicologia, com a participação do Conselho Federal de Medicina
e a Associação Brasileira de Psiquiatria , convidaram várias entidades psicanalíticas
independentes a se reunirem para debater sobre estes grupos que oferecem formação
psicanalítica. Além disso surgiu na mídia, sem que se soubesse sobre a sua origem, um
“Conselho Brasileiro de Psicanálise ”.
Assim ,em 2000, foi criado o Movimento Articulação constituído por entidades
psicanalíticas que têm nos postulados freudianos, os princípios que norteiam a formação de
psicanalistas e o exercício da psicanálise. Neste sentido, a Articulação tem sido muito
atuante sempre que novos projetos de regulamentação da profissão se apresentam na Câmara
dos Deputados.Os projetos de regulamentação da profissão têm um longo histórico, iniciado
em 1975, porém cabe destacar que nenhum deles foi formulado por psicanalistas.
A Febrapsi tem participado ativamente do Movimento Articulação desde o seu início, sendo
representada pelo Diretor do Conselho Profissional, que segue as diretrizes estabelecidas
pela diretoria.Nesta gestão seguimos dando continuidade ao trabalho desenvolvido nas
gestões anteriores.
O entendimento de que a psicanálise, por sua própria especificidade , não deve ser
regulamentada, tem sido o consenso entre as Instituições integrantes do Movimento
Articulação. Esta idéia não implica abster-se de defender o exercício da psicanálise, o que
vem sendo feito em ações jurídicas e manifestações públicas, que culminaram com a
publicação, pelo Movimento Articulação, do livro “Ofício do Psicanalista – Formação VS.
Regulamentação”, editado em 2009. Os textos sustentam a proposta firmada a partir do
debate interno e expressam o pensamento das entidades.
Permanecer debatendo, avaliando e refletindo sobre esta complexa situação tem sido a
posição da Febrapsi que, junto com o grupo que compõe a Articulação, tem se ocupado desta
relevante questão na última década.
Á
MANIFESTO DE ENTIDADES BRASILEIRAS DE PSICANÁLISE
realiza seus seminários para o aprendizado teórico e técnico e tem o seu trabalho
supervisionado. A formação de cada psicanalista é um processo permanente, que se amplia
no seu diálogo com os textos clássicos e com os
produzidos por outros analistas, confrontados com a sua experiência pessoal na relação com
seus analisandos, mesmo quando já está qualificado como psicanalista. Esta qualificação,
portanto, não se ajusta aos modelos que
podem sofrer algum tipo de certificação por instituições de ensino ou órgãos reguladores
públicos; se existe um indicador, ele será, certamente, o de qual é a instituição que forma,
quem são seus componentes, que padrões são seguidos. Gradualmente este campo se
expandiu e surgiram instituições que se propõem a formar analistas, com variações nos
requisitos e na modelagem do processo de formação, mas mantendo os princípios gerais
como estabelecidos no início do século passado e ampliando a parcela dos analistas, filiados
a várias outras escolas, que se dedicam ao estudo e à prática da Psicanálise.
Ao longo dos anos este campo estabeleceu e mantém suas tradições, com uma prática onde
se preserva o patrimônio da psicanálise e onde se organiza um campo de assistência,
representado pelo tratamento às pessoas que nos procuram. As instituições psicanalíticas têm
a responsabilidade social de formar psicanalistas competentes, conferir-lhes autonomia para
o exercício de sua função, responsabilizando-os quanto à ética de seus atos.
Por estes motivos a psicanálise não é regulamentada como profissão no Brasil e em nenhum
outro país. Mesmo entre os psicanalistas existem muitas controvérsias e discussões,
embasadas no processo de formação e na natureza do exercício da prática clínica, sobre as
possibilidades de sua regulamentação.
Nos últimos cinqüenta anos várias tentativas, geralmente apresentadas por parlamentares,
têm sido feitas para alcançar uma regulamentação que, à primeira vista, protegeria os
psicanalistas e a população que recorre ao tratamento psicanalítico. Todas foram rejeitadas
pela comunidade psicanalítica brasileira, ou por não atenderem às especificidades intrínsecas
à psicanálise ou porque representavam somente interesses particulares de grupos e não
visavam o bem estar da população.
No momento está na ordem do dia mais uma destas tentativas: o Projeto de Lei nº 3.944 de
13 de dezembro de 2000, de autoria do deputado Eber Silva, do Rio de Janeiro.
Aqui estão as principais entidades representativas que formam este campo e que assumem
plenamente o compromisso com a sociedade e com a população, buscando proteger o que
sabemos ser o importante e essencial para todos nós – a presença efetiva da psicanálise no
Brasil.
67. GREP8
3. ABPsiquiatria
Como deve ser do conhecimento de vocês, desde o ano 2000, o Conselho Federal de
Psicologia, inicialmente junto com o Conselho Federal de Medicina, desenvolve uma
parceria com a Articulação das Entidades Psicanalíticas brasileiras no que tange a luta contra
eventuais projetos de lei no Congresso Nacional, destinados a promover uma
regulamentação de práticas psicoterápicas ou mesmo psicanalíticas, orientadas ideologica- e
religiosamente, por interesses que nem de longe tangenciam aqueles proclamados pela ética
profissional do exercício da psicologia ou da medicina. A Articulação das Entidades
Psicanalíticas brasileiras se reúne ininterruptamente desde então e acaba de receber a notícia
de que novo projeto de Lei foi inscrito no Senado, Projeto de Lei do Senado n° 174, de
2017, visando, novamente, uma regulamentação do exercício de algumas práticas – dentre
elas as psicoterápicas e psicanalíticas – sem qualquer relação com o que a comunidade
profissional, de formação científica, julga ser de garante para essa mesma prática. O projeto
está publicado no site:
http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/129523
Essa não é a primeira tentativa da Bancada Evangélica no Senado Federal buscar uma
regulamentação da psicoterapia e da psicanálise para que os membros dessas comunidades
se apropriarem de uma prática, um saber e uma clínica que, há mais de um século exige uma
formação fundamentalmente laica, que imprime uma necessária neutralidade no exercício da
profissão. A tentativa anterior, se deu com um projeto de lei impetrado pelo Deputado Simão
Sessim, em 2004, e pode ser barrada pela ação conjunta dos Conselhos Federais de
Psicologia, de Medicina e do movimento da Articulação das Entidades Psicanalíticas
brasileiras, razão de tomarmos a liberdade de lhes escrever no momento, solicitando a
retomada de ações conjuntas no sentido de, novamente, unirmos forças junto ao Congresso
Nacional para impedir que esse novo projeto siga adiante. Como das outras vezes, é de
absoluta clareza para todos os participantes de nosso movimento da Articulação que,
qualquer que seja a tentativa de uma regulamentação do trabalho do psicanalista, os únicos
que teriam a ganhar com isso seriam aqueles que nós, psicanalistas brasileiros das mais
diferentes instituições psicanalíticas – que nem sempre estão de acordo entre si, mas quanto
a isso são unânimes –, não consideram psicanalistas com formação suficiente para o
exercício dessa prática cujas regras são exclusivamente aquelas adotadas por Sigmund
Freud, criador da psicanálise: a da associação livre daquele que nos vem consultar e a da
abstinência do psicanalista. Qualquer outra regra, regulamentação, é contrária à prática
psicanalítica.
Cordialmente,