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Formação contínua de professores em Portugal - de ontem para amanhã

Book · October 2018

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1 author:

Eusébio André Machado


Portucalense University
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FICHA TÉCNICA

TÍTULO

Formação contínua de professores em Portugal – de ontem para amanhã


25 anos da criação dos Centros de Formação de Associação de Escolas

ORGANIZADORES CAPA E DESIGN

Eusébio André Machado Carlos Gonçalves


João Carlos Sousa

IMPRESSÃO E ACABAMENTO
AUTORES
Printhaus
António José Oliveira Guedes
Eugénia Eduarda Sousa e Silva
Eusébio André Machado DEPÓSITO LEGAL
Fernando António Macedo Azevedo
446913/18
Fernando Ilídio Ferreira
Hermínia dos Santos Paiva Loureiro Viegas
Ila Beatriz Maia
Joaquim Machado ISBN
José Augusto Pacheco 978-989-8557-91-9
Marta Abelha
Miguel Castro
Rui Canário DATA
Rui Trindade
1.ª Edição, Santo Tirso, Outubro de 2018

COORDENADOR EDITORIAL

Eusébio André Machado

EDITOR

Paulo Cardo

EDIÇÃO

DE FACTO EDITORES
Rua de S. Bento, 93, 6.º andar, sala 3 RESERVADOS TODOS OS DIREITOS.
4780-546 Santo Tirso – Portugal Esta edição não pode ser reproduzida nem
geral@defactoeditores.pt transmitida, no todo ou em parte, sem prévia
www.defactoeditores.pt autorização escrita da editora.
ÍNDICE

INTRODUÇÃO

Eusébio André Machado & João Carlos Sousa

CAPÍTULO 1

O que aprender significa?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

Rui Canário

CAPÍTULO 2

Entre a adaptação e a (trans) formação: uma análise


crítica da noção de prática reflexiva associada ao modelo
das competências na formação de professores. . . . . . . . . . . . . 19
Fernando Ilídio Ferreira

CAPÍTULO 3

Formação (inicial e contínua) de professores em contexto


de globalização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
José Augusto Pacheco & Ila Beatriz Maia

CAPÍTULO 4

Formação em contexto e colaboração docente. . . . . . . . . . . . . 47

Joaquim Machado
CAPÍTULO 5

Formação contínua – Quo vadis?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

António José Oliveira Guedes & Fernando António Macedo Azevedo

CAPÍTULO 6

De ontem para hoje: um olhar diacrónico sobre a


formação contínua de professores em Portugal . . . . . . . . . . . . 69

Hermínia dos Santos Paiva Loureiro Viegas

CAPÍTULO 7

Os Centros de Formação das Associações de Escolas:


25 anos depois… . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

Rui Trindade

CAPÍTULO 8

Centros de Formação de Associação de Escolas: a


expressão da vontade dos docentes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

Miguel Castro

CAPÍTULO 9

Projeto da supervisão e(m) colaboração na ESIC. . . . . . . . . . . 109

Eugénia Eduarda Sousa e Silva

CAPÍTULO 10

Supervisão, colaboração e formação: relato de uma


experiência com docentes de um Agrupamento TEIP . . 119

Marta Abelha & Eusébio André Machado

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


4 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
INTRODUÇÃO

EUSÉBIO ANDRÉ MACHADO


Universidade Portucalense

JOÃO CARLOS SOUSA


Centro de Formação de Basto

Passados vinte cinco anos após a criação do sistema formal de forma-


ção contínua de educadores e professores em Portugal, os Centros de
Formação de Associação de Escolas (CFAE), com manifesta resiliência e
não menos capacidade de adaptação, constituem hoje uma “realidade”
cuja indispensabilidade – para os professores, para os agrupamentos/
escolas não agrupadas, para o sistema educativo – é consensualmente
reconhecida.
Se bem que tenham nascido, na letra de lei, sob o signo de uma
retórica de autonomia, emancipação e territorialização, é certo que a
fortíssima pressão exercida, durante os primeiros anos, pela execução
financeira de Fundos Europeus indexou – para alguns, submeteu - os
CFAE a lógicas performativas e descontextualizadas, mais assentes na
oferta do que na procura, que suscitaram dúvidas legítimas sobre a
sua relevância para o desenvolvimento profissional docente e para a
autonomia das escolas. No entanto, desde a primeira hora, os CFAE
sempre foram mais do que meros instrumentos de execução de fundos
europeus; desde a primeira hora, os CFAE construíram redes intersticiais
com os professores e as escolas, através das quais foi possível responder
com oportunidade a necessidades e a problemas; desde a primeira hora,
os CFAE foram mais longe do que os “planos de formação”, animando
encontros, produzindo revistas, otimizando recursos, suscitando debates,
etc. Com efeito, desde a primeira hora, os CFAE resgataram os seus
territórios de intervenção e souberam constituir-se como uma resposta
de proximidade que é rara num sistema de ensino e de formação
constitutivamente centralizado.
De resto, se não fosse assim, dificilmente seria explicável que, na traves-
sia de um deserto financeiro, sem quaisquer fundos europeus ou outras
formas de financiamento, os CFAE tivessem conseguido manter acesa
a luz da formação da formação contínua de professores, potenciando

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 5
Eusébio André Machado & João Carlos Sousa

parcerias, recursos e vontades que souberam construir e consolidar ao


longo destas duas décadas e meia. Por isso, contra as Cassandras que
proliferam no nosso país, cuja voz curiosamente se silenciou nestes anos
de míngua financeira, é mais do que justo o reconhecimento legal dos
CFAE sob a forma de um regime jurídico próprio e que projeta a forma-
ção de educadores e de professores para novos desafios – os desafios,
perdoe-se o truísmo, da irrefragável mudança do mundo.
Antes de mais, os CFAE mudaram: da sua configuração concelhia,
assumiram, em muitos casos, um carácter inter-concelhio, agregando,
às vezes, realidades e contextos sem densidade relacional. Por outro lado,
a própria “rede escolar” foi objeto de um profundo redimensionamento
e ajustamento sob um processo de agregações e encerramento de
escolas. Além disso, as políticas de gestão e administração dos últimos
anos conduziram a um processo de internalização da formação, isto é, a
organização do plano de formação passou a ser uma competência dos
Conselhos Pedagógicos, retirando aos CFAE a titularidade dos Planos
de Formação e aumentando os problemas de articulação da formação
no mesmo território. Acresce que o atual Regime Jurídico da Formação
Contínua (Decreto-Lei n.º 22/2014 de 11 de fevereiro), em particular, o
Regime Jurídico dos Centros de Formação de Associação de Escolas
(Decreto-Lei n.º 127/2015 de 7 de julho) apontam para um modelo de
formação contínua que apresenta duas características fundamentais: por
um lado, um carácter instituinte, na medida em que se considera que
o Plano de Formação (PF) deve resultar das necessidades e prioridades
(pessoais e organizacionais) imanentes a cada território educativo; por
outro lado, uma natureza participativa no âmbito da qual se convoca
– em diversas fases e com diferentes competências – a intervenção de
vários atores e de outros tantos processos de legitimação, validação e
aprovação do Plano de Formação.
A lógica instituinte e participativa consubstanciada no atual quadro
legal da formação contínua de educadores e professores – cujas poten-
cialidades, do nosso ponto de vista, importará reforçar efetivamente
(autonomia, democraticidade e emancipação) – acarreta, não obstante,
elevado grau de complexidade organizacional na concretização do
Plano de Formação de cada CFAE. Em todo o caso, para quem conheça
minimamente o que se passou na formação contínua de professores
ao longo dos últimos vinte cinco anos, sabe que não seria aceitável a
presunção iluminista assente na ideia de que estamos a partir do ponto
zero. Pelo contrário, há conhecimento experiencial, há competências
consolidadas e há intervenientes habilitados (destacam-se, naturalmente,
os diretores dos CFAE, Comissões Pedagógicas, formadores, consultores,

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


6 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Introdução

entre outros) que importa, agora e uma vez mais, convocar e potenciar
perante os desafios emergentes com os quais é preciso lidar.
Ora, a propósito do trânsito temporal dos vinte cinco anos de existência
dos CFAE, esta obra reúne um conjunto de textos que desenha um
balanço crítico que convoca o passado e projeta o futuro, organizando-se
em torno de dois núcleos reflexivos fundamentais: por um lado, a reflexão
sobre os aspetos mais genéricos e constitutivos da formação contínua de
professores, embora com a cuidada indexação aos múltiplos contextos no
âmbitos dos quais não podemos deixar de colocar a atividade formativa,
designadamente aquela que respeita aos educadores e professores;
por outro lado, a reflexão mais específica e contextualizada sobre os
CFAE, para qual se recolhem subsídios de contextos e experiências
que, atualmente, sinalizam e consubstanciam a formação contínua de
professores em Portugal.
No âmbito do primeiro núcleo reflexivo, no capítulo 1, intitulado O que
aprender significa?, Rui Canário resgata, como o próprio título indica,
um dos primeiros e mais essenciais tópicos reflexivos, em função do
qual a formação de professores adquire pertinência, intencionalidade e
sentido. Com efeito, a interrogação radical sobre “os processos humanos
de aprendizagem implica uma conceção lata de educação que trans-
cende em muito a educação escolar”. Assim, propondo um conjunto de
tópicos de reflexão em torno da aprendizagem, Rui Canário aviva um
debate inacabado cuja pregnância depende, porém, da possibilidade
do afastamento da “abordagem pedagógica normativa” que permita a
“descrição não arbitrária das situações educativas”. Trata-se, no fundo,
do espaço fundamental de inscrição do trabalho formativo, exigindo
aos profissionais da educação, à semelhança de Sísifo, um trabalho
permanente de aproximação e recomeço.
Segue-se, no capítulo 2, o contributo de Fernando Ilídio Ferreira: Entre
a adaptação e a (trans) formação: uma análise crítica da noção de
prática reflexiva associada ao modelo das competências na formação
de professores. Neste texto, o autor propõe-se abordar de modo crítico
os conceitos de “reflexão” e de “prática reflexiva”, os quais assumiram um
carácter estruturante na formação de professores ao longo das últimas
décadas, salientando as ambiguidades decorrentes da sua transforma-
ção em meros slogans e da sua difusão mais num registo normativo e
prescritivo do que num registo crítico e emancipatório. Neste sentido, o
principal eixo argumentativo do autor assenta na análise do processo de
enviesamento da noção de “reflexão” que conduziu a uma aproximação
ao “modelo das competências, de inspiração gerencialista e com uma
forte associação à noção de empregabilidade”. Fernando Ilídio Ferreira
conclui o capítulo propondo a hipótese de que, nas instituições de ensino

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 7
Eusébio André Machado & João Carlos Sousa

superior, a abordagem prescritiva se sobrepõe à abordagem reflexiva,


originando uma desqualificação “professor como intelectual crítico
transformador” capaz de contribuir para a justiça social e a democrati-
zação das escolas e da própria formação.
No capítulo 3, Formação (inicial e contínua) de professores em con-
texto de globalização, José Augusto Pacheco e Ila Beatriz Maia tema-
tizam a problemática da formação (inicial e contínua) no quadro das
transformações induzidas pela globalização, na qual o referencial da
educação como modernização e democratização tem sido posto em
causa pelo referencial da educação como produção eficaz e eficiente
do conhecimento e competências baseado numa “lógica eficientista
para a educação, em normas concretas para a privatização, em disposi-
tivos de avaliação externa e em práticas de mercadorização da escola”.
Neste contexto, os autores advogam um “currículo cosmopolita” para
a formação de professores assente num “processo de problematização
e pluralização de narrativas que são mediadas pela própria experiência
numa relação com os outros”, em função do qual seja possível construir
uma “nova profissionalidade docente”. Assim, a formação de professo-
res deve ser pensada em função não só dos mecanismos nacionais e
transnacionais de regulação da educação, como também do papel do
professor em permanente confronto com o tradicional, o que reclama
uma valorização da “dimensão profissional no espaço da escola”, lugar
fundamental de socialização, de construção do conhecimento e de
desenvolvimento profissional.
Quanto ao capítulo 4, sob a designação de Formação em contexto
e colaboração docente, Joaquim Machado assume como principal
propósito explicar a importância da formação contínua para o desenvol-
vimento profissional. Nesta linha, o autor desenvolve a sua argumentação
enfatizando o “isomorfismo pedagógico” como eixo norteador das
práticas formativas, associando a formação ao trabalho e ao desempe-
nho docente através de uma superação da dissociação entre o discurso
científico-educacional e as práticas pedagógicas. Neste contexto, Joa-
quim Machado salienta, por um lado, a necessidade de a formação de
professores reforçar a perspetiva institucional (organizacional ou coletiva)
da escola sobre si própria e, por outro, um aperfeiçoamento contínuo
baseado na colaboração docente, ou seja, conclui o autor, “os efeitos da
formação tornam-se mais visíveis quando ela se associa a projetos de
desenvolvimento organizacional sustentados na colaboração docente”.
No capítulo 5, Formação Contínua – Quo vadis?, António José Oliveira
Guedes e Fernando António Macedo Azevedo prosseguem uma linha
argumentativa assente na defesa da importância da formação contínua
na construção da profissionalidade docente e do desenvolvimento

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


8 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Introdução

organizacional, embora, através de uma referenciação diacrónica das


políticas educativas nesta área, sinalizem a existência de uma situação de
“encruzilhada em que não se vislumbra no imediato uma saída segura
e tranquila, urgindo analisar a sua realidade, problematizá-la e apontar
possíveis caminhos vindouros”. Com efeito, é esta problematização
que constitui o principal contributo deste capítulo face à perspetiva
dos autores, segundo a qual a formação “tende a ser mais superficial
pela sua curta duração e frequentemente pelos modelos formativos
improfícuos exteriores ao professor e ao seu contexto particular, que se
baseiam com frequência numa lógica escolar clássica de reprodução,
imitação e aplicação de regras e receitas”. Face às lógicas gerencialistas,
normativas ou voluntaristas, os autores advogam “a formação centrada
na escola sem se encarcerar na escola”, condição fundamental para
animar e estruturar a inovação e mudança das instituições e dos seus
profissionais.
Passando ao segundo núcleo reflexivo, no capítulo 6, segue-se o
contributo de Hermínia dos Santos Paiva Loureiro Viegas sob o título
De ontem para hoje: um olhar diacrónico sobre a formação contínua
de professores em Portugal. Neste capítulo, a autora oferece-nos uma
visão diacrónica sustentada no recenseamento dos momentos capitais
da formação de professores em Portugal, não deixando, porém, de dilu-
cidar criticamente as lógicas subjacentes às políticas públicas adotadas
neste setor. Neste quadro genérico, Hermínia dos Santos Loureiro Viegas
situa a emergência, afirmação e consolidação dos CFAE, sinalizando a
necessidade de transição de um modelo de agência para um modelo
de projeto local, de tal modo que a formação contínua seja orientada
para o desenvolvimento profissional docente, vértice fundamental na
resposta aos desafios atuais dos sistemas educativos e, em particular,
das escolas.
Por sua vez, no capítulo 7, Os Centros de Formação das Associações
de Escolas: 25 anos depois…, da autoria de Rui Trindade, procede-se a
um balanço dos 25 anos de vida dos CFAE, salientando-se, desde logo,
a disponibilidade dos atores educativos locais para desenvolvimento do
subsistema da formação contínua e o peso que os CFAE têm vindo a
assumir no campo da oferta pública de ações de formação de contínua,
quer para educadores, quer professores. O principal eixo argumentativo
do autor é a consideração da formação contínua numa “lógica empode-
radora”, na base da qual está uma paradigma de formação que implica
“projetos que resultam de um processo não linear, marcado por conflitos
e negociações envolvendo diferentes atores e instâncias relativamente
autónomas”. Rui Trindade alerta, no entanto, para a necessária com-
paginação entre uma “lógica empoderadora” da formação e o próprio

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 9
Eusébio André Machado & João Carlos Sousa

processo de transformação da escola, sobretudo quando esta vive sob


a hegemonia do “paradigma pedagógico de instrução”.
No capítulo 8, sob o título Centros de Formação de Associação de
Escolas: a expressão da vontade dos docentes, da autoria de Miguel
Castro, é sustentada a ideia de que o trabalho da formação e, por maioria
de razão, dos CFAE deve estar focado na concretização das necessidades
dos docentes e das escolas. Após um enquadramento mais genérico
das lógicas de formação contínua, muito devedoras de um modelo
top-down e de uma obsessão instituída de “mudança”, o autor mostra
como, no território específico do Centro de Formação de Professores
do Nordeste Alentejano (CEFOPNA), é possível transformar as lógicas
tradicionais de implementação das “reformas educativas”, sendo que,
apesar de tudo, “os docentes estão muito disponíveis para a formação,
atualização e alteração de práticas”. Miguel Castro conclui o seu contri-
buto defendendo a possibilidade de se “proporcionar formação creditada
aos docentes noutras modalidades, que não as tradicionais”, sugerindo
a criação de “espaços relativamente informais, mas organizados, com
agendas definidas e temas pertinentes, onde os professores se possam
reunir com regularidade e discutir, refletir, criticar e descobrir soluções
e novos caminhos”.
No capítulo 9 - Projeto da supervisão e(m) colaboração na ESIC -
Eugénia Eduarda Sousa e Silva apresenta um projeto da supervisão
e(m) colaboração enquadrado pela formação acreditada no quadriénio
2014/18 na Escola Secundária Inês de Castro (ESIC). Segundo a autora, a
implementação deste tipo de prática favorece a troca de experiências
e conhecimento e constitui uma via promotora do desenvolvimento
pessoal, profissional e das organizações. A almejada consequência deste
projeto pressupõe que os docentes se continuem a envolver e atuar
colaborativa e cooperativamente em ordem a uma crescente autonomia
e flexibilização da sua ação para fazer aprender mais e melhor. Neste
sentido, Eugénia Eduarda Sousa e Silva enfatiza que é da germinação
desta cultura que depende o sucesso de qualquer iniciativa pedagógica
de cariz reflexivo que se pretenda desenvolver.
Finalmente, no último capítulo desta obra – Supervisão, Colaboração
e Formação: relato de uma experiência com docentes de um Agru-
pamento TEIP - Marta Abelha e Eusébio André Machado procuram
mostrar como a formação contínua de professores desempenha um
papel fundamental na aquisição, desenvolvimento e mobilização das
competências de supervisão e colaboração, embora, pela sua natureza
eminentemente praxeológica, pressuponha dispositivos de formação
com um perfil natureza isomórfica. Neste texto, os autores procedem
ao relato de uma experiência de formação em “supervisão colaborativa”

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


10 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Introdução

levada a cabo com um grupo de docentes pertencente a um Agru-


pamento de Escolas TEIP do Norte do país. Através da análise dos
“relatórios reflexivos individuais” elaborados pelos formandos, Marta
Abelha e Eusébio André Machado sustentam a relevância, a pertinência
e a eficácia do dispositivo de formação implementado no sentido do
desenvolvimento das competências de supervisão e de colaboração.
Para encerramento desta introdução, e inspirados por Douglas Adams,
gostaríamos que esta obra pudesse ser, de algum modo, o “Guia para
os viajantes da galáxia da formação”, uma galáxia assombrosamente
grande e diversa, com infinitas possibilidades e onde o inusitado deve
estar sempre à nossa espera. Por isso, desejamos que este conjunto
de textos ajude a abrir as portas para as infinitas galáxias da formação
e, numa lógica de descoberta permanente, transforme a formação
contínua em espaços humanos de desenvolvimento profissional dos
educadores e dos professores.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 11
CAPÍTULO 1
O QUE APRENDER SIGNIFICA?1

RUI CANÁRIO
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa

“A singularidade mais característica dos seres humanos é aprenderem”.


A afirmação é de Jerome Bruner (1999, p. 142) autor que muito aprecio
e cujos textos fui reler em busca de alguma inspiração. A afirmação
é hoje óbvia, porém remete para algo que ainda não é inteiramente
óbvio e partilhado, o de que o esclarecimento dos processos humanos
de aprendizagem implica uma conceção lata de educação que trans-
cende em muito a educação escolar. Do ponto de vista da perspetiva
da Educação Permanente, afirmada há cerca de meio século, a pessoa
humana está condenada a aprender, num percurso educativo que se
sobrepõe a um percurso vital e biográfico. Todos os momentos e lugares
da vida humana oferecem oportunidades de aprendizagem, em que a
experiência constitui o recurso principal para o processo educativo de
cada ser humano. Esse processo de aprendizagem é algo que estará
sempre inacabado.

Na síntese feliz de Bernard Charlot (1997, p. 60) a educação pode ser


encarada como um triplo processo de construção em que a educação
é entendida como uma “produção de si, por si”
• O de cada um se tornar um ser humano (processo de hominização);
• O de cada um se tornar um ser humano único (processo de
singularização);
• O de cada um se tornar parte de um coletivo social (processo de
socialização).

Esta maneira de conceber a aprendizagem confere centralidade ao


sujeito aprendente, o qual aprende a viver com outros seres humanos

1
Este texto é uma versão resumida e adaptada da minha intervenção “Como se ensina,
como se aprende?”, realizada no colóquio comemorativo dos 30 anos da AFIRSE
em Portugal, realizado de 1 a 3 de Fevereiro de 2018, no Instituto de Educação da
Universidade de Lisboa.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 13
Rui Canário

com os quais partilha o mundo. Esta centralidade decorre, quer da


atribuição de sentido a experiências complexas, quer da mobilização de
experiências vividas, o que sustenta um processo recursivo permanente
unindo teoria e ação.
Enunciemos alguns dos tópicos que selecionei para contribuir para
uma reflexão e um debate, essencial mas sempre necessariamente
inacabado:
• Aprender implica a vontade do aprendente. Esta vontade de
aprender, segundo Bruner (1999, p. 158) “é um motivo intrínseco
que tem origem e recompensa no seu próprio exercício” e que só
se torna problemática “em circunstâncias especializadas como as
da escola, em que o currículo é fixo, os estudantes estão confinados
e o caminho é invariável”. A falha da escola reside, segundo este
autor, “no recrutamento das energias naturais que suscitam a
aprendizagem espontânea”. É a esta dificuldade que os professores
se referem quando lamentam que os alunos estejam com muita
frequência “distraídos”, ou seja com o foco da curiosidade e atenção
desviado daquilo que se pretende ensinar.
• Aprender é um trabalho que cada sujeito realiza sobre si pró-
prio. Quando organiza e coloca em stock informação. Quando
organiza e dá sentido a experiências. Quando constrói e organiza
um pensamento sobre as coisas. Na escola o “ofício” dos alunos
é com frequência penoso, desinteressante e desagradável. Aqui
reside a chave principal para compreender a existência de um
certo número de alunos (cada vez maior, à medida que se alonga
a escolaridade obrigatória) que, segundo os professores e outros
especialistas em educação designa de “necessidades educativas
especiais”, ou seja de abordagens paliativas para fazer face ao
insucesso escolar. No seu trabalho escolar, os alunos gastam
energias para cumprir as normas “mas foram desapropriados e se
desapropriam a si mesmos do sentido do que fazem”. Quando a
atividade escolar perde a sua especificidade, a de corresponder a
um trabalho intelectual pleno “apenas sobra um trabalho alienado,
quer se trate do aluno ou do professor. E esse trabalho, temos de
admiti-lo, é chato, muito aborrecido” (Charlot, 2018, p. 491).
• Aprender pode ser uma atividade solitária mas não pode ser
isolada do social. Ninguém aprende num “vazio” social, nem sem
fazer apelo aos contributos de outrem. Nesta medida, aprender
supõe a mobilização dos “três mestres” de que falava Rousseau:
o Eu, os Outros e o Mundo. Aprender contempla, portanto, uma
dimensão auto, uma dimensão hétero e uma dimensão ecológica
e territorial.

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


14 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
O que aprender significa?

• Aprender não significa “aplicar” aquilo que se aprendeu, mas sim


ser capaz de fazer face a situações complexas e marcadas pela
imprevisibilidade. Na educação e na ação os efeitos não esperados
são, às vezes, os mais importantes.
• Aprender significa abandonar o conforto das certezas e aventurar-
-se no incerto. A aprendizagem, enquanto processo de descobrir
o mundo, consubstancia-se num sistema de representações que
funciona, ao mesmo tempo, para fazer uma leitura confirmatória
do real, ou como ponto de referência para construir novas visões
do mundo. Neste segundo sentido, é obrigatória a passagem por
um período de confusão inicial que implica sempre “desaprender”
alguma coisa, através de uma “árdua reorganização” da experiência.
Como afirmou Carl Rogers (2009, p. 49): “embora deteste rever as
minhas opiniões, abandonar a minha maneira de compreender
ou de conceptualizar, acabei, no entanto, por reconhecer numa
grande medida e a um nível mais profundo que essa ‘árdua reor-
ganização’ é o que se chama aprender”.
• O árduo trabalho de aprender corresponde a um processo de
pesquisa. Significa que a produção de saber se faz a partir de um
conhecimento não entendido como simplesmente cumulativo. A
partir dos órgãos sensoriais cada ser humano acede a e mobiliza
informação que confronta e integra nas suas experiências vividas,
é essa a base para a construção de saberes. Os saberes são por
definição sempre provisórios e suscetíveis de reformulações a partir
de novas hipóteses e novas formas de confronto com a realidade
empírica, com base no processo de experiência/erro.
• Enquanto trabalho de pesquisa, aprender é também criar. Como
escreveu Mário Dionísio, meu “velho” professor do Liceu Camões,
na sua obra monumental sobre a história da pintura moderna,
“A paleta e o mundo”, todos os homens são artistas porque “o
homem não copia, cria” Nesta perspetiva, toda a criação estética
corresponde a produção de saber partilhável, na medida em que
há um fundo comum a toda a humanidade. Aprender é, portanto,
uma atividade da ordem da descoberta e não do reconhecimento.
• Aprender significa, também, saber comunicar saberes. “Só se sabe
o que se sabe dizer” respondia Mário Dionísio quando algum de
nós afirmava: “sei, mas não sei dizer”. A comunicação de saberes
pode exprimir-se por diferentes meios, mas a forma mais elevada
e complexa é a utilização da comunicação verbal (oral e escrita).
A linguagem é uma ferramenta simbólica que permite conhecer,
pensar e intervir no mundo. Aprender a falar e depois a escrever
são marcos no processo de aprendizagem de cada ser humano,

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 15
Rui Canário

Por isso, afirma Bruner (1999, p. 138): “Devia haver um aniversário


especial para comemorar a entrada da criança na raça humana,
cuja data é o momento em que pela primeira vez utiliza a gramá-
tica combinatória”.
• No aprender, como na arte, não pode haver dissociação entre
forma e conteúdo. Esta é uma ideia forte na teoria da produção
estética de Mário Dionísio. Nesta maneira de ver, se pensarmos no
modo como são transmitidos os conteúdos escolares, podemos
confirmar que o dispositivo organizacional da escola constitui
ele mesmo um “conteúdo” pela representação que induz acerca
dos processos de aprendizagem: um saber molecular, revelado,
compartimentado por áreas do saber, segmentado por unidades
de tempo que se repetem, no quadro da relação entre um mestre
e um grupo homogéneo de estudantes.
• Aprender é uma atividade da qual participam mestres e discípulos,
no quadro de uma relação no interior de comunidades de aprendi-
zagem em que as dimensões de aprender e ensinar são reversíveis.
Elas sobrepõem-se em termos de dispositivo organizacional, mas
também ao nível de cada sujeito. Na escola quer alunos, quer
professores, aprendem e ensinam. É também isto que permite
encarar a ação dos professores como uma ação criadora.
• Aprender não é a consequência necessária nem suficiente de um
ensino. Há saberes que não são ensináveis mas que são aprendidos
através da experiência e reflexão na ação. É o caso da arte em que a
aprendizagem se produz sem que haja ensino, construindo suces-
sivos patamares de aproximação. Como esclareceu Mário Dionísio
“não se pode explicar um quadro, um soneto, uma máscara” mas
“A capacidade de ver e portanto de aceder às obras de arte não se
ensina mas aprende-se através de um trabalho ao mesmo tempo
gratificante e penoso”.

A compreensão dos processos de aprendizagem e ensino só é fru-


tuosa se nos afastarmos de uma abordagem pedagógica normativa
que nos permita a descrição não arbitrária das situações educativas. A
este respeito, a tipologia de modos de trabalho pedagógico proposto
por Marcel Lesne, continua ser um instrumento de referência para
uma abordagem integradora do aprender e do ensinar. Lesne (1977)
propõe-nos três modos de trabalho pedagógico, de acordo com o papel
desempenhado pela pessoa em formação: ela pode ser, em termos de
socialização, “objeto”, “sujeito” ou “agente”. Assim se definem um modo
de trabalho pedagógico “transmissivo”, um segundo dito “incitativo” e
um terceiro designado de “apropriativo”. Esta abordagem remete para

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


16 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
O que aprender significa?

a conceção das situações educativas no quadro de um processo largo


e multiforme de socialização, inscrevendo numa mesma dinâmica o
aprender e o ensinar.
Como se aprende? Como se ensina? Estas perguntas são fundamentais
para os profissionais da educação. Elas estão condenadas a permane-
cer em aberto, mas a exigir recorrentes esforços de aproximação e de
recomeço que caracterizam um trabalho de Sísifo. Termino com uma
mensagem de humildade, citando, de novo Jerome Bruner (1999, p. 207):
“Seria um erro encerrar este volume repetindo o lema banal
de que é preciso mais investigação (…) o que faz falta é
sobretudo a audácia e a f rescura de hipóteses que não
tomem como verdadeiro o que apenas se tornou habitual.
Resta-me esperar que, na busca de uma teoria da educação,
tenhamos todos a coragem de reconhecer aquilo que não
compreendemos e de nos permitirmos ter um olhar novo
e inocente.”

REFERÊNCIAS:
Bruner, J. S. (1999). Para uma teoria da educação. Lisboa: Relógio de Água.
Charlot, B. (1997). Du rapport au savoir. Éléments pour une théorie. Paris:
Antrhopos.
Charlot, B. (2018). A escola e o trabalho dos alunos. In: Pinhal, João e outros
(Coord.) Contributos da investigação em educação. 30 anos da Afirse
em Portugal. Lisboa: Educa, 475-494.
Dionísio, M. (1956). A paleta e o mundo (1ºvol). Lisboa: Publicações Europa
América.
Lesne, M. (1984). Trabalho pedagógico e formação de adultos. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian.
Rogers, C. (2009). Tornar-se pessoa. Lisboa: Padrões Culturais Editora.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 17
CAPÍTULO 2
ENTRE A ADAPTAÇÃO E A (TRANS)
FORMAÇÃO: UMA ANÁLISE
CRÍTICA DA NOÇÃO DE PRÁTICA
REFLEXIVA ASSOCIADA AO
MODELO DAS COMPETÊNCIAS NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES

FERNANDO ILÍDIO FERREIRA


Instituto de Educação da Universidade do Minho

INTRODUÇÃO
Neste capítulo desenvolvo uma abordagem crítica dos conceitos
de “reflexão” e de “prática reflexiva”, que se tornaram estruturantes na
formação de professores, sobretudo a partir dos anos 1980, mas que têm
vindo a revelar algumas ambiguidades, sobretudo as que decorrem,
por um lado, da tendencial transformação daqueles conceitos em
meros slogans e, por outro, na sua difusão mais num registo normativo
e prescritivo do que num registo crítico e emancipatório. Argumento
que a noção de “reflexão” se tem aproximado mais do modelo das
competências, de inspiração gerencialista e com uma forte associação
à noção de empregabilidade, do que de uma perspetiva que valorize
uma análise crítica da educação que possa contribuir para a justiça
social e a democratização das escolas e da própria formação. A minha
hipótese de trabalho é de de que nas instituições de ensino superior que
formam professores a abordagem prescritiva continua a sobrepor-se à
abordagem reflexiva, desqualificando, assim, uma conceção de professor
como intelectual crítico transformador. Esta conceção valoriza a reflexão
coletiva, colegial e democrática, e é indissociável das dimensões política,
cultural e ética da profissionalidade docente. Por isso, defendo uma
maior ligação da formação de professores, quer inicial quer contínua,
às escolas e aos seus quotidianos, não na perspetiva de “ensinar” aos
professores modelos e técnicas de natureza meramente adaptativa

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 19
Fernando Ilídio Ferreira

e implementativa – implementação de políticas, programas e outros


tipos de orientações ou recomendações da administração central – mas
numa perspetiva emancipatória de apoio à formação de comunidades
de prática. Enquanto atores sociais, os professores são decisores políticos
e não meros implementadores de políticas definidas por outros e das
quais tendem a ficar reféns. As comunidades de prática podem assumir,
nesta aceção, um poder decisório e não apenas o poder gestionário que
é dominante nas escolas. As entidades formadoras, especialmente os
Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE), exercem um
papel importante, podendo ainda reforçá-lo, de incentivo, dinamização e
apoio a essas comunidades de prática reflexiva e investigativa envolvendo
os professores dos territórios que abrangem, mas valorizando não apenas
os princípios e critérios de pendor administrativo-formal, mas sobretudo
as vontades, afinidades e disposições dos professores para construírem
a sua profissionalidade numa relação de aprendizagem com os alunos

1. ENTRE A ADAPTAÇÃO E A TRANSFORMAÇÃO: A ESCOLA


E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
A Escola sempre alimentou grandes debates e paixões, sobretudo
em torno do princípio da igualdade de oportunidades, mas também
em nome do progresso, do desenvolvimento, da justiça social, etc.,
embora dominados por distintas ideologias e marcados por diversas
conjunturas históricas, políticas, sociais e económicas. Canário (2000)
salienta três períodos diferentes, aos quais correspondem diferentes
conceções e expectativa em relação à escola: a escola das certezas, a
escola das promessas e a escola das incertezas. A escola das certezas
correspondeu à escola da primeira metade do século XX, baseada num
modelo elitista e não assumindo responsabilidades na produção das
desigualdades sociais; a escola das promessas, associada à ideologia
desenvolvimentista que se seguiu à segunda guerra mundial, que
operou a passagem de uma escola elitista para uma escola de massas
e gerou uma atitude de euforia e otimismo perante as promessas de
desenvolvimento, igualdade de oportunidades e mobilidade social; e a
escola das incertezas, que começou a manifestar-se a partir dos anos
1970 e se tornou mais claramente visível a partir dos anos 1980, face ao
falhanço das promessas do período desenvolvimentista e ao surgimento
simultâneo de fenómenos como o acréscimo de qualificações e o
acréscimo de desigualdade; e o desemprego estrutural de massas e a
crescente desvalorização dos diplomas. Esta incerteza foi ampliada com
a emergência do neoliberalismo, na década de 1980, e da consequente

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


20 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Entre a adaptação e a (trans) formação

introdução de políticas de accountability no campo educativo, com


uma orientação para a prestação de contas e a obrigação de resultados.
Face ao aumento da incerteza e da complexidade da escola, assim
como da formação de professores e dos processos de ensino e apren-
dizagem, as políticas públicas em educação, agora recorrendo a novos
mecanismos, como a avaliação – avaliação das escolas, dos professores,
dos alunos, …), difundiram a ideia de que a incerteza poderia ser con-
trolada através da “certeza” dos números, das estatísticas, de metas
e de resultados quantificáveis, na ótica de um Estado que já não se
assume como controlador, mas como supervisor e avaliador (Henkel,
1991; Van Haecht, 1998; Broadfoot, 2000). De referir que o surgimento
do neoliberalismo, e o clima “anti-Estado” criado na década de 1980,
tiveram como consequência não apenas o recuo do Estado perante
o mercado, mas uma mudança de forma do Estado e da ação estatal:
passou-se de um Estado-educador, que prometia oportunidades iguais
para todos, para um “Estado gerencial” (Clarke & Newman, 1997) orientado
para os resultados. É neste contexto que entram em cena organismos e
programas internacionais, como a OCDE e o PISA1, que passaram fazer
essa avaliação, mas visando, essencialmente, a medição, a comparação,
a hierarquização e a padronização de políticas, de sistemas e de práticas
à escala mundial. As agendas dessas agências supranacionais exercem
uma grande influência nas políticas educativas dos Estados-nacionais,
confluindo para uma orientação adaptativa da educação.
Embora com sentidos e ênfases diferentes ao longo da história, a
educação sempre assumiu funções de adaptação e de transformação. No
período recente, ou seja, desde a década de 1990, mas mais incisivamente
já no novo milénio, com o progressivo agravamento da crise económica
e financeira, a função instrumental e adaptativa da educação tornou-se
bem patente em diversos documentos de política da União Europeia e
de outros organismos internacionais, ganhando até um cunho ideológico
ao munir-se de um conjunto de noções aparentemente inquestioná-
veis e inevitáveis – “era da informação”, “economia do conhecimento”,
“sociedade da aprendizagem”, entre outras – todas elas imbuídas do
imperativo económico de os indivíduos aprenderem ao longo de toda
a vida para se ajustarem ao novo capitalismo. Tornou-se não apenas
um direito, mas um dever, aprender “do berço até ao túmulo”, como é
dito em documentos da União Europeia: “uma ‘aprendizagem ao longo
da vida’ incide na aprendizagem que vai do ensino pré-escolar até à
pós-reforma (‘do berço ao túmulo’), abrangendo também qualquer tipo
de educação (formal, informal ou não formal)”.

1
PISA - Programme for International Student Assessment, OCDE.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 21
Fernando Ilídio Ferreira

Embora as perspetivas da educação ao longo da vida tenham sur-


gido em vários relatórios internacionais a partir da década de 1970,
desde logo no relatório de Edgar Faure, com o título “Aprender a Ser”
(Faure, 1972), a ideologia da adaptação emergiu mais explicitamente
com uma subordinação à economia desde a aprovação da Estratégia
de Lisboa, ou Agenda de Lisboa, pelo Conselho Europeu, em Março
de 2000, que definiu o objectivo estratégico de tornar a Europa na
economia do conhecimento mais competitiva do mundo. Esta deriva
adaptativa da educação às mutações da esfera económica é visível em
vários documentos da União Europeia, nomeadamente o que define
as “Competências essenciais para a Aprendizagem ao Longo da Vida –
quadro de referência europeu”: “À educação na sua dupla função – social
e económica – cabe um papel essencial para que os cidadãos europeus
adquiram as competências essenciais que lhes permitam adaptar-se
com flexibilidade a estas alterações”. Neste sentido, poderíamos dizer que
a ideia de “aprender a ser”, contida no relatório de Edgar Faure no início
da década de 1970, tem vindo a transformar-se nas ideias de “aprender a
competir” (Lima, 2010) e de “aprender a obedecer”, face aos imperativos
económicos da competitividade e da empregabilidade expressos no
contexto mais recente da Aprendizagem ao Longo da Vida.
Pautada por noções como competitividade, flexibilidade, emprega-
bilidade, etc., a ideologia da adaptação ao sistema capitalista vigente
revela-se, no entanto, paradoxal vivendo nós num mundo dominado pela
incerteza – adaptação a quê? – e com tanto para transformar, na medida
em que a situação que se vive hoje no mundo parece insustentável e
as alternativas só se vislumbram no quadro de novos paradigmas de
desenvolvimento de carácter civilizacional. É esta perplexidade que
alimenta a análise e a reflexão que faço neste capítulo, dando destaque
na secção seguinte à tensão que se tem verificado nas últimas décadas
entre duas lógicas: a lógica da qualificação e a lógica das competências.

2. A LÓGICA DA QUALIFICAÇÃO E A ALÓGICA DAS COMPE-


TÊNCIAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Embora a literatura seja plural na abordagem dos designados modelo
da qualificação e modelos da competência, há um relativo consenso em
relação ao facto de que o modelo da qualificação, intimamente associado
ao diploma, tem vindo a dar lugar ao modelo da competência, em torno
do qual gravitam noções como autonomia, responsabilidade, iniciativa,
trabalho em equipa, etc., consideradas qualidades eminentemente
pessoais necessárias à designada “empregabilidade” do indivíduo.
Concomitantemente, a noção de “carreira”, associado às qualificações

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


22 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Entre a adaptação e a (trans) formação

e ao emprego estável e duradouro, tem vindo a dar lugar às noções


de percursos e trajetórias, ocorrendo esta mudança, porém, a par do
aumento do desemprego e da precarização do trabalho. Em detrimento
da qualificação, passou a valorizar-se a competência, mas num contexto
de incerteza em que a posse de um diploma deixou de ser considerada
uma condição suficiente para assegurar, de forma linear, a obtenção de
um emprego correspondente ao diploma e às expectativas geradas em
torno da sua obtenção.
Não se trata de uma mera questão terminológica, pois a tendencial
substituição da noção de qualificação pela noção de competência
acompanha uma transformação profunda nas esferas do trabalho e da
formação. Trata-se de uma tensão que atravessa o campo educativo de
uma forma transversal, interessando-nos aqui, particularmente, a aborda-
gem destes modelos no domínio da formação de professores. Apesar de
a noção de competência sempre ter existido, ela ganhou bastante relevo
a partir das décadas de 1970/80, associada a um sentido racionalista e
instrumental próprio do capitalismo, à decadência do modelo taylorista/
fordista e à emergência de novas formas de racionalização do trabalho
(Cabral-Cardoso, Estêvão, Silva, 2006). A noção de competência aponta,
segundo estes autores, para o lugar que o indivíduo ocupa no que
concerne à trajetória profissional, de acordo com a sua capacidade de
realizar um itinerário profissional que não pode ser planificado à partida,
dada a instabilidade das relações de trabalho. Os contextos de trabalho
são encarados como contextos de formação e de aprendizagem, a serem
reconhecidos e validados através de sistemas oficiais de acreditação de
competências. Portanto, a competência não procura apenas constituir
uma resposta técnica à evolução dos sistemas de trabalho, mas também
uma nova forma de regulação do trabalho e dos sistemas de formação.
A emergência da lógica das competências deve-se, em grande medida,
à ideia de que a qualificação nunca conseguiu resolver o reconhecimento
dos saberes adquiridos no âmbito do exercício profissional, por ser vista
como um conceito rígido, incapaz de se adaptar às evoluções do sistema
de produção e de ter dificuldade na adaptação à emergência do setor
terciário, muito diferente do setor secundário das organizações industriais
tradicionais (Dubar, 1999). A noção de “competência” – e de competências,
no plural – tem sido adotada, sobretudo, pelo discurso gerencialista, no
qual imperam as noções de autonomia, iniciativa, responsabilidade,
trabalho em equipa, etc., embora mesmo neste discurso a noção surja
com um caráter polissémico e seja utilizada em diferentes contextos
e perspetivas. De um modo geral, a lógica das competências inicia o
processo de instalação na definição das profissões, na formação contínua,
na adaptação e orientação profissionais, procurando constituir a resposta

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 23
Fernando Ilídio Ferreira

à desadequação constante entre a lógica do emprego e a flexibilidade


das organizações de trabalho. Assim, a emergência de um contexto
de maior responsabilidade individual, de autonomia e criatividade do
indivíduo, associado à gestão da sua própria carreira, no sentido de se
manter “empregável” dentro de um mercado de trabalho instável e
cada vez mais competitivo (Silva, 2008), veio fazer com que o conceito de
qualificação começasse a dar lugar ao conceito de competências como
a principal estratégia de promoção da competitividade (Dubar, 1999).
O discurso gerencialista da competência reclama da incapacidade
de adaptação da perspetiva da qualificação a um mundo marcado
pela incerteza, pela flexibilidade e pela competitividade, defendendo
as potencialidades do modelo da competência para a mudança do
trabalho e da formação. Numa perspetiva crítica, a literatura chama
sobretudo a atenção para as implicações problemáticas do uso da noção
de competência e de outras relacionadas, como a empregabilidade. É
num contexto de aumento do desemprego que a educação e a formação
para a “empregabilidade” têm sido apresentadas como uma espécie de
solução mágica para a superação da crise do desemprego estrutural. Face
à emergência de uma nova ordem económica e às mudanças da organi-
zação do mundo do trabalho, a noção de “empregabilidade” passou a ser
difundida como um dever e uma responsabilidade individual, enquanto
o desemprego começou a ser visto como um problema do indivíduo,
supostamente devido a um défice de competências (Almeida, 2007;
Alves, 2009). Como referem Lüdke e Boing (2004) “não é mais a escola
ou a empresa que produzem as competências exigidas do individuo
para enfrentar o mercado de trabalho, mas o próprio indivíduo” (p. 1167);
nesse sentido, a empregabilidade consiste em o indivíduo manter-se
em estado de competência e de competitividade no mercado (Lüdke
& Boing, 2004).
O modelo da competência – assim como as inerentes noções de
“empregabilidade”, de “colaborador”, por exemplo, que passaram a
imperar sobre as noções de “emprego” e de “trabalhador” – situa-se
num registo de adaptabilidade em detrimento de um registo de trans-
formação social. A dimensão política da noção de competência é frágil
e uma das suas consequências é o afastamento dos professores do
seu coletivo profissional, na medida em que a “competência” obedece,
predominantemente, a uma lógica de responsabilização individualizante
orientada para a performance e a excelência. Ball (2005) define a per-
formatividade e o gerencialismo como duas das principais tecnologias
da reforma educacional e considera que a sua combinação “atinge
profundamente a prática de ensino e a alma do professor” (p. 548). Para
este autor, o gerencialismo consiste na inserção, no setor público, de

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


24 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Entre a adaptação e a (trans) formação

uma nova forma de poder que conduz à destruição dos sistemas ético-
-profissionais existentes nas escolas e à sua substituição por sistemas do
tipo empresarial competitivo. E conclui que a performatividade é uma
tecnologia, uma cultura e um método de regulamentação que utiliza
julgamentos, comparações e demonstrações como meios de controlo
e de mudança.
Os compromissos humanísticos do verdadeiro profissional
– a ética de serviço – são substituídos pela teleológica pro-
miscuidade do profissional técnico – o gerente. A eficácia
prevalece sobre a ética; a ordem sobre a ambivalência.
Essa mudança na consciência e na identidade do professor
apoia-se e ramifica-se pela introdução, na preparação do
professor, de formas novas de treinamento não intelectua-
lizado, baseado na competência. (Ball, 2005, p. 548)

A construção e a publicação de informações, indicadores, rankings e


todo um conjunto de programas de comparação de resultados escolares
dos alunos, a nível nacional e internacional, como o já mencionado PISA,
constituem exemplos de mecanismos de avaliação e controlo, servindo
para estimular, julgar, comparar e classificar profissionais em termos de
resultados. Porém, como diz Ball (2005, p. 546) “essas tecnologias são
definidas por estados de desempenho e perfeição que jamais podem
ser alcançados” e transformam profundamente a identidade profissional
docente. O ensino tende a ser visto sobretudo como um conjunto de
competências a serem transmitidas e adquiridas, sendo o professor
formado para ser um técnico e não um profissional capaz de reflexão
e de julgamento crítico.
Esta discussão não visa estabelecer uma dicotomia, opondo a noção de
competência à de qualificação, mas dar conta de uma tensão entre con-
ceitos, modelos e perspetivas que, além das disparidades e complemen-
taridades que os caracterizam, revelam que as noções de qualificação e
de competência não são estáticas nem homogéneas no seu significado.
Por exemplo, alguns autores advogam que apesar da diminuição da sua
carga simbólica o diploma continua a constituir-se como um elemento
determinante para a obtenção de um emprego (Marques, 2006; Alves,
2008). A passagem de uma lógica de organização de trabalho taylorista
centrada no posto de trabalho para uma lógica pós-taylorista baseada na
situação do trabalho, redefine a qualificação no sentido de se articular
com a competência (Marques, 2006). Como sugere Dubar (1998; 1999),
a questão não se coloca em termos de passagem da qualificação à
competência, mas da coexistência do reconhecimento “individual”
das “competências” e da legitimidade “coletiva” das “qualificações”.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 25
Fernando Ilídio Ferreira

A relação conflitual entre “qualificação” e “competência” remete para


“dois mundos profissionais diferentes definidos ao mesmo tempo por
modos “objetivos” de gestão e por relações “subjetivas” no trabalho”
(Dubar, 1999:93). Importa salientar que esta relação não aponta para a
definição de um modelo específico de docente, mas para modos de
gestão mais focalizados, em certos pontos, no polo da “qualificação”
ou no polo da “competência”, dependendo, em grande medida, dos
sentidos das políticas e reformas educativas e dos seus efeitos no trabalho
e na formação docentes e nas identidades profissionais. Discuto estes
aspetos na secção seguinte, em torno de uma noção que se tornou
estruturante, sobretudo a partir dos anos 1980, no campo da formação
e da profissionalidade docentes – a prática reflexiva.

3. POSSIBILIDADES E LIMITES DA PRÁTICA REFLEXIVA NA


FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Neste texto argumento que o sentido atribuído à “reflexão”, na forma-
ção de professores, se tem aproximado, essencialmente, da lógica das
competências, de inspiração gerencialista, com uma maior orientação
para a empregabilidade do indivíduo do que para a democratização da
sociedade. As capacidades pessoais do indivíduo – reflexivo, autónomo,
criativo, comunicativo, colaborativo, entre outras – são hoje muito valo-
rizadas nos campos da formação e do trabalho. Por exemplo, como
mencionei acima, no mundo do trabalho o indivíduo deixou de ser
designado trabalhador e passou a ser considerado colaborador, mas esta
mudança tem consequências, pois um colaborador é mais facilmente
cooptado para a ordem social e para as normas e os objetivos da empresa,
desvalorizando-se, assim, as relações de poder e os interesses conflituais
que fazem parte das organizações de trabalho.
No caso específico da noção de reflexão, é importante recordar que a
crescente proliferação das políticas neoliberais na década de 1980 ocorre
em simultâneo com a publicação do célebre livro O profissional reflexivo,
de Donald Shön, em 1983 (Schön, 1983). Alguns autores consideram até
que a centralidade da prática reflexiva na formação docente está rela-
cionada com os objetivos das reformas neoliberais e neoconservadoras
de exercerem um controlo maior e mais sutil sobre os professores, de
modo a que os propósitos da educação pública pudessem ser mais
diretamente vinculados à preparação de trabalhadores para a economia
global (Smyth, 1992). Por isso, é necessário retomar as perspetivas de
autores como Giroux, que defendem, na linha de uma pedagogia crítica,
a necessidade de os professores se assumirem (e serem reconhecidos)
como intelectuais transformadores.

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


26 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Entre a adaptação e a (trans) formação

Ainda que a ideia de prática reflexiva já existisse em obras de auto-


res como John Dewey, no início do século XX, e Paulo Freire e Jürgen
Habermas, na década de 1970, não há dúvida quanto à influência que o
pensamento de Donald Shön sobre o profissional reflexivo tem tido na
formação docente, estimulando a produção de vasta literatura sobre o
tema, em todo o mundo. Passados mais de trinta anos, constata-se um
grande consenso, a nível internacional, em torno do conceito de prática
reflexiva na formação de professores. Por um lado, corrente internacional
da “prática reflexiva” contribuiu para a passagem de uma conceção da
formação docente como mera aplicação de um conhecimento teórico
e técnico, para uma conceção da formação como espaço de produção
de conhecimento e de desenvolvimento profissional, a partir de uma
“epistemologia da prática” (Shön, 1983). Por outro lado, como salienta
Zeichner (2008), a “prática reflexiva” foi-se transformando num slogan.
Mesmo quando é utilizada como um veículo para o desenvolvimento
real dos professores, a “reflexão” é vista como um fim em si mesmo,
desconectada de questões mais amplas sobre a educação em sociedades
democráticas. Este autor problematiza o conceito, em torno de algumas
questões fundamentais: a formação docente reflexiva significou um
desenvolvimento real dos professores no período longo em que esta
perspetiva se tornou dominante? Contribuiu para diminuir as lacunas
na qualidade da educação de estudantes de diferentes perfis étnicos,
raciais e sociais? Houve correspondência entre conceções de formação
docente reflexiva, na literatura especializada, e as realidades materiais
de trabalho dos professores? E conclui:
Infelizmente, na minha visão, a maior parte do discurso
sobre a “reflexão” na formação docente hoje, mesmo depois
de todas as críticas, falha ao deixar de incorporar o tipo de
análise social e política que é necessária para visualizar e,
então, desafiar as estruturas que continuam impedindo
que atinjamos os objetivos mais nobres como educadores.
(Zeichner, 2008, p. 548)

Zeichner argumenta que a “reflexão” não tem assumido a sua dimen-


são inevitavelmente política, de luta por justiça social, quando esse
propósito constitui uma parte fundamental do ofício dos formadores de
educadores em sociedades democráticas. Embora as ações educativas
dos professores, nas escolas, não possam resolver os problemas da
sociedade por elas mesmas, elas podem, no entanto, contribuir para
a construção de sociedades mais justas e mais decentes, incluindo no
interior das próprias escolas. Por isso, Zeichner defende que os profes-
sores devem agir com uma clareza política maior sobre quais interesses

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 27
Fernando Ilídio Ferreira

estão sendo privilegiados por meio das suas ações quotidianas estando
pelo menos conscientes do que está acontecendo à sua volta (Zeichner,
2008). Face ao avanço de uma ideologia do consenso, que tende para
a resignação e o fatalismo (Ferreira, 2005), é necessário promover um
“paradigma da controvérsia” (Correia, 2001) que constitui um “paradigma
alternativo, que define também os contornos paradigmáticos da postura
ética e política de uma cientificidade atenta ao agir comunicacional” e,
como tal, não se constrói “em torno de uma epistemologia da observa-
ção, seja ela uma epistemologia do olhar distante e neutral ou a de um
olhar próximo e implicado, mas antes em torno de uma epistemologia
da escuta” (Correia, 2001, p. 33).
Rejeitando a conceção liberal que coloca sobre os indivíduos todas as
responsabilidades, é necessário que a sociologia da educação trabalhe
em busca de um novo modelo de democratização (Derouet, 2010).
As pistas enunciadas por este autor dão como exemplo o trabalho
conduzido por Ivor Goodson, no Reino Unido, entrevistando docentes
que vivenciaram a passagem das reformas democratizantes dos anos
de 1970 à reorganização liberal do governo Thatcher e, em seguida, à
implementação da Terceira Via, nas décadas seguintes. As primeiras
conclusões desse estudo mostram o fosso que tem vindo a ser cavado
entre as orientações impulsionadas na cúpula do Estado e o sentido da
ação para os atores situados na base. Para Goodson (cit. in Derouet, 2010),
o facto de não existir resistência organizada por parte dos professores
não significa que as reformas estejam a passar no quotidiano, pois
numa atmosfera geral de perda de referências, o quotidiano é feito de
limitação de riscos e de evitação de conflitos. Como sintetiza Derouet
(2010), o processo de educação não pode ser pensado somente dentro
dos universos da razão e da justiça formalmente definidos; é igualmente
essencial a “competência social” enquanto capacidade para discernir
em cada contexto e situação a referência pertinente, tanto em termos
de razão e de justiça como em termos éticos, morais, afetivos e emocio-
nais. Essa competência social pode constituir uma condição essencial
para que as escolas e os professores não sucumbam às pressões do
gerencialismo e da performatividade e, pelo contrário, contribuam
para a humanização e a democratização das escolas, assim como para
o trabalho e a formação docente.

CONCLUSÃO
Concluo este capítulo discutindo, em particular, o papel que tem sido
exercido pelas instituições de ensino superior em relação à designada
prática reflexiva e à conceção do professor como prático reflexivo. A

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


28 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Entre a adaptação e a (trans) formação

Universidade é frequentemente vista e criticada pelo seu fechamento à


sociedade. Está ainda muito enraizada uma ideia de universidade como
lugar privilegiado de produção e disseminação de conhecimento, mas
sendo este considerado muito “teórico”, distante e desfasado da realidade
do mundo da “prática”. Apesar das significativas mudanças que têm
ocorrido na instituição universitária, e especialmente nas instituições
de formação de professores, persiste a ideia de que ocorreu alguma
abertura ao “exterior”, mas de modo unidirecional, num sentido mais
descendente do que interdependente.
Tive oportunidade de afirmar em trabalhos anteriores (Ferreira, 2008)
que existe uma incoerência entre as características hierárquicas, com-
petitivas e individualistas da cultura académica e o discurso produzido
pela universidade em torno da formação de professores advogando
o trabalho em equipa, a colaboração e a colegialidade docentes. Em
resultado de programas de formação em que participam na universidade,
os professores tendem a reproduzir discursos teoricamente elaborados
que, ao invés de contribuírem para a reflexão sobre as próprias práticas,
tendem a gerar efeitos de ocultação das mesmas. A prescrição toma o
lugar da reflexão que é suposto a formação de professores promover.
Por outro lado, no que concerne à investigação, os académicos têm
concentrado os seus estudos principalmente nas políticas, nas práticas e
nos contextos organizacionais e profissionais dos outros níveis de ensino,
mantendo ausente, no entanto, a análise e a reflexão críticas sobre as
suas próprias práticas e sobre a cultura académica e universitária.
A transformação da formação de professores implica uma mudança
de atitude por parte das instituições de ensino superior, dos académicos
e investigadores na forma como se relacionam e apoiam os professores
e as escolas. A maior parte dos processos de inovação e reforma das
últimas décadas foram da iniciativa central e desenvolveram-se numa
lógica estreita de tutela, concebendo o papel da administração funda-
mentalmente como um processo de ensinar as escolas e os professores
a serem inovadores e criativos (Canário, 2002). Este autor defende, no
entanto, que a maior exigência que se coloca às entidades que preten-
dem realizar um “apoio externo crítico às escolas” é a adoção de uma
atitude de grande humildade de modo a poder aprender com elas.
Não se trata de ensinar as escolas a serem criativas e inovadoras, mas
de realizar com elas um processo de aprendizagem a partir do que elas
produzem; para isso, é necessário criar condições para dar a palavra às
escolas e aprender a escutá-las.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 29
Fernando Ilídio Ferreira

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25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 31
CAPÍTULO 3
FORMAÇÃO (INICIAL E CONTÍNUA)
DE PROFESSORES EM CONTEXTO
DE GLOBALIZAÇÃO

JOSÉ AUGUSTO PACHECO & ILA BEATRIZ MAIA


Instituto da Educação da Universidade do Minho

“A educação é uma coisa admirável, mas é bom recordar que nada do


que vale a pena saber pode ser ensinado.”
Oscar Wilde (1854-1900)

INTRODUÇÃO
Se a globalização impõe padrões de reformas, as mudanças nas polí-
ticas e práticas de formação (inicial e contínua) de professores refletem
diversas perspetivas, não sendo possível compreender a realidade das
escolas somente a partir de reformas que buscam a excelência dos
resultados. Estar na escola significa partilhar significados pessoais em
lugares diferenciados, no reconhecimento da subjetividade, multiplici-
dade e singularidade, bem como na construção de um conhecimento
que é inerente aos sujeitos e à sua profissionalidade.
Neste texto são evidenciadas diversas perspetivas que poderão contri-
buir para possíveis respostas em torno quer da formação de professores,
quer do processo de desenvolvimento do currículo, sobretudo se o
professor for considerado um ator fundamental desse mesmo processo,
aliás no seguimento das ideias de Schwab (1969), quando, na identifica-
ção dos lugares comuns do currículo, o coloca em lugar de destaque,
perante os conteúdos, o aluno e o contexto.
Apesar de uma multiplicidade de perspetivas, a abordagem con-
ceptual de Lipovetsky e Serroy (2010, p. 15) tem o mérito de analisar
criticamente os tempos hipermodernos em que a educação, em geral,
e a escola e o professor, em particular, se entrelaçam num “sistema de
mundo globalizado” e “numa cultura-mundo”, ou seja, “com a cultura-
-mundo alastra por todo o globo a cultura da tecnociência, do mercado,

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 33
José Augusto Pacheco & Ila Beatriz Maia

dos media, do consumo e do indivíduo e com ela toda uma série de


novos problemas, não só de âmbito global … nas também existenciais”,
pelo que se transforma numa interrogação que não pode ser compatível
com análises maximalistas de uma engenharia curricular, como se o
desenvolvimento profissional docente estivesse dependente, de modo
mais focado e particularizado, da implementação de uma cultura escolar
orientada pelos resultados.
Assim, a formação de professores e os contextos de ensino e apren-
dizagem são condicionados pelo movimento de reforma de educação
global, direcionado para a estandardização, a prestação de contas, os
testes à larga escala e a competição centrada na lógica de mercado, como
reconhecem, por um lado, Hargreaves e Fullan (2012) e, por outro, Pinar
(2007, p. 53), quando fala da escola como negócio, “tutelada de acordo
com o modelo da linha de montagem fabril” (Pinar, 2007, p. 53). Nesse
caso, o papel da escola e dos professores será o de preparar os alunos
para o sucesso da economia global, na esteira da renovação da teoria
do capital humano, cuja utilidade económica é traduzida em compe-
tências para o mundo do trabalho, expressando resultados escolares
mensuráveis e na obtenção de resultados esperados, em linha com as
finalidades estabelecidas pelos organismos transnacionais (Choo, 2018).
Trata-se, com efeito, de aplicar à ideia de ação docente e do processo
de desenvolvimento do currículo o método pragmatista que “consiste
em tratar as ideias não mais como formas, mas como função, não
precisamos mais de perguntar o que é a ideia, mas sim o que ela faz”
(Lapoujade, 2017, p. 51).
Para isso, os professores devem ter uma “consciência sociocultural de
sujeitos globais” (Zeichner, 2013, p. 180) que os situe numa realidade que
é diferente daquela que os professores são considerados técnicos de
preparação dos seus alunos para os resultados, em que “modos punitivos
de responsabilização foram trazidos para a formação de professores
(Ibid., p. 30), devido, em grande parte, às políticas de accountability,
que são, na sua essência de mercado, políticas de partilha de conhe-
cimento (Steiner-Khamsi, 2012), em que os sistemas educativos pouco
ou nada se diferenciem entre si, tal é a linguagem de uniformização e
estandardização usada pelos organismos transnacionais, ainda que a
neoliberalização da educação, discursivamente identificada na metáfora
do tecnocrata viajante, reconheça múltiplos atores e múltiplas geografias
(Ball, 2018; 2017).
Quando fala da educabilidade, Charlot (2013, p. 117) não só diz que “a
escola é universalista, pelo menos nas sociedades democráticas, e não
pode deixar de sê-lo”, como também reconhece que “não há universal
fora da diversidade, mas sim através da diversidade” (Ibid., p. 174), já que

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


34 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Formação (inicial e contínua) de professores em contexto de globalização

o “universal é definido em relação à condição humana” (Ibid, p. 175),


aliás na senda das ideias de Arendt (2006) e Adorno (1971/2011) sobre a
educação, no reconhecimento de que tal formação deve ser a base do
currículo (Horlacher, 2018).
Deste modo, o referencial da educação como modernização e demo-
cratização, numa simbiose de ideias que reforçam a sociedade e o
sujeito, no entendimento de que a escola só existe numa sociedade de
sujeitos, cujos ideais são fomentados pelo Estado, enquanto símbolo
do poder público (Foucault, 2011; Bourdieu, 2014), que foi marcante na
edificação de uma escola pública, consagrada em termos de direitos,
tem sido turbado pelo referencial da educação como produção eficaz
e eficiente do conhecimento e competências, exigidos pela sociedade
baseada na economia do conhecimento, que tem sido dominante nas
últimas décadas1.
Mesmo assim, e não sendo explorada esta aparente contradição, pois
serve de argumentação para a ideia de um profissional comprometido
com o cosmopolitismo, a ideia do professor é perspetivada como um
gestor empresarial, definido por Hargreaves e Fullan (2015, p. XIII) do
seguinte modo: “limita o currículo, volta-se para a tecnologia, prescreve e
segmenta a instrução, ensina para os testes, reduz a literacia a pequenos
trechos de compreensão em vez de envolvimentos mais significativos
através de textos absorventes”.
Tal gestor entronca no mercado em que se tem transformado a for-
mação de professores na maioria dos países, fazendo-se do professor um
empreendedor eficiente na gestão da sala de aula, que é organizada em
função de uma aprendizagem avaliada através de testes estandardizados
e de um currículo predefinido em competências, entendidas como
standards de conteúdos e traduzidas em aprendizagens essenciais, como
está bem presente na proposta de um currículo internacional (OCDE,
2018). Numa análise de aspetos críticos ligados à formação inicial de
professores, Fullan (2015, p. 100) diz que as “instituições de formação não
formam os professores na realidade da sala de aula” e que a organização
das escolas contribui para muitos dos problemas que esses professores
geram em termos de ansiedade, trabalhando de uma forma isolada dos
colegas, pelo que “os professores não desenvolvem uma cultura técnica
comum” (Ibid., p. 100).
O modo de ser professor, centrado em resultados e dominado pelos
standards, é reconhecido em duas governamentalidades curriculares,
cada vez mais inseridas numa lógica eficientista para a educação, em

1
Para uma análise mais aprofundada destes dois referenciais, vide: Claude Lessard e
Anyléne Carpentier, Políticas Educativas. A aplicação na prática, 2016, p. 16.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 35
José Augusto Pacheco & Ila Beatriz Maia

normas concretas para a privatização das escolas, em dispositivos de


avaliação externa e em práticas de mercadorização da escola, razão por-
que a escola pública é colocada em causa, os professores são criticados.
Tais formas de gestão curricular, que destacam, entre outros aspetos,
o desempenho ao nível dos resultados, os testes à larga escala, com
incidência nos testes transnacionais, de que o PISA é o padrão, o ranking
de escolas e a linguagem das competências, uma outra forma de apre-
sentar objetivos de aprendizagem, originam não só uma escolarização
restrita, que inclui o core curriculum e provoca o mimetismo curricular2,
como também a coerção avaliativa, em que a avaliação é marcada pelos
resultados entendidos como scores numa prática de competição. Deste
modo, a escola centrada em resultados confronta o professor com o que
pode ser denominado recontextualização performativa, isto é, uma
coerção avaliativa, tanto ao nível da produção de discursos, como no
plano das práticas, que sobrepõe as questões técnicas às pedagógicas,
nomeadamente, questões sobre “a eficiência e eficácia do processo
educacional” (Biesta, 2013, p. 41).
No estudo realizado sobre os efeitos da performatividade no sis-
tema público, Ball (2014) diz que tais políticas tratam de um modo de
governação liberal, requerendo profissionais que respondam a uma
avaliação estandardizada e que não resistam à paixão da excelência, pois
isso representa terem sucesso perante os outros, apesar da opacidade
pedagógica que provoca através da fabricação de mecanismos de pro-
dução da excelência, razão porque afirma que a educação (e também
a formação de professores, acrescentamos) está transformada “num
grande negócio” (Ball, 2012, p. 116).
Como se tratasse de um pêndulo que oscila entre o transnacional e
o nacional/local, a globalização define as políticas educativas através
de conceitos-chave e impõe padrões para a sua implementação, não
pelos processos, mas pelos resultados. Esta é, de facto, uma mudança
substantiva com reflexos no modo de perspetivar a profissionalidade
docente, como analisa M. T. Estrela em muitos dos seus escritos (Cae-
tano, Rodrigues & Esteves, 2015). Neste caso, “o professor ganhou uma
autonomia profissional mais ampla, mas agora é responsabilizado pelos
resultados, em particular pelo fracasso dos alunos” (Charlot, 2013, p. 99).
Assim, de mão dada com a globalização caminha a cultura de pres-
tação de contas, que não para de crescer e que parece não ter fim,
situando-se os professores “num movimento de pinça entre os pais

2
Por mimetismo curricular entende-se a tendência para que as disciplinas nucleares
do currículo, por exemplo, Matemática e Português, com formas predominantes de
avaliação externa, sirvam de modelo às restantes disciplinas.

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


36 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Formação (inicial e contínua) de professores em contexto de globalização

e os burocratas” (Hargreaves & Fullan, 2012, p. 35), pois as políticas são


cada vez mais “iniciativas administrativas fragmentadas, incoerentes e
modistas” (Ibid., p. 36).
Com efeito, a escola assume-se como espaço privilegiado de criação de
normas comuns, nas perspetivas organizacional, curricular e pedagógico,
carregadas de burocracia que tenta chegar aos pormenores do modo
de fazer, limitando o tempo para desenvolvimento profissional docente,
exaltando os testes e a publicitação de resultados obtidos em provas de
avaliação externas e aceitando a regulação no quadro de políticas de
partilha de conhecimento (Steiner-Khamsi, 2012; Ball, 2014), cuja lógica
neoliberal impõe uma ordem regida “pela eficácia, pela meritocracia,
pela utilidade e pela produtividade” (Lipovetsky, 2013, p. 126).
Daí que as políticas educativas, e todas as decisões sobre o currículo e
trabalho docente, oriundas de organismos transnacionais, “carreguem
uma visão de escola em que há sobreposição da missão social sobre a
missão pedagógica”, sendo o currículo e a escola “instrumentos para
resolver problemas sociais ou económicos para minimizar os efeitos
indesejáveis da pobreza em relação aos interesses de mercado” (Libâneo,
2013, p. 61).

1. QUE FORMAÇÃO DOCENTE?


A formação (inicial e contínua) de professores é abordada em contextos
de regulação transnacional e nacional, com o propósito de analisar,
de forma crítica, processos e práticas de olhar para a escola a partir de
reformas na educação. Se a globalização, no contexto de influência das
políticas educativas (Ball, 2014), impõe mudanças nas políticas e práticas
de formação de professores, não é possível compreender a realidade
da escola somente a partir da estrutura organizacional, que a define
mediante um conjunto de regras formais e que constituem um núcleo
que muda muito pouco, tornando-se fundamental perspetivá-la pelo
currículo e pedagogia, esta ligado à relação e ao modo como interagem
professores e alunos, no que é designado por transposição didática,
aquele associado a um processo de transformação curricular ao nível
do conhecimento (Pacheco, 2016).
Neste texto são evidenciadas diversas perspetivas que poderão con-
tribuir para possíveis respostas em torno da formação de professores,
partindo-se desta constatação de Žižek (2015, p. 18) “O capitalismo não é
global no plano do significado. O que se retira como lição da globalização
“é precisamente que o capitalismo se consegue acomodar a todas as
civilizações”, ou seja, a sua dimensão global “só pode ser formulada no
plano da verdade-sem-significado”, tal como o mercado global”.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 37
José Augusto Pacheco & Ila Beatriz Maia

Numa análise sobre tendências de formação de professores, Zeichner


(2013, p. 25) observa que há “uma clara tentativa de substituir o sistema
atual, dominado pela formação universitária de professores, pela livre
concorrência de mercado”, isto é, mudar a formação centrada numa
pluralidade de saberes e contextos para uma formação que responde
a um saber pragmático para a assunção da profissionalidade docente.
E como receita para a formação de professores, o Banco Mundial
(2017) diz ser necessário atrair os mais jovens para a carreira, promover
o desenvolvimento profissional ao longo da carreira, realizar a formação
em instituições de ensino superior, assegurar uma formação de base a
partir de conteúdos nucleares e uma formação que ensine a liderar em
contexto. Trata-se, com efeito, de um profissionalismo organizacional
(Zeichner, 2013, p. 114), em que impera na formação do professor quer
a uniformização de tarefas, burocracia, controlo e prescrição, quer “o
imperativo do impacto positivo”, sendo a “formação de professores
baseada em resultados”. Trata-se, com efeito, de medidas transnacionais
que fazem “perder o sentido pedagógico da escola” (Libâneo, 2013, p. 61).
Daí que a tendência é para que a formação de professores seja reali-
zada a partir de um perfil de competências e que a sua avaliação insti-
tucional seja feita em processos de creditação, ou seja, de conformidade
avaliativa, funcionando os aspetos administrativos comos evidências
ligadas a uma agenda de accountability (Tallot, 2016). Trata-se, assim,
de considerar a profissão docente quer com mecanismos contínuos de
eficiência e eficácia interna, em que predominam culturas colaborativas
que responsabilizam tanto pessoal e coletivamente os professores com
vista ao sucesso de todos os alunos, quer com standards de accounta-
bility externa (Fullan, 2015).
Num relatório da União Europeia (2015, p.17), a formação de pro-
fessores é apresentada em cinco dimensões integradas: pedagógica
(necessidade de afirmar o princípio da aprendizagem dos professores);
institucional (estruturas de suporte e de garantia de formação superior);
carreira (garantia de qualificação); profissional (garantia de níveis de
aprendizagens e de domínio de saberes); cultural (consideração da
cultura de cada escola).
Pela sua intensa estandardização, e respondendo a saberes mais téc-
nicos, o currículo tende para uma similaridade construída globalmente
que configura políticas educativas, incluindo as que estão relacionadas
com a formação de professores. Perante este cenário transnacional, que
fixa normas para uma formação técnica e apressada, com relevo para a
gestão da sala de aula e para os resultados escolares, de que modo são
procuradas alternativas ao nível da formação de professores?

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


38 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Formação (inicial e contínua) de professores em contexto de globalização

Uma primeira resposta é sugerida por Labaree (2012), quando coloca


esta interrogação: O que pretendemos realmente a partir das escolas?
Mais do que uma resposta social, a escola é uma ação conjunta, com
a participação direta de pais, alunos e professores, para além de muitos
intervenientes, com expetativas diferentes sobre o que esperam da
escola. Clarificar os propósitos da educação e reconhecer que as políticas
administrativamente controladas tornam as reformas inconsequentes
é uma alternativa válida, reconhecendo-se que a centralidade dos
resultados em detrimento dos processos de aprendizagem é um ins-
trumento de racionalidade técnica e pragmática das funções da escola,
no seguimento da racionalidade funcional weberiana.
Por isso, uma alternativa válida é a de uma formação de professores
que considere um currículo cosmopolita, com raízes no pensamento
grego e romano de abertura a si (itself) e ao outro, ou seja, um processo
de problematização e pluralização de narrativas que são mediadas pela
própria experiência numa relação com os outros, de acordo com a valo-
rização de questões de interrogação numa relação marcada por estas
perspetivas: empatia, compreensão, tolerância, diferença e diversidade;
linguagem de identidade num contexto de uma partilha cultural; cons-
trução da identidade num contexto de comunidade; o individual como
membro de várias comunidades; o sujeito construído pelo (s) outro(s) em
função de tradições, hábitos e regras sociais; direitos humanos; confiança
no(s) outro(s); justiça em contextos de universalidade e particularidade;
partilha pessoal e social (Hansen, 2011; Papastephanou, 2016).
Moreira e Ramos (2015, p. 31) utilizam o termo cosmopolitismo crítico
como “um processo aberto pelo qual o mundo social se torna inteligível:
deve ser visto como a expressão de novas ideias, com abertura de espa-
ços de discurso, como identificação de possibilidades para tradução e
construção do mundo social”, exigindo eu o “ensinar sobre as relações
culturais e interculturais deve desalinhar-se dos preconceitos nacionais,
deve tornar-se cosmopolita, com base na tentativa de desenvolver nos
estudantes um conjunto de virtudes epistémicas com as quais se faz
possível entender a dinâmica das transformações globais” (Ibid., p. 31).
A proposta de um currículo cosmopolita tornar-se-á, assim, numa nova
centralidade da formação de professores, pois “a aprendizagem cosmo-
polita não se preocupa tanto com a transmissão de conhecimentos e o
desenvolvimento de atitudes e habilidades para a compreensão de outras
culturas em si” (Ibid., p. 32), mas exigindo uma forma de aprendizagem
que respeite outras culturas e promova a interculturalidade no contexto
de outras dinâmicas (Macedo, 2015).
Uma segunda resposta tem de ser dada pela interrogação acerca
do modo como são formados os professores, tanto na sua situação de

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 39
José Augusto Pacheco & Ila Beatriz Maia

ex-alunos, como no decurso dos seus ciclos de vida profissional, sendo


a sua formação, grosso modo, um apêndice de reformas educativas e
curriculares. Lowes (2017) argumenta que novas orientações são precisas
na formação de professores, tornando-se fundamental integrar quer
académicos, que abordam as práticas escolares, quer professores, que
utilizam nas suas práticas as abordagens teóricas, ou seja, um saber
teorizador de uma prática (Roldão, 2015). Deste modo, justifica-se uma
ampla discussão a partir do mapeamento dos problemas que existem
na formação de professores no âmbito de políticas transnacionais e do
seu impacto e efeitos na escola e trabalho docente.

2. PROFISSIONALIDADE DOCENTE
Tal discussão sobre a formação de professores torna legítima esta
questão, formulada por Esteves (2015): O que pode justificar a busca
de uma nova profissionalidade docente?
As respostas da autora vão no sentido de os professores tomarem cons-
ciência quer das condições em que trabalham, dos constrangimentos
e possibilidades que estão presentes na sua ação profissional, quer do
imperativo de saberem e quererem agir com pertinência pela defesa
e afirmação de uma escola pública de qualidade para todos, que seja
um requisito para uma igualdade social, pois “a formação, não sendo
o único, pode e deve ser um esteio fundamental para a construção de
uma nova ou de novas possibilidades docentes” (Ibid., p. 323).
A este respeito é crucial repensar o conhecimento (Nichols, 2018;
Morgan, 2014; Young, 2010; 2013), bem como os saberes docentes (Hor-
den, 2014), num contexto de regulação transnacional e nacional, pois
a educação, e muito menos o ensino, não é uma receita de aplicação
universal. Neste caso, “o ensino não tem uma única dimensão. É muito
menos simples do que a maioria das pessoas pensa. Além disso, não
é só arte, mestria, ciência e vocação, ou mesmo uma combinação de
tudo isto. O ensino é também uma profissão e um modo de trabalhar
(Hargreaves & Fullan, 2012, p. 29). Não existindo um único modo de
ensinar, a formação de professores tem de reconhecer que o ensino
ocorre, geralmente, em condições imperfeitas, face a expectativas e
demandas conflituantes” (Ibid., p. 31), devendo ser referida a tendência
para a mercadorização da educação, já que a lógica neoliberal transforma
a educação de um bem público em um item do consumidor privado”
(Zeichner, 2013, p. 121).
E sempre que o conhecimento adquire centralidade no debate sobre
a educação e a formação de professores surge a polémica em torno
da universalidade e do relativismo. Não retirando a pertinência da

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


40 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Formação (inicial e contínua) de professores em contexto de globalização

argumentação pós-estruturalista e pós-moderna, “a escola é universalista,


pelo menos nas sociedades democráticas, e não pode deixar de sê-lo”
(Charlot, 2013, p. 117), porque está centrada na educabilidade do sujeito
e veicula um conhecimento acerca do mundo, carregando atividade
humana historicamente produzida, razão porque Duarte (2016, p. 3)
repudia a desvalorização do currículo conteudista, consistindo a educação
“exatamente nesse processo dialético de reprodução do humano em
cada indivíduo”.
Deste modo, “a educação é um triplo processo: um processo de
humanização, de socialização, de subjetivação/singularização” (Charlot,
2013, p. 167), não existindo “universal fora da diversidade, mas sim através
da diversidade” (Ibid., p. 174), pelo que “o universal é definido em relação
à condição humana” (Ibid., p. 175).
Uma outra resposta – dentro de tantas respostas possíveis – pode ser
dada com a noção de capital profissional, proposta por Hargreaves e
Fullan (2012, p. XV), inserida nos contextos de formação inicial e contínua
de professores e que definem como o “sistemático desenvolvimento e
integração de três formas de capital – humano, social e decisional - na
profissão docente”, reconhecendo que o seu poder se expressa pela
“transformação da escola pública efetivada por todos os professores em
cada escola” (Ibid., p. XI), pelo que os professores devem ser tratados com
dignidade, como pessoas, que vivem e têm uma carreira, e não como
“performers”, a quem se exige a produção de resultados” (Ibid., p. XI).
Deste modo, e numa síntese do que configura o capital profissional
em termos de prática docente, os professores devem ter competên-
cia, julgamento, intuição, inspiração e capacidade de improvisação,
devem decidir pela assunção de uma responsabilidade coletiva, de
abertura ao feedback e demonstrando transparência, devendo, ainda,
ser considerados os contextos ou condições de ensino. Porém, o capital
profissional pode vir a tornar-se num conceito-chave que facilmente
seja associado a perspetivas de racionalidade técnica da educação
e formação de professores, acentuando as competências docentes
em detrimento da subjetividade, que é a razão de ser do modo como
o professor se autoavalia e se motiva na busca de respostas para os
problemas que enfrenta quotidianamente. Convém, por isso, refutar o
neoprofissionalismo docente, descrito criticamente por Morgado (2014,
p. 85) como estando “ancorado nas ideias de eficácia e eficiência dos
professores, da autoformação, de construção da autonomia profissional e
de prestação de contas”. E concordando-se com Esteves (2007), o futuro
não se compadecerá com visões estreitas da educação, da escola, da
docência nem da ausência da profissionalidade docente.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 41
José Augusto Pacheco & Ila Beatriz Maia

Não há dúvida de que o professor é um profissional que detém um


capital profissional, no sentido que é desenvolvido por Hargreaves e
Fullan (2012), que inclui não só o domínio de capacidades, mas também
de crenças e atitudes que estão presentes no momento em que tem
de decidir. Analisar, por isso, a formação de professores pelo lado da
abordagem deliberativa do currículo (Biesta, 2013), num constante
reconhecimento que o professor decide em contexto, com barreiras que
lhe são impostas pelas políticas centralizadas e ancoradas em padrões
e em resultados, é reconhecer uma problemática de conflito, com dis-
cussões presentes em muitos países que se tornam num pêndulo que
oscila entre o que é considerado o “conhecimento poderoso”, tal como
é definido por Young (2010), e o que significa a comunidade em que o
professor trabalha, numa forte ligação ao que pressupõe a consideração
da subjetividade, como é explorado por Pinar (2015).
Assim, a formação de professores é um processo de enorme complexi-
dade que não pode ser dissociado dos mecanismos formais e informais
de regulação transnacional e nacional, nem tampouco de reformas
educativas e curriculares, cada vez mais circunscritas a conceitos-chave
que marcam o ritmo da competição escolar em busca da excelência
individual. Além disso, é necessário repensar o papel do professor, sempre
confrontado com o tradicional. Se a educação, através da escola, para
Arendt (2006), é a porta de entrada da criança no mundo, este mundo
é sempre passado e está em permanente conflito com quem aprende,
apesar do conflito hierárquico que ainda existe no interior das escolas.
A este respeito, Žižek (2015, p. 216) afirma que na “era das ordens hierár-
quicas dominadas pela figura de um Mestre terminou: estamos a entrar
num novo universo de multiplicidade, de ligações dinâmicas laterais, de
auto-organizações moleculares que não precisam de ser totalizadas”.

CONCLUINDO
A obsessão em torno dos resultados e consequente valorização dos
testes, não se inscreve apenas numa perspetiva pragmática de olhar para
a educação e formação de professores, como igualmente provoca na
educação e na formação de professores uma disfuncionalidade curricular,
lançando uma neblina sobre as escolas e os professores que torna o
presente mais sombrio, com o reforço de uma perspetiva pragmática, ou
seja, utilitária, que pretende substituir o aprender pelo fazer e que se torna
na fundamentação de uma similaridade curricular, alfa e ómega de uma
nova racionalidade tyleriana, já que o pensamento de Tyler (1949) não
só está de volta, pelo peso dos quatro princípios curriculares (objetivos,
conteúdos, atividades e avaliação), como também se amplia e difunde

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


42 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Formação (inicial e contínua) de professores em contexto de globalização

pelas políticas de prestação de contas e responsabilização, mesmo


que se afirme que seja “ilusório acreditar-se na viabilidade das políticas
curriculares uniformemente definidas a nível mega e macroestruturas
(internacionais ou nacionais) sem ter em consideração os contextos
regionais e locais, que se apresentam como garantes da prossecução e
realização de políticas, através de dinâmicas de significação, interpretação
e recriação, que acabam por influenciar a sua implementação ao nível
das instâncias escolares” (Varela, 2015, p. 46)
Mais do que respostas, são necessárias perguntas, pois “nós, pro-
fessores, somos exageradamente professores de respostas e pouco
professores de questionamentos” (Charlot, 2013, p. 178), tornando-se
urgente discutir a educação, o currículo, a didática e a formação de
professores na interseção da esfera pública com a esfera privada, ou
seja, do social com o pessoal, e no reconhecimento de que a escola é
formadora de identidades de sujeitos que têm uma consciência de si
e se relacionam com os outros (Sousa, 2015), situando-se num “lugar
cultural de proliferação de sentidos” (Favacho, 2015, p. 178).
Assim, a formação de professores exige não só o domínio de saberes
em contexto de instituições de ensino superior, pois “a solução para
os problemas da formação universitária de professores é redesenhar e
fortalecer o sistema, e não o abandonar” (Zeichner, 2013, p. 39), bem como
a valorização da dimensão profissional no espaço da escola, dizendo
Nóvoa (2017, p. 1123) que “o eixo de qualquer formação profissional
é o contacto com a profissão, o conhecimento e a socialização num
determinado universo profissional. Não é possível formar médicos sem a
presença de outros médicos e sem a vivência das instituições de saúde.
Do mesmo modo, não é possível formar professores sem a presença
de outros professores e sem a vivência das instituições escolares. Esta
afirmação, simples, tem grandes consequências na forma de organizar
os programas de formação de professores”.
No que diz respeito às modalidades de formação contínua, e em
tempos de que se fala tanto de inovação e flexibilização curriculares,
é adequada a afirmação centrada em projetos de ação que sejam
portadores de um olhar crítico da realidade escolar, buscando-se, desse
modo, o questionamento e a problematização da ação docente a partir
de uma política educativa, que coloque ao mesmo tempo o aluno e o
professor no centro da escola, e vise quer a melhoria das aprendizagens
e sua consolidação em competências cognitivas, sociais e pessoais, quer
a observação de dinâmicas de profissionalidade docente.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 43
José Augusto Pacheco & Ila Beatriz Maia

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FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


46 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
CAPÍTULO 4
FORMAÇÃO EM CONTEXTO E
COLABORAÇÃO DOCENTE

JOAQUIM MACHADO
Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa

A importância dos professores na transformação da escola e na pro-


moção da qualidade educativa está associada ao facto de serem eles os
profissionais especializados a quem a sociedade entrega a responsabili-
dade de conduzir e orientar as crianças e jovens no percurso educativo
formal. Esta importância é sistematicamente lembrada por diferentes
atores sociais e políticos, originando uma realidade discursiva, cujo
“excesso” esconde a “pobreza das práticas”, como ilustra Nóvoa (1999).
No que concerne à formação de professores, o autor assinala a conce-
ção escolarizada e academizante dos programas de formação inicial e
contínua e a progressiva perda do “sentido da reflexão experiencial e da
partilha de saberes profissionais” (1999, p. 14), concluindo que, apesar
da retórica do “professor reflexivo”, tal formação acabaria por menorizar
os educadores e professores dos ensinos básico e secundário “ante os
grupos científicos e as instituições universitárias” e, por isso, preconiza
a necessidade de “encontrar processos que valorizam a sistematização
dos saberes próprios, a capacidade para transformar a experiência em
conhecimento e a formalização de um saber profissional de referência”
(1999, p. 18).
O objetivo deste capítulo é explicar a importância da formação contí-
nua para o desenvolvimento profissional pela “necessidade de reflexão
sobre a prática e o trabalho colaborativo, tanto para o intercâmbio de
experiências, como para provocar processos de comunicação” entre os
pares (Torrecilla-Sánchez, Migueláñez & Rodríguez Conde, 2017, p. 105).

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS


A formação inicial é um marco importante na aprendizagem dos
saberes profissionais para a docência, mas não é exclusivo. Por isso, a
abordagem de Nóvoa (1999) abre-se a uma perspetiva de formação de

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 47
Joaquim Machado

professores que não se circunscreva a uma etapa prévia antes da indução


em contextos de trabalho, mas que faça da formação inicial uma etapa
de um longo e diferenciado processo que é inerente à globalidade do
percurso profissional.
Sobretudo a partir dos anos 90 do século XX, “o conceito de aprendi-
zagem ao longo da vida tomou uma dimensão estratégica e funcional”
nos debates sobre a formação e é revelador do novo significado que
ganha o vocábulo aprender, bem como da tensão entre uma pers-
petiva de “instrumentalização” com vista à adaptabilidade das “forças
de trabalho” e de “emancipação” dos indivíduos através do reforço da
liberdade de planeamento e de engajamento social (Alheit & Dausein,
2006, pp. 177-178).
A aprendizagem ao longo da vida tornou-se importante instrumento
de governança, dele se reivindicando as políticas europeias que colocam
o desenvolvimento profissional contínuo no cerne da estratégia europeia
para melhorar a qualidade da educação e está na base de uma “revolução
silenciosa da educação” que requer uma mudança de paradigma na
organização da aprendizagem, seja na idade adulta seja nas primeiras
formas da escolaridade (Alheit & Dausein, 2006, p. 183).
A formação de professores visa a promoção dos saberes profissionais
inerentes ao desempenho docente, isto é, dos saberes que “consubstan-
ciam teorias, práxis, relações e afetos, valores e normas” e “constituem-se,
por definição, em conhecimentos mobilizáveis para a ação docente
contextualizada, ou seja, configuram competências profissionais” (For-
mosinho, 2009, p. 9).
A formação de professores deve, assim, valorizar, não apenas a teoria
e a prática, mas igualmente as práticas formativas através das quais se
processa a formação e deve advogar o isomorfismo pedagógico enten-
dido como “estratégia metodológica que consiste em fazer experienciar,
através de todo o processo de formação, o envolvimento e as atitudes;
os métodos e os procedimentos; os recursos técnicos e os modos de
organização que se pretende que venham a ser desempenhados nas
práticas profissionais efetivas dos professores” (Niza, 2009, p. 352).
É no exercício da função de ensinar, entendida como “promoção,
sustentada em conhecimento profissional, da aprendizagem de alguma
coisa por alguém“, que reside a especificidade técnica e científica que
suporta a afirmação profissional da docência (Roldão, 2014, p. 62). Ora
o que está em jogo na “revolução silenciosa” inspirada no conceito de
aprendizagem ao longo da vida é a alteração da orientação da ação
educativa que deve deslocar-se do ensinar para o polo correlativo da efe-
tividade do processo que é o aprender: “A questão central da pedagogia
não é mais saber como uma determinada matéria pode ser ensinada

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


48 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Formação em contexto e colaboração docente

da maneira mais eficaz possível, porém quais são os ambientes de


aprendizagem que são os melhores para estimular a responsabilização
dos processos de aprendizagem pelos próprios aprendentes, ou seja
como o aprender pode ser ‘aprendido’” (Alheit & Dausein, 2006, p. 183).
Assim, uma perspetiva que associe a formação ao trabalho e ao
desempenho docente requer a superação da dissociação entre o discurso
científico-educacional e as práticas pedagógicas, dissociação essa que,
segundo Nóvoa (1999), se traduziria em eventos e publicações de caráter
científico sobre “o que os professores fazem” mas também na “’deslegi-
timação’ dos professores como produtores de saberes”, porquanto esta
aproximação das instituições universitárias às escolas “não conduz a
que os professores fiquem a saber melhor aquilo que já sabem”, antes
os desapossa dos seus saberes (1999, p. 15) e permite “a pobreza atual
das práticas pedagógicas, fechadas numa conceção curricular rígida e
pautadas pelo ritmo de livros e materiais escolares concebidos por gran-
des empresas” (1999, p. 16). Considera Nóvoa que, revestindo-se a ação
educativa de uma grande complexidade e de margens significativas de
imprevisibilidade, a solução não estará na secundarização dos professores
através tanto da aplicação de materiais curriculares pré-preparados
quanto do recurso a meios tecnológicos, mas principalmente no “reforço
de práticas pedagógicas inovadoras, construídas pelos professores a
partir de uma reflexão sobre a experiência” (1999, p.18).

DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL E APERFEIÇOA-


MENTO PROFISSIONAL
A análise de Nóvoa (1999) distancia-se de uma perspetiva que reduz o
ensino e a promoção das aprendizagens dos alunos apenas à dimensão
didática da função docente, quando, mesmo reduzindo a atividade
docente às aulas, à sua preparação e à monitorização e avaliação das
aprendizagens dos alunos, se constata que a dimensão relacional cons-
titui elemento importante na criação de um ambiente positivo de
aprendizagem.
Na verdade, o desempenho docente inclui, para além da componente
letiva, uma componente institucional e uma componente profissional. Na
componente institucional, o professor desempenha tarefas de gestão e
coordenação e procede a registos formais das atividades realizadas por
ele ou pelo grupo que coordena e interage com os pais e outros membros
da comunidade no âmbito da construção e implementação do projeto
educativo de escola ou agrupamento. Na componente profissional, o
professor põe em prática valores e virtudes que dizem respeito à ética
profissional, procura o desenvolvimento da sua profissionalidade através

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 49
Joaquim Machado

da formação contínua e/ou especializada e envolve-se em projetos que


lhe permitam novas aprendizagens profissionais (Machado & Formo-
sinho, 2018).
A expressão destas dimensões está condicionada pela ação do pro-
fessor, mas também pela das pessoas com quem interage (alunos,
professores, outros profissionais, membros da comunidade), pelo con-
texto (aula, escola, comunidade) em que se desenvolve a interação
e pelos distintos papéis que o professor desempenha na escola. Por
isso, o aperfeiçoamento profissional de cada docente exponencia-se
quando associado ao desenvolvimento dos alunos, ao desenvolvimento
profissional dos seus pares e ao desenvolvimento dos contextos em que
desenvolve a ação docente.
O modelo de formação contínua de professores português integra,
desde o início, modalidades de formação que visam desenvolver o aper-
feiçoamento dos professores nestas distintas dimensões (Decreto-Lei
n.º 249/92, de 9 de novembro, art.º 7.º). Em 1999, o Contributo para a
Consolidação da Formação Contínua Centrada nas Práticas do Conselho
Científico-Pedagógico da Formação Contínua (CCPFC) distinguia, nas
modalidades de formação, o grupo das que se centram nos conteúdos
ou temáticas (cursos de formação, módulos de formação e seminários) e
o grupo das que se centram nos contextos escolares e nas práticas pro-
fissionais (oficinas de formação, estágios, projetos e círculos de estudos).
As modalidades do primeiro grupo destinam-se predominantemente
à aquisição de conhecimentos, podem conduzir ao desenvolvimento
de capacidades e competências dos professores, mas, por si sós, não
garantem a experimentação e aplicação das aquisições pessoais nos
espaços de trabalho docente (sala de aula, escola, território educativo). Já
as modalidades do segundo grupo desenvolvem-se em torno de projetos
de transformação das práticas pedagógicas e/ou da escola enquanto
organização, orientando-se, assim, mais para a resolução de problemas
identificados a nível organizacional, curricular e pedagógico. Os círculos
de estudos e os projetos permitem que os professores se juntem por
iniciativa própria, estudem uma problemática comum e desencadeiem
a busca de soluções adequadas. As oficinas de formação e os estágios
visam essencialmente a intervenção sobre as práticas profissionais,
promovendo a formação em alternância, o encontro de momentos
de aplicação/experimentação e a avaliação dos resultados provocados
numa dinâmica de ação-reflexão-ação.
Contudo, o estudo de Lopes e colaboradores (2011, p.166) sobre a for-
mação entre 1992 e 2007 assinala que o papel da escola na formação se
tem tornado mais administrativo que projetual, notando-se a ausência

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


50 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Formação em contexto e colaboração docente

de uma perspetiva institucional (organizacional ou coletiva) da escola


sobre si própria.

EFEITOS INDIVIDUAIS E INSTITUCIONAIS DA FORMAÇÃO


No desenvolvimento das distintas modalidades de formação desta-
cam-se os centros de formação (CFAE) que resultaram do agrupamento
de escolas de determinada área geográfica. A eles compete: identificar
as necessidades de formação e dar-lhes resposta, elaborar planos de
formação e promover a articulação de projetos desenvolvidos pelas
escolas com os órgãos de poder local, criar e gerir centros de recursos
e coordenar e apoiar projetos de inovação das escolas, incentivar a
autoformação e a prática de investigação e fomentar o intercâmbio e a
divulgação de experiências pedagógicas (Decreto-Lei nº 207/96, de 26
de Novembro, artºs 19º e 20º).
Na verdade, aos CFAE cabe um forte quinhão de oferta formativa,
como comprovam os dados fornecidos pelo CCPFC. No relatório de
atividades de 2016 deste órgão consta que, dos 4388 processos de
acreditação e creditação de ações de formação tratados por ele nesse
ano, 3170 foram apresentadas pelos CFAE, 487 pelas instituições de
ensino superior, 616 pelas associações de professores e 115 pelas restantes
entidades formadoras. O mesmo relatório informa que em 31 de dezem-
bro de 2016, das 13169 propostas de formação com acreditação válida,
9547 pertencem aos CFAE, 1848 às associações de professores, 1476 às
instituições de ensino superior e 298 às restantes entidades formadoras.
De igual modo, o estudo de Santos (2009) revela que é na oferta dos
CFAE que predominam as “novas” modalidades: 77.4% na modalidade
de estágio, 80.2% na modalidade de oficina, 86.3% na modalidade de
projeto e 90.5% na modalidade de círculo de estudos – apenas sendo
ultrapassados pelas instituições de ensino superior (55.1%) na modalidade
de seminário (2009, p. 35 e 40). Já o relatório de atividades do CCPFC
revela que, em 2016, se mantém a predominância das modalidades
de formação centradas nos conteúdos, mas que a sua expressão per-
centual diminui devido ao aumento das acreditações de propostas na
modalidade de oficina de formação e mostra que as propostas de ações
nas modalidades de seminário, estágio, projeto e círculo de estudos são
muito pouco significativas (0.02%, 0.02%, 0.48%, 1.44%, respetivamente).
Se em 1997, as propostas na modalidade de oficina de formação eram
de 5.3%, em 2011 são de 30.73%, em 2012 de 28.35%, em 2013 de 22.49%,
em 2014 de 30.73%, em 2015 de 22.83% e em 2016 de 26.28%.
A predominância das ações relativas ao conteúdo (sobretudo os
conteúdos centrados nas disciplinas) explica-se pela maior relevância

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 51
Joaquim Machado

atribuída às ações que melhoram os conhecimentos científicos dos


professores e permitem a aplicação na sala de aula de materiais ou
estratégias apresentadas ou desenvolvidas em formação. Esta relevância
é congruente com uma perspetiva de mudança que se centra no profes-
sor, no seu trabalho e nas suas competências individuais, privilegiando
os efeitos individuais sobre os efeitos institucionais da formação, ao
mesmo tempo que dá conta do tipo de desenvolvimento profissional
procurado pelos formandos e do sentido da satisfação profissional por
eles explicitada: aquisição de competências individuais para melhoria
do desempenho individual, nomeadamente melhoria do trabalho com
os alunos a nível da sala de aula (Formosinho, Machado & Mesquita,
2014, p.126).
Em sentido diferente vai o Decreto-Lei nº 22/2014, de 11 de fevereiro,
quando realça a necessidade de vinculação da ação dos CFAE à ação
estratégica das escolas associadas (nomeadamente a “concretização dos
seus projetos educativos e curriculares”) e respetivos planos de formação,
privilegiando a criação de uma bolsa de formadores internos para o
acompanhamento desses planos anuais e/ou plurianuais. Mas não deixa
de manter o foco na dimensão didática quando considera que, para
efeitos de progressão na carreira, “a componente da formação contínua
incida em, pelo menos, 50% na dimensão científica e pedagógica” (art.º
9.º) e, por isso, favorecendo a interação dos professores no âmbito da “área
de docência, ou seja, áreas do conhecimento que constituem matérias
curriculares nos vários níveis de ensino” (al. a) do art.º 5.º), e reforçando
as práticas de interação no interior dos grupos disciplinares.

APERFEIÇOAMENTO CONTÍNUO SUSTENTADO NA COLA-


BORAÇÃO DOCENTE
Se afirmamos a centralidade do currículo no desenvolvimento do
conhecimento profissional e organizacional (Roldão, 2015), importa
lembrar que a ação docente se opera a nível da aula, a nível da escola e
a nível do território educativo. Por outro lado, a retórica do “retorno” da
formação à escola associa-se ao debate sobre os efeitos da formação e
o seu impacto na melhoria das aprendizagens dos alunos, mas a sua
operacionalização focaliza-se mais no trabalho curricular estrito do que
na reconfiguração dos modos de trabalho coletivo dos professores nas
escolas, “sem prejuízo de eles mesmos considerarem como relevantes
as ações que criem condições de produção de conhecimento e de
inovações educativas, contribuam para o desenvolvimento profissional,
proporcionem o trabalho em equipa e práticas colaborativas dos pro-
fessores” (Formosinho, Machado & Mesquita, 2014, p. 127).

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


52 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Formação em contexto e colaboração docente

O trabalho em equipa tem especial pertinência quando se realiza em


torno das zonas indeterminadas da prática que os professores encontram
no exercício profissional, sobretudo em tempos de mudança, e extravasa
as fronteiras disciplinares, porquanto as estruturas balcanizadas estão
mal equipadas para ligar três aspetos hoje essenciais para responder à
complexidade da escola: “os recursos humanos que são necessários à
criação de uma aprendizagem flexível dos alunos, o crescimento profis-
sional contínuo do seu pessoal docente e a capacidade de resposta às
mudanças das necessidades da comunidade” (Hargreaves, 2001, p. 266).
Importa, por isso, criar oportunidades de os professores aprenderem
uns com os outros, especialmente com os colegas que exercem a sua
atividade noutros domínios curriculares ou noutros níveis de escolari-
dade (Lima, 2002, p. 11). Neste sentido, é na colaboração docente que
se joga a sustentabilidade do desenvolvimento organizacional e do
aperfeiçoamento profissional.

CONCLUSÃO
A formação de professores visa a promoção dos saberes profissionais
inerentes ao desempenho docente. A sociedade do conhecimento requer
que essa formação não se circunscreva à formação inicial e pede um
novo paradigma de organização da aprendizagem.
A abrangência da docência comporta uma diversidade de saberes
profissionais e consubstancia-se em distintas dimensões do desempenho
docente, ele mesmo imbuído de tensões e paradoxos que estão na base
de diferentes políticas e de distintos discursos sobre o profissionalismo
docente (Flores, 2014). A experiência mostra que a formação mais sig-
nificativa ocorre em contexto de trabalho, pede transferência para a
ação docente contextualizada e em grande parte realiza-se através da
aprendizagem com os pares (Formosinho, 2009). Neste sentido, os efeitos
da formação tornam-se mais visíveis quando ela se associa a projetos de
desenvolvimento organizacional sustentados na colaboração docente.

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DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 53
Joaquim Machado

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FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


54 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
CAPÍTULO 5
FORMAÇÃO CONTÍNUA – QUO VADIS?

ANTÓNIO JOSÉ OLIVEIRA GUEDES


Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto

FERNANDO ANTÓNIO MACEDO AZEVEDO


Agrupamento de Escolas Vallis Longus

1. INTRODUÇÃO
A escola de hoje é um palco para onde convergem muitas das ques-
tões que afetam a sociedade atual e também encerra, ela própria,
algumas problemáticas que advêm dos seus atores ou do seu normal
funcionamento enquanto organização integrada no Sistema Educativo.
A este propósito, um estudo do Conselho Nacional da Educação refere
que “embora a formação de professores não seja a panaceia para todos os
problemas da educação, a verdade é que ela constitui um dos elementos
decisivos para melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem nas
escolas” (Conselho Nacional de Educação, 2014, p. 270). Com efeito, é
consensual que a formação está diretamente ligada à qualidade do
desempenho, quer dos docentes que iniciam o exercício da profissão,
quer daqueles que exercem funções há mais tempo, e que se defrontam
igualmente com desafios e problemáticas decorrentes da ação educativa
e do devir constante que os rodeia. As próprias instituições de ensino
público onde estes profissionais se integram, outrora escolas de pequena
ou média dimensão, em muitos casos viram-se fundidas ou inseridas
noutras organizações maiores e mais complexas, os agrupamentos,
originando novos desafios e novas problemáticas a nível organizativo
e estratégico, bem como na vertente ligada ao exercício individual da
profissão.
Por outro lado, o refreamento da entrada na profissão docente de
recém-formados que se tem verificado no nosso país poderá também
contribuir para que a formação contínua venha a assumir uma nova
centralidade como forma de impedir a cristalização das práticas dos

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 55
António José Oliveira Guedes & Fernando António Macedo Azevedo

docentes em exercício, possibilitando o seu desenvolvimento profissional,


a sua adaptação e resposta às novas realidades, às novas mundividências
e aos conhecimentos hodiernos, contribuindo desse modo para que a
educação em Portugal seja de facto um desígnio nacional e suporte
de progresso social.
Nos últimos anos a escola pública tem enfrentado diversas vicissitudes
e tem percorrido um trajeto marcado por diferentes discursos de política
educativa, que se repercutem na sua ação. A formação contínua em
particular tem refletido esta situação, encontrando-se neste momento
numa encruzilhada em que não se vislumbra no imediato uma saída
segura e tranquila, urgindo analisar a sua realidade, problematizá-la e
apontar possíveis caminhos vindouros.

2. A FORMAÇÃO CONTÍNUA E ESPECIALIZADA NA CONS-


TRUÇÃO DA PROFISSIONALIDADE DOCENTE
Se atendermos à sua etimologia, a palavra formar significa dar o ser
e a forma. Formação profissional remete-nos para uma ação profunda
na pessoa implicando uma transformação do ser, uma ação global
que incida simultaneamente sobre o saber, o saber-fazer e o saber-ser.
García refere que a formação pode “ser entendida como um processo de
desenvolvimento e estruturação da pessoa que se realiza com o duplo
efeito de uma maturação interna e de possibilidades de aprendizagem,
de experiências dos sujeitos” (1999, p. 19). Por conseguinte, entendemos
que ela se constituirá como um processo de evolução que ocorre no
interior de cada formando e que se visibiliza no desenvolvimento e na
expressão do pensamento, nas suas ações e interações, em suma no
seu desempenho global, em crescimento dinâmico ao longo da vida.
Deste modo, o processo formativo deverá ter um caráter permanente
revertendo num aperfeiçoamento da atividade do indivíduo e no seu
consequente crescimento profissional, podendo traduzir-se numa
formação contínua e eminentemente segmentada quanto às áreas em
que incide e que se concretiza em diversas ações de duração relativa-
mente curta, ou então consistindo numa formação especializada em
determinada área, com maior duração e aprofundamento, que inclusive
poderá habilitar para o desempenho de funções específicas.
Reconhecendo a importância da formação na profissão docente, o
relatório da OCDE (2009) sobre a criação de ambientes eficazes para o
ensino e aprendizagem considera que Portugal é um dos países em que
“os professores que tinham recebido mais desenvolvimento profissional
comunicaram níveis de autoeficácia significativamente mais altos” (p. 3),
o que se refletirá no maior domínio de uma panóplia de recursos a usar

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


56 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Reconhecendo a importância da formação na profissão docente, o relatório da O.C.D.E. (2009)
Formação contínua – Quo vadis?
sobre a criação de ambientes eficazes para o ensino e aprendizagem considera que Portugal é
um dos países em que “os professores que tinham recebido mais desenvolvimento profissional
comunicaram níveis de autoeficácia significativamente mais altos” (p. 3), o que se refletirá no
na sua atividade, de acordo com as necessidades contextuais. Por outro
maior domínio de uma panóplia de recursos a usar na sua atividade, de acordo com as
lado, o Relatório Eurydice refere que “o desenvolvimento profissional
necessidades contextuais. Por outro lado, o Relatório Eurydice refere que “o desenvolvimento
contínuo (DPC) tem vindo a adquirir uma importância considerável no
profissional contínuo (DPC) tem vindo a adquirir uma importância considerável no decurso dos
decurso dos últimos
últimos anos, sendo anos,considerado
atualmente sendo atualmente considerado
um dever profissional um dever
em 28 sistemas
profissional em 28 sistemas educativos” (2013, p.
educativos” (2013, p. 57), tal como ilustra a figura seguinte: 57), tal como ilustra a
figura seguinte:
Este
DPC é

Figura 1 - Estatuto do desenvolvimento profissional contínuo para os professores da educação pré-


Figura 1 - Estatuto do desenvolvimento profissional contínuo para os professores da
escolar, ensino primário e ensino secundário (CITE 0, 1, 2 e 3), 2011/12.
educação pré-escolar, ensino primário e ensino secundário (CITE 0, 1, 2 e 3), 2011/12.

entendido como a participação em atividades formativas de caráter formal ou informal seja a


Este DPC é entendido como a participação em atividades formativas
nível disciplinar ou na perspetiva de aquisição de qualificações suplementares, podendo ainda
de caráter formal ou informal seja a nível disciplinar ou na perspetiva de
estar associado à introdução de reformas educativas. Enquanto dever profissional, o DPC é
aquisição de qualificações suplementares, podendo ainda estar associado
mencionado nos contratos ou nas regulamentações da atividade docente destes países,
à introdução
podendo surgir de reformas
especificado educativas.
ou não um número Enquanto dever
mínimo de horas profissional, o
obrigatório.
DPC é mencionado nos contratos ou nas regulamentações da atividade
docente destes países, podendo surgir especificado ou não um número
mínimo de horas obrigatório.
Portugal é um dos países que se enquadra nesta perspetiva, como se
pode constatar pela análise da legislação. Com efeito, a formação contí-
nua de professores ganhou expressão a partir da Lei de Bases do Sistema
Educativo (LBSE) de 1986 que definiu os seus princípios reconhecendo-a
como um direito de todos os profissionais de educação. A alteração
esta Lei, introduzida pela Assembleia da República em 2005, refere
no seu artigo 38.º que “a formação contínua deve ser suficientemente
diversificada, de modo a assegurar o complemento, aprofundamento
e atualização de conhecimentos e de competências profissionais, bem
como a possibilitar a mobilidade e a progressão na carreira” (p. 5133).
Assim, para além da formação inicial, torna-se formalmente reconhe-
cida a importância do processo de formação permanente e abrangente
em relação às múltiplas dimensões de ação do professor de modo a
permitir a necessária atualização e o desenvolvimento profissional para

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 57
António José Oliveira Guedes & Fernando António Macedo Azevedo

que ele possa corresponder positivamente às contingências e aos reptos


que enfrenta.
No entanto, tal como refere Ruela (1998), até à publicação do Regime
Jurídico da Formação Contínua dos professores dos ensinos básico e
secundário (RJFC) em 1992 as ações de formação realizadas “tinham
origem em iniciativas pontuais dos serviços centrais do Ministério da
Educação, dos sindicatos dos professores e das escolas” (p. 20). Com este
normativo surge um novo paradigma onde emerge claramente, pela
primeira vez, o papel das escolas e dos professores na formação contínua
ao poderem associar-se em centros de formação devidamente acredita-
dos junto do Conselho Coordenador da Formação Contínua de modo a
implementar ações também elas acreditadas por este órgão. No entanto,
esta legislação favoreceu não só a transposição do modelo escolar para
estes contextos pelas modalidades formativas impostas, como também
promoveu em parte “uma formação contínua desinserida dos contextos
de trabalho, com a finalidade de adaptar os professores a mudanças de
natureza técnica ou introduzidas pela Reforma Educativa concebida pela
Administração Central e impostas às escolas e aos professores” (Ruela,
1998, pp. 20-25), imprimindo-lhe um caráter meramente instrumental.
De resto, desde essa data até aos nossos dias o centralismo esteve
sempre subjacente nas sucessivas alterações legislativas e na definição da
formação contínua a concretizar: de modo direto pelo estabelecimento
de prioridades de formação e de financiamento independentemente da
especificidade dos contextos locais, como sucedeu durante o período em
que foram consignadas verbas provenientes do Fundo Social Europeu, ou
pelo desenvolvimento de programas nacionais de formação tendo em
vista a implementação de mudanças curriculares, como se verificou mais
com a formação nacional sobre as Metas Curriculares de Português e de
Matemática e mais recentemente com a implementação do Programa
Nacional de Promoção e Sucesso Escolar; indiretamente através das
normas que ligam a formação à progressão na carreira e que tendem
a impelir os professores para determinadas ações, ou pela incidência de
forte pressão sobre as escolas e os professores tendo em vista a eficácia
da sua ação relacionada com os resultados escolares.
Essa visão centralista esteve associada a uma perspetiva assistencialista
em que as ações de formação contínua eram muitas vezes oferecidas
aos docentes, qual menu à disposição dos clientes, podendo ou não ir
ao encontro das suas reais necessidades.
O atual Regime Jurídico da Formação Contínua (RJFC) aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 22/2014 de 11 de fevereiro, surge na linha de uma
mudança de política a nível do financiamento e de outras orientações
que envolvem a implementação da formação contínua em Portugal.

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


58 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Formação contínua – Quo vadis?

Reforça a sua obrigatoriedade e aponta no seu preâmbulo a intenção


de “centrar o sistema de formação nas prioridades identificadas nas
escolas e no desenvolvimento profissional dos docentes, de modo a que
a formação contínua possibilite a melhoria da qualidade do ensino e se
articule com os objetivos de política educativa local e nacional” (Ministério
da Educação e Ciência, 2014, p. 1286). Salienta a importância da análise
das necessidades formativas tendo em conta os dados emergentes
das necessidades de desenvolvimento profissional dos docentes e do
processo de avaliação das escolas. Procura ainda fomentar a aposta nos
recursos endógenos dessas instituições. Neste diploma legal é visível a
preocupação de abranger não só a área da docência, como também a
própria instituição educativa, pela adequação às suas necessidades e
prioridades, “tendo em vista a concretização dos seus projetos educativos
e curriculares (…) como forma de consolidar a organização e autonomia”
(Ministério da Educação e Ciência, 2014, p. 1287), tal como está expresso
nos princípios e objetivos da formação a desenvolver.
Decorridos cerca de quatro anos desde a sua entrada em vigor cons-
tata-se que apesar das eventuais boas intenções da legislação, não tem
existido a necessária correspondência de meios e de incentivos que
permitam implementar a formação contínua necessária de modo a
que possa efetivamente desempenhar o seu papel, tal como já ficou
expresso nas linhas anteriores, o que vem reforçar a sua pertinência.
O Regime de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimen-
tos Públicos da Educação Pré-escolar e dos Ensinos Básico e Secundário
(RAAG) com as alterações introduzidas em particular pelo Decreto-Lei
n.º 137/2012 de 2 de julho, referencia a importância da formação no
desempenho de várias funções de gestão nas escolas e remete para
o conselho pedagógico a responsabilidade da elaboração do plano de
formação, atribuindo a competência da sua aprovação em simultâneo
a este órgão e ao diretor. No entanto, não traça qualquer perspetiva da
sua exequibilidade deixando totalmente em aberto o caminho a seguir,
com todas as consequências que daí possam advir, sejam elas positivas
ou negativas.
Dentro do quadro da formação pós-inicial, numa perspetiva de desen-
volvimento profissional contínuo referido anteriormente, o Decreto-Lei
n.º 95/97 de 23 de abril vem estabelecer o Regime Jurídico da Formação
Especializada. O seu artigo 2.º preconiza-a como a “aquisição de com-
petências e de conhecimentos científicos, pedagógicos e técnicos, bem
como no desenvolvimento de capacidades e atitudes de análise crítica,
de inovação e de investigação em domínio específico das ciências da
educação” (Ministério da Educação, 1995, p. 1832). Este diploma legal
vem regulamentar o funcionamento desta modalidade de formação,

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 59
António José Oliveira Guedes & Fernando António Macedo Azevedo

especificando as áreas em que deverá incidir a “qualificação de docentes


para o exercício de outras funções educativas necessárias ao desenvol-
vimento do sistema educativo” (Ministério da Educação, 1995, p. 1831),
nomeadamente educação especial, administração escolar e admi-
nistração educacional, animação sociocultural, orientação educativa,
organização e desenvolvimento curricular, supervisão pedagógica e
formação de formadores, gestão e animação da formação, comunicação
educacional e gestão da informação.
Neste Decreto-Lei está subjacente o reconhecimento da complexidade
dos desafios que a escola e o professor enfrentam. Lembramos aqui a
abordagem da profissão em contínuo desenvolvimento, bem como o
que Formosinho apelida de “reconfiguração das tarefas cometidas à
escola para todos” (2000, p. 9). O alargamento e diversificação das suas
funções exigem uma formação acrescida mais sólida e específica em
algumas áreas, além da formação inicial mais ligada às competências
genéricas da profissão e da formação contínua de caráter mais pontual,
que habilite também os professores para o desempenho adequado de
determinadas tarefas e cargos especializados. Este poderá ser o papel
da formação especializada, independentemente de sabermos que
tradicionalmente a especialização nas organizações está ligada a uma
conceção racional e burocrática vivida no início do século XX.
Deste modo, embora apresentem as suas especificidades, formação
contínua e formação especializada são duas modalidades que podem
favorecer, entre outros aspetos, o necessário desenvolvimento profissional
permanente dos docentes. O que as distingue legalmente é que con-
trariamente à primeira modalidade, a formação especializada só pode
ser oferecida por instituições de ensino superior e tem como principal
finalidade habilitar os docentes para o desempenho de tarefas ou cargos
especializados, conferindo um grau académico ou diploma que pode
constituir habilitação profissional. Sabemos também que a formação
especializada normalmente concretiza-se num espaço temporal mais
alargado e permite maior aprofundamento das áreas sobre as quais
incide, o que poderá reverter num efeito formativo mais consistente e
duradouro.
O Estatuto da Carreira Docente (ECD), aprovado pelo Decreto-Lei n.º
139-A/90 de 28 de abril e cuja última alteração significativa introduzida
ocorreu em 2012, constitui-se como um dos principais pilares de susten-
tação e regulamentação da profissão. Este normativo reforça o direito à
formação apontando-o como um dos sustentáculos da função, clarifica
as modalidades de formação inicial, contínua e especializada, reconhece
a sua imprescindibilidade e atribui-lhes diferentes utilidades em função
dos contextos profissionais. De acordo com o artigo 15.º deste diploma

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


60 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Formação contínua – Quo vadis?

legal, a formação contínua “destina-se a assegurar a actualização, o


aperfeiçoamento, a reconversão e o apoio à actividade profissional do
pessoal docente, visando ainda objectivos de desenvolvimento na car-
reira e de mobilidade” (Ministério da Educação, 2012, p. 836). Já quanto
à formação especializada é referido no seu artigo 14.º que “visa a qua-
lificação dos docentes para o desempenho de funções ou actividades
educativas especializadas” (Ministério da Educação, 2012, p. 836), em
áreas específicas e necessárias na estrutura do sistema educativo, tal
como já foi referenciado.
Neste Decreto-Lei a formação pós-inicial surge como um imperativo
na progressão da carreira, mas também como resposta às necessidades
do sistema educativo ou como vetor de desenvolvimento profissional
e por isso esta é uma área específica sobre a qual incide a avaliação de
desempenho, tal como preconiza o Artigo 42.º e seguintes do E.C.D., o
que salienta a sua importância no trajeto do professor, na qualidade
do ensino e da educação em geral, mas enfatiza também a regulação
e o controle no processo de desenvolvimento profissional por parte da
Administração Central.
O documento Portugal 2020 aponta a “melhoria da formação de
professores/formadores, de forma a ajustar práticas pedagógicas às
especificidades das diferentes entidades educativas ou formadoras e
dos alunos/formandos” (Governo de Portugal, 2014, p. 49), como uma
das estratégias de reforço do capital humano, indiciando a possibilidade
de apoio financeiro à formação contínua. No entanto, ao apontar como
prioridade a atualização científica dos docentes “no âmbito da introdução
das metas curriculares em disciplinas estruturantes” (Governo de Portu-
gal, 2014, pp. 49-50), promove um enquadramento minimalista e redutor
da abrangência da formação contínua, focalizando-a na necessidade de
implementação de uma linha de política educativa específica.
Em 24 de março a Presidência do Conselho de Ministros aprovou a
Resolução N.º 23/2016 que criou o Programa Nacional de Promoção do
Sucesso Escolar, reconhecendo que “são as comunidades educativas
quem melhor conhece os seus contextos, as dificuldades e potencialida-
des” (2016, p. 1195). Propunha-se apoiar a elaboração e implementação de
planos de formação que considerassem as ações estratégicas definidas
localmente, com particular incidência no trabalho pedagógico em sala
de aula, tendo em vista “melhorar as práticas educativas e as aprendi-
zagens dos alunos” (Presidência do Conselho de Ministros, 2016, p. 1195)
Abriu-se assim uma janela de oportunidade para a implementação de
formação contínua tendo em conta a realidade local, os seus problemas
e necessidades, embora a anunciada centração na sala de aula corresse
o risco de marginalizar outras debilidades, porventura determinantes

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 61
António José Oliveira Guedes & Fernando António Macedo Azevedo

ou impeditivas em alguns contextos do desenvolvimento organizativo


das escolas.
Todo este quadro legal retratado resumidamente nas linhas anteriores
tem servido de suporte à formação de professores concretizada nas
escolas públicas nos últimos anos e aponta algumas possibilidades para o
futuro próximo, estando subjacente à problemática central deste capítulo.

3. FORMAÇÃO CONTÍNUA – QUO VADIS?


O conjunto de postulados teóricos e de diplomas legais que consti-
tuem a edificação da educação visibilizam o papel e a importância da
formação contínua e da formação especializada na profissão docente,
bem como o seu contributo para o desenvolvimento da organização-
-escola, tal como tem sido abordado neste capítulo. Contudo, consi-
deramos que a formação especializada produz normalmente maior
efeito estrutural positivo no desenvolvimento profissional do professor,
pelo processo em si, mas também pela predisposição do sujeito em
formação, normalmente por vontade própria, em conhecer, em refletir
de modo fundamentado e incorporar novos saberes e competências,
permitindo-lhe reconfigurar as suas conceções e práticas ou mesmo a
sua própria identidade profissional. Parece-nos também que a formação
contínua poderia desempenhar este papel, no seu todo ou em parte. No
entanto, na realidade atual, o impacto das ações de formação contínua
na profissão docente tende a ser mais superficial pela sua curta duração
e frequentemente pelos modelos formativos improfícuos exteriores ao
professor e ao seu contexto particular, que se baseiam com frequência
numa lógica escolar clássica de reprodução, imitação e aplicação de
regras e receitas; também pela eventual resposta pontual e parcelar às
necessidades ou pelo seu caráter de mera obrigatoriedade.
Infelizmente em muitas ocasiões a formação tende a ser vista como
uma imposição burocrática que acresce às restantes tarefas que o
professor tem de cumprir na sua vida profissional e pessoal, tornando-se
quase um mal necessário que sobrecarrega o seu horário, gerando uma
participação passiva da sua parte. A este propósito, vejam-se os dados
indicados pela OCDE (2009, p. 72) relativos às razões ligadas à não parti-
cipação dos professores em iniciativas que promovem desenvolvimento
profissional:

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


62 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Formação contínua – Quo vadis?

Gráfico 1 - Razões de não participação de professores


em formação profissional (OCDE, 2009)

Em múltiplas situações a formação tende a ser vista não como um


direito e uma oportunidade de crescimento profissional, mas antes como
uma obrigação originada por um imperativo legal, que conflitua com
outros aspetos da vida dos docentes e da qual não se antevê benefício
efetivo para além da acumulação de créditos ou horas a usar quando
necessário, como tal se inserisse num sistema bancário.
Acrescente-se que todo o ordenamento jurídico existente não criou
até agora, na prática, condições para suprir evidentes carências de
financiamento da formação contínua em época de crise financeira, nem
apontou uma estratégia nacional clara e ao mesmo tempo exequível
para a formação docente. As linhas de financiamento da formação
contínua que remontam aos anos de 2010 com o Plano Tecnológico da
Educação e de 2013 com a introdução das Metas Curriculares, surgiram
pela iniciativa da Administração Central com o objetivo de introdução de
mudanças no Sistema Educativo em sentido top-down, num processo
em que as realidades locais, as suas problemáticas e os seus contextos
organizacionais ficaram arredados. Sem financiamento do Estado ou
da União Europeia, é frequente nos orçamentos das escolas públicas a
inexistência de dotação financeira destinada a iniciativas formativas e,
quando essa dotação existe, é diminuta face às necessidades identifi-
cadas, permitindo apenas ações de caráter pontual.
Deste modo parece menosprezar-se o seu caráter impulsionador de
desenvolvimento nas suas múltiplas perspetivas, ignorando-se não só
as necessidades formativas individuais, mas também as necessidades
das instituições em que estes profissionais se inserem.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 63
António José Oliveira Guedes & Fernando António Macedo Azevedo

Tem-se mantido o risco de fomentar percursos formativos erráticos,


ao sabor da oportunidade do momento e por conseguinte sujeitos
a possíveis desvios em relação ao verdadeiro papel que a formação
contínua pode desempenhar e às necessidades efetivas dos atores e
das instituições.
Mais recentemente, no quadro das orientações de política educativa
definidas no Programa do XXI Governo Constitucional, nas Grandes
Opções do Plano 2016-2019 e na Resolução do Conselho de Ministros n.º
23/2016, de 24 de março, foi criado o Programa Nacional de Promoção
do Sucesso Escolar.
O programa assenta no princípio de que são as comunidades edu-
cativas quem melhor conhece os seus contextos, as dificuldades e
potencialidades, sendo, por isso, quem está melhor preparado para
conceber planos de ação estratégica, pensados ao nível de cada escola,
com o objetivo de melhorar as aprendizagens dos alunos (cf., DGE). É esta
uma das finalidades da formação contínua - alavancar o desenvolvimento
pessoal e profissional de professores e educadores mas que sirva, acima
de tudo, os superiores interesses dos estudantes e das comunidades
já que a melhoria das práticas educativas é intrínseca à promoção do
sucesso escolar para todos os alunos.
Na sequência do documento Portugal 2020 e do Programa de Promo-
ção do Sucesso Escolar, os centros de formação obtiveram financiamento
destinado à formação contínua, aumentando de modo considerável as
possibilidades de concretização dos seus planos de formação. Apesar
de reconhecermos que as informações disponíveis são ainda pouco
consistentes, os atores locais terão sido impelidos para um processo de
diagnóstico estratégico demasiado circunscrito no tempo não possibili-
tando a emergência dos constrangimentos e das debilidades existentes
na realidade local que extravasam os muros da escola, afastando-se da
conceção de comunidade educativa, mesmo que esses aspetos sejam
determinantes na melhoria do sucesso escolar. Estabelecendo que
as ações a desenvolver estejam focadas na sala de aula e no processo
de ensino e aprendizagem, cuja importância ninguém poderá negar,
menospreza-se o caráter holístico da educação e consequentemente um
conjunto de fatores e situações conexos, entre os quais o contributo da
componente organizacional e o papel dos encarregados de educação,
que poderão determinar o sucesso ou insucesso educativo dos alunos,
a inovação e as melhorias desejadas.
Ora, neste caso, corre-se o risco de continuar a fomentar nos docentes
“uma cultura individualista que privilegia um espaço de acção (a sala
de aula), um domínio do saber (ligado a uma área disciplinar), uma
relação com uma parte da população escolar (os «seus» alunos das

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


64 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Formação contínua – Quo vadis?

«suas» turmas)” (Canário, 1995, p. 13), numa lógica de fechamento cujos


efeitos foram já abordados neste trabalho. Tende pois a ignorar-se
que a mudança da “lógica compartimentada, baseada numa cultura
profissional individualista, para uma cultura colaborativa e para uma
visão global da escola, encarada como uma totalidade organizacional,
é decisiva para a emergência da criatividade das escolas e a sua afir-
mação como territórios inovantes” (Canário, 1995, p. 13), gerando o seu
desenvolvimento e o sucesso de todos os seus elementos.
Por outro lado, propiciando em alguns contextos a coexistência de
formadores que são remunerados com formadores que trabalham gra-
ciosamente tendo em vista a satisfação de necessidades que o referido
Programa não contempla, fomenta-se a possibilidade de ocorrência
de constrangimentos e conflitualidades que se não forem resolvidos
positivamente, poderão redundar no limite em inexistência futura de
formação interna.
Formação e qualidade em educação são duas dimensões inter-relacio-
nadas. Deste modo, para alcançar níveis de desempenho mais elevados,
é necessário investir de modo consistente na formação dos professores
- verdadeiros impulsionadores da educação - numa perspetiva de for-
mação integral, transversalisada nas dimensões pessoal e profissional,
ou seja, tendo em conta todos os contextos em que normalmente o
professor se movimenta e atua, para além da necessária atualização
científica. É essencial conjugar processos de autoformação com proces-
sos de hétero e interformação, pois cada pessoa é única, singular e ao
relacionarem-se várias pessoas esta singularidade pode transformar-se,
enriquecendo a diversidade humana. Para a sua construção profissional
e pessoal, cada docente tem de se autoimplicar, isto é, tem de se envolver
ativamente tomando consciência daquilo que é e do que poderá vir a
ser, crescendo, ajudando os outros e a sua escola a crescer, contribuindo
assim para o progresso do contexto em que está inserido.
Não bastará a determinação legal da formação para promover as
necessárias transformações nas práticas docentes e nos contextos.
Teremos de cuidar das condições necessárias aos mais diversos níveis
para a sua implementação. Neste caso, teremos de cativar os professores
para a mudança, possibilitando que cada um projete o seu crescimento
profissional, a partir da base que cada um constrói em função das suas
características e do seu contexto. Como foi referido anteriormente, temos
de promover ruturas integradoras e securizantes que permitam quebrar
o imobilismo e as práticas rotineiras, mas que ao mesmo tempo não
deixem cair os docentes numa qualquer deriva ou na angústia do vazio
ou do inatingível e deste modo deve lembrar-se o papel do ambiente à
sua volta e do trabalho colaborativo.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 65
António José Oliveira Guedes & Fernando António Macedo Azevedo

Para combater a visão casuística ou a conceção “bancária” de formação,


torna-se necessário desenvolver uma perspetiva de formação contínua
abrangente que responda às necessidades do sistema educativo, mas
também dos professores e das escolas, envolvendo-os num processo
ativo e reflexivo em torno das práticas e das suas necessidades, propor-
cionando uma oportunidade efetiva de desenvolvimento profissional
e organizacional. A formação deve constituir uma oportunidade de
desenvolvimento de competências, de questionamento, de reflexão
crítica e de produção criativa de novas abordagens pessoais e coletivas
que possibilitem a integração e a adaptação à mutabilidade do mundo
e do contexto educativo. Como refere Day “os professores não podem
ser formados (passivamente). Eles formam-se (ativamente). É, portanto,
vital que participem ativamente na tomada de decisões sobre o sentido
e o processo da sua própria aprendizagem” (2001, p. 17). E o seu local
de trabalho constitui um lugar central, porque é contextual, de onde
emergem múltiplas variáveis e desafios a que urge dar resposta (s) cada
vez mais aperfeiçoada (s).
Em síntese, é essencial estudar devidamente a realidade e a partir dela
definir um rumo estratégico, que contextualize e articule as necessidades
de formação tendo em vista as premências formativas individuais dos
professores, as características dos alunos, as alterações curriculares, bem
como as lacunas da escola numa perspetiva de organização educativa,
em constante desenvolvimento.
Estamos conscientes das exigências dos nossos tempos, que se
encontram devidamente sinalizadas e explanadas nos mais recentes
documentos produzidos pela tutela. Contudo, e ao mesmo tempo
que se registam e enfatizam essas preocupações, vertidas no Perfil do
Aluno do Século XXI, com as inerentes mudanças de práticas educativas,
também é essencial que se aposte verdadeiramente na afirmação de
uma formação contínua de docentes que seja significativa, coerente,
inovadora e alinhada com o devir dos nossos dias.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A formação contínua de professores na escola pública vive atualmente
uma realidade bastante peculiar, qual teia onde se entrelaçam inúmeros
fatores. Ultrapassando visões gerencialistas, normativas ou voluntaristas
da formação contínua, a formação centrada na escola sem se encarcerar
na escola, permitirá animar e estruturar a inovação e mudança das
instituições e dos seus profissionais. Neste sentido será importante criar
as condições estruturais e organizativas adequadas, fundadas numa

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


66 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Formação contínua – Quo vadis?

cultura colaborativa a nível interno, mas também na parceria com outras


instituições, e na mobilização de mais meios e recursos.
Não existindo uma única visão sobre o presente e sobre o futuro,
será indubitável o potencial contributo da formação contínua para a
evolução das escolas, dos seus profissionais e da educação em geral.
Saibamos TODOS valorizá-la e assumamos as responsabilidades que
nos competem, para que possa efetivamente cumprir o seu papel.
Bem sabemos que não há futuro sem professores. Por isso tudo o
que vier a ser feito no sentido de qualificar positivamente o exercício
da profissão, da qual a formação contínua assume um papel particu-
larmente relevante, é um enorme préstimo que se faz aos próprios,
aos estudantes e ao país para que, em conjunto, possamos continuar a
assegurar a construção de uma sociedade democrática alinhada com
um tempo em permanente devir.

REFERÊNCIAS
Canário, R. (1995). Gestão da escola: Como elaborar o plano de formação?
Lisboa: Instituto de Inovação Educacional.
Comissão Europeia/EACEA/Eurydice (2013). Números-chave sobre os pro-
fessores e os dirigentes escolares na Europa. Edição de 2013. Acedido
em fevereiro de 2016 em
http://eacea.ec.europa.eu/education/eurydice
Conselho Nacional de Educação (2014). Estado da educação 2014.
Lisboa: Autor. Acedido em novembro de 2015 em http: //
www.cnedu.pt/content/edicoes/estado_da_educacao/
Estado_da_Educa%C3%A7%C3%A3o_2014_VF.pdf
Day, C. (2001). Desenvolvimento profissional de professores. Os desafios da
aprendizagem permanente. Porto: Porto Editora.
Formosinho, J. et al. (2009). Formação de professores, aprendizagem pro-
fissional e acção docente. Porto: Porto Editora.
García, C.M. (1999). Formação de professores – para uma mudança educativa.
Porto: Porto Editora.
Governo de Portugal (2014). Portugal 2020. Acordo de Parceria 2014-2020.
Online, pp. 49-55. Acedido em dezembro de 2015 em https://www.
portugal2020.pt/Portal2020/Media/Default/Docs/1.%20AP_Portugal%20
2020_28julho.pdf
OCDE (2009). Creating effective teaching and learning environments: first
results from TALIS. Acedido em fevereiro de 2016 e disponível online
em http://www.oecd.org/education/school/43023606.pdf
Ruela, (1998). Centros de formação das associações de escolas: processos
de construção e natureza da oferta formativa. Lisboa: Instituto de
Inovação Educacional.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 67
CAPÍTULO 6
DE ONTEM PARA HOJE: UM
OLHAR DIACRÓNICO SOBRE
A FORMAÇÃO CONTÍNUA DE
PROFESSORES EM PORTUGAL

HERMÍNIA DOS SANTOS PAIVA LOUREIRO VIEGAS


Centro de Formação Intermunicipal Adolfo Portela

João Barroso, em final do século que passou, considerava que a


evolução da formação contínua de adultos foi condicionada pelas trans-
formações ocorridas no domínio das teorias das organizações e pelas
consequências que provocaram nos modos de organização do trabalho
e nos processos de gestão. Na abordagem que este autor se propôs fazer
sobre as relações entre formação e desenvolvimento organizacional,
destacam-se duas grandes fases na sua evolução.
Uma primeira fase, desde o período em que a formação de adultos é
tida como uma resposta às necessidades de cada um, à parte dos proble-
mas organizacionais e fora das situações de trabalho, até ao momento;
numa segunda fase, em que se procuram ajustar as necessidades dos
indivíduos às necessidades das organizações (Barroso, 1997, p. 63).
Na verdade, a formação contínua, por volta dos anos 70 do século
XX, identificava-se com uma educação recorrente, destinada a superar
lacunas de qualificação dos trabalhadores ou a resolver problemas de
desajustamentos dos saberes profissionais, face às mudanças tecnológi-
cas e à inovação dos processos de produção. Tratava-se de uma formação
fortemente marcada pelo modelo escolar, em que os formandos não
eram ouvidos na definição dos objetivos, ou dos conteúdos, e os forma-
dores assumiam o papel de transmissores de conhecimentos.
Este tipo de formação, em que se distingue claramente a contribuição
daqueles que a concebem da contribuição daqueles que a recebem,
quer ao nível pedagógico, quer ao nível das políticas, em que há uma
separação das estruturas, dos programas, dos conteúdos e dos forman-
dos, conforme a própria divisão das tarefas, “integra-se num modelo
taylorista de organização e de regulação do trabalho” (Barroso, 1997. p. 65).

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 69
Hermínia dos Santos Paiva Loureiro Viegas

Neste sentido, a formação contínua poderia mesmo ser entendida


como dispensável, uma vez que os trabalhadores eram selecionados
pelas suas competências, para executarem tarefas de acordo com ins-
truções muito precisas, de modo a aumentar a rentabilidade e a eficácia.
“Com esse fim, a conceção e o controlo de todas as atividades inseridas
no ciclo de produção (por mais elementares que fossem) deviam ser
retiradas à iniciativa do trabalhador” (Barroso, 1997, p. 66).
Numa segunda fase, as relações entre formação e desenvolvimento
organizacional são marcadas por uma humanização das relações de
trabalho, coincidente com a rutura da organização taylorista, ultrapassada
face a novas exigências na qualificação e nos conteúdos do trabalho.
Assim, na década de 80, emergem novas iniciativas de formação mais
integradas nas organizações com vista à redistribuição do saber profis-
sional, a uma maior sociabilidade e abertura do sistema, contribuindo
para uma maior participação dos trabalhadores.
Abandona-se, deste modo, a visão funcionalista das organizações e
é dada importância aos atores e à sua capacidade de aprendizagem,
constituindo um contexto favorável à procura de novos modelos e
práticas de formação.
É neste quadro que se assiste a uma articulação entre as situações de
formação e as situações de trabalho, em que a formação é reconhecida
como um investimento produtivo, considerada na estratégia política
das empresas. Como refere Barroso, “é neste contexto que na formação
contínua de adultos se valorizam cada vez mais as modalidades que
favorecem a capacidade dos atores, nas organizações, de produzirem o
seu próprio conhecimento…” (1997, p. 73). São as denominadas modali-
dades de formação centrada nas organizações de trabalho, mobilizadas
ao serviço de um projeto de mudança.
Nas sociedades dos nossos dias, a omnipresença do discurso da
formação contínua tem gerado a crença nas suas virtualidades, pois é
encarada como um instrumento para promover o emprego e a mobi-
lidade social e é a solução de todos os problemas. Isto faz com que,
paradoxalmente, também se transforme no bode expiatório de todos
os fracassos, como refere Perrenoud (1993, p. 94), que diz, ainda, que a
formação “não merece nem este excesso de honra, nem esta indigni-
dade”. A par da importância que a formação possa ter, é preciso que,
como explica Barroso (1997, p. 75), as organizações criem dispositivos e
dinâmicas que possibilitem que “os trabalhadores transformem as suas
aprendizagens em ação (…) é preciso que a própria organização aprenda
a valorizar a experiência dos trabalhadores e a criar condições para que
eles participem na tomada de decisão”.

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


70 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
De ontem para hoje: um olhar diacrónico sobre a formação contínua de professores em Portugal

Estas considerações são válidas para a formação contínua de pro-


fessores, como hoje é entendida e cuja génese se pode situar no fim
do século XIX. Efetivamente, da colaboração entre as Escolas Normais
e associações de professores nasceram as Conferências Pedagógicas,
que segundo Nóvoa (1991, p. 17), “constituíram um dos raros espaços em
que o professorado português pode partilhar ideias e sentimentos sobre
a profissão e o ensino”. De acordo com este autor, a profissão docente
poder-se-ia ter desenvolvido de uma forma mais autónoma se o período
de vida destas iniciativas não estatais não tivesse sido tão curto.
No princípio do século XX houve ainda algumas iniciativas do mesmo
matiz, desenvolvidas por associações de caráter científico e cultural, mas
foram sendo asfixiadas pelo aparelho repressor do regime nacionalista.
Assim, transformou-se o que se poderia designar por formação em
reciclagem – termo que, só por si, revela “grande pobreza conceptual,
que ilustra bem a prevalência de uma atitude normativa e prescritiva
em relação aos professores” (Nóvoa, 1991, p. 18).
Até aos anos sessenta, do século XX, a conceção de formação docente
foi vista numa ótica tradicional, segundo a qual “cada professor deveria
possuir um conjunto de conhecimentos científicos a transmitir aos
alunos e, em simultâneo, dominar técnicas eficazes para garantir essa
transmissão” (Barroso & Canário, 1999, p. 22).
A tentativa de romper com este modelo de formação surgiu no
período pós 25 de Abril de 1974, quando se desencadearam esforços
para conceber e concretizar modalidades de formação contínua cen-
trada na escola. Foi nesta altura que surgiram os Centros Regionais de
Apoio Pedagógico, criados com a intenção de integrar as componentes
não formais da formação de professores e incentivar a sua autonomia,
mostrando a intenção do Estado em desconcentrar e descentralizar
as políticas educativas. A ideia de que toda a formação deve levar os
sujeitos a adquirir competências em função das suas necessidades e dos
contextos onde trabalham, identifica os referenciais de qualidade com
a prática docente quotidiana, numa realidade próxima e no contexto
de cada um.
Tal entendimento, levou à criação dos referidos Centros Regionais
de Apoio Pedagógico, que tiveram um período de vida muito efémero,
a que se seguiu a implementação dos Centros de Apoio Pedagógico,
cuja política encarava os professores como agentes de desenvolvimento
local, incentivando as modalidades de trabalho coletivo e a articulação
entre as escolas e a comunidade, o que fez emergir a ideia de uma rede
de colaboração entre professores.
Também nos anos oitenta, com o nascimento das Escolas Superiores
de Educação, consubstanciou-se a criação dos Centros de Apoio à

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


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Hermínia dos Santos Paiva Loureiro Viegas

Formação de Professores em ligação a cada escola. Estes centros de


recursos tiveram, igualmente, um período de vida muito curto, influen-
ciando, no entanto e de forma definitiva, a estrutura de algumas dessas
escolas superiores.
A formação em serviço, destinada a pôr cobro a desequilíbrios estrutu-
rais criados pela expansão escolar, que conduziu a um número elevado
de professores sem as necessárias habilitações e que se destacou nos
anos oitenta no nosso país, teve, também, como fonte inspiradora a
formação centrada na escola. Em particular, a profissionalização em
exercício, trouxe às escolas aspetos inovadores, quer nas práticas, quer
nas dinâmicas que transmitiu1.
Deste modo, a escola foi sendo valorizada nestas experiências, como
unidade territorial de formação, e dada visibilidade à vertente não formal,
bem como à animação comunitária.
Em 1986, com a institucionalização da Lei de Bases do Sistema Edu-
cativo (Lei n.º 46/86, de 14 de outubro) a formação contínua surgiu como
um direito de todos os profissionais de educação, visando a atualização
e aprofundamento de conhecimentos científicos, o desenvolvimento
de competências profissionais e a mobilidade e progressão na carreira.
Em 1989, a formação foi consagrada como dever e condição neces-
sária à progressão na carreira docente, expressamente declarada como
incentivadora da participação ativa na inovação educacional e motor
da melhoria da qualidade do ensino (Decreto-Lei n.º 344/89, de 11 de
outubro – Ordenamento Jurídico da Formação Contínua de Professores).
Com a publicação do Decreto-lei n.º 249/92, de 9 de novembro -
Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores, criou-se um
sistema nacional de formação de professores, surgindo os Centros de
Formação de Associação de Escolas (CFAE). Este Regime Jurídico, se
quisermos utilizar a classificação de Gilles Ferry2, aponta para um modelo
de formação centrado na análise, valorizando o formando como agente
da sua própria formação, capaz de analisar situações e de referenciar
aquilo que é conveniente aprender, para exercer a profissão docente
com qualidade.

1
Estes programas, destinados a profissionalizar docentes integrados no sistema de
ensino, em consequência da massificação dos anos anteriores, eram coordenados
a nível regional pelas Equipas de Apoio Pedagógico, constituídas por Orientadores
Pedagógicos, dos diferentes grupos disciplinares - os ventoinhas, designação que
caracterizava a sua mobilidade.
2
Gilles Ferry (1983), analisando as práticas de formação, quanto ao tipo de processo,
dinâmica formativa e modo de eficiência, estabeleceu diferentes modelos de formação:
o modelo centrado nas aquisições, o centrado na iniciativa e o centrado na análise.

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


72 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
De ontem para hoje: um olhar diacrónico sobre a formação contínua de professores em Portugal

Podemos ainda considerar que este modelo de formação se insere


nos modelos construtivistas, referenciados por Nóvoa (1991, p. 23), uma
vez que aponta para o paradigma investigativo e para a forma intera-
tiva-reflexiva, dado que se baseia na “necessidade de conceber uma
formação contínua que contribua para a mudança educacional e para
a redefinição da profissão docente”. No preâmbulo do Regime Jurídico
da Formação Contínua de Professores, é referido que deve ser dado
“especial realce à valorização pessoal e profissional do docente”.
Foi esta a tarefa que os CFAE tiveram pela frente, ao surgirem, em
finais de 1992. Barroso e Canário (1999, p. 21) recordam que estes centros
“eram portadores de um conjunto de promessas e alimentavam um
conjunto de expectativas quanto à possibilidade de, com base em
estratégias territorializadas e contextualizadas de formação, poderem
contribuir para a construção de modalidades de autonomia, por parte
das escolas e dos professores”.
O arranque da atividade dos CFAE fez-se no final do ano de 1992,
num ambiente marcado pela expectativa e, também, pelo entusiasmo.
“Este modelo, que se pretendia descentralizado, tinha o propósito de
favorecer e fomentar uma lógica instituinte de formação de professores,
dando corpo ao princípio da autonomia, pedra de toque da Reforma
Educativa, e de contribuir para a mudança da qualidade de ensino”
(Viegas, 2007, p. 226).
Relativamente ao primeiro objetivo, poder-se-á dizer que, durante
muito tempo, a formação contínua de professores se revelou um modelo
apenas fisicamente descentralizado. Os CFAE deram-nos “a imagem de
uma organização em que a lógica da tutela se sobrepôs, claramente, a
uma possível lógica de autonomia, aparecendo os Centros de Formação
como instrumentos de execução de programas financeiros” (Barroso &
Canário, 1999, p. 149).
Com efeito, desde a calendarização dos planos anuais até à oferta de
formação, havia uma manifesta dependência financeira, relativamente
ao Programa FOCO3. Também a saída de legislação regulamentadora
da progressão na carreira “levou muitos professores à procura de uma
formação qualquer, eventualmente a que tivesse o menor número de
horas e parecesse menos trabalhosa (…). A formação surge como um
qualquer processo burocrático imposto pelo sistema e não como uma
perspetiva pessoal de transformação de práticas” (Salgado, 1995, p. 256).

3
Este programa propunha-se apoiar programas de reconversão profissionais assim
como a formação contínua de professores e responsáveis da Administração Edu-
cacional, incluindo o pessoal não docente. Inseria-se no PRODEP - Programa de
Desenvolvimento Educativo para Portugal.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 73
Hermínia dos Santos Paiva Loureiro Viegas

Apesar do dispositivo legal apontar para a sujeição da oferta à procura


da formação, o que sucedeu foi precisamente o contrário. Desde logo,
o poder central começou por definir prioridades nacionais, assentes
numa lógica de necessidades de formação, decorrentes da evolução
do sistema educativo. Os professores foram obrigados a aceitar a oferta
existente, cujo principal objetivo era o de facilitar a aquisição de créditos.
Ao mesmo tempo, nas escolas, era preciso criar e dinamizar os Centros
de Formação e, nessa medida, não será exagerado afirmar que os CFAE
só nasceram, de facto, quando os seus diretores tomaram posse. Houve
uma primeira fase que se caracterizou pela procura de uma estrutura
que lhes imprimisse identidade e substância (espaço, equipamentos,
apoio administrativo, criação rápida de cursos para dar resposta aos obje-
tivos imediatos), tarefa que, diga-se, nem sempre foi fácil de conseguir
nem de manter, em muitos casos, “instalaram-se numa qualquer sala
sobrante, numa escola designada por Escola-Sede, começando, assim,
uma convivência a dois, nem sempre fácil, com frequentes desencontros
de interesses, mantendo, por vezes, uma relação de amor/ódio que, em
alguns casos, acabou em rutura” (Viegas, 2007, p. 227).
O diretor ao instalar o seu Centro de Formação teve de aprender a
obter financiamento para concretizar o seu plano de formação e para
equipar, minimamente, o seu serviço administrativo. E teve de aprender
informática, noções de contabilidade nacional e do Fundo Social Europeu,
teve de organizar um serviço de secretaria (arquivo, correspondência,
processos contabilísticos, emissão de certificados e declarações) e,
muitas vezes, arrumar as salas, transportar retroprojetores, écrans, fazer
fotocópias, abrir e fechar a escola e cumprir o seu horário letivo. Na
verdade, o Centro de Formação tinha a porta aberta se o diretor estava
presente, caso contrário, não havia atendimento. Tudo isto, acrescido
da capacidade relacional dos diretores, decisiva para a oferta formativa,
justificava, à altura, a ideia sustentada por alguns estudos, de que os
Centros de Formação eram os seus diretores.
Também a falta de formadores habilitados, que preenchessem os
requisitos exigidos, levou ao recrutamento de professores do ensino
superior ou possuidores de formação acrescida, o que acarretou a impor-
tação do modelo de formação universitário, na sua versão mais negativa,
potenciando, como refere Salgado “o peso hierárquico atribuído àquele
que sabe” (1995: 258). O modelo escolar marcou um processo que deveria
ser de formação de adultos, comprometendo a melhoria da qualidade
do ensino, pois o pretenso “isomorfismo pedagógico – aprendizagem
de novos modelos a partir da sua vivência no processo de formação”
(p. 256), passa a funcionar, exatamente, em sentido inverso.

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


74 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
De ontem para hoje: um olhar diacrónico sobre a formação contínua de professores em Portugal

Os CFAE transformaram-se, assim, em agências de formação, à


imagem do ensino superior, onde as regras e os regulamentos eram
ditados pelo Fundo Social Europeu, fonte de financiamento, criando-se,
deste modo, um grau de formalização e complexidade acentuados,
processos racionais e centralizados de tomada de decisão e de controlo,
impessoalidade nas relações, abundância de documentos escritos,
prestação de contas e uniformidade de procedimentos. Características
que, na linha de pensamento de Costa (1996, p. 39), se enquadram no
modelo burocrático.
Não tardou que este modelo começasse a apresentar sinais visíveis de
esgotamento, colocando em causa a noção de qualidade que veiculava.
A legislação, entretanto publicada, apelava aos sujeitos e à sua inter-
venção, apontava-se para a construção de autonomias locais, para
conceitos de gestão estratégica e formação de atores, enquanto peças
fundamentais deste processo. Começou a falar-se em formação centrada
na escola: “uma formação que faz do estabelecimento de ensino lugar
onde emergem as atividades de formação dos seus profissionais, com
o fim de identificar problemas, construir soluções e definir projetos”
(Barroso, 1997, p. 74).
Foi, deste modo, posta a tónica na diversidade de interesses que
os professores perseguiam, na gestão participada e participativa, na
tomada de decisões negociadas. A formação é entendida, então, como
o produto de uma reflexão dos professores sobre as suas práticas, em
contexto escolar, envolvendo a organização no seu conjunto e até as
relações que estabelece com o meio envolvente. Os professores e, na
sequência de novos regulamentos, os funcionários, foram chamados a
intervir na conceção dos planos de formação, numa clara articulação
com os projetos educativos das escolas.
Esteve subjacente uma discussão de interesses, assente nas expe-
riências vividas e na identificação de necessidades e problemas, para
os quais se procuravam soluções em conjunto. Os CFAE viram, assim,
valorizada a dinâmica associativa entre as escolas e a dimensão colegial
do seu funcionamento.
Nalguns casos, passaram de uma condição virtual a verdadeiros
centros de recursos de formação, com espaços próprios, instalações
adequadas, equipamentos e recursos humanos. Organizaram-se em
redes, construíram parcerias e estabeleceram protocolos com outras
entidades formadoras, num compromisso entre um modelo, ainda
burocratizado, e um outro modelo, mais democrático, que já reconhecia
importância aos destinatários da formação e às expectativas criadas, aos
fenómenos de cooperação e de participação.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 75
Hermínia dos Santos Paiva Loureiro Viegas

Mas certo é que os CFAE continuaram reféns da entidade financiadora


e, sem capacidade de diversificação das fontes de receita, andaram ao
sabor de vagas, mais ou menos generosas, que condicionaram a sua
afirmação e desejada autonomia.
A necessidade de obter créditos para progredir na carreira obrigava
os professores a frequentarem a formação e acrescentou-se a imposição
de apenas relevarem para a progressão na carreira as ações de formação
considerada adequada aos grupos e áreas disciplinares. Ou seja, que
incidissem sobre conteúdos de natureza científico-didática com estreita
ligação à matéria curricular. Também, muita da formação destinada aos
docentes dos 1.º e 2.º ciclos, passou a ser da responsabilidade das institui-
ções de ensino superior, reforçando o modelo de formação universitário.
Em 2008, procedeu-se à fusão dos CFAE, ficando cerca de um terço
do número inicial. Acentuou-se a tendência para responder às necessi-
dades do Ministério da Educação, que foi criando pacotes de formação,
de acordo com as alterações que se iam verificando.
Entretanto, a inexistência de linhas de financiamento tem obrigado
estes organismos a viverem de expedientes. Isto é, muita da formação
é orientada de forma gratuita pelos formadores e começaram a surgir
ações de formação pagas pelos próprios formandos. Na verdade, os
CFAE, que inicialmente não aceitaram o pagamento das ações pelos
formandos, alegando a obrigatoriedade da formação para a progressão
na carreira e avaliação do desempenho, o que justificava a gratuitidade,
acabaram rendidos face à penúria que se fez sentir e à pressão dos pró-
prios docentes. Os professores preferem pagar a formação no seu CFAE,
a terem que se deslocar e suportar custos mais elevados, praticados por
outras entidades formadoras.
Mais recentemente, foi disponibilizado, de novo, financiamento,
através do Programa Operacional Capital Humano que, no entanto,
tardou a chegar.
Efetivamente, colocam-se cada vez mais desafios aos professores, seja
pelo progresso científico, seja pela evolução da tecnologia, seja pelas
mudanças sociais, e de modo muito particular do sistema educativo,
desafios que se traduzem, incontornavelmente, na necessidade de uma
aprendizagem contínua, e que resultam na necessidade de encontrar
respostas ao nível da formação contínua.
Neste contexto, o desenvolvimento profissional, passa por tornar os
professores mais capazes de ensinar, o que se consubstancia, sobretudo,
na formação acrescida em competências consideradas cruciais, para
concretizar os grandes objetivos do sistema educativo.
É importante sobrevalorizar a formação contínua com objetivos de
desenvolvimento profissional, tendo em conta os novos problemas que

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


76 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
De ontem para hoje: um olhar diacrónico sobre a formação contínua de professores em Portugal

são colocados aos professores, quer no quadro mais amplo de uma socie-
dade cada vez mais complexa, quer nos contextos de trabalho cada vez
mais exigentes. Pede-se aos professores que garantam aprendizagens
de qualidade, exigindo-lhes competências que podem não ter adquirido
durante a sua formação inicial, mas que podem constituir um referencial
para a formação contínua.
Reconhece-se a importante experiência já acumulada, mas, também
se confirma que, ao longo do tempo, a noção de qualidade na formação
contínua de professores tem assumido diferentes entendimentos, o que
se tem refletido no modo como esta se tem concretizado e nos efeitos
pretendidos. Por estas razões, a formação dos docentes não pode ser
repensada à margem das mudanças que têm ocorrido nos últimos anos.

REFERÊNCIAS:
Barroso, J. & Canário, R. (1999). Centros de Formação das Associações de
Escolas, das expectativas às realidades. Lisboa: Instituto de Inovação
Educacional.
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Viegas, H. (2007). Formação e desenvolvimento organizacional: Os Centros
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gogia. Ano 41 (2), 219-232.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 77
CAPÍTULO 7
OS CENTROS DE FORMAÇÃO
DAS ASSOCIAÇÕES DE ESCOLAS:
25 ANOS DEPOIS…

RUI TRINDADE
Presidente do Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua

Foi em 1993, após a publicação do Decreto-Lei 249/92 de 9 de novem-


bro e depois da tomada de posse, em 16 de dezembro de 1992, do
Conselho Coordenador da Formação Contínua (CCFC) que teve início
o processo de acreditação das entidades formadoras, o qual permitiu
que, no fim de 1993, existissem 190 Centros de Formação das Associações
de Escolas (CFAE), 67 instituições do Ensino Superior (IE) e 30 Centros
de Formação de Associações de Professores (CFAP) autorizados para
promover programas de formação contínua (Santos, 2009).
Hoje, 25 anos depois, há dois aspetos que estes dados permitem
evidenciar: um tem a ver com a disponibilidade manifestada pelos
atores educativos locais para se envolverem no desenvolvimento do
subsistema da formação contínua, o outro relaciona-se com o peso
que os CFAE têm vindo a assumir no campo da oferta pública de ações
de formação, já que foram considerados, no estudo da autoria do Prof.
Sérgio Machado dos Santos1, onde se analisa a formação contínua de
professores entre 1993 e 2007, os responsáveis por dinamizar cerca de
três quartos do número de ações acreditadas” (Santos, 2009, p. 35). Em
suma, e independentemente de qualquer juízo de valor sobre a qualidade
dos programas de formação dos diversos tipos de entidades formadoras,
há que reconhecer que, devido ao número de ações de formação que
têm vindo a dinamizar e graças, igualmente, ao vínculo que mantêm
com as escolas associadas, justifica-se que se discutam os CFAE, como
entidades formadoras, quer quanto às suas potencialidades quer quanto

1
O Prof. Sérgio Machado dos Santos foi o primeiro presidente do Conselho Coordenador
da Formação Contínua e, posteriormente, do Conselho Científico-Pedagógico da
Formação Contínua.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 79
Rui Trindade

ao papel que podem assumir, hoje, no âmbito dos desafios com que
tais entidades são confrontadas.

FORMAÇÃO CONTÍNUA E EMPODERAMENTO DOCENTE


Neste sentido, uma tal discussão será conduzida a partir de uma
abordagem que nos obriga a discutir, previamente, se os projetos de
formação contínua visam contribuir para a afirmação de uma nova
cultura profissional docente e, concomitantemente, para a afirmação de
uma nova cultura organizacional no seio das escolas (Nóvoa, 1991) ou se
pretendem, antes, promover mudanças nas escolas e no sistema edu-
cativo que não afetam, de forma substancial, nem a cultura profissional
dos docentes, sujeita à lógica do paradigma da instrução (Trindade &
Cosme, 2010), nem a cultura organizacional das escolas, sujeita, por sua
vez, a uma lógica de natureza burocrática que corresponde a um tipo
de regulação baseado “num dispositivo de «coordenação centralizada»”
(Afonso, 2006, p. 74). Neste último caso, em que os professores, mais do
que sujeitos-alvo são sujeitos alvejados, assumindo um papel passivo
como recetores das mudanças propostas, concebe-se a formação como:
a. uma operação ortopédica que visa adaptar os docentes às neces-
sidades e exigências que o centro do sistema educativo pré-esta-
belece, suprindo o que os discursos da mudança consideram ser
as deficiências profissionais e a incompetência dos professores;
b. um processo marcado por clivagens diversas, nomeadamente
entre a ação e a reflexão; entre desenvolvimento profissional,
pessoal e organizacional (Nóvoa, 1991) ou entre técnicos aplicadores
e investigadores/concetualizadores;
c. uma iniciativa sujeita a uma lógica adaptativa do professorado que
se exprime tanto através de uma atitude normativa e prescritiva,
coerente, afinal, com a lógica ortopédica atrás mencionada, como
através do modo como se encontra dissociada de qualquer projeto
de intervenção institucional.

Trata-se de um modelo de formação que se define em função da


lógica da reciclagem e que, segundo diversos autores (Barbier, 1991;
Canário, 1991; Correia, 1989; Jobert, 1987; Malglaive, 1988; Nóvoa, 1991), se
encontra em crise porque:
a. os saberes espartilhados disciplinarmente, mostraram-se incapa-
zes de contribuir para a produção de respostas pertinentes aos
problemas que justificam a produção das mesmas;
b. a desarticulação entre os espaços formativos e os espaços de
trabalho, para além de explicar a ineficácia dos processos de

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


80 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Os Centros de Formação das Associações de Escolas: 25 anos depois…

formação, encontra-se na origem de situações de conflito latente


ou explícito entre formadores e formandos, estes últimos acusados
de resistirem à mudança, devido às suas alegadas limitações
pessoais e profissionais.

É em oposição a esta lógica que se afirma uma outra, passível de ser


designada como lógica empoderadora, e que Nóvoa (1991) configura
em função de três eixos estratégicos articulados entre si num todo
congruente:
a. o do desenvolvimento profissional que corresponde, por sua vez,
à necessidade de se investir na pessoa e nos seus saberes;
b. o do desenvolvimento pessoal que se define essencialmente pela
necessidade de se investir na pessoa e na sua experiência;
c. o do desenvolvimento organizacional que se relaciona com a
necessidade de se investir na escola e nos seus projetos.

Tendo como referência este quadro concetual, os 25 anos de expe-


riência dos CFAE e o objetivo anunciado de discutir as potencialidades
e os desafios com que estas entidades se confrontam, pergunta-se até
que ponto é que é possível promover iniciativas ao nível da formação
contínua sujeitas a uma lógica empoderadora?

25 ANOS DE FORMAÇÃO CONTÍNUA: AS POTENCIALIDADES


E OS DESAFIOS DOS CFAE
Numa leitura imediata da situação, parece ser possível afirmar-se
que os CFAE, como já foi referido, dada a sua relação com as escolas,
das quais emanam e com as quais mantêm uma relação de grande
proximidade, administrativa, logística e funcional, parecem usufruir de
um conjunto de condições que, em princípio, lhes permite promover
iniciativas sujeitas a uma lógica empoderadora. Importa reconhecer, no
entanto, que uma tal possibilidade depende, igualmente, do CCPFC e
do Ministério da Educação, seja ao nível dos recursos que este último
disponibiliza, seja ao nível das políticas educativas que se adotam.
Daí que seja necessário, no âmbito da reflexão que se pretende pro-
mover, começar por se traçar uma panorâmica sobre a evolução do
Regime Jurídico da Formação Contínua, nos seus diversos momentos,
tendo em conta que um tal exercício permite, por um lado, abordar a
relação entre os CFAE e o CCPFC e, por outro, o conjunto de decisões,
ao nível da política educativa que têm tido impacto na formação, que
o ME tem vindo a adotar.
De acordo com o estudo do Prof. Sérgio Machado dos Santos, já refe-
rido neste texto, há três períodos estruturantes, entre 1992 e 2007, que

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 81
Rui Trindade

permitem caraterizar a afirmação do subsistema da formação contínua


em Portugal, ao qual acrescentarei um quarto período, subsequente
à promulgação do DL 22/2014 de 11 de fevereiro, atualmente em vigor.
O primeiro período a que Machado dos Santos (idem) se refere é
inaugurado com a publicação do DL 249/92 de 9 de novembro, corres-
pondendo à génese do regime jurídico da formação contínua, o qual,
nas palavras do autor, é marcado pela “falta de experiência por parte das
potenciais entidades formadoras, aliada a uma análise marcadamente
burocrática por parte da assessoria técnica do Conselho” (idem, p. 16).
Daí que se constate que o elevado número de ações indeferidas se
justifique, no relatório de atividades do Conselho, devido às “deficiências
formais e “raramente uma ação foi não acreditada apenas por razões
de conteúdo” (ibidem).
O segundo período inicia-se com a promulgação do DL 274/94 de
28 de outubro, o qual visava superar, de acordo com o preâmbulo do
próprio diploma legal, alguns dos constrangimentos do DL anterior,
respeitantes “à coordenação da formação, ao processo de acreditação
das entidades formadoras e das ações de formação e aos requisitos
dos formadores”. No mesmo preâmbulo refere-se, igualmente, a opção
“pela simplificação da acreditação de entidades e ações de formação e
de qualificação de formadores, em detrimento de anteriores tarefas de
coordenação da formação contínua”. Segundo Machado dos Santos, no
entanto, a “modificação mais substancial introduzida pelo Decreto-Lei
nº 274/94 foi a substituição do Conselho Coordenador da Formação
Contínua de Professores, enquanto órgão de parceria social, por um
novo órgão de caráter científico-pedagógico, designado por Conselho
Científico-Pedagógico da Formação Contínua” (idem, p. 19). Foram dois
os tipos de ganhos que, na perspetiva de Machado dos Santos, se obtive-
ram com esta decisão: os ganhos relacionados com a maior capacidade
operacional do CCPFC em comparação com o Conselho Coordenador
da Formação Contínua e os ganhos inerentes à maior independência do
novo órgão de coordenação “perante a administração central e perante
os professores e entidades formadoras” (ibidem). Para que melhor se
compreendam estas afirmações, importa referir que enquanto aquele
Conselho Coordenador “integrava 27 membros em representação dos
Serviços Centrais e Regionais do Ministério da Educação, dos diferentes
tipos de entidades formadoras e das associações sindicais” (ibidem),
o novo CCPFC era “constituído «por um Presidente e quatro vogais,
nomeados por despacho do Ministro da Educação de entre personali-
dades de reconhecido mérito na área da Educação»” (ibidem). Para além
disso, o CCPFC passou a estar essencialmente centrado nos processos
de acreditação de entidades e acções de formação e da qualificação

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


82 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Os Centros de Formação das Associações de Escolas: 25 anos depois…

dos formadores” (ibidem), deixando de lhe competir “«divulgar a for-


mação existente», «exercer funções de planeamento, designadamente
na distribuição de recursos», «participar na definição dos critérios de
financiamento das acções formação», «avaliar a articulação da formação
contínua com a formação inicial e especializada de professores», «avaliar
a adequação entre a oferta e a procura de formação contínua» e «avaliar
o funcionamento do sistema de formação contínua»” (ibidem).
Em suma, com a promulgação do DL 274/94, circunscreveu-se a ação
do CCPFC, simplificou-se e desburocratizou-se o processo de acreditação
das entidades formadoras e das ações de formação, ainda que, segundo
Machado dos Santos, a nova forma de composição do Conselho pressu-
pusesse um risco: “o perigo de um isolamento em relação às entidades
formadoras” (idem, p. 21) que se tentou contornar através de um tipo
de relacionamento que visava, por um lado, manter os canais de infor-
mação abertos e, por outro, “promover uma construção partilhada do
sistema e, consequentemente, maior motivação e envolvimento activo
dos agentes” (ibidem).
O terceiro período é aquele que diz respeito à publicação do DL
207/96 de 2 de novembro que “pretendeu, no essencial, alargar e apro-
fundar os objetivos da formação contínua, consolidando os centros de
formação e estabelecendo mecanismos representativos dos parceiros
relevantes para efeitos de aconselhamento e acompanhamento” (idem,
p. 23). Para além disso, “foram revogadas as restrições que haviam sido
introduzidas pelo Decreto-Lei 274/94 quanto aos efeitos da formação na
progressão da carreira” (ibidem). Em termos gerais, e de modo a reforçar
a qualidade das respostas dos centros de formação, foi atribuída às
comissões pedagógicas destes centros o “poder nomear um consultor
de formação, de entre indivíduos possuidores de currículo relevante”
(idem, p. 24). Por outro lado, no que diz respeito ao acompanhamento
e coordenação, “foi criado o Conselho da Formação Contínua, como
órgão de consulta sobre as opções de política de formação contínua de
professores, presidida pelo Ministro da Educação e com a presença, por
inerência do presidente do CCPFC, como uma composição amplamente
representativa dos diversos tipos de entidades formadoras, das associa-
ções de professores, das associações de pais e encarregados de educação
e da administração central do Ministério da Educação, incluindo ainda
quatro personalidades designadas pelo ministro” (idem, pp. 24-25).
Competia a este Conselho “emitir pareceres e recomendações, participar
na definição da política de formação de professores, propor medidas
visando a articulação da formação contínua com a formação inicial e
especializada dos professores, acompanhar a definição dos critérios de
financiamento das acções de formação e apresentar propostas para a

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 83
Rui Trindade

melhoria do sistema de formação” (idem, p. 26). Outro elemento novo,


introduzido pelo DL em questão, dizia respeito à acreditação dos cursos
de formação especializada por parte do CCPFC.
De acordo com Machado dos Santos, “a partir de 1996, “o regime
jurídico estabilizou, tendo sido apenas alvo de acertos muito pontuais”
(idem, p. 27). O primeiro desses ajustes esteve na origem da publica-
ção do DL 155/99, de 10 de maio, e tinha a ver com a clarificação das
“condições de apoio técnico aos centros de formação das associações
de escolas e aspetos pontuais do funcionamento logístico do CCPFC”
(idem, p. 27). O segundo ajuste decorre da aprovação do Despacho nº
16 794 (2ª série) de 9 de junho que, tendo a ver com a gestão da carreira
docente, afeta o processo de acreditação das ações de formação, já
que, segundo aquele despacho, “50% das ações de formação contínua
a frequentar pelos docentes devem ser realizadas, obrigatoriamente,
no âmbito da área de formação adequada”. O terceiro ajuste explica-se,
igualmente, pela publicação de um DL, o DL 15/2007 de 19 de janeiro,
que aprova o Estatuto Docente dos Professores dos Ensinos Básico e
Secundário, o qual não tendo a ver diretamente com o regime jurídico
da formação contínua de professores acaba por interferir no processo
de acreditação das ações de formação frequentadas pelos docentes, já
que, para efeitos na progressão da carreira, pelo menos dois terços dessa
formação deverão encontrar-se vinculados à área científico-didática
que o docente leciona.
O quarto, e último período, identifica-se com a promulgação do DL
22/2014 de 11 de fevereiro e a maior novidade que este diploma introduz,
tal como se refere no seu preâmbulo, diz respeito “às modalidades de
curta duração”, cujo reconhecimento e certificação é da responsabilidade,
apenas, das “entidades formadoras de acordo com critérios expressos
nos respetivos regulamentos internos”.
Perante o panorama descrito, é possível constatar que estamos perante
um itinerário onde, mais do que uma evolução linear, nos deparamos
com um processo marcado por contradições e tensões diversas que,
quantas vezes, se afirmam de forma tácita e implícita. Se é certo que o
CCPFC, porque sedeado em Braga, e a revisão do DL 249/92 parecem
apontar para a existência de um regime jurídico da formação contínua
que tende a contrariar a tradição centralista e macrocéfala do nosso
sistema educativo, também se pode considerar que podemos estar
perante o que Licínio Lima (2002) designa, a propósito da reforma
da administração escolar, perante uma “recentralização por controlo
remoto” (p. 61).
Sendo esta uma reflexão decisiva, importa abordá-la, por isso, de forma
complexa e não esquecer que os projetos de formação contínua, sujeitos

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


84 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Os Centros de Formação das Associações de Escolas: 25 anos depois…

a uma lógica empoderadora, são projetos que resultam de um processo


não linear, marcado por conflitos e negociações envolvendo diferentes
atores e instâncias relativamente autónomas, as quais mantêm entre
si interações que são balizadas pelo poder que detêm e podem gerir,
no âmbito da relação que vão construindo para que aqueles projetos
se realizem.
Trata-se de um exercício bastante mais simples de realizar quando os
projetos de formação contínua se subordinam à lógica da reciclagem,
onde se aceita que o processo de mudança se desenvolve a partir de
um plano concebido centralmente, o qual deve ser difundido através
de uma cadeia hierarquizada de centros de decisão que visa assegurar
a concretização daquele processo de mudança (Correia, 1989). Pode
considerar-se que o DL 249/92 foi o diploma legal que melhor exprime
esta lógica formativa, tendo em conta que se pretendia reduzir a margem
de imprevisibilidade das práticas produzidas na periferia, de forma a
assegurar a adoção do projeto produzido no centro (idem).
Na lógica empoderadora, os desafios que temos pela frente são
distintos e passam, em larga medida, por saber como é que se estimula
o protagonismo dos professores na definição dos projetos de formação
contínua que lhes dizem respeito. Trata-se de um problema complexo
que está longe de poder ser abordado de forma linear e ingénua. O
Ministério da Educação não deixa de existir, tal como o CCPFC, ainda
que seja legítimo discutir como é que estas instâncias de decisão e
regulação passam a definir o seu papel e a intervir no subsistema da
formação contínua. Os CFAES, que estão longe de poder ser abordados
no singular, têm de assumir, de um outro modo, a sua quota-parte de
poder no âmbito das relações que estabelecem a montante e a jusante,
tal e qual os professores que, igualmente, nem podem ser vistos como
atores destituídos de poder nem como um coletivo profissional homo-
géneo, do ponto de vista das suas idiossincrasias, crenças e conceções
que perfilham acerca da profissão e do exercício da mesma.
Creio que o balanço dos 25 anos de atividades dos CFAE, que agora
se comemoram, permite constatar que estamos num terreno, onde
apesar das tensões e contradições, inevitáveis num universo tão plural e
diverso, se constata que o subsistema da formação contínua não é gerido
nem a partir de uma direção-geral que se enquadra no organograma
do Ministério da Educação nem a partir, exclusivamente, dos serviços
de educação contínua das instituições do Ensino Superior. Apesar de
tudo, foi possível, com o beneplácito dos ministérios da educação, que,
a partir das iniciativas do CCPFC, dos CFAE (onde se incluem os seus
diretores, as suas comissões pedagógicas e os seus formadores), das
escolas e dos professores, se construíssem projetos de formação cujo

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 85
Rui Trindade

potencial inovador é indesmentível. A concretização de iniciativas através


da operacionalização de Círculos de Estudo, de Oficinas de Formação e
de Projetos é, hoje, pertença de um património do qual nos podemos
orgulhar, o qual exprime um percurso que, apesar de todas as suas vicis-
situdes, não deixa de revelar o desejo de, através da formação contínua,
se promover o empoderamento profissional e pessoal dos professores,
mesmo que este desejo nem sempre se tenha concretizado. Não me
parece, contudo, que este facto possa ser lido como um indicador de
insucesso, quanto mais não seja porque a lógica empoderadora, ao nível
da formação contínua, não pode ser circunscrita, apenas, às decisões
que dizem respeito a este subsistema.
É que não se podem dissociar as políticas e as iniciativas neste âmbito
do próprio processo de transformação das escolas portuguesas. Por
outras palavras, não se pode falar de lógica empoderadora, apenas
porque os professores decidem as ações de formação que mais lhes
interessam. A participação docente na definição do programa de for-
mação que lhes diz respeito é decisiva, ainda que não se enquadre na
lógica empoderadora se o programa de formação adotado contribuir
para perpetuar, por exemplo, a hegemonia do paradigma pedagógico
da instrução (Trindade & Cosme, 2010) e as práticas curriculares a este
associadas.
Em conclusão, há que reconhecer o papel decisivo dos CFAE na cons-
trução do nosso subsistema de formação contínua, seja como entidades
cuja génese e dinâmicas organizacionais importa evidenciar, seja por
via dos espaços de ação e investigação que permitiram criar. Se já me
referi neste texto ao investimento que se produziu no desenvolvimento
de estratégias e dispositivos de formação congruentes com a ideia de
que a formação terá de ser um espaço onde os professores podem, a
partir dos seus saberes e experiências, investir num processo de reflexão
sobre as suas práticas e decisões, no âmbito de projetos de transforma-
ção curricular e pedagógica, importa valorizar, igualmente, o quanto
a constituição dos CFAE exprime as potencialidades das políticas que
entendem a autonomia das escolas quer como resposta às ambições
e aos desafios da vida nas sociedades contemporâneas quer como
condição da vida em sociedades que se reivindicam como sociedades
democráticas. Os CFAE resultaram das sinergias que as escolas de um
dado território educativo foram capazes de criar e constituem expressão
da capacidade de organização e de inventividade que os professores
dessas escolas deram mostras, mostrando-se capazes de assumir res-
ponsabilidades, construir compromissos e, quantas vezes, transcender o
seu papel como instâncias promotoras de formação para se afirmarem
como instâncias de dinamização cultural.

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


86 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Os Centros de Formação das Associações de Escolas: 25 anos depois…

É este olhar em retrospetiva que nos faz acreditar que os CFAE pode-
rão contribuir de forma decisiva para que os docentes portugueses
encontrem nos espaços de formação em que participam uma oportu-
nidade para reinventar a profissão, seja por via das iniciativas em que
se envolvem seja por via do modo como lhes é permitido vivenciar tais
iniciativas, condição fundamental para problematizarem o que fazem e
participar na construção das respostas subsequentes a esse processo de
interpelação, o qual terá de ser vivido como um processo de formação.

REFERÊNCIAS:
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intermédia. In Barroso, João (Org.), A regulação das políticas públicas
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Barbier, J.-M. et al. (1991). Tendances d’évolution de la formation des adultes.
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Canário, R. (1991). Escolas e mudança: Da lógica da reforma à lógica da
inovação. Lisboa: II Colloque National AIPELF – Section Portugaise.
Correia, J. A. (1989). Inovação Pedagógica e Formação de Professores. Porto:
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Jobert, G. (1987). Une nouvelle profissionalité pour les formateurs d’adultes.
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Lima, L. (2002). Reformar a Administração Escolar: A recentralização por
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Malglaive, G. (1988). Les rapports entre savoir et pratique dans le dévelopment
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olhar analítico e prospectivo. Braga: Conselho Científico-Pedagógico
da Formação Contínua.
Trindade, R. & Cosme, A. (2010). Educar e aprender na Escola: Questões,
desafios e respostas pedagógicas. Gaia: Fundação Manuel Leão.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 87
CAPÍTULO 8
CENTROS DE FORMAÇÃO DE
ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS: A EXPRESSÃO
DA VONTADE DOS DOCENTES

MIGUEL CASTRO
Instituto Politécnico de Portalegre

INTRODUÇÃO
Mesmo no início da década de 80 do século passado, estava a terminar
o meu 12º Ano, na escola Secundária Mouzinho da Silveira em Portalegre,
ocorreu um evento pedagógico (Semana da Escola ou outra designação
da qual não me lembro), onde foi convidado o Professor Fraústo da
Silva. Com uma capacidade de comunicação e simplicidade invulgares,
durante a sua apresentação contou duas histórias, que segundo ele
refletiam a realidade da educação em Portugal. Essas pequenas alegorias,
cheias de humor sarcástico e certeiro ainda hoje me acompanham.
A formação de professores e educadores, até à afirmação dos Centros
de Formação de Professores (atuais CFAE), era controlada essencialmente
pelos recém-criados Institutos Politécnicos e as vetustas Universidades;
os poucos Centros que existiam, ainda no início, sem financiamento e
com muitas dificuldades, tentavam abrir caminho entre um mar de
obstáculos, que não deixavam margem para chegar eficazmente aos
docentes. Desta forma, a oferta de formação contínua de professores
e educadores vinha de cima para baixo, e estando eu, já professor, a
procurar e frequentar formação, fez-me lembrar a pequena história que
o Professor Fraústo das Silva nos contou e que começou a fazer muito
mais sentido para mim.
A história falava de uma Universidade que, tendo um investigador
brilhante, apostou e financiou um doutoramento (Especialização ou
Pós-Doutoramento) num dos mais conceituados institutos de investi-
gação do mundo. O investigador conseguiu uma brilhante tese onde
explicava tudo o que havia para saber sobre a ponta esquerda do intes-
tino da minhoca (não faço ideia se a minhoca possui intestino, mas a

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 89
Miguel Castro

história era assim). Chegado a Portugal e aclamado pelos pares, pôs-se


à Universidade o problema sobre o que fazer com tal investimento e
com um investigador tão prestigiado, a nível mundial.
Vamos abrir uma cadeira onde se estude a ponta esquerda do intes-
tino da minhoca! Em breve vários estudantes sabiam muito ou quase
tudo sobre o intestino da minhoca. Formados, e muitos doutorados,
quiseram divulgar o que pensavam ser importante para a formação
de alunos, professores e educadores. Em breve começaram a nascer
ações de formação sobre a ponta esquerda do intestino da minhoca
e os professores e educadores, não tão entusiasmados com o tema,
punham uma questão insignificante: qual a utilidade prática para o
meu desenvolvimento profissional e científico, e saber tanto sobre a
ponta esquerda do intestino da minhoca?
Os Centros de Formação de Associação de Escolas cumprem 25 de
anos de existência e de atividade e aquilo que realmente os faz diferentes
é a sua lógica de funcionamento – a formação faz-se das necessidades
expressas pelos docentes e pelas escolas, segundo os seus projetos e
objetivos. Esta visão não exclui os Politécnicos e Universidades; pelo
contrário, aproxima estas instituições da realidade docente e obriga-as
a caminhar em conjunto com os professores e a dar resposta às suas
necessidades de evolução, e não o contrário. Qualquer reforma, mudança
ou evolução, se não corresponde à necessidade daqueles que as vão pôr
em prática, não é eficaz, nem altera a realidade de forma profunda. O
Centro de Formação de Professores do Nordeste Alentejano CEFOPNA),
ao qual estou ligado por laços profissionais, mas também afetivos, faz
jus ao que atrás mencionei. Sem pôr de lado propostas vinda de profes-
sores (do Ensino Superior ou não), o CEFOPNA estrutura o seu plano de
formação a partir das propostas vindas das escolas e dos seus docentes,
que apontam as áreas de formação que sentem ser importantes para a
alteração e adaptação das suas práticas pedagógicas às necessidades
e obstáculos que a sociedade pós-moderna, e ligada à informação e às
novas tecnologias, vai pondo no seu quotidiano profissional.
Este tipo de processos bottom-up, ainda que enquadrados por uma
estrutura de topo, são aqueles que, como referimos no título, expressam
a vontade dos docentes. O segredo do sucesso dos CFAE é, porventura,
esta origem nas necessidades dos professores de se atualizarem e de
serem cada vez mais completos na sua atuação.

BREVE ENQUADRAMENTO TEÓRICO


É um lugar-comum dizer que na escola se refletem as dinâmica da
sociedade, com o que ela tem de melhor e, por mais vezes acentuado, o

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


90 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Centros de Formação de Associação de Escolas: a expressão da vontade dos docentes

que de pior possui. Nada de errado está neste retrato. O mais estranho
é encararmos os aspetos negativos apenas como culpa da escola e dos
seus atores e não corresponsabilizar todos nós, ou seja a ”sociedade”
que nela se espelha e reflete.
Este movimento de abertura da escola inicia-se com mais acuidade
após uma generalização das democracias de tipo ocidental (pós-se-
gunda Guerra Mundial) e essencialmente a partir da década de 60 do
século passado. A alteração e elevação das condições gerais de vida, a
massificação do bem-estar, a generalização, como direito humano, à
escolarização e o acesso democratizado à informação, provocaram uma
profunda necessidade de alteração do paradigma educativo e da sua
principal ferramenta – a escola.
Relativamente à profissão docente, a necessidade de adaptação à
realidade, que já não era exterior à escola, mas que nela entrava e se
afirmava, foi premente. Já não bastava (nem basta) ao professor possuir
um bom conhecimento científico e transmiti-lo! De transmissor, o
professor passa a educador, necessitando de múltiplas valências para
conseguir atingir o seu objetivo – o sucesso do aluno no seu contexto
social regional, nacional e global.
Talvez a nenhuma outra profissão se peça tantos e tão variados skills.
Exige-se do professor um conhecimento pedagógico e
didático adequados à multiplicidade de situações com que
se depara: além de ter de dominar os conteúdos que leciona,
deverá ainda promover e ser facilitador da aprendizagem,
estar atento aos alunos, organizar o trabalho na sala de
aula, diferenciar e diversificar os métodos, tendo em conta
a heterogeneidade dos alunos. Para além destes aspetos
deverá também ter em conta a estabilidade e o equilíbrio
emocional e afetivo de todos os alunos, assim como os
aspetos de caráter social da turma. (Ventura dos Santos,
2013, p. 10)

Desde psicólogo, assistente social, animador sociocultural, educador,


companheiro e até (espante-se) professor, tudo é exigido ao docente.
Para que a sua ação seja eficaz terá que ter noções várias, que já não se
restringem apenas à sua área científica de origem, ainda que as abor-
dagens multidisciplinares sejam cada vez mais comuns. Esta situação
conduz os professores à procura de formação (formal, não formal ou
informal) em áreas que não são estritamente relacionadas com as suas
áreas científicas.
Noutra perspetiva, por parte do cidadão comum existe um cada
vez maior acesso à informação, que o leva a sentir-se na posse de um

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 91
Miguel Castro

conhecimento, quase sempre superficial e por vezes pseudocientífico,


que considera que lhe permite, frequentemente sem fundamento, avaliar
a escola e os professores, sem estar de posse dos requisitos específicos
que são apanágio da profissão docente. Para a maioria dos cidadãos, a
escola ainda é, do seu ponto de vista, essencialmente transmissora de
conhecimentos. Apenas acessoriamente outros aspetos educativos são
tidos em conta – os alunos têm que aprender (saber muitas coisas!?)
para passar nos exames. Assim, por não se entender a especificidade dos
aspetos didáticos e pedagógicos que constituem a profissão docente,
existe uma desvalorização desta atividade, exigindo que os professores
simulem os motores de busca, na quantidade de conhecimentos da
sua área. De outro ponto de vista, e sendo eu professor, também nós
temos culpa, pelo facto de não conseguirmos afirmar as características
específicas da nossa profissão, e que vão muito além dos conhecimentos
científicos.
Existe uma ambivalência face à profissão docente, que leva a que os
cidadãos tenham uma posição paradoxal acerca da escola: por um lado,
arrogam-se a apropriar-se do conhecimento de várias áreas do saber,
incluindo as melhores práticas pedagógicas; por outro, exige desta
a educação dos seus filhos, não apenas em aspetos científicos, mas
também no seu acompanhamento psicológico, pais de substituição e
animadores para reterem os alunos na escola o maior tempo possível,
e poderem ou serem condicionados a trabalhar até mais tarde.
O professor deve possuir o papel de facilitador de aprendizagens (cada
vez mais autónomas), potencializador da aquisição de conhecimentos,
propiciador e incentivador do desenvolvimento de competências, cien-
tíficas, sociais e pessoais. No entanto, a maior parte das universidades
e politécnicos ministra uma formação ainda muito assente na teoria e
orientada mais para um professor transmissor de conhecimentos do
que para o desenvolvimento de competências e auxiliar na manipu-
lação e seleção da informação. Numa era em que o conhecimento é
ubíquo, à escola cabe também, para além de transmitir conhecimento,
proporcionar aos alunos meios, técnicas e formas de procurar e utilizar
a informação para a sua vida quotidiana e profissional, paralelamente
à aquisição de conteúdos. Embora a escola possua as duas vertentes,
é por esta eficiência e eficácia que ela tem de se afirmar. Para tal, o
professor tem de procurar a formação, sempre atualizada, que o ajude
a propiciar aos alunos alcançar os seus objetivos e integrarem-se nos
seus contextos sociais aos vários níveis, global, nacional, regional e local.
Pretende-se que seja “não alguém que transmite conhecimentos, mas
aquele que ajuda os seus alunos a encontrar, organizar e gerir o saber,
guiando mas não modelando os espíritos, e demonstrando grande

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


92 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Centros de Formação de Associação de Escolas: a expressão da vontade dos docentes

firmeza quanto aos valores fundamentais que devem orientar toda a


vida” (Delors, 1996, p. 133).
Marc Prensky, a 4 de julho de 2018, na Entrevista da Manhã, na Antena
1, propõe ir mais além, fazendo desaparecer o termo professor e apelidan-
do-o de “treinador”. Desenvolve a ideia, com algum humor, comparando
o professor a um treinador de uma equipa de futebol; este não tem que
ser o melhor jogador, mas terá certamente de conseguir que os seus
jogadores sejam capazes de uma excelente performance e terá também
de saber um pouco de cada posição e de futebol no geral.
Este tipo de visão da educação, e inerentemente da escola também, é
refletida nos relatórios e orientações da OCDE, da UNESCO e da própria
Comissão Europeia (2002, 2003, 2012, 2016). Sinteticamente, divide os
objetivos da educação para o século XXI em quatro grandes áreas: formas
de pensar (criatividade; pensamento crítico; resolução de problemas;
tomada de decisões e aprendizagem); formas de trabalhar (capacidades
de comunicação; trabalho colaborativo); ferramentas para o mundo do
trabalho (tecnologias de comunicação e informação; literacia relativa-
mente à informação); skills para viver no mundo (cidadania; carreira e
vida; responsabilidade pessoal e social). Este tipo de abordagem não põe
de lado o conhecimento científico; porém, a velocidade da mudança é
de tal forma rápida e imprevisível, que se torna necessário dar aos alunos
ferramentas para que possam viver num mundo volátil, em constante
mudança e com um grau de imprevisibilidade muito acentuado.

A FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES E EDUCADORES


Em Portugal (não apenas na educação) as alterações e reformas
tentadas e efetivadas são predominantemente top-down. Não tendo
origem numa combinação entre a vontade expressa dos docentes e as
necessidades de reforma ou adaptação do sistema educativo, que terá
que possuir uma visão mais global e proveniente do topo da organização,
provoca nos docentes uma atitude de resistência que se manifesta
numa tendência para não adotar as novas ideias, independentemente
da “bondade” das intenções. Esta falta de reais alterações, quer no sis-
tema educativo, quer nas práticas letivas e didáticas específicas, pode
justificar-se por este desfasamento entre o topo e a base do sistema. As
alterações e reformas que vão sendo implementadas não se refletem
eficazmente nas práticas letivas; tendem a ser desconexas, erráticas
e não sendo fruto de um movimento significativo de docentes e das
suas necessidades. As mudanças efetivas e permanentes no sentido do
aperfeiçoamento acabam por ficar desvirtuadas e sem efeito prático, quer
nas práticas pedagógicas, quer no sucesso dos alunos. Por muito positivas

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 93
Miguel Castro

e eficazes que pudessem vir a ser, são pontuais e não constituem um


conjunto coeso, com sustentação teórica que permita a sua expansão e
a adesão a novos modelos e paradigmas. Cada docente trilha, sozinho,
ou em pequenos grupos, o seu caminho, mas a mudança é residual.
Se acrescentarmos que desde a Revolução de 1974 o número de
reformas e alterações de “fundo” na educação têm sido tão frequentes
e têm resultado em tão escassas alterações reais e visíveis em contexto
de sala de aula, é fácil compreender que os docentes adotem quase
sempre uma atitude de desconfiança perante uma nova proposta de
mudança. Para além deste obstáculo, cada alteração, na maior parte dos
casos, não se baseia numa avaliação das transformações anteriores, o
que resulta num destruir do pouco (ou muito) que se possa ter alterado
e modificado. Como enfatizam Fullan e Hargreaves (2001) mudanças nas
escolas e nos sistemas educativos que não partam das necessidades,
ansiedades e projetos dos professores e não sejam suportadas e apoiadas
por estes, não conseguem os seus objetivos.
A formação contínua deverá estar orientada para colmatar esta neces-
sidade e permitir aos docentes contactar com inovações que sustentem
e incentivem a sua necessidade de mudança e alteração de práticas; con-
comitantemente, deve permitir a organização e fundamentação teórica
que suporte essa mesma transformação e centrar-se essencialmente na
sala de aula, lato sensu (lugar de aprender a aprender). A formação deve
ser algo que emane das necessidades expressas pelos docentes (através
dos órgãos das escolas). Correspondendo às necessidades e expetativas
dos professores e educadores, a formação contínua permite ao docente
crescer e valorizar-se enquanto pessoa preparada, reflexiva e com skills
específicos, que a identifiquem socialmente como especialista essencial
numa sociedade proativa e de informação. O docente deve ser um
potenciador de perspetivas críticas a par do ritmo de mudança global.
Marcelo García (1999), relativamente ao conceito de forma-
ção, afirma que (i) a formação como realidade concetual
não se identifica, nem se esbate dentro de outros conceitos
em uso, como educação, ensino e treino, (ii) o conceito de
formação agrega uma dimensão pessoal, de desenvolvi-
mento humano global, a que é preciso atender, frente a
outras conceções eminentemente técnicas, (…) o conceito de
formação tem a ver com a capacidade de formação, assim
como com a vontade de formação, ou seja, o indivíduo é
o responsável último pela ativação e desenvolvimento de
processos formativos. Isto não quer dizer que a formação seja
necessariamente autónoma. É através da inter-formação que
os sujeitos podem encontrar contextos de aprendizagem

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


94 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Centros de Formação de Associação de Escolas: a expressão da vontade dos docentes

que favoreçam a procura de metas de aperfeiçoamento


pessoal e profissional. (Ventura dos Santos, 2013, p. 14)

Qualquer que seja o ângulo teórico com que se aborde a formação


contínua de professores e educadores, todas olham para o docente
como um profissional de educação não compartimentado, mas com
múltiplas facetas, todas elas a necessitarem de sustentação e cresci-
mento do indivíduo. Podemos, no entanto, identificar grandes espaços:
aspetos científicos, didático pedagógicos, e por fim, mas não por último,
uma dimensão reflexiva e de questionamento do seu papel enquanto
docente e membro de uma comunidade em mudança. Estas diferentes
dimensões estão assinaladas e espelhadas nas obras de García (1999),
Alarcão (2001,2009), Canário (1998), Estrela (2001, 2010) ou Formosinho
(1991) e realçam, para além destes aspetos, a necessidade de considerar
a especificidade dos docentes.
A última dimensão de questionador, e consequentemente também
de investigador, faz parte da profissão. É a partir da reflexão e da procura
de respostas que o docente pode crescer e perceber as necessidades
que possui para modificar as suas práticas no sentido da melhoria do
processo de aprendizagem dos alunos. A “formação deve ter em conta
o questionamento reflexivo com caráter organizado e sistemático,
focalizando a atenção nos problemas e no processo de resolução dos
mesmos – ocorrer uma interligação entre os diversos sistemas de conhe-
cimento e uma prática educativa em contexto” (Ventura dos Santos,
2013, p. 21). Tal como o aluno, também o docente deve ser o construtor
do seu próprio conhecimento. Esta postura de investigação da realidade
concreta do docente já tinha sido proposta por Estrela e Estrela (2001)
no que ficou conhecido como estratégia de formação IRA (Investigação/
Reflexão/Ação) tendo sido levada a cabo em projetos de investigação/
ação coordenados por estes dois investigadores em diversas escolas,
com a colaboração de vários docentes.
Num outro contexto apresentamos um ciclo que esquematiza o
processo de formação contínua de grande parte dos docentes.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 95
Miguel Castro

Esquema 1 - Processo de procura de Formação e Atualização Docente

A formação (…) deverá ser entendida como um ciclo que


permite ao professor ou educador um processo contínuo
de ajustamento, conhecimento e inovação, que conduz
ao melhoramento da sua prática pedagógica e ao desen-
volvimento do seu conhecimento científico e crescimento
pessoal. (Castro, 2017, p. 14)

A importância da formação contínua assume-se como tão essencial


como a formação inicial e a especialização docente. Assim, a Lei de Bases
do Sistema Educativo de 1986 reconhece o direito à formação dos docen-
tes, mas o dever deste profissionais se atualizarem e adaptarem as suas
práticas e conhecimentos. A regulamentação deste processo chega mais
tarde, como ocorre muitas vezes no nosso país, através do DL nº344/89
de 11 de Outubro. É este DL que sustenta e é a base geral do sistema
de formação que ainda hoje existe, não obstantes as várias afinações
e evoluções que se foram sucedendo, de forma a criar condições mais
próximas das necessidades de formação dos professores e educadores;
é o caso do DL de 1992 e em 1994 o DL nº 274/94 é o responsável pela
criação dos CFAE (Centros de Formação de Associação de Escolas). Esta
alteração é fulcral, no sentido da criação de um sistema que permitisse
às escolas definirem as suas necessidades baseadas nas necessidades
reais dos docentes.

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


96 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Centros de Formação de Associação de Escolas: a expressão da vontade dos docentes

Atualmente, a Formação Contínua de Professores e Educadores é


regulamentada pelo Decreto-lei nº 22/2014:
Estabelece-se um novo paradigma para o sistema de for-
mação contínua, orientado para a melhoria da qualidade de
desempenho dos professores, com vista a centrar o sistema
de formação nas prioridades identificadas nas escolas e no
desenvolvimento profissional dos docentes, de modo a que
a formação contínua possibilite a melhoria da qualidade do
ensino e se articule com os objetivos de política educativa
local e nacional. (DL nº 22 de 2014, p. 1286)

Os CFAE assumem-se como elemento estruturante da formação


contínua de professores e educadores, embora as instituições de Ensino
Superior também desempenhem um papel relevante, se assim o enten-
derem. Este papel enfatiza a maior aproximação das necessidades de
formação sentidas pelos docentes e a oferta. Os CFAE constroem os seus
planos de formação a partir das propostas das escolas.
Na essência a formação contínua assenta em modelos formatados:
ações de formação, seminários ou oficinas de formação. São nestas
modalidades que os docentes realizam a sua formação; a reflexão con-
junta, o trabalho colaborativo ou a supervisão entre pares, embora
teoricamente incentivados, não têm expressão concreta em créditos
para a carreira, nem a certificação do trabalho pela tutela ou pelo Con-
selho Científico-Pedagógico da Formação Contínua. Assim, as novas
tendências pedagógicas e as novas modalidades de formação, que
fazem do professor um protagonista do seu próprio desenvolvimento,
são postas de parte em termos de progressão; porém, mostram-se
essenciais para o crescimento docente nos dois vetores que o último
Decreto-lei aponta como essenciais para a carreira – a dimensão científica
e didático-pedagógica.

O CASO DO CEFOPNA (CENTRO DE FORMAÇÃO DE PRO-


FESSORES DO NORDESTE ALENTEJANO)
Criado por despacho, publicado no DR nº 150, IIª Série, de 29/06/93,
O CEFOPNA, está sedeado na Escola Secundária Mouzinho da Silveira,
em Portalegre e agrega as escolas dos concelhos de Arronches, Castelo
de Vide, Campo Maior, Elvas, Marvão e Portalegre. É responsável pela
quase totalidade da formação contínua dos professores e educadores
nesta região. A sua intervenção tem sido orientada para responder à
procura dos docentes para a elaboração dos seus planos de formação.
Os temas e orientações das várias modalidades de formação refletem as

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 97
Miguel Castro

vontades e necessidades das suas escolas ou agrupamentos, de modo


a abranger o maior número de colegas possível.
Sendo formador neste Centro, por duas ocasiões tive a possibilidade
de fazer estudos que me permitiram ter uma visão mais clara do que
os formandos pretendem e de como encaram a formação contínua.
Num primeiro momento, em 2016, realizámos um inquérito a partir
da base de dados do Centro e obtivemos 776 respostas válidas. Este
ano, de 2018, e no âmbito do Plano Nacional de Promoção do Sucesso
Escolar, realizámos e analisámos 2760 inquéritos aplicados (em três
partes – inquérito inicial; inquérito intermédio, inquérito final) aos 920
formandos que frequentaram as formações do CEFOPNA.
No primeiro trabalho orientámos as questões para dois campos
principais: motivações para frequência das formações e opiniões sobre
as mesmas. Devido à mobilidade da profissão docente, conseguimos
opiniões de colegas de todos os distritos do continente, com uma
distribuição por sexo de 74,9% femininos e 25,1% masculino. Em termos
de anos de serviço, 62% estavam entre os 15 e os 30 anos de serviço, o
que é um ponto muito positivo, pois os colegas que participaram, para
além da experiência, já tinham frequentado várias formações ao longo
dos anos. Este fator é importante, pois poderão avaliar as formações de
forma mais objetiva devido à possibilidade de comparação e aferição
com outras experiências formativas.
No momento em que este inquérito foi realizado, a carreira docente
estava congelada, fator este que poderia ter condicionado a disponibili-
dade para fazer formação dos docentes; no entanto, o que parece pesar
na decisão dos profissionais da educação é vontade de atualização e
inovação. A atualização a nível científico, proporcionada pela formação,
é considerada importante ou muito importante (92,1%) e na área das
didáticas específicas e das tendências pedagógicas recentes, a per-
centagem de docentes que a valoriza é de 91,5%. Assim, a formação faz
sentido para os docentes, existindo disponibilidade para a inovação e
atualização conhecimentos. Estes dados podem levar-nos a afirmar, que
o corpo docente nacional deverá ser um dos mais qualificados, o que,
pensamos nós, se irá, mais tarde ou mais cedo, refletir nas alterações
das práticas pedagógicas. Outro aspeto, intimamente ligado às modifi-
cações didático-pedagógicas, foi a afirmação dos colegas relativamente
à construção de projetos entre escolas (51,7%) e estratégias trans e
interdisciplinares (56,3%), concluindo-se que a formação é promotora
de modificações orientadas para as novas metodologias, mais ativas e
centradas no aluno e não tanto na quantidade de conteúdos, tal como
apontam os relatórios internacionais.

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


98 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Centros de Formação de Associação de Escolas: a expressão da vontade dos docentes

A adesão voluntária à formação, e não por motivos compulsórios,


apresentou percentagens superiores aos 80%; também mais de 90%
das respostas consideraram o tempo despendido com as diversas
modalidades de formação bem empregue. No aspeto das temáticas, os
docentes dividem-se praticamente a meio – 50,5% pensam que apenas
os temas científicos e pedagógicos deveriam ser objeto de formação; já
os restantes colegas apontam a necessidade de temas mais latos e não
apenas dentro dos itens apontados.
Ao longo da nossa experiência como formando e como formador,
um dos ângulos mais interessantes de observar nestas reuniões de
profissionais da educação é o fator catártico que se constata. Nes-
tes momentos os colegas falam e partilham problemas, dificuldades,
sucessos e fracassos. 68,8% dos docentes aproveitam estes espaços na
sua vida profissional para refletirem em conjunto e “desabafarem”, com
outros colegas, factos que os incomodam ou inquietam; desta forma,
podemos também inferir que a assunção dos problemas ou dificuldades
partilhadas conduzam à troca de possíveis soluções e que são momentos
igualmente de formação e crescimento mais abrangente dos docentes.
Estas conclusões e indicações sobre formação contínua de professores
e educadores foram confirmadas, alargadas e acentuadas no âmbito
dos inquéritos realizados pelo CEFOPNA, enquadrados no PNPSE. A
caraterização do universo de estudo, embora mais alargado, apresenta
caraterísticas semelhantes ao primeiro estudo, ou seja, a maioria dos
docentes pertence ao Quadro de Agrupamento ou Escola e 72% pos-
suem uma experiência profissional superior a 20 anos. A distribuição
por género reflete a realidade portuguesa que se tem vindo a acentuar
desde a revolução de 74 - o investimento na formação inicial e ao longo
da vida tem sido uma aposta mais marcada pelo género feminino
(neste caso 82% do Universo), situação que adveio da democratização
e normalização da vida nacional, que finalmente ofereceu à mulher um
estatuto de igualdade de oportunidades.
O facto dos dois universos de estudo terem atributos semelhantes
torna-se numa mais-valia, pois sendo de certo modo comparáveis,
permitem conclusões mais sustentadas e válidas.
A formação do CEFOPNA enquadrada no PNPSE foi divulgada essen-
cialmente pelos Agrupamentos (88%). O PNPSE iniciou o seu processo a
partir da base, isto é, convocando as escolas para a elaboração de Planos
de Ação Estratégica de Escolas. “Obrigou” a que cada instituição reali-
zasse uma reflexão sobre as suas necessidades específicas de formação,
para que se conseguisse mitigar, ultrapassar e vencer as debilidades
existentes. Assim, foi através do Agrupamento que a comunicação se
fez, eficazmente, de acordo com o valor das respostas. Ainda dentro

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 99
Miguel Castro

das questões de contexto do plano, verificámos novamente que os


aspetos legais que obrigam à formação, principalmente agora que o
descongelamento da carreira docente é um assunto em discussão, não
tem grande peso na opção para realizar formação.
Nestes inquéritos, uma das questões prendia-se com as expetativas
que os colegas tinham em relação à formação e à sua utilidade para a
sua vida profissional. Como poderemos observar no próximo conjunto
de gráficos, as expectativas dos docentes no início da ação são altas, ou
muito altas, no que respeita à utilidade da formação na sala de aula; ape-
nas a relação com os colegas, embora importante, não apresenta valores
tão elevados. Interessante é comparar os dados do inquérito inicial, com
um outro realizado no final das formações (as questões apresentam
uma escala de 4 pontos, sendo que o 4 revela uma concordância ou
satisfação máxima e o 1 o oposto).

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


100 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Centros de Formação de Associação de Escolas: a expressão da vontade dos docentes

Nos gráficos, as percentagens são muito significativas relativamente


aos aspetos pedagógicos. Os docentes querem adaptar as suas práticas
letivas às novas necessidades e desafios, e para tal utilizam, como é
suposto, a formação contínua. A relação com os alunos, as novas meto-
dologias e a possibilidade de participação e elaboração de projetos na
escola, ou interescolas, apresentam valores sempre acima dos 80%, sendo
que na maior parte dos casos vão além dos 90%. Estes valores suportam
que não só este grupo profissional possui um grau de formação espe-
cífica muito elevado, como existe uma predisposição para a mudança
e atualização dos profissionais. Aliás, 98% dos docentes acredita que as
ações/formações que frequentam vão melhorar a sua prática pedagógica
e 80% escolhem novos temas para ampliar a sua formação; 20 % afirma
que repetem a escolha do tema da formação.
No quadro faz-se uma breve comparação entre as expetativas iniciais
e o final da formação, verificando-se que a satisfação dos docentes é
acentuada.
Estes dados permitem concluir que as temáticas propostas para o
plano do CEFOPNA espelham a efetiva vontade dos professores. O pro-
cesso que conjuga uma perspetiva vinda de topo – PNPSE – e a vontade

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 101
Miguel Castro

das escolas (base) – elaboração de planos estratégicos de Escola, revela-se,


assim, potenciadora de uma efetiva mudança. Ainda que possivelmente
a um ritmo não muito avassalador, a alteração vai-se dando, em passos
que, ainda que pequenos, estão devidamente sustentados.

Quadro 1 - EXPECTATIVAS EM RELAÇÃO À AÇÃO


Impacto na vida profissional

Inq. Inicial (%) Inq. Final (%)

Na minha prática profissional 98 98

Na minha relação com os alunos 88 95

Na minha relação com os colegas 77 86


de trabalho
Nas metodologias utilizadas na PP 98 99

Na mudança de práticas em sala 93 95


de aula
Na participação em projetos de 85 88
escola e interescolas

Excetuando o primeiro dado, todos os outros valores registaram subi-


das ligeiras. O importante para registo e reflexão são o preenchimento
das expetativas. Os colegas ficaram satisfeitos com a formação realizada
e pretendem transportá-la para as suas escolas e salas de aula, conside-
rando a influência que as Ações/Oficinas têm no melhor desempenho
profissional. Assim, podemos afirmar, perante os dados, que o objetivo
foi cumprido de forma extremamente satisfatória.
Relativamente ao formador, os formandos reconhecem existir uma
relação de proximidade e colaboração. A capacidade de motivação,
disponibilidade e clareza no discurso são indicadores não apenas do
bom ambiente gerado dentro do contexto de formação, mas também
de alguma proximidade, que pode refletir trabalho colaborativo e apren-
dizagens mútuas.

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


102 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Centros de Formação de Associação de Escolas: a expressão da vontade dos docentes

O inquérito tentou também definir as principais áreas de formação


pretendidas, como opção para futuras ações. Este dado é importante
para a construção de futuros planos de formação que não se revejam
em planos desligados da realidade das necessidades e interesses de
formação dos principais elementos deste processo – os docentes.

O gráfico demonstra uma aparente dispersão das áreas de formação


pretendidas. Porém, o que se torna evidente é a procura dos docentes
por uma atualização e formação orientada para o sucesso dos alunos.
O contexto educativo, em constante alteração, reflete a velocidade da
mudança na era tecnológica. Os professores vêem-se confrontados com
realidades novas e desafiantes, que pretendem ultrapassar através de
novas posturas, em contexto de sala de aula.
Podemos agrupar as respostas em dois conjuntos: - as que estão
diretamente ligadas à prática pedagógica e a didáticas centradas na
sala de aula, com o objetivo de obter sucesso escolar – 94%; - a supervi-
são pedagógica e a educação especial - 6%. O que se verifica é que as
respostas se concentram em temáticas que permitem aos formandos
alterar a “sala de aula”, para dar resposta às novas dinâmicas impostas
também pelos alunos, que sendo diversos terão que ser tratados como
tal na sua multiplicidade de interesses. Este último aspeto, embora
mais realçado, não se sobrepõe, naturalmente, à igual necessidade de
formação científica, linguística e humanista, necessária à formação de
cidadãos interventivos e participativos. É o equilíbrio entre esta grande
variedade de fatores que as respostas evidenciam – Dinâmicas Inovadoras
para o Sucesso Escolar; Práticas Colaborativas; TIC; Gestão da Sala de Aula;
Avaliação das Aprendizagens; Organização e Desenvolvimento Curricular.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 103
Miguel Castro

O PNPSE pretendia alterar práticas para o sucesso; pela amostra dos


inquiridos do Nordeste Alentejano, a mudança já está a ser iniciada e
parece ser sustentada pelos docentes.
Um dos grandes objetivos do PNPSE é provocar mudanças centradas
na sala de aula, mas também a introdução de novos temas de discussão
e reflexão nas suas instituições. O debate sobre metodologias, o papel da
escola na preparação de alunos capazes de enfrentar um mundo que
se transforma a uma velocidade e com um grau de imprevisibilidade
nunca antes conhecidos, provocam uma inevitabilidade de mudança e
transformação das instituições, que sendo formada por seres humanos,
possui algum grau de resistência à mudança. Recorrendo ainda a Marc
Prensky, na entrevista de 4 de julho de 2018 (Antena 1), a palavra mudança
deve ser evitada pois provoca resistência; este autor aponta para a palavra
adaptação, mais consensual e com maior correspondência face à reali-
dade social. Corresponder (ou superar) às expetativas dos formandos em
relação à sua formação é uma pedra fulcral para o processo ser eficaz
e resistir ao imobilismo e resistência aos novos objetivos expressos no
perfil do aluno para o século XXI.
Mas a mudança foi e vai acontecendo paulatina, mas sustentada-
mente. Basta visitar as escolas e observar alunos e docentes a experi-
mentar novas abordagens e novas relações didáticas e pedagógicas.

ALGUMAS CONCLUSÕES E PISTAS DE REFLEXÃO


O que pretendemos realçar neste texto são três ideias chave relativa-
mente aos CFAE e em particular ao CEFOPNA.
A primeira ideia é relativa ao processo de implementação das forma-
ções contínuas de professores e educadores. Este grupo profissional,
ao longo da história democrática do país, sofreu provavelmente mais
reformas que qualquer outro conjunto profissional. Se é verdade que
algumas mudanças e alterações foram sendo feitas a partir da tutela,
muitas das transformações ocorridas foram alteradas conforme modas
ou ministros, sem existir uma avaliação dos impactos que provocaram,
para melhor ou para pior. As reformas, na sua maioria, deixaram quase
sempre os professores de fora do processo de mudança; desta forma, a
implementação no terreno nem sempre foi de acordo com a perspetiva
de topo. A razão para a fraca alteração é simples: os docentes não se
reviam nas mudanças propostas e apenas adotavam a parte que lhe
parecia mais correta. No entanto, num tão vasto grupo de elementos
nunca houve coordenação na alteração das práticas pedagógicas. Cada
um fazia da forma como melhor conseguia interpretar algo que não era
efetivamente seu. Esta situação levou a que a classe docente adotasse

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


104 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Centros de Formação de Associação de Escolas: a expressão da vontade dos docentes

uma postura de alguma desconfiança perante as várias propostas.


A modificação desta atitude será um dos obstáculos a alterações e
adaptações efetivas.
A segunda ideia central, que se retira de todo o processo de formação
contínua, é que os docentes estão muito disponíveis para a formação,
atualização e alteração de práticas. A partir dos dados, podemos concluir
que a formação conduz a um melhor e mais eficaz desempenho de
professores, alunos e instituições escolares. Os inquéritos evidenciam
que, independentemente dos anos de serviço, os professores aderem às
formações com a consciência de que esta pode (e deve) apresentar algo
de novo nas áreas científicas e didático-pedagógicas. Fica igualmente
vincado que não é apenas a obrigatoriedade que leva à formação, mas
sim uma necessidade sentida para que o desempenho e o papel de
professor e educador seja mais eficaz e conduza os alunos a maior
sucesso escolar. Desta forma, permite que a Escola cumpra mais efi-
cazmente os seus propósitos: educar alunos para a vida num mundo
em mudança e apetrechá-los de ferramentas e conhecimentos que
potenciem o seu sucesso, integração e participação crítica e construtiva
nas suas comunidades.
Por último, a terceira ideia prende-se com o papel dos CFAE. A razão
de ser destas instituições são os professores; é a partir destes e com
estes que se definem área de formação. Os centros foram percorrendo
um longo caminho e neste momento são expressão da vontade dos
docentes. Não são perfeitos mas, como mostram os dados, cada vez mais
servem os docentes e são agentes de mudança. Esta diferença entre
top-down e bottom-up é suficiente para que os professores possuam
maior adesão, menos desconfiança e maior participação.
Uma das maiores virtudes do PNPSE foi ter conseguido um equilíbrio
entre o topo e a base, sendo que a Estrutura de Missão designada conse-
guiu fazer esta ligação. O equilíbrio entre o plano da Estrutura Superior
e a possibilidade de expressão vontade dos docentes, que se efetivou
nos planos de escola e dos CFAE, levou a um elevadíssimo número de
formações e formandos nestes dois últimos anos. Mais tarde (ou mais
cedo, preferencialmente), a mudança irá acontecer e a aprendizagem
e a instituição escolar estarão seguramente mais perto do contexto e
da realidade atual.
Por último uma sugestão, que tem já tem sido alvo de críticas e
elogios: não sendo “politicamente muito correta”, o que propomos é
um complemento à atividade dos CFAE, numa abordagem que vinda
dos docentes e das suas dinâmicas pode ser uma hipótese a ponderar.
A ideia prende-se com as possibilidades alternativas de proporcionar
formação creditada aos docentes noutras modalidades, que não as

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 105
Miguel Castro

tradicionais. Os dados apontam para que as ações/oficina de formação


constituam momentos de partilha e reflexão conjunta dos colegas.
Lembremos que a maioria das respostas diz que estes espaços conduzem
a projetos entre escolas, trans e interdisciplinares. Uma percentagem
significativa refere que os momentos de formação proporcionam e
permitem troca de experiências, dúvidas, partilha de ideias e soluções.
Como caminho paralelo e complementar à formação mais tradicional, a
possibilidade de se constituírem nas escolas, entre escolas ou em agru-
pamentos de escolas, espaços relativamente informais, mas organizados,
com agendas definidas e temas pertinentes, onde os professores se
possam reunir com regularidade e discutir, refletir, criticar e descobrir
soluções e novos caminhos, que permitam melhorar as suas práticas
pedagógicas e alargar o seu leque de interesse e conhecimentos cien-
tíficos, não apenas da sua área específica, mas também de outras áreas,
permitindo novas didáticas e formas de trabalho. A proposta de um
programa com os temas de trabalho e um relatório final ou trimestral (ou
outros documentos) poderiam garantir os requisitos para uma possível
creditação ao CCPFC (ainda que com possível menor peso). Este processo
poderia potenciar e valorizar mais e melhor trabalho cooperativo e de
supervisão entre pares. O trabalho entre pares, sem o peso do formador/
formando, poderia constituir-se em momentos de partilha e união entre
um grupo profissional que tem vindo a ser desvalorizado, mas que,
como podemos constatar, é um daqueles que maior formação possui
e predisposição para a mudança.

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106 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Centros de Formação de Associação de Escolas: a expressão da vontade dos docentes

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25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 107
CAPÍTULO 9
PROJETO DA SUPERVISÃO E(M)
COLABORAÇÃO NA ESIC

EUGÉNIA EDUARDA SOUSA E SILVA


Escola Secundária Inês de Castro

1. INTRODUÇÃO
A relevância da implementação de um plano de ação estratégico,
tendo em vista a exigida formação ao longo da vida, é consensual na
literatura, e encontra-se inscrita na Lei de Bases do Sistema Educativo sob
o princípio de que a formação de professores não se encerra na formação
inicial, mas complementa-se na formação contínua, numa perspetiva
de educação permanente. Conceção que defende o desenvolvimento
do espírito “crítico e atuante” face à realidade social, “a inovação e a
investigação” num movimento consubstanciado numa “prática reflexiva
e continuada de autoinformação e autoaprendizagem”.
Esta pretensão convoca a valorização e dignificação da profissão
docente, eixo central da qualidade do sistema educativo e envolve a
conexão efetiva de diferentes agentes educativos e sociais, dos quais se
destacam os Centros de Formação de Associação de Escolas, entidades
indispensáveis à concretização da formação contínua dos professores.
Nesta perspetiva, torna-se fundamental a criação e disponibilização
de uma oferta de contextos formativos de qualidade articulados com
as prioridades de formação das unidades orgânicas e dos profissionais
que as integram, de forma a favorecer o sucesso educativo e a promoção
da qualidade da escola pública, em ambiente de trabalho colaborativo.
Balizados pela sociedade do conhecimento que nos impele a um
ritmo crescente de desenvolvimento e permanente atualização, torna-se
cada vez mais relevante atender ao que acontece fora da escola porque,
geralmente, o impacto é sentido dentro da mesma.
Todos temos sido testemunhas das alterações que vêm a ser concebi-
das para operacionalizar este compromisso que visa proporcionar a todos
os alunos, nos doze anos de escolaridade obrigatória, oportunidades de

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 109
Eugénia Eduarda Sousa e Silva

sucesso traduzido em conhecimento significativo, desenvolvimento


pessoal e social, pilares de uma formação cidadã ativa que deve concorrer
para uma convivência social mais humana, numa clara aproximação e
valorização da escola como “lugar de vida” (Palmeirão, 2016, p. 119).
O texto que integra esta partilha prende-se com a exploração de uma
experiência formativa na área da supervisão formativa, enquadrada pela
formação acreditada a que se designou de projeto de supervisão e(m)
colaboração, que ocorreu ao longo do quadriénio 2014/18, o qual assenta
numa matriz fortemente influenciada pelo conceito da colaboração
(Alarcão & Canha, 2013).

2. DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL - IMPERATIVO DO


PROCESSO DA APRENDIZAGEM
A pesquisa em educação defende a existência de uma clara associação
da colaboração entre professores e o seu desenvolvimento profissional
(Formosinho, Alves & Verdasca, 2016; Lima, 2009), desde que a colabora-
ção vise um projeto de ação comum, assuma contornos de regularidade,
sistematicidade, veicule a observação e partilha do refletido (Lima, 2009).
Por seu lado, não será despiciendo considerar a interligação entre
enriquecimento profissional e a melhoria dos resultados escolares, não
menosprezando, no entanto, que uma parte do que se passa no processo
de ensino e de aprendizagem na aula é reflexo do que se passa fora dele.
Constatação que vai ao encontro da abordagem ecológica (Alarcão &
Sá-Chaves, 1994; Oliveira-Formosinho, 2009), que reconhece a impor-
tância da assunção de uma visão holística e integradora da educação,
comparativamente com a perspetiva supervisiva microcontextual.
Como refere Marcelo García (2009), o desenvolvimento profissional
dos professores deve ser entendido como um “processo individual e
coletivo que se deve concretizar no local de trabalho do docente: a
escola; e que contribui para o desenvolvimento das suas competências
profissionais, através de experiências de índole diferente, tanto formais
como informais” (p. 1).
Ao que Perrenoud (2000) acrescenta que, num ofício assente na
inter-relação, é fundamental a vontade de cada um se colocar ao serviço
da sua autoaprendizagem e da do coletivo, se quisermos criar culturas e
práticas de trabalho inovadoras, orientadas para o aprendente, baseadas
na investigação. E, sobretudo, que se adaptem a contextos e conjunturas
em permanente mutação numa linha de coletivização e democratização
das formas de conhecer e de atuar, acentua Vieira (2014).
A Escola Secundária Inês de Castro (ESIC) não ficou indiferente a este
movimento formativo e criou uma estrutura constituída por formadores

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


110 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Projeto da supervisão e(m) colaboração na ESIC

internos devidamente enquadrada pelo Centro de Formação Aurélio da


Paz dos Reis para dar cumprimento à referida aspiração. A dinamização
das ações de capacitação acreditadas em diferentes áreas do conheci-
mento (Português, História, Matemática, Educação Física e Supervisão
Pedagógica) foram apelidadas de oficinas pedagógicas.
Acredita-se que este formato de formação implica e legitima o sen-
timento de pertença à comunidade, ao possibilitar aos professores não
só a partilha e apropriação de saberes e respetiva concretização prática
(Tardif, 2000), mas também o reforço da sua identidade profissional
(Alarcão & Roldão, 2008; Vieira, 2014).

3. O PROJETO DA SUPERVISÃO E(M) COLABORAÇÃO


Tem sido notória a tendência internacional e nacional, nas três últimas
décadas, para potenciar a observação de aulas como via de interação
profissional, de carácter essencialmente formativo a nível individual e
coletivo, propiciadora da melhoria da qualidade do ensino e das apren-
dizagens (Reis, 2011).
Nesta perspetiva, a implementação do projeto da supervisão e(m)
colaboração constituiu mais uma etapa da integração da supervisão na
ótica formativa na vida da ESIC e dos seus professores, assumindo-se
como estratégia do desenvolvimento pessoal, profissional e organiza-
cional à luz do defendido por Alarcão e Roldão (2008), Alarcão e Canha
(2013), Vieira e Moreira (2011), Reis (2011), entre outros.
Ao longo do quadriénio de funcionamento do projeto, os objetivos
a atingir foram sendo sucessivamente ampliados, ambicionando-se
possibilitar a vivência de uma metodologia de ação colaborativa que
ganhe significado pela implicação de todos no estudo e procura de
soluções para os problemas e desafios que a prática pedagógica encerra.
Esta metodologia sustentou-se na exploração das potencialidades
que a observação e a partilha refletida de aulas encerra, advindas do
confronto não só com diferentes disciplinas e formas de ensinar e de
aprender, mas também da implementação de diferentes metodologias
de ensino e estilos de liderança, complementadas pela possibilidade de
articulação e integração de conhecimentos.
Neste enquadramento, a “convergência concetual de objetivos, concei-
tos e intencionalidades” (Alarcão & Canha, 2013) deu lugar à construção
dos referenciais de observação e à concretização da partilha do refletido
pós-observação, com a consequente divulgação pública, através da

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 111
Eugénia Eduarda Sousa e Silva

publicação de um caderno pedagógico anual, complementada pela


redação de alguns artigos1.
O facto da participação no projeto ser de cariz voluntário associado à
circunstância da formadora ser docente da ESIC parece ter contribuído
para o seu sucesso.
Como meta, em cada formação (em formato de oficina ou curso)
foram definidas duas observações de aula por par/trio, da mesma ou de
áreas disciplinares distintas, cuja organização decorreu da conjugação
do horário ou da partilha de uma turma comum.
Da agenda do projeto, para além de se apelar ao envolvimento dos
docentes em práticas conjuntas de planificação assentes em intencio-
nalidades pré-definidas, foram propiciados momentos de discussão e
reflexão dedicados à exploração do alargamento das funções da escola
e do professor.
As ambições a conquistar em 2014 de que os excertos que se seguem
são testemunho: “transformar a experiência coletiva em conhecimento
profissional, através da análise partilhada das práticas” e “comungando
experiências e saberes diferentes e inovadores” foram sendo renovadas
no início dos anos posteriores. Por seu lado, o registo das vivências expe-
rienciadas ao longo das sucessivas formações evidenciaram a adoção
de um espírito positivo, empático e colaborativo.
As mensagens gratificantes de clara expressão de “desafio superado”,
“crescimento pessoal e profissional”, “legitimação de práticas pedagó-
gicas e/ou reformulação de outras”, no final de cada ano letivo foram o
estímulo para a continuidade no ano seguinte.

4. UMA IDENTIDADE ASSENTE NA DIVULGAÇÃO DA PAR-


TILHA REFLETIDA
Ao longo da experiência pedagógica participaram mais de quarenta
docentes voluntários, com mais de 10 anos de experiência profissional,
alguns dos quais foram dando continuidade ao trabalho anteriormente
iniciado.
No momento pós-observação da aula, eventualmente, o mais delicado,
o processo foi enriquecido através do feedback do observador sobre o
impacto da ação observado através do comprometimento dos alunos nas
tarefas. Indagou-se se o traçado pedagógico concebido esteve ajustado
ao ambicionado, se a natureza das interações estabelecidas ao nível
da relação professor/aluno e alunos entre si foram as pretendidas e se

1
In http://esic.pt/oferta-educativa/servicos/#supervisaopedagogica

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


112 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Projeto da supervisão e(m) colaboração na ESIC

primaram pela eficácia. Fomentou-se a discussão acerca da adequação


e exploração dos recursos selecionados e disponibilizados.
Foi sendo unânime a consideração de que as partilhas do refletido
foram muito ricas e diferenciadas como é visível nos excertos de textos
correspondentes aos testemunhos do ano letivo 2017/18, relatados no
caderno pedagógico 4, e de que a transcrição que se segue é disso
exemplo:
“A supervisão em colaboração foi sendo construída pelo
grupo de formandos que foi consolidando a arte de olhar
a sala de aula de forma mais reflexiva e autorreguladora. A
partilha em comunidade de aprendizagem das aulas obser-
vadas constituiu um verdadeiro painel de reflexão signifi-
cativa e transformacional. As conquistas foram individuais,
mas também de todos no processo de desenvolvimento
pessoal, profissional e organizacional.” (P7)
“O curso de formação apresentou duas dimensões distintas,
uma essencialmente de pendor reflexivo e a outra promotora
de uma racionalidade prática que explorou a versatilidade
das várias propostas dos formandos/aprendentes, valori-
zando as dinâmicas que privilegiam a lógica colaborativa
docente.” (P5)

Foi, também, clara a ênfase das reflexões e partilhas ao nível das


metodologias mobilizadas, dos recursos e suportes digitais, bem como
da valorização do trabalho colaborativo.
Salvaguardou-se que a aproximação do digital à escola deve ser
encarada como reforço efetivo na conquista de uma visão humanista
que se pretende para a educação, na qual o professor assume o papel
de interlocutor privilegiado (Cosme & Trindade, 2009). Só nesta pers-
petiva, a desconfiança, que possa existir relativamente a esta temática,
se poderá gradativamente esvaecer, como é visível nos excertos que a
seguir se apresentam:
“A análise do impacto do digital na realidade atual, que
extravasa o âmbito puramente tecnológico para recon-
figurar a sociedade ao nível comportamental, relacional,
cultural e ético, perpassou constantemente este processo
formativo. Em consonância, foram experimentados recursos
e plataformas informáticos passíveis de aplicar ao processo
de ensino-aprendizagem, promovendo metodologias e
estratégias inovadoras, como a criação de um padlet ou a
gamificação (prática que um grupo de alunos, a convite da

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 113
Eugénia Eduarda Sousa e Silva

sua professora, também formanda, vieram exemplificar e


testemunhar numa das sessões).” (P11)
“(…) atendendo a que as crianças e jovens são atraídos pela
novidade e pelo digital, estes estímulos dever-se-ão capi-
talizar como foco motivacional e de aprendizagem.” (P13,
P3, P12 e P7)
“A exploração de algumas metodologias inovadoras, peda-
gogia invertida e o design thinking foi outra mais-valia para
a minha formação.” (P10)

Foi, ainda, referido que os alunos devem ser:


“Confrontados com problemas/situações do seu dia-a-dia
que exijam uma nova abordagem que contemple a divul-
gação do produto gerado na comunidade (…). Neste con-
texto, os alunos levantam problemas, propõem hipóteses
e testam-nas pelo que têm que se preparar, pesquisando
e fundamentando ideias e conhecimentos. O produto final
e o seu impacto/sucesso no pequeno grupo ou na comuni-
dade são a avaliação per si. O nosso desafio é encontrar o
problema, a questão, o interruptor que permita a construção
do conhecimento que nos interessa.” (P13, P3, P12, P7)

Por último, é de salientar que o trabalho colaborativo e a observação


de aulas interpares, numa lógica formativa2, constituem as duas faces
de uma mesma moeda - continuar a “aprender a fazer aprender” de
forma significativa.
Resulta, por isso, da vontade e intencionalidade do professor em
continuar a sua (re)construção pessoal e profissional com possíveis
implicações institucionais (Alarcão, 2014; Alarcão & Tavares, 2003; Batista,
Graça, & Queirós, 2014; Day, 2001), preferencialmente, no tempo e espaço
em que a prática pedagógica ocorre. Propósito que se encontra ilustrado
na transcrição que a seguir se apresenta:
“Numa sociedade em que a informação é feita ao segundo,
se algo acontece a milhares de quilómetros, em segundos
essa informação chega a praticamente todo o globo ter-
restre (…), não faz sentido que os professores não comuni-
quem entre si, não partilhem entre si as suas experiências

2
In artigo sob o título “Conceber estrategicamente uma estratégia de ensino” inserido
na publicação e-book de novembro de 2017, Universidade Católica do Porto.
http://www.uceditora.ucp.pt/site/custom/template/ucptpl_uce.
asp?SSPAGEID=3005&lang=1&artigoID=1698

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


114 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Projeto da supervisão e(m) colaboração na ESIC

pedagógicas relevantes. Penso que todos podemos fazer


mais e melhor se trabalharmos em parceria, em equipa, se
abrirmos as portas da nossa sala de aula, partilhando com
colegas o nosso trabalho.” (P9)

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quatro anos se passaram desde que se iniciou o projeto da supervisão
e(m) colaboração. Neste intervalo de tempo, a conquista da abertura da
sala de aula e a multiplicidade de possibilidades a explorar nos papéis de
observado e observador foram desafios alcançado com sucesso - “ultra-
passados os constrangimentos das sucessivas exposições, foi evidente a
satisfação no processo e nos resultados, sendo certo que este exercício
constitui, apenas, o primeiro passo de um caminho desafiante e amplo
(…).” (Silva, 20153, p. 46).
Nesta ótica, “aprender a olhar a realidade de diferentes perspetivas e
apostar conscientemente na interação reflexiva, potenciadora da cons-
trução e disseminação de boas práticas pedagógicas foram caminhos
trilhados” (Silva, 20164, p. 94).
No entanto, a incorporação desta prática no quotidiano profissional dos
docentes, embora desejável, ainda não está naturalmente interiorizada.
O contributo da formação para a compreensão do alcance que
o trabalho colaborativo pode ter ou vir a ter na vida dos professores
parece ser inegável, como se depreende das transcrições que a seguir
se apresentam:
“As potencialidades deste curso concretizaram-se ainda,
como é evidente, no fornecimento de conhecimentos
acerca dos recursos pedagógicos e didáticos inovadores.
No decorrer da formação, foram abordadas, testadas e deba-
tidas metodologias de ensino – caso, por exemplo, da “aula
invertida” ou a própria prática da supervisão –, bem como
de ferramentas e recursos digitais – como a criação de um
padlet ou a utilização de jogos interativos – alargando a

3
In artigo sob o título “Supervisão em colaboração – testemunho de uma experiência
formativa” inserido na publicação e-book de novembro de 2015, Ser Autor, Ser Diferente,
Ser Teip, Universidade Católica do Porto -
http://www.uceditora.ucp.pt/resources/Documentos/UCEditora/PDF%20Livros/Porto/
Ser%20Diferente.pdf
4
In artigo sob o título “Observação de aulas e formação entre pares” inserido na publi-
cação e-book de outubro de 2016, Professores e Escola –Conhecimento, Formação e
Ação, Universidade Católica do Porto -
http://www.uceditora.ucp.pt/resources/Documentos/UCEditora/PDF%20Livros/Porto/
Professores%20e%20Escolas.pdf

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 115
Eugénia Eduarda Sousa e Silva

competência dos professores para responder adequada-


mente aos desafios da educação e da prática docente no
século XXI.” (P11, 2017718)

Neste Caminho foram lançadas, em várias direções, sementes com


intencionalidades pedagógicas diferenciadas, as quais requerem um
acompanhamento comprometido, numa combinação individual e
coletiva de implicação e responsabilização crescente da comunidade de
docentes. Da germinação desta cultura depende o sucesso de qualquer
projeto pedagógico de cariz reflexivo que se pretenda desenvolver.
Resta reiterar o devido agradecimento a todos aqueles que colabo-
raram e contribuíram para a efetivação do projeto, bem como aos que,
voluntariamente, a ele aderiram. Bem hajam!

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25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 117
CAPÍTULO 10
SUPERVISÃO, COLABORAÇÃO
E FORMAÇÃO: RELATO DE UMA
EXPERIÊNCIA COM DOCENTES
DE UM AGRUPAMENTO TEIP1

MARTA ABELHA & EUSÉBIO ANDRÉ MACHADO


Universidade Portucalense – Instituto Portucalense para o Desenvolvimento Humano (INPP)

“O meu trabalho tornou-se noutro em outro, cresceu e tomou


forma com a ajuda de muitos. E produziu o efeito borboleta, só
com o bater das asas, autêntico furacão, senti-o no meu coração,
e no coração daqueles que me ajudaram a concretizá-lo.”
(Excerto de um relatório reflexivo individual de um dos for-
mandos/participantes na ação de formação)

1. REVISÃO DE LITERATURA
A escola atual é, cada vez mais, confrontada com uma tal complexi-
dade de problemas que o trabalho docente (sobretudo em sala de aula)
exige o desenvolvimento e consolidação de práticas de colaboração e de
supervisão que contribuam para uma regulação mais eficiente e eficaz
dos processos de ensino e aprendizagem. Não obstante, a literatura
tem vindo a sublinhar a prevalência de práticas de trabalho isoladas,
individualistas e rotineiras, cuja principal consequência é a diminuição
da capacidade de avaliar de um modo competente os problemas, o que
se reflete, por sua vez, na capacidade de encontrar soluções inovadoras,
eficazes e coletivamente sustentadas (Fullan & Hargreaves, 2001; Roldão,
2007; Tardif & Lessard, 2005).
Como estratégia de regulação, a supervisão pedagógica entre pares
tem mostrado, quer do ponto de vista da investigação, quer do ponto
de vista das práticas, uma elevada potencialidade para mudar as formas

1
Este capítulo foi publicado na Revista de Estudos Curriculares Vol. 9, n.º 1, 103-121
(2018). Os autores agradecem à Direção da Revista de Estudo Curriculares a gentil
autorização para a sua inclusão na presente obra.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 119
Marta Abelha & Eusébio André Machado

de trabalhar entre os professores. Deste modo, é reconhecido o papel


da supervisão pedagógica no que respeita à reflexão sobre e na ação
através de dispositivos que permitem ampliar o grau de compreensão
sobre os problemas e a capacidade de encontrar soluções mais eficazes
para os processos de ensino e aprendizagem (Alarcão & Canha, 2013;
Alarcão & Roldão, 2008; Vieira, 2014). Neste sentido, a participação dos
professores em projetos de natureza colaborativa reforça as relações
entre os envolvidos, designadamente entre professores de diferen-
tes departamentos curriculares e áreas disciplinares, ciclos e anos de
escolaridade, potenciando sinergias e partilha de saberes que poderão
constituir-se como oportunidades de aprendizagem e de desenvolvi-
mento profissional (Flores, 2014).
Partindo dos desafios e pressupostos anteriormente enunciados é
propósito deste artigo partilhar as linhas gerais de um dispositivo de
formação desenvolvido no âmbito da supervisão pedagógica assente
em estratégias colaborativas de regulação dos processos de ensino e
aprendizagem. O dispositivo de formação em causa envolveu um grupo
(dois formadores e dezassete formandos) que se manifestou interessado
e disponível em participar numa ação de formação no âmbito da super-
visão desenvolvida em contextos colaborativos. Neste sentido, parece-nos
de todo pertinente convocar os conceitos de supervisão, colaboração
e formação enquanto eixos norteadores do trabalho desenvolvido com
professores de um agrupamento de escolas abrangido pelo Programa
Território Educativo de Intervenção Prioritária (TEIP).
Na perspetiva teórica de Alarcão e Canha (2013, p. 19), a supervisão pode
ser corporizada segundo duas modalidades: uma fundamentalmente
formativa, potenciadora do desenvolvimento e da aprendizagem dos
indivíduos e das instituições; e outra de caráter inspetivo, fiscalizador, que
coloca a tónica no controlo, podendo assumir uma natureza preventiva
ou punitiva. Contudo, os autores alertam para o facto de que esta distin-
ção não significar uma dicotomia entre o que é bom e o que é mau, mas
sim sinalizar realidades, contextos e objetivos diferentes. Neste sentido, a
modalidade formativa foi a que esteve subjacente ao desenvolvimento do
dispositivo/ação de formação desenvolvido com os professores, uma vez
que era nossa ambição promover o desenvolvimento e a aprendizagem
dos formandos envolvidos e, consequentemente, do Agrupamento TEIP.
O desenvolvimento desse mesmo dispositivo de formação pautou-se
por tendências atuais do campo da supervisão, nomeadamente, por:
uma conceção de supervisão e estratégias que valorizam
a reflexão e a aprendizagem em colaboração, o desen-
volvimento de mecanismos de auto-supervisão e auto-
-aprendizagem, a capacidade de gerar, gerir e partilhar o

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


120 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Supervisão, colaboração e formação: relato de uma experiência com docentes de um Agrupamento TEIP

conhecimento, a assunção da escola como comunidade


reflexiva e aprendente, capaz de criar para todos os que
nela trabalham (...) condições de desenvolvimento e de
aprendizagem. (Alarcão & Tavares, 2003; Sullivan & Glanz,
2000; Tracy, 1998 citados por Alarcão e Roldão, 2008, p. 19)

Na perspetiva de Alarcão e Roldão, a supervisão


ganhou uma dimensão colaborativa, auto-reflexiva e auto-
-formativa, à medida que os professores começaram a
adquirir confiança na relevância do seu conhecimento
profissional e na capacidade de fazerem ouvir a sua voz
como investigadores da sua própria prática e construtores
do saber específico inerente à função social. (2008, p. 15)

Por sua vez, segundo Boavida e Ponte (2002, p. 3), a colaboração


docente desenvolve-se entre um conjunto de professores que trabalham
em equipa, numa relação não hierárquica, mas sim numa base de
paridade, em que existe ajuda mútua e todos trabalham para alcan-
çar objetivos comuns e que a todos beneficiam. Todavia, para que se
desenvolva colaboração docente, é imprescindível que os professores
envolvidos demonstrem abertura no modo como se relacionam com os
pares, assumam uma responsabilidade partilhada pela orientação do
trabalho a realizar e sejam capazes de, em conjunto, encontrar soluções
para os problemas diagnosticados, respeitando as especificidades de
cada um dos envolvidos.
Teorizando sobre o conceito de colaboração docente, Day defende
que a mesma só ocorre quando os professores
falam sobre a prática, se observam uns aos outros na prática,
trabalham juntos no planeamento, na avaliação e na investi-
gação sobre o ensino e a aprendizagem e ensinam uns aos
outros as coisas que sabem sobre o ensino, a aprendizagem
e a liderança. (2004, pp. 193-194)

Todavia, Hargreaves (1998) alerta para o facto de não existir uma


forma de colaboração docente única, mas sim diferentes formas de
colaboração que respondem a propósitos diferentes, com resultados
igualmente diversos, sendo, assim, necessária precaução na proclamação
geral das virtudes da colaboração docente. A colaboração confortável
é uma das formas possíveis de colaboração que, segundo o autor, não
se estende ao contexto de sala de aula, local onde os professores pode-
riam lecionar em regime de co-docência e/ou efetuarem observação e
reflexão mútuas sobre as suas práticas letivas, no sentido da melhoria
das mesmas. Este tipo de colaboração cinge-se à partilha de materiais

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 121
Marta Abelha & Eusébio André Machado

e ideias, não ultrapassando “a porta das classes: [o que] significa que


o essencial do trabalho docente é realizado individualmente” (Tardif &
Lessard, 2005, p. 25).
Por outro lado, se no plano do discurso professores e investigadores em
educação consideram que a colaboração é um elemento fundamental
para o desenvolvimento profissional docente, repercutindo-se ao nível da
eficiência e eficácia do trabalho, bem como na melhoria dos processos
de ensino e aprendizagem, a verdade é que o plano da prática docente
tem vindo a demonstrar que o trabalho do professor é, na generalidade
das vezes, individual, solitário e realizado à porta fechada. Neste sentido,
o individualismo que predomina nas escolas é uma realidade que
carece de maior compreensão relativamente aos fatores que lhe estão
subjacentes, pois o diagnóstico que imputa exclusivamente a respon-
sabilidade aos professores é simplista e redutor (Abelha, 2011; Abelha,
Machado & Lobo, 2014, 2015; Fullan & Hargreaves, 2001; Horn, 2005; Sawyer
& Rimm-Kaufman, 2007). A este propósito, Roldão (2007) preconiza
que a dificuldade em se introduzir práticas de colaboração docente no
ensino, com vista à melhoria das aprendizagens não depende da má
vontade dos professores ou da sua suposta resistência à mudança, mas
tem a ver com uma realidade bem mais complexa, enraizada na cultura
profissional e organizacional das escolas e dos professores.
Neste contexto, a formação assume particular pregnância para o
desenvolvimento de competências de supervisão e de colaboração,
sobretudo no âmbito de um paradigma do professor como “profissional
reflexivo” (Schön, 1992). Neste caso, importa realçar que estamos perante
“saberes profissionais” ou “saberes da prática” cujos processos de aqui-
sição, desenvolvimento e mobilização carecem de lógicas formativas
de natureza eminentemente praxeológica. Não obstante a relevância
de referenciais de natureza teórica, sem os quais não será possível
equacionar reflexiva e criticamente as próprias práticas, a formação
em supervisão e colaboração assume pleno sentido quando se confi-
gura como uma ação refletida e coletiva, no âmbito da qual os sujeitos
envolvidos aprendem fazendo e fazem aprendendo, pondo em causa
as fronteiras artificiais entre os tempos e os espaços da formação e os
tempos e os espaços da ação docente propriamente dita. Trata-se, assim,
de conceber a formação numa lógica de isomorfismo (Marcelo, 1999; Silva,
2016), segundo a qual se privilegia um elevado grau de congruência entre
os referenciais formativos e as práticas profissionais, no pressuposto de
que a satisfação experienciada é um dos mais importantes preditores
da transferibilidade da formação.

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


122 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Supervisão, colaboração e formação: relato de uma experiência com docentes de um Agrupamento TEIP

Assim, no âmbito do projeto de formação que desenvolvemos, colo-


cámos em prática o modelo “laboratorial” de formação proposto por
Machado (2016), com o qual se procurou atingir os seguintes objetivos:
a) adotar uma abordagem de tipo clínico através do desenvolvimento
de competências de resolução de problemas, de análise de situa-
ções e de confronto com a complexidade do real;
b) permitir que as práticas supervisão e formação assumam uma
dimensão fortemente experimental no que respeita, por exemplo,
aos modos de supervisão e colaboração, aos tipos de instrumentos
utilizados, às estratégias práticas desenvolvidas, aos processos de
reflexão e avaliação, etc.
c) favorecer o protagonismo dos formandos em todas as fases do
processo de formação, segundo uma participação dialógica, de
base contratual e de orientação crítica;
d) encarar a supervisão e a colaboração como um processo intrínseco
de formação, no qual radica a consecução de uma reflexividade
emancipatória e pregnante.

2. DESCRIÇÃO DO DISPOSITIVO DE FORMAÇÃO


Durante seis meses foi desenvolvido um dispositivo de formação, no
âmbito da supervisão pedagógica assente em lógicas de colaboração
docente, com os referidos dezassete professores pertencentes a um
Agrupamento TEIP, uma vez que o referido agrupamento se localiza
numa zona económica e socialmente desfavorecida, onde a indisciplina,
o abandono e o insucesso escolar se manifestam de forma acentuada.
De realçar que a generalidade dos docentes participantes fazia parte
integrante do Quadro de docentes do Agrupamento, denotando estabili-
dade no corpo docente. Estiveram envolvidos no dispositivo de formação
professores de educação pré-escolar e professores do 1º, 2º e 3º ciclos do
ensino básico e do ensino secundário. Treze dos docentes eram do sexo
feminino e quatro do sexo masculino.

2. 1. Objetivos
O dispositivo de formação tinha como objetivos a desenvolver com
os professores participantes:
i) refletir sobre o papel da supervisão pedagógica na regulação dos
processos de ensino e aprendizagem;
ii) avaliar criticamente as práticas de trabalho docente;
iii) discutir a potencialidades da supervisão pedagógica;
iv) incrementar o trabalho colaborativo através de experiências sobre
a supervisão pedagógica;

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 123
Marta Abelha & Eusébio André Machado

v) produzir instrumentos de apoio à supervisão pedagógica;


vi) desenvolver a pluri e interdisciplinaridade e articulação curricular
interciclos;
vii) fomentar as metodologias de investigação-ação centradas na
realidade escola.
viii) potenciar a integração afetiva e a socialização e a realização e
interesses pessoais e grupais.
Com este dispositivo de formação ambicionávamos, assim, contribuir
para o desenvolvimento de práticas supervisivas entre pares sustentadas
numa efetiva colaboração docente, sendo esta perspetivada como um
“instrumento” ao serviço da formação e desenvolvimento profissional
docente.

2.2. Conteúdos e metodologia de realização do dispositivo de


formação
Tratando-se de um dispositivo de formação centrado na escola e nos
territórios educativos, procurou-se adotar uma metodologia dialética de
investigação-ação. Deste modo, foram abordados, discutidos e trabalha-
dos os seguintes conteúdos: concetualização de termos estruturantes
como supervisão e colaboração docente; potencialidades e riscos ineren-
tes aos processos supervisivos e colaborativos; o processo supervisivo no
contexto organização escolar como uma perspetiva organizacional da
mudança do trabalho docente; estratégias de supervisão sustentadas em
“cenários colaborativos” e projetos de supervisão pedagógica (conceção,
desenvolvimento e avaliação).
A abordagem dos diferentes conteúdos englobou cinco momentos,
a saber:
Um primeiro momento que envolveu um conjunto de sessões presen-
ciais conjuntas consistiu em analisar, consolidar e harmonizar conceitos
e teorias de supervisão e colaboração, no sentido de coadjuvar os for-
mandos a conceber e a desenhar os seus projetos de investigação-ação,
nomeadamente no que respeita à construção dos instrumentos de
apoio à supervisão entre pares.
Um segundo momento privilegiou-se o trabalho autónomo por parte
dos formandos que iniciaram o desenvolvimento em grupos de três
elementos os seus projetos de investigação-ação no contexto escolar
e nos territórios educativos respetivos, tendo sido supervisionados pela
equipa de formadores.
Um terceiro momento que envolveu um conjunto de sessões presen-
ciais conjuntas em que os formandos produziram relatos do trabalho
intermédio realizado, discutindo metodologias e acertando mecanismos
de desenvolvimento futuro.

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


124 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Supervisão, colaboração e formação: relato de uma experiência com docentes de um Agrupamento TEIP

Num quarto momento foi, novamente, privilegiado o trabalho autó-


nomo dos formandos que continuaram o desenvolvimento dos seus
projetos de investigação-ação no contexto escolar, incorporando as
sugestões feitas no terceiro momento do dispositivo de formação.
No momento final do dispositivo de formação os formandos partilha-
ram os resultados finais dos seus projetos de investigação-ação, sendo
objeto de discussão e avaliação entre os participantes e promovendo a
troca das experiências que favoreceram a regulação dos processos de
ensino e aprendizagem.
A metodologia de formação adotada neste dispositivo de formação
foi a modalidade de Projeto, uma vez que, permite: i) desenvolver meto-
dologias de investigação-formação centradas nas realidades da vida
escolar; ii) incrementar o trabalho colaborativo docente e o diálogo pluri
e interdisciplinar e iii) desenvolver a capacidade de resolver problemas da
prática educativa e desenvolver planos de ação que permitam atenuar
e/ou resolver os problemas diagnosticados. Neste sentido, adotou-se a
metodologia de Projeto que, pela riqueza dos seus objetivos, se enquadra
em vários modelos e métodos de ensino, entre os quais se destacam os
cognitivos, os sociais e de interação social, e os humanistas, revelando-se,
assim como uma boa estratégia à formação centrada na escola e nos
contextos e territórios educativos, bem como à consolidação de atitudes
de mudança e de produção de conhecimentos (CCPFC, 2016).

2.3. Avaliação
Os formandos foram avaliados segundo uma lógica formativa, pro-
curando fomentar e desenvolver capacidades de autoavaliação que se
traduzissem, concretamente, na produção de materiais. Foram, assim,
tidos em consideração os seguintes aspetos e respetivas ponderações:
a) Participação (40%) – incluía a participação nas sessões, designada-
mente a integração nos grupos de trabalho, a participação ativa
na realização das tarefas e nos debates, o interesse demonstrado
e a iniciativa e autonomia.
b) Trabalho produzido (60%) - realização em grupo de um Projeto
de Supervisão (30%) e realização de um(a) Relatório Reflexivo
Individual/Narrativa das práticas de Supervisão (30%).

Importa realçar que a lógica formativa de avaliação se traduziu num


processo de regulação e de feedback de carácter permanente, quer
no âmbito das sessões presenciais, quer através do recurso ao Drive do
Google, o que permitiu a todos os participantes (formandos e formadores)
desenvolver os seus projetos de supervisão na base de uma colaboração
crítica e reflexiva.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 125
Marta Abelha & Eusébio André Machado

Finalmente, todos os projetos realizados foram apresentados, discuti-


dos e avaliados pelo grupo de formação e pelos formadores no âmbito de
um seminário, com a duração de 6 horas, para o qual foram convidados
todos os docentes do Agrupamento. O seminário constituiu-se como o
principal e o mais pregnante momento de avaliação da e na formação.

3. RESULTADOS
3.1. Metodologia
Para a análise dos resultados obtidos na ação de formação, recorreu-se
aos “relatórios reflexivos individuais” (RRI) que os formandos elaboraram
no final da ação de formação, os quais foram considerados para efeitos
de avaliação. A opção por esta fonte de dados constitui uma limitação
significativa se se tiver em conta os modelos de avaliação de formação
que propõem uma visão mais abrangente e integrada, considerando não
apenas a dimensão da aquisição da formação, mas também a dimensão
da transferência da formação (Caetano, 2007; Kaufman, Guerra & Platt,
2006; Kirkpatrick & Kirkpatrick,1994; Stufflebeam & Zhang, 2017; Warr,
Bird & Rackham, 1970).
Os RRI remetem apenas para a relação imediata com o processo for-
mativo, mesmo que neste caso tenha havido uma dimensão experiencial
de trabalho autónomo em contexto de escola e sala de aula, não contem-
plando eventuais impactes nas práticas docentes e organizacionais. Não
obstante, os RRI facultam informação relevante, descritiva e qualitativa
que se torna empiricamente adequada aos propósitos deste relato de
uma experiência de formação, no âmbito do qual serão convocados
os seguintes elementos: a caracterização dos participantes na ação de
formação, a leitura sintética dos RRI e a leitura analítica dos RRI.
No que respeita à caracterização dos participantes (n=17), foi enviado
por via eletrónica um inquérito por questionário com o recurso aos
formulários da app Drive do Google. Foram recebidas 14 respostas,
correspondendo a 82% dos participantes na ação de formação.
Para a realização da análise conteúdo, foram importados todos os
RRI (17) para o software MAXQDA 2018, o que permitiu a realização de
duas leituras dos dados:
-- uma leitura sintética, através do qual foram extraídas três ferra-
mentas visuais: o “visualizador da matriz de códigos”, o “retrato do
documento” e a “nuvem de palavras”;
-- uma leitura à analítica, na qual se procedeu a uma categorização
elementar assente em três códigos de análise: “supervisão”, “cola-
boração” e “formação”.

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126 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Supervisão, colaboração e formação: relato de uma experiência com docentes de um Agrupamento TEIP

3.2. Participantes
Dos 14 participantes que responderam ao inquérito por questionário,
11 (78,6%) são do sexo feminino e 3 (21,4%) do sexo masculino.
No que concerne à idade, 5 (35,7%) situam-se no escalão etário 46-50,
4 (28,6%) no escalão 41-45, 3 (21,4%) no escalão 51-55 e 2 (14,3%) no escalão
56-60, o que, de um modo geral, configura um grupo de formação
relativamente envelhecido, em linha, de resto, com o perfil etário dos
docentes do ensino básico e secundário em Portugal.
De resto, no que respeita ao tempo de serviço, os participantes apre-
sentam um perfil que é naturalmente isomórfico com a idade. Assim, 5
docentes (35,7%) situam-se no escalão 26-30 anos de serviço, 4 docentes
(28,6%) no escalão 16-20 anos de serviço e 2 docentes (14,3%) no escalão
21-25 anos de serviço. Há, ainda, 1 docente no escalão 26-40 anos de
serviço e 1 docente no escalão 11-15 anos de serviço.
Quanto aos grupos de recrutamento e níveis de ensino, o grupo de
formandos é caracterizado por uma significativa variedade, abrangendo
participantes desde do Pré-Escolar até ao Ensino Secundário (2 Pré-Es-
colar, 1 do 1.º Ciclo, 7 do 2.º ciclo, 6 do 3.º ciclo e 2 do Ensino Secundário)
e 10 grupos de recrutamento diferentes (100, 110, 220, 230, 240, 260, 290,
330, 420 e 910).
Relativamente às habilitações literárias, todos os participantes pos-
suem licenciatura.

3.3. Relatórios de formação: análise de conteúdo


3.3.1. Leitura sintética
Utilizando o “visualizador da matriz de códigos” (Figura 1), constata-se
que o “código” mais utilizado é a “formação” (25), seguido pelo “código”
“supervisão” (22) pelo “código” “colaboração” (12).

Figura 1. Visualizador da matriz de códigos

Quanto ao “retrato do documento” (Figura 2), os dados indicam a


mesma configuração dos resultados: o predomínio do código “formação”
(amarelo), seguido dos códigos “supervisão” (castanho) e “colaboração”
(verde).

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 127
Marta Abelha & Eusébio André Machado

Figura 2 – Retrato do documento

No que se refere à “nuvem de palavras”, destacam-se, por ordem


decrescente, as palavras “trabalho”, “supervisão”, “formação”. De seguida,
surgem com destaque visual “pedagógica”, “alunos” e “aprendizagem”.
Finalmente, aparecem as palavras “ação”, “estratégias”, “práticas”, “refle-
xão” e “ensino”. A palavra “colaborativa/o” apresenta um destaque visual
comparativamente menor.

Figura 3 – Nuvem de palavras

3.3.2. Leitura analítica


A leitura analítica, como acima ficou dito, realizou-se a partir do
recurso a três códigos no software MAXQDA: “supervisão”, “formação”
e “colaboração”.

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128 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Supervisão, colaboração e formação: relato de uma experiência com docentes de um Agrupamento TEIP

Em relação ao “código” “supervisão”, foram sinalizadas 23 unidades


textuais que apontam para os seguintes aspetos:
a. as vantagens da supervisão:
As dinâmicas que implicam uma Supervisão Pedagógica
Colaborativa são, no meu entender, alavancas de melhoria.
Entendo a Supervisão Pedagógica Colaborativa uma
“ferramenta” indispensável para a melhoria das práticas
e consequente crescimento profissional dos docentes.
A supervisão pode constituir-se como uma atividade de
regulação reflexiva e colaborativa do processo de desenvol-
vimento profissional, orientada para a promoção da auto-
nomia, no trabalho que venha futuramente a desenvolver.
A Supervisão Pedagógica Colaborativa poderá e deverá
facilitar abrir a “Caixa Negra” que é a sala de aula. Como no
avião tudo o que se passa durante o voo fica gravado na
caixa negra, na sala de aula também fica “gravada” toda
a aprendizagem (ou não) feita pelos alunos.
Esta formação na área da Supervisão Pedagógica cons-
tituiu um contributo fundamental no desenvolvimento
profissional com repercussões no desenvolvimento e na
aprendizagem dos alunos.
b. os efeitos da supervisão
Quando se fala em supervisão pedagógica, ainda há quem
associe apenas à observação de aulas, na maior parte
feita pelo coordenador de departamento. Quando iniciei
esta formação, para tentar desmistificar esta ideia errada,
senti que a supervisão pedagógica é muito mais que a
observação de aulas e pude confirmar que ela já é feita
há alguns anos na nossa escola – através do trabalho
colaborativo e de articulação que todos os grupos fazem,
pelo menos, semanalmente.
No entanto, com o desenvolvimento deste projeto, fomos
verificando que a supervisão é possível, se houver vontade
e abertura a novas relações com o saber, permitindo a
comunicação compartilhada e a troca de informações,
levando-nos a uma dinâmica do trabalho colaborativo e
do ato reflexivo.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 129
Marta Abelha & Eusébio André Machado

c. o processo de supervisão:
Relativamente ao processo em si, considero que o trabalho
de supervisão pedagógico desenvolvido permitiu con-
cretizar os objetivos traçados na ação. A metodologia de
investigação-ação que adotámos promoveu a articulação
e colaboração do nosso trabalho no que respeita à reflexão
e à ação sobre as nossas práticas pedagógicas visando o
seu melhoramento.
O grupo de trabalho desenvolveu as suas atividades num
paradigma de supervisão pedagógica enquanto ambiente
promotor de construção de desenvolvimento profissional
assente na cooperação e autonomia docente.
Fomos constatando que a supervisão pode ser possível,
é necessário vontade e abertura a novas relações com
o saber, vivenciando a comunicação compartilhada e a
troca de informações.

Passando ao “código” “formação”, com 12 unidades textuais, os RRI


evidenciam os seguintes aspetos:
a. as vantagens da colaboração:
Aceitar a colaboração dos outros não é minimizar a nossa
ação mas sim fortalecê-la.
Admito, ainda, que o trabalho colaborativo é um caminho
assertivo para a resolução dos problemas da comunidade.
b. a colaboração no processo de formação:
Neste trabalho foi determinante o diálogo, o trabalho,
a partilha de experiências e sugestões dos elementos
envolvidos
Considerámos que a adoção de uma metodologia de
trabalho colaborativo pelos alunos poderia superar esses
problemas, respeitando mais os ritmos individuais de
aprendizagem, colocando a tónica na colaboração em
detrimento do trabalho individual, que tem sempre implí-
cito um trabalho de competição e que valoriza sempre os
alunos com melhor histórico de sucesso escolar.
A colaboração entre todos, levou a um enriquecimento
de todo o processo e a resultados visíveis nos grupos.
Como tal pretendo que as práticas supervisivas sejam no

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


130 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Supervisão, colaboração e formação: relato de uma experiência com docentes de um Agrupamento TEIP

futuro um aliado de trabalho. Contudo, estou consciente


que existem limitações inerentes às condições materiais
e ao ambiente social, mas os obstáculos existem para que
tenhamos que os superar.
A empatia entre pares e a organização colaborativa faci-
litou a gestão de tempo, permitindo que sobressaíssem
as capacidades, aptidões e experiências de cada inter-
veniente. Percebeu-se que uma investigação aliada às
práticas pode trazer benefícios para todos aqueles que
procuram a mudança (crianças, docentes…).
c. os efeitos da colaboração:
A riqueza do trabalho colaborativo deu-me maior discer-
nimento e assertividade profissional.
Através do trabalho colaborativo implementamos estra-
tégias de supervisão pedagógica, fomentamos o trabalho
de equipa, equacionamo-nos sobre trabalho/prática peda-
gógica de uma forma crítica e construtiva, identificamos
problemas, transformamo-nos e crescemos, quer a nível
pessoal, quer a nível profissional.

Finalmente, em relação ao “código” “formação”, com 24 unidades


textuais selecionadas, ressaltam os seguintes aspetos:
a. considerações genéricas sobre a formação:
A formação contínua é uma porta aberta à atualização
de conhecimentos e práticas educativas prof ícuas e
complementares.
A participação em ações de formação e em contextos
educativos são determinantes para refletir e repensar a
nossa atuação pedagógica.
A formação contínua de professores deve diligenciar expe-
riências reflexivas profissionais entre pares, no sentido
de fortalecer e melhorar as práticas e de uma constante
atualização e aprimoramento, sendo, neste contexto, que
se insere a minha inscrição nesta formação.
b. o dispositivo de formação implementado:
A modalidade da formação adotada aumentou o “alicia-
mento”, porque a ação de formação enxertada no contexto
prático da atividade letiva colocaria a ciência ao serviço
da educação para fazer e fazer melhor.

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 131
Marta Abelha & Eusébio André Machado

O que esta ação de formação teve de mais interessante foi


o facto de haver sempre, constantemente, a procura de
distribuir a atenção de forma equilibrada entre o projeto
e o processo de supervisão.
A apresentação final dos trabalhos revelou-se enriquece-
dora mostrando o resultado de um percurso efetuado. A
empatia, colaboração, entreajuda e os ajustes pedagógicos
entre formadores e formandos contribuiu para o sucesso
e para os resultados alcançados.
A dinâmica criada permitiu a partilha das experiências
vividas, a exposição das dúvidas de forma aberta, sem cons-
trangimentos e a busca de respostas, em conjunto, para
a concretização da supervisão pedagógica colaborativa
de uma forma mais segura e participada, onde cada um
se sente parte ativa e implicada no processo de mudança
das práticas rumo a uma maior eficácia dos processos de
ensino e aprendizagem.
Considero que foi muito importante e adequado o trabalho
de casos práticos e reais, abordados ao longo deste curso
de formação, com propostas de metodologias e exemplos
de tarefas que podem ser aplicadas em contexto de sala
de aula e ainda a referência aos diversos recursos/ferra-
mentas disponíveis que podem ser utilizados, promovendo
o sucesso escolar dos alunos e ajudando-os a minorar/
ultrapassar as suas dificuldades.
c. efeitos da formação:
Ficou bem claro que uma investigação aliada às práticas
pode trazer benefícios para todos aqueles que procuram
a mudança: crianças, docentes.
A f requência desta ação de formação foi importante,
no meu percurso formativo, pois proporcionou-me uma
visão diferente do que é a supervisão pedagógica. Fiquei
mais atento à sua dimensão reflexiva como caminho para
encontrar novas estratégias promotoras de aprendiza-
gens significativas, capazes de melhorar a minha prática
educativa e cativar e motivar os alunos para as atividades
escolares.
Foi o tempo que lhe dediquei que o tornou especial, impor-
tante, autêntico, mágico…tornou-se num pouco de céu,

FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM PORTUGAL


132 – DE ONTEM PARA AMANHÃ
Supervisão, colaboração e formação: relato de uma experiência com docentes de um Agrupamento TEIP

com sabor a chocolate quente, numa manhã f ria. Um


abrigo seguro em noite escura. O meu trabalho tornou-se
noutro em outro, cresceu e tomou forma com a ajuda
de muitos. E produziu o efeito borboleta, só com o bater
das asas, autêntico furacão, senti-o no meu coração, e no
coração daqueles que me ajudaram a concretizá-lo.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Face aos resultados acima apresentados, é legítimo inferir que os
formandos/participantes neste processo formativo apresentam, para
além de uma concetualização que se compagina com a maior parte
da literatura sobre o assunto, perceções muito positivas relativamente à
supervisão e à colaboração, reconhecendo a sua importância no trabalho
docente no sentido de melhorar os processos de ensino e aprendiza-
gem, sobretudo porque podem “constituir-se como uma atividade de
regulação reflexiva e colaborativa do processo de desenvolvimento
profissional, orientada para a promoção da autonomia, no trabalho que
venha futuramente a desenvolver”.
Por outro lado, os formandos/participantes também evidenciam que
a supervisão e colaboração, tal como foram implementadas e desen-
volvidas no âmbito do dispositivo de formação, acarretam vários efeitos,
entre os quais importa destacar os seguintes:
-- a promoção da articulação do trabalho realizado pelos vários
docentes;
-- a reflexão crítica e construtiva sobre as práticas pedagógicas, visando
o seu melhoramento;
-- construção do desenvolvimento profissional assente na cooperação
e autonomia docente;
-- abertura a novas relações com o saber, vivenciando a comunicação
compartilhada e a troca de informações;
-- e o crescimento a nível pessoal e a nível profissional.

Relativamente ao dispositivo de formação propriamente dito, para


além de uma atitude positiva em relação à formação em geral, os
formandos/participantes salientam vários aspetos que vão ao encontro
do modelo que inspirou a conceção e a implementação da ação de
formação:
-- o facto de a formação estar “enxertada” no contexto prático da
atividade letiva através de uma dinâmica de supervisão colaborativa;
-- o equilíbrio entre o projeto e o processo de supervisão desenvolvido
no âmbito da própria ação de formação:

25 ANOS DA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE FORMAÇÃO


DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 133
Marta Abelha & Eusébio André Machado

-- a empatia, colaboração, entreajuda e os ajustes pedagógicos entre


formadores e formandos, o que contribuiu para o sucesso e para os
resultados alcançados;
-- a partilha das experiências vividas, a exposição das dúvidas de forma
aberta, sem constrangimentos e a busca de respostas em conjunto;
-- a concretização da supervisão pedagógica colaborativa de uma
forma mais segura e participada, onde cada um se sente parte ativa
e implicada no processo de mudança das práticas rumo a uma
maior eficácia dos processos de ensino e aprendizagem;
-- o trabalho de casos práticos e reais com propostas de metodologias
e exemplos de tarefas que podem ser aplicadas em contexto de
sala de aula;
-- a referência aos diversos recursos/ferramentas disponíveis que
podem ser utilizados, promovendo o sucesso escolar dos alunos e
ajudando-os a minorar/ultrapassar as suas dificuldades.

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Supervisão, colaboração e formação: relato de uma experiência com docentes de um Agrupamento TEIP

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DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS 135
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