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Notas Sobre Gaza e A Necropolítica
Notas Sobre Gaza e A Necropolítica
Sergio Amadeu
Professor da Universidade Federal do ABC. Doutor em Ciência Política e pesquisador
de redes digitais e tecnologias da informação
Mbembe escreve sem eufemismos aquilo que as zelosas e educadas elites ocidentais
tentam negar e negligenciar sobe o que ocorre com os palestinos em sua terra: “A
ocupação colonial tardia difere em muitos aspectos da primeira ocupação moderna,
particularmente em sua combinação entre o disciplinar, a biopolítica e a necropolítica. A
forma mais bem-sucedida de necropoder é a ocupação colonial contemporânea da
Palestina.”
chille Mbembe baseando-se e citando o texto de Amira Hass chamado Drinking the Sea
at Gaza: Days and Nights in a Land under Siege, publicado em 1996, desceveu a
tragédia de Gaza:
Amira Hass, filha de dois sobreviventes do Holocausto, fez um relato minucioso do que
estava ocorrendo nos anos de 1990 na Palestina e, em especial, na Faixa de Gaza. A
descrição feita no século passado é elucidativa e dispensa meus comentários. Por isso
reproduzo trechos do Epílogo do seu livro Drinking the Sea at Gaza: Days and Nights
in a Land under Siege:
“[…] em 1996, o PIB per capita de Gaza tinha caído 37 por cento desde 1992; o PIB
total diminuiu 18,5 por cento. Em seis meses, o desemprego aumentou 8,2%, atingindo
39,2%. Os habitantes de Gaza que tiveram a sorte de manter empregos na Faixa
registaram uma queda de 9,6 por cento nos salários reais em 1995. Aqueles que
trabalharam em Israel perderam 16 por cento dos seus salários. Sem dúvida, a política
de encerramento de Israel é responsável pelos números terríveis. Dificilmente se pode
imaginar que os decisores de Israel não se aperceberam das consequências inevitáveis
da imposição do que é, na verdade, um cerco que dura anos. Como vimos, Israel explica
os encerramentos apenas como uma resposta inevitável ao terrorismo e como a única
forma de evitar mais ataques. Mas uma análise cuidadosa da política e das suas
consequências – juntamente com outras medidas israelitas tomadas no contexto dos
Acordos de Oslo, como o bloqueio da rota de passagem segura entre Gaza e a
Cisjordânia – sugere uma compreensão diferente dos encerramentos.”
“[…] o governo [de Israel] começou a executar um antigo plano para ligar os colonatos
da Cisjordânia a Israel através de uma rede de vias rápidas. Na nova linguagem de Oslo
[o acordo de paz], estas tornaram-se “estradas de desvio” – cortes de asfalto largos e de
alta velocidade que irão, argumenta Israel, garantir a segurança e a liberdade de
movimento dos colonos judeus. Este enorme projecto de construção envolveu o
confisco e a destruição de milhares de hectares de terras palestinianas cultivadas e
alterou para sempre o tecido natural que liga as cidades e aldeias da Cisjordânia. O
consentimento palestiniano foi facilmente obtido – aparentemente, as estradas
secundárias foram concebidas para aumentar o sucesso da fase interina, protegendo os
colonos judeus e permitindo assim que todas as partes alcançassem o estatuto final das
negociações sem demasiada aspereza.”
Dedico essas passagens do texto de Achile Mbembe e Amira Hass à todas as pessoas
que mesmo sendo democráticas e antirracistas veem com simpatia as ações do Estado
de Israel. Sim, o que Israel pratica contra os palestinos “é a forma mais bem sucedida de
necropoder”.
Referências
HASS, Amira. Drinking the sea at Gaza: days and nights in a land under siege. Nova
York: Henry Holt, 1996. [https://amzn.to/48Y0YV6]