ANO: 3º DOCENTES: Carlos Herdy, Daniela Nogueira e Matheus Castro.
O ESPORTE A PARTIR DA MODERNIDADE: UMA BREVE
RETOMADA A MODERNIDADE E O ESPORTE ENQUANTO INSTITUIÇÃO A RETOMADA DOS JOGOS OLÍMPICOS O ESPORTE NO PERÍODO ENTRE GUERRAS. O ESPORTE DURANTE A GUERRA FRIA. O Esporte-Espetáculo: a faceta contemporânea do fenômeno esportivo. O ESPORTE A PARTIR DA MODERNIDADE: UMA BREVE RETOMADA
Podemos dizer sem medo de errar que o esporte é mais que
um fenômeno social da Modernidade, enquanto tempo histórico, mas uma instituição sua. Por que o esporte é uma instituição? Na Modernidade, a prática “oficial” do esporte deve obedecer a um preceito fundamental: possuir regras oficiais que uniformizam o jogo em qualquer lugar, com quaisquer pessoas, cuja elaboração fica a cargo das federações e confederações responsáveis pelo esporte específico. Dessa forma, as competições/partidas oficiais de qualquer esporte devem seguir um conjunto de normas superiores a fim de que haja o devido reconhecimento. Podemos citar alguns exemplos: Federação Internacional de Futebol Associação (FIFA), Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FFERJ ou FERJ). Além destas, temos o Comitê Olímpico Internacional (COI), que organiza as Olimpíadas, em parceria com as federações/confederações de outras modalidades esportivas. Contudo, como isso surgiu? Apesar de podermos traçar um paralelo com a Antiguidade Grega, com algumas similaridades importantes, inclusive a existência de um grupo que organizava e ditava as regras das Olimpíadas da Antiguidade, o Esporte enquanto uma instituição social é um fenômeno típico da Modernidade justamente por sua influência extrapolar os limites de um único país para o mundo. O que isto quer dizer? As Olimpíadas gregas por razões óbvias se limitavam ao território grego, enquanto o alcance do esporte enquanto instituição é global, isto é, para que haja a prática oficial de um esporte em qualquer lugar do mundo, as pessoas devem se subordinar às normas estabelecidas internacionalmente. Entretanto, também vimos que, ao longo da história no Ocidente, as práticas esportivas foram gradativamente abandonadas até serem proibidas permanentemente pela Igreja Católica por associá-las com o paganismo. Com isso, a partir da Antiguidade Romana e, sobretudo na Idade Média, as grandes competições existentes, além das práticas permitidas, eram diretamente associadas com habilidades guerreiras, portanto, voltadas para a formação de soldados. Devemos recordar o contexto em que a Modernidade emerge: 1 – consolidação das relações sociais de mercado, do poder econômico e político da burguesia, e, por conseguinte, da necessidade de ter corpos mais produtivos para cumprir as novas demandas de um trabalho mais produtivo nas jornadas de trabalho; 2 – ruptura com os valores culturais/simbólicos da Idade Média, abrangendo igualmente a proibição das práticas esportivas, sobretudo com a valorização do corpo forte/magro/resistente em detrimento do corpo gordo, o trabalho x a ociosidade/não-trabalho da aristocracia, além da laicidade em resposta ao poder teocrático da Igreja; 3 – guerras de unificação dos Estados-Nação envolvendo cidades, reinos, feudos, o que levava a uma permanente necessidade de formação guerreira de quase toda população masculina. “Na Alemanha, especialmente na Prússia, Friedrich Ludwig Jahn inventou o programa de ginástica em Berlim com o objetivo explícito de fortalecer a juventude alemã para as guerras de libertação contra Napoleão” (GUMBRECHT, 2007, p. 90).; 4 – por fim, as próprias lutas da classe trabalhadora pelo direito à saúde pública, por melhores condições de vida e trabalho, o que inclui também o direito à lazer. A MODERNIDADE E O ESPORTE ENQUANTO INSTITUIÇÃO.
O esporte é considerado um fenômeno específico da
modernidade e não anterior ao século XVIII. Assim, os esportes “ressurgem” inicialmente por meio das competições nos próprios círculos militares como forma de preparação e estímulo para os soldados. Temos uma série de relatos esportes da retomada de modalidades como: arremesso de peso, lançamento de disco, saltos, corridas, além, é claro das corridas a cavalo, que passam a se converter em um meio de distração para a nobreza e para a burguesia ascendente (sobretudo envolvendo vultuosas apostas), e para os competidores uma forma de ascensão social. O primeiro esporte a se profissionalizar formalmente foi o boxe, que atraía uma grande atenção da sociedade. Nos altos círculos sociais no século XVIII, o entusiasmo pelo boxe e pela disputa física pode ser explicado como uma retomada de valores atinentes (pertencentes/relativos) à Antiguidade (mens sana in corpore sano – “mente sã em um corpo são”). Nos países anglófonos, os esportes profissionais eram alimentados por uma extensa rede de apostas, e se massificaram sem ser afetados pelo espírito do esporte amador, boxe, turfe e atletismo. Em especial na Inglaterra, este processo se dissemina rapidamente com a Revolução Industrial, que passa a concentrar muitos trabalhadores em um mesmo espaço, e as práticas esportivas são vistas, por um lado, como forma de contenção da revolta desses trabalhadores para com suas condições de vida; por outro, como uma demanda desses mesmos trabalhadores como direito à saúde e ao lazer. “Inspiradas por intelectuais alemães, com o arqueólogo Johann Joachim Winckelmann e o poeta Friedrich Hölderlin, que no século XVIII e no início do XIX tinham redescoberto a cultura grega dos corpos e se apropriado dela, as escolas britânicas fizeram desse ideal imaginário o modelo para educar os jovens e cosmopolitas cavalheiros ingleses” (GUMBRECHT, 2007, p. 91). O contexto de nascimento do esporte enquanto tal é o da Revolução Industrial e consequentemente afirmação do capitalismo. Nesse período, o trato com o corpo é marcado pela busca de uma maior produtividade em virtude das demandas da sociedade capitalista, e o esporte torna-se um elemento de adequação dos sujeitos, em especial da classe trabalhadora, às demandas de uma vida mais saudável com um corpo mais produtivo para o trabalho a partir da prática de atividades físicas. Ademais, o esporte surge também enquanto ferramenta de lazer, no qual o “tempo livre” dos sujeitos deveria ser ocupado de modo a atenuar as péssimas condições de vida e de trabalho daquela época, recordando as jornadas de trabalho de 12 a 16 horas, condições extremamente insalubres e miseráveis, etc. Portanto, o esporte também passa a cumprir um papel ideológico determinante. O controle social dos estamentos dominantes por sobre os estamentos subalternizados se dava pela articulação entre: poder religioso e poder militar. Entretanto, com a sociedade capitalista, há redução relativa (apenas relativa) do papel da força para manutenção do status quo, e o enfraquecimento das perspectivas teocráticas como fonte de poder social e econômica, era necessário ter um outro caminho de “racionalização” ou “justificação” da ordem social. Para tanto, o “tempo livre” dos trabalhadores mereceu grande atenção (MANSKE et alii, 2006). Utilizar este tempo livre, ou “tempo de lazer” para tornar os trabalhadores mais produtivos, menos doentes, e principalmente menos revoltados para com o status quo era muito relevante. Assim, o esporte tem a sua prática incentivada pela burguesia (após um período inicial de proibição e restrição aos círculos sociais mais abastados) como o principal instrumento de ocupação deste “tempo de lazer”. Além disso, o esporte era a mimese ideal dos valores fundamentais da sociedade capitalista. Por que? O esporte traz consigo basicamente todos os princípios do liberalismo: a ideia do mérito e, consequentemente, da meritocracia (afinal de contas, quem, ao ver um jogo de futebol, independente da qualidade dos times/jogadores(as) oponentes, nunca ouviu a seguinte frase: “são 11 contra 11”, como se o contexto nada significasse?); almeja-se uma pretensa neutralidade política, logo, os conflitos sociais, as desigualdades sociais são todas “apagadas” em prol da exaltação do mérito individual do sujeito-atleta que é capaz de vencer as mais diversas barreiras; estabelece uma lógica de competição entre os indivíduos, colocando a agressividade e a competitividade como valores sociais a serem exaltadas pelos indivíduos, tal qual os sujeitos devem competir no mercado de trabalho; é um espaço de extravasar emoções e sentimentos represados pelos sujeitos (que não poderiam fazê-lo em outros espaços por conta da repressão), permitindo certos graus de agressividade e até mesmo de violência, física e simbólica (STAREPRAVO; MEZZADRI, 2003).; por fim, diante das diversas desigualdades sociais, falta de oportunidades e acesso a serviços básicos por conta de grande parte dos trabalhadores, o esporte torna-se uma opção de profissionalização e esperança de ascensão social. Sua importância se tornava tão grande que os esportes também passavam pelo escrutínio da ciência e da racionalidade dos negócios: começa a haver a profissionalização de atletas, a profissionalização das equipes de preparação destes (e somente lááá no futuro destas) atletas (PICH, 2003). Tanto que, na maioria dos casos, a preparação de atletas ainda se dava por meio dos treinamentos e métodos de origem militar, muitas vezes com militares da ativa ou ex-militares com formação científica no campo da saúde. O esporte cresce em suas dimensões profissionais e recreativas, o que faz nascer associações nacionais e posteriormente internacionais que regulamentavam os esportes. Um processo de homogeneização que se deu pari passu (simultaneamente) com a diferenciação das modalidades, rúgbi e futebol, por exemplo. Em 1863, foi fundada a Associação Inglesa de Futebol, que regulamentava o jogo até uma forma bem próxima do que é hoje em 1892. A FIFA nasce em 1907 para dar conta das associações existentes na Europa. Todavia, é importante ressaltarmos que o esporte não é apenas determinado na sociedade, mas também se constitui em relevante direito social. Mesmo na época inicial da Revolução Industrial, na qual a exploração dos trabalhadores era levada a níveis extremos, foi por conta das diversas lutas e manifestações desses trabalhadores, que eles obtiveram o direito à prática esportiva e ao lazer. Sendo assim, o esporte torna-se um elemento contraditório na ordem social, pois, ao mesmo tempo que ele atuou para reafirmar determinadas desigualdades, também possibilita a reflexão e promoção de valores fundamentais em um processo de melhoria social. A RETOMADA DOS JOGOS OLÍMPICOS
Ao longo de sua existência, que já beira os 120 anos, o
Movimento Olímpico se liga intimamente com as transformações de ordem mais geral nas sociedades. Para facilitar os nossos estudos, iremos adotar a periodização proposta por Rubio (2010), que nos ajuda a compreender mais claramente essa ligação entre esporte e as profundas mudanças sociais que vivenciamos ao longo da história. “Os quatro grandes momentos identificados são: Fase de estabelecimento - de Atenas 1896 a Estocolmo 1912; Fase de Afirmação - Antuérpia 1920 a Berlin 1936; Fase de conflito - de Londres 1948 a Los Angeles 1984; Fase Profissional - de Seul 1988 até os dias atuais” (RUBIO, 2010, p. 57). Podemos dizer que o ápice da retomada do esporte enquanto o principal fenômeno da cultura corporal na Modernidade foi a reedição dos Jogos Olímpicos. Após o seu banimento no final do século IV, os Jogos Olímpicos foram reeditados em 1896 na cidade de Atenas, por iniciativa do educador francês Pierre de Frédy, o Barão de Coubertin. Coubertin (1863-1937), aristocrata nascido em 1863, diplomata, que buscou retomar os jogos pan-helênicos e via neles o ideal do amadorismo e da participação acima da vitória. Justamente por ser uma perspectiva aristocrática, se colocava contra a profissionalização, o que ampliaria a participação de trabalhadores nos esportes. Por sua concepção aristocrática, o Barão se identificava sobremaneira com esporte universitário inglês, que não recebia o interesse à proposta de internacionalização da corrida de ramo de Oxford, ao contrário de outros países. Assim, fundou-se uma rede baseada na repulsão ao profissionalismo e nacionalismo, aprovando os jogos olímpicos em um Congresso em Paris (1894), uma reunião com delegados de 9 países para expor seu plano de reviver os torneios que tinham sido interrompidos há 15 séculos. A delegação grega disputou para que os jogos fossem na semana de Páscoa em Atenas (1896), o que o Barão busca tornar como sua ideia. Os primeiros Jogos Olímpicos da Modernidade, Atenas (1896), idealizados, entre outros, pelo Barão de Coubertain, buscavam se estabelecer por meio de um caráter apolítico e independente de forma a garantir adesão dos diversos países, apenas sendo interrompido em 1916 pela Primeira Guerra Mundial. Contudo, é fundamental destacar outro aspecto de aproximação com Atenas. Como já vimos, o período dos Jogos era marcado pela trégua olímpica (ekeicheria), e como lembramos, o fim do século XIX caracteriza-se por um período de muitas convulsões sociais: conflitos internacionais por disputas de território entre aos países europeus; conflitos internos com o fortalecimento dos movimentos operários. O que Coubertin vislumbrou foi a possibilidade de, por meio da reedição das Olimpíadas, estabelecer mecanismos de trégua nos conflitos entre os países, sobretudo dentro dos mesmos, neutralizar os conflitos sociais por meio de uma ideologia da “neutralidade política”. Assim, dos jogos de Atenas até Estocolmo (1912) foi considerada uma Fase de Estabelecimento com os Jogos sendo praticados quadrienalmente, contando com os países europeus e ampliando sua adesão a cada edição (PICH, 2003). Nesse período, os Jogos ainda não contavam com uma grande profissionalização e ocorreram até 1912, quando houve o primeiro hiato temporal por conta da Primeira Guerra Mundial. Além disso, devemos destacar que o embate com a profissionalização resultava na exclusão das camadas mais pobres da sociedade, já que privilegiava aqueles que tinham tempo para praticar (isto é, que tinham jornadas reduzidas ou pouco desgastantes de trabalho). O esporte ainda era uma manifestação social e cultural bastante elitista, sendo “pouco praticável” junto às camadas mais pobres da sociedade, e contava com uma profissionalização ainda insipiente. Os Jogos de Atenas (1896) possuem “eventos de atletismo, além dos de luta livre, natação e talvez até esgrima e levantamento de peso – isto é, esportes baseados em movimentos bem elementares do corpo -, provavelmente foram escolhidos como sugestões dos eventos competitivos do passado remoto, enquanto o tiro, o ciclismo, o tênis e (num gesto de reverência em relação à Alemanha) a ginástica e a subida de corda devem ter sido encarados como componentes mais modernos. O interessante é que não houve nenhum jogo com bola na primeira Olimpíada” (GUMBRECHT, 2007, p. 98). “O evento que, mais que qualquer outro, personificou o espírito esportivo de 1896 foi a maratona, inventada sobre bases historiográficas incertas por Michel Bréal [...] Ela reproduzia a lendária corrida desde um campo de batalha próximo ao vilarejo de Maratona até a cidade de Atenas; acredita-se que o maratonista original era um mensageiro que morreu depois de anunciar aos cidadãos de Atenas a vitória sobre os persas, em 490 a.C.” (GUMBRECHT, 2007, p. 98). Participaram destes jogos 285 atletas de 13 países, disputando provas de atletismo, esgrima luta livre, ginástica, halterofilismo, ciclismo, natação e tênis. Os vencedores das provas foram premiados com medalhas de ouro e um ramo de oliveira.
REFERÊNCIAS:
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Elogio da beleza atlética. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007. MANSKE, G.S.; FERRARI, A.; ORSI, F.; LASZUK, J.; POSTAI, L. Esporte e sociedade. Motrivivência, ano 18, n.26, p. 141-152, jun. 2006. PICH, S. A mítica neoliberal, o sistema esportivo, a mídia e o herói esportivo: a construção de uma estória de retalhos de verdade mascarada de verdade revelada. Perspectiva, Florianópolis, v.21, n.1, p. 199-227, jan./jun. 2003. STAREPRAVO, F.A; MEZZADRI, F.M. Esporte, relações sociais e violências. Motriz, Rio Claro, v.9, n.1, p. 49-52, jan./abr. 2003. O ESPORTE NO PERÍODO ENTRE GUERRAS.
O período entre guerras trouxe muitas mudanças para a
sociedade, e, consequentemente para o esporte. A Revolução Russa, a escalada crescente dos conflitos internacionais, a ascensão dos movimentos fascistas, a crise da Bolsa de Nova York, um conjunto de acontecimentos que davam o prenúncio de grandes acontecimentos e que impactaram bastante os esportes, e, neste caso, a adesão às Olimpíadas. Em virtude do aumento exponencial da popularidade dos esportes, em um contexto de efervescência política, os esportes têm o seu caráter de utilização política bastante intensificado. Se lembramos do higienismo (as políticas eugênicas nazifascistas, inclusive reproduzidas aqui no Brasil), os esportes se tornam uma forma de exaltar os padrões estéticos e disciplinares desejados para a nação. Além disso, o esporte, por meio da popularização das seleções nacionais, também é utilizado como forma de amenizar os confrontos entre as classes sociais. Cabe ressaltar a histórica proibição da participação de negros nos campeonatos de futebol na década de 1920 no Rio de Janeiro, com a luta pela inclusão promovida pelo clube operário de Bangu, a Ponte Preta em São Paulo, e o Vasco em uma história mais controversa que deram visibilidade à luta negra no país pelo direito ao esporte. Importante refletir que o racismo no esporte sempre ocorria travestido de uma “luta pelos valores clássicos”, pelo amadorismo, pelo esporte desinteressado, tendo em vista que o profissionalismo era a única forma de ter atletas trabalhadores, e de todos os segmentos populacionais subalternizados e oprimidos. A partir de 1920 até 1936, novamente paralisados por conta de uma Guerra Mundial, ocorreu a “Fase de Afirmação” dos Jogos, que foram marcados pelos rearranjos políticos a partir da Primeira Guerra, que se refletiram também na organização dos Jogos (por exemplo, a Alemanha banida dos jogos de 1920). “Basicamente, com o propósito diplomático que, de acordo com Proni (1998), os transformaram no dissipador da ideologia de coexistência pacífica entre as grandes potências a um maior número de pessoas possíveis e no demarcador da presença de uma nação no cenário internacional” (MINUZZI, MARIN, FRIZZO, 2013, p. 30). Em um período marcado pela Revolução Russa e por uma série de levantes populares, os Jogos Olímpicos assumem o caráter de defender uma ideologia da tolerância entre os sujeitos, e, sobretudo, entre as classes, contudo, contrastando, com o papel de representação da ordem competitiva capitalista, na qual o mesmo assume o aspecto de propaganda do desenvolvimento dos países em relação com o grau de desenvolvimento esportivo (inicia a associação entre desempenho esportivo e desenvolvimento social e econômico). Com a sua massificação para o conjunto da população, tornando-se a principal ferramenta/ocupação no espaço de lazer, junto com o desenvolvimento das tecnologias da comunicação, o esporte se torna um elemento fundamental de disseminação dos valores de sua época. Não obstante, nesse período, ocorre o início da participação de empresas privadas interessadas em investir na prática esportiva e em associar suas marcas ao esporte como forma de propaganda, o crescimento do investimento público em infraestrutura esportiva e as novas possibilidades de transmissão e cobertura midiática dos eventos esportivos. (MINUZZI, MARIN, FRIZZO, 2013). A popularidade passou a se concentrar nos jogos com bola, apesar de haver uma grande resistência com o profissionalismo, sobretudo o futebol, que era o esporte mais acessível para a população mais pobre. O futebol se torna a atividade mais popular e a seleção uruguaia em Charmonix (1924) e Amsterdã (1928) é bicampeã. “O sucesso incomparável do futebol nesses jogos, e seu conflito implícito com a ideologia amadora da olimpíada, levou à criação de uma Copa do Mundo do futebol, que rapidamente se tornou o segundo maior evento esportivo do planeta. O primeiro torneio aconteceu em Montevidéu, em 1930, em homenagem ao centenário da independência do Uruguai” (GUMBRECHT, 2007, pp. 100-01). As olimpíadas organizadas na Alemanha hitlerista extremou a ideologia do amadorismo e retomada dos valores helênicos com muita ostentação e distorções, como o Estádio de Berlim, cuja arquitetura buscava emular o Coliseu, o Estádio de Olímpia. “Uma sequência de profusas reiterações de equações ideológicas sugeria que o esporte moderno era o esporte da Grécia antiga, que a cultura alemã era herdeira da cultura da Grécia antiga, e que portanto o esporte era ao mesmo tempo grego e alemão em sua essência” (GUMBRECHT, 2007, p. 101). Carl Diem foi o mentor do processo, inclusive crê-se que foi o inventor do ritual da tocha olímpica. Os Jogos de Berlim também produziram a vinculação inexorável entre os grandes eventos esportivos e os meios de comunicação, que é determinante da condição de espectadores dos não-atletas e celebridades midiáticas dos atletas. Houve rádio televisão, junto com a ascensão dos atletas afro-americanos. O episódio mais marcante das olimpíadas hitleristas, sem qualquer dúvida, foi quando Jesse Owens, um atleta negro, ganhou dois ouros em uma competição organizada por Hitler com o intuito de demonstrar a supremacia ariana, talvez um dos maiores momentos da história do esporte. Importante lembrar que os EUA também eram um país extremamente racista, inclusive com um regime de apartheid social, e que a presença de negros e negras em seus times esportivos não significavam inclusão social, mas sim pequenas concessões para a sua propaganda de potência desportiva. O ESPORTE DURANTE A GUERRA FRIA.
A partir da Segunda Guerra Mundial, com a polarização do
mundo, os Jogos entram na fase de Conflito, o que conta com a intensificação de seu caráter de espetáculo. “Nesse panorama, os Jogos Olímpicos emergem incorporando a simbologia da guerra, as motivações econômicas, as intenções políticas, as alianças, o reflexo dos posicionamentos dos países e as estratégicas bélicas, ao longo da equiparação entre atletas, países e sistemas ideológicos. Isto é, eram um espaço para demonstrar superioridade política, econômica e tecnológica tanto do bloco quanto dos seus aliados mundialmente” (MINUZZI, MARIN, FRIZZO, 2013, p. 30). Esse período é marcado pelo crescimento exponencial do número de atletas e de modalidades (4099 em 1948 para 7078 em 1984) e de 59 para 141. Além disso, há um grande incremento do aparato tecnológico no uso do esporte, que se profissionaliza e torna-se cada vez mais um elemento ideológico fundamental, intensificando o seu caráter de espetáculo, pautado pelo conflito capitalismo versus socialismo. Nesse período, o esporte se consolida enquanto um fenômeno social da maior relevância, e há o surgimento das gigantes corporações relacionadas aos esportes como as marcas esportivas, Adidas (1948), Nike (1964), Puma (1948), além da ampliação dos patrocínios privados aos atletas, equipes e seleções nacionais dos esportes. O esporte, de fato, torna-se profissional em virtude das próprias necessidades de propaganda política de um mundo polarizado, no qual os resultados esportivos assumem um significado fundamental nas disputas políticas e econômicas ao redor do mundo. O desenvolvimento científico-tecnológico ligado ao esporte cresce sem precedentes. Pode-se afirmar que o esporte se configura enquanto uma mercadoria de nova ordem a ser consumida pelos sujeitos. Todavia, essa relação de esporte enquanto mercadoria e do sujeito enquanto consumidor, uma relação que é mediada pelos meios de comunicação como a televisão e o rádio, fazem com que haja uma grande diferença na experiência dos sujeitos em relação ao esporte. Se antes, o esporte era praticado como forma de lazer, de maneira lúdica, o sujeito passa a experienciar o esporte enquanto um espectador, de forma passiva, assistindo-o, seja no estádio, seja por meio da televisão. Isso faz com que, em se tratando de esporte, não se consiga compreendê-lo de outra forma que não da maneira do esporte de rendimento, sempre associado ao caráter de exacerbação da competitividade entre os sujeitos, ainda que se apregoe uma ideologia pacifista de convivência das diferenças entre as mais distintas nações. No Brasil, sobretudo no período da Ditadura Militar, houve um investimento material e simbólico muito grande na Confederação Brasileira de Desportos (CBD), que controlada por militares, passa a ter que dar resultados a fim de propagandear o país como um sucesso social e esportivo. Em toda a América Latina, após os golpes militares, há uma forte presença e controle militar dos espaços relacionados ao esporte, em especial o futebol, que se tornam instrumentos de propaganda política. REFERÊNCIAS:
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Elogio da beleza atlética. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007. MANSKE, G.S.; FERRARI, A.; ORSI, F.; LASZUK, J.; POSTAI, L. Esporte e sociedade. Motrivivência, ano 18, n.26, p. 141-152, jun. 2006. PICH, S. A mítica neoliberal, o sistema esportivo, a mídia e o herói esportivo: a construção de uma estória de retalhos de verdade mascarada de verdade revelada. Perspectiva, Florianópolis, v.21, n.1, p. 199-227, jan./jun. 2003. STAREPRAVO, F.A; MEZZADRI, F.M. Esporte, relações sociais e violências. Motriz, Rio Claro, v.9, n.1, p. 49-52, jan./abr. 2003. O ESPORTE-ESPETÁCULO: A RELAÇÃO ESPORTE-TELEVISÃO.
A configuração do esporte no período final da Guerra Fria é a
sua completa adesão e reconfiguração à lógica do mercado, isto é, o esporte torna-se espetacularização. “A indústria esportiva vem apresentando grandes índices de desenvolvimento nos últimos anos, e seus princípios tornaram-se hegemônicos em relação às outras práticas corporais, seja no sistema formal ou informal de educação” (TEIXEIRA, DIAS, 2011, p. 102) definitivamente uma mercadoria a ser consumida a partir de sua. Com isso, os esportes passam por um paulatino processo de mercadorização, inserindo de vez a profissionalização não apenas de atletas, mas de equipes técnicas, profissionais de direção, introduzem-se mecanismos empresariais de marketing, e os clubes quando não empresas, buscam agir conforme fossem. Há o investimento cada vez maior em ciência, preparação de atletas, cursos de especialização, etc. Por exemplo, os torcedores passam a ser tratados como clientes, como consumidores de um produto, a paixão passa a ser comercializada, vemos surgir nomes como “fidelização”. É a “clientelização” da torcida, o sócio-torcedor é talvez a principal faceta deste processo. Para este processo, a relação dos esportes com os grandes meios de comunicação foi determinante: o televisionamento das partidas foi um passo preponderante nesta caminhada, que gerou modificações em toda estética do jogo para se tornar um produto mais vendável. Deixa de ser o jogo que determina a forma de transmissão, mas a transmissão e a rentabilidade que passam a incidir sobre o jogo. O exemplo mais evidente disso é a mudança das regras no voleibol (antigamente, antes de fazer um ponto a equipe deveria fazer uma vantagem, o que seria um ponto, e confirmar essa vantagem, fazer um segundo ponto consecutivo, isto é, fazer dois pontos consecutivos para valer apenas um). Com isso, as partidas demoravam MUITO, 3, 4, 5 horas, havendo uma grande imprevisibilidade que obstruía uma programação televisiva. Diante disso, foi uma demanda das emissoras de televisão que o sistema de vantagens caísse para diminuir o tempo de jogo e consolidar a previsibilidade do término do jogo para ajustar às suas grades de programação. Outro exemplo muito bom neste aspecto é a introdução de “árbitros de vídeo”, que surgem com o pretexto de dar mais justiça ao jogo, mas que se configuram, na verdade, a partir de demandas vindas tanto das emissoras televisão (que também passam a vender seus equipamentos para federações e confederações), quanto de casas de apostas (que, como já vimos, são muito influentes no ramo esportivo). A introdução de recursos de imagem televisiva na arbitragem é muito atraente para as casas de apostas porque ajuda a garantir a previsibilidade do jogo, isto é, evitar que aconteçam as chamadas “zebras” (quando um time muito menos cotado consegue vencer um time mais cotado”. O televisionamento dos jogos introduziu um conjunto de mecanismos de publicidade que buscavam inserir-se durante as partidas, ou na própria transmissão, como as placas de publicidade nos campos que aumentam de valor. Além disso, os clubes também passam a lutar pelos direitos de imagem e transmissão, junto com os atletas, que veem uma enorme oportunidade de aumentar seus rendimentos. A partir do sucesso econômico das Olimpíadas na década de 1980, cresce a concepção de que o atleta mesmo nas modalidades menos populares devessem participar da divisão de receitas. “A transmissão televisiva, financiada pela indústria da publicidade (que encara cada um daqueles espectadores como um consumidor em potencial), criou dessa maneira um relacionamento bilateral entre os muitos milhões que praticam esportes em prol da própria saúde ou do lazer e os poucos milhares que praticam esporte num nível altamente competitivo” (GUMBRECHT, 2007, p. 104). Ademais, este processo traz consigo que a identificação com a nacionalidade perde gradativamente relevância em prol dos grandes ícones mundiais, um capital de qualidade mais individual e econômico. Assim, os atletas se veem cada vez mais associados a marcas e seus produtos que suas nacionalidades. Destarte, os fãs em sua relação com o esporte superam a condição de meros adeptos para consumidores preferenciais. Os atletas tornam-se verdadeiras empresas, marcas mundiais, seja em parceria com outras grandes marcas existentes, seja como marcas próprias, vide o caso do “Air Jordan”, conjunto de materiais esportivos de Michael Jordan (apontado como o maior jogador da história do Basquete). Podemos apontar os atletas com marcas personalizadas, como Ronaldo que tinha a marca R9, Ronaldinho Gaúcho, que chegou a lançar uma criptomoeda, paramos por aqui apenas nos atletas brasileiros. Qual a consequência disso? O atleta quando entra em campo gradativamente deixa de atuar em prol de uma equipe para ser o representante de sua própria empresa em campo, fomentando a busca por questões e marcas de cunho mais individual, em que os objetivos coletivos ficam em segundo plano. Essa inserção midiática eleva a capacidade de promoção ideológica do esporte. Nesse sentido, os meios de comunicação apresentam uma faceta do esporte fundamental enquanto justificativa ideológica da ordem em vigor que é a competição, o esporte é subsumido ao processo competitivo, em que só importa a vitória e os vencedores. “Os atletas são mostrados como aqueles que superam todas as agruras de treinamentos intermináveis, uma espécie de super- homens ou mulheres, gente que vence os mais incríveis desafios apenas com a força bruta da sua vontade. O alto rendimento é elevado à última potência. Esses aparecem como os que devem ser imitados, os exemplos a serem seguidos. Por isso são frequentes as reportagens mostrando as histórias de superação dos mais diferentes atletas” (TAVARES, 2009, p. 163). Os atletas passam a servir como grandes propagandistas do status quo, aqueles que vencem apesar de todas as dificuldades, aqueles que são disciplinados, seguem as regras, etc. Nesse processo de mudanças na própria forma de produção social e interação dos sujeitos, mediada pelo grande desenvolvimento de tecnologias da informação e comunicação, a produção cultural de todas as suas formas, artística, esportiva, musical, visual, reduziu-se a uma mera produção de serviços, as mercadorias que devem ser consumidos pelos sujeitos. A televisão e demais aparatos midiáticos influenciam significativamente a forma pela qual as pessoas se apropriam do esporte, o percebem e o enxergam, tornando-se um fenômeno a ser espetacularizado. Nesse processo, o sujeito, além de consumir comercialmente o esporte, seja por ingressos ou por canais de televisão, ele também se torna alvo de consumo das indústrias que buscam associar suas marcas ao esporte, os “patrocinadores”. Uma gama de mercadorias das mais distintas buscam associar-se aos sentimentos, valores promovidos pelo esporte e por seus atletas. O esporte, então, torna-se uma mercadoria muito peculiar, que agrega valor e vende outras mercadorias, independente do que sejam: alimentos, passagens aéreas, bancos, inclusive produtos que nada se relacionam com o senso comum de “esporte-saúde”.
2. O NOVO CENÁRIO DOS MEGAEVENTOS ESPORTIVOS.
Essa é uma nova fase, a partir de 1984, a Fase do
Profissionalismo na organização das Olimpíadas, em que o Comitê Olímpico Internacional assume claramente uma posição pró- mercado no sentido de transformar o esporte definitivamente em uma mercadoria a ser vendida para o consumo dos sujeitos durante o seu momento de lazer. O amadorismo sai de cena, e os atletas de destaque profissionalizam-se, muitos ainda crianças. O cerne deste processo são os jogos de Los Angeles (1984) e Seul (1988), que produziram receitas maiores que as despesas. É uma enorme ruptura de paradigmas: o COI abdica de vez da perspectiva amadora, embora não assuma explicitamente as fraudes, e abraça a profissionalização como meio de aumentar seus rendimentos. O marco desse processo foi os Jogos Olímpicos de 1992 (Que é celebrado por muitos como o modelo-ideal de realização dos Jogos Olímpicos, além de ser um modelo de “legado olímpico”), “ao aceitar o suborno da empresa Adidas; ao modelar o Movimento Olímpico, segundo o regime Franquista Espanhol; ao permitir que os Jogos Olímpicos tornassem um veículo de acumulação de capital privado, por via do leilão, simbolizado pelo TOP e pela venda dos direitos de retransmissão de imagens; ao naturalizar a corrupção de seus membros, sobreposta por parte das candidaturas das cidades a sede olímpica; ao liberar a participação de atletas profissionais; ao contemporanizar o discurso sobre o doping; ao enaltecer sua versão do ideal olímpico com amparo da mídia; ao oportunizar ações sociais, via Programa de Solidariedade Olímpica; e ao perpetuar a imagem da marca olímpica, com a criação do museu olímpico em Lausanne” (MINUZZI, MARIN, FRIZZO, 2013, p. 31). 1992 é um grande marco no processo de espetacularização dos Jogos Olímpicos, em que foi gestada toda a estrutura de privatização que vivemos atualmente, voltado majoritariamente para o consumo na forma de uma mercadoria. O esporte, então, passa a ser menos acessível para os sujeitos que gostariam de usufruir ativamente por meio de práticas sistemáticas, e cada vez mais algo a ser consumido passivamente pelos sujeitos na forma de espectadores, quando, no máximo, torcedores; Para tanto, consolida-se um discurso de inovação e de garantia de legado em função dos jogos, cada vez mais tornados entretenimento, cujos impactos sociais de fato não são sentidos pela população, ou seja, não há um legado social a ser usufruído pelos sujeitos. Os sujeitos, por meio do discurso do legado, apenas poderiam usufruir do esporte de maneira indireta, por conta das obras realizadas para a realização dos eventos esportivos, pois, as arenas construídas com dinheiro público são privatizadas e restritas, e até mesmo a condição de espectador-consumidor é colocada em xeque quando a maioria da população não tem condições de adquirir ingressos para ver os jogos-espetáculo. Por fim, destacamos o papel cumprido pelas entidades esportivas, que deveriam primar pela acessibilidade, pelos “valores esportivos”, mas que apenas zelam por “valores” financeiros em virtude das vantagens obtidas com a mercadorização do esporte. É o caso do COI nas Olimpíadas, e da FIFA na Copa do Mundo de Futebol. Essas entidades são as responsáveis pela organização dos esportes ao longo do mundo, determinando suas diretrizes, possibilidades, mudanças e continuidades. FIFA e COI são também as responsáveis pela realização dos eventos esportivos, o que faz com que possuam patrocinadores próprios, sendo financiadas pelos lucros obtidos por esses eventos. Isso faz com que haja uma profunda ligação entre essas entidades e as empresas do ramo privado envolvidas com o esporte, e que estas muitas vezes atuem como seus representantes nas negociações junto a governos locais para a obtenção de vantagens financeiras. Assim, há uma estreita ligação entre os governos (municipais, estaduais e federais- nacionais) e essas entidades, além dos segmentos dos setores privados interessados que culminam no processo de realização desses eventos e exploração do esporte (SOUZA et alii, 2013).
REFERÊNCIAS:
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Elogio da beleza atlética. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007. MANSKE, G.S.; FERRARI, A.; ORSI, F.; LASZUK, J.; POSTAI, L. Esporte e sociedade. Motrivivência, ano 18, n.26, p. 141-152, jun. 2006. PICH, S. A mítica neoliberal, o sistema esportivo, a mídia e o herói esportivo: a construção de uma estória de retalhos de verdade mascarada de verdade revelada. Perspectiva, Florianópolis, v.21, n.1, p. 199-227, jan./jun. 2003. STAREPRAVO, F.A; MEZZADRI, F.M. Esporte, relações sociais e violências. Motriz, Rio Claro, v.9, n.1, p. 49-52, jan./abr. 2003.