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Empreendedorismo Social

GRAMEEN DANONE*
(*) Fonte: Muhammad Yunus; Um mundo sem pobreza: a empresa social e o futuro do
capitalismo. São Paulo: Ática, 2008.

Prefácio

Dei uma sugestão a Frank e a seus colegas: “Bom, como vocês sabem, a população de Bangladesh é
uma das mais pobres do mundo. A subnutrição é um problema terrível, especialmente entre as crianças,
e traz graves conseqüências à saúde delas à medida que crescem”.

“Sua empresa é um dos principais fabricantes de alimentos nutritivos do mundo. O que vocês acham de
formarmos uma joint venture para levar alguns de seus produtos às aldeias de Bangladesh? Poderíamos
abrir uma empresa em sociedade e batiza-la de Grameen Danone. Ela produziria alimentos saudáveis
com o intuito de melhorar a dieta das pessoas que vivem nas áreas rurais de Bangladesh, em especial
as crianças. Se os produtos forem vendidos a um preço baixo, poderemos realmente fazer a diferença
na vida de milhões de pessoas.”

“Talvez eu não tenha sido muito claro”, eu disse, calmamente. “Estou propondo uma nova empresa, uma
joint venture entre a sua companhia e o Grameen. Estou denominando-a Grameen danone, com o nosso
nome, Grameen, na frente, uma vez que é mais conhecido em Bangladesh que o seu.”

Fiquei animado com a resposta de Frank. Em seguida, disse-lhe: “Eu ainda não completei a minha
proposta, Frank. A nossa joint venture será uma empresa social”.

Desta vez, Frank Riboud olhou para mim um pouco confuso, como se tivesse ouvido uma frase que não
conseguia traduzir imediatamente. “Uma empresa social? O que é isso?”

“É uma empresas projetada para atender a uma meta social. Nesse caso, a meta é melhorar a nutrição
das famílias pobres nas aldeias de Bangladesh. Uma empresa social não paga nenhum dividendo.
Vende produtos que fazem dela um negócio autosustentável. Os proprietários da empresa podem
receber de volta a quantia que investiram no negócio após um período; contudo, os investidores não
recebem nenhum lucro na forma de dividendos. Em vez disso, qualquer lucro obtido permanece na
empresa, a fim de financiar sua expansão, criar novos produtos ou serviços e trazer o bem ao mundo.

Frank sorriu: “Isso é extremamente interessante”. Levantou-se outra vez e estendeu a mão em minha
direção. Levantei-me também e alcancei a mão dele. Enquanto apertávamos as mãos, ele disse: “vamos
fazer isso”.

A Empresa Social: o que é e o que não é

Para tornar a estrutura de capitalismo completa, precisamos introduzir outro tipo de empresa, que
reconheça a natureza multidimensional dos seres humanos. Se considerarmos as companhias
existentes como empresas que visam a maximização dos lucros (EMLs), então o novo tipo de empresa
poderia ser chamado de empresa social. Os empreendedores fundarão empresas sociais não para
alcançar ganhos pessoais limitados, mas para buscar metas sociais específicas.

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Precisamos identificar o verdadeiro ser humano e reconhecer os seus desejos multifacetados. Para isso,
precisamos de um novo tipo de empresas que não tenha como objetivo apenas o lucro – uma empresa
que seja totalmente dedicada à resolução de problemas sociais e ambientais.

Em sua estrutura organizacional, essa nova empresa é basicamente igual às EMLs já existentes. A
diferença está em seus objetivos. Tal como as outras empresas, ela emprega funcionários, cria bens ou
serviços e fornece-os aos clientes a um preço compatível com seu propósito. Porém, o objetivo
subjacente dessa nova empresa – e o critério pelo qual deve ser avaliada – é criar benefícios sociais
para as pessoas cuja vida ela afeta. A empresa propriamente dita pode obter algum lucro, mas os
investidores que a bancam não retiram lucros da empresa, exceto a quantia equivalente à recuperação
do investimento original, durante algum tempo. Uma empresa social é movida por uma causa em vez de
ser impulsionada pelo lucro, e tem o potencial de atuar como agente de mudanças no mundo.

A empresa social não é uma instituição de caridade. É uma empresa em todos os sentidos. Ela tem de
recuperar todas as suas despesas e, ao mesmo tempo, alcançar seus objetivos sociais.

A empresa social é diferente por ser administrada segundo os mesmos princípios administrativos de uma
EML tradicional, ela tem como objetivo a recuperação total dos custos ou mais, mesmo que se concentre
em criar produtos ou serviços que garantem um benefício social. Para alcançar essa meta, ela cobra um
preço ou uma taxa pelo produto ou serviços que oferece.

Assim, uma empresa social é projetada e dirigida como um empreendimento, com produtos, serviços,
clientes, mercados, despesas e receita; a diferença é que o princípio da maximização dos lucros é
substituído pelo princípio do benefício social. Em vez de acumular o maior lucro financeiro possível –
para ser desfrutado pelos investidores -, a empresa social procura alcançar objetivos sociais.

Mas o investimento em uma empresa social é muito diferente da filantropia.

Primeiro, a empresa social criada é autosustentável. Não há necessidade de se injetar capital adicional
nela todos os anos. É uma empresa que caminha, mantém-se e desenvolve-se por si só. Uma vez
estabelecida, ela cresce por conta própria. E, assim, o investidor obtém mais benefícios sociais para seu
dinheiro.

Segundo, os investidores de uma empresa social recebem seu dinheiro de volta. Depois disso, eles
podem reinvestir na empresa original ou em uma empresa social diferente. Assim, o mesmo dinheiro
pode trazer mais benefícios sociais.

Contudo, na perspectiva atual, eu proponho dois tipos possíveis de empresa social. O primeiro, como já
descrevi anteriormente, são as empresas cujo foco é proporcionar um benefício social, em vez da
maximização dos lucros para os proprietários. O segundo tipo de empresa social funciona de modo bem
diferente: são as que visam a maximização dos lucros e pertencem a pessoas pobres ou desprovidas de
recursos.

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Iogurte enriquecido para crianças

A minha idéia era criar uma joint venture com a Danone para produzir alguma tipo de alimento que
melhorasse a nutrição das crianças de Bangladesh. Eu estava pensando em um “alimento de desmame”,
que ajudasse os bebês a receber alimentação adequada depois de passar pela fase de amamentação.

Logo [após pesquisas] ficou claro que a Grameen Danone não começaria no ramo de alimentos para
bebês. Para a Danone, sem nenhuma experiência em Bangladesh, isso seria arriscado demais. Os
bebês são muito vulneráveis a doenças, e os alimentos para eles requerem, portanto, um padrão de
higiene muito rigoroso. Decidimos deixar esse item de lado por ora, talvez para uma produção futura.

Concordamos que o mais importante de tudo seria focar as crianças pequenas. E, quanto mais
conversávamos, mais sentíamos que o iogurte seria a melhor escolha como produto inicial. Várias
razões apontavam para isso, Como um laticínio, o iogurte contém muitos nutrientes saudáveis. As
culturas ativas no iogurte são também benéficas porque promovem a saúde intestinal e ajudam a reduzir
os efeitos da diarréia, um flagelo mortal no muno em desenvolvimento. Poderiam ser acrescentados ao
iogurte outros micronutrientes na forma de complementos. E, é claro, a Danone era o maior fabricante
mundial e iogurte.

Além disso, o iogurte parecia ser um dos alimentos mais populares entre as crianças bengalis e os seus
pais. É cremoso e ligeiramente doce, o tipo de alimento que as crianças apreciam em todo o mundo. E o
iogurte já é tradicional em Bangladesh. Sob o nome de mishti doi (iogurte doce), é um alimento leve e
uma sobremesa muito popular, vendido em potes de barro no comércio local ou em quiosques de beira
de estrada por todo o país. Entretanto, o mishti doi é normalmente vendido por cerca de 20 tacas (30
centavos de dólar), o que est5á fora do alcance das pessoas mais pobres. Se conseguíssemos produzir
um iogurte enriquecido da Danone que agradasse as crianças de Bangladesh e que fosse vendido a um
preço que os pobres pudessem pagar, talvez tivéssemos um produto campeão de vendas.

Assim, tomou-se a decisão: o primeiro lançamento da Grameen Danone seria um iogurte enriquecido.
Posteriormente, talvez, poderiam ser acrescentados outros produtos. Mas, no momento, apostaríamos o
nosso negócio no iogurte.

Tínhamos, então, uma nova série de perguntas para responder: Onde ficaria a nossa fábrica de iogurte?
Qual seria o tamanho dela? Como poderíamos assegurar um fornecimento adequado de leite? Que
canais de marketing usaríamos? Qual seria o preço para o nosso produto?

Em uma de nossas primeiras conversas, deixei claro que era a favor de construirmos uma fábrica tão
pequena quanto fosse tecnicamente possível e economicamente viável. Emmanuel [o líder do projeto]
gostou da idéia. Ela coincidia com o que ele chamava de “modelo de negócios de proximidade”, tornando
a produção do alimento, a distribuição e o consumo o mais próximo possível um do outro. Segundo ele,
isso também reduziria o custo do produto, porque, com uma produção estritamente local, poderíamos
pular a chamada “cadeia de produção refrigerada” que a Danone emprega na maior parte do mundo. Os
iogurtes produzidos diariamente poderiam ser vendidos na vizinhança em até 48 horas a partir da
fabricação, eliminando a necessidade de transporte de longa distância, depósitos e caminhões
refrigerados e outras medidas de distribuição dispendiosas.

No caso da Grameen Danone, o nosso objetivo é fazer chegar às crianças desnutridas o iogurte
enriquecido. Temos de tornar o produto saboroso e atraente para as crianças, para que elas gostem de
consumi-lo e queiram mais, em vez de considera-lo um remédio. O preço deve ser baixo a ponto de os
pais pobres poderem compra-lo, e as nossas ações de marketing devam ser tais que o iogurte seja
vendido principalmente para as famílias pobres da zona rural, que mais precisam dele.
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Ao mesmo tempo, entendemos que parte do nosso produto distribuído poderia acabar nas mãos de
famílias urbanas relativamente abastadas. Por causa do prestígio da marca Danone, o nosso iogurte
seria atraente para as famílias ricas dispostas a pagar um preço mais alto pelos alimentos que
consomem. Nessas circunstâncias, talvez os distribuidores do produto queiram vende-lo nas lojas
urbanas por um preço mais alto, e até mesmo alguns pobres empreendedores poderão compra-lo e
revende-lo para o consumo urbano.

É claro que a venda do iogurte Grameen Danone para famílias bem estabelecidas não é o propósito da
nossa empresa social. Mas esse propósito só seria arruinado se a quantidade de iogurte distribuída no
mercado fosse insuficiente. Solução: aumentar a produção e vender o iogurte para todos. Cogitamos até
a criação de um iogurte mais caro para os consumidores de maior poder aquisitivo. Os lucros
provenientes dessas vendas poderiam ajudar a subsidiar a expansão da empresa em benefício dos
pobres.

O lançamento oficial
Em março de 2006, Franck Riboud [Presidente da Danone] veio a Daca para assinar o memorando de
entendimento e divulgar o lançamento oficial da joint venture Grameen Danone.
O memorando especificava que o ivetimento inicial no projeto (um total de 75 milhões de tacas, cerca de
1,1 milhão de dólares) seria feito em medidas iguais – metade pela Danone e metade por um grupo de
quatro empresas Grameen.

O memorando de entendimento também estabelecia o objetivo da união entre a Danone e o Grameen:

Objetivo
Missão: Reduzir a pobreza por meio de um modelo de negócios de proximidade exclusivo que leva
diariamente alimentação saudável aos pobres.
A joint venture será criada e operada como um empreendimento comercial social, visando
compartilhar os benefícios com a sua comunidade de acionistas.

Objetivos específicos
Alimentação saudável diária para os pobres:
Permitir que os consumidores de baixa renda de Bangladesh tenham acesso diariamente (em
relação a preço e disponibilidade) a uma série de alimentos e bebidas saborosos e nutritivos, para
aumentar a sua condição nutricional.
Mais especificamente, ajudar as crianças de Bangladesh a crescer fortes, graças a alimentos e
bebidas saborosos e nutritivos que possam consumir todos os dias, proporcionando-lhes um futuro
melhor.

Um modelo de negócios de proximidade exclusivo:


Projetar um modelo de fabricação e distribuição que envolva as comunidades locais.

Redução da pobreza:
Melhorar as condições econômicas da população local de classe mais baixa:
• Na etapa inicial: envolvendo os fornecedores locais (agricultores) e ajudando-os a melhorar
suas práticas.
• Na produção: envolvendo a população local por meio de um modelo de fabricação de baixo
custo/trabalho intensivo.
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• Na etapa final: contribuindo para a geração de empregos por meio do modelo de distribuição.

O memorando de entendimento não deixava dúvidas de que a Grameen Danone seria uma empresa
social criada para maximizar os benefícios sociais, e não os lucros financeiros. Também especificava
muito claramente como pretendíamos auxiliar os pobres: fornecendo um produto saudável para ajudar a
suprir suas necessidades alimentares; criando empregos na fábrica e nas proximidades dela; e
estimulando a economia local ao usar pessoas da comunidade como fornecedores e distribuidores do
produto.

Utilizando o Diagrama abaixo (“Canvas”), analise o Modelo de Negócios da Grameen danone.

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