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Júlio Carrilho

Arquitectura e Ambiente:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável.
O caso da Ilha do Ibo

Tese de Doutoramento

Ilha do Ibo. Afloramento coralino, povoado por vegetação - foto do candidato.

XVIII ciclo: Novembre 2002 - Ottobre 2005

Università degli Studi di Roma "La Sapienza"

Tutor: Prof. Arch. Salvatore Dierna

Coordinatore: Prof. Arch. Giorgio Peguiron


Júlio Carrilho

ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento
sustentável.
O caso da Ilha do Ibo

Tese de Doutoramento

XVIII ciclo: Novembro 2002 - Outubro 2005

Università degli Studi di Roma "La Sapienza"

Tutor: Prof. Arch. Salvatore Dierna


Coordenador: Prof. Arch. Giorgio Peguiron
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Índice

ÍNDICE II - V

AGRADECIMENTOS VI

PREMISSA 7

- Introdução ao contexto teórico. 7

- Enquadramento e relevância do tema para o país. 8

INTRODUÇÃO 11

- Motivações e justificação; 11

- Âmbito, objecto, objectivos gerais e específicos da pesquisa; 12

- Metodologia, instrumentos e processo de trabalho 14

I PARTE Contexto teórico 17

1 Desenvolvimento Sustentável 17

1.1 Um conceito multivalente para um fenómeno complexo e 18


global.

1.2 Principais marcos históricos 22

1.3 Dimensões e princípios da sustentabilidade e do projecto 27


sustentável.

2 Arquitectura, Território e Ambiente 36

2.1 A arquitectura e a consciência ecológica e dos fenómenos 37


ambientais.

2.2 Novos enfoques da arquitectura. 40

2.3 Recursos locais, sol, vento e tratamento adequado dos dejectos 45


como factores relevantes de sustentabilidade.

3 As pequenas ilhas, campo específico de intervenção e de 49


pesquisa.

3.1 A solidariedade na organização e na partilha de preocupações 50


e saberes.

3.2 Desafios do desenvolvimento sustentável nas pequenas ilhas. 53

3.3 Iniciativas de preservação ambiental e do edificado. 57


Referências nacionais e internacionais de abordagens e
instrumentos de gestão, em contexto insular.

II
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Índice

II PARTE Enquadramento Regional caso de estudo 63

4 O Arquipélago das Quirimbas no contexto Leste Africano. 63

4.1 Caracterização e iconografia da localização do 63


Arquipélago.
4.2 Elementos de cultura, ecologia e ambiente. 65

4.3 Contexto ecológico regional e nacional. 69

5 Limites e potencialidades de intervenção. 74

5.1 O contexto administrativo e legal. 74

5.2 Os actuais interesses de investimento. 78

5.3 O Plano Nacional das Quirimbas (PNQ). 81

5.4 O turismo como oportunidade e perigo. Implicações gerais na 86


Província de Cabo Delgado.

6 O Ibo no contexto das Quirimbas. 90

6.1 Acesso, localização, caracterização física e população da ilha 90


bo
6.2 A centralidade da Ilha do Ibo no arquipélago das Quirimbas. 93

6.3 A ilha do Ibo como repositório de saber local. 97

III PARTE O edificado: arquitectura e Identidade da vila do Ibo 100

7 A “vila de coral e telha”: lugar, desenho e carácter. 101

7.1 Referências cronológicas: factores de destruição e de 101


decadência e impulsos de reconstrução e desenvolvimento;

7.2 Uma interpretação dos principais elementos estruturantes do 102


desenho geral da “vila de coral e telha”.

7.3 Tecidos urbanos: elementos da iconografia da ilha. O assenta- 107


mento formal e o informal e o estado geral de conservação.

8 A singularidade do edificado 113

8.1 Uma hipótese de caracterização tipológica: a matriz swahili e as 114


contribuições exógenas.

8.2 Materiais, tecnologias, e elementos de construção. A varanda: 119


elemento específico característico?

8.4 Um património a valorizar? A ilha do Ibo e a Ilha de 127


Moçambique: conexões e desconexões.

III
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O caso da Ilha do Ibo.

Índice

9 Sustentabilidade: critérios para um novo ciclo de desenvol- 131


vimento

9.1 O turismo como oportunidade de um novo ciclo de 131


florescimento da a ilha.

9.2 Uma nova atitude perante o património cultural: a percepção 135


dos habitantes e a necessidade de novas linhas de abordagem
para a sustentabilidade das intervenções.

9.3 Contribuições para a preservação, requalificação, manutenção e 129


restauro do edificado.

CONCLUSÕES 146
I. Reabilitação, preservação e restauro do edificado na ilha do Ibo: para 146
uma política de intervenção escalonada e faseada, baseada em
princípios de sustentabilidade e aderência comunitária.

II. Para a abertura de novas linhas de pesquisa. 148

III. Para uma política de cooperação estimulante e duradoura. 149

ICONOGRAFIA

A - Enquadramento territorial da ilha do Ibo, caracterização da 153


estrutura do edificado, levantamento e imagens do ambiente
urbano.

B - Arquitectura sem arquitecto: a zona formal. 167

C - Arquitectura sem arquitecto: a zona informal. 181

D - Elementos para uma proposta de intervenção. 195

Bibliografia 206

IV
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O caso da Ilha do Ibo.

Índice

ANEXOS 215

ANEXO I Ibo. A casa e o tempo. 216


(Acompanhado de carta do Ministro do Turismo da República de
Moçambique).

ANEXO II Levantamento de dados e entrevistas a moradores da zona 220


informal da Vila do Ibo.

ANEXO III Lei do Turismo, de Moçambique. 258

ANEXO IV Lei do Património Cultural, de Moçambique. 264

ANEXO V Lei e Plano de Maneio do Parque Nacional das Quirimbas (PNQ). 270

ANEXO VI A Toponímia das Ilhas Quirimba: uma questão a regularizar. 274

ANEXO VII Quadro cronológico dos principais factos históricos com impacto 278
no edificado da vila do Ibo.

ANEXO VIII A experiência de gestão privada da ilha de Chumbe, na 287


Tanzânia.

ANEXO IX Declaração de Berlim sobre Diversidade Biológica e Turismo 292


Sustentável.

ANEXO X Estratégia de Acção das Maurícias para a Ulterior 299


Implementação do Programa de Acção (de Barbados) para o
Desenvolvimento Sustentável dos Pequenos Estados Insulares
(Maurícias 2005).

ANEXO XI Carta de Lanzarote, para um Turismo Sustentável. 328

ANEXO XII Código Mundial de Ética do Turismo 335

ANEXO XIII Contribuição para normação da gestão e intervenção sobre o 346


edificado: Proposta Preliminar de Regulamento do Plano de
Desenvolvimento da Ilha do Ibo.

ANEXO XIV Elementos de clima das terras firmes do litoral, adjacentes às 364
Ilhas Quirimbas, e da Iha do Ibo

V
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O caso da Ilha do Ibo.

Agradecimentos.

Agradecimentos
Ao Professor José Forjaz, por me ter proporcionado a oportunidade de elevar os meus
conhecimentos e me ter encaminhado com firmeza nos momentos de dúvida.

Ao Professor Salvatore Dierna, pelos ensinamentos de grande valia e pela confiança que em
mim instilou no processo de elaboração desta tese. Também o meu reconhecimento pela
cordialidade com que sempre me atendeu.

Ao Professor Sandro Bruschi, que me deu o prazer da sua convivência fecunda, e me


proporcionou os elementos e o aconselhamento para consolidar o meu empenho e
convicção quanto ao tema e ao processo de pesquisa em que me envolvi.

À professora Maria Spina, pela sua preciosa ajuda e pelas abordagens criativas de que
beneficiei sempre que solicitei o seu aconselhamento.
Aos Doutores Arquitectos Cláudio Di Cursio e Francesco Di Nicola, que me deram o prazer
da sua amizade, bem como o seu apoio, mesmo em momentos de grande pressão do seu
trabalho.

Ao Professor Carlos Lopes Bento, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da


Universidade Técnica de Lisboa, que me deu a oportunidade de aprender da sua longa
experiência e conhecimentos de pesquisa, em relação ao caso de estudo de que me ocupo,
e me facilitou a consulta aos arquivos da Sociedade de Geografia de Lisboa.

Ao meu colega de trabalho Arquitecto Luís Lage, com quem pude partilhar preocupações e
alegrias, tornando menos duro o quotidiano de exigências que o trabalho impunha. Aos
meus alunos, alguns dos quais são hoje colegas de profissão e amigos, que me apoiaram na
elaboração da informação, e cuja juventude e convivência me alentou: referência particular
aos arquitectos Chivite Wate, Júlio Pereira, Roberto João, e o licenciando Adérito Wetela.

A todos os que me proporcionaram preciosas informações para a pesquisa, seja em Pemba,


seja no Ibo, permitindo-me enriquecer o acervo de informação com testemunhos vividos.

À minha mulher, Fernanda Machungo e aos meus filhos André, Ntanzi e Taíla, a quem
dedico este trabalho, o meu indizível obrigado, por tudo que me deram como encorajamento
e que não pude ainda retribuir.
Maputo, 30 de Novembro de 2005.

IV
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Premissa

PREMISSA
O contexto teórico

Embora as urgências ditadas pelos imperativos de crescimento económico nos países


desenvolvidos e a pobreza cada vez mais acentuada nos países com baixos níveis de
rendimento continuem, por vezes, a agir como factores desviantes no processo de
consideração das problemáticas ambientais nas políticas de desenvolvimento, a verdade é
que estas problemáticas começam a permear de uma forma sempre mais profunda o
pensamento e as estratégias de elevação do bem-estar das comunidades, dos países e da
humanidade em geral. Hoje já não é considerada completa, ou pelo menos séria, qualquer
abordagem que omita o tratamento das temáticas ambientais em qualquer disciplina em que
a actividade antrópica seja um dos seus traços principais. E não é só nos meios académicos,
ou nas organizações e nos fora nacionais e internacionais que a necessidade e a
consciência da preservação e conservação ambiental se coloca. Jornais, revistas, folhetos,
inúmeros endereços da Internet dedicam artigos reflexões e chamadas de atenção para
estas temáticas.

Apesar desta elevação geral da consciência ambiental, que consiste em permear as


estratégias de melhoria do bem-estar com as temáticas da eco-compatibilidade e da
preservação ambiental, dos ecossistemas e da biodiversidade, ainda se verificam
reticências, dúvidas e contradições no âmbito da acção política e no do desenvolvimento.
Não são raros os conflitos de interesse que traduzem mesmo, ao nível político e empresarial,
uma consciência apenas epidérmica, ou de conveniência, quanto às ameaças derivadas da
degradação ambiental global, e que resulta nomeadamente do consumo excessivo,
desregrado, desigual dos recursos naturais do planeta. Estas dissonâncias são
extremamente perigosas para a correcta conservação do potencial de recursos mundiais,
regionais e nacionais. Elas são, por vezes, justificadas apenas pela instrumentalização de
interesses nacionais conjunturais e constituem factor de bloqueio ou de retardamento da
consolidação da consciência sobre os limites do desenvolvimento. Exemplos desta situação
de dissonância são, a nível internacional e pela negativa, as dificuldades de acordo para a
entrada em vigor do Protocolo de Kyoto ou, inversamente e pela positiva, a dedicação da
Exposição Universal de 2005 ao tema da inovação tecnológica para a abordagem da solução
dos problemas ecológicos do nosso planeta; e, ao nível de muitos dos países em vias de
desenvolvimento, a afirmação, pelos governos, dos valores ambientais e da biodiversidade,

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Premissa

ao mesmo tempo que se deseja, e até por vezes se argumenta falaciosamente, sobre a
necessidade ou mesmo a inevitabilidade da presença de problemas ambientais ligados à
industrialização como indicador do seu percurso na senda do desenvolvimento.

Teoricamente está relativamente assumido entre os especialistas do ambiente que o impacto


negativo da actividade antrópica sobre a Terra tem um carácter global e deve ser analisado
através de abordagens científicas especialmente desenhadas para tal. De facto como nos
diz Salvatore Dierna “A crise ambiental do planeta caracteriza a nossa época e só é
reversível se ela for tratada pela raiz, através da activação de políticas e estratégias globais.
Os principais problemas a enfrentar são os dos desequilíbrios sociais e da desigualdade de
recursos entre os povos e, prioritariamente, entre povos do Norte e do Sul do mundo, mas
vistos com referência a processos de desenvolvimento cumulativos e difusos a diversos
níveis, bem como a partir de uma responsabilidade assumida globalmente. Fazem parte
deste cenário os grandes acontecimentos atinentes ao desequilíbrio e degradação
ambiental, dentre os quais se podem destacar a poluição geral do ar, da água e do solo, de
que derivam, como consequência, o “buraco do ozono” ou as “chuvas ácidas”, os processos
de desertificação em curso, a contracção das reservas hídricas e energéticas. Mas também
faz parte deste quadro o desenvolvimento não sustentável do habitat humano o qual é, em
grande, medida a causa daqueles acontecimentos.”1

Enquadramento e relevância do tema para o país

Partindo da consideração da arquitectura como processo e objecto da interacção dos seres


humanos dentro do e com o ambiente, num contexto cultural específico, tomamos a
discussão do tema Arquitectura e ambiente como quadro de referência para a análise do
edificado e para contribuir para a abertura de linhas de intervenção sustentável no âmbito
arquitectónico e territorial no contexto socio-económico e cultural bivalente da ilha do Ibo.
Nesta ilha localizada no Norte de Moçambique, coexistem uma população autóctone vivendo
em situação de grande pobreza, e existe um património edificado formal rico, desocupado ou
em degradação, cujo inegável valor arquitectónico e cultural deve ser analisado e
demonstrado, como primeiro passo para se assumir a necessidade da sua preservação. A
partir desta verificação e estudos poder-se-ão abrir linhas de abordagem propositivas que

1
Dierna, Salvatore, Intervenções ecologicamente sustentáveis de formação e transformação de habitat,
documento sobre Requalificação da arquitectura moderna, elaborado no quadro do Segundo Curso de
actualização sobre reabilitação do património arquitectónico, Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico da
UEM, Maputo, 2004, ponto 2.

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Premissa

contribuam para uma melhor gestão, mais fundamentada e adequada, do edificado e do


ambiente natural e cultural em que ele se insere.

Cabe citar, neste âmbito, o Ministro do Turismo do Governo moçambicano que, a propósito
da publicação com o título “Ibo. A casa e o tempo”2, explicita:

“Do ponto de vista da área que dirijo é pertinente referir que o livro fornece matéria
abundante que poderá ser utilizada no quadro da acção de divulgação turística,
acrescentando elementos de mais-valia de um destino turístico que começa a ser
importante, as Ilhas Quirimbas e, em particular, o Parque Nacional do mesmo nome.
A ênfase dada ao edificado da ilha do Ibo, bem como aos valores culturais e paisagísticos
em que se insere, confirma e reforça a necessidade, preconizada pelo Governo, da
preservação desses valores e da sua requalificação, no quadro de uma estratégia de turismo
sustentável, de modo a poderem ser desfrutados por aqueles que nos visitam.
Queremos também realçar que os elementos de análise apresentados são um contributo
relevante para a abertura de linhas de orientação, e inclusive de normação, tendentes a
encorajar actuações mais adequadas, tanto dos investidores, como dos operadores turísticos
e dos visitantes, tendo em conta a melhoria das condições de vida da população local, e a
preservação e valorização dos recursos naturais da região.”3
O conceito de sustentabilidade é a principal linha de força da presente tese. A este respeito
consideramos importante referir à partida que, embora este conceito esteja larga e
profundamente implantado no seio da academia e comece a informar atitudes dos governos
a nível nacional, a nível internacional e nas relações bi e multilaterais, “continua, na prática, a
ser pouco claro para o cidadão comum como é que o seu bem-estar físico e económico pode
ser garantido e elevado através da sua aplicação concreta. É preciso que a sustentabilidade
do desenvolvimento se traduza, de uma maneira extensiva, em algo que possa ser visto,
sentido, experimentado pelos cidadãos e pelas comunidades em geral”. O elemento
significante nesta referência é o facto de ela partir de um investigador em formação, o que é
reflexo de elevação da consciência4.

Para além das considerações gerais aqui feitas é pertinente referir que não é alheio à tese, o
objectivo induzido de contribuir também modestamente para alimentar, com elementos

2
Carrilho, Júlio, Ibo. A casa e o tempo, Edições FAPF, Maputo, 2005.
3
Sumbana Júnior, Fernando, Ministro do Turismo de Moçambique, Nota nº 316/GM/MITUR/2005, de
29/09/2005, dirigida à Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico, Maputo.
4
Oliveira, Nuno Gaspar de, A caminho da praia sustentável, Revista Focus, pág. 94, 305/2005.

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Premissa

teoricamente fundamentados, o corpo de identidade nacional e de cidadania em processo de


construção no país5. E esta ideia é reforçada pelo aforismo prosaico mas verdadeiro de que
se ama e se assume mais e melhor o que melhor se conhece.

5
“La forma architettonica, con i luoghi che delimita, può avere una parte importante, con l’intralciare o con il
raforzare il nostro senso dell’identità. Meiss, Pierre Von, 1992.

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Introdução

INTRODUÇÃO

“... no fim conservaremos apenas aquilo que amamos, amaremos somente aquilo que
compreendamos e compreenderemos só aquilo nos tenha sido ensinado”
Baba Dioum6

Motivações e justificação

Como aconteceu na generalidade dos países africanos, a independência de Moçambique


revelou, particularmente até ao fim da década de oitenta do séc. passado, que a apropriação
pelos seus novos utentes de ambientes e elementos edificados conotados com a ocupação

colonial se caracterizou por um deficit de estudo, reflexão e comandos, tanto ao nível


administrativo como ao nível teórico, que permitissem estabelecer o seu carácter como
património colectivo e até com potencial identitário do novo país e, ao mesmo tempo,
contribuíssem para uma gradual erradicação de atitudes predatórias e de indiferença
relativamente ao edificado preexistente. Preocupações ligadas principalmente com a criação
e consolidação dos novos Estados, a canalização das energias para o domínio do
desenvolvimento económico, especialmente no sentido da elevação dos indicadores de
melhoria das condições de vida sobretudo nos domínios da produção alimentar e da
prestação dos serviços de educação e saúde, relegou para segundo plano a busca de
modelos de intervenção que promovessem um enquadramento sustentável e, portanto, não
conflituoso, entre a arquitectura e as realidades construídas de valor, as quais constituem de
facto património comum, e o novo ambiente humano que a habita.

É justo que se refira que houve e há casos que constituem excepção a esta constatação,
nomeadamente toda a actuação governamental que culminou com a declaração, pela
UNESCO, da Ilha de Moçambique como património cultural da humanidade, bem como as
iniciativas de preservação ecológica e ambiental de contextos territoriais delicados, como por
exemplo no que se refere à ilhas de Inhaca e ao arquipélago do Bazaruto, pressionados por
sobre ocupação em consequência da guerra que decorreu até 1994 e pelas iniciativas não
controladas de desenvolvimento turístico e que era necessário acautelar sob pena de
depauperamento ambiental irreversível.

6
Cunningham, William P., Cunningham, Mary Ann, Saigo, Barbara Woodworth, Fondamenti di Ecologia,
edizzione italiana a cura di Alberto Basset e Loreto Rossi, McGraw-Hill, Milano, 2004, pág. 3.

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Introdução

Âmbito, objecto e objectivos gerais e específicos da pesquisa

Não é a história nem o domínio sócio – antropológico que nos compete analisar, não
obstante eles serem importantes para uma mais completa compreensão do objecto de
pesquisa em presença e parecer-me bem fundamentada a ideia de que, no futuro, a
evolução da urbanística verá acentuar-se cada vez mais a sua vertente sócio-antropológica
face à sua vertente arquitectónica7.

O fulcro da pesquisa circunscreve-se ao domínio do edificado, aprofundando-se em


particular a análise e as estratégias nos subdomínios da arquitectura e da urbanística do
assentamento, colocados no contexto determinante e mais geral do sistema ecológico e
ambiental que o sustenta.

O caso de estudo é o ambiente e o edificado da Ilha do Ibo, localizada no arquipélago das


Quirimbas, o qual se situa no Norte de Moçambique. Não são frequentes, no país, estudos
que tenham tido como foco a arquitectura como artefacto específico resultante de um
determinado contexto cultural nacional, quer considerado isoladamente, quer considerado
como testemunho de um intercâmbio cultural entre povos que estiveram em contacto ao
longo da história. No caso do Norte de Moçambique parecia ser evidente que a cultura
swahili, que se expandiu até ali e muito mais para Sul, tivesse deixado marcas da sua
presença no domínio da arquitectura. E no seu contacto com realidades locais, bem como
com outras realidades culturais determinadas pelo colonialismo, tivesse também induzido ao
uso de materiais, processos, técnicas e opções de desenho cuja explicação pode residir em
contextos endógenos e exógenos à região. Considerámos interessante escrutinar também
esta hipótese, em termos gerais e como elemento de referência para entendimento dos
processos e das opções arquitectónicas em presença, tomando a ilha do Ibo como caso de
estudo.

No caso de estudo que abordaremos aplica-se o princípio de que o “património vernáculo


construído é a expressão fundamental da identidade de uma comunidade, das suas relações
com o território e, ao mesmo tempo, a expressão da diversidade cultural do mundo”8.

É objectivo geral desta tese compulsar a problemática da sustentabilidade do


desenvolvimento com ênfase para o contexto das pequenas ilhas, socorrendo-nos também

7
“Eis uma de entre tantas razões para pensar que o futuro... da evolução da urbanística será sempre mais sócio-
antropológica do que arquitectónica”, Dorfles, Gillo, 2003;
8
ICOMOS, Carta sobre o património construído vernáculo, Cidade do México, 17 a 23 de Outubro de 1999.

12
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Introdução

de experiências e iniciativas de estados insulares, de modo a estabelecer o contexto e


substrato teórico para uma análise e uma abordagem propositiva visando a sua aplicação ao
objecto de estudo.

No que respeita ao tema de aplicação, a pequena ilha do Ibo localizada no arquipélago das
Quirimbas, pretende-se contribuir para consolidar a sua importância no contexto ecológico,
ambiental e como património cultural de valor no Norte de Moçambique, como tem vindo a
ser reiteradamente estabelecido na última década.

Está no entanto por demonstrar e estabelecer a singularidade e especificidade do edificado


do caso de estudo, no seu todo, como subproduto e resultado de intercâmbio secular de
culturas regional, o qual, tendo cristalizado e irradiado saberes, não pode deixar de ser
registado e analisado na perspectiva da sua valorização, preservação, requalificação e
restauro em casos seleccionados. A consciência desta necessidade determina este
propósito, pelo que um dos objectivos gerais da presente pesquisa é contribuir para tal.

A escolha da Vila do Ibo como caso de estudo resulta de ela:

• constituir uma realização multicultural com reconhecido valor histórico, nomeadamente


no que respeita ao edificado, mas também caracterizada pela sua localização num
contexto de grande relevância ecológica e ambiental;

• constituir um aglomerado relativamente contido com menos factores de complexidade,


nomeadamente devido ao seu relativo isolamento, o que permite uma elaboração mais
controlada e um estudo que contribua para motivar ulteriores estudos de aglomerados
humanos do País nas mesmas condições;

• poder contribuir com critérios tecnológicos para a criação de guiões visando eventuais
intervenções de manutenção e restauro em outras pequenas cidades históricas
moçambicanas tais como Inhambane, Ilha de Moçambique e Pemba.

Uma vez estabelecidos, numa primeira parte, os marcos teóricos gerais do tema e o
referencial de experiências para o caso de estudo, far-se-á na segunda e terceira partes o
enquadramento, a descrição e caracterização do caso de estudo, nomeadamente no que
respeita

• ao contexto geográfico, ecológico e ambiental que o caracteriza;

• ao desenho geral do assentamento e dos diversos tipos arquitectónicos e a sua relação


com a tradição arquitectónica da região Leste Africana;

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Introdução

• aos elementos de construção mais significativos e os materiais e tecnologias utilizadas;

• ao estado das edificações, comparando a situação hoje prevalecente com a dos finais
da década de sessenta e dos anos setenta do séc. passado.

• à demonstração do carácter singular do edificado enquanto “lugar-sítio”, procurando-se


reconhecer os laços entre forma, lugar e história, de modo a percebermos os limites a
considerar para que o espaço arquitectónico preserve o seu duplo papel: (i) o de
testemunho da história por um lado, e (ii) o de ocasião para o futuro por outro9.

- Com base na análise feita, far-se-á, nas conclusões, propostas de reflexão e de estratégia
de acção tendo em conta a preservação e requalificação do património tangível, bem como
tendo em conta o processo de transformações num quadro de sustentabilidade e eco-
compatibilidade.

Metodologia, instrumentos e processo de trabalho

A definição do tema de trabalho foi um momento importante da tese e constou de:

1. Estabelecimento da hipótese de tema de tese baseado na inevitabilidade e


necessidade de consideração do princípio da sustentabilidade do desenvolvimento
como base de qualquer processo de salvaguarda e transformação da realidade
construída nos países de baixo rendimento, os quais são caracterizados por um
rápido processo de mudanças. Vantagem da selecção de um caso de estudo
caracterizado por uma situação de confinamento em que essa salvaguarda e
transformação, tratando-se de um património edificado de importância nacional,
exige, por um lado medidas e atenção particular e, por outro lado uma abordagem
mais restrita, menos ambiciosa e de definição territorial limitada e claramente mais
identificável;

2. Recolha e consulta de documentação e elementos para confirmação do interesse e


da plausibilidade da hipótese posta, quer no que respeita ao tema geral como
também na definição do caso de estudo, nomeadamente em centros de
documentação localizados em Maputo e Roma;

3. Fixação, por tentativas e rearranjos, do tema, através do seu estabelecimento


articulado por assuntos pertinentes em índice a desenvolver.

9
Meiss, Pierre Von, 1992;

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Introdução

4. Elaboração de conclusões que consistem no estabelecimento de estratégias visando


não só contribuir para a valorização do edificado e a melhoria da condições de vida
da população, mas também abrir novas vias de pesquisa que aprofundem o
conhecimento e apurem e ou corrijam, no futuro, as estratégias definidas.

Como instrumentos de elaboração e estabelecimento de conclusões, baseamos o trabalho


em:

• Análise conceptual, com base na documentação disponível;

• Análise iconográfica, com base nos levantamentos e na cartografia disponível na


documentação consultada;

• Observação directa com base no levantamento arquitectónico expedito;

• Contextualização das opções arquitectónicas, com base em entrevistas, no quadro


do múnus relativo ao caso de estudo, nomeadamente no que se refere à importância
decisiva da sua inter-relação com o património intangível.

• Experiências relevantes para referência quanto a opções programáticas de


abordagem das modalidades de gestão e intervenção técnica tendo em conta similaridades
de natureza e contexto em casos similares ao caso de estudo em questão.

O processo de trabalho teve como marcos fundamentais as seguintes etapas e níveis de


elaboração:

1º Estabelecimento de hipótese de trabalho, metodologia e meios para testá-la, validá-la


ou não, fundamentá-la e abrir novos caminhos de trabalho;

2º Definição e listagem das fontes disponíveis em Maputo com consulta expedita prévia,
complementada posteriormente com fontes a consultar em Roma e em Lisboa;

3º Busca e consulta de fontes para estabelecimento do referencial teórico que interessa


ao tema;

4º Revisão e reanálise de toda a informação colhida e disponível sobre o tema de


estudo, e que foi preparado sob a orientação do candidato, in situ e após as três visitas ao
objecto de caso de estudo;

5º Organização e primeira elaboração dos materiais e constatações;

6º Complemento e aprofundamento da informação necessária para a continuação da


pesquisa com informação obtida de fontes seleccionadas em Maputo, Roma e Lisboa,

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Introdução

incluindo especialistas e personalidades cuja entrevista era necessária para informar a


pesquisa;

7º Ajustamento final e desenvolvimento das hipóteses de análise colocadas


previamente, confirmadas após observações e entrevistas, e início da redacção da tese.

Não foi intenção desta pesquisa ter uma representação rigorosa do edificado. Pretendia-se
sim obter elementos de representação gráfica suficientemente elucidativos da imagem do
ambiente construído e de alguns dos seus componentes mais significativos, de tal maneira
que nos permitisse definir o carácter e o fundo das opções projectuais. O levantamento
expedito abrangeu cinquenta seis edifícios, tendo, cerca de vinte, sido levantados com mais
rigor e mais completamente. De qualquer modo, para efeitos de restauro, reconstrução e
reabilitação seria necessária uma campanha específica de levantamento, com programa e
equipas especificamente definidas para tal. Grande parte deste trabalho foi organizado e
publicado no livro “Ibo. A casa e o tempo”, de está presente um resumo em Anexo.

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

I PARTE – Contexto teórico

1. Desenvolvimento Sustentável
Quanto mais nos catapultamos para o futuro mais o passado se avoluma10. E quanto mais
passado se constrói, mais perigos podem acumular-se no futuro. Esta é uma verdade que o
objectivo de um desenvolvimento duradouro tem de acautelar: diminuir os perigos para o
futuro, garantindo-se para as gerações vindouras pelo menos as mesmas possibilidades de
construção do seu desenvolvimento e bem-estar, principalmente no que respeita aos
recursos e valores ambientais que a terra disponibiliza.

À partida deve-se ter em consideração que, como diz David Barkin na sua contribuição para
uma estratégia alternativa de desenvolvimento, em preparação da Cimeira da Terra “To
address questions of sustainability, …, is to confront the fundamental dilemmas facing the
development community today. Traditional approaches and models have not resolved the
problems for the vast majority of the world's population, which lives in poorer conditions today
than in recent human history. While the trickle-down approaches to economic progress enrich
a few and stimulate growth in "modern" economies and sectors in traditional societies, they
have not served to address most people's needs; furthermore, they contributed to depleting
the world's store of natural wealth, to a deterioration in the quality of our natural environment,
and to enriching the wealthy. The broadening gap between rich and poor within nations and
on an international scale offers stark testimony of the social inadequacies of this unfortunate
model of economic development”11.
Não é somente a partir de 1987 que a reflexão no domínio da arquitectura se faz tendo em
mente outros domínios do conhecimento e da actividade humana que com ela se
relacionam, em particular com a ecologia e o ambiente. Mas é verdade que, devidos aos
problemas que a humanidade enfrenta como fruidora da Terra, nunca antes as temáticas
ecológicas e ambientais tiveram tanta pertinência.

Planificar comunidades sustentáveis (expressão que continua em voga principalmente a


partir dos anos 1990) requer uma nova atitude no quadro de um processo mais holístico e
integrado de elaboração de decisões de planeamento e desenho.

10
Saramago, José, em entrevista ao canal de TV francesa TV5, Paris, Maio de 2003;
11
Barkin, David, Wealth, Poverty and Sustainable Development. Contributions to an Alternative Strategy -
http://db.uwaterloo.ca/~alopez-o/politics/susdevelop.html, 2002.

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

No contexto da transformação do território parece bastante apropriada a acepção de Trevisol


de que o planeador físico ou o projectista “da sustentabilidade” acabam por ter de se
comprometer com o papel de “novos exploradores” por um lado e, por outro com o de “gestor
de projectos” respectivamente para conhecer o melhor possível um território que lhe é
estranho no sentido de melhor actuar sobre ele e ser capaz de agir como um tecelão e
regulador da rede de projectos locais, integrando-os num conjunto coerente e harmonioso.
Quanto ao arquitecto no sentido restrito, reforça-se o seu objectivo de procura da correcta
integração dos resultados que são objectivo da sua actividade com o de outras actividades,
num processo marcadamente multidisciplinar e transdisciplinar em que a ênfase das
opiniões de tecnologia, de produção e escolha de materiais de construção, de produção de
energia eléctrica ou de destino funcional e reserva de áreas não pode ser feita em completa
dissonância com as capacidades de gestão, com as opções económicas, com os elementos
mais fortes da tradição e da cultura dos povos, com a sua preparação para acolher a
mudança. A busca de sustentabilidade como valor a projectar-se no futuro de novas
gerações não é apenas (e talvez nem é sobretudo) uma tarefa técnica. Ela exige a
construção de uma consciência colectiva da sua necessidade, e em particular da sua
utilidade, no preciso momento em que as comunidades se confrontam com os seus
resultados. Se esta consciencialização não for criada e consolidada, porventura soluções
tecnicamente correctas podem entrar em atrito com práticas locais consolidadas, gerando-se
conflitos entre os destinatários locais e as intenções, mesmo que correctas, de planeadores,
gestores e administradores dos programas tecnicamente sustentáveis. A negociação, a
participação e a formação precoce nas escolas são elementos fundamentais neste contexto,
são elementos vitais da sua dimensão local.

Para além das várias escolas de abordagem da problemática do ambiente e do


desenvolvimento e, em consequência, da temática da sustentabilidade, parece-nos
impoortante atermo-nos nas suas mais significativas definições, que são a sua expressão
mais sintética e imediata, na evolução temporal do conceito e nas diferentes dimensões que
decorrem do seu carácter multivalente e global.

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
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I Parte

1.1. Um conceito multivalente para um fenómeno complexo e global.


O desenvolvimento humano não se esgota na necessidade, fundamental e imprescindível,
de protecção e conservação ambiental. Mas também não deveria ser feita contra ou à custa
dela.

No que se refere ao desenvolvimento sustentável, o ponto 27 do Relatório da Comissão


Mundial sobre o Ambiente e o Desenvolvimento de 1987, com o título de “O Nosso Futuro
Comum”, também conhecido por Relatório Brundtland, estabelece:

“…Está nas mãos da humanidade tornar o desenvolvimento sustentável, o que quer dizer
procurar satisfazer as necessidades e aspirações de hoje sem comprometer a capacidade
das futuras gerações de satisfazerem as suas próprias necessidades e aspirações. O
conceito de desenvolvimento sustentável implica limites – não limites absolutos, mas
limitações que o presente estado da tecnologia ou da organização social e a capacidade da
biosfera de absorver os efeitos da actividade humana impõem aos recursos do ambiente –,
mas tanto a tecnologia como a organização social, ambas podem ser orientadas e
melhoradas para que possam abrir o caminho para uma nova era de crescimento
económico. A Comissão acredita que a pobreza já não é inevitável. A pobreza não é uma
doença em si. O desenvolvimento sustentável requer que as necessidades básicas de todos
sejam satisfeitas e que a oportunidade de se cumprirem as expectativas de uma vida melhor
seja estendida a todos. Um mundo em que a pobreza seja endémica será sempre
susceptível de sofrer uma catástrofe, seja de tipo ecológico ou de qualquer outro tipo”12.
Este importante Relatório recomendou acções urgentes em oito importantes domínios para
assegurar o desenvolvimento sustentável, designadamente: (1) População e Recursos
Humanos; (2) Indústria; (3) Segurança Alimentar; (4) Espécies e Ecossistemas; (5) O
Desafio Urbano; (6) Gestão do Bem Comum; (7) Energia; (8) Conflito e Degradação
Ambiental.

Nesta linha conceptual e programática já tinham e têm estado a surgir variantes da definição
básica estabelecida pelo Relatório Brundtland na busca de precisões ligadas a enfoques
específicos ou a aprofundamentos sectoriais:

12
UN BRUNDTLAND REPORT, Our Common Future, The World Commission for the Environment and
Development Alianza Publications, Madrid, 1988 (pag.28 e 29).

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I Parte

• J.R. Hichs13, em 1946, numa abordagem economicista premonitória e que tem


implícita a definição moderna de Sustentabilidade, afirma que um rendimento acrescido deve
ser prosseguido de tal modo que não se reduza a capacidade do ambiente continuar a
prover o mesmo nível de rendimento no futuro;

• Para a ONU (WCU,UNEP,WWFN), em 1992, entende-se por Desenvolvimento


Sustentável um melhoramento da qualidade de vida, sem que se exceda a capacidade de
carga dos ecossistemas de base;

• Para o ICLEI, em 1994, Desenvolvimento Sustentável é aquele que oferece serviços


ambientais, sociais e económicos de base a todos os membros da comunidade, sem
ameaçar a operacionalidade dos sistemas natural, edificado e social de que depende o
fornecimento de tais serviços.

• Para Jekwu Ikeme, (1999), Desenvolvimento Sustentável no continente africano


significa a realização dos potenciais rendimentos sem que isso implique custos na perda da
base ecológica para o desenvolvimento e o aumento da desigualdade e empobrecimento da
população14.

• Para o NSESD australiano, em que se sublinha a vertente ecológica,


Desenvolvimento Ecologicamente Sustentável significa o uso, conservação e elevação dos
recursos da comunidade, de modo a que os processos ecológicos, nos quais a vida assenta,
sejam mantidos, e a qualidade de vida possa ser melhorada na sua globalidade, hoje e no
futuro.

Como se pode verificar varia a ênfase das definições consoante a perspectiva de que se
parte, nomeadamente a do bem-estar geral, a económica, a sociocultural, a ecológico-
ambiental, com implicações nos mais variados domínios do conhecimento, das ciências
naturais, às ciências jurídicas, às ciências da administração e à política.

Uma definição que diz respeito ao ser humano em geral, independentemente da sua
condição e do seu local de vida, e que envolva todos os aspectos da sua actividade, seria
suposto não ser fácil de fazer e tornar inteligível aos diferentes níveis da comunicação.

13
Em Sustainable Development: Economic growth and innovation,
http://www.stats.govt.nz/domino/external/web/nzstories.nsf/htmldocs/Sustainable+Development:+Economic+gro
wth+and+innovation, (22 de Junho 2004).
14
Ikeme, Jekwu, Sustainable Development, Globalisation and Africa: Plugging the holes, em Africa Economic
Analysis, Environmental Change Unit, University of Oxford, United Kingdom, 1999 -
http://www.afbis.com/analysis/Jekwu.html

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
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I Parte

Como qualquer definição bem elaborada ela vai ao âmago da natureza do problema que
visa, é curta, a mais completa possível e, neste caso, atinge o seu objectivo de inclusividade.
Este é o mérito da definição de sustentabilidade do Relatório Brundtland. Ela é eficaz no
nível de entendimento básico e conseguiu mobilizar em relativamente pouco tempo o público
em geral, ao mesmo tempo que suscitou a sua discussão nos domínios mais diversos da
especulação científica e da elaboração técnica afins. Por ser simples e transversal à
actividade humana permite a discussão aos diferentes níveis, com a possibilidade de lógicas
sectoriais aparentemente distintas entre tudo o que ela envolve e trata, devido à sua
natureza holística.

É neste contexto que a temática da sustentabilidade se afirma na Arquitectura como vertente


teórica (e menos de aplicação) especializada, sendo objecto de manuais, publicações,
cursos universitários, e especializações. Neles se fazem as abordagens teóricas,
tecnológicas, de uso do território e de metodologias de desenho urbano, visando a
projectação dos espaços e a conformação do ambiente. Pretende-se garantir a durabilidade
dos processos e a minimização dos impactos negativos, e tendo o presente e o futuro como
contextos de igual importância, de modo a que o objectivo de conforto do homens e
mulheres de hoje não prejudiquem as possibilidades de conforto das mulheres e homens de
amanhã.

Se considerarmos que as preocupações expressas com os impactos negativos da actividade


humana não responsável nem controlada sobre o ambiente remontam ao séc. XIII da
Inglaterra do Rei Eduardo I, devido aos efeitos prejudiciais da queima do carvão na Londres
da época, podemos dizer que tem raízes muito antigas a expressão institucional contra as
acções que, prejudicando o ambiente, punham em perigo a saúde dos cidadãos. Mas só no
último quartel do séc. XX, esta atitude ganhos contornos planetários desembocando no
movimento contemporâneo geral tendente à reconciliação da actividade humana com o
potencial de recursos proporcionados pela natureza. A rapidez deste processo dá-nos uma
medida da urgência que está implícita na necessidade de se tomar a sustentabilidade como
base dos modelos e das políticas de desenvolvimento e consumo, tanto ao nível local com
ao nível global.

O estabelecimento dos comandos mais adequados nas diversas áreas do saber, inclusive na
arquitectura e no planeamento do território, que obrigam à consideração dos processos de
desenvolvimento na óptica da sustentabilidade e da conservação dos recursos faz-se com o

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I Parte

nível de conhecimento, percepções e nível de organização nacional e internacional de cada


momento. Sendo assim, é importante referir os perigos da transformação das preocupações
ambientalistas numa atitude militante intransigente ou num modismo. A obsessão, neste
como noutros domínios, pode tornar-nos mais vulneráveis às pulsões do dogmatismo cego
em relação ao tema da sustentabilidade e da eco-compatibilidade; vulneráveis à avidez das
pulsões do comércio e do negócio que contribuem para confundir as opções dos decisores
com propostas conflituantes e impondo técnicas que este ou aquele defende como sendo as
melhores numa pura estratégia de maketing para obtenção de lucros. Uma abordagem mais
rigorosa mas também mais honesta, de bom senso e mesmo de solidariedade, é
fundamental para que a consciência dos problemas da degradação do ambiente não se
transformem num elemento de retardamento da busca de melhoria de condições e de
qualidade de vida dos e pelos mais pobres (e não só) com o pretexto de adopção de
procedimentos e normas fora da sua capacidade de aplicação e até de compreensão.
Qualquer espírito aberto tem consciência dos limites do conhecimento numa determinada
época e de que este se adquire e se depura de época para época histórica, num processo
activo, que é simultaneamente de exigência de actuação científica e tecnicamente mais
correcta, mas também de visão crítica quanto ao alcance, por vezes redutor, do que se
impõe como uma necessidade universal.

1.2. Principais marcos históricos


Nenhuma geração antes da presente teve mais e melhor informação acerca de todos os
aspectos importantes da problemática do desenvolvimento sustentável. Durante os últimos
cerca de trinta anos conferências e relatórios fundamentais foram realizados, permitindo
compilar um conjunto integrado de informações que aprofundaram substancialmente a
15
compreensão conceptual da sustentabilidade e evidenciaram a urgência de uma
reorientação global de atitudes do ponto de vista ecológico, ambiental e da durabilidade do
desenvolvimento:

• Em 1942, Raymond Linderman utiliza pela primeira vez o conceito de ecosistema,


conceito este que é posteriormente desenvolvido e divulgado por Eugene Odum;

• Em 1953, Eugene Odum lança o seu livro Fundamentals of Ecology o qual seria,
durante muitos anos, o único manual sobre os princípios básicos da ecologia;

15
http://www.ecotopia.org/ehof.odum/, pág. 1, 25-08-2005.

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
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I Parte

• Em 1962, Rachel Carson, na sua publicação Silent Spring, introduz uma nova energia
no crescente movimento de defesa do ambiente na América do norte. Ela põe em
causa a capacidade ambiental de absorção infinita dos poluentes produzidos pelo
homem, contribuindo decisivamente para a importância da protecção e preservação
ambientais;

• No início dos anos 1970, a crise energética induz nos países desenvolvidos à
emergência da consciencialização para o facto de as suas cidades estarem
deficientemente preparadas para um forte crescimento populacional e melhoria
significativa dos respectivos níveis de bem estar, num cenário futuro de diminuição da
produção e abastecimento de combustíveis fósseis;

• Em 1968 a publicação Population Bomb de Paul Erlich e, em 1972, Limits of Growth


do Clube de Roma, chamam a atenção para as problemáticas globais do
desenvolvimento;

• Em 1972, Barbara Ward, que em 1970 já analisara em escritos seus os problemas do


crescimento económico, exprime a necessidade de “…definir-se com clareza o que
deve ser feito para manter a terra como um lugar apropriado para a vida humana não
apenas hoje mas também para as futuras gerações”, dando provavelmente origem ao
conceito contemporâneo de desenvolvimento sustentável;

• Em 1972, a Conferência das Nações Unidas de Estocolmo sobre o Desenvolvimento


Humano define a necessidade de mudança de abordagem das questões ambientais
face aos dilemas de desenvolvimento;

• Em 1980, o Global 2000 Report, solicitado pelo Presidente Carter em 1977, que
constitui o primeiro relatório nacional a tratar globalmente o tema do futuro ambiental
do mundo (entre outros temas), estabelece que “…Apesar do maior volume de
produção material, os povos do mundo estarão ( em 2000 ), em muitos aspectos,
mais pobres do que estão agora";

• Em 1980, é estabelecida a estratégia Mundial para a conservação da natureza;

• Em 1983 é criada a Comissão Mundial das Nações para o Ambiente e


Desenvolvimento;

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I Parte

• Em 1987, é publicado o relatório da Comissão Mundial das Nações Unidas para o


Ambiente e Desenvolvimento, mais conhecido por Brundtland Report, que define o
conceito e os princípios de desenvolvimento sustentável;

Fig. 1 - A definição de Desenvolvimento Sustentável reconhece que toda a vida depende dos recursos naturais. O falhanço em
proteger o ambiente físico ameaça o futuro do mesmo modo que que compromete o presente. Os proponentes do conceito de
desenvolvimento sustentável argumentam que os problemas na economia, no ambiente, e na sociedade estão inter-
relacionados e são globais no contexto. Isto é claramente demonstrado na represntação de hierárquia, que ilustra como as
esferas sócio-económicas devem sempre ser consideradas dentro da maior esfera ambiental de influência. Esta
16
conceptualização sugere como as actividades económicas e culturais estão integradas dentro dos processos naturais .

• Em 1992, a Conferência das Nações Unidas para o Ambiente e Desenvolvimento,


realizada no Rio de Janeiro e também conhecida pela Cimeira da Terra, na qual 150
Chefes de Estado acordaram e estabeleceram um plano de acção global visando o
desenvolvimento sustentável a que se chamou de Agenda 21 (para além da
Declaração geral e convenções sobre a diversidade biológica, as mudanças
climáticas), que constitui uma importante grelha programática de referência para os
esforços da humanidade, em todas as áreas de actividade conexas com a
problemática da sustentabilidade, visando uma mudança e adequação global de

16
Flint, R. Warren e Danner, Mona J.E., The Nexus of Sustainability & Social Equity: Virginia’s Eastern Shore
(USA) as a Local Example of Global Issues, International Journal of Economic Developmen, pág. 5 e 6.

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I Parte

atitudes tanto no que respeita aos valores e estilos de vida, à tecnologia, aos
produtos, ao consumo e à gestão dos dejectos, como no que concerne ao quadro
político, à participação das comunidades e outros actores do desenvolvimento e à
articulação da dimensão global por um lado e da dimensão local por outro;

• Em 1994, a Conferência Global das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento


Sustentável em Estados de Pequenas Ilhas em vias de Desenvolvimento, adopta a
declaração de Barbados, em que se definem os princípios e um programa de acção
para o desenvolvimento sustentável nesse tipo de estados;

• Em 1997, o Protocolo de Kyoto sobre a mudança climática, que preconiza medidas


específicas nomeadamente para a redução da emissão dos gases conexos com a
intensificação do efeito de estufa e que, para além de discrepâncias de pontos de
vista manifestadas, deu origem a esforços adicionais na busca de soluções para a
materialização do acordado, nomeadamente à actual discussão e experiências de
criação de um mercado de quotas de emissão de CO2, principalmente na Europa;

• Em 1997, realiza-se a “Cimeira da Terra +5”, uma Sessão Especial da Assembleia


Geral das Nações Unidas faz a revisão e a avaliação da implementação da Agenda
21;

• Em 2000, A assembleia geral das Nações Unidas, na sua resolução 55/2, adopta a
Declaração do Millenium, em que
estabelece como valores fundamentais do
presente Século a liberdade, a igualdade,
a solidariedade, a tolerância, o respeito
pela natureza e a responsabilidade
partilhada, e que no capítulo III relativo ao
“Desenvolvimento e erradicação da
pobreza” e no capítulo IV relativo à
“Protecção do ambiente comum”,
respectivamente, reconhece as

necessidades especiais dos Estados em Fig. 2 Modelo de desenvolvimento sustentável


que salvaguarda o ecossistema, as necessidades
desenvolvimento constituídos por pequenas humanas e o crescimento económico.
(adaptado de Raymond Grizzle e Chritopher Barret, in
Fondamenti di Ecologia, fonte citada)
ilhas e reafirma os princípios do

25
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I Parte

desenvolvimento sustentável;

• Em 2002, a Cimeira Mundial do Desenvolvimento Sustentável relizada em


Johannesburg, abreviadamente conhecida por Cimeira de Johannesburg, que
culmina todo este processo, reafirma a temática do desenvolvimento sustentável
como elemento central da agenda internacional e pretende dar um novo ímpeto à
acção global de erradicação da pobreza e de protecção do ambiente.

Estes acontecimentos, que definem a focalização do interesse geral para a temática da


sustentabilidade, repercutem-se em todos os continentes, nos quais a mesma temática é
tratada nas suas condições específicas.

Não obstante todo este esforço mundial, ingente mesmo, da comunidade internacional e dos
países, dos académicos, de entidades e organizações privadas, da comunicação social, não
parece ainda que o objectivo de sustentabilidade da actividade humana esteja assegurada.

Não estão ainda decifrados todos os vínculos que existem entre o ambiente e a pobreza, a
injustiça, a opressão. São ainda necessários avanços científicos, tecnológicos e de modelos
de aplicação dos princípios da sustentabilidade, para que as inúmeras metas que a
humanidade se tem colocado se possam alcançar.

Acontecimentos dramáticos de detecção retardada como o de Minamata no Japão17 e o de


Love Canal nos Estados Unidos18; e de efeitos com detecção imediata como o de Three Mile
Island19 nos EUA, o de Bophal20 na Índia, o de Chernobyl21, na União Soviética; e a
revelação da depleção da camada de ozono, acabaram por funcionar como avisos, pela
negativa, para o despertar da consciência da insustentabilidade, do ponto de vista ambiental,
dos modelos de crescimento adoptados.
Apesar do desenvolvimento atingido no estudo e monitoração dos fenómenos ligados ao
impacto da actividade antrópica sobre a lógica dos processos naturais é mais uma vez um
acontecimento catastrófico que volta a chamar a atenção à necessidade de uma actuação

17
Resíduos tóxicos químicos são produzidos a partir de 1932 e lançados na baía de Minamata, mas apenas entre
1956 e 1959 serão comprovados os seus efeitos devastadores sobre a população e sobre a cadeia alimentar
animal.
18
A contaminação química de solos num novo assentamento da cidade de Niagara Falls no Estado de Nova York,
devido à deposição de resíduos químicos venenosos entre 1947 e 1952, será apenas detectada e comprovado o seu
impacto devastador sobre a saúde da população entre 1976 e 1980.
19
1979 − acidente nuclear, no Estado da Pensilvânia.
20
1984 – acidente numa fábrica de produtos químicos, com contaminação do ar, em Bophal.
21
1986 – acidente nuclear, na Bielorrússia.

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I Parte

política e científico-técnica, fundamentada e atempada como exigência para evitar que se


rompa o equilíbrio natural dos sistemas de suporte da vida. Refira-se neste âmbito o caso do
impacto devastador e mortífero do tufão Katrina sobre a cidade Nova Orleães, em Setembro
de 2005. Certamente que, mais uma vez e com base num triste acontecimento, se
potenciará a inevitabilidade do respeito e do tratamento concertado, a nível mundial, dos
fenómenos ambientais e da problemática da sustentabilidade ambiental dos assentamentos
humanos. É como se, pelo menos no domínio do Ambiente, apenas funcionasse a
pedagogia da catástrofe, isto é: a tomada de medidas de preservação e conservação
ecológica e ambiental acelera-se à medida da ocorrência de tragédias de grande impacto
negativo sobre ambiente, com prejuízos importantes na população. Hoje parece no entanto
ser lição assente de que se deve evitar que o imprevisto estimule e conduza os propósitos
de melhoria de bem-estar nos países e comunidades.

A necessidade de um posicionamento preventivo, defendida pelos teóricos, parece começar


a permear a atitude, a pesquisa, modelos de trabalho e análise, acções de educação e
consciencialização públicas, garantindo-se que a articulação das diferentes dimensões dos
problemas que se enfrentam proporcione soluções mais completas e duráveis, ao mesmo
tempo que se aprofunda, nas diferentes especialidades, a compreensão dos fenómenos e os
processos de agir sobre eles, ao serviço do bem-estar de hoje e de amanhã. E para que os
valores da coerência e da continuidade caracterizem esta abordagem holística, elevando-as
as estratégias de inversão da degradação ecológica do planeta a um nível mais alto do que a
da mera actuação preventiva causal, é preciso que essas estratégias se fundem na
consciência cada vez mais nítida de que o “verdadeiro desastre ecológico tem a sua origem
e causa primeira na perda da identidade social e histórica das populações humanas; é sobre
esta realidade que se tem de operar”22.
1.3. Dimensões e princípios da sustentabilidade e do projecto sustentável

O tratamento da sustentabilidade envolve diversas valências ou subdomínios, que são


geralmente definidas como as suas diferentes ‘dimensões’. Para o tratamento integrado da
temática do desenvolvimento sustentável, no do caso de estudo em questão, temos como
relevante considerar as suas seguintes dimensões sem as quais as análises e o diagnóstico
visando propostas de intervenção duráveis podem não ser eficazes. São elas:

22
Racheli, Gin, Isole e Insularità futura, Paolo Sorba Editore, Sassari, 1996, pág. 14.

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• A dimensão económica, articulada com as temáticas da administração e gestão


públicas e os princípios da equidade e ética;

• A dimensão sociocultural que envolve a temática das tradições locais e a da


participação dos diferentes agentes;

• A dimensão ecológico-ambiental que determina em larga medida os modelos (e


condicionamentos) de uso dos recursos naturais, de planificação territorial e de
projecto/desenho/intervenções sobre o edificado.

Um modelo que integre de uma maneira mais expressa e completa os domínios do


desenvolvimento sustentável tem de considerar os subprocessos e dimensões que
cada um deles pressupõe e integrá-los de uma maneira coerente23.
Fig.4

23
Fabbri, Pompeo, a cura di, Paesaggio, pianificazione, sostenibilità, Alinea Editrice, Firenze, 2003, pág. 21.

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Mas a abordagem e as ênfases das dimensões do desenvolvimento sustentável não são


uniformes, mesmo no quadro do mesmo sistema de organizações das Nações Unidas.

Para a UNESCO um futuro sustentável requer um equilíbrio dinâmico entre quatro


dimensões e quatro princípios, nomeadamente: a dimensão ecológica, a dimensão social, a
dimensão económica e a dimensão política. Estas dimensões têm como elementos
correlacionados o princípio da ‘Paz e Equidade’, o princípio da ‘Conservação’, o princípio do
‘Desenvolvimento Apropriado’ e o princípio da ‘Democracia’24. Para a Unido a ênfase vai
para três dimensões do desenvolvimento sustentável, nomeadamente a ‘Dimensão
ambiental’, a ‘Dimensão económica’ e a ‘Dimensão Social’25.

Mas para R. Warren Flint e Mona J.E. Danner a importância da equidade social faz com que
ela seja mesmo considerada como um dos três pressupostos básicos de qualquer modelo de
desenvolvimento sustentável, a par da viabilidade económica e da integridade ecológica.26

“A equidade deriva do conceito de justiça social. Representa a convicção de que há


algumas coisas que todos devem ter, que há necessidades básicas que devem ser
satisfeitas, que os sacrifícios e recompensas não devem divergir demasiado numa
comunidade, e que a política deve ser direccionada com imparcialidade, equilíbrio e justiça
para tais fins”27.

O consumo é uma das áreas onde mais se manifesta a necessidade de consideração deste
princípio da equidade. A este propósito é elucidativo o relatório “State of the World 2004”, em
cujo artigo de abertura Gianfranco Bologna refere: “ o peso dos países ricos sobre os
recursos da terra e sobre as condições da parte pobre da humanidade é já insustentável,
quer seja do ponto de vista ambiental, quer seja do ponto de vista social e ético. Não
podemos deixar de reflectir muito seriamente sobre alguns dados deste State 2004, relativos
às comparações entre as despesas destinadas aos consumos supérfluos exigidos por pouco
mais de um sexto da humanidade. Diante de uma despesa estimada em 19 mil milhões de
dólares anuais como investimento adicional necessário para se alcançar o objectivo da
eliminação da fome e da malnutrição no mundo, ou dos 12 mil milhões de dólares para
assegurar a saúde reprodutiva a todas as mulheres ou, ainda, dos 10 mil milhões para se

24
http://portal.unesco.org/en/ev.php-URL_ID=4029&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html, 2002.
25
http://www.unido.org/doc/3563.
26
Flint, R. Warren e Danner, Mona J.E., op. cit., pág. 3(2), 2001.
27
Beder, Sharon, Costing the Earth: Equity, Sustainable Development and Environmental Economics, New
Zealand Journal of Environmental Law , 4, 2000, pp. 227-243. Tradução para português de Álvaro Carmo Vaz,
em http://www.uow.edu.au/arts/sts/sbeder/esd/equity.html

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O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

garantir água limpa a todos os habitantes do planeta (...), contrapõem-se dramaticamente os


18 mil milhões de dólares gastos anualmente pelos consumidores ricos em produtos de
beleza. De igual modo se contrapõem os 17 mil milhões de dólares gastos nos Estados
Unidos e na Europa para manter animais domésticos, os 15 mil milhões para comprar
perfumes, os 14 mil milhões de dólares gastos para realização de cruzeiros e os 11 mil
milhões destinados à compra de gelados... O mundo científico já recolheu uma quantidade
extraordinária de dados que demonstram não só quão extraordinariamente pesado é o
impacto, sobre o planeta, dos modelos de produção e de consumo das nossas sociedades,
mas também que o caminho pelo qual enveredámos deve ser modificado o mais
rapidamente possível e de modo decidido”28.

Do ponto de vista epistemológico, a sustentabilidade do desenvolvimento não se reduz


apenas a um enunciado de acções e a uma praxis mais ou menos baseada naquilo que
podemos afirmar como boas praticas, quase sempre tomadas de exemplos que raramente
são generalizáveis. Embora seja possível tornar mais durável a intervenção sectorial, deve-
se ter em conta que o desenvolvimento sustentável realiza-se globalmente através da
interacção empenhada e convergente de múltiplos elementos, entre os quais se destacam o
capital humano, a produção, a cultura e a liberdade de pensamento29.

No contexto específico do projecto são pertinentes as observações de José Forjaz ao discutir


os pressupostos da adopção de uma atitude pró-activa visando uma abordagem mais
sustentável e moralmente mais equilibrada da actividade de regulamentação e do exercício
profissional. “Os limites do conforto e os limites económicos no uso dos recursos podem ser
medidos regularmente. Foram-no, de facto, nas sociedades mais desenvolvidas, mas foram-
no sistematicamente regulamentados pela definição dos seus níveis mínimos aceitáveis”...
Mas o que parece cada vez mais urgente e necessário é a coragem de os regulamentar, e
limitar, pelos seus níveis máximos aceitáveis, ou pelo que se poderia chamar como ‘’os
limites morais’’ de uso de recursos que, quando excedidos, beneficiam, exclusivamente, a
finíssima camada dos membros mais privilegiados da sociedade.”30

28
Bologna, Gianfranco, Obiettivo: ridurre il nostro consumo, in State of the World 2004. Consumi. Rapporto
annuale del Worldwacth Institute, Edizione italiana a cura di Gianfranco Bologna, Edizioni Ambiente, Milano,
2004, pág.12.
29
Mazula, Brazão, Ética, Educação e Criação de Riqueza (uma reflexão epistemológica), Imprensa
Universitária, Maputo, 2005, pág.124.
30
Forjaz, José, Arquitectura, Ambiente e Sobrevivência, Edições FAPF, Universidade Eduardo Mondlane,
Maputo, 2005, pág. 31/32.

30
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

Numa óptica de aplicação pratica e considerando que um projecto humano e sustentável


(que, por definição, tem de extravasar o âmbito do puramente mecânico e tecnológico)
“inclui a noção de continuidade cultural, ou a sua criação, a necessidade de uma identidade
no contexto urbano, e o desenvolvimento de um sentido de cidadania com a criação do
sentido do lugar.” É assim que este mesmo autor preconiza que, para a maioria dos países
da África Austral, sustentabilidade implicaria,

(i) ao nível do planeamento urbano:

“− Integrar a maior parte das funções urbanas trazendo a necessária vitalidade ao tecido
urbano, a todas as horas do dia e da noite, assegurando a segurança sustentável e
minimizando as necessidades de transporte,

− Estimular as actividades produtivas complementares tais como a agricultura urbana e o


artesanato,

− Assegurar a criação e a manutenção de cinturas verdes para actividades produtivas e


como áreas de reserva de espaço para futura expansão e controle ambiental permanente,

− Criar uma cultura de ruas e acessos pedonais, e manter os estacionamentos periféricos ao


núcleo central da actividade urbana,

− Regulamentar as rotas de transportes públicos, as suas paragens a reciclagem e a mão de


obra, contribuindo para a fertilização da terra agrícola e dos parques criando mini-indústriais;

− Criar uma rede densa de pontos de distribuição de água potável,

− Criar e popularizar o uso de fogões solares para minimizar os problemas económicos,


sociais e ambientais que a maior parte da população sofre, em consequência da falta de
combustível a preços acessíveis,

− Promover e apoiar o uso de colectores solares para a produção de água quente,


minimizando o consumo de energia eléctrica e ajudando a equilibrar o orçamento familiar,

− Planear e estabelecer programas de plantio de árvores, ao longo das estradas e caminhos,


para sombra, oxigénio e purificação do ar, redução do ruído e estímulo ao orgulho cívico,
para um ambiente mais agradável e estético,

− Estabelecer, e controlar a manutenção, de imediato ou para uso futuro, de áreas para


localização de equipamentos sociais tais como escolas, hospitais, recintos desportivos,
edifícios religiosos, cemitérios, etc.,

31
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

− Autorizar e promover a construção de edifícios multifuncionais para actividades


compatíveis como o comércio, a administração ou escritórios, artesanato, e pequenas
indústrias não poluentes e habitação,

− Restringir a altura dos edifícios para facilitar a acessibilidade vertical, evitando o


superlotação, os problemas de transporte, as dificuldades de manutenção, os custos
operacionais, e a importação de equipamentos dispendiosos,

− Planear para a obtenção das melhores condições ambientais locais tendo em conta
considerações sobre os ventos dominantes, o curso do sol, a intensidade de chuvas e a sua
frequência, a humanidade, o ruído de indústrias adjacentes e sistemas de transporte, etc.,

− Dar nomes aos acessos e às ruas, e enumerar os edifícios e unidades residenciais,


facilitando a distribuição de serviços e percursos e contribuindo para o desenvolvimento do
sentido de cidadania entre os residentes,

− Criar sistemas de escoamento de águas pluviais e, se possível, da sua retenção, evitando


problemas de erosão e para apoiar o tratamento paisagístico,

− Criar as condições propícias ao estabelecimento de pontos de referência visuais, no


imediato, ou no futuro, naturais ou construídos que caracterizam e identifiquem cada bairro
como único e como força de coesão, para fortalecer os laços entre os residentes na sua
identificação como grupo,

− Organizar as actividades expontâneas, comerciais e outras iniciativas, e integrá-las num


programa abrangente de criação de emprego e promoção social,

− Listar os monumentos históricos e promover a criação e a construção de testemunhos


físicos do respeito pela memória social tangível,

− Promover o uso de energias alternativas e de fontes ‘’limpas’’,

− Promover e incentivar todos os meios de poupança de energia no sector público assim


como no privado”,

e, ao nível de projecto arquitectónico e da projectação dos edifícios implicaria:

“− A correcta orientação e a protecção das aberturas expostas à radiação directa do sol,

− A provisão de ventilação cruzada, por convecção, ou por outras formas e meios passivos,

− A protecção dos acessos contra as chuvas e o sol directo,

32
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

− Um modo fácil e eficaz de canalizar as águas das chuvas das coberturas, terraços e
varandas e o seu controle ao nível do solo,

− Usar padrões quantitativos que valorizem a economia da superfície construída,

− Integrar os edifícios com os seus espaços exteriores, que devem ser concebidos e
desenhados para maximizar o controle ambiental pelo paisagismo e outros meios passivos,

− Projectar os edifícios isolados como parte integral de um ambiente urbano contínuo e não
como objectos isolados que não contribuem para uma ordem e uma escala mais vasta,

− Incorporar na concepção e no projecto de todos os edifícios todos os sistemas de


poupança, tratamento e reciclagem de energia, águas, efluentes e lixo,

− Refinar o desenho da estrutura e dos acabamentos dos edifícios para alcançar a máxima
perfomance com um mínimo de materiais de alto custo energético,

− Considerar os acidentes do terreno, as árvores, os cursos de água, a paisagem e as vistas


como determinantes primários para o projecto dos edifícios e de outras estruturas a
construir,

− Respeitar a escala e os ritmos formais dos edifícios e estruturais existentes na inserção de


um novo edifício no contexto urbano existente”.31

A principal inferência conclusiva no tratamento integrado deste tema é, como já referido, que
qualquer acção com o objectivo da sustentabilidade exige sempre uma abordagem complexa
e integrada considerando as especifidades do terreno em que se desenvolve essa acção e
tendo sempre em conta que dificilmente haverá acções locais que se realizem sem impacto
no ambiente próximo, ou mesmo que não tenham uma quota-parte de impacto ao nível
global. O terreno que, neste contexto, nos interessa abordar é o das pequenas ilhas.

A UNESCO, através da CSI, estabeleceu como princípios de boa prática para os projectos
de desenvolvimento das regiões costeiras e pequenas ilhas, os seguintes32:

• Benefício de longo prazo: os benefícios da actividade/projecto deverão ser duráveis


e contribuir para a melhoria ambiental;

31
Forjaz, José, op. cit., pág. 69, 70 e 71.
32
UNESCO, CSI, Environnement et développement dans les régions côtières et les petites îles, Caracteristiques
des practiques eclairees - http://www.unesco.org/csi/wise/wip2f4.htm

33
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

• Desenvolvimento das capacidades e reforço institucional: a actividade traz uma


melhoria da capacidade de gestão e da educação das partes envolvidas assim como um
conhecimento e uma contribuição para a protecção do ambiente local costeiro/marinho;

• Sustentabilidade: a actividade adere ao princípio da durabilidade, duração durante a


qual os resultados se manterão e o desenvolvimento continuará mesmo depois do
projecto/programa terminar;

• Transferibilidade: aspectos da actividade que podem aplicar-se a outros lugares, no


interior e/ou no exterior do país;

• Construção de consensos: a actividade deve ser benéfica à maioria de grupos


empreendedores envolvidos, mantendo-se o espírito de que certos grupos menos
privilegiados possam ter necessidade de ser tratados como casos especiais;

• Processo de participação: a participação, com transparência, de todas as partes,


bem como a participação de indivíduos, é intrínseca ao processo;

• Processo efectivo e eficiente de comunicação: um processo de comunicação


multi-direccional fazendo intervir o diálogo, a consulta e a discussão é necessário para a
sensibilização;

• Respeito pela cultura: o processo valoriza os contextos locais tradicionais e culturais


verificando, no entanto, a sua validade do ponto de vista ambiental;

• Género e/ou assuntos sensíveis: o processo considera os numerosos aspectos


ligados à ‘sexo-especificidade’ e/ou a outras questões delicadas;

• Reforço de identidades locais: a actividade confere um sentido de pertença e


independência a diferentes níveis;

• Política nacional legal: a actividade é coerente com as actuais políticas


governamentais em matéria de ambiente, de economia, de direito e de sociedade;

• Dimensão regional: a actividade deverá reflectir as perspectivas: económica, social


e ambiental, regionais.

Um dos aspectos importantes da sustentabilidade do desenvolvimento é que ele não se


processe à margem do cultura e conhecimento locais.
Conhecimento local e indígena é um conceito que se refere a um corpo complexo e
cumulativo de conhecimentos, saber-fazer, práticas e representações que são mantidos e

34
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

desenvolvidos pelos povos com uma longa história de interacções com o ambiente. Estes
sistemas cognitivos fazem parte de um sistema que inclui também a língua, o apego ao
lugar, a espiritualidade e a concepção do mundo. Incluem-se nesta definição expressões
como: conhecimento tradicional local; conhecimento indígena; conhecimento local;
conhecimento das populações locais ou dos camponeses; etnobiologia, etnobotânica,
etnozoologia; ciência popular; ciência indígena33.

O saber local e indígena tem sido objecto de estudos, reflexão e recomendações, por
diversas agências das Nações Unidas, particularmente depois da reunião do Rio de 1992.

No Seminário informal de delegados e funcionários da UNESCO, de 8 de Novembro de


1999, sobre Sistemas de Conhecimento Indígena e Local no Desenvolvimento Sustentável34,
concluiu-se:

• Que o saber local caracteriza-se por (1) estar ligado a um lugar específico, cultura, ou
sociedade; (2) ter uma natureza dinâmica; (3) pertencer a grupos que vivem em estreito
contacto com os sistemas naturais; (4) contrastar com o conhecimento ‘moderno’ ou
conhecimento ‘formal científico do Ocidente’;

• Que é necessário proteger e desenvolver o conhecimento gerado e perpetuado pelas


comunidades locais através da consciencialização, da construção de entendimentos sobre
direitos internacionais de autoria, e de adequados processos de validação;

• Que o conhecimento indígena pode contribuir para melhorar o estabelecimento de


estratégias mais adequadas de desenvolvimento, de diversas formas, nomeadamente
através da identificação de mecanismos de custos mais eficientes e sustentáveis para o
alívio à pobreza e que sejam localmente geríreis e localmente significantes; através de uma
melhor compreensão da complexidade do desenvolvimento sustentável nas suas vertentes
de diversidade ecológica e social; e através da sua contribuição para identificar caminhos
inovadores de melhoria das condições das comunidades locais e seu ambiente;

• Que, apesar destas constatações, o conhecimento indígena continua a ser


largamente negligenciado na planificação do desenvolvimento, desempenhando apenas um
papel marginal na gestão da biodiversidade e da sociedade em geral;

33
http://portal.unesco.org/sc_nat/ev.php?URL_ID=2034&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.
34
http://www.unesco.org/most/ik8nov.htm.

35
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

• Que o conhecimento indígena está a ser perdido sob o impacto da modernização e


do actual processo de globalização.
Estes princípios foram sendo retomados em diversos fora especializados segundo ópticas
específicas, mas consonantes.
Mas é na Cimeira de 2002 sobre o Desenvolvimento Sustentável, em Joanesburgo, também
conhecida como Cimeira da Terra, que se reafirma universalmente a validade do respeito do
saber local estabelecendo-se, logo no parágrafo 25 da sua Declaração Política, o carácter
vital da participação dos povos indígenas no desenvolvimento sustentável. E o Plano de
implementação, então adoptado, reitera a importância do conhecimento local e indígena ou
tradicional, num largo espectro de preocupações, como por exemplo na erradicação da
pobreza, na mitigação de desastres naturais, na mudança climática, na agricultura, na
biodiversidade, na sua articulação com a ciência e tecnologia. Dentre estas referências
destaca-se, em termos gerais, a que define a necessidade de se promover a efectiva
participação das comunidades locais e indígenas nos processos de decisão e elaboração de
políticas, e tendo em conta o uso dos seu saber tradicional [44, l]. Especificamente no
tocante à realidade africana preconiza-se o respeito pelas tradições locais e o uso do
conhecimento indígena na gestão dos recursos naturais e no ecoturismo.

Ainda em 2002, em projecto transversal envolvendo todos os seus cinco programas num
esforço conjugado visando o conhecimento local e indígena, a UNESCO reconhece a
necessidade da revitalização da transmissão deste saber através do estreitamento dos laços
entre os idosos e a juventude e pela avaliação das oportunidades e limitações do quadro
educacional existente.

É evidente que a materialização de todo este esforço da comunidade internacional e


especialistas na defesa e valorização dos saberes locais deve ser preparado através da sua
uma análise e ponderação cuidadosas, de modo a que não se legitimem ou não se
encorajem práticas contrárias aos valores geralmente aceites como sendo de interesse para
a elevação contínua do bem-estar das comunidades ou que possam vir a ser um legado
lesivo do desenvolvimento das futuras gerações. Mas também a experiência mostra,
inclusivamente no caso de Moçambique, que a confrontação intempestiva com valores da
tradição levou a que os aparentes avanços momentâneos para a modernidade, em contexto
revolucionário conjuntural que acabou por ser interrompido, tiveram como um dos resultados
a reversão muito mais forte dos valores e práticas ancestrais que ficaram aparentemente

36
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

adormecidos. Não sendo escopo desta análise discutir o mérito ou demérito deste facto,
parece ficar claro que o universo diversificado do saber local tem uma força que é preciso
saber integrar como força de desenvolvimento. Isto torna-se ainda mais importante quando
se lida com situações de grande isolamento, como é o caso das pequenas ilhas.

2. Arquitectura Território e Ambiente


“As patologias ecológicas dos modos de vida contemporâneos manifestam-se de maneira
evidente nos processos de formação e transformação do habitat humano, e constituem a
causa primária dos desequilíbrios e da degradação ambiental a nível macro/médio/micro. A
resolução destes problemas exige um forte empenho e uma particular responsabilidade dos
técnicos, públicos ou privados, chamados a guiar, desenvolver e controlar esses processos.
Falamos do arquitecto, do engenheiro, dos técnicos sectoriais intermédios, mas também dos
especialistas portadores de saber e de competências operativas nos domínios sócio-
económicos e das ciências humanas e naturais. Cada vez mais, estes técnicos são
chamados a participar na estruturação e desenvolvimento de estratégias de base e acções
de projecto mais complexas”35.

Como a sua própria etimologia sugere, na sua abordagem mais comum e redutora, a palavra
arquitectura pressupõe à partida, uma intervenção humana sobre o domínio do natural, no
sentido de apôr ou acrescentar nele elementos cada vez mais elaborados e controlados de
modo a satisfazer a crescente exigência de conforto humano. A construção de um tecto que
seja mais seguro e proporcione maior bem-estar físico, que seja útil e que, para além disto,
preencha requisitos menos mensuráveis como os de carácter estético, psicológico e social
foi, e ainda é, um objectivo perseguido desde os primórdios da história da civilização. Mas
arquitectura no seu sentido inicial é mais do que isso. Do ponto de vista etimológico o termo
arquitectura parece resultar da união de duas palavras gregas: arch e tecton. A primeira
exprime, na língua originária, o significado de empreendimento, fundamento ou guia,
enquanto a segunda apresenta vários significados entre os quais a actividade de inventar,
criar, plasmar, construir. A união das duas palavras significaria então a racionalização e a
regulamentação da actividade criativa de construir qualquer coisa. E qualquer arquitecto
ocidental que se preze não pode deixar de ter como referência estes princípios tão bem
sintetizados e desenvolvidos por Vitruvius há dois milénios. Mas o que estava em causa até

35
Dierna, Salvatore, op. cit., ponto 4.

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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

há relativamente pouco tempo era o espaço em si, que se fabricava para se viver melhor, ou
seja, o mecanismo ou edificação que era preciso erigir, que valia por si só e, quando muito,
se relacionava com outros edifícios que, ao se agregarem de determinada forma e sob
certas condições, deram origem às cidades. A relação e busca de bem-estar individual ou de
grupo, cuja escala se ampliou até à dimensão do país ou do agrupamento de países, passou
a considerar a importância da atmosfera e da litosfera, do ar, da água, do solo, da fauna e da
flora, de início conceptualmente estranhos ao acto de projectar (tendo-se na mira, em última
análise, o interior edificado), apenas quando o frenesim de aposições artificiais sobre a
natureza e a transformação desta levou ao estabelecimento de um efeito de boomerang,
passando os elementos da natureza a actuar, nalguns casos, como elementos de
desconforto e de preocupação, quer pelo seu consumo excessivo que os tornou escassos,
quer pelo inquinamento que os tornou perigosos em certas circunstâncias.

Até recentemente a noção de ambiente, era aplicada no seu sentido restrito. Em arquitectura
ainda se utilizava (e nalguns casos ainda se utiliza) a expressão “controle ambiental” para
designar o conjunto de processos que permitem modelar a qualidade da prestação dos
espaços de acordo com as suas finalidades específicas. Trata-se de modelar elementos
como a luz, a temperatura, a velocidade do ar, o som, a humidade relativa… Era ‘ambiente
dentro’, era arquitectura como continente de um específico ‘ambiente’. E não arquitectura e
edificação como elemento de ambiente.

2.1. A arquitectura e a consciência ecológica e dos fenómenos ambientais.


O impacto negativo da actividade humana, cujo agravamento se acelerara a partir da
revolução industrial, começa a construir corpo teórico operativo e sistemático de diagnóstico
e terapias, e a exigir uma prática nova e específica no planeamento do território e na
arquitectura. Impulsionados pelos avanços da ecologia atingidos a partir dos meados do séc.
XX, é nos anos 90 que as elaborações científicas e filosóficas, aprofundando os problemas
da acção antrópica, atingem uma relevância e uma pertinência global. Assim se afirma a
urgência da necessidade de intervenção, a urgência do salto filosófico e tecnológico de
mudança de objectivos, que acabam por direccionar a ênfase do planeamento do território e
da projectação arquitectónica para a protecção da natureza, para a conservação dos
ecossistemas, para a preservação dos processos vitais, para a eco-compatibilidade e eco-
eficiência. O Ambiente estabelece-se entretanto como corpo autónomo de conhecimento,
definindo-se como “ (1) as circunstâncias ou as condições que condicionam um organismo

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Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

ou um grupo de organismos, (2) o conjunto das condições sociais ou culturais que


influenciam um indivíduo ou uma comunidade. E na medida em que os homens habitam
tanto no mundo natural, como no construído ou tecnológico, social e cultural, cada coisa
constitui uma parte importante do nosso ambiente”36.

Timidamente a arquitectura, com a qual nos munimos de capacidade de criar espaços e


artificializar o território a ponto de as suas realizações contraporem artifício e natureza,
confundindo-os até como em cidades totalmente artificiais como Nova Iorque37, começa a ter
como uma das principais finalidades agir sobre o território de modo a parecer que “não” se
agiu sobre ele ou, quando muito, se serviu dele para o melhorar, requalificando-o.

O verbo latino “ambire” que é a alma inicial do moderno termo ambiente ganha o seu
verdadeiro significado obrigando a que se estabeleça a necessária relação de
complementaridade mais sustentada entre o ambiente construído e o ambiente natural que o
contém e que se quer que seja mutuamente enriquecedora. Olhar para o que circunda o
edificado, definir os impactos deste sobre o ambiente natural pré existente e sobre o
equilíbrio dos ecossistemas, estabelecer as opções mais compatíveis, tornou-se hoje um
domínio científico e técnico que as escolas, as leis e a administração pública, as
organizações cívicas e as comunidades, as empresas e os indivíduos, os países e o
concerto das nações trouxeram para a sua esfera de preocupações. A dimensão global
desta exigência é fruto da consciência, cimentada e mediatizada, em 1987, pelo Relatório da
Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento dirigida pela Sra. Brundtland, de que
a terra é finita, devendo-se agir para que não se ponha definitivamente em risco a sua
capacidade de continuar a acolher a humanidade no futuro, com a mesma margem de
manobra para o seu bem-estar; e a dimensão local resulta da consciência, sublinhada na
Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, em 1992 no Rio de
Janeiro, de que o equilíbrio global do ambiente e a durabilidade do desenvolvimento é
indissociável do equilíbrio das partes que neles interagem. Mas a arquitectura e o
planeamento do território são apenas um dos múltiplos e entrelaçados domínios que
integram a problemática ambiental.

Muitos problemas e dilemas ambientais terão de ser explorados e muitos caminhos terão de
ser abertos para superá-los. E para que as abordagens tenham êxito deverão guiar-se por

36
Cunningham, William P., Cunningham, Mary Ann, SAIGO, Barbara Woodworth, op. cit., pág. 21.
37
Gillo Dorfles, 1992.

39
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I Parte

uma visão holística. Entre os problemas mais gerais encontram-se a dicotomia entre o Norte
e o Sul; a situação de disparidade de desenvolvimento no mundo; a desigualdade do bem-
estar em que 86% do consumo privado se deve apenas a 20% da população dos países
mais ricos38; a diminuição da biodiversidade; a origem, a dimensão e o assumir de
responsabilidades, bem como o lançamento de estratégias de combate e mitigação dos
efeitos ligados à emissão de gases nocivos para a atmosfera; a desflorestação e a
desertificação; o empobrecimento dos solos; o esgotamento previsível de muitos dos
recursos naturais; a emissão e o tratamento dos dejectos inquinantes; o desafio do consumo
energético e do desenvolvimento de fontes alternativas de produção de energia; as políticas
unicamente viradas para o crescimento económico…

Só uma acção concertada e global permitirá enfrentar a degradação ambiental


ultrapassando-se definitivamente a situação definida em 1972 pelo Clube de Roma, em que,
mesmo “[...] com a nossas imensas possibilidades científicas e tecnológicas para melhorar a
condição humana [...]" permanecemos ainda "[...] ricos em conhecimentos mas pobres em
sabedoria"39.

Nos tempos que correm, para além dos novos conhecimentos no âmbito da teoria -
adquiridos através da investigação e da consciencialização crescente criada pela interacção
entre as Academias, as organizações internacionais em que sobressaem as do sistema das
Nações Unidas, organizações de direito privado, investigadores e personalidades agindo
muitas vezes a título pessoal, fundações e outros -, grandes avanços têm sido feitos no
estudo e estabelecimento de processos e tecnologias para diminuir e prevenir os impactos
negativos da actividade humana sobre o ambiente e sobre os ecossistemas. Em muitos
domínios do conhecimento passou-se já para a esfera da aplicação do saber. O empirismo
vai cedendo lugar à busca de soluções testadas e fundamentadas cientificamente. E o
pragmatismo calculado impõe-se porque o tempo urge. É este o sentido da abordagem
preventiva - “precautionary approach” – defendida no Princípio 15 da Declaração do Rio
sobre Ambiente e Desenvolvimento: “ Onde existam ameaças de danos sérios ou

38
Ching, Lim Li, Sustainability for Whom?, em Science in Society,No 15 Summer 2002, Edited by The Institute
of Science in Society, London - http://www.i-sis.org.uk/isisnews/SIS15web.php.
39
Novartis Foundation for Sustainable Development (NFSD), 2003, Sustainable Development: A Common
Challenge for North and South, Site URL: www.novartisfoundation.com
http://www.novartisfoundation.com/en/articles/development/sustainable_development_a_common_challenge.ht
m#30

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ARQUITECTURA E AMBIENTE:
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I Parte

irreversíveis, a falta de completa certeza científica não deverá ser usada como razão para o
adiamento de medidas viáveis – “cost-effective measures” – para prevenir a degradação
ambiental. Novos enfoques começam a caracterizar a arquitectura. Este despertar sectorial
das responsabilidades da arquitectura no concerto das disciplinas com grande impacto sobre
o ambiente não é certamente alheio ao facto de a arquitectura estar intimamente ligada a
uma esfera da actividade humana − a construção − na qual se verificam os maiores índices,
quer no que respeita ao inquinamento da atmosfera, quer no que respeita às lesões por ela
provocadas no território, com efeitos muito nocivos não só no imediato como a longo prazo.
Paradoxalmente talvez seja a sua própria vocação primária de transformadora da paisagem,
a par com essa íntima relação culpabilizante (cada vez mais consciencializada) com a
indústria dos materiais de construção, o que por um lado provoca, no seu âmbito, a
resistência à mudança na actividade profissional (muitas vezes como efeito de tambor das
exigências dos clientes) e, simetricamente por outro lado, o surgimento de atitudes militantes
de crítica apocalíptica quanto aos impactos da prática que não considera todas as
dimensões conhecidas de sustentabilidade do projecto de arquitectura e planeamento
territorial, mesmo quando elas não sejam suficientemente provadas experimentalmente.
Daqui eventualmente resultam nos projectistas, respectivamente, a indiferença na
reconversão da atitude passiva ou conservadora em relação à mudança do enfoque
tradicional da actividade de projectação, e o surgimento frenético de novas receitas e
correntes para enfrentar os desafios actuais da sua acção sobre o território e a paisagem.

2.2. Novos enfoques na arquitectura.


A arquitectura não pode estar alheia ao actual complexo de ameaças globais com impacto
directo e indirecto nas realidades e preocupações locais. Como outros domínios do
conhecimento e com eles, ela é chamada a contribuir, no seu âmbito, com a abertura de
novas opções e propostas de trabalho promovendo uma interacção criativa com o ambiente,
a qual, não sendo espartilhante, permita a minimização e eliminação gradual dos danos
ambientais de que também ela própria é e foi vítima particularmente durante as mais de duas
centenas de anos precedentes.

Na realidade, e como nos diz Salvatore Dierna, o objectivo de fazer uma Arquitectura e uma
Cidade eco-sustentáveis obriga a que se proceda a uma revisão radical dos princípios que
informam o processo comum e consolidado de planificação e projectação. É preciso rever os
princípios éticos, os métodos científicos e instrumentação técnica já consolidada, as

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
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I Parte

metodologias adoptadas na planificação territorial, na urbanística e na programação e


realização das intervenções na área da construção para modificar a concepção do plano e
do projecto. Tal mudança radical deverá inserir-se na lógica contemporânea do “pensar
global agindo-se localmente”, lógica esta que é própria do pensamento ecológico, na busca
de uma relação equilibrada e adequada entre a cultura de habitar e a disponibilidade e
economia de recursos, uma relação virtuosa que evite regressões vernaculares e ênfases
modernistas40.

Na sua interacção com o ambiente a obra arquitectónica não se ilumina apenas com os
rasgos das vedetas da profissão. É sobretudo na multidisciplinaridade e na interdependência
dos domínios de intervenção que a eficácia e a eficiência se obtêm. Isto não nega a
criatividade e a genialidade, mas a abordagem aos desafios ambientais postos à arquitectura
já não se satisfaz apenas com as luzes da ribalta dos modismos formais. Necessita-se de
perseverança, de inovação na busca de integração com outras ciências, de maior ênfase na
valorização dos impactos, nem sempre imediatos, da obra sobre o bem-estar colectivo.

A adjectivação ‘bioclimática’, ‘natural’, ‘ecológica’, ‘sustentável’, ‘eco-sustentável’, ‘biológica’,


‘low-tech’ e ‘high-tech’, com as quais hoje frequentemente se qualifica a arquitectura, cada
vez mais se insinua no dia-a-dia das nossas vidas e o moldam. E neste contexto a
arquitectura envolve-se a dois níveis de acção principais: o das novas construções e o da
requalificação do património existente41.

É verdade que os projectos de intervenção sobre o território quer tenham como objectivo
elementos a edificar ou o ordenamento territorial, são sempre documentos ou intenções
propositivas. São manifestações de vontade que cristalizam ideias, reduzindo-se assim toda
a teoria e a argumentação que as suportam a formas, a imagens, a prefigurações do
ambiente e da paisagem. Resulta isto da própria sina redutora do acto de transformar o
projecto em coisa construída ou em território reorganizado. Mas a vida que lhes dará
conteúdo é informada por mais elementos, muitos dos quais não é possível prever porque,
entre outros aspectos, as circunstâncias que os definem podem, em cada momento do seu
uso, não se verificar ou verificar-se de modo diverso. Não serve isto para se justificar
qualquer atitude paralisante, inconsciente ou menos informada dos projectistas. Serve
apenas para colocar a ideia de que, antes de tudo, estes devem ser técnicos competentes e

40
Dierna, Salvatore, Obra citada, ponto 1.
41
Montruccoli, Simona, Approccio all'architettura naturale - http://www.larici.it/ - info@larici.it, 2004.

42
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

preocupados com o devir colectivo, sem o que a sua simultânea qualidade de artistas, de
produtores de beleza e conforto psicológico, não irá muito para além da habilidade de
criação de ícones cujos princípios de sustentação serão dificilmente objectiváveis.
Afirmando-se esta dimensão estética do acto de projectar, torna-se, no entanto, necessário
informá-lo de critérios mais objectivos de utilidade colectiva, no sentido de se conferir maior
sustentabilidade ao objecto que dele resultará.

Os pressupostos comuns de uma dimensão projectual no território, no quadro de um


processo de transformação ecológica remetem-nos, segundo Raffaelle Paloscia, a quatro
momentos essenciais:

1. O equilíbrio ambiental, que se traduz numa particular atenção e sensibilidade posta


na observação cuidada do ambiente natural, da sua complexidade biológica e do seu
equilíbrio evolutivo;

2. A entidade do lugar, o que significa a consideração do modo de habitar, de construir,


de produzir, do estilo de vida, da cultura de trabalho, dos “saberes ambientais”, que são
depositários de metodologias e técnicas de intervenção no território;

3. Dimensão local da acção, que se expresse na produção de riqueza e qualidade de


vida referidos coerentemente a cada cultura, a cada tipo diferente de relação entre
comunidade e ambiente, valorizando-se os recursos locais, sejam eles humanos, físicos e
ambientais;

4. A participação, através da qual se estabelece uma motivação constante da


comunidade nas diferentes fases do projecto, configurando-o como projecto socialmente
produzido, no qual os técnicos garantem a aplicação de conhecimentos profissionais
específicos conducentes a intervenções eficazes e ecologicamente apropriadas e evitando a
tentação de uso de modelos preconcebidos42.
Note-se que a afirmação destes momentos não significa o encerramento do processo
projectual numa dimensão exclusivamente local. A dimensão externa é sempre necessária,
não devendo no entanto ser enfatizado o carácter exógeno a ponto de apagar referências e
desvalorizar as aquisições locais ao longo do tempo e que, de algum modo, constituam
elementos identitários significativos das gentes e dos lugares. A este propósito é pertinente

42
Paloscia, Raffaelle, L’approccio territorialista alla progettazione ecologica, em Palloscia, Raffaele e
AnceschI, Daniela (a cura di), Territorio, ambiente e progetto nei paesi in via di sviluppo, Franco Angeli, Milano,
1996, pág. 27-28.

43
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

referir que o papel do projecto ecologicamente consciente não é menos completo e orgânico
na sua profundidade e na qualidade das suas operações, mesmo se considerados no
contexto do papel e dos procedimentos tradicionalmente implícitos à acção de projectar43.

Do ponto de vista metodológico Pizziolo nota que se está a caminho da passagem do


projecto ecológico à ecologia do projecto através de estágios e ciclos de trabalho, assumindo
a função de ‘prefiguração’ e permitindo que realize melhor o seu papel de simulação com
capacidade de interacção com a comunidade. Este modelo enfatizaria o carácter iterativo do
processo de elaboração projectual. É a legitimação da crítica e da aceitação de cada ciclo do
projecto que permite a passagem para o ciclo seguinte, até à sua finalização como proposta
definitiva44. Nos países em vias de desenvolvimento, em particular, é necessária uma
dimensão projectual nova, mais atenta aos processos num circuito projectual não linear, que
contemple uma abordagem geral que não lhes seja específica, e uma fase de procedimentos
e actuação diferenciada contemplando as suas particularidades. A prática tradicional que
funda o projecto de construção numa lógica mono funcional e de separação em relação às
políticas infra-estruturais e de rede não é adequada45.

O projecto sustentável implica, por exemplo, que a conservação de energia não se confina
apenas a projectos individuais, mas deve ser orientada através de um plano de gestão de
recursos, cuidadosamente coordenado tanto no nível municipal como no nível regional46. O
mesmo se exige em relação à necessidade de adequação tecnológica para a solução
sustentável das funções de controlo micro ambiental de varáveis físicas como a temperatura,
a humidade, a circulação do ar. Ademais em territórios confinados como no das pequenas
ilhas, é fundamental que se adoptem soluções integradas e sinergéticamente articuladas em
relação ao abastecimento e evacuação de águas, bem como à colecta e tratamento de
dejectos domésticos e lixos.

43
Pizziolo, Giorgio, Il progetto e la sua dimensione ecológica: insegnamenti da un’esperienza in Algeria, em
Palloscia, Raffaele e Anceschi, Daniela (a cura di), op. cit., pág. 52.
44
Pizziolo, Giorgio, Il progetto ecollogico nei paesi in via di sviluppo, em Trevisol, Erich Roberto (a cura di),
L’Ambiente visto dal territorio. La pianificazione ambientale autosostenibile per i Paesi in via di sviluppo,
L’armattan Italia, Torino, 1995, pág. 182-183.
45
Trevisol, Erich Roberto, Un schema logico per la pianificazione ambientale nei PVS, em Trevisol, Erich
Roberto (a cura di), op. cit. pág. 13.
46
Clark, Kenneth N., Sustainable community planning, em
Desert Architecture III: Building a Sustainable Future, Arilands Newsletter, No. 36, Fall/Winter, 1994 -
http://ag.arizona.edu/OALS/ALN/aln36/Clark.html.

44
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

Em termos mais gerais e com referência ao contexto regional consideramos de grande


relevância registar o desafio lançado por Salvatore Dierna aos projectistas da África Austral
ao propor um conjunto de dez pontos que, sendo informados pelas temáticas e questões
importantes da actualidade e pela experiência e contribuições teóricas de profissionais
amplamente reconhecidos, podem contribuir para construção de uma atitude de projectação
arquitectónica e ambiental mais adequada ao presente e menos lesiva no futuro e que,
eventualmente, poderiam configurar atitudes e princípios a plasmar, naquilo que poderia ser
uma Carta para a Arquitectura da África Austral. São eles:
1. Emprego consciente dos recursos naturais segundo os princípios de
responsabilidade e de competência científica e técnica.

2. Consideração do Arquitecto como intérprete do contexto e dos valores do património


cultural e ambiental, “medium” entre passado e futuro.

3. Participação como meio para se reconhecer no espaço: o “construtor anónimo” e o


processo produzido pela arquitectura e pelas cidades na busca da identidade.

4. Desenvolvimento consciente e inseminação dos conhecimentos científicos e


tecnológicos para formular e activar propósitos de bom governo e de bem-estar social.

5. Flexibilidade da abordagem projectual, nos modos de actuação e de uso de modo a


garantir a satisfação das exigências da arquitectura.

6. Equilíbrio entre espaços abertos e construídos, entre exigências comunitárias e


individuais, princípios éticos para o desenvolvimento de paisagem natural e antrópica.

7. Arquitectura como exigência basilar de bem-estar físico e emotivo do Homem na


organização físico-espacial do seu habitat.

8. Restauração, saneamento e valorização das Arquitecturas e do ambiente da “cidade


formal” e dos processos de consolidação e reconversão da “cidade informal” .

9. Análise e avaliação dos equilíbrios/desequilíbrios ecológico-ambientais do contexto


em função de um desenvolvimento sócio-económico correcto.

10. Modelos de vida local como incubadoras do sentido de comunidade, e também como
métodos e prática sustentável para a produção de rendimento. 47

47
Dierna, Salvatore, A Questão Ambiental: princípios e praticas para uma Arquitectura e uma Cidade
sustentável no Sul o mundo, in FORJAZ, José, Arquitectura, Ambiente e Sobrevivência, Edições FAPF,
Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 2005, pág. 17.

45
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I Parte

Com o objectivo da transformação eco-compatível da paisagem, este decálogo de princípios


chama a atenção para uma actuação consciente, competente, participada e flexível que,
resolvendo correctamente as exigências de conforto físico e psicológico (emotivo e estético)
considera, de uma forma tão completa quanto possível, o modo de habitar e a sua
representação física no território.

2.3. Recursos locais, sol, vento e tratamento adequado dos dejectos como factores
relevantes de sustentabilidade.
Num contexto de carência acentuada de meios financeiros, tecnológicos e de gestão, a par
de desafios e perigos dos impactos da acção humana em ambientes e sistemas ecológicos
delicados, parece óbvia a consideração das potencialidades locais ao mesmo tempo que se
potencia a utilização de conhecimentos e técnicas avançadas que minimizem esses
impactos. Tal atitude afigura-se mais premente sobretudo quando se está em presença de
uma viragem ou reorientação da base económica de um determinado local ou região, como
acontece com o caso de estudo deste trabalho. É aqui que se põe a necessidade de
maximização criteriosa dos recursos disponíveis utilizados de uma forma ‘limpa’ e sem
danos no presente e no futuro das comunidades e do território.

O objectivo reiteradamente afirmado nos nossos tempos é o de se Projectar com respeito


pelo ambiente e ecossistemas com base numa concepção de edificações salubres para os
seus utentes e que cumpram o princípio da minimização dos impactos negativos sobre o
ambiente e os ecossistemas. Mas os materiais e as técnicas usadas no séc. XX estiveram
quase sempre em contradição com este princípio.

Qualquer que seja a aproximação projectual num contexto de eco-compatibilidade, a


adopção de metodologias adequadas de avaliação prévia dos riscos é um factor fundamental
para o alcance dos objectivos. Reveste-se de uma grande importância para tal o recurso a
modelos de trabalho, as check lists e matrizes apropriadas que permitam conhecer as
causas, a frequência e tipos de acções e que permitam a definição de comportamentos de
risco a corrigir e mitigar. Uma contribuição valiosa sobre este tema pode também ser
encontrada, entre outras, em Erich R. Trevisol48. Através desta abordagem metodológica
podem-se identificar os factores causais antrópicos e estabelecer, bem como definir, as

48
Trevisol, Erich R., Riqualificazione di insediamenti spontanei a Cartagena das Indias, Colombia, em
Palloscia, Raffaele e Anceschi, Daniela (a cura di), Territorio, ambiente e progetto nei paesi in via di sviluppo,
Franco Angeli, Milano, 1996, pág. 158-160.

46
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

opções tecnológicas para solucionar problemas de base nos quais assenta o objectivo
primordial de sustentabilidade dos projectos. É neste quadro e tendo em atenção o caso de
estudo, que se estabeleceu a imprescindibilidade de tratar prioritariamente a problemática da
utilização dos recursos locais, das viabilidades energéticas e da questão do saneamento,
particularmente importantes em regiões que, por serem isoladas e funcionarem como
sistemas relativamente fechados, exigem abordagens específicas que contribuam para
garantir um mais elevado grau de sustentabilidade ao objectivo de elevação do bem-estar
das comunidades envolvidas e uma maior abertura de opções de desenvolvimento no
presente e no futuro.

Do ponto de vista prático, o alcance de standards adequados de sustentabilidade do


desenho obter-se-ia através da prossecução dos seguintes objectivos gerais:

• Utilizar principalmente recursos (incluindo os materiais de construção) disponíveis em


grande quantidade na região ou no local de construção, de preferência que não exijam
refinação, não sejam prejudiciais à saúde, e que não resultem em processos de emissões
prejudiciais para a atmosfera e que necessitem de um limitado processo de transformação,
reduzindo-se assim os desperdícios de energia;

• Garantir a flexibilidade de uso dos edifícios na perspectiva de possíveis alterações;

• Buscar um sistema eficiente de poupança de energia tendo em conta o clima local e


o uso de inovações tecnológicas na produção de energia e na utilização de processos
naturais de elevação dos níveis de conforto físico;

• Garantir a durabilidade adequada da construção;

• Utilizar materiais que possam ser reciclados e reutilizados uma vez demolido o
edifício;

• Buscar a integração e estímulo estético na proposta de desenho da(s) estrutura(s) do


edificado, no quadro da prossecução do objectivo geral de conforto físico e psicológico49;

É evidente que este sintético ‘para-modelo’ de actuação não totaliza a estratégia adequada
de projecto em qualquer situação. No caso de estudo que nos ocupará, outros elementos
estruturantes do bem-estar comum deverão estar entre as prioridades de tratamento através
do diagnóstico, análise e definição de soluções eco-compatíveis viavelmente estabelecidas.
É o caso da produção de água potável e da definição de opções sustentadas de
saneamento.

47
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

Afloramos, no ponto anterior, os conflitos entre a indústria de materiais de construção e o


ambiente. De facto a produção de materiais de construção tem impacto directo no ambiente
natural e nos ecossistemas do planeta. Esta actividade provoca a perda substancial dos
solos e da terra arável, a destruição das florestas e das terras silvestres, a poluição do ar
através de emissões de poeiras, fibras, partículas, gases tóxicos, nitrogénio e sulfuretos49.
Neste âmbito, e em termos sumários, a produção de materiais de construção provoca a
poluição global da atmosfera de duas maneiras: através do uso e emissão de
clorofluorcarbonetos nos edifícios construídos, levando à depleção das camadas de ozono, e
através da emissão de dióxido de carbono e de outros gases com efeito de estufa. Para além
destes impactos negativos a produção de materiais de construção é um grande consumidor
de minerais e de fontes de energia não renovável. O mais preocupante é que esta
problemática não é exclusiva dos países desenvolvidos, nem se confina ao sector moderno
de produção. Ela afecta também os países de menores rendimentos, bem como a produção
tradicional/artesanal quando a sua pressão e escala introduz irreversíveis alterações na
conservação dos recursos. A reversão deste processo destruidor Incluiria:

a) A apropriada selecção e substituição de materiais de construção;


b) Uma planificação mais cuidadosa do uso do solo, tanto no que respeita à localização
de novos empreendimentos como na extracção de matérias primas;

c) A reciclagem e reutilização dos resíduos tanto da própria indústria de construção


como de outras indústrias e da agricultura;

d) A adopção de novas tecnologias de eficiência energética, baixo nível de poluição, e


conservação dos materiais;

e) A adopção opções e formas de construção que reduzam o consumo interno de


energia.

A experiência e normas que já existem nestes domínios indicam que esta mudança geral
para praticas mais consentâneas com os objectivos ambientais carece menos de
conhecimentos do que de apropriadas políticas de direcção ou de regulamentação

49
No Habitat Debate, vol. 5 No. 2, e citando Dimson, B., Baris Der-Petrossian refere que “só a indústria de
construção consome cerca de 40% da energia mundial, cerca de 25% da madeira das florestas e 16% da água
doce do planeta” − http://www.unhabitat.org/HD/hdv5n2/intro.htm.

48
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I Parte

governamental apropriada. Os interesses comerciais são outro importante factor de


resistência contra o uso de boas práticas de construção e de produção de materiais.50

Mas as percepções de modernidade, conforto e desenvolvimento geradas pelo impacto das


cidades modernas, em particular sobre as elites dos países em desenvolvimento,
nomeadamente em Moçambique, podem também ser um factor de menosprezo e
desqualificação de experiências de uso contido, calculado e em escala adequada de
técnicas e materiais (com menor consumo de energia na produção e uso) alternativos ao
aparelho de ar condicionado, ao cimento, ao ferro, ao PVC, nesses mesmos países, bem
como a abertura de caminhos de projectação e de pesquisa que viabilizem a utilização de
novas opções, materiais e técnicas apropriadas, mesmo que isso possa à primeira vista
parecer um salto desnecessário no desconhecido. A investigação como fonte de projecção
de melhor futuro ainda não está munida da convicção, exigência, recursos de conhecimento
e financeiros para se abrirem outros caminhos de construir menos danosos ao ambiente e,
pior do que isso, ainda não está alimentada da consciência e da pressão para a busca de
saltos mais ousados de imaginação. Para além da fundamental falta de meios de todo o tipo,
a solução de necessidades básicas de alimentação está ainda no centro das políticas e dos
programas, diminuindo a ênfase do carácter decisivo da experimentação extensiva apoiada
nas problemáticas da sustentabilidade do projecto e da construção como elemento
importante de um desenvolvimento durável.

De uma maneira geral o uso e preservação dos recursos disponíveis exige a adopção de
tecnologias sustentáveis, as quais têm sido alvo de estudos e experimentação, não apenas a
nível público como também a nível privado. Neste âmbito três importantes domínios se têm
perfilado como prioritários para promover a melhoria sustentada das condições de vida,
particularmente em países ou áreas de fraco desenvolvimento. Trata-se:

1. Da produção renovável de energia térmica, calorífera e de iluminação com recurso a


técnicas de decomposição anaeróbia, de combustão de biomassa, de aproveitamento da
energia eólica;

2. Da utilização de tecnologias sustentáveis de aprovisionamento de água, de modo a


garantir-se a adopção de sistemas seguros e duráveis de colecta, armazenamento e

50
United Nations Centre for Human Settlements (Habitat), Report of the workshop on the network of african
countries on local building materials and technologies. 6-8 September1993, Habitat, Nairobi, 1994: capítulo IV.
Conflicts between the building-materials industry and the environment, págs.88 a 90.

49
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disponibilização de água para diversos fins, com origem quer nas chuvas, quer nas reservas
subterrâneas, quer ainda no recurso à dessalinização da água do mar;

3. Da recolha, deposição/eliminação, tratamento/reutilização e gestão dos lixos e


dejectos.

3. As pequenas ilhas, campo específico de intervenção e de pesquisa.


“Nenhuma terra foi cantada com tão alta veia poética, de mistério e de fantástico quanto as
ilhas, e os cantos levados em cada tempo e para cada ponto do globo terrestre, para cada
estirpe humana, narrando-se tais maravilhas e experiências tão universalmente, que se
induziu a hipótese de que a insularidade fosse quase uma categoria da consciência humana,
uma etapa obrigatória para certos momentos fundamentais da consciência... I limiti
dell’insularitá furono condizione di sviluppi stellari del divenire dell’uomo”51.

As pequenas ilhas consistem em relações de retro alimentação, ciclos e processos onde a


relação de causa e efeito tem uma importância especial na gestão das intervenções, e os
seus subsistemas ambientais, que estão sempre em interacção recíproca, podem ter usos
múltiplos. Deste facto, mas não só, resulta a importância das considerações de
sustentabilidade para se evitarem conflitos entre os vários utilizadores e garantir-se a
protecção ambiental a longo prazo. A manutenção e o desenvolvimento das infra-estruturas
físicas e sociais implicam inevitavelmente o uso dos recursos existentes. Este uso produz
sempre um impacto sobre o ambiente, o qual é determinado pelo tipo de comportamento e
acções humanas. A imprevisibilidade é um traço importante que caracteriza as
transformações ambientais nas pequenas ilhas, nomeadamente devido ao elevado grau de
mobilidade dos organismos biológicos. À medida que a densidade da actividade económica
costeira aumenta, maior é a necessidade de uma gestão sustentável com vista à adequação
da acção humana às exigências de um maneio correcto dos processos naturais52.

A história humana recente contém exemplos de ilhas inteiras que se tornaram inabitáveis por
destruição ambiental devida a causas externas. ... O desenvolvimento insustentável ameaça
não apenas a vida dos ilhéus mas também as próprias ilhas e a cultura de que elas são o
suporte. A mudança climática, a variabilidade climática e a elevação do nível do mar são

51
Racheli, Gin, op. cit. pág. 11.
52
Planning for sustainable tourism development / Karelia - Finland and Russia, 1999 -
http://www.csiwisepractices.org/?read=100

50
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I Parte

questões de grave preocupação. Similarmente, os recursos biológicos dos quais dependem


as ilhas são ameaçados pela exploração em larga escala dos recursos vivos terrestres e
marinhos. Devido à pequena dimensão, ao isolamento e fragilidade dos ecossistemas
insulares, a sua reconhecida diversidade biológica é a mais ameaçada do mundo. Isto requer
que, na senda do desenvolvimento, se preste especial atenção à protecção do ambiente e
bem-estar da população. Mas também é necessária uma gestão integrada dos recursos53.

3.1. A solidariedade na organização e partilha de preocupações e saberes.


Muitas são as organizações e iniciativas que estão interligadas e se referem às pequenas
ilhas. Elas manifestam-se tanto ao nível nacional como ao nível regional e internacional,
possuindo um carácter institucional público ou mesmo privado. Em todos os Oceanos e
continentes, Estados insulares e grupos de ilhas têm-se organizado numa corrente de
solidariedade sem precedentes.

Criam-se e multiplicam-se novos tipos de parceria (institucionais, económicos, legais,


culturais, de pesquisa, de troca de experiências e saberes, de busca de identidades comuns
e laços históricos, …) entre os Estados Insulares, entre as ilhas e as instituições
administrativas centrais, regionais e locais dos países a que pertencem, entre ilhas de países
diferentes, entre organizações intra-insulares.

Utilizando os benefícios das novas formas de contacto e discussão organizam-se


conferências, seminários, colóquios ou simples reuniões para reflexão conjunta; e com o
auxílio das tecnologias de comunicação amplia-se este movimento, sendo hoje possível ter-
se acesso ao mais diverso tipo de informações, nomeadamente através de diversos
endereços da internet, entre os quais podemos referir:

Como Parceiro (Partner) internacional:

- www. Insula.org;

e como endereços relevantes:

- http://www.globalislands.net/;

- http://www.islandpress.com/ ;

- http://teleinsula.trainet.it/teleinsula/c03/c03_01_01.htm ;

53
Ponto 5 e 6 Anexo II - Preâmbulo do Programa de Acção para o Desenvolvimento Sustentável, que faz parte
integrante do Relatório da Conferência Global de Barbados Sobre o Desenvolvimento Sustentável dos pequenos
Estados Insulares em Vias de desenvolvimento.

51
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- http://www.islandstudies.org/ ;

- http://www.world-tourism.org/ ;

- www.eurisles.com ;

- http://www.unepie.org/pc/tourism/home.htm ;

- Alliance of Small Island States ;

- Baltic Seven Islands Cooperation Network ;

- East - West Center ;

- European Islands System of Links and Exchanges ;

- Indian Ocean Commission ;

- Institute of Island Studies at the University of Prince Edward Island ;

- International Scientific Council for Island Development ;

- International Small Islands Studies Association ;


- Island Resources Foundation ;

- Islands and Small States Institute at the University of Malta ;

- Microstate Network ;

- Ministere de l'Outre-mer ;

- Research Institute for Subtropics ;

- Secretariat of the Pacific Community ;

- Small Island Developing States Network ;

- The Island Gateway at the United Nations University ;

- The Islands and Small States Institute ;

- The World of Islands ;

- UK Overseas Territories Conservation Forum ;

- United Nations Environment Programme - Islands ;

- UN Programme for SIDS e SIDSnet (Small Island Development States Netwok) ;

- UNEP Islands ;

- UNESCO Coastal Regions and Small Islands Unit .

52
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I Parte

É assim que se eleva cada vez mais a voz das pequenas ilhas, guiadas por problemas,
anseios e necessidades, com vista a enfrentarem os desafios comuns que se lhes colocam,
fruto dos elementos igualmente comuns que as caracterizam, nomeadamente:

• Isolamento e afastamento;

• Recursos naturais e humanos limitados;

• Dificuldades em termos de competitividade e de desenvolvimento económico;

• Ambiente frágil.

Confrontados com problemas comuns difíceis de solucionar isoladamente os Pequenos


Estados Insulares motivaram iniciativas de abordagem e concertação a nível regional e
universal, tendo levado a Organização das Nações Unidas a agendar nos seus programas
de trabalho o objectivo do seu desenvolvimento, face aos constrangimentos diversos e
específicos que eles enfrentam. “A Conferência Global sobre o desenvolvimento Sustentável
dos Pequenos Estados insulares em Vias de Desenvolvimento, realizada em Barbados em
1994, foi a primeira conferência global visando o desenvolvimento sustentável deste tipo de
Estados e a implementação da Agenda 21”54, decorrente da Reunião do Rio.

A cooperação inter-insular, traduzida pela veiculação coordenada da informação em rede,


pela adopção de estratégias comuns de acção e pela promoção conjunta de projectos do
desenvolvimento sustentável é, em si própria, um instrumento fulcral de valorização de
saberes específicos e de boas práticas a aplicar. Neste âmbito tem sido fecundo o apoio das
organizações internacionais da esfera das Nações Unidas, bem como o de outras
organizações continentais e regionais55. Expande-se e aprofunda-se deste modo o acervo
metodológico e normativo necessário ao direccionamento dos políticas e práticas de gestão
nacionais, regionais e internacionais no sentido da consolidação de uma visão de
desenvolvimento assente na sustentabilidade. O pressuposto da concertação metodológica e
normativa tem-se manifestado particularmente presente nos domínios da preservação
ambiental e da biodiversidade; do desenvolvimento sustentável; do turismo; da preservação
da identidade cultural; da luta contra as catástrofes naturais; da busca de formas de
produção sustentada. Daqui têm resultado abordagens conceptuais, orientadoras e

54
Ponto 2 do Anexo II - Preâmbulo do Programa de Acção para o Desenvolvimento Sustentável, que faz parte
integrante do Relatório da Conferência Global Sobre o Desenvolvimento Sustentável dos pequenos Estados
Insulares em Vias de desenvolvimento.
55
Meeting the Challenges, publicado pelo Departamento de Informação Pública das Nações Unidas, DPI/2060 -
July 1999 - 5M, http://www.un.org/esa/sustdev/sids/siga99ia.htm.

53
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normativas que constituem referências importantes aplicáveis à planificação, aprovação,


implementação e monitoramento de programas de intervenção em contexto insular. Citam-se
por exemplo: o Programa de Acção de Barbados para o Desenvolvimento Sustentável dos
Pequenos Estados Insulares, de 1994; a Carta de Lanzarote para o Turismo Sustentável, de
1995; a Declaração de Berlim sobre a Diversidade Biológica e o Turismo Sustentável, de
1997; O Código Mundial de Ética do Turismo, de 1999; o Relatório Final sobre o
Desenvolvimento Sustentável do Ecoturismo nos Pequenos Estados Insulares e Outras
Pequenas Ilhas, de 2001; e a Declaração e a Estratégia das Maurícias para a
Implementação Ulterior do programa de Acção de Barbados para o Desenvolvimento
Sustentável dos Pequenos Estados Insulares, em 2005.

Dir-se-ia que, contrariando o próprio carácter de isolamento que as define, as pequenas ilhas
têm estado a realizar um percurso de colaboração e partilha cada vez mais profundo, global
e potencialmente profícuo. Este facto é um indicador fundamental no sentido de melhor se
encararem os desafios que se lhes colocam visando o objectivo de conservação dos
recursos e sustentabilidade do desenvolvimento, porque a vontade ou o desejo livremente
expresso de tornar sustentável o processo de melhoria de bem-estar e crescimento
económico é um ponto de partida imprescindível para se enveredar na senda de alcance
desse objectivo.

3.2. Desafios do desenvolvimento sustentável nas pequenas ilhas.


Em 1995, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) - um grupo de 2500
cientistas de renome coordenados pelas Nações Unidas - concluiu que terá havido entre 0.3
e 0.6˚ de elevação da temperatura média da Terra desde o fim do século XIX. Também
encontrou consideráveis evidências de que as actividades humanas, tais como a queima do
petróleo, poderão ter contribuído para estas mudanças. Uma tendência generalizada de
aquecimento poderá levar à subida do nível do mar - uma vez que a água expande quando
aquecida e com a liquefacção das regiões polares – com possíveis consequências
desastrosas para as pequenas ilhas. Havendo ainda incerteza dos cientistas sobre quanto o
nível do mar irá subir – as projecções do IPCC variam entre 15 e 95 cm antes mesmo do ano
2100, com uma estimativa optimista um máximo de 50 cm – o problema constitui uma
preocupação aguda para as pequenas ilhas, as quais são particularmente vulneráveis. São
já do conhecimento geral relatos de erosão costeira extensiva em muitas ilhas. No Oceano
Índico, países como as Maldivas já expressaram o receio de que 80% dos seus atóis, sejam

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O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

completamente submersos; e nas Seychelles, estima-se que a elevação de 1 metro do nível


do mar pode fazer desaparecer 70% da sua massa terrestre56.

A fragilidade e a vulnerabilidade são pois dois elementos que caracterizam os recursos


naturais das pequenas ilhas. Mesmo mudanças minúsculas podem provocar danos
irreversíveis com consequências nomeadamente na perda ou extinção de espécies raras. De
facto, parece estar assente que “a natureza fixa, mediante um princípio infalível, os limites de
capacidade de um território, espécie por espécie, vegetal ou animal: o princípio da cadeia
trófica faz com que a quantidade de indivíduos de uma mesma espécie presentes numa área
e os equilíbrios predado/predador sejam rigidamente determinados pela disponibilidade de
alimentos, cuja carência leva à emigração ou à extinção da espécie excedentária”57. Este
pressuposto de equilíbrio não se limita apenas ao âmbito biológico, ecológico, fisiográfico,
territorial. A consideração da vulnerabilidade deve também estender-se ao domínio dos
valores intangíveis plasmados na cultura e praticas locais – marcados certamente pelas
limitações da distância e do seu confinamento – e que, porventura, também são muito
sensíveis à acção externa agressiva e descontextuada sobre a existência da comunidade
insular. A alteração do stock de recursos naturais pode engendrar o enfraquecimento e
eliminação das pulsões positivas de interacção equilibrada com o ambiente adquiridas pelo
homem num processo histórico longo e, por vezes, penoso. Desta forma alteram-se
igualmente os limites de capacidade de carga do território. Em resumo, os limites da
insularidade não se esgotam na geografia, a qual pode condicionar, por vezes de forma
decisiva, a fauna, a flora, os ecossistemas. A insularidade também encontra expressão numa
certa psicologia de confinamento que, num processo de alimentação e retro alimentação
engendra padrões de cultura marcados pela especificidade, pela unidade, pela identidade
profundas de um ethos particular.

Há pouco espaço de manobra quanto à flexibilidade, adaptação e sua capacidade de


regeneração face a acções de perturbação e destruição do habitat. As condições naturais de
escassez próprias das pequenas ilhas tornam-nas propensas à sobre exploração, com
consequências na degradação ou destruição completa dos recursos58. Há pouco “espaço

56
Rising Temperatures, Rising Seas, Publicado pelo Departamento de Informação Pública, DPI/2060 - July 1999 -
5M, em http://www.un.org/esa/sustdev/sids/siga99ia.htm.
57
Racheli, Gin, op. cit. pág. 24.
58
McEachern and Towle, 1974, Impacts of developmental activities on small islands, The Challenge of
sustainable management for small islands iii - http://www.insula.org/islands/island2.htm.

55
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para erros59”. A pequenez insular é, na essência, uma limitação espacial da capacidade de


aumento da produção baseada na iniciativa empreendedora da população e na
disponibilidade de recursos. Por isso as exigências de desenvolvimento do número reduzido
de habitantes são raramente satisfeitas, sendo este outro dos factores que engendra a
pobreza nestes locais.

Fig. 4 Fig. 5

Fig. 3. Esquema das inter relações da sustentabilidade de um ecossistema insular60


Fig. 4. Análise de gestão sustentável das pequenas ilhas61

Num contexto tão delicado de intervenção como o das pequenas ilhas, o desenvolvimento
económico e a melhoria do bem-estar da população exige o estabelecimento de uma
multidisciplinar e integrada estratégia de análise dos constrangimentos e factores de
sustentabilidade. Esta análise permitirá definir o quadro insular de sustentabilidade onde se
articulam as características e processos das pequenas ilhas e respectivos subsistemas
ecológicos e, a partir desta base matriz de conhecimento definirem-se as limitações,
possibilidades em presença e os tipos e modelo de intervenção.

Segundo Gin Racheli, Numa pequena ilha podem ser distinguidos três classes de valores a
serem tutelados: Os valores naturais e ambientais, os valores de coexistência humana e os
valores culturais. Através destes valores é possível clarificar os limites de capacidade de
carga do seu território.

59
Sing, 1992, idem
60
Insula.org., Integrated island sustainability - http://www.insula.org/islands/islands4.htm.
61
Insula. Org., Impacts of developmental activities on small islands - http://www.insula.org/islands/island2.htm.

56
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
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Sendo o turismo uma das actividades de desenvolvimento em expansão nas pequenas ilhas
e, ao mesmo tempo, uma actividade com elevados riscos ambientais, apenas um processo
de planificação e construção que se articule e ou no qual se preservem os valores da cultura
e do património insular, pode tornar positiva a participação da indústria turística no
desenvolvimento das pequenas ilhas. Isto significa que, quando se trate de
62
empreendimentos turísticos, são objectivos relevantes os seguintes :

• Integrar a infra-estrutura turística e torná-la compatível com a envolvente imediata;

• Preservar a paisagem;

• Estabelecer harmonia com a estética local e os padrões culturais locais.

As acções a empreender deverão visar;

• Redução de impactos indesejados na paisagem;

• Minimização, na medida do possível, da área de infra-estruturas e de edificações,

• Requalificação das zonas já ocupadas e das zonas degradadas que circundam o


núcleo turístico;

• Introduzir critérios racionais e eficientes apropriados ao contexto das pequenas ilhas.

A este respeito, o Relatório da Reunião Internacional promovida pelas Nações Unidas em


Janeiro de 2005 nas Maurícias para a Revisão da Implementação do Programa de Acção de
Barbados enfatiza, no ponto 26, a interacção com os mares e oceanos como elemento
definidor da história, cultura e economia dos Pequenos Estados Insulares são definidos; e no
ponto 82 reconhece especificamente a relevância da identidade cultural dos povos destes
territórios como importante factor de catalisação do seu desenvolvimento sustentável,
estabelecendo igualmente a necessidade da tomada de medidas para proteger o seu
património natural, bem como o património cultural tangível e intangível.

Em Moçambique, são escassos estudos que tenham tido como foco a arquitectura como
artefacto específico resultante de um determinado contexto cultural nacional, quer
considerado isoladamente, quer considerado como testemunho de um intercâmbio cultural
entre povos que estiveram em contacto ao longo da história. No caso do Norte de
Moçambique parecia ser evidente que a cultura swahili, que se expandiu até ali e muito mais
para Sul, tivesse deixado marcas da sua presença no domínio da arquitectura. E no seu

62
Insula.org., Landscape conservation and building integration - http://www.insula.org/tourism/pagina_n5.htm.

57
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
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contacto com realidades locais, bem como com outras realidades culturais determinadas
pelo colonialismo, tivesse também induzido ao uso de materiais, processos, técnicas e
opções de desenho cuja explicação pode residir em contextos endógenos e exógenos à
região. Considerámos interessante escrutinar também esta hipótese, em termos gerais e
como elemento de referência para entendimento dos processos e das opções
arquitectónicas em presença, tomando a ilha do Ibo como caso de estudo.

No caso de estudo que abordaremos aplica-se o princípio de que o “património vernáculo


construído é a expressão fundamental da identidade de uma comunidade, das suas relações
com o território e, ao mesmo tempo, a expressão da diversidade cultural do mundo”63.

Considerando a imprevisibilidade e a vulnerabilidade que caracterizam a situação insular, a


observação e o estudo de casos de sucesso (e não só), similares àqueles em que se tenha
de actuar, podem significar uma contribuição com grande potencial sugestivo e de
aprendizagem.

3.3. Iniciativas de preservação ambiental e do edificado. Referências nacionais e


internacionais de abordagens e instrumentos de gestão, em contexto insular.
Nos arquipélagos e ilhas dos países ribeirinhos ou insulares da costa Oriental da África têm
sido levadas a cabo iniciativas legais e experiências de protecção e conservação de
importantes sistemas ecológicos, edificados e ambientais. Estas actividades, nem sempre
são realizadas com a continuidade que seria de desejar por razões financeiras, técnico-
legais, por insuficiência geral de recursos dos respectivos países que os levam a eleger
como prioridades outro tipo de acções, ficando secundarizadas as actividades de
conservação e protecção ambiental. No entanto estas constituem já um importante elemento
de estudo não só como indicadores da mudança de atitudes perante sistemas e conjuntos
naturais e edificados com fundamental importância ecológica, cultural e económica, mas
também porque são uma fonte de grande relevância para informar experiências similares
que se pretendam implantar, particularmente na região. Tomando o tipo de intervenção
realizada consideramos útil referenciarmo-nos às experiências levadas a cabo nos seguintes
territórios, elegendo os seguintes critérios de selecção:

63
Carta sobre o património construído vernáculo, ICOMOS, Cidade do México, 17 a 23 de Outubro de 1999.

58
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a) Relevância dos conjuntos edificados, cujas opções de desenho, de tecnologias e a


aplicação de saberes locais os caracterizam como realizações culturais singulares a
preservar da descaracterização e destruição;

b) Relevância da presença de empreendimentos ou pressões de desenvolvimento


turístico em ambiente de grande delicadeza e cujos impactos colocam problemas específicos
determinando actos de normação e controle apropriados;

c) Relevância da problemática ecológica e ambiental, com experiências inovadoras


específicas, nomeadamente de tipo normativo e de gestão.

A nível internacional,

− pelo critérios considerados em a) e b), reputamos útil tomar-se como


referência a experiência de preservação do conjunto edificado swahili da ilha de
Lamu, no Quénia;

− pelo critério considerado em c), reputamos útil tomar como referência a


experiência da ilha de Chumbe, na Tanzânia.

A nível nacional e utilizando a mesma opção de escolha:

− Pelo critério considerado em a), reputamos útil tomar-se como referência a


experiência e esforços de preservação do conjunto edificado da Ilha de
Moçambique, no Norte do país. O exemplo da ilha de Moçambique é ainda mais
elucidativo porque revela a importância do impacto positivo da acção de
Associações locais dedicadas à defesa dos interesses da ilha, à sua colocação no
fulcro das atenções nacionais e internacionais, à busca de investimentos e apoios
nacionais e internacionais (financeiros e técnicos) para acções de recuperação64,
à consciencialização e mobilização da população local para participar no seu
processo de desenvolvimento e gestão.

− Pelo critério considerado em b), reputamos útil tomar como referência a


experiência da ilha de Bazaruto, no centro/Sul do país. Neste caso é importante
considerar a relevância da contribuição de especialistas pioneiros (é o caso de
Paul Dutton) que, tendo estudado a fundo e de uma forma continuada os
problemas de impacto ecológico nomeadamente da decorrentes da previsível

64
A Associação dos Amigos da Ilha de Moçambique foi um instrumento crucial em acções relativamente
recentes que se saldaram em intervenções importantes de reabilitação, nomeadamente de parte do sistema de
saneamento na ilha e da ponte de acesso.

59
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O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

pressão turística e da intervenção da população na ilha, levou a que se


considerasse a tempo a necessidade de acção legislativa do Governo no sentido
da sua declaração como área de protecção a salvaguardar, o que conduziu a
estudos e a propostas de acção que se saldaram na emanação, pelas
autoridades, de instrumentos específicos de controle e maneio local do ambiente
e na limitação do investimento turístico para níveis aceitáveis de sustentabilidade
ambiental.

− Pelo critério considerado em c), reputamos útil tomar como referência a


experiência da ilha de Inhaca, no Sul do país. Este caso é elucidativo da
importância da localização na ilha de uma instituição universitária de investigação
(o Instituto de Biologia Marinha, da Universidade Eduardo Mondlane de Maputo)
como elemento catalisador da atenção de especialistas e estudantes, permitindo
que a comunidade científica revele os problemas que se vão revelando e
alertando as autoridades para as transformações de impacto negativo para o
equilíbrio ecológico e biodiversidade da ilha, nomeadamente os decorrentes do
povoamento descontrolado, da implantação desordenada e insustentável de
unidades hoteleiras não adequadamente planificadas (de origem sul-africana) e
mesmo do crescimento desordenado de espécies animais exóticas lesivas à
fauna local (como o corvo indiano de peito branco).

Qualquer dos casos referidos apresentam abordagens interessantes e que deveriam ser
consideradas quando se está perante situações em que a maior parte dos critérios que se
citam estão profundamente articulados como no caso da ilha do Ibo, localizada no
arquipélago das Quirimbas, no norte de Moçambique. Reúnem-se neste arquipélago e na
ilha que constitui o caso de estudo, os seguintes critérios acima considerados:

• a importância do conjunto edificado de matriz swahili, realização cultural de carácter


singular já reconhecida pelo Governo moçambicano;

• a importância do complexo ecológico e ambiental no qual se insere a ilha,


reclamando medidas específicas de regulamentação com vista à sua protecção,
conservação, e cujo impacto não se restringe ao seu estrito limite territorial;

• a dimensão actual das pressões de entidades privadas no sentido da realização de


empreendimentos turísticos na região, tornando relevante acautelar do ponto de vista
normativo e de planificação prospectiva os impactos negativos dessa actividade,

60
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

maximizando-se as vantagens a curto e longo prazo, tanto do ponto de vista de


conservação, ecológica, ambiental e paisagística, como do ponto de vista cultural.

A exigência de lançamento de modelo sustentável de preservação e fruição dos recursos


naturais, combinando diversos tipos de instrumentos de intervenção, pode encontrar
referência, por um lado, no modelo de planificação pró-activa visando a preservação do
núcleo histórico da cidade insular de Lamu, no Quénia e, por outro lado, no modelo
controlado e participado de gestão privada da Ilha de Chumbe, na Tanzânia. Qualquer
destas referências não devem no entanto deixar de considerar a relevância da dimensão
ética do desenvolvimento, como pressupõe José Forjaz na sua contribuição para a
elaboração de um Plano Geral de Desenvolvimento da Ilha do Ibo, em que subjaz a toda a
acção de planificação a necessidade de impacto imediato na melhoria das condições de vida
da população local, em situação insustentável de penúria e subsistência65; bem como a
contribuição, por vezes fundamental, da acção de associações de cidadãos interessados no
desenvolvimento local, como é o caso da Associação dos Amigos da Ilha de Moçambique,
na ilha do mesmo nome; e a participação de instituições de educação e investigação
implantadas no local, como acontece respectivamente na ilha de Inhaca, em Moçambique.

Lamu
No que respeita à preservação de um ambiente edificado singular com valor
internacionalmente reconhecido pode-se tomar como referência de análise o exemplo de
prática planificação de tipo clássico da cidade de Lamu., com intervenção directa das
instituições do Estado.

Com o núcleo antigo já está listado como Património Mundial, Lamu é uma cidade insular e
porto do Quénia e o “mais antigo e mais bem preservado assentamento swahili da Costa
Oriental africana, que ainda mantém as suas funções tradicionais. É construída
maioritariamente com pedra coralina e madeira de mangal. A cidade caracteriza-se pela
simplicidade das suas formas estruturais enriquecidas por elementos tais como os pátios

65
Forjaz, José e Carrilho, Júlio, IBO, Maputo, Setembro de 2004, capítulo II, 1 - Introdução, 1º parágrafo, pág,
10. Neste documento elaborado para o consórcio espanhol “Visão 2000 S. L.”, preconiza-se um plano geral de
desenvolvimento em vez de uma intervenção meramente do tipo “canónico” e materializado num plano de
estrutura ou de ordenamento para a Ilha do Ibo, ou mesmo num plano director e de reabilitação para a zona
urbanizada da ilha. Esta concepção foi adoptada como elemento de base no documento elaborado para o Governo
da Província de Cabo Delgado, pela “Visão 2000 S. L.”, e com a seguinte referência:
“Plano para o Desenvolvimento da Ilha do Ibo”, pág. 4, Outubro, 2004

61
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O caso da Ilha do Ibo.

I Parte

interiores, varandas e portas de madeira elaboradamente esculpidas”66. Esta descrição


sintética da cidade velha de Lamu, feita Centro do Património Mundial da UNESCO, não
deixa indiferente, alguém que conheça a vila do Ibo, pelo modo como ela se lhe pode aplicar
tão directamente, feitas as devidas reservas quanto à escala e importância histórica
respectiva. A única dissonância encontra-se no elemento “pátio interior”, que praticamente
não existe no Ibo, em favor do característico “quintal” posterior aparentemente típico na
cultura residencial de matriz swahili do Norte de Moçambique. Esta similaridade de
características justifica, por si só, que valha a pena ter em conta a experiência de
preservação levada a cabo em Lamu, no quadro do escrutínio de exemplos elucidativos e
adequados para a definição de estratégias de preservação de outros ambientes edificados
historicamente valiosos no contexto da costa Oriental da África. Para tal tomamos como
referência o estudo feito por T. Luke Young.

Chumbe
Chumbe é uma pequena ilha de aproximadamente 22 hectares, localizada aproximadamente
a oito milhas do sudeste de Zanzibar. Na sua costa ocidental a ilha é limitada por um recife
classificado como sendo de beleza e diversidade excepcionais. Estas águas proporcionam
habitat para mais de 370 espécies de peixes e 200 espécies primitivas de coral. A própria
ilha está coberta por uma ainda não perturbada floresta, um pequeno ecossistema que está
desaparecendo rapidamente em outras partes de Zanzibar e da Tanzânia. A ilha também
providencia habitat para aproximadamente 20 espécies de pássaros.

Esta ilha é um exemplo notável (no dizer de alguns) de participação do sector privado na
gestão sustentável de uma área de protecção marinha, designadamente com base no
ecoturismo, contribuindo para a actividade de salvaguarda e protecção de recifes de coral e
outros recursos e assegurando o seu financiamento. A ilha e as águas que a banham
compreendem uma área administrada pela Chumbe Island Coral Park Ltd. (CHICOP), uma
empresa privada especificamente estabelecida para criar e gerir o recife de coral Chumbe, a
primeira área marítima protegida (AMP) na Tanzânia. Chumbe é provavelmente uma das
primeiras, senão a primeira área de tão grande delicadeza ecológica submetida a uma
gestão totalmente privada. Este caso específico de gestão da ilha providencia lições
importantes no que diz respeito aos aspectos económicos inerentes à administração de áreas
protegidas deste tipo.
66
UNESCO, Lamu Old Town, http://whc.unesco.org/en/list/1055, 23-062005.

62
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ARQUITECTURA E AMBIENTE:
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O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

II PARTE: Enquadramento do caso de estudo

“Historical notices of the Querimba Islands are singularly few and far between. This is a pity since,
as Basil Davidson observes in his Black Mother. Africa: The years of trial, p.168 (London, 1961):
“Research on the Querimbas would surely throw new light on the broad-ranging scope of the Indian
Ocean trade”. This island group was evidently fairly prosperous when Vasco da Gama first arrived
on the coast, and though the Portuguese sacked some of them in 1522, the islands seem to have
recovered part of their prosperity.”68

4. O Arquipélago das Quirimbas no contexto Leste Africano.

4.1. Caracterização e iconografia da localização do Arquipélago.


Um arquipélago com as ilhas dispostas em linha, como as pedras de colar irregular,
desenvolve-se paralelamente e junto ao litoral Norte de Moçambique, entre a baía de Pemba
e a baía de Tungue junto ao rio Rovuma, numa extensão de cerca de 400 Km. Vários pontos
de vista existem quanto à formação das ilhas. O mais divulgado é que elas remontam ao
quaternário inferior. Segundo Patrício Pina, e numa decisão muito sugestiva, “as ilhas
Quirimbas resultam da manifestação mais recente da geologia viva.” São as ilhas ou
arquipélago das Quirimbas69. Em mapas de África antigos fig de mapas de África antigos
estas ilhas
aparecem representadas, por vezes sem designação e, outras vezes, com a designação de
“Capitum islands”70. As notícias históricas sobre elas são relativamente escassas e muito
espaçadas no tempo71, não obstante o seu estudo pudesse ser eventualmente importante
para a compreensão de aspectos relevantes do contacto de culturas no Oceano Índico,
designadamente quanto às relações comerciais de longo curso. As referências quanto ao
seu número variam muito e provavelmente devido a diferenças de critérios de contagem. A
Direcção de Geografia e Cadastro de Moçambique tem cartografadas e designadas um

68
Boxer, C. R., The Querimba Islands in 1744, na revista STUDIA, n°11 (Janeiro-1963), Lisboa, p.343;
69
Estas ilhas são apresentadas em escritos e cartas com outras designações, nomeadamente “Querimbas”, “de
Quirimba”, “de Querimba”, “Queriba”, “Quiriba”, “Carimba”, “Cerimba”, “Corimba”, “Aswatada” (neste último
casoconforme A. Gomes e Sousa, , op. Cit. 1960. pág. 128), ou ainda como Ilhas de Maluane nos tempos mais
remotos da ocupação portuguesa como nos diz Malin Newitt, na sua História de Moçambique, Publicações
Europa-América, Lda, Mem-Martins, 1997, pág. 176, onde refere que: “Os panos aí fabricados eram conhecidos
enquanto «panos de Maluane», tudo indica que derivando este nome do assentamento continental onde haviam
começado a ser produzidos, e, durante os primeiros vinte anos da sua estada nestas paragens, os Portugueses
conheceram o arquipélago em causa enquanto «ilhas Maluane» ”.
70
por exemplo no mapa “Africa in tabula Geographica delineatio, opera A. F. Zÿrneri [Amsterdam], [1720?]
(c) The British Lybrary”, American Museum of Natural History, 2202;
71
Boxer, C. R., The Querimba Islands in 1744, Studia, revista trimestral, n° 11, Janeiro, Lisboa, 1963, pág. 343
a 352.

63
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O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

número total de 32 ilhas72. Este é o número de ilhas mais frequentemente referido como
sendo o total de ilhas que compõem as Quirimbas. Mas se atendermos aos ilhéus, este
número pode subir a “quatro dezenas de pequenas ilhas e ilhéus”, como refere Carlos Bento.

A designação “Ilhas de Querimba” terá aparecido pela primeira vez em carta elaborada sob
a responsabilidade de Gaspar Ferreira Reimão, durante a sua permanência na Ilha do Ibo
em 1609 [Bento 1993: 36]. Mas ainda hoje verifica-se uma certa confusão com a designação
das ilhas que compõem o arquipélago e que seria importante clarificar e instituir para que
não se apelide com nomes diferentes a mesma ilha. Em anexo apresenta-se uma breve
análise sobre este assunto.

Referências documentais indicam que pelo Século VIII as Ilhas Quirimbas estariam ainda
desertas. A sua ocupação inicial teria sido feita por uma “seita herética do Islão que procurou
refúgio nestas ilhas. Os novos habitantes iniciaram o seu comércio com o continente e a
escravatura foi o seu ramo preferido”73. De acordo com Carlos Lopes Bento, em 1609 eram
povoadas 18 das ilhas, não tendo nunca sido atingido este número posteriormente. Mas em
1807 já apenas estariam habitadas quatro do total das ilhas. Bento diz ainda que “em 1972,
das 20 ilhas povoadas no século XVI e parte do XVII, apenas as de Matemo, Ibo, Querimba
e M’funvo eram habitadas”. Embora, como na anterior afirmação e em diversos documentos,
se refira que apenas quatro das ilhas são permanentemente habitadas, informações obtidas
em Pemba, em Setembro de 2003, junto de antigos moradores da Ilha do Ibo que ainda se
relacionam com as Quirimbas, davam como habitadas permanentemente as ilhas de Ibo,
Macolóeh, Matemwé, M´funvo, Vamizi (ou Mwamizi), Quirambo, Quirimba, Quizíwi.
Depois dos anos trinta do Século XX, e até à independência de Moçambique, tinham como
base económica principalmente a pesca, com a captura de grande variedade de espécies
aquáticas, destacando-se, pelo seu valor económico, as ostras e variados moluscos,
nomeadamente as holotúrias; alguma agricultura, na qual se incluía a plantação de
coqueiros, em particular na Ilha de Quirimba e, em escala comercial mais reduzida, de
cafezeiros, para além de das culturas de mandioca, batata-doce, e árvores fruteiras como
citrinos, papaieiras, bananeiras, mangueiras, goiabeiras, ateiras, romãzeiras, principalmente
na Ilha do Ibo; a criação de gado bovino, caprino e arietino e de aves domésticas como

72
Mapa com título “Esquema de cobertura fotográfica e da divisão em mosaicos; escala do vôo 1:40000, KL-
1/3”, DINAGECA, Maputo, 2003;
73
Huibresgtse, P. K., Dans lárchipel de Quirimba, Geographica, revista da Sociedade de Geografia, Ano VII -
n° 27 – Julho, pàgs. 80 a 90, Lisboa, 1971;

64
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II Parte

galinhas e patos; a navegação e algum comércio. Para além destas actividades


essencialmente com carácter de subsistência e de reduzido significado comercial, no estudo
elaborado por Célia Lorena, João Donato e Henrik Overballe em 198674, refere-se também
como actividades económicas de alguma relevância a produção de copra na Ilha de
Quirimba e o turismo, bem como o potencial da actividade artesanal, reflectido num
relativamente variado leque de artesãos.

4.2. Elementos de cultura, ecologia e ambiente.


As relações entre a costa Oriental de África e a Arábia, a Pérsia, a Índia e até a China
estabeleceram-se, antes mesmo do nascimento do Islão. Gregos e Romanos chamavam
Azânia a esta área de África, o que significa que os contactos com outros povos,
nomeadamente do Mediterrâneo remontam a tempos muito recuados, aparentemente já
desde o Século I. O contacto continuado, a partir do século IX, com comerciantes árabes,
xirazianos da Pérsia, indianos e outros povos do Oriente com os povos africanos da costa
deu origem ao povo e à cultura swahili. Embora ela seja resultante de um processo de
miscigenação e se discuta o grau de importância dos seus elementos bantu e árabes como
elementos dominantes da sua caracterização, nao parece duvidoso que sendo uma
importante componente do mosaico africano de culturas, a cultura swahili tem uma
identidade própria que se traduz nao só na língua veicular – o swahili – como também em
muitos outros domínios da cultura, nomeadamente na arquitectura. Mas também não há
dúvida quanto à contribuição de valores árabes e outros valores do Oriente. Note-se que a
própria designação swahili parece derivar do plural da palavra árabe sawhail ou costa/
litoral, de onde advem o significado de kiswahili com “língua do litoral”75.
Não obstante estarem localmente associadas ao subgrupo cultural kimwani, as Ilhas
Quirimbas fazem parte desse mais amplo complexo cultural Leste africano designado por
cultura swahili. Embora alguns autores considerem que o núcleo cultural swahili
compreende a zona costeira do leste africano que vai de Mogadíscio à foz do rio Rovuma,
se não considerarmos apenas o idioma como factor de identificação cultural, têm razão
aqueles que definem que a influência cultural Swahili se estende desde a Somália a Sofala,
encontrando-se manifestações culturais conexas esta cultura swahili ainda mais ao sul de
Moçambique, nomeadamente na província de Inhambane. É no momento áureo do

74
Lorena, Célia, Donato, João e Overballe, Henrik, O Combinado Pesqueiro da Ilha do Ibo, Centre for
Alternative Social Analysis, Linnésgade, 14, 1, Copenhagen, 1991.
75
http://wikipedia.org/wiki/swahili -13/09/2005.

65
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II Parte

desenvolvimento da cultura swahili que entram em cena os portugueses que, em busca das
riquezas do Oriente, levam Vasco de Gama a demandar a costa oriental africana tendo, em
1498, tocado uma das ilhas mais meridionais do arquipélago das Quirimbas, passando
depois diante do alto de Quissanga, ponto da costa Norte de Moçambique que tem ao largo
a parte Norte da Ilha e Quirimba. Com a anexação definitiva do arquipélago pelos
portugueses em 1523, a influência da cultura swahili nas ilhas passa a integrar elementos
indo-portugueses e ocidentais, particularmente nos centros em que a presença da
administração colonial foi mais forte, como por exemplo na Ilha do Ibo.
“As ilhas Quirimbas situam-se dentro dos limites da plataforma continental. As sondas entre
as ilhas e a costa não são grandes. A partir da costa continental prolongam-se vastos
baixios, havendo também recifes em muitos lugares. Um grande número de passagens entre
recifes e ilhas conduz para angras e aguadas, onde há fundeadouros bem abrigados para as
embarcações pequenas.
A costa continental ao longo da qual se desenvolvem as ilhas do arquipélago das Quirimbas
é baixa e uniforme. A altitude das colinas costeiras não excede os 100 metros. A orla de fora
dos recifes e ilhas cai a pique. O único perigo afastado consideravelmente da costa é o
banco de São Lázaro que se situa a 53 milhas para ESE do cabo Paqueve”76
O conjunto de ilhas constitui como que uma parede interrompida, de onde em onde, e que
confina uma relativamente estreita faixa de mar que se desenvolve no sentido Norte-sul da
primeira à última das ilhas. A navegação neste quase canal é descrito de maneiras díspares
consoante o ponto de vista dos autores, ora como sendo uma navegação aprazível e idílica
ora como sendo perigosa e traiçoeira devido aos ventos e às correntes desordenadas.

No dizer de A. Gomes e Sousa, “entre as ilhas e a costa há uma infinidade de baixos


coralinos, e as próprias ilhas não são mais que reduzidas porções de areia e a vegetação de
dispersão marítima tem fixado desde tempos imemoriais”. Quanto ao carácter da navegação
na faixa de mar que separa o continente das ilhas, vários são os pontos de vista que a
documentação nos oferece. José Torres Ribeiro, ao referir-se às ilhas diz-nos: “Todas ficam
próximas umas das outras, formando um canal cuja largura varia de uma a dez milhas,
abrigado de todos os ventos do mar e por onde navegam com toda a segurança, no serviço

76
(autor não identificado), Roteiro da costa da República Popular de Moçambique, Direcção Principal de
Navegação e Oceanografia do Ministério da Defesa da URSS, 1a edição, 1986.

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

de cabotagem, pequenas embarcações…”77. Mas a navegação no quase canal constituído


pelo estreito espaço entre as ilhas e o continente nem sempre é descrito desta forma
aprazível e idílica. É este o caso da descrição de Ernesto Jardim de Vilhena ao falar de “uma
extraordinária e caótica profusão de ilhas, ilhotas, bancos, pedras, restingas”, e de “um mar
desencontrado e de correntes e revessas violentas, que muito facilmente podem trazer a
perda de um navio”. Carlos Lopes Bento considera ser esta última, dentre todas, a descrição
que melhor corresponde à realidade por ele próprio observada no período entre 1969 e
1972, em que, por razões profissionais, residiu na ilha do Ibo. Para além do carácter
anárquico e desencontrado das águas que separam as ilhas do continente no dizer de
Vilhena, Bento acrescenta, citando vários autores, que “ao estado de anarquia provocado
78
pelo extenso paredão já mencionado, recortado por “um dédalo inextrincável de canais
tortuosos (…)” que dão acesso às águas que correm entre as ilhas e as terras firmes,
acrescem os fortes aguaceiros e as correntes violentas e desordenadas que aí circulam, seja
a equatorial, seja as resultantes das monções e das mares”79. Se, no entanto nos ativermos
à opinião de residentes do Ibo que, durante muitos anos, navegaram nesta zona com
objectivos comerciais e de transporte de mercadorias, a sua opinião nem sempre é eivada
de dramatismo. É o caso do comerciante Mamudo Agy Jacob que nos disse, em 10 de Abril
de 2004, que durante os quinze anos que navegou este falso canal entre as ilhas e o
continente, para Norte da Ilha do Ibo e até Palma, para comprar peixe aos pescadores,
nunca viveu a experiência de mar revolto e de tempestades no seu barco de 15 toneladas,
como se refere nalguma documentação. Seja como for, para além das maiores ou menores
dificuldades de navegação resultantes de uma costa extremamente recortada e sinuosa,
caracterizada por cabos promontórios baías, barras, bancos de areia e lânguas, bem como
pelos temporais periódicos que ocorrem especialmente no período das monções, esta língua
de mar guardado entre as ilhas e o continente oferece a qualquer navegante uma paisagem
de uma beleza e prazer que só é possível pela variedade, recorte e surpresas que, afinal,
segundo alguns, também lhe conferem esse perigo que se lhe atribui.

Os solos das Ilhas Quirimbas são geralmente de natureza arenosa, assentes numa base
coralina. São ilhas cujas altitudes máximas variam ente os 4 e os 30 metros, não

77
Torres, Losé Ribeiro, Documentário Trimestral n° 15, Setembro, Lourenço Marques, 1938;
78
Constituído pelo conjunto de ilhas paralelo à costa
79
Bento, Carlos, As Ilhas Querimba ou de Cabo Delgado. Situação colonial, resistências e mudança (1742-
18822), p12, 1993, Lisboa;

67
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O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

ultrapassando a maioria delas os 10 metros de cota máxima. Não existe nas ilhas nenhum
curso de água, existindo contudo, nalgumas delas, lençóis de água subterrâneos, nem
sempre próprios para consumo humano, mas a que a população recorre para se abastecer.

Os dados climáticos que nos foram fornecidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia em
2002, e que se referem aos anos de 1976 e 1980 no posto de Quissanga (por inexistência de
postos meteorológicos nas ilhas), embora com algumas falhas, dão-nos os seguintes valores
mais recentes:

Temperatura máxima média em 5 anos ------- 31,4 °C,


Temperatura mínima média em 5 anos -------- 16,5 °C,

Humidade relativa ------------------------------------ 72,9 %,


Precipitação média em 5 anos80 ----------------- 95,2 mm.
A integração desses dados com os dos postos meteorológicos de Pemba, ao Sul, e
Mocímboa da Praia, ao Norte do arquipélago, permitem fazer uma extrapolação mais segura
para o conjunto das ilhas. No entanto a comparação com dados climáticos históricos das
ilhas mais conhecidas, nomeadamente Ibo, Quirimba, Matemo e Quirambo, compilados em
1961 por Fernando de Pinho Morgado, numa série de 18 anos e referentes também o posto
de Quissanga81, não apresentam variações significativas. Note-se que o posto de Quissanga
fica localizado no continente, próximo das ilhas de Quirimba e do Ibo, a 12° 26´´ de latitude
Sul e a 40° 29´ de longitude Este.
No que respeita à flora, em geral, as Ilhas Quirimbas enquadram-se na zona de brenhas
costeiras que caracterizam o litoral de Cabo Delgado e na qual predomina o mangal.
Segundo A. Gomes e Sousa, o arquipélago oferece, do ponto de vista dendrológico, um alto
interesse científico pela diversidade das suas espécies lenhosas..., sendo no entanto a maior
parte das suas espécies botânicas de origem exótica – da Índia, da Oceânia e da América do
Sul –, constituindo assim um interessante campo de estudo da flora das correntes ou de
dispersão marítima82. Dentre as espécies arbóreas mais comuns podem citar-se

80
Faltaram dados referentes aos meses de Abril de 1978 e 1980 3 e de Dezembro de 1980;
81
Morgado, Fernando Pinho, Possibilidades pecuárias das ilhas do Ibo, Quirimba e Matemo (Extracto do
relatório da deslocação efectuado às ilhas do Ibo, Quirimba e Matemo em 1961), Separata dos Anais dos
Serviços de Veterinária, n° 9, cota D350 b m, AHM, Lourenço Marques, 1961.
82
Sousa, A. Gomes e, in Boletim da Sociedade de Estudos de Moçambique, ano XXIX, n°.122, Maio e Junho,
pág. 127, Lourenço Marques, 1960;

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O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

nomeadamente os embondeiros, as esclerocárias, tondues, grewias e outras árvores


espontâneas, bem como numerosos arbustos que formam por vezes denso matagal83.
A floresta de mangal do Ibo é considerada um dos três pontos-chave para a conservação da
biodiversidade da região. Uma grande diversidade de ervas marinhas e macro algas fazem
igualmente parte deste complexo florístico.

4.3. Contexto ecológico regional e nacional.


Baseando-se na parceria entre os seus cientistas e especialistas espalhados pelo mundo, o
Fundo Mundial da Vida Selvagem (WWF) desenvolveu o programa Global 200, a primeira
análise comparativa da biodiversidade, cobrindo os habitats mais importantes da Terra,
designadamente os terrestres, os de água doce e os marinhos. A finalidade deste programa
é garantir que todo o espectro de ecossistemas seja definido e representado de modo a que
os esforços de conservação e desenvolvimento regional contribuam de uma maneira
articulada para a estratégia global de protecção da biodiversidade. Neste processo foram
definidas e elencadas as Eco-regiões mais importantes a nível mundial e, no âmbito destas,
foram promovidas as pesquisas científicas pertinentes com vista à caracterização e ao
estabelecimento – a um nível mais baixo e com base em recomendações elaboradas em
reuniões de trabalho regionais – das sub-regiões de valor global e local a serem protegidas.
A Eco-região é um vasto sistema territorial abrangendo por vezes vários países,
caracterizado por padrões complexos determinados pelo clima, geologia e história de
evolução do planeta os quais, por sua vez, determinam a biodiversidade. Os benefícios
potenciais de uma abordagem conservacionista tendo como base a eco-região são: promove
a construção de um processo de colaboração visando a conservação; propicia a criação de
energias para a participação de investidores; gera apoios governamentais e de doadores;
motiva opções para esforços de conservação.84
Entre os 238 mais importantes tipos de habitats ecoreginais no mundo contam-se, em
resumo, 142 terrestres, 53 de água doce, 43 marinhos.
Há mais de quarenta anos, muitos sítios do litoral leste-africano foram identificados como
merecendo um status de protecção. Alguns destes sitos foram classificados como reservas
ou parques marinhos. Nessa altura a abordagem a estas áreas resumia-se quase

83
idem, pág. 133;
84
WWF, Proceedings of the Eastern African Marine Ecoregion. Visioning workshop, Mombaça, Kenya, 21 a 24,
2001, pág. 1.

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Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

exclusivamente a declará-las como zonas de usos não extractivos. Podem-se citar como
exemplos de sucesso dessa abordagem inicial, nos anos sessenta, os casos do parque
marinho de Watamu - Malindi, no Quénia, e a Reserva da Ilha de Inhaca, no Sul de
Moçambique.
O reconhecimento da importância de uma abordagem regional e integrada, e portanto de
larga-escala, para se garantir a correcta gestão da biodiversidade marinha é um conceito
cujo desenvolvimento é recente. Alguma cooperação com vista ao estudo da perda de
biodiversidade marinha e costeira tem sido realizada ao nível regional. Foi a partir de 1985,
com a Convenção de Nairobi, que os governos dos países ribeirinhos africanos da parte
ocidental do Oceano Índico iniciaram encontros regulares e acordaram o estabelecimento de
planos para examinar a perda dos habitas marinhos. Mas a abordagem desta problemática,
através do modelo de gestão integrada de zona costeira85, só mais tarde é consagrada
através da assinatura da Resolução de Arusha em 1993, iniciando-se a implementação da
Convenção de Nairobi, através do direccionamento de recursos e esforços para a priorização
das áreas de conservação marinha.
A zona inter-marés da costa oriental africana, que em geral fica a descoberto em extensões
superiores a 500 metros, alberga uma grande biodiversidade. Esta faixa de litoral africano
suporta cerca de 1000 diferentes tipos de ervas marinhas, várias centenas de espécies de
esponjas, para cima de 200 espécies de coral, mais de 3000 espécies de moluscos, mais de
300 espécies de caranguejos, pelo menos 50 espécies de estrelas-do-mar, para cima de 100
espécies de pepinos-do-mar e mais de 1500 espécies de peixe. À medida que mais estudos
se realizam o número de espécies registadas nestas águas continua a aumenta, sabendo-se
já que esta eco-região marinha africana suporta uma rica composição de espécies que
excede as 11000 espécies de animais e plantas. Cerca de 15% das espécies de animais e
plantas marinhas que ocorrem nesta região são pan-topicais. Entre 60-70% encontram-se
apenas na grande região Indo-Pacífica, que se estende desde até à Polinésia. E 10-15% das
espécies da vida marinha da África oriental não existem noutros locais da terra, supondo-se
que sejam endémicas desta região86.
O “workshop vision” do WWF realizado em Abril de 2001 sobre a “Eco-região Marinha da
África Oriental” fixou as áreas ecológicas mais importantes a serem protegidas, definiu a

85
Coastal zone managment (ICZM).
86
WWF, The Eastern African Marine Ecoregion. A large-scale approach to the management of biodiversity,
WWF Mombaça, 2002, pág. 3.

70
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

filosofia e estabeleceu os fundamentos para a gestão da biodiversidade desta eco-região.


Nela vivia, em 2001, uma população sempre crescente de 22 milhões de habitantes, a maior
parte da qual depende ainda dos recursos dos mares do litoral, quer para a sua subsistência,
quer para o lazer e negócios.

Fig. 6. Eco-regiões marinhas da África Oriental87

Trata-se de uma vasta linha de costa de cerca de 4.600 kms que se estende desde
Chisimayu na Somália até Sodwana Bay na República da África do Sul, que engloba 21
áreas relevantes do ponto de vista da biodiversidade e dentre as quais 8 foram definidas
como sendo de importância global (“Global importance”).

Encontra-se neste grupo a área transfronteiriça entre Tanzânia e Moçambique definida por
“Complexo Mtwara-Quirimbas” cujos sítios mais delicados são a Baía de Mnazi, o Delta do
Rovuma e o conjunto de recifes de coral das Quirimbas que se desenvolvem até à cidade
moçambicana nortenha de Pemba, capital da Província de Cabo Delgado.

87
Idem, figura da pág. 14.

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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

A zona de recifes de coral das Quirimbas é o prolongamento de uma vasta faixa litoral
englobando áreas costeiras do Quénia, Tanzânia e Norte de Moçambique. Esta faixa litoral é
caracterizada pela existência de recifes e bancos de coral bem desenvolvidos, bem como
por relativamente extensas manchas de mangal, sendo a mais importante a que se localiza
em Moçambique. Pela sua complexa biodiversidade estes recifes de coral constituem um
importante recurso biológico e são uma base para a pesca e para o ecoturismo marinho. No
caso das ilhas e das terras firmes da costa Norte de Moçambique eles representam um dos
mais importantes recursos costeiros em que se baseiam não apenas as comunidades locais
mas também uma crescente indústria de turismo88. Os elementos gerais fundamentais de
caracterização da área de Mtwara-Quirimbas são:

• A sua localização na zona em que a Corrente Sul Equatorial encontra a costa


Oriental africana;

• A existência de um extensivo complexo de recifes com uma grande diversidade de


corais, contando com mais de 48 genera;

• O facto de ela possuir importantes locais de alimentação e nidificação de tartarugas;


bem como uma área de alimentação de caranguejos (Crab Plovers) e aves migratórias; (iv) a
existência dentro da zona do complexo dunar único do Rovuma, com uma flora endémica ou
bastante rara e

• O facto de ser uma espécie de berçário de baleias (humpback wales).

Já desde 1971, durante o regime colonial, fora feita recomendação para que parte das Ilhas
Quirimbas e terras firmes do litoral Norte de Cabo Delgado fosse declarada parque nacional.
Em Agosto de 2000 o Parque Nacional das Quirimbas foi inscrito na lista dos sítios
submetidos à UNESCO para serem declarados património mundial. Mas apenas em 6 de
Junho de 2002 foi criado o Parque Nacional das Quirimbas. É o primeiro Parque Nacional
criado depois da independência de Moçambique, em 197589.
Se por um lado as características da ecologia da região determinam a necessidade de uma
política de conservação que proceda ao monitoramento estrito de sua ocupação e
88
Hall, Heather, e outros, Cabo Delgado Biodiversity and Tourism Project. Marine Programe, Moçambique,
2001, pág. 7. Este documento foi promovido pelo Projecto de Biodiversidade e Turismo de Cabo Delgado
(CDBTP), criado com o objectivo de assegurar a conservação sustentável do litoral desta província do Norte de
Moçambique através do desenvolvimento de parcerias entre as comunidades locais, o sector privado e o governo.
89
http://216.239.59.104/u/WWFint?q=cache:x-Af-0EBKlkJ:www.panda.org/news_
facts/tv/scripts/French_Dopesheet_Mozambique_WSSD.doc+Quirimbas&hl=en&ie=UTF-
8http://www.panda.org/ , 4 de Abril de 2004.

72
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

estabeleça uma controlada e limitada exploração dos seus recursos naturais, por outro lado
é a peculiaridade e o valor destes mesmos recursos que constituem a melhor oportunidade
para a sua exploração, muitas vezes ambientalmente destrutiva, com impactos regionais e
nacionais. Isto significa que se está perante a confluência de pulsões de sinal contrário que
será necessário gerir adequadamente, para se assegurar que o potencial de riqueza natural
não seja subvertido e desvalorizado pela realização pouco atenta e não sustentada da
capacidade de atracção de investimentos e visitantes que a região possui. A iniciativa do
governo moçambicano – incentivada e partilhada pelo WWF – de criação do Parque
Nacional das Quirimbas pode ser uma contribuição decisiva para a preservação da
biodiversidade do arquipélago do mesmo nome e da região costeira, estabelecendo as
possibilidades e limites de intervenção.
Apesar da pressão sobre as autoridades centrais, regionais e locais, para a exploração dos
recursos desta zona ecologicamente delicada, é encorajador o testemunho de Michael Faye
quanto ao estado de conservação e quanto à gestão do Parque Nacional das Quirimbas,
nesta primeira fase da sua implantação. Na apreciação geral feita, o conservacionista da
Sociedade de Conservação da Vida Selvagem (WCS) Michael Faye refere que gostou do
que viu nos voos sobre o Parque Nacional das Quirimbas, tendo ficado com a impressão de
se estar a proceder a uma gestão moderna e eficiente. Ele especifica esta sua impressão do
seguinte modo: “Num dos mais belos arquipélagos da Terra, senti que as pescas estão a ser
geridas tendo em conta também os factores ecológicos. E, mais do que isso, fiquei com a
sensação de que a coordenação dos esforços de conservação é promovida de dentro para
fora e não é imposta do exterior”90. A validade desta apreciação pode ser aferida pelo
contexto em que é feita: o levantamento realizado por Michael Faye sobre o estado de
conservação ecológica das mais importantes eco-regiões do continente africano iniciou em 8
de Junho de 2004, no quadro do projecto MegaFower. Este projecto foi apoiado por diversas
instituições, nomeadamente o laboratório da Pegada Humana na WCS, a Wild Foundation,
os Bateleurs, e teve como principal financiador a National Geographic Foundation.

Referências obtidas em Pemba e na ilha do Ibo dão conta do surgimento de alguns conflitos
de interesse entre as comunidades locais, as autoridades governamentais de âmbito local, o
principal operador da gestão do Parque e alguns agentes de investimento na região. Sendo
um fenómeno natural em processos similares e não obstante a complexidade da sua gestão,

90
Quammen, David, Medindo a Pegada Humana, National Geographic Magazine, Setembro de 2005, pág. 39.

73
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

estes conflitos, ainda de pequena repercussão, não têm constituído factor de bloqueio no
processo de implementação dos objectivos conservacionistas do maneio do Parque Nacional
das Quirimbas.

Um adequado e permanente enquadramento administrativo e legal é um elemento chave


para que se mantenham os conflitos de interesses aos níveis mais baixos e se estabeleça e
reforce a atmosfera motivadora da participação dos diversos agentes em presença no
processo de desenvolvimento desta região.

5. Limites e potencialidades de intervenção.

5.1. Contexto administrativo e legal.


As ilhas Quirimbas estão repartidas por cinco Distritos do litoral Norte de Moçambique. Trata-
se dos Distritos de Palma, de Mocímboa da Praia, de Macomia, de Quissanga e do Ibo. O
único distrito quase exclusivamente insular é o Distrito de Ibo. Neste Distrito estão incluídas
algumas ilhas do Arquipélago das Quirimbas, sendo as mais importantes as ilhas do Ibo,
Quirimba, Matemo, mas também uma pequena parcela do continente adjacente. Note-se que
algumas das ilhas nem sequer estão directamente dependentes do distrito, encontrando-se
subordinadas ao nível mais baixo de Posto Administrativo o que, evidentemente, não apenas
pode não reflectir a sua importância ecológica (nacional e regional), ambiental e cultural,
como também pode ser um factor de fragmentação de uma gestão sustentada e integrada
de recursos integrados num sistema biológico, geográfico e cultural indivisível.
Do ponto de vista administrativo os Distritos são dirigidos por um Administrador Distrital que
se subordina ao Governo Provincial e este ao Governo central do país.

Interessa ressaltar que, do ponto de vista decisional relativamente a investimentos de


montantes significativos, o poder do governo distrital é relativamente restrito.

Ao nível nacional, as áreas do Turismo e do Património Cultural e do Ambiente são


respectivamente tuteladas pelos Ministérios do Turismo, da Cultura e da Coordenação e
Acção Ambiental, os quais têm representações nas Províncias, através de Direcções
Provinciais. Estas áreas de governo não estão representadas uniformemente pelos Distritos,
dependendo tal facto da sua relevância no território em questão. No caso do Distrito do Ibo
não há representações específicas nem da área do turismo nem da área do património
cultural ou do Ambiente. Nesta última área, a do Ambiente, o Governo criou, nalguns casos,

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Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

instrumentos de gestão sectoriais específicos ao nível regional ou local e criou ainda


operadores não governamentais, aos quais delegou poderes de gestão e monitoração
ambiental em coordenação com os órgãos locais, nomeadamente os governos provinciais,
distritais ou municípios. Daqui se pode inferir de imediato a fraca capacidade de gestão
própria do poder local em relação a estas três importantes áreas de trabalho, o que se
reflecte na quase inexistência de recursos e competências técnicas e administrativas locais
para contribuir para uma correcta gestão, quer das iniciativas turísticas quer das iniciativas
que envolvam o património cultural. No caso das Ilhas Quirimbas e, em particular da Ilha do
Ibo, seria importante considerar a elevação da capacidade local de administração,
particularmente no que respeita ao turismo e ao património cultural, pela sua importância
cultural e pela sua potencial importância económica Tal exigiria um programa específico de
capacitação das competências locais para o efeito, para se pronunciar sobre acções de
investimentos que sejam propostos nessas áreas e monitorar e sugerir acções de acordo
com os problemas em presença. Quanto ao ambiente está em implantação, e em fase inicial
de trabalho, um operador não governamental, como corolário da criação do Parque Nacional
das Quirimbas.

No quadro geral existe já alguma legislação importante no âmbito do Turismo e do


Património Cultural e do Ambiente. Seria no entanto necessário considerar a sua
especialização no que respeita à sua adequação aos contextos em que elas se aplicam o
que, como já se referiu, exigiria competências locais, quer no que respeita à sua concepção,
quer no que respeita à sua aplicação no contexto específico. No caso das Ilhas Quirimbas, a
relevância dos domínios ecológico, do ambiente e do património cultural exigiria uma maior
capacidade de intervenção local, sobretudo devido às pressões de investimento que se
estão a verificar e que, tudo indica, se irão intensificar, com impactos no futuro ainda por
estabelecer.
Os principais instrumentos legais específicos no domínio do turismo são:

− A Resolução 14/2003 de 4 de Abril. Trata-se de uma norma de carácter atemporal na


qual se estabelecem os objectivos gerais do governo que integram uma política nacional de
turismo e se definem os aspectos principais da sua estratégia de implementação.

− A Lei 4/2004, de 17 de Junho, também chamada de Lei do Turismo. Trata-se de um


instrumento aprovado pela Assembleia da República e que vincula o Estado, podendo
apenas ser alterada ou revogada pela própria Assembleia da Republica. Esta Lei substituiu o

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O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

Decreto-Lei n° 49399 de 1969, de 24 de Novembro, em vigor no período colonial e que,


tendo funcionado teoricamente até 2004, revelava-se bastante ultrapassado no actual
contexto político. A ressurgência do fenómeno do turismo no país, principalmente depois da
assinatura dos Acordos de Roma em 1994, determinou a necessidade da sua actualização.

− O Plano Estratégico do Desenvolvimento do Turismo, de 2004 a 2013, aprovado em


Outubro de 2004. Este plano substitui o anterior que foi elaborado antes de 1994 e portanto
durante o período da guerra.

Para além destes instrumentos de carácter mais geral existe o Regulamento da Indústria
Hoteleira e Similar, aprovado pelo Decreto do Conselho de Ministros n° 69/99, de 5 de
Outubro. Este regulamento está em vias de ser substituído, brevemente, por dois
regulamentos, nomeadamente o que regulará a actividade das agências de viagem e
profissionais de informação turística e o que regulará as áreas de alojamento turístico, a
restauração e bebidas.
No domínio cultura, o principal instrumento legal é

− A Lei n˚ 10 de 22 de Dezembro de 1988, também chamada Lei do Património


Cultural. Esta lei aplica-se a todos os bens do património cultural em geral, quer estejam na
posse do Estado e dos organismos de direito público, quer sejam propriedade privada, sem
prejuízo dos direitos de propriedade que couberem aos respectivos titulares. A tutela da lei
estende-se ainda a todos os bens culturais que venham a ser descobertos em território
moçambicano, nomeadamente no solo, subsolo, leitos de águas interiores e plataforma
continental. A lei estabelece também os termos de defesa e protecção dos bens culturais de
outros países existentes em Moçambique tendo em conta as obrigações decorrentes da
aplicação do princípio da reciprocidade. Existem outros instrumentos e normas legais
especificamente dedicados ao património cultural, como

− O Inventário Nacional de Monumentos, Conjuntos e Sítios, elaborado em 2003 pelo


Departamento de Monumentos da Direcção Nacional do Património Cultural do Ministério da
91
Cultura ; e a proposta de Normas para a conservação e critérios de classificação de
monumentos, conjuntos e sítios.

91
Macamo, Solange Laura (Coordenação geral do projecto) e outros, Inventário Nacional de Monumentos,
Conjuntos e Sítios - Património Cultural, Ministério da Cultura e UNESCO, págs. 8, 9, 11, 116 e 117, Maputo,
2003.

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O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

No domínio do ambiente, apesar de este ser um domínio recente como campo específico
de gestão do Estado, existe já um acervo de legislação importante. Ela abrange instrumentos
legais para diferentes áreas, conexas com problemáticas particulares do ambiente,
nomeadamente a das águas marinhas e interiores, a das florestas e fauna bravia, a dos
recursos minerais e energéticos, a das pescas, a dos resíduos, a da saúde pública, para
além do que está consignado no código penal relativamente aos crimes ambientais. O
principal instrumento legal é

− A Lei n˚ 20 – Lei do Ambiente, a qual estabelece como seu objecto geral a definição
das bases para uma utilização e gestão correctas do ambiente e seus componentes, com
vista à materialização de um sistema de desenvolvimento sustentável. Existem também
instrumentos legais de nível mais baixo que definem princípios e comandos relativos às
políticas governamentais no domínio do ambiente, nomeadamente

− A Resolução n˚ 5/95, de 3 de Agosto de 1995, que aprova a Política Nacional do


Ambiente, e a Resolução nº 4/2000, de 22 de Março de 2000 que aprova o Plano Quinquenal
do Governo para 2000 – 2004. Para além destes instrumentos existem aqueles que definem
os órgãos com competência ambiental. São também de referir particularmente os
instrumentos de prevenção ambiental como

− O Decreto n˚ 76/98, de 29 de Dezembro de 1998, que regula o processo de avaliação


de impacto ambiental;

− O Decreto n˚ 32/2003, de 12 de Agosto, que regula o processo de auditoria


ambiental, e

− O Decreto n˚ 44/98, de 9 de Setembro de 1998, que regula o Licenciamento da


Actividade Industrial.92
Considera-se modernamente que a participação dos diferentes agentes, directa ou
indirectamente interessados nos processos de gestão ligados à sua área de intervenção,
potencia a acção das instituições respectivas de tutela do Estado, particularmente no nível
local. Para além de permitirem a complementaridade de capacidades com efeitos benéficos
na minoração de deficits de habilidades e de recursos e no controlo de impactos negativos
de diversa ordem, estas parcerias são um instrumento fundamental na gestão de conflitos de
interesse, na partilha de conhecimentos, na revelação e reforço de sinergias, bem como na
92
Veja-se: Serra, Carlos (Jr.), organização, Colectânea de Legislação do Ambiente, Centro de Formação Jurídica
e Judiciária, Maputo, 2003.

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

realização do controle e apreciação do andamento dos processos de gestão de interesse


colectivo. Isto é especialmente relevante em domínios que têm um papel importante nas
políticas de conservação e desenvolvimento, nomeadamente no turismo, na gestão do
património cultural e na gestão ambiental e territorial. A vulnerabilidade do equilíbrio
ecológico da região do Parque Nacional das Quirimbas, agravado pelas grandes carências e
nível de pobreza das comunidades reforçam a necessidade da adopção de modelos
participativos de gestão, devidamente instituídos por um processo de estudo, consultas,
legitimação social e validação, e que funcionem na base de mecanismos consensuais
institucionalizados através dos quais se proceda periódica e, se necessário, pontualmente, à
concertação de perspectivas, colaboração, monitorização de processos, e aconselhamento
científico-técnico.

5.2. Os actuais interesses de investimento.


Informações disponíveis de diversas fontes no corrente ano dão-nos uma imagem da actual
apetência do investimento privado nas Ilhas. Se considerarmos o impacto mediático de
iniciativas de investimento turístico em que está expressa uma relativamente correcta
consideração dos problemas ecológicos e ambientais, como é o caso do estabelecimento
turístico da Ilha de Quilálea93, é de prever um aumento significativo da pressão do
investimento privado na região no futuro, o qual se reflectirá no aumento de solicitações de
concessões de terra nas ilhas.
Já em princípios de 2002, num estudo sobre turismo, conservação e comunidades,
constatava-se que a política do governo provincial, de abertura e de garantias de segurança
do investimento do sector privado, estava a conduzir ao desenvolvimento de projectos de
turismo com base nas potencialidades da vida selvagem. Também se constatou que, nestes
projectos, era variável o nível de consideração e eficácia da formulação e implementação
das problemáticas ligadas às comunidades locais. Também se constatava que os principais
constrangimentos estavam relacionados com:

− falta de uma instituição adequada para facilitar processos e proporcionar um fórum de


interacção entre o governo, o sector privado e a comunidade;

− compreensão limitada sobre o turismo e suas actividades por parte da comunidade;

− incertezas, por parte da comunidade, acerca dos direitos sobre a terra e os recursos;

93
Ver ‘http://www.quilalea.com/’.

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Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

− incertezas sobre as dinâmicas inter-comunitárias nas áreas dos projectos;

− limitações nas exigências básicas de comunicação devidas a uma rede pobre de


estradas e telecomunicações

− dificuldades e reacções na implementação do controlo da actividade dos pescadores


provenientes de fora da região;

− dificuldades e reacções na implementação dos processos de controlo do uso da vida


selvagem na área continental de turismo ligado à conservação;

− falta de capacidades e pessoal qualificado ao nível local para gerir e distribuir pelas
comunidades os benefícios obtidos a partir da actividade turística94.
Até Setembro de 2003, vinte e nove ilhas do conjunto do Arquipélago das Quirimbas foram
objecto de solicitações de investimento apresentadas através do Ministério de Agricultura, ao
qual se subordina a Direcção Nacional de Geografia e Cadastro que procede ao registo dos
pedidos de concessão de terras. Mesmo sabendo-se que nem todas estas intenções de
investimento se materializarão, o seu volume representa um evidente sinal da grande
procura dos investidores privados conexa com as potencialidades contemplativas e de lazer
especializados da região do arquipélago e que interessam particularmente ao domínio do
turismo. Neste âmbito é significativa a opinião das autoridades provinciais, que consideram
que “a demanda no uso e aproveitamento da terra na região costeira da província de Cabo
Delgado é cada vez mais crescente. A pressão sobre os recursos naturais existentes na
zona aumentam o número de conflitos, motivados pela falta de conhecimento das regras de
conservação nas comunidades, falta de hospitalidade por parte dos investidores e falta de
coordenação entre as partes”.
Um dos factores que dificultam ou freiam a materialização dos investimentos turísticos são
os elevados custos do investimento inicial conexos com a fragilidade das redes infra-
estruturais por um lado e, por outro lado com uma ainda insuficiente atenção especializada,
instituída disponível, imprescindível para regular as intervenções em áreas caracterizadas
por grande fragilidade dos seus ecossistemas. Este factor induz a que se desenhem
projectos para utentes de alto padrão de rendimentos, na maioria não nacionais, o que

94
Murphree, Michael, Tourism, Conservation and Communitie. Developing a programme for the participation
of local communities in tourism and conservation in Cabo Delgado Province – Northern Mozambique, relatório,
Governo Provincial de Cabo Delgado, Janeiro de 2002, págs. 9 e 10.

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O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

obriga a uma planificação complexa e, por vezes ao uso de tecnologias inovadoras,


geralmente exógenas e só assimiláveis a prazo localmente, tanto pelas autoridades, como
pelos operadores, pelas comunidades e população. Outro factor importante que torna
complexa a criação de condições de arranque dos investimentos são as exigências
decorrentes da aplicação da Lei de Terras e do seu Regulamento. A aplicação do princípio
da ocupação de “boa-fé” obriga a negociações, por vezes com um grande número de
ocupantes, e à intervenção das autoridades, quer para garantir a protecção dos seus direitos
quer para mediar eventuais conflitos de interesses. Serão estes provavelmente algumas das
causas que explicam a lentidão e dificuldades da materialização das intenções de
investimento na região por parte de capitais e operadores nacionais, sendo ainda,
aparentemente, os estrangeiros que melhor enfrentam estes condicionalismos de
intervenção. Face a esta situação considera-se urgente a “necessidade de racionalizar o
aproveitamento dos recursos e o exercício das actividades de forma sustentável”95, pelo que
se propõem algumas acções consideradas importantes, nomeadamente: a divulgação do
plano de maneio da reserva marinha para as comunidades pescadoras em especial e em
geral para toda a sociedade civil; a flexibilização do processo de tradução da Lei de Terras
para o inglês, a fim de permitir a sua divulgação aos investidores; a realização de uma
fiscalização multidisciplinar periódica, para o acompanhamento das actividades
96
desenvolvidas nas ilhas.”
Para além dos conflitos e dos problemas de controlo que se estão a revelar no processo de
desenvolvimento da região costeira do Norte de Moçambique, é de realçar a relevância dada
pelas autoridades, no escalão respectivo, ao plano de maneio da reserva marinha como
instrumento básico de gestão moderna da região. É também de realçar a referência pelas
autoridades provinciais da necessidade de fiscalização periódica das actividades de
investimento através de uma metodologia que permita uma abordagem multidisciplinar.
Neste sentido seria importante que sejam envolvidos neste processo de controlo e monitoria
todos os inbtervenientes sobre os quais recaiam impactos significativos. Referimo-nos não
só aos representantes das autoridades governamentais e dos operadores privados, como
também das comunidades e de especialistas de reconhecido mérito, nomeadamente no
domínio dos impactos sobre o ambiente das actividades em presença. Neste processo o

95
Amimo, Oliveira, Situação de Investimentos no Arquipélago das Quirimbas, Direcção Provincial da
Agicultura da Província de Cabo Delgado, Relatório de 11 de Setembro de 2003, Pemba.
96
Idem

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

objectivo do controle e fiscalização não deve sobrepor-se aos imperativos da comunicação


entre as partes, da cooperação, da busca de ajustamento e inovação nos procedimentos, na
prevenção e resolução de conflitos, na garantia da manutenção dos principais factores de
sustentabilidade.
Podemos assim concluir que um dos pontos fortes da região das Quirimbas, o seu relativo
isolamento − de que advém o carácter relativamente saudável dos ecossistemas − está
também na origem das principais dificuldades a enfrentar pela implantação de
empreendimentos turísticos visando o desenvolvimento da região e a melhoria das
condições de vida das comunidades.

Em 2005 já se pode constatar que as apetências de investimento situam-se na área do


turismo, principalmente no complexo insular, no que concerne ao turismo de média/alta
gama. Esta tendência não parece estar a ser suficientemente contrabalançada por iniciativas
de matriz comunitária com impacto directo e imediatamente partilhado pelas comunidades
locais. Tal facto deverá ser objecto de reflexão e gestão por parte das autoridades no sentido
de conferir maior sustentabilidade social aos projectos, no quadro do respeito pelo princípio
da equidade, um dos pilares do desenvolvimento sustentável.

5.3. O Plano Nacional das Quirimbas (PNQ).


Antes do estabelecimento do Parque Nacional das Quirimbas, e no quadro da pesquisa
feita para a elaboração do Livro Branco da Província de Cabo Delgado97, já tinham sido
definidos alguns parâmetros caracterizadores da parte costeira e insular localizada
defronte do Distrito de Quissanga e que inclui as ilhas que viriam a ser parte do Parque
Nacional das Quirimbas:

1. Como recursos naturais refere-se: “A existência de mangais; praias e fauna


excepcional no meio aquático”;

2. Como recursos culturais refere-se: Uma arquitectura típica num interessante núcleo
edificado e uma importante tradição na ilha do Ibo; uma agricultura característica dedicada
ao cultivo do café; a existência de actividade de colheita e venda de pérolas.
Pelo Decreto nº 12 de 2002 o Conselho de Ministros de Moçambique criou o Parque
Nacional das Quirimbas. Neste diploma legal definem-se os limites geográficos do parque, o
tipo e finalidades de zonamento e sua finalidade, designadamente: o de servir “de

97
Elaborado com o apoio da Cooperação Espanhola e com beneplácito da União Europeia.

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

instrumento facilitador para as diferentes fases de planeamento e de gestão da conservação


dos recursos para os diferentes fins, nomeadamente, eco-turismo, turismo consumptivo e
outras utilizações sócio-económicas e culturais”98. Também se estabelece, no seu Art. 4.,
que o Ministro do Turismo aprovará o regulamento do Parque.
Por Despacho de 20 de Dezembro de 2003 o Ministro do Turismo aprova o Plano de Maneio
para o Parque Nacional das Quirimbas, para o período de 2004 a 2008. A criação deste
parque é não só a afirmação da consciência, a nível nacional, da pertinência da “protecção e
preservação dos recursos florestais e faunísticos e da conservação da biodiversidade e de
ecossistemas” da zona, mas também indica a necessidade de uma correcta e sustentável
gestão da área definida através da implantação de padrões adequados e cientificamente
fundamentados para o controlo da crescente actividade no seu território.

Para além dos âmbitos científicos conexos com a ecologia da região, o estudo para a
definição das normas e atitudes de maneio e gestão contou com a sensibilidade dos mais
diversos actores em presença, nomeadamente a administração pública, organizações não-
governamentais, privados e, em particular, a sensibilidade e participação das comunidades
residentes da área.
O Parque Nacional das Quirimbas, com 750237 ha, compreende uma vasta área continental
e marinha próxima da costa, no litoral norte de Moçambique, e inclui as 11 ilhas meridionais
do arquipélago, bem como o Banco de São Lázaro. A parte marinha do Parque (que
compreende o mar, as ilhas e o Banco da são Lázaro) estende-se por uma área de 152237
ha, sendo de 134377 ha a área da parte junto à costa e 17860 ha a área correspondente ao
Banco de São Lázaro99.
Este vasto banco localiza-se ao largo da costa, a 44,5 milhas a Leste da ilha de Matemo100.

Em termos gerias, a análise da informação disponível revela, que:

− O arquipélago das Quirimbas, incluindo a ilha do Ibo, é de relevância nacional e


regional. Esta relevância caracteriza-se por diversas valências, entre as quais se incluem a
sua importância ecológica, paisagística, económica e sociocultural.

98
Boletim da República, I SÉRIE – Número 22, de Quinta-feira, 6 de Junho de 2002, Suplemento, Art. 3.
99
Ministério do Turismo, com o apoio do WWF – Moçambique, Plano de Maneio do Parque Nacional das
Quirimbas, 2004 – 2008, Maputo, 2004, pág. 5.
100
Ministério da Defesa Nacional, em parceria com a direcção Principal da Navegação e Oceanografia do
Ministério da Defesa da URSS, Roteiro da costa da República popular de Moçambique, URSS, 1986, pág. 157.

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O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

− A área das Quirimbas que inclui as 11 ilhas meridionais está integrada no Parque
Nacional das Quirimbas, estando já instituídos, através do respectivo Plano de Maneio, um
conjunto de normas e condicionamentos para guiar a sua gestão.

− Preconiza-se a participação da Administração local, das comunidades e dos diversos


operadores em presença na gestão do Parque, a qual deve não apenas visar a preservação
da biodiversidade e dos valores culturais específicos da região, mas também o princípio do
benefício concreto na melhoria das suas condições de vida das comunidades locais. Tal
facto contribuirá para a elevação da consciência sobre a importância da gestão sustentada
dos recursos naturais, e para que as comunidades sejam um sujeito activo do processo.

− É fundamental a capacitação das Administrações locais de modo a que elas possam


dar o máximo de colaboração, e para que esta seja competente, atenta e expedita.

No capítulo especificamente dedicado ao contexto ecológico regional e nacional das


Quirimbas foram referidos indicadores gerais que conferem significância ecológica à eco-
região de que elas fazem parte. Quanto às razões que explicam a elevação da área das
Quirimbas a Parque Nacional, o respectivo Plano de Maneio refere as seguintes:
"1. Foi identificada como uma área de grande diversidade de habitats, incluindo quatro
habitats das eco-regiões declaradas da importância global, designadamente:

− Floresta Costeira do sul da Inhambane a Zanzibar;

− Mangais da África Oriental;

− Eco-Região Marinha da África Oriental;

− Florestas da Miombo e Savanas Orientais.

2. Três áreas do parque, nomeadamente a floresta de mangal do Ibo, a Baía de


Montepuez e o recife de coral de franja, foram identificados como locais chave para
conservação da biodiversidade marinha; o Banco de São Lázaro é também um local
importante de características únicas.

3. O recife de coral, especialmente na sua parte exyerior virada para o mar, está em
muito bom estado e tem uma diversidade de espécies de coral extremamente alta,
proporcionando condições de mergulho e ‘snorkelling’ a nível mundial.

4. As pescarias no Parque são extremamente importantes em termos da economia


provincial e da sobrevivência do povo e da Muani; os residentes locais compreendem os
problemas que a pesca enfrenta e apoiam totalmente o Parque.

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Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

5. Existe uma grande diversidade de espécies de peixe, de mangal, de ervas marinhas,


de moluscos e de macro-algas; as zonas entre-marés, em particular, foram identificadas
como sendo de enorme diversidade.

6. Tem uma topografia submarina diversificada, o que cria uma diversidade de tipos de
habitat e impede o seu uso para fins comerciais.

7. A área do parque é uma zona de alimento e nidificação para várias espécies de


tartaruga marinha.

8. Existem dugongos na área, assim como golfinhos e algumas espécies de tubarão.


Baleias visitam a área anualmente com as suas crias.

9. A área do Parque é atravessada por tês rotas migratórias de elefantes, existindo


ainda leões, leopardos, búfalos, mabecos, palapalas, elandes e várias outras espécies de
animais de grande porte. Aparentemente, a população de elefantes está ma aumentar.

10. O Parque é local de alimento e nidificação para diversas aves, incluindo algumas
aves de rapina em perigo de extinção, tais como as águias bateleur e matrial bem como
águias pesqueiras, flamingos e outros.
11. Na área do Parque existem vários tipos importantes de florestas e mata costeira, com
um alto nível de diversidade e plantas e endemismo (incluindo mata de Guibortia
scheliebeni). Existem grandes áreas de floresta seca e miombo que são de importância para
a conservação. Nas suas florestas encontram-se madeiras tais como o pau-preto e o
sândalo, entre outras espécies.

12. A área contém os inselbergs de Meluco, zona de importância paisagística e também


de grande endemismo.

13. A população do Parque está concentrada em quatro zonas de assentamento,


deixando vastas zonas desocupadas. A população apoia a criação do Parque.

14. A área do Parque é importante do ponto de vista histórico e cultural, com locais de
influência Árabe, Portuguesa e Africana, e monumentos históricos, incluindo a histórica
cidade do Ibo.

15. A área do Parque é uma zona pouco desenvolvida, com habitats ainda no seu estado
primitivo, muitos animais, com mares limpos de poluição e um ambiente não contaminado.

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

16. Devido a limitações na fertilidade dos solos, acesso, recursos de água subterrânea e
outros factores, a conservação e o turismo constituem a ‘melhor pratica de uso’ da área do
Parque.”101
A referência extensiva a estas razões justifica-se porque elas estabelecem não apenas a
caracterização geral do Parque, do ponto de vista físico e ecológico, mas também dão
indicações sobre o princípio de consulta à população, afirmam a importância do património
histórico e cultural da zona, e estabelecem a vocação turística da área preconizando a
“promoção do turismo sustentável num plano de acção concreto para a conservação, uso e
maneio de um dos seus recursos naturais, o Arquipélago das Quirimbas”.

No zonamento do Parque, o Plano de Maneio define quatro tipos de zonas designadas com
condicionamentos diferenciados e específicos: (1) zonas de protecção total; (2) zonas de uso
não especificado; (3) zonas de uso e desenvolvimento comunitário; (4) zonas tampão. Os
mangais do Ibo e o Porto do Ibo estão enquadrados na zona de protecção total. A ilha do Ibo
está enquadrada na zona de uso e desenvolvimento comunitário. Nesta zona estão incluídas
as outras ilhas habitadas do Parque, designadamente a ilha de a ilha de Matemo a ilha de
Quirimba e a ilha de Quirambo – cujo assentamento é administrativamente definido como um
dos quatro bairros da vila do Ibo.
No que concerne à gestão do Parque, o Plano de Maneio adopta como princípio o conceito
chamado de Fogão Africano, o qual consiste em basear a conservação dos recursos em três
elementos102: (1) uma clara definição da Propriedade dos Recursos; (2) a necessidade de
Benefícios Económicos, (2) a motivação para uma Gestão Sustentável.

O Plano Nacional de Maneio não é muito detalhado quanto à preservação e valorização


património edificado da Ilha do Ibo. Ele estabelece o princípio da sua preservação e a
limitação genérica da actividade de construção nova em todo o perímetro do chamado Bairro
Cimento, ou seja, em toda a parte “monumental” da vila do Ibo. Nesta parte da vila apenas
se preconizam acções de reabilitação das ruínas e construção existentes. A área de
construção destinada a novas unidades hoteleiras é restringida a cinco hectares na zona do
farol de Mujaca. Esta abordagem, que vale como medida de precaução na ausência de uma
análise na especialidade, aconselha a rápida elaboração de normas, princípios e orientações

101
Ministério do Turismo, com o apoio do WWF, Op.Cit. pág. 6.
102
Ministério do Turismo, com o apoio do WWF, Op.Cit., pág. 28. A designação adoptada baseia-se no fogão
tradicional das zonas rurais africanas, que são constituídos por tês pedras sobre as quais assenta a panela e por
baixo da qual se acende o fogo.

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

mais específicas e menos espartilhantes e mais motivadoras, dirigidas às eventuais


intervenções sobre o edificado. A não ser feito isto criam-se condições que induzirão, a
breve prazo, ao aparecimento de pulsões de construção (em resposta às já manifestas
pressões tendentes à melhoria das necessidades de alojamento, de conforto e de novos
equipamentos) que darão muito provavelmente origem a intervenções anárquicas,
desajustadas tecnicamente e pondo em risco a preservação do carácter e da singularidade
do delicado conjunto urbano e arquitectónico ainda perceptível. Exemplos deste tipo de
intervenção com efeitos destrutivos e descaracterizantes, sob o falso lema da “reabilitação” -
embora muito limitados - já existem na vila do Ibo e é fundamental impedir a sua
proliferação. Seriam necessários estudos multissectoriais para a definição de princípios e
normas que, garantido a manutenção da coerência do edificado no quadro da natureza e
objectivos do Parque, não impeçam acções futuras de requalificação, reconstrução e
recomposição do tecido edificado, em particular nas áreas em que ele foi esvaziado das
construções originais, devido ao abandono ou à falta de manutenção regular pelas entidades
competentes, públicas ou privadas.
O Plano de Maneio do Parque Nacional das Quirimbas defende que os usos considerados
compatíveis com os objectivos e o maneio do Parque são: o Turismo; o Eco-turismo; a
Conservação de natureza; e outras actividades sócio-económicas e culturais das
comunidades locais abrangidas pelo Parque. Esta definição corrobora o que já tinha sido
preconizado pelo Livro Branco da província de Cabo Delgado, elaborado por iniciativa
tripartida e conjunta do Governo Moçambicano, da Cooperação Espanhola e da União
Europeia.
5.4. O turismo como oportunidade e perigo. Implicações gerais na Província de Cabo
Delgado.
É evidente e largamente referenciada a questão do investimento turístico feito à margem dos
princípios de sustentabilidade. Existem inúmeros exemplos de intervenções cujos impactos
negativos sobre o natural e o construído preexistentes são de difícil correcção, perdendo-se
referências ambientais e culturais que se processavam equilibradamente e danificando-se
irreversivelmente ecossistemas fundamentais nessas zonas.
O perigo do impacto negativo do turismo pode traduzir-se por ditos popularizados e
afirmações de especialistas que chamam à atenção para tal. Podemos citar como exemplo:

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II Parte

"O turismo é como o fogo: nele podes cozinhar a teu jantar, mas se não tiveres cuidado ele
incendiará a tua casa.”103
“O Turismo é um tigre de duas caudas. Por um lado ele oferece emprego massivo e relança
a economia. Por outro, se não for controlado, ele pode roubar aos habitantes grande parte
daquilo que torna agradável a vida no seu país e apetecível a sua visita."104

A Estratégia das Maurícias para a ulterior Implementação do Programa de Acção para o


Desenvolvimento Sustentável das Estados Insulares105 reafirma o carácter bifacial do turismo
ao declarar (cap. VIII, 459): “O turismo é um importante contributo para o crescimento
económico dos Estados Insulares. Reconhece-se ainda que este sector pode propiciar
muitos choques exógenos. Adicionalmente, se o turismo não é desenvolvido
sustentadamente, ele pode danificar ou mesmo destruir o ambiente natural que atrai o turista
em primeiro lugar. O desafio para estabelecer o equilíbrio entre desenvolvimento do turismo
e o de outros sectores da economia é permanente.”

Quando o turismo nasce de potencialidades contemplativas e de lazer estabelecidas a partir


do desenvolvimento geral da sociedade, feito transversalmente em diversos sectores, ele
aparece assim como o resultado de um conjunto de condições mínimas que já estão
previamente estabelecidas, podendo ser caracterizado como uma das vias de
desenvolvimento induzido, possível e natural, de um processo de investimento preexistente.
Com a emergência, nos anos sessenta, daquilo a que se apelidou de “sociedade de lazer”, o
turismo começa a ser uma importante oportunidade em si, de geração de receitas, passando
a ter um desenvolvimento explosivo no fim do século passado106. Isto leva a que se invista
especificamente visando esse objectivo. Os países mais desenvolvidos, e que possuíam já
uma base infra-estrutural e tecnológica estabelecida, aproveitaram mais facilmente as
oportunidades que as exigências nascentes de lazer em massa trouxeram.

No caso dos países de baixo rendimento ou em vias desenvolvimento esta lógica não se
aplica do mesmo modo. Pelo facto de as infra-estruturas e o sector de serviços não estarem
adequadamente desenvolvidos e expandidos, é natural que seja muito elevado e menos
atractivo o investimento para tornar o turismo uma fonte de receitas e de elevação do bem-

103
Dito asiático anónimo, http://www.wwf.org.uk/researcher/issues/Tourism/index.asp, 16 de Maio de 2005.
104
Sir Lawrence Van der Post, http://www.irs.aber.ac.uk/bgg/, 16 de Maio de 2005.
105
Nações Unidas, Encontro Internacional para Revisão da Implementação Programa de Acção para o
Desenvolvimento Sustentável das Estados Insulares, Port Louis, Maurícias, 10-14 de Janeiro de 2005.
106
“Até ao ano 2010, ela (a indústria do turismo) estará servindo de base à criação de 5 500 000 de empregos por
ano” http://www.fgvsp.br/academico/estudos/celt/historia.htm – 4 de Maio de 2005.

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O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

estar em determinada região com potencial para tal, a não ser que esse potencial seja de
grande importância. Este é o caso de algumas regiões de Moçambique e, em particular, do
litoral da Província de Cabo Delgado.

Um dos vectores de desenvolvimento de Moçambique já durante o período colonial decorreu


das suas possibilidades turísticas, particularmente as ligadas ao turismo balnear e ao turismo
cinegético. O aproveitamento destas possibilidades foi temporariamente interrompido após a
independência do país, por razões políticas e opções de desenvolvimento que dificultaram
ou secundarizaram este sector, o qual deixou praticamente de ter expressão.
Depois da assinatura dos Acordos de Paz em 1994, e recuperada a possibilidade de livre
circulação pelo território, de novo se volta a colocar a necessidade de potenciar o turismo
como factor de crescimento económico. Ele foi declarado pelo governo como uma das áreas
mais importantes da economia, dadas as condições naturais em presença e a apetência dos
países vizinhos em retomar antigos destinos turísticos revelados ainda durante o período
colonial.

Nas suas fichas das unidades paisagísticas, o Livro Branco da Província de Cabo Delgado,
elaborado com o apoio da Cooperação Espanhola e com o beneplácito da União europeia,
estabelece como possibilidade de desenvolvimento para o arquipélago das Quirimbas o
seguinte:

− “Área com grandes possibilidades turísticas baseada na reutilização das residências


de origem portuguesa da cidade de Ibo e em trajectos entre ilhas por via marítima.

− Turismo de sol e praia em determinadas ilhas como Mefunvo.

− Turismo naturalista e fotográfico.”

As potencialidades de turismo balnear e cinegético, ou a sua combinação, continuam a ser a


principal motivação dos investidores do sector do turismo.
O litoral de Cabo Delgado apresenta substanciais potencialidades de lazer que podem
combinar a diversidade ecológica, com as possibilidades balneares e a existência de um
património cultural interessante. É também um facto que se tem verificado ultimamente
alguma apetência para o turismo nesta região. Mais ainda, o Ministério do turismo
moçambicano coloca esta região entre as suas prioridades de promoção. Mas o fraco
desenvolvimento, nomeadamente das infra-estruturas, dos serviços e da administração local,
faz com que o esforço de adequação destes sectores visando a opção pelo turismo tenha de

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II Parte

ser cuidadosamente ponderado, tanto do ponto de vista tanto da sua viabilidade económico-
financeira, como do da sua sustentabilidade ambiental e cultural, tendo sempre como
objectivo um impacto social positivo, sem o qual se podem gerar, a prazo, problemas de
rejeição social erosivas em relação a essa opção básica. É o que se verifica nalgumas áreas
de intervenção de investidores de capacidade e intenções duvidosas, nacionais e
estrangeiros, em particular de origem sul-africana. Podem-se citar como exemplos a
construção privativa descontrolada sobre afloramentos rochosos e dunas junto às praias,
com o risco de originar processos erosivos e de inquinamento futuros; a criação de
dificuldades de acesso do público às praias, gerando-se sentimentos de desagrado por parte
da população local, nunca antes impedida de o fazer; a desfiguração da paisagem com
elementos estranhos, desenquadrados e de qualidade duvidosa; a destruição da cobertura
vegetal natural e a introdução de espécies exóticas cujo impacto não está devidamente
estudado; a destruição de micro-sistemas ecológicos típicos da delicada interface entre a
terra firme e o mar; a destruição do enquadramento de construções e ambientes construídos,
de valor, do património cultural da zona, ou mesmo a intervenções tecnicamente erradas que
as desqualificam, por vezes, irreversivelmente. Estes problemas específicos à intervenção
privada, sem acordos específica e suficientemente acautelados e monitorados, somam-se
aos altos custos das intervenções que respeitem os princípios de preservação ambiental e
que derivam da quase inexistência de infra-estruturas integradas; as dificuldades de controlo
dos investimentos por parte das estruturas administrativas locais; a carência de normas
específicas que imponham abordagens e tecnologias adequadas e inovadoras quando é
necessário. Os problemas aqui referidos verificam-se já com acuidade nos pontos
actualmente mais atingidos pela pressão do turismo na costa da província de Cabo delgado,
em particular nas imediações da cidade Pemba e nas ilhas Quirimbas. Para contrariar este
panorama a prazo, o Ministério do Turismo tem ajustado os planos elaborados, estando
nomeadamente em curso de discussão o Plano de 2008 a 2013, sendo de realçar a
relevância que neles assume a defesa do princípio da conformidade ambiental. No entanto é
fundamental que se reavaliem e se reforcem as instituições e instrumentos administrativos
que guiem o investimento turístico e estabeleçam os termos da sua monitorização e controlo.

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O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

6. O Ibo no contexto das ilhas Quirimbas.

6.1. Acesso, localização, caracterização física e população da ilha do Ibo.


O acesso à ilha do Ibo pode ser feito pelo ar, existindo para o efeito uma pista de aviação de
pequena extensão; por mar a partir de Pemba; ou por terra e mar, com viagem por terra
entre Pemba e Tandanhangue e daqui, de barco de pequeno calado, até à ilha.

É de realçar o valor, em si, da viagem por mar entre as ilhas e entre estas e o continente
como elemento de contemplação e prazer, pelas surpresas da paisagem e vistas do
continente, o que encontra eco nas observações de A. Gomes e Sousa quando escreve
sobre as impressões da sua vagem pelas Quirimbas107.

A ilha do Ibo é a quarta das trinta e duas ilhas do Arquipélago das Quirimbas, contadas a
partir do Sul. Ela localiza-se entre os paralelos 12o 19’ 28” e 12o 24’ 24” Sul e os meridianos
40o 32’ 40” e 40o 37’ 32” Leste. A sua superfície vem referida com números diferentes
conforme os autores, variando de 10 Km2 segundo Caniua, F.T. a 15 km2 de acordo com
Bento, C. L.. Ainda segundo Caniua, F.T. ela está separada 375 m do continente, no seu
ponto mais próximo. Rodeiam-na recifes de coral no quadrante Nordeste/Sudoeste e
grandes manchas de mangal a sul e sudoeste. É uma das maiores ilhas do arquipélago, a
quarta em extensão segundo Carlos Bento, e será a maior se considerar a área
periodicamente inundada pelas marés108. Os pontos extremos da ilha distam de 8450 m no
comprimento e de 8200 m na largura, sendo o ponto mais alto de 10 m de altura nas
imediacões do reduto de Santo António. Na ilha localiza-se a vila do Ibo, sede do Distrito do
mesmo nome, o qual tem uma superfície de 47.5 Km2 e integra as ilhas das Rolas, Ninave,
Fiõ, Matemo, Ibo, Quirambo, Quirimba, Quilálea ou Quilaluia e Sencar.
As costas Norte e Nordeste da ilha do Ibo são orladas pelo baixo rochoso de Mujaca que
cobre e descobre, com uma largura de até 1 milha. A SSE da ilha os recifes de coral
estendem-se por 4 milhas e juntam-se aos recifes que avançam a partir da ilha de Quirimba.
Entre as ilhas do Ibo e de Quirimba, por um lado, e a costa continental por outro lado,
situam-se baixos que são cobertos de mangais e que cobrem e descobrem. Num baixo, a 8

107
Sousa, A. Gomes e, op. cit. pág. 143: “A viagem da costa para estas ilhas é das mais agradáveis devido à
grande extensão da costa que se avista, e bem merecia, por tal motivo, ser aproveitada para turismo. Fi-la numa
embarcação à vela, desde o palmar de Metone, um pouco ao Norte do cabo Paqueve, em dia de sol intenso de
Novembro, tendo assim ocasião de apreciar quanto essa viagem oferece de belo”;
108
A maior segundo a ficha Modelo de classificação de Monumentos Nacionais da Direcção do Património
Cultural, do Ministério da Cultura.

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

amarras para SW de extremidade W da ilha do Ibo, situa-se uma pequena ilha, a ilha de
Quirambo109. Esta ilha constitui o quarto bairro da vila do Ibo.
Como, nas maiores ilhas do arquipélago, a ilha do Ibo é constituída por manto rochoso de
pedra calcária de origem coralina, com muitos afloramentos à superfície, por solos dunares,
nalguns casos «cobertos por húmus resultante da vegetação arbórea, e ainda por uma
pequena espessura de solo arável». O solo coralino, irregular e rugoso, com desníveis
acentuados, não favorece a circulação cómoda das pessoas, situação agravada,
especialmente, quando calcorreado durante a noite110.
O clima é tropical sub-húmido, com temperaturas médias anuais entre 24 e 26oC e uma
pluviosidade média anual entre 800 e 1000 mm. Tem duas estações do ano, uma quente e
húmida (Novembro a Abril) e outra mais fresca (Maio a Dezembro). Em mais de metade dos
dias do mês não chove, tanto na estação seca como na chuvosa. Mas quando a chuva vem
com força as águas alagam as zonas baixas da ilha e interferem nas construções como
importante e pertinaz elemento de desgaste.

A ilha sofre a influência de duas monções anuais, a de nordeste e a de sudoeste, e dos


ventos locais. No fim da monção de nordeste ocorrem, com frequência, ciclones, com
prejuízos na agricultura e na navegação.
Apesar de muito raros, também há registos de abalos sísmicos, embora de fraca
intensidade111, os quais provavelmente poderão ter alguma influência na conservação dos
edifícios, tendo em conta as tecnologias de construção das alvenarias e o tipo de materiais
utilizados, pouco propensos à resistência a esforços de corte, com a consequente fissuração
das paredes, o que as coloca imediatamente vulneráveis à acção das chuvas. Este aspecto
deveria ser estudado mais sistematicamente.

Relativamente a outros dados de clima medidos na ilha do Ibo apenas foi possível obter a
pluviosidade medida em 1978, que foi de 1003.9 mm, dado que o Ibo era apenas um posto
Udométrico. Os restantes dados de humidade relativa, velocidade do vento e insolação, à
semelhança do que foi referido para o conjunto do arquipélago, só podem ser obtidos por

109
(autor não identificado), Roteiro da costa da República Popular de Moçambique, Op. Cit. pág. 55.
110
Bento, Carlos Lopes, Uma experiência de desenvolvimento comunitário na ilha do Ibo, Moçambique, entre
1969 e 1972, Separata do Boletim da sociedade de Geografia de Lisboa, Série 115a – Nos 1 – 12, Lisboa, janeiro -
Dezembro de 1997, pág. 22.
111
Há registos de “terramoto” no séc. XIX e a equipa que eu dirigi em julho de 2002 confirmou o facto, tendo
protagonizado um desses pequenos abalos sísmicos durante os trabalhos de levantamento,

91
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O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

interpolação a partir de dados das estações localizadas relativamente próximas do


continente, e que se apresentam em Anexo.
Na ilha do Ibo a flora nativa apresenta características comuns à das restantes ilhas
povoadas. Dentre as espécies arbóreas nativas ou exóticas ocorrem os embondeiros, as
casuarinas, as acácias amarelas e rubras, as maçaniqueiras, as seringueiras, figueiras
exóticas e as amendoeiras da Índia, bem como árvores e arbustos apreciados pelos seus
frutos, nomeadamente coqueiros, mangueiras, cajueiros, tamarindeiros, jambaloeiros,
cafezeiros, ateiras, bananeiras, romãzeiras. No centro da ilha e a Leste e Nordeste do
aeroporto existem ainda algumas áreas muito restritas de matagal. No extremo leste e
sudeste da ilha localiza-se a principal área agricultada da população, fora da zona habitada,
com culturas de sequeiro e sazonais, principalmente o arroz, a batata-doce a mandioca, e
pequenas manchas de bananeiras.

Quanto à fauna, o que se referiu relativamente ao arquipélago em geral aplica-se à ilha do


Ibo. Há ainda a referir a existência de diversas espécies de roedores e répteis de pequeno
porte. A população da ilha introduziu ao longo do tempo animais domésticos, utilizados na
sua dieta alimentar, dentre os quais se destacam hoje os caprinos e aves de capoeira. Como
nota ilustrativa do tipo de animais domésticos que a ilha possuiu referira-se que em
recenseamento feito em 1972 a população da ilha (que era de 3518 habitantes em 1971)
possuía 1675 animais domésticos distribuídos do seguinte modo: 447 cabritos; 65 bovinos;
932 galinhas e 162 patos112. Convém sublinhar que estudos feitos sobre a apetência da ilha
no que respeita à criação de gado bovino não aconselham o aumento deste tipo de animais,
por falta de pastagens, para além de danos ecológicos que tal significaria. Actualmente o
número de bovinos reduziu-se.

Em 1986 viviam na ilha do Ibo cerca de 3500 pessoas. Em 1991 a população recenseada na
ilha do Ibo era de 3941 pessoas, estando neste número incluídas 252 pessoas da ilha de
Quirambo, a qual constitui um dos seus bairros. Parece não ter havido uma substancial
variação da população de então para 2003. O número que nos foi dado pelas autoridades da
Ilha em 2002 (pela administração e pelos chefes dos bairros) não ultrapassava as cerca de
3500 pessoas. Quanto à variação da população no período entre 1986 a 1997 é interessante
notar, como nela se reflectem tão claramente as vicissitudes por que o país passou: até 1986

112
Bento, Carlos Lopes, Uma experiência de desenvolvimento comunitário na ilha do Ibo, entre 1969 e 1972,
Separata do Boletim da Sociedade de Geografia, Série 115.a – N.os 1-12, Janeiro-Dezembro de 1997.

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II Parte

estava-se numa situação de crescimento natural, embora baixo; de 1986 a 1991 dá-se um
forte crescimento populacional motivado pela guerra e fruto da maior segurança que as ilhas
proporcionavam; de 1991 a 1997 inverte-se o crescimento, verificando-se um forte
decréscimo da população. Sublinhe-se que, segundo Carlos Bento, em meados do séc. XIX
(1856) a população do Ibo atingira a cifra de 5390 habitantes. Isto significa que desde essa
época a população da ilha entra em declínio, não sendo portanto recente a tendência
verificada após a independência de Moçambique, não obstante ter havido factores que a
tenham acelerado, como por exemplo a guerra terminada em 1994.

6.2. A centralidade da Ilha do Ibo no arquipélago das Quirimbas.

Não parece ter sido apenas o comércio de escravos, feito em momentos diferentes
principalmente por árabes, portugueses, franceses, que construiu a notoriedade e
prosperidade das ilhas Quirimbas como ponto de contacto. Antes da chegada dos
portugueses às ilhas também é referido pelos historiadores a procura de fibra de coco e
tecidos designados por panos de maluane – designação de local incerto junto às ilhas –, cujo
centro de produção se localizou primeiro em Wamizi e, posteriormente, na ilha de Matemo
durante todo o século XVII. Note-se que devido a este produto os portugueses apelidaram
inicialmente as Quirimbas como Ilhas de Maluane113.
Como entreposto comercial, as Quirimbas ganham também alguma importância pela procura
de marfim, arroz, milho, carapaças de tartaruga, maná, urzela, caurim e âmbar. Na penúltima
década de oitocentos, e conforme descrições Henry O’Neill114de Ao litoral frente às ilhas
chegavam as caravanas de comerciantes do interior trazendo cera de abelha, goma copal,
cauchu, oleaginosas, para além do marfim. Jerónimo Romero também faz referência à
produção de aves de capoeira e de gado caprino, ovino, suíno e bovino na ilha do Ibo. Em
finais do século XIX e princípios do século XX, mas durante poucos anos, exportou-se casca
de mangal a partir do Ibo; mas este comércio, que rapidamente começou a ter um impacto
negativo nas matas de mangal acabou por ser, felizmente, proibido pela Companhia do
Niassa. A ilha de Moçambique beneficiou de grandes quantidades de produtos alimentares
provenientes das Quirimbas115.

113
Newitt, Malyn, História de Moçambique, Publicações Europa-América, Mem Martins, 1997, págs. 30 e 176.
Os panos de Maluane eram tecidos com seda ou algodão e tingidos com o anil da região.
114
Cônsul britânico na Ilha de Moçambique. Op. cit. pág. 295.
115
Idem, pág.228 e 229.

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Inicialmente, parece que as ilhas mais importantes do arquipélago terão sido a de Vamizi,
Matemo e Quirimba. Relativamente à ilha de Matemo, Frei João dos Santos refere no seu
livro Etiópia Oriental de 1609, que esta ilha teria sido ocupada por uma grande povoação de
mouros, o que se deduziria pelo facto de as ruínas de muitas casas existentes então
mostrarem a existência de portais e janelas guarnecidas de colunas lavradas.

Em 1570 dá-se a primeira abolição da escravatura, mas esta pratica é re-decretada em


1645116. Só em 1836 é que se proíbe exportação de escravos, mas o fim da escravatura só é
decretada em 1858, devendo os escravos ser declarados livres a partir de 1878117.
Tendo os portugueses reconhecido que as ilhas se tinham transformado em importantes
centros de comércio independente conduzido pelos muçulmanos, uma enorme expedição
atacou Quirimba em 1522, tendo reduzido a cinzas a cidade existente na ilha. É provável que
em finais do século XVI e princípios do século XVII o arquipélago das Quirimbas tenha sido o
maior fornecedor de alimentos à ilha de Moçambique, o que terá levado a que o vice-rei da
Índia Lourenço Távora tivesse decidido invernar nestas ilhas com os seus barcos118.

A localização geográfica parece ser um dos elementos importantes a considerar no que


respeita à notoriedade das Quirimbas. Tudo indica que a sua localização geográfica
constituía, simultaneamente, um elemento de atenção por parte de forças externas e um
elemento de tensão por parte das chefias administrativas e da população. Situadas no
extremo setentrional do território colonial, elas constituíam a primeira linha de defesa do
território português na margem ocidental do Índico e funcionavam também como ponto de
interacção e de “cobiça” em relação às riquezas do interland naquela parte do continente.
Daí os constantes incursões e ataques que sofreram ao longo da sua história, os quais foram
muito intensos no fim do século XVII e no primeiro quartel do século XIX.

A combinação de vários factores – nomeadamente a maior vulnerabilidade de ilha de


Quirimba, a busca de condições mais protegidas de ancoradouro e abrigo das embarcações,
e a tentativa de se impulsionar a produção agrícola durante o governo de António de Melo e
Castro em Moçambique (entre 1756 e 1763) – levou a que se transferisse a capital das ilhas,
localizada inicialmente na ilha de Quirimba, para a ilha do Ibo. Esta transforma-se assim na

116
Na sua monografia sobre a ilha do Ibo (pág. 15), o Administrador de circunscrição António Baptista de
Oliveira refere que no período entre 1645 a 1671 o comércio de escravos é a actividade dominante nas
Quirimbas.
117
Oliveira, António Baptista de, Monografia da ilha do Ibo (relatório), Arquivo Histórico de Moçambique,
Maputo, pág.28.
118
Newitt, Malyn, op.cit., pág. 177.

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sede do governo subalterno das ilhas e do território do Cabo Delgado, passando por um
rápido processo de ascensão.
A Vila do Ibo foi fundada, como tal, pela coroa portuguesa em 1761. A partir de 1764 e
durante mais de 160 anos ela foi a capital dos governos subalternos e de distrito e só em
1929 é que a actual cidade de Pemba assume formalmente esta qualidade, passando a ser
a capital da Província de Cabo Delgado, em substituição da Vila do Ibo. Edificam-se ruas
repletas de casas e, entorno de uma praça, ergueram-se belíssimos edifícios públicos. No
início do século XIX, apenas Moçambique ultrapassava Ibo enquanto centro onde o comércio
se caracterizava precisamente pela prosperidade119. Em 1869 a vila do Ibo foi visitada com
grande pompa pela Rainha de Anjuane e seu cunhado120.

Em 1862 existiam na ilha do Ibo um total de 171 embarcações. Uma imagem da importância
da Vila do Ibo nos fins do século XIX e mesmo durante a primeira metade do século XX
transparece, por exemplo, no seguinte:

− Funcionava frequentemente como ponto intermédio de partida e de chegada das


expedições para o reconhecimento do interior;

− Possuía um sistema relativamente importante de defesa da ilha constituída por três


fortificações;

− Possuía uma administração relativamente consolidada, albergando a sede do


Governo do Distrito de Cabo Delgado (embora dependesse em muito da iniciativa dos
colonos locais e de donativos privados para levar a cabo iniciativas de interesse para a ilha);

− Possuía serviços públicos e privados e equipamentos sociais fundamentais


nomeadamente a Administração do Conselho, a sede da Comarca de Cabo Delgado, a
Direcção de saúde, serviços alfandegários, a Fazenda, a sede dos Correios e Telégrafos do
Distrito, a Delegação Marítima, os serviços meteorológicos, a sede do Banco Nacional
Ultramarino (BNU), agências de seguros e estabelecimentos de exportação e importação,
bem como uma rede significativa de instalações comerciais, mercado e matadouro público;

− Possuía um porto balizado e uma casa do farol em Mujaca;

− Era um significativo centro religioso cristão e muçulmano;

119
Idem, pág. 179
120
Oliveira, António Baptista de, op. cit. 40.

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− Possuía alguma indústria, ainda de reduzidas dimensões, nomeadamente de óleos e


sabões, de processamento de castanha de caju, de descasque de arroz, de tabaco; e a
comunidade chinesa, que fora autorizada a emigrar para a ilha em 1895, introduziram a peca
e a secagem de holotúria, que era concentrada e expotada a partir do Ibo;

− Possuía iluminação pública, um sistema bem identificado de ruas e travessas121, e o


assentamento urbano era gerido através de um Código de Posturas que, entre outros
aspectos, definia os limites da vila do Ibo e regulava a construção e o tipo de intervenções
sobre o edificado;

− Possuía uma intensa vida cultural, não só no que respeita às práticas culturais
populares nos diversos domínios já antes referidos no capítulo dos sabres locais, como no
que respeita a manifestações mais modernas da cultura de tipo ocidental como o teatro e
outras.
Até ao primeiro quinquénio do século XX o Ibo chegou a albergar cinco agências consulares
ou vice-consulados, sendo quatro delas: a da França, a da Alemanha, a da Espanha e a da
Bélgica.

O porto do Ibo era demandado por embarcações costeiras e navios de longo curso numa
frequência significativa, mesmo depois de ter entrado em processo decadência por
deslocalização das autoridades administrativas para a cidade de Pemba, no continente. Em
1933, o porto do Ibo recebeu 41 navios de cabotagem; em 1943, recebeu 20; em 1944,
recebeu 17; em 1953 recebeu 36 navios de cabotagem e 4 de longo curso e em 1962
recebeu 52 navios de cabotagem e 8 de longo curso. Neste ano o porto movimentou cerca
de 4 mil toneladas de carga de exportação e cerca de 2 mil toneladas de carga de
cabotagem.

É evidente que a situação de prosperidade do Ibo não pôde ter sido alcançada sem conflitos
internos relativamente importantes que não se devem ignorar. A prática da escravatura foi
motivo de protestos e revoltas da população que era objecto de tal negócio, tendo-se
registado no século XIX levantamentos populares em 1883 e em 1868.

121
Os nomes das ruas da época eram dedicados ao rei, rainha e príncipes portugueses, havendo outras com a
designação de Rua Formosa, rua da Bela Vista, Rua Nova, rua da Alegria, rua das Delícias, Rua Verde, rua do
Teatro, rua da Escola e até a rua do Contrabando, como nos diz António Baptista de Oliveira no Relatório citado,
pág. 46.

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O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

É interessante registar este processo cíclico e persistente de recuperação, mesmo trinta e


três anos depois de perder o estatuto de capital de distrito a favor de Pemba. É como se na
alma das Quirimbas, nomeadamente no Ibo, houvesse duas tensões em constante
contradição: de um lado a tensão das potencialidades criativas e de desenvolvimento que a
geografia e a história lhe confere e, do outro lado, a tensão do retrocesso, que a distância e
o isolamento por vezes engendram.
Esta centralidade da ilha do Ibo caracterizada pela sua relativa prosperidade apresenta
também um carácter ambivalente. Ela nem sempre se deveu a uma estratégia planificada do
governo colonial: as Quirimbas foram quase sempre deixadas ao seu próprio arbítrio, ao
arbítrio das iniciativas dos senhores locais. Raras vezes foram atendidos pelo governo da
colónia os pedidos de reforço de verbas solicitados pelas autoridades locais para resolver a
necessidade de reabilitação das fortificações, para melhora e ampliar os serviços públicos ou
para reparar danos provocados por desastres naturais. Daí que, frequentemente, a
Administração do Ibo tenha sido obrigada a recorrer à subscrição pública, ao apoio privado
ou a manifestações de desagravo das forças locais: é como se a centralidade da ilha do Ibo
fosse obra de uma persistente vontade alimentada pelas suas gentes, até que ela foi vencida
pela força das terras do continente e pelas medidas de força das autoridades centrais122.
Esta centralidade, descentrada do poder central colonial, mas também alimentada no
contacto com culturas de outros povos, plasmou-se no desenvolvimento da sua própria
cultura. Parece ser esta uma das razões de base da singularidade do património cultural de
que se refere adiante, mas que se encontra em risco de desaparecimento caso não se actue
sobre ele, fazendo recurso, inclusive, aos próprios saberes acumulados localmente.

6.3. A ilha do Ibo como repositório de saber local.

Que saberes se poderiam destacar como património cultural da Ilha do Ibo em resultado de
elaboração própria, e que se afirmariam como traço de identidade característico? A resposta
a esta questão é do âmbito da antropologia cultural. No entanto pode-se referir à partida que
esses saberes são com certeza marcados pelo contexto geográfico, ecológico e ambiental.
As observações feitas na ilha em 2003 e as entrevistas a personalidades seleccionadas para

122
Este tipo de medidas pode ser exemplificado pela instrução de desbalizagem do porto do Ibo e pelo aumento
das tarifas, ordenados pelas autoridades distritais para favorecer os portos de Pemba, a Sul, e de Mocímboa da
Praia, a Norte.

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O caso da Ilha do Ibo.

II Parte

o efeito, pelas suas habilidades, permitem no entanto estabelecer ruma hipótese de


abordagem à questão colocada.
As principais manifestações de saber na Ilha do Ibo, passíveis de ser exploradas e
desenvolvidas num novo contexto de revitalização económica, distribuem-se pelos seguintes
domínios e constituem as valências que a seguir se enumeram.

• O domínio da valorização de profissões e técnicas tradicionalmente exercidas e


conhecidas, de que se destacam a construção de alvenarias, a ourivesaria, a carpintaria, a
latoaria, a fundição artesanal, a construção naval. Não foi possível fazer o seu levantamento
para se estabelecer o significado relativo da sua actual ocorrência. O recenseamento feito
por Carlos Lopes Bento em 1971 dava a seguinte imagem123:

• O domínio da culinária, nomeadamente no que se refere às práticas de conserva


tradicional e doméstica de mariscos (conhecidos localmente pelas designações de macasa,
mbareh, nhamata124e outros), de pescado (maragaio), de palmito (quiréreh), em escala
adequada e, eventualmente, a produção de compotas (de manga, de goiaba, de maçanica),
de frutas secas (banana, manga, maçanica) e o aproveitamento de sumos e bebidas locais
(a água de coco, a sura);

• O domínio da pesca (peixe e crustáceos);

• O domínio da agricultura, com particular realce para o incentivo à reabilitação da


prática tradicional de cultura e produção do café125;

• O domínio da cultura, nomeadamente a valorização do edificado, da música, da


dança, das cerimónias tradicionais, dos produtos da cosmética e higiene tradicionais (m’siro,
mussuáqui, mulala e outros a seleccionar).

Qualquer das opções referidas, e que eventualmente se decida incentivar com base em
estudos de eco compatibilidade, estudos de viabilidade, estudos de mercados especializados
e estudos de stocks exploráveis, deverá respeitar os princípios e requisitos estabelecidos de
preservação da biodiversidade, do ambiente e da paisagem e da conservação dos recursos
naturais. Mas, inversamente, as limitações decorrentes dos critérios de sustentabilidade

123
Bento, Carlos Lopes, Uma experiência de desenvolvimento comunitário na ilha do Ibo, Moçambique, entre
1969 e 1972, Separata do Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Série 115a – Nos 1-12, Janeiro –
Dezembro de 1997, pág. 38.
124
Macasa: bivalve da família dos Pinnidae; Mbareh: bivalve da família dos Pteriidae; Nhamata: marisco da
família dos Polyplacofora.
125
“Coffea Ibo de Frohner”, conforme Carlos Lopes Bento, op. cit. Pág. 219.

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II Parte

ambiental têm também de estar em consonância com a preservação do património cultural


tangível e intangível construído ao longo do tempo, pela população. É nomeadamente
através da definição de escalas adequadas de exploração, da modernização das técnicas de
produção e do controle e monitoria dos processos por parte dos actores envolvidos que se
garantirá que as acções de desenvolvimento não se transformem em acções predadoras, e
que se estimulará o equilíbrio entre as necessidades da população e a sustentabilidade dos
processos.

As evidências empíricas indicam um forte tendência de envelhecimento da população e de


emigração dos jovens para outras paragens. As indicações colhidas sugerem também o
enfraquecimento da dinâmica de preservação dos saberes e práticas tradicionais locais, o
que pode conduzir ao desaparecimento de traços relevantes do saber local e indígena. Seria
importante a consideração de um programa de revitalização e transmissão deste acervo de
conhecimento local de modo a garantir a sobrevivência e o desenvolvimento dos saberes e
boas práticas que a inter-relação cultural e o contexto ambiental específico permitiram
elaborar e acumular ao longo da história do Ibo e do arquipélago das Quirimbas. Parece hoje
evidente que o turismo pode ser a actividade económica capaz de alavancar hipóteses
sustentadas de revelação e valorização destes saberes que são parte integrante da cultura
das ilhas.

Tomando mais uma vez a Declaração das Maurícias, no seu ponto 13, os Estados Insulares
em desenvolvimento sublinham a importância da preservação da cultura como
representando “a expressão e identidade dos povos e a base da riqueza da diversidade
cultural, tradições e costumes”. O estudo dos conhecimentos, do saber-fazer e das técnicas
acumulados ao longo do tempo pela população do Ibo e das Quirimbas em geral é, pois,
muito importante como factor para a abertura de oportunidades de desenvolvimento
sustentado.

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III Parte

III PARTE: O edificado: arquitectura e Identidade na Ilha do Ibo

"Memory is vital to creativity: that holds true for individuals and for peoples, who find in their heritage -
natural and cultural, tangible and intangible - the key to their identity and the source of their
inspiration". UNESCO.

World tangible heritage serves as a stimulus for everybody's memory. It crystallizes in its
manifestation the specificity of a culture as well as its universal vocation. UNESCO's action in the field
of tangible heritage focuses on three axes:
prevention, management and intervention.
(Tangible Cultural Heritage UNESCO Sector for Culture.htm) Maio de 2003

Um dos aspectos singulares da arquitectura do Ibo é a clara imagem de integração de


experiências arquitectónicas tão diferentes dos seus habitantes, ou seja: a experiência
popular local de construção e desenho, com ênfase para a experiência swahili, e as
experiências de construção e desenho exógenos, nomeadamente a colonial/ocidental e a de
outros povos do Índico e do Oriente que demandavam a costa oriental africana. Obtém-se
assim como resultado um conjunto cujos elementos de coerência e unidade podem ser
encontrados tanto na zona formal como na zona informal. O factor principal que terá
contribuído para esta realidade parece estar no conceito referido antes, de centralidade
descentrada da ilha do Ibo no quadro da administração colonial. Diz-nos Malyn Newitt que
Cabo Delgado, (incluindo assim as Ilhas Quirimbas) constituía uma espécie de zona de
‘fronteira’ onde a autoridade governamental era fraca e os povos de várias origens étnicas e
culturais sobreviviam e/ ou prosperavam mediante o desenvolvimento de instituições locais
baseadas na cooperação mútua126. Deste modo é natural que tanto as autoridades como a
população me geral fundasse as suas aspirações de melhoria de condições de vida
principalmente nos recursos de que dispunham localmente, isto é, naquilo que era oferecido
pela natureza127, pelas oportunidades128, e pelos saberes em presença129. É este o contexto
que permeia toda a abordagem que se desenvolverá a seguir, procurando-se caracterizar a
realidade e as opções que a determinam, e tentando-se avançar para considerações
propositivas metodológicas ou mesmo de intervenção.

126
Newitt, Malyn, op. cit., pág. 228.
127
O coral, os diversos materiais vegetais, as resinas e até a mica do continente)
128
Por exemplo a telha de Marselha trazida pelos franceses no processo mercantil.
129
Dos povos do continente, dos swahili, dos árabes, dos portugueses, dos indianos e de outros.

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O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

7. A “vila de coral e telha”: lugar, desenho e carácter.

7.1. Referências cronológicas: factores de destruição e decadência, e impulsos de


reconstrução e desenvolvimento.
A ordenação articulada dos principais factos de interesse para a compreensão dos
fenómenos de modelação antrópica da paisagem e sua transformação é um instrumento
importante para a sistematização e teorização das diferentes valências da experiência
humana no caso de estudo. Ele permite-nos estabelecer as referências a partir das quais se
pode estabelecer o nexo entre as preexistências, as transformações e o desenvolvimento do
edificado da ilha.

A análise do quadro cronológico dos acontecimentos, em Anexo, bem como a consulta à


documentação permitem perceber que o processo de construção e desenvolvimento da ilha,
do seu assentamento humano e respectivo conjunto edificado, foi-se fazendo por períodos
alternados de decadência e reconstrução.

1. Como elementos de decadência e de perturbação do processo normal de


desenvolvimento podem-se indicar:

a) Ataques e razias a partir do exterior;

b) Desastres naturais, em particular tempestades ciclónicas das monções e


abalos sísmicos;

c) Deficiências e negligência na gestão administrativa;

d) Decisões políticas (1) baixando o nível de gestão específica e independente


da vila através de uma câmara municipal – com a extinção da câmara municipal em
1986, passando a gestão da vila a depender da administração geral do território nela
sediada –, e (2) retirando à ilha a sua centralidade no quadro da administração
territorial – com a mudança da capital do Distrito para Pemba, provisoriamente a partir
de 1902 e definitivamente a partir de 1929, e com acções específicas de diminuição da
operacionalidade e importância do porto em favor de outros portos da costa como
Pemba e Mocímboa da Praia;

e) Fim do tráfico de escravos e a diminuição da actividade comercial, que


resultaram da acção conjugada de medidas legais e da afirmação das potencialidades

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III Parte

económicas de outros assentamentos costeiros fruto de maior proximidade dos


recursos e melhores condições e facilidades de transportes e comunicações;

f) Emigração da população para outras partes do país.

Mas mesmo apesar destes factores, a ilha foi capaz de reerguer o seu conjunto
edificado ao longo da sua história e reencetar processos de recuperação.

2. Os principais factores de reconstrução foram:

a1) A existência de uma tradição de construção swahili de consolidada,


proveniente da integração do saber dos povos africanos do litoral com contribuições de
outros povos nomeadamente a contribuição árabe e as de outros saberes do Índico
oriental;

b1) A manutenção da centralidade da ilha do Ibo durante um século, o que


permitiu decantar experiências, o seu aperfeiçoamento local e até a sua diferenciação
para outras opções de concepção e construção, tendo no entanto sido interrompida
esta pulsão quando o Ibo entra definitivamente em decadência;

c1) A fraca interferência da administração colonial no condicionamento da


manifestação da capacidade individual ou corporativa de empreendimento, o que
evitou a imposição por via administrativa de opções monumentais e de concepção e
projecto exógenos;

d1) A cooperação entre as diferentes comunidades, o que és bem expresso na


tolerância e convivência religiosa e “civilizacional”.

Estes factores de decadência e de reconstrução, que são específicos à ilha e que se


desenrolam num ambiente territorial administrativo e de relativo isolamento e confinamento,
acabam também por configurar opções de desenho e técnicas cujo conhecimento é
importante para a planificação de qualquer actividade de construção e reabilitação da vila.

7.2. Uma interpretação dos principais elementos estruturantes da vila de coral e telha,
o Bairro Cimento.
Parece não haver referências explícitas da existência de um plano urbano, previamente
elaborado, para a implantação física da Vila. Na sua tese de doutoramento sobre as ilhas
Quirimbas o Prof. Carlos Bento indica a data de 1761 como data de elevação do povoado do
Ibo à categoria de vila e 1764 como data da “implantação” da vila. Segundo este auto, a
utilização do termo “implantação” deveu-se ao facto de, para além da tomada de posse dos

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III Parte

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oficiais designados da Câmara em 1764, ter-se feito a inauguração de alguns edifícios
construídos na altura, havendo um auto de entrega assinalando o acontecimento. “Tal
pressuporia ter havido um traçado ou, pelo menos, uma opção de ocupação espacial, que
presidiriam à localização de tais construções. De resto, no quarto trimestre de 1764, os
vereadores da Câmara informaram em testemunho público que, em Junho do mesmo ano,
chegara às ilhas o sargento-mor de infantaria Alberto Júdice e que este, cumprindo as
ordens que recebera previamente, “estabeleceu em um bom terreno (...) do Ibo, a nova Vila
à qual deu o nome de São João do Ibo, dividindo o terreno em ruas travessas de boa
largura, pondo marcos nos ângulos em que as ruas encontram as travessas. Criou nova
Câmara, fez uma cadeia, de duas casas”. Para além da estrutura viária, o sargento-mor
Alberto Júdice, “à imitação das melhores vilas do Reino” definiu uma boa praça e levantou
um pelourinho, no melhor sítio da vila escolhido pela população, “para comodidade de todos.
Sabendo-se das constantes investidas militares e ataques que as ilhas sofriam por parte de
povos que ambicionavam o domínio comercial da região, é compreensível que, no mínimo, a
estrutura geral da vila tivesse tido definição de uma mão militar, sendo esta apoiada,
naturalmente, nos modelos já realizados noutras vilas de Portugal ou das suas colónias”.

A partir de uma análise das distâncias e da relação das fortificações entre si e com a parte
“formal” da vila, (e mesmo sabendo-se que duas das fortificações não existiam em 1764)
parece evidenciar que a localização das três fortificações131 da Ilha configurou, ao longo do
tempo, as linhas de força definidoras do campo de desenho, dentro do qual se foi
completando e ou desenvolvendo a trama urbana que Serpa Pinto encontrou nos finais do
séc. XIX, e que ainda existe.

De facto, na geometria actual da vila do Ibo transparece uma curiosa estruturação ancorada
num conjunto de três eixos dispostos em triângulo, de lados flectidos para o interior, tendo
como vértices as três fortificações militares: a fortaleza de S. João Baptista, a mais
importante, o fortim de S. José e o de Sto. António.

Dentro do espaço delimitado pelas três fortificações, no qual se desenvolveu o ‘núcleo duro’
do conjunto urbano, actualmente designado de Bairro Cimento, localiza-se a principal praça
da vila. ... A praça é composta de três sub-espaços outrora ajardinados com base numa

130
O Juiz Ordinário, o Vereador mais velho e os outros três Vereadores da Câmara Municipal, o Procurador do
Concelho e o Escrivão;
131
Com as exigências relativas às limitações de alcance e campo de tiro, que no entanto não se verifica entre a
Fortaleza de São João Baptista e a de Sto. António;

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opção de desenho geométrico simples e com árvores de sombra ladeando os principais


percursos. Desembocam, irradiam e nela penetram caminhos que prolongam vias
provenientes de várias direcções, nomeadamente de Leste, de Nor-Nordeste, de Oeste, de
Sudoeste e de Sudeste, fazendo convergir nela fluxos que a atravessam, lhe definem a
geometria e a vivificam. Por estas vias fazem-se as ligações respectivamente com a zona
comercial, com a zona suburbana ou informal, com a zona residencial da marginal, com a
ponte cais e com aberturas que a ligam ao porto de abrigo, local de embarque e de
desembarque dos barcos de passageiros e de carga, a motor ou à vela. Nesta vasta praça
localiza-se o núcleo monumental da vila e se erguem ainda hoje as mais importantes
edificações do poder público: a Alfândega; a Igreja católica; a residência do Administrador; o
Hospital; o antigo edifício do Tribunal que hoje alberga a Administração Marítima e as
Telecomunicações de Moçambique; o antigo edifício da Fazenda, hoje desocupado; a Escola
Primária Pública de nível II (E.P. II); o principal fontenário da vila e o recinto onde agora se
realizam as festas públicas, designadamente a tradicional festa de S. João.” É a chamada
Praça da República: um espaço urbano hoje degradado e que apresenta descuido, em que o
elemento principal é o seu jardim. Este jardim é caracterizado por frondosas amendoeiras da
Índia (Terminalia catappa), serigueiras e acácias amarelas (Cassia siamea) a bordejar a área
outrora ajardinada e hoje quase vazia de plantas, a não ser as amariliáceas de umbela
brancas (Crinum pedunculatus) e brincos de princesa (Hibiscus schizopetalus), muito usadas
nos ajardinados132. O elemento particular deste conjunto aiardinado é o facto de as principais
árvores serem conhecidas pela população por nomes específicos, como se de pessoas se
tratasse.

“Valeria a pena aprofundar este domínio, o da arborização da vila e suas particularidades,


tanto na zona formal como na informal e fora delas. Este estudo permitir-nos-ia compreender
a importância das diferentes espécies arbóreas pelo seu carácter mítico, ou ainda
simplesmente pelo seu valor como marco urbano. Para além deste aspecto seria igualmente
relevante recensear locais arborizados de índole sagrada cuja preservação teria de se
garantir.”

É pertinente observar que quanto à praça ou largo principal da vila a sensação de “exagero”
dimensional talvez resulte não tanto da combinação, mas sim do somatório de exigências de
espaço relativas a três das funções geralmente geradoras, por si só, das praças

132
Carrilho, Júlio, e outros, Ibo. A casa e o tempo, Edições FAPF, Maputo, 2005, pág. 25.

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portuguesas: (i) a confluência/irradiação de percursos; (ii) a função religiosa e de poder


“espiritual” simbolizada pela igreja; (iii) as funções ligadas ao poder “temporal” e à
administração simbolizadas pela residência do administrador (neste caso também de
personalidades com importância e poder?) e ou pelos principais instituições públicas,
particularmente “os paços do concelho”133.

O mar é omnipresente. Por sugestão, a sul, e por presença a ocidente da vila. É um facto
evidente como em qualquer ilha pequena.

A Sul da vila localiza-se o porto de abrigo. Para este lado do mar abrem-se os grandes
armazéns com os seus ancoradouros privativos. Barcos de diversos tipos ali aportavam. Mas
nem sempre isso transparece a partir da vila. Especialmente no que se refere à vista para o
porto de abrigo. Para este lado do porto de abrigo desembocam caminhos estreitos que lhe
dão acesso a partir da parte nobre da vila. É o lado das traseiras, do trabalho, do transporte
comercial e da chegada ou partida dos que demandam ou deixam a ilha. A Ocidente da vila
localiza-se o que poderíamos chamar a face contemplativa aberta para a paisagem
longínqua do continente, para lá do oceano. Neste interface da vila com o mar, os momentos
de preia-mar possibilitam que a zona possa ser utilizada como zona balnear. Mas a maré
baixa prolonga a terra por centenas de metros. Este lado do pôr-do-sol foi reservado às
casas de pessoas importantes. Aqui se esfuma a vista até aos confins do horizonte. Aqui se
localizou a primeira casa do governador. Uma muralha baixa bordeja a praia. Agora não é
tão franco o acesso ao lençol de areia. É o lado do olhar. E a Noroeste da vila, para lá da
Fortaleza de S. João Baptista, consome-se o mar no sustento dos habitantes mais pobres da
vila. É aqui que a população gasta o dia na apanha de mariscos e crustáceos, e de onde a
população parte para a pesca de subsistência. É o lado da subsistência.

Não existe na ilha uma praia no sentido comum da presença constante de volume de água
oferecendo-se permanentemente aos banhistas, mais ou menos junto ao branco areal da
linha da costa. Em contrapartida esta realidade muda no período da preia-mar, em é possível
tomar banho de mar em quase toda a costa que não esteja guarnecida de rocha ou de
mangal, particularmente na zona de abrigo a Oeste da ponta de Mujaca, a Norte da ilha. Por
esta razão, esta é a zona mais propícia para instalações balneares, facto que está
assinalado no Plano de maneio do Parque Nacional das Quirimbas

133
Teixeira, Manuel (coordenação de), A Praça na cidade portuguesa, Livros Horizonte, Lisboa, 2001, pág. 12 e
13.

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III Parte

No que respeita às infra-estruturas básicas, a observação realizada permitiu constatar:

− A existência de uma rede viária básica constituída de arruamentos macadamizados


munidos dos respectivos passeios nas ruas principais do núcleo urbano, em particular no
bairro de ”cimento”. O restante da rede viária é constituído percurso aberto “à mão” e por
caminhos de “pé posto”. Note-se que as faixas de rodagem da rede principal, quando
utilizadas, são-no exclusivamente por peões, uma vez que não existem, desde há muito, na
ilha, veículos motorizados, pelo que o seu estado de degradação resulta apenas do seu
desgaste natural.

− A existência de uma rede geral de electricidade que distribui energia, com base em
cabos aéreos suportados em postes de betão armado, por quase todo o bairro de ”cimento”
e parte dos bairros suburbanos, a partir de um gerador municipal em funcionamento. O
estado sofrível da rede e seu o funcionamento errático levou a que algumas residências e ou
estabelecimentos privados se tenham munido dos seus próprios meios de produção
alternativa de energia eléctrica.

− A existência de uma rede de cabos telefónicos muito restrita, permitindo


principalmente a comunicação telefónica pontual com o exterior. Esta é geralmente feita a
partir da sede do serviço público de telecomunicações, implicando uma combinação prévia
entre receptor e ou emissor e a deslocação à sede. A rede telefónica interna é quase
inexistente.

− A não existência de um sistema integrado de captação, adução e distribuição de


água potável, estando no entanto erguida uma torre de elevação e armazenamento de água
que nunca chegou a entrar em funcionamento. O abastecimento de água potável é feito
através de cisternas (estas, principalmente na zona urbana “formal”) e poços domésticos e
alguns furos de uso colectivo. É assim natural que o número deste tipo de dispositivos
privados seja elevado, da ordem dos mais de cento e cinquenta poços privados na zona
suburbana, constituindo assim o principal recurso de abastecimento de água potável. Para
além do pequeno número de furos de uso colectivo, a população que não possui acesso
privativo à água potável é abastecida, frequentemente, por uso solidário da água dos
vizinhos.

− A não existência de um sistema de esgotos e saneamento integrados. Os esgotos


domésticos, quando existem, constam de “sentinas” ou latrinas e, raramente, de fossas
sépticas. Uma parte considerável da população suburbana usa o mato ou a praia para o

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III Parte

efeito, (“fecalismo a céu aberto”, como hoje sói dizer-se) ou cercados privativos dedicados
exclusivamente às necessidades biológicas pessoais, também a céu aberto, fruto de prática
cultural antiga, em que o banho tem espaço diferenciado do destinado às outras
necessidades biológicas individuais. A inexistência de um sistema público de escoamento
das águas pluviais leva a que, na época das chuvas, as partes mais baixas dos arruamentos
e da área urbana fiquem temporariamente inundadas. É de referir que este facto parece ter
sido deliberadamente considerado na ocupação edificada, uma vez que, na generalidade,
estas áreas não foram ocupadas com construções, não havendo portanto casos
significativos ou notícias de inundação do interior das habitações, ou outros tipos de
edifícios, por má localização em zonas baixas. As duas sub-zonas localizadas dentro do
perímetro “formal” do conjunto urbano e consideradas como áreas inundadas no
levantamento de Serpa Pinto, em finais do séc. XIX, permanecem desocupadas, mantendo-
se uma delas como zona agricultada e a outra como área de reuniões públicas, munida de
uma zona sombreada por um conjunto maciço de grandes mangueiras.

7.3. Tecidos urbanos: elementos da iconografia da ilha. O assentamento formal e o


informal e dos habitantes. O estado geral de conservação.
Na generalidade a Vila do Ibo, que ocupa entre 15 a 20% da parte firme da ilha, é
caracterizada por três grandes zonas relativamente distintas:

1. A ZONA FORMAL, de cerca de 23.3 ha, com construções de pedra e cal, resultante
de uma intenção de desenho, que estaria submetida a normas específicas de regulação134 e
na qual vive da população da vila. A Zona formal possui uma estrutura identificável e o
desenho do edificado é relativamente homogéneo, apresentando uma clara unidade geral.
Como já foi referido, esta zona continua a apresentar uma situação de abandono
generalizado não obstante, desde o final da década de 90, se terem recomeçado a verificar
operações de transferência de propriedade e de reabilitação do edificado.
2. A ZONA INFORMAL, de cerca de 68.4 ha, com construções de pedra e cal ou de pau
a pique maioritariamente cobertas com macúti, resultante de um processo espontâneo de
ocupação populacional e na qual viviam, em 2002, 2538 habitantes, o equivalente a cerca de
75% da população da ilha. A designação para este tipo de zona urbana é discutível, não

134
Veja-se por exemplo o Código de Posturas da Câmara Municipal do Concelho de Cabo Delgado, aprovado
por Acórdão do Conselho de província, nº 1, de 19 de Janeiro de 1894 e publicado pela Imprensa Nacional de
Moçambique, em 1894.

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III Parte

sendo fácil de caracterizar com precisão não contestável. Por ser generalizadamente
utilizada em Moçambique, e não só, adoptamo-lo neste texto. Assentamento informal é, na
maioria dos casos, a consequência de um processo longo e complexo de ajustamento das
famílias, e dos indivíduos, a condições adversas onde os seus interesses, muitas vezes
opostos e conflituosos, encontram formas de coexistência num equilíbrio precário mas,
apesar de tudo, reconhecido por todos dentro de tal assentamento, ainda que tal nem
sempre pressuponha o reconhecimento oficial pelas autoridades. Dir-se-ia que se trata de
que é uma zona marcada por aquilo que se poderia definir pela contraditória expressão de
zona de Insegurança estável. No caso do Ibo a análise do processo de evolução do seu
edificado e as entrevistas realizadas mostraram claramente que, apesar do grande sentido
de propriedade que feria ocupações dos vazios ou de edifícios não ocupados, trata-se de
uma zona com um grande dinamismo de transformação135.

3. A ZONA DE TRANSIÇÃO, de cerca de 13.6 ha, que hoje constitui parte do Bairro
Cimento e estabelece o interface entre a Zona Formal e a Zona Informal, com construções
geralmente de pedra e cal, resultante de antiga expansão da Zona Formal, mas sem uma
estrutura clara ou reconhecível de organização espacial.

Segundo o censo de 1997, a população da ilha do Ibo era de 3054 habitantes. De acordo
com informações colhidas em 2002 junto das autoridades da ilha (Administração e
Presidentes dos Bairros informais), nas zonas Formal e de Transição referidas e que fazem
parte do actualmente chamado Bairro Cimento, vivia cerca de 25% da população da ilha136.
Este bairro está separado pela Rua 27 dos restantes bairros da Zona Informal que com ele
confinam. A cada uma destas zonas corresponde uma caracterização específica da situação
do edificado. A pesquisa de elementos iconográficos para a análise e para suporte de
indicações propositivas de novas ocupações e acções de requalificação foi realizada nos
relevantes serviços detentores de cartografia, em Moçambique137 e em Portugal138.

135
Cani, Anselmo, A arquitectura popular na ilha do Ibo, in Carrilho, Júlio, Ibo. A casa e o tempo, op. cit., pág.
140.
136
Como indicação da evolução da população da ilha do Ibo referem-se os seguintes dados:
1960 – 4230 habitantes,
1993 – 2758 habitantes,
1997 – 3054 habitantes,
2001 – 3041 habitantes,
2002 – 3384 habitantes.
137
Em Moçambique buscámos elementos iconográficos nas seguintes instituições: Arquivo Histórico de
Moçambique; Biblioteca Nacional; Biblioteca do Ministério da Coordenação e Acção Ambiental; Biblioteca do

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III Parte

Os elementos de cartografia obtidos com referência à ilha do Ibo foram escassos,


desactualizados e de pouca precisão. Não tendo sido possível obter fotografias de satélite
com resolução adequada, nem contratar um levantamento topográfico a rigor da ilha, devido
aos custos envolvidos, foi necessário trabalhar com restituições expeditas e imprecisas feitas
por nós, a partir de fotografias aéreas de 1996, 1971 e 1996. Esta última, embora se tenha
constatado aproximar-se bastante da realidade que verificámos in situ em 2003,
apresentava-se com um grau de precisão apenas suficiente para o presente estudo. De
facto, as transformações da ocupação do território insular não ressaltavam de uma forma
significativa, devido à emigração de parte da população por razões ligadas ao isolamento da
ilha e devido ao regresso dos deslocados resultantes do fim da guerra no início dos anos
noventa. Estes aspectos deverão portanto ser ressalvados na leitura dos mapas e elementos
cartográficos que se apresentam.

Qualquer abordagem futura visando intervenções territoriais extensivas ou integradas


necessitará de ser suportada pela obtenção expressa de cartografia mais rigorosa,
devidamente georreferenciada, nas fontes ou instituições especializadas.

Em 1884, Serpa Pinto definia da seguinte forma a estrutura da ocupação do assentamento


urbano: “A vila assenta a NO da Ilha e consta de dois bairros: o europeu e o indígena. O
bairro europeu compõe-se de duas ruas principais, a rua de El-Rei e a rua Maria Pia que
correm proximamente E/O(...). É nesta parte da vila que residem europeus, baneanes,
mouros da Índia e as principais famílias de crioulos da ilha. O bairro indígena fica a E do
bairro europeu e é formado por muitas palhotas entre palmares. Neste bairro há também
duas ruas principais, a de Sá da Bandeira e a 27 de Julho”. É interessante notar que, ainda
hoje, esta rua cujo nome se mantém apenas como rua 27, continua a ser um dos elementos
separadores entre a parte formal e a parte informal da vila, constituindo o seu eixo um limite
comum dos bairros “Cimento” e “Cumuamba”. O que mudou foi a ocupação da zona formal
que quase se desertificou com o abandono dos colonos e dos antigos proprietários.

Ministério das Obras Públicas e Habitação; DINAGECA (Direcção Nacional de Geografia e Cadastro);
CENACARTA (Centro Nacional de Cartografia e Teledetecção); INAHINA (Instituto Nacional de Hidrografia e
Navegação); Biblioteca da Faculdade de Letras; ARPAC (Arquivo do Património Cultural); Governo Provincial
de Cabo Delgado; Direcção Provincial de Coordenação e Acção Ambiental; Direcção Provincial das Obras
Públicas e Habitação; Administração do Distrito do Ibo; e Centro Cultural Português, afecto à Embaixada de
Portugal em Maputo.
138
Em Portugal fizemos a pesquisa de elementos iconográficos no A.H.U. (Arquivo Histórico do Ultramar), na
Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa e na BAHOP (Biblioteca e Arquivo do Ministério das Obras
Públicas e Transportes), em Lisboa.

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III Parte

Como todos os estabelecimentos humanos urbanos coloniais, reforçando-se esta tendência


depois das independências dos países africanos, a vila do Ibo é um conjunto urbano
fortemente dicotómico constituído por dois sistemas claros: o sistema formal ou planificado
de que faz parte o Bairro Cimento, e o sistema informal ou não planificado que circunda o
primeiro. Mas esta divisão geral clássica estava também claramente repercutida no interior
dos dois principais sistemas referidos, o formal e o informal, através de sub estratificações
expressas por áreas com ocupação homogénea, quer de população de determinada origem
(europeia, asiática, e autóctone – assimilada ou não), quer de estratos populacionais de
poder económico diferente.

A Norte e a Leste da zona formal do conjunto urbano, desenvolve-se em leque o


assentamento informal ou não planificado. Ele está organizado em dois bairros: o bairro de
Cumuamba - subdividido nos quarteirões “Cumicáfeh”, “Cumuamba”, Pancádi e “Rua 27” -, e
o bairro Rituto – com os quarteirões “Cumáueh”, “Rituto”, “Munáua” e “Panangála”. Como já
foi referido, a Rua 27 separa a zona planificada da zona não planificada. A Estrada do
Fig. do esquema da divisão administrativa da vila
Aeroporto e o Cemitério Católico limitam-na a Oeste. . O
quarto bairro pertencente administrativamente à vila do Ibo é o bairro de Quirambo,
localizado na pequena ilha com o mesmo nome defronte ao velho cais, e que é
maioritariamente ocupado por machambas de gente do Ibo.

Quanto à rede viária principal que serve de base e de referência à implantação e evolução
de um certo tipo de tecido urbano, não é possível omitir o contraste entre a organização
espacial e viária dos meios urbano formal e o informal. De facto, se na arquitectura
propriamente dita podemos encontrar claros elementos de similaridade nas técnicas e no
desenho o mesmo não se pode dizer em relação ao desenho do espaço público. Ao traçado
linear e regular das vias do “bairro de cimento” e do seu largo principal, claramente definido
conforme a prática e a tradição portuguesa da época, opõe-se o traçado sinuoso
característico das cidades swahili e, nalguns aspectos, das cidades árabes.

As constatações e análises feitas no domínio do estado geral de conservação têm como


referência a situação observada em Dezembro de 2003.

Quando nas décadas de oitenta e noventa do séc. XX se falava de um certo abandono da


ilha do Ibo, nem sempre se referia à desocupação das casas habitáveis. Muitas delas tinham
sido nacionalizadas e foram arrendadas a quem se candidatou a tal, em particular a
funcionários e técnicos das organizações que tinham actividades na ilha. As que não foram

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III Parte

atingidas por aquela disposição legal e cujos proprietários estavam ausentes permaneceram
fechadas durante anos, sendo as que mais sofreram com a ausência de cuidados de rotina e
periódicos de conservação e manutenção, tendo atingido níveis de degradação assinaláveis.
Acresce a isto que, quanto aos edifícios arrendados, os problemas que se colocavam e
ainda se colocam parece terem que ver não só com a aparente incapacidade técnica e
financeira da administração que as tutela, como também, nalguma medida, com o deficit de
capacidade de intervenção atempada, de tradição e pratica rotineira de conservação e
manutenção das habitações por parte dos seus arrendatários e ou novos proprietários.

As presentes observações feitas foram especificamente em Dezembro de 2003, as quais


foram complementadas pelos levantamentos efectuados em Julho de 2001 e Setembro de
2002. O universo definido para o estudo foi a parte “planificada” ou ”formal” da vila. Tomou-
se por amostra a Avenida da República, a mais importante da vila, em quase toda a sua
extensão, ou seja entre a pousada das TDM e a residência do Administrador. Neste troço
foram analisados 24 edifícios, que representam aproximadamente cerca de 21% do total de
edifícios do Bairro Cimento.

Mesmo sem que assumamos a representatividade em termos estatísticos das observações


feitas parecem-nos serem significativas as constatações feitas:

− cerca de 33% dos edifícios (8) apresentavam-se em avançado estado de ruína, sem
cobertura, com muitas das paredes derrubadas até quase ao nível do chão, sem os aros e
caixilharias e com os pavimentos destruídos;

− cerca de 37% dos edifícios (9) têm todos os elementos de construção presentes, mas
estes evidenciam grandes sinais de rotura, envelhecimento, infiltração de águas e fissuras
de diversos tipos;

− cerca de 30% (5) dos edifícios continuam a ser utilizados, embora apresentem
visíveis sinais de degradação grave;

− cerca de 8% dos edifícios foram reabilitados;

− menos de 3% (6) do total de edifícios observados possuem ligação funcional à rede


eléctrica.

A situação geral de degradação, para além do abandono dos edifícios, parece ser o
resultado de dois factores principais: elevado teor de sal nas paredes e a acção agressiva da
água das chuvas. Relativamente à questão da salinidade nas paredes vale a pena referir

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III Parte

Maurizio Berti que, no relatório de consultoria para o restauro da Igreja Velha da cidade de
Inhambane, observa que em alvenarias com elevado teor de sal marinho resultante do tipo
de materiais usados, os processos de degradação surgem quando um dos três elementos do
ambiente onde se inserem as paredes – a temperatura, a água e o sal – se altera, criando-se
um desequilíbrio no conjunto139. De facto, das nossas observações na vila do Ibo ressaltou
que as paredes dos edifícios que ainda se encontravam protegidas por cobertura
mantinham, em grande medida, as suas características iniciais tanto ao nível da caiação
quanto do reboco.

A observação empírica do edificado indica que as principais causas da rotura das coberturas
parecem ser: o envelhecimento natural dos materiais delas constituintes; a total falta de
trabalhos de manutenção, nomeadamente por ausência prolongada dos proprietários;
remoção de telhas da cobertura para reutilização. Quanto a outros elementos da construção
as principais causas de degradação parecem ser:

• nos tectos:

− envelhecimento dos materiais que os constituem,

− acção das águas chuvas (com o consequente ataque de xilófagos,


principalmente fungos, mas também de térmitas),

− ausência de manutenção;

• nas paredes:

− ausência de manutenção,

− elevado teor de sal,

− acção da água das chuvas,

− actividade sísmica;

• nos pavimentos:

− ausência de manutenção,

− acção das águas chuvas;

• nas portas e janelas:

139
Berti, Maurizio, Muros de cal e pedra de coral. Manutenção e restauro. O caso da Igreja de Nossa Senhora
da Conceição na cidade de Inhambane, relatório para a Cooperação Técnica Alemã em Moçambique, Maputo,
2004.

112
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

− ausência de manutenção,

− acção das águas da chuva,

− envelhecimento e desgaste dos materiais que as constituem (principalmente


no que respeita às ferragens),

− remoção para reutilização tanto em casas do Bairro Cimento, em reabilitação,


como em casas dos bairros periféricos.

De todos os elementos da construção, as portas e janelas parecem ser os que se


apresentam em melhor estado de conservação, principalmente no que concerne ao
madeiramento, devido ao tipo de madeiras usadas que parecem ser de boa qualidade.

Para melhor ilustração do argumento tratado estabelece-se a comparação visual entre a


situação do edificado antes e depois da independência de Moçambique, através de uma
série de imagens feitas antes da independência e posteriormente a essa efeméride, com
mais relevância para o período entre 2000 e 2003, de ângulos similares.

A análise das fotografias em que se faz a comparação da situação de conservação dos


edifícios antes e depois de 1975 parece evidenciar a importância do abandono como factor
fundamental da sua degradação. O único conjunto que se apresenta em melhores condições
pós 1975 (relativamente ao período anterior) é o que ainda se encontra ocupado. Este facto
confirma a hipótese de que o factor mais relevante de degradação é a falta de atenção face
aos edifícios por abandono e desocupação. A necessidade de se re-vocacionar e,
consequentemente possibilitar novos motivos e estratégias que motivem a ocupação o seu
uso torna-se assim um elemento fundamental da conservação do conjunto edificado.

8. As singularidades do edificado
Um dos aspectos singulares da arquitectura do Ibo é a clara imagem, que dela transparece
fortemente, de integração de experiências arquitectónicas tão diferentes dos seus
habitantes, ou seja: a experiência popular local de construção e desenho, com ênfase para a
experiência swahili, e as experiências de construção e desenho exógenos, nomeadamente a
colonial/ocidental e a de outros povos do Índico e do Oriente que demandavam a costa
oriental africana. Obtém-se assim como resultado um conjunto cujos elementos de coerência
e unidade podem ser encontrados tanto na zona formal como na zona informal. O factor
principal que terá contribuído para esta realidade parece estar no conceito referido antes, de
centralidade descentrada da ilha do Ibo no quadro da administração colonial. Diz-nos

113
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

Malyn Newitt que Cabo Delgado, (incluindo assim as Ilhas Quirimbas) constituía uma
espécie de zona de ‘fronteira’ onde a autoridade governamental era fraca e os povos de
várias origens étnicas e culturais sobreviviam e/ ou prosperavam mediante o
140
desenvolvimento de instituições locais baseadas na cooperação mútua . Deste modo é
natural que tanto as autoridades como a população me geral fundasse as suas aspirações
de melhoria de condições de vida principalmente nos recursos de que dispunham
localmente, isto é, naquilo que era oferecido pela natureza141, pelas oportunidades142, e pelos
saberes em presença143.

8.1. Uma hipótese de caracterização tipológica: a matriz swahili e as contribuições


exógenas.
Uma das qualidades do edificado habitacional do assentamento humano da ilha do Ibo é a
percepção de homogeneidade que dele transparece em geral, sugerindo uma aparente
conexão entre a arquitectura «erudita» (ou da elite ‘urbana’) e a arquitectura «popular» (da
elite ‘suburbana’), como se o seu desenho tivesse sido presidido por uma génese partilhada
e elementos comuns.

Se considerarmos que é uma aquisição da cultura swahili, o tipo mais comum de arquitectura
doméstica habitacional de estratos de população de baixo rendimento, do litoral da África
Oriental caracterizada pelos elementos que a seguir se indicarão, podemos então dizer que é
do tipo, de derivação ou de matriz swahili quase toda a arquitectura «popular» do Norte de
Moçambique, nomeadamente abrangendo as províncias de Cabo Delgado, Niassa, Nampula
e até a Zambézia. Na Província de Cabo Delgado esta tipologia, está marcadamente
presente na faixa litoral, junto à estrada nacional e outras vias importantes e já mais
sofisticada e mais apropriada, particularmente em Pemba. Os seis elementos que permitem
fazer tal afirmação, e que se encontram bem presentes nas casas da ilha do Ibo, são os
seguintes:
(1) evolução do «quarto» circular de materiais efémeros para um «quarto» quadrangular
de pau-a-pique ou pedra e deste para um núcleo habitacional de partição múltipla, com o
piso sobrelevado através de um embasamento de material inerte compactado;

140
Newitt, Malyn, op. cit., pág. 228.
141
O coral, os diversos materiais vegetais, as resinas e até a mica do continente)
142
Por exemplo a telha de Marselha trazida pelos franceses no processo mercantil.
143
dos povos do continente, dos swahili, dos árabes, dos portugueses, dos indianos e de outros.

114
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O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

(2) espaço de circulação/distribuição que se expande, se subdivide e que funciona, na


maior parte dos casos, como eixo de uma composição espacial simétrica;

(3) cobertura de quatro águas projectadas para o exterior com vista à protecção das
paredes de material degradável pelas chuvas, sendo as águas laterais da cobertura
encaixadas sob as águas frontal e posterior;

(4) cobertura quase invariavelmente sustentada por dois suportes mestres verticais
(pilares) contínuos desde o pavimento até à cumeeira e por com uma estrutura secundária
em leque em qualquer das águas da cobertura, mas de uma forma mais denunciada nas
águas laterais,

(5) existência, nas fachadas frontal e posterior e debaixo da projecção do prolongamento


da cobertura, de dois espaços relativamente estreitos, para o estar e serventia cobertos mas
ao ar livre: a varanda frontal, que é o interface com o espaço público e a varanda posterior,
constituindo um espaço de transição funcional e ambiental dentro de um quintal
quadrangular privado e fechado por uma vedação;

(6) porta de utilização comum para o quintal privado, localizada lateralmente no muro
lateral frontalque protege o quintal e ligando este espaço directamente à rua.

Este processo de evolução e de conformação arquitectónica do tipo habitacional parece ser


muito claro nas ilhas Quirimbas e terras adjacentes e, em particular na ilha do Ibo, devido
talvez à importância e, sobretudo, à continuidade do desenvolvimento do seu conjunto
edificado. A observação e análise da organização espacial das casas do Ibo levou-nos à
hipótese da plausibilidade do estabelecimento de um tipo básico comum que funcionou como
suporte flexível da organização e desenvolvimento, até aos nossos dias, tanto da «casa
popular» como também da “casa senhorial” de pedra, cal e telha. Em ambos os casos foi
também possível revelar uma grande similaridade de opções de transformação volumétrica e
partição espacial, influenciadas naturalmente pelos objectivos e capacidades financeiras dos
utentes.

É a este processo de evolução tipológica, adoptada generalizadamente e desenvolvida por


um processo de influência recíproca, pela gente diferenciada dos subúrbios do Ibo
continuado e enriquecido nas casas das elites da zona formal ligadas ao poder colonial que,
provavelmente, se deve essa percepção de harmonia e integração do conjunto edificado da
vila, independentemente da sua escala (menor e maior e volume) e dos materiais, bem como
da sofisticação e riqueza aparente das casas e do seu mobiliário. É exactamente este

115
Júlio Carrilho
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III Parte

carácter conjugado da imagem geral da vila, no seu todo, que provocaram a impressão de
unidade em P. K. Huibregtse na visita que fez à ilha bo Ibo em 1971144.

Não quero dizer que as casas da zona formal da vila do Ibo sejam especificamente swahili.
Mas tudo indica que elas têm uma matriz swahili e que as diferenças dos tipos
arquitectónicos da casa senhorial, relativamente à casa popular, se radicam na necessidade
de adequação e modernização dos processos construtivos visando a sua economia,
viabilidade estrutural e eficiência de funcionamento, bem como à necessidade de se obter
edifícios com uma capacidade de inserção urbana e uma escala dimensional e
«monumentalidade» difíceis de obter a partir do modelo popular puro. Estamos perante o
caso de um processo de dupla miscigenação: (1) a miscigenação que gerou a arquitectura
swahili145 e (2) a miscigenação que a requalifica através da adopção de elementos da
arquitectura indiana e portuguesa/ocidental. Parece inserir-se bem nesta avaliação o que
Manuel Fernandes146 afirma quanto às influências sobre a arquitectura da Ilha de
Moçambique e que se aplica, nalguns aspectos, à vila do Ibo, embora neste caso se
verifique quase sempre a utilização da cobertura inclinada em vez do terraço, e do quintal
como espaço exterior privado em vez do pátio que caracteriza muitas das casas árabes, ou
das do sul de Portugal, (ambas enquadradas no tipo mediterrânico) e das casas simples
indianas. O exemplo desta linha de absorção e desenvolvimento da tipologia habitacional
popular, por parte da elite colonial, é a residência do administrador, na qual, apesar das
exigências de escala e monumentalidade, próprias de um edifício simbólico do poder
estabelecido, mantém claramente na planta elementos de caracterização da casa popular
nomeadamente: um espaço central de circulação e serventia ligando directamente o exterior
frontal com o quintal privado; distribuição simétrica e em sequência dos compartimentos,
tendo como eixo o espaço central (neste caso subdividido) de circulação e serventia; acesso
comum directo ao quintal através de uma entrada de serviço lateral aberta no muro de
vedação perimetral; a utilização do coral, da cal e das tecnologias locais a eles relativos na
construção das paredes; varanda frontal a todo o comprimento da habitação e varanda
posterior encaixada (com compartimentos encerrados nos extremos, como é comum ver-se

144
Huibregtse, P. K., in Geographica, Revista da Sociedade de Geografia de Lisboa, Ano VII- N°27- Julho,
1971.
145
ela própria uma “a synthesis of African and Islamic cultures ” – Donley-Reid, Linda W. Zenj, in Encyclopedia
of Vernacular Architecture of the World, edited by Paul Oliver, Cambridge University Press, Cambridge,1997;
146
Fernandes , Manuel, Moçambique Island (Moçambique), in Encyclopedia of Vernacular Architecture of the
World, edited by Paul Oliver, Cambridge University Press, Cambridge,1997;

116
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O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

nas casas populares quando se pretendeu ampliar o espaço habitacional interior). Todos
estes elementos espaciais se organizam num volume rectangular compacto.

As elites do Ibo, na sua acção de construir com mais conforto e durabilidade, não se limitam
a desenvolver o tipo popular de habitação de matriz swahili. Trazem ou adoptam soluções
exógenas, de tecnologia e de imagem, mais “evoluídas” ou mais adequadas147 que permitem
desenvolver ou mesmo transformar/alterar o tipo local obtido a partir de um processo
endógeno de desenvolvimento. São portanto de “matriz” swahili. Trata-se, em resumo, de um
percurso de modernização tipológica e tecnológica que, assumido lentamente ao longo do
tempo, conduz à fixação de soluções formais, construtivas, de imagem e de ambiente urbano
que, por sua vez, ganham sustentabilidade, porque enquadradas cultural e ambientalmente e
porque dominadas pelos construtores locais: tanto nas técnicas de construção que lhes
passam a ser tão próprias, como nos materiais que lhe são familiares. Parece-nos ter sido
este, o processo geral de formação da arquitectura da vila do Ibo e que se revela não só na
área “formal”, mas também na periferia “informal”. Seria interessante estudar este processo
de interacção «em vai e vem» que parece estabelecer-se do seguinte modo: da
“original”casa swahili de coral rectangular, para a casa popular rectangular de matriz swahili,
para a casa senhorial de inspiração swahili desenvolvida e desta para a transformação
daquela.

É provável que a homogeneidade das opções e, sobretudo, a lenta evolução do desenho dos
edifícios tenha resultado do facto de praticamente não haver projectos feitos a partir de fora
ou por projectistas não residentes na ilha. De resto, talvez tenha sido o carácter
essencialmente endógeno do processo de projectação que terá marcado de uma maneira
tão peculiar a arquitectura e o ambiente construído da vila do Ibo. Parece que apenas o
projecto da Alfândega e do Hospital foram enviados pelas autoridades coloniais. O mesmo
deve ter acontecido com a igreja. A alfândega chegou a ser construída mas o hospital não,
tendo as autoridades administrativas optado por arrendar, sob certas condições, um edifício
para o efeito, pertencente a um tal “N´zungo Africano” e que tinha sido comprado por Agy
Jacob Abibo para sua residência. Foi a este dono a quem, posteriormente, o Estado adquiriu
o edifício que passou albergar desde então e até hoje as funções de hospital.

Com o desenvolvimento do comércio na região das Quirimbas aliado às exigências de maior


durabilidade, e em conexão com a eventual introdução de norma que definia que as

147
Árabes, portuguesas, indianas, indonésias ou malaias;

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Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

coberturas deviam ser construídas com material não combustível para evitar os incêndios,
passa a ser possível, nos edifícios públicos coloniais e nas casas de ‘status’ mais elevado, o
recurso à telha de Marselha148, provavelmente a partir de meados do séc. XIX, e que José
Ribeiro Torres diz ter sido trazida (também com a função de lastro) por franceses no retorno
dos barcos que se abasteciam de mica e outros produtos na região costeira do Norte de
Moçambique, nomeadamente em Bilibiza149; intensifica-se o uso da madeira do continente
para as portas e outros elementos em complemento ao uso do mangal, de menor diâmetro e
cada vez mais longe e mais fino; introduzem-se os forjados e fundidos de ferro, importados,
nas guardas das varandas, nas colunas e nas abas de remate das coberturas; passa a
recorrer-se ao cimento para a obtenção de superfícies duras e lisas no pavimento;
generaliza-se a chapa zincada ondulada nas coberturas mais recentes; e, finalmente, inicia
(felizmente sem continuidade) o uso do betão armado nalgumas colunas. A casa grande e a
varanda com colunatas de grossas colunas à maneira indiana, guardas, muretes variados
impõem-se como imagem e tipologia estabelecidos. Para a definição desta imagem
concorreu, de uma forma muito pronunciada, o “Código de Posturas da Câmara Municipal do
Concelho de Cabo Delgado”, publicado em 1894, durante a vigência da Companhia do
Niassa nas terras do Norte da Província de Moçambique150. Nelas se estabelecem normas
precisas relativas à construção, nomeadamente: sobre o pé direito das casas, as dimensões
das janelas, o material das alvenarias, o material e a altura dos muros de vedação, o tipo e
material das coberturas (“telha, zinco ou terraço), o reboco e a caiação das casas, a
periodicidade e o tipo de reparação e manutenção a serem feitas pelos proprietários e,
inclusivamente, a proibição de “caiações externas em cor inteiramente branca”. Não há
dúvida que estas normas marcariam muito a conformação da arquitectura da parte
planificada da vila do Ibo, constituindo um forte elemento integrador do conjunto edificado.

A análise tipológica da arquitectura doméstica do Ibo permite estabelecer o processo de


transformação do tipo inicial e que se apresenta na figura a seguir. Os elementos principais

148
Veja-se, Serra, Carlos (direcção de) e outros (pág. 267), Departamento de História da Universidade Eduardo
Mondlane, História de Moçambique, volume 1, Livraria Universitária – UEM, Moçambique, 2000, que nos diz
que já desde 1840, a empresa francesa Fabre & Filhos, com sede em Marselha, tinha-se fixado no Ibo e na Ilha de
Moçambique.
149
Torres, José Ribeiro, (revista) MOÇAMBIQUE, Documentário Trimestral, No.15, pág. 71 a 85, Setembro,
1938, Lourenço Marques?”
150
Código de Posturas da Câmara Municipal do Concelho de Cabo Delgado, aprovado por Acórdão do conselho
de província n° 1 de 19 de Janeiro de 1894 e publicado pela Imprensa Nacional de Moçambique, em 1984.

118
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

nos casos analisados de transformação do tipo base parecem ser a localização e as vistas
predominantes por um lado, e a envolvente natural por outro.

Fig. 7 Definição, desenvolvimento e transformação da habitação-tipo “erudita” do Ibo

8.2. Materiais, tecnologias, e elementos de construção. A varanda como elemento


característico?
Como em casas de outros assentamentos litorâneos na zona da costa Oriental da África de
cultura swahili (Lamu, Bajun, Mombaça, Pemba, Zanzibar, Bagamoio), os materiais histórica
e tradicionalmente usados na construção da vila do Ibo eram inicialmente, e nalguns casos
ainda o são, aqueles que a natureza circundante oferecia com abundância151. Não está

151
Www.ark3.lth.se/diploma/intherheart/architecture.html;

119
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

dimensionado com exactidão o impacto que isso terá tido no ambiente. Seguramente esse
impacto existiu, não obstante não se ter traduzido num facto claramente visível. Apesar de
se verificar um aumento da destruição da cobertura vegetal na ilha e o quase
desaparecimento, ao longo dos tempos, das grandes árvores nos maciços de mangal,
também se verificou, em 2002, um incipiente aparecimento deste em zonas próximas da vila
do Ibo, onde não existia na década de 1950, por exemplo frente à marginal rua da Bela
Vista. Mas também se verificou, em 2004, que esse sinal promissor tinha desaparecido.

Sendo o mangal um elemento básico para a construção, para além de outros usos
(medicinais, como combustível, e na pesca) e do seu papel fundamental no ecossistema
litorâneo, convém referir as notícias da exploração deste produto. A extracção e venda
comercial da casca de mangal é relatada nos “Relatórios e Memórias sobre os Territórios” da
Companhia do Niassa pelo Governador Ernesto Jardim de Vilhena. Aí se refere que em 1885
inicia a exploração comercial da casca de mangal, embora em quantidades pequenas (20
kgs). Em 1898 há um aumento significativo (quase para o dobro) da exportação em relação
ao anterior, caindo no ano seguinte e cessando entre 1900 e 1901. Em 1902 reinicia a
exportação, destinada à indústria europeia e americana de curtumes, com aumento súbito
para 1.438.240 Kgs, valor este que quadruplica em 1903. Esta subida demasiado brusca da
exploração comercial do mangal acaba por preocupar as autoridades da Companhia do
Niassa, levando o Governador dos Territórios a estabelecer, em 1902, a Ordem n° 557 que
cria o “Regulamento provisório para a extracção e apanha da casca da mangal” e, no ano
seguinte, a Ordem n° 645, proibindo, no Concelho do Ibo, a concessão de novas licenças ou
renovação das antigas, as quais apenas vigorariam até ao fim do período respectivo. O
objectivo expresso era o de ser “de vantagem não se prosseguir a sua exploração intensiva,
antes dar-lhes o repouso necessário a refazerem-se das perdas sofridas”. Estas medidas
terão restringido a exploração do mangal para fins de utilização local, o que terá contribuído
para que o seu impacto ambiental não fosse dramático nos tempos que correm.

No Ibo usaram-se extensivamente materiais naturais, transformados ou em bruto para a


construção, sendo de citar: o coral, para as alvenarias; a madeira e varado de diversas
espécies de mangal; a cal fabricada artesanalmente a partir do coral e de conchas; o tronco
e as folhas de coqueiro e de palmeira brava; fibras vegetais como elementos de amarração e

Encyclopedia of Vernacular Architecture, op. cit. e


Newitt Malyn, História de Moçambique, Publicações Europa América, Portugal, 1997 (pp. 31).

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III Parte

resinas vegetais para endurecimento das argamassas e elevação da qualidade do


acabamento nas alvenarias e pavimentos. A espécie de mangal Lumnitzera racemosa
também é referida como sendo utilizada pela população swahili na construção152, mas não
teve relevância na entrevista feita aos construtores populares da ilha do Ibo.

No domínio da habitação, a natural necessidade e apetência para a modernização nas


técnicas e materiais tem maior relevância nos proprietários da elite de origem indo-europeia.
Como se indicou as colunas de pedra coralina começam a ser substituídas por colunas de
ferro fundido importadas.

Uma das características sempre presente nas casas de tipo swahili observadas no Ibo e nas
terras firmes do litoral adjacente na Província de Cabo Delgado, bem como no interior Norte,
até à Província de Niassa153, é o processo de construção das coberturas. a sustentação
primária da cobertura de quatro águas através de dois prumos ligados, os quais suportam
uma viga que constitui a cumeeira. Trata-se de um sistema de tipo trilítico de troncos de
madeira que se apoiam as madres colocadas quase em forma de leque, principalmente nas
águas laterais, ficando sugerida a ideia de ser este um elemento de carácter que permanece
como reminiscência das coberturas cónicas comuns nas casas africanas circulares154. Ao
referir as pesquisas de Henry de Lumley em Terra Amata, nos arredores de Nice, na França
mediterrânica, Bernard Campbell descreve uma hipótese de desenho e tecnologia das
cabanas de configuração oval cujos restos arqueológicos estudados, datando do período
glacial de Mindel (há cerca de 400 mil anos), denunciam uma estrutura de cobertura
constituída por dois prumos de troncos de árvore enterrados no chão, sobre os quais
assentava um barrote constituindo a linha de cumeeira. Refere também que, por
comparação com os restos arqueológicos descobertos em Olduvai, os princípios deste tipo
de construção da cobertura seriam provavelmente conhecidos, muito antes, naquela parte da
África Oriental155. A ser verdade esta conclusão, é de estranhar o facto de este esquema de
cobertura não se ter desenvolvido autonomamente em África, pelo menos naquela região do
continente, tendo-se adoptado quase exclusivamente a cobertura cónica com um só prumo e

152
Dharani, Najma, Field guide to common trees and shrubs of East Africa, Stuik Publishers, Cape Town, 2002.
153
Carrilho, Júlio, Bruschi, Sandro, Um olhar para a arquitectura informal em Moçambique: de Lichinga a
Maputo, Centro de Estudos de Desenvolvimento do Habitat da Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico,
Maputo, 2002;
154
Bruschi, Sandro, e outros, A palhota cilíndrica, a casa swahili e a história complicada das suas
transformações, Jornal Notícias, separata “notícias CULTURA”, 24/12/2003, Maputo, 2003;
155
Campbell, Bernard, Ecologia Humana, Edições 70, Lisboa, 1988, pág. 124, fig. 58.

121
Júlio Carrilho
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III Parte

uma estrutura de madres dispostos em leque, nele apoiado. A excepção a este esquema
estrutural encontra-se apenas na cobertura de tipo swahili, muito mais tardia e irradiada a
partir da costa Oriental do continente. Será talvez por isto que, neste caso, se encontra a
explicação da sua existência como aquisição ou reaquisição tardias, a partir do contacto dos
povos africanos do litoral com outros povos, nomeadamente da costa do Mediterrâneo e da
Ásia?

No caso do Ibo, não é apenas a partição espacial das casas que constitui referência da
arquitectura “popular” de tipo swahili, adoptada pela arquitectura da elite do bairro de
“cimento” da vila. O mesmo acontece com a construção da estrutura da cobertura, evoluindo,
inclusivamente, para a adopção de prumos (ou suportes) feitos de outros materiais. É assim
que, em algumas casas de pedra, cal e telha do núcleo urbano “planificado”, mesmo
tratando-se de edifícios geralmente com coberturas de duas águas, diferentemente das
casas “populares” que originalmente apresentam quatro águas na cobertura, persiste o
esquema estrutural de tipo swahili, em que a linha principal da cumeeira é suportada por dois
elementos verticais, neste caso de alvenaria, à maneira das estacas de madeira ou pau
redondo que suportam a estrutura das coberturas de capim ou de “macúti” nos dois pontos
de intersecção de três das quatro águas que a compõem, na sua forma típica. E tudo indica
que esta opção acabou por ser retomada na zona informal da vila, mesmo quando se trate
de coberturas de “macúti” de duas ou quatro águas. Nestes casos, para os suportes de
alvenaria, mantém – se o mesmo esquema de localização dos suportes de madeira
inicialmente usados, isto é: na linha média da habitação, no ponto de cruzamento das
paredes separadoras entre os compartimentos encerrados de acesso interior e as paredes
que confinam o espaço central multifuncional que serve em geral como espaço de
articulação com o exterior privado ou público.

Os pisos superiores e terraços, quando existem, são construídos com uma estrutura de
barrotes grossos de madeira, por vezes de espécies arbóreas do continente, devido às
necessidades de maior envergadura para vencimento de vãos. Sobre esta estrutura
assentava uma camada de varas de mangal mais grossas, ligadas e recobertas com
argamassa de cal. Nos casos de pavimentos superiores visitáveis verifica-se a colocação de
uma outra camada mais espessa. de varas de mangal mais finas, a qual era também
recoberta por argamassa. Muito raras vezes esta camada era acabada com tijoleira. Quanto
aos tectos falsos, não apenas se utilizava esta técnica, como também se usavam tábuas de

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III Parte

madeira do continente para o fechamento da superfície, ficando geralmente os barrotes


estruturais à vista, muitas vezes com um desenho em espinha, como acontece em casas
portuguesas, principalmente em meio rural. Mais tarde passaram também a ser usadas
chapas lisas de fibro-cimento.

A maior parte dos pavimentos têm uma base construída com os materiais naturais utilizados
nas alvenarias. No entanto nestes dispositivos de construção também passaram a ser
utilizados o cimento de uma forma extensiva bem como outros materiais de produção
industrial como o mosaico hidráulico.

As notícias do fabrico de cal nestas paragens indicam que esta era já conhecida antes da
chegada dos portugueses, pela via dos árabes. Quando a cal se produzia artesanalmente na
ilha, com alguma regularidade, a pedra de coral era desmontada no mar, num banco a
nordeste da ilha. Os barcos largavam na maré alta e eram encalhados sobre o banco de
coral e, durante a maré baixa eram desmontados com alavancas os blocos que, depois de
secos, seriam a matéria-prima dos fornos de cal. O combustível lenhoso utilizado eram as
espécies de mangal com madeira clara, para que a cal não ficasse manchada com o
vermelho da cor da casca e do pau usado como lenha, sobretudo para a cal destinada a
proteger os rebocos, funcionando como base para a pintura. O fabrico artesanal da cal ainda
hoje se verifica na ilha de Matémwe e em Ulúmbua. As espécies de mangal mais utilizadas
para queima no processo de fabrico da cal eram a Avicennia marina e a Sonneratia alba.

A argamassa utilizada na estrutura das construções era feita com a terra vermelha do
continente, colhida a 5 ou 6 milhas de distância. O seu fabrico contava com a adição de um
caldo viscoso de resina vegetal, também colhidos no continente.

As paredes dos edifícios eram construídas com pedra coralina e, nas grandes construções,
possuíam uma estrutura de troncos de mangal - em geral de Rhizophora mucronata – a qual
nascia desde as fundações. Estas assentavam em caboucos não muito profundos dado que
o manto rochoso da ilha é, na maior parte da sua área não alagada, quase superficial. A
alvenaria de fundação também era de pedra coralina mais grossa ligada com uma
argamassa mais rica e constituindo uma parede muito larga, nalguns casos de mais de um
metro de espessura, aonde assentariam as paredes aparentes do edifício. Este
dimensionamento das paredes parece ser muito adequado como elemento de diminuição da
irradiação para o interior das habitações.

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III Parte

Quanto às portas e janelas, bem como em algum mobiliário, também se fazia recurso às
tábuas de madeira de mangal, geralmente obtidas dos troncos grandes de Sonneratia alba,
mais grossos do que os das outras espécies. Com o desaparecimento das grandes árvores
de mangal começou a utilizar-se para os elementos das caixilharias, em particular para as
portas e janelas, a madeira do continente. Convém no entanto frisar o facto de que parece
que a madeira de mangal era a preferida, pelo menos no dizer de Almasse Jamal156, dado
que era mais resistente ao ataque dos xilófagos.

Um dos aspectos curiosos relaciona-se com a construção dos frisos, de formas variadas, nos
capitéis e nas bases das colunas das varandas. As colunas eram construídas com blocos de
pedra coralina, talhados em alguns dos edifícios e modelados à colher pequena ou por
arrastamento de moldes de madeira com o perfil do desenho escolhido.

Um dos elementos característicos das casas de habitação de pedra e cal do Ibo é a varanda.
Ela é um elemento construtivo que se destaca do núcleo principal da construção, munida na
maior parte dos casos de cobertura independente, com uma ou três águas ou, raras vezes,
resultante do prolongamento da cobertura geral da casa nas fachadas frontais, suportada por
colunas de desenho relativamente variado, normalmente colocadas num espaçamento
regular. No caso das fachadas posteriores ou do quintal existe um espaço coberto, aberto ou
não, geralmente encaixado na construção e que, sendo diferente da varanda frontal na forma
e no uso específico, também é designado de varanda, qualificando-a de traseira. Funcionam
ambas como elemento de transição entre os domínios privado e público, e os domínios
privativo e de serviços respectivamente na frente e nas traseiras da casa. Na fachada frontal
o pavimento da varanda está (como em todo o edifício) geralmente sobrelevado em relação
ao passeio ou à rua e o seu espaço é, muitas vezes, delimitado por muretes de configuração
e alturas variadas. Como se depreende desta definição, não se trata da varanda funcionando
como um espaço alpendrado perimetral a envolver totalmente a habitação, como é frequente
nas casas ao estilo colonial inglês e americano, isoladas em largos espaços e mais difíceis
de agregar em malha urbana em que o efeito de rua seja um condicionamento projectual.

Das observações feitas podem-se sistematizar as seguintes funções para as das varandas:

• a função social e de lazer doméstico, isto é: a varanda frontal como elemento de


socialização, de lazer e de caracterização da imagem do edifício e da rua verificando-se

156
Mestre pedreiro que foi entrevistado para melhor compreensão do processo construtivo tradicional e materiais
utilizados.

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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

também casos em que ela ainda é utilizada para a realização de ofícios para serviço a
terceiros, como a de alfaiate;

• a função de fronteira e integração, isto é: a varanda como elemento de distinção e


contacto entre o privado e o público, do lado da rua, e como elemento de separação e
contacto entre o domínio de utilização privativa da família e o domínio do trabalho comum
dos empregados, o quintal;

• a função de serventia doméstica, ponte e reserva de expansão, isto é: a varanda


traseira como espaço privativo e de suporte do aumento da casa conforme novas
necessidades e capacidades de investimento para melhorias da qualidade de vida;

• a função técnica / de conforto ambiental em ambos os casos, isto é: a varanda como


elemento de controlo ambiental, sombreando as fachadas e protegendo-as da incidência
directa do sol e das chuvas das monções e promovendo a ventilação transversal do interior
das casas.

Mas a varanda das casas do Ibo não se resume ao que dela se poderia esperar como
elemento de serventia funcional e técnica. Os elementos que a constituem permitem-lhe
variedade e personalidade, permitindo ao dono da casa conferir à fachada um carácter
particular.

Ao obrigar ao prolongamento da cobertura geral do edifício ou mesmo, quando não é o caso,


ao possuir uma cobertura independente abaixo da cobertura geral, a varanda confere à rua
uma escala mais adequada à dimensão humana. O espaço público entre as casas, no caso
vertente a rua, passa a ter, por vezes, junto ao passeio um espaço de percurso que se
expande e é lateralmente apoiado, não pela parede pesada e fria de um edifício ou muro
cego, mas pelo sombreado das varandas de altura contida e de colunatas variadas, tornando
estes percursos mais confortáveis, mais vivos, mais ritmados e portanto menos monótonos,
compensando o desabrigo da rua propriamente dita.

Será aceitável ou verosímil a semelhança geral que nos pareceu existir, em fotografia, de
colunatas, portais, portas, janelas de cidades antigas da costa tanzaniana e queniana, com
os de edifícios do Ibo? A serem verosímeis estas semelhanças, poderíamos avançar na
hipótese de estarmos em presença de uma variante local da arquitectura swahili
eficientemente aculturada pelo colonialismo português, a ponto de não se confundir com ele.
De qualquer modo, se considerarmos que, pelo menos, desde o século IX, mercadores

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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

árabes provenientes do golfo pérsico157, assim como persas e indianos aportaram à costa
oriental africana, da Somália a Sofala em Moçambique, num processo de exploração
comercial que se foi desenvolvendo até ao século XV, altura em que, no auge deste
processo, entram em cena os portugueses; se juntarmos a este contexto de intercâmbio o
afã de franceses, holandeses, ingleses e outros pelo domínio da exploração mercantil destas
paragens. Se a isto se der a pré-existente base swahili que permeia a cultura desta área
cultural da África, então estamos com certeza perante o resultado de um processo complexo
de afirmação arquitectural resultante de intercâmbios diversificados, em que participam
contribuições provenientes da península arábica, da cultura bantu, e sobretudo da
contribuição da arquitectura das ex-possessões portuguesas no sub-continente indiano, bem
como de uma decisiva intervenção arquitectónica e, particularmente, urbanística do
colonialismo português158, o qual dá foros de cidade a esta miscigenação.

Como se pode verificar o impacto deste tipo de construção tradicional é muito pressionante
em relação aos recursos oferecidos pela natureza. A alteração da escala da exploração por
solicitações adicionais, devido ao aumento da actividade de construção, pode ser muito
lesivo para o ambiente. Deste modo é imperativo a introdução de tecnologias e materiais
mais avançados e eco-compatíveis.

Pode-se também concluir das observações que o elemento construtivo de maior importância
no conjunto do edificado do Ibo é a varanda. Ela funciona como elemento caracterizador do
edificado de duas maneiras:

• como elemento de variação e afirmação dos edifícios no conjunto urbano;

• como elemento de integração urbana e de peculiarização do edificado no seu todo.


O processo de transformação da arquitectura na ilha parece ter sido um processo de grande
dinamismo pelo que a mero objectivo de manutenção e conservação de técnicas e tradições
não deve ser visto de uma forma estática. Pelo contrário a adopção de novas opções de
projecto mais adequadas, embora integradas no espírito e cultura de habitar local, é um
elemento de continuidade do processo histórico de edificação no Ibo.

157
Serra, Carlos (direcção de) e outros - Departamento de História da Universidade Eduardo Mondlane, História
de Moçambique, volume 1, Livraria Universitária – UEM, Moçambique, 2000.
158
vidé arranjos em planta, fachadas com platibandas a encobrir o telhado nos edifícios oficiais, colunatas de
ferro nas varandas, telhas de Marselha, largueza e iluminação de ruas.

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

8.3. Um património a valorizar? A ilha do Ibo e a Ilha de Moçambique: conexões e


desconexões.
No Inventário Nacional de Monumentos, Conjuntos e Sítios, elaborado em 2003 pelo
Departamento de Monumentos da Direcção Nacional do Património Cultural do Ministério da
Cultura, define-se o conjunto edificado da vila do Ibo como bem cultural imóvel de valor
nacional. Assim, reafirma-se e amplia-se a definição já existente, desde 1962, a qual
classificava como monumento histórico “todo o núcleo urbano da ilha do Ibo, com excepção
da zona ocupada por construções sem carácter permanente que a respectiva Comissão
Municipal delimitar”159. Para além desta definição geral em relação ao edificado da ilha do
Ibo, já em 1943 se tinha atribuído a classificação de monumento e relíquia histórica
especificamente ao Fortim de S. José, ao Fortim de Santo António, à Igreja de S. João
Baptista e à Praça de S. João Baptista.

A apetência turística da área começa a expressar-se nos planos, projectos ou intenções de


desenvolvimento turístico da região, no investimento privado (ainda incipientemente
materializado) e na procura da aquisição de edifícios que, agora, começa a ser difícil de
materializar. Redescobrem-se as Quirimbas ainda em tímidos panfletos de propaganda e em
sites da internet dando conta, por exemplo, da singularidade e do pitoresco da ilha de
Quilálea como local de “topo de gama” para um certo tipo de lazer.

Será que esta abertura de oportunidades atingirá o centro urbano do Ibo como “coisa” a
revivificar? Certamente. E é aqui que se coloca a necessidade de regular as intervenções
sobre o edificado e sugerir um modelo de acção que o valorize, sem o desfigurar.

Não é a extensão do legado físico resultante do trabalho do Homem que fica especialmente
sublinhado numa análise cuidada daquilo que a conjugação de determinados factores
históricos, geográficos, sociológicos, económicos e culturais permitiram edificar na Ilha do
Ibo. É a importância do processo de inter-relacionamento e de decantação culturais que
deixou como realização física mais um pequeno, mas significativo, sinal no “corpo” da
identidade de um país em construção. O conjunto destes sinais particulares construirá a
imagem nacional que ainda não conhecemos totalmente mas que, sem o sabermos, se

159
Macamo, Solange Laura (Coordenação geral do projecto) e outros, Inventário Nacional de Monumentos,
Conjuntos e Sítios - Património Cultural, Ministério da Cultura e UNESCO, págs. 8, 9, 11, 116 e 117, Maputo,
2003.

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

constrói, ao longo do tempo, ontem, hoje e amanhã. Esta é outra razão fundamental para
que se acautele a sua preservação e valorização.

Ressalvadas as diferenças de escala decorrentes do estatuto e consequentes volumes de


construção e mediatização respectiva da informação, os conjuntos edificados das ilhas de
Moçambique e da ilha do Ibo apresentam características específicas que lhes conferem
identidade própria.

Existe à partida um factor de índole política que subjaz à diferenciação entre um e outro
destes assentamentos insulares de relevância histórica no contexto moçambicano: o seu
estatuto sociopolítico.

A Ilha de Moçambique possuiu incontestavelmente, ao longo da história, uma notoriedade


que nenhuma das ilhas Quirimbas teve, nem antes nem depois da colonização. A condição
de capital do domínio colonial português na África Oriental atraiu para si a localização de
instituições importantes e motivou uma forte implantação regional no sistema de
assentamentos urbanos da costa oriental africana. Durante alguns séculos a ilha de
Moçambique foi a principal referência urbana do território. É natural que a atenção e o nível
de investimento do estado colonial fossem mais altos devido às exigências de funcionamento
do próprio aparelho administrativo e de serviços. Acresce a isto o facto de a ilha ser a
residência da elite administrativa e social do território. Neste contexto, e considerando os
dados históricos do tipo de gestão colonial nas Quirimbas o qual nem sempre esteve
legitimado pelas autoridades, podemos dizer que, relativamente à ilha de Moçambique, a ilha
do Ibo teve uma importância marginal e excêntrica ao poder colonial, tendo funcionado em
alguns momentos como ponto de abastecimento em géneros alimentícios para a capital.
Parece-nos assim que é deste contexto que decorrem os elementos de diferenciação que
caracterizam este dois importantes assentamentos humanos.

• A integração de soluções autóctones, nomeadamente as que decorrem da


apropriação e desenvolvimento local do desenho de matriz swahili, mesmo pelas elites
colonias, parece ser mais forte na ilha do Ibo do que na ilha de Moçambique. Uma das
razões para tal, talvez a mais importante, poderá estar na maior exigência de
“monumentalidade” de uma capital colonial, a qual teria induzido à maior utilização de
modelos metropolitanos de desenho. De resto esta constatação verifica-se, embora com
menor extensão e profundidade no conjunto edificado do Largo da República da Vila do Ibo.

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

• A disponibilidade de área, menor na ilha de Moçambique, poderá ter influenciado a


adopção, nesta ilha, de soluções arquitectónicas de maior aproveitamento de espaço, como
por exemplo passeios de peões reentrantes no piso térreo, criando canais de circulação
pública à maneira das arcadas de rua de cidades europeias, nomeadamente mediterrânicas,
a partir das quais se pode ter acesso directo ao interior dos edifícios. Diferentemente, na ilha
do Ibo o sistema de varandas, que se destacam do corpo principal dos edifícios, por vezes
como elemento autónomo, desenvolve-se como elemento de transição entre o passeio
propriamente dito e o interior daqueles.

• A aplicação da solução espacial do quintal de tipo swahili é adoptado quase que


integralmente na ilha do Ibo, mesmo na parte habitacional do conjunto edificado formal,
enquanto na ilha de Moçambique a solução é mais conexap com a tipologia do pátio
mediterrânico/árabe/Indo-português. A presente conclusão necessitaria de uma confirmação
através de um estudo do desenvolvimento temporal das edificações que conformariam o
espaço-pátio para se concluir sobre a génese desse espaço. Note-se que espaços deste tipo
foram encontrados no estudo da zona informal da cidade de Lichinga, como resultado do
desenvolvimento perimetral paulatino de construções de apoio no quintal de tipo swahili, as
quais, finalmente, envolviam quase por completo o espaço livre do quintal, à maneira do
pátio.

• A cobertura em terraço, frequente na zona de pedra e cal da ilha de Moçambique,


não foi um dispositivo comum na ilha do Ibo. Hoje apenas é possível verificar não mais de
meia dúzia de coberturas em terraço, sendo duas na zona formal, em casas de proprietários
de origem asiática, e outras na zona informal da vila. No caso dos exemplares da zona
informal é bem provável que a casa com esse dispositivo que tanto a diferencia das outras
funcione como marca de “status”, aspecto importante no quadro dos valores tradicionais, não
sendo no entanto essa opção, de forma e de técnica, uma resultante natural de expressão e
pesquisa autóctone.

• Do ponto de vista do desenho urbano a quadrícula que organiza a parte formal da


ilha de Moçambique é intencionalmente mais regular do que na Vila do Ibo. Neste caso o
elemento o desenho do conjunto formal parece ser mais orgânico, desenvolvendo-se dentro
de um alinhamento estruturante triangular, em que dois dos lados faceiam a orla marítima, e
os vértices se relacionam com a localização das três fortificações.

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ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

• Quanto aos problemas do impacto ambiental derivado da acção antrópica a situação


afigura-se mais grave na Ilha de Moçambique, não apenas devido à densidade de ocupação
muito mais elevada nesta ilha, mas também pelo processo utilizado para a construção da
zona formal, a qual foi edificada à custa do desmonte de pedra coralina na parte sul da ilha
de Moçambique. Nesta depressão criada por tal actividade de desmonte concentra-se a
população autóctone, em difíceis condições de habitação, sendo necessário um sistema de
bombagem de esgotos com vista à sua eliminação ou tratamento.

É possível que este conjunto de observações que traduzem a tentativa de diferenciação das
opções da trama urbana e arquitectura entre os assentamentos formais das ilhas justifique a
percepção Vital Moreira de que o Ibo é seguramente menos áulico e menos monumental (do
que a Ilha de Moçambique), apesar das suas três notáveis fortalezas, duas setecentistas e
outra oitocentista. Mas o seu desenho urbano é mais aberto. As suas ruas mais largas e
alinhadas e a sua arquitectura civil mais equilibrada. (...) O Ibo é seguramente uma das mais
singulares realizações das aventuras portuguesas no Índico e uma das mais ricas das
heranças do património histórico de Moçambique, que o país só tem interesse em
valorizar160.

A preservação da ilha de Moçambique como Património Mundial da Humanidade declarado


em 1992 está plenamente justificada pelos critérios de elegibilidade da UNESCO. O
património da ilha do Ibo não terá a mesma grandeza e a relevância internacional, não
obstante a importância da Ilha do ponto de vista ecológico e paisagístico estar já
reconhecida nacional e internacionalmente. Mas a singularidade de edificado justifica uma
atenção particular e uma estratégia urgente para que não se perca tão rico conjunto de
referências culturais, ele próprio com um potencial identitário forte não apenas para as
gentes de toda uma região que se referencia naquela realização, mas também para todo o
país.

160
Moreira, Vital, no jornal O Público de 21 de Agosto de 2001, Lisboa.

130
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

9. Sustentabilidade: Critérios para um novo ciclo desenvolvimento na ilha do Ibo

9.1. O turismo como oportunidade de um novo ciclo de florescimento da a ilha.


Apesar das manifestações de resistência pontuais contra os ventos da história, contra as
medidas de deslocalização do «poder económico e administrativo» da ilha por parte dos
agentes da administração colonial, as chamadas “forças vivas” locais, não foram capazes de
encontrar alternativas de continuidade ou revivificação do crescimento económico que a
escravatura tinha permitido. A tentativa de desbalizagem do canal de entrada para o porto
interior da ilha, promovido por Gabriel Teixeira, foi inicialmente travada pelos protestos das
elites da ilha, ainda com alguma influência. Mas a mudança definitiva da capital do Distrito
para Pemba cristalizou uma tendência irreversível de morte lenta da ilha. Só no início dos
anos setenta se inicia a busca de novos caminhos para a sua reabilitação económica. E já
nessa altura o turismo perfila-se como a actividade mais viável para tal, estando no Ibo o
então Administrador de Distrito Carlos Lopes Bento.

Mais do que no último quartel do século XX o turismo é hoje a indústria com o crescimento
mais rápido do mundo. Ele pode ter impactos positivos e negativos nas esferas ambiental,
cultural, social e económica. Se tomado de uma forma responsável, o turismo pode ser uma
força positiva para o impulsionamento de um desenvolvimento sustentável, para a promoção
da conservação e protecção ambiental161.

Para o Fundo Mundial da Vida Selvagem (WWF) o turismo é, ao nível internacional, uma
actividade transversal com impactos múltiplos, nomeadamente na mudança climática e na
qualidade das reservas de água doce. O desenvolvimento do turismo de massa em larga
escala pode ameaçar ecossistemas frágeis em regiões ecológicas chave. Mas numa escala
menor, o ecoturismo ou o turismo comunitário é proposto em muitos projectos de campo
como uma alternativa sustentável para a elevação do bem-estar das comunidades162. A
Namíbia e a ilha de Chumbe são exemplos africanos do papel importante da sua
contribuição de políticas conservacionistas.

Tomando como referência documentos da UNESCO que resultaram de reuniões sobre


casos de sucesso, com análises, troca de experiências e exemplos de boas práticas para a
preservação de conjuntos edificados que constituem património de valor, em contextos

161
Why tourism? | WWF-UK | WWF network.
162
http://www.wwf.org.uk/researcher/issues/Tourism/index.asp.

131
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ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

insulares, as recomendações gerais e úteis para o caso de estudo, nomeadamente num


contexto de desenvolvimento turístico, são as que a seguir se apresentam.

1. No âmbito da gestão

− Manter os registos ordenados de modo a prover informação sobre o


andamento e o grau de realização das iniciativas, incluindo receitas e poupanças.
Sem este procedimento será muito difícil definir os pontos fortes e fracos da
instituição responsável pela implementação, em particular quando se trate de
instituições privadas.

− Envolver sempre o staff no processo de decisão. Isto pode ser alcançado


através de acções de informação e treino que, entre outros aspectos permitam
descobrir aqueles que têm mais aptidões para assumir responsabilidades
executivas, e igualmente induzam à adopção de novas ideias por aqueles que
têm responsabilidades de implementação. Um processo participativo é essencial
em qualquer iniciativa deste tipo, de definição de estratégias de gestão;

− Manter um registo actualizado de todos os instrumentos legais e constatações


relevantes acerca do ambiente no concernente a todas as facetas da gestão
turística. O domínio e cumprimento destes regulamentos é o limiar mínimo das
responsabilidades públicas e, em particular, dos empreendimentos privados.

− Construir relações fluidas entre os intervenientes, em particular entre a


administração local e os empreendedores e operadores turísticos, quer seja
directamente, quer seja através de associações locais, com o objectivo de se
promover um processo harmonioso de intervenção. Muitas decisões em domínios
como saneamento, abastecimento de água, treinamento e informação devem
complementar as iniciativas das administrações locais e a legislação, caso elas
existam.163

2. No âmbito tecnológico

163
http://www.insula.org/tourism/pagina_n14.htm

132
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

As principais áreas de intervenção tecnológica específicas a serem consideradas


cuidadosamente, pelo seu impacto na sustentabilidade dos assentamentos, em particular no
contexto de insularidade são:

− Energia;

− Resíduos sólidos;

− Gestão dos recursos de água;

− Efluentes e emissões;

− Preservação da paisagem e integração do edificado;

− Impactos sobre o ambiente”164.

2. No âmbito paisagístico e da edificação

São Recomendados como ideias e boas práticas de conservação da paisagem e da


integração do edificado:

− Uso de ecrãs de vegetação para minimizar impactos visuais negativos, de


preferência constituídos por espécies locais;

− Respeito dos ambientes frágeis de interesse natural na area circundante dos


estabelecimentos edificados e consideração dos relacionados com a problemática
da conservação da biodiversidade;

− Uso de materiais locais adaptados ao ambiente e envolvência dos


estabelecimentos edificados, desde que isso não envolva agressões a espécies
protegidas ou provoquem a criação de explorações de inertes (pedreiras), de
grande impacto;

− Uso de cores com relação mimética com a envolvente / arredores;

− Busca de tipologias baseadas na arquitectura local como chave da integração


do estabelecimento edificado no ambiente;

− Promoção de elementos decorativos que sejam relevantes para a cultura


local;

164
http://www.insula.org/tourism/pagina_n2.htm

133
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O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

− Eliminação de propaganda estática e instalação de sistemas de sinalização de


baixo impacto;

− Realização de estudos de impacto ambiental antes de iniciar qualquer projecto


de construção ou alteração do existente

− Incorporação de soluções arquitectónicas passíveis e adopção de critérios de


construção bioclimáticos

− Identificação, promoção e protecção dos recursos naturais e do património


que existem na paisagem, integrando-os como os elementos de destaque na
concepção do projecto;

− Tanto quanto possível, localizar os novos serviços e facilidades em zonas que


estejam já degradadas ou alteradas pela acção antrópica, incluindo a
recuperação da área no projecto165.

Qualquer tipo de considerações e recomendações como as que se reproduzem, mesmo que


resultem de amplas discussões e consensos, não prescindem nem da sua contextualização
económica, sociocultural e técnica no processo da sua aplicação, nem de uma atitude pró-
activa por parte das instituições que tutelam as respectivas áreas de intervenção, de modo a
que possam ser adequadamente levadas à prática no quadro de um processo monitorizado.

Consideramos importante notar que as recomendações referidas neste capítulo, os desafios


visando o equilíbrio, a harmonia do edificado com a paisagem e sua protecção, o respeito
pelo ambiente e pela cultura locais, não devem ser pretexto para a adopção de uma atitude
de esquematismo arquitectónico de substrato ambientalista, com impacto negativo na busca
da modernidade, da criatividade e da inovação tecnológica. Pelo contrário partilhamos que a
estas novas exigências, conexas com os princípios do eco compatibilidade, tem de
corresponder uma nova atitude projectual que não se resume a uma mera busca de um
mimetismo simplista ou à reprodução automática de formas aparentemente imutáveis,
sobretudo quando os ambientes edificados são portadores de fortes testemunhos de
mudança e reformulação formal ao longo dos tempos. O que parece ser fundamental é que o
património cultural e edificado que resultou da procura do equilíbrio do Homem com o
ambiente, ou de aquisições fecundas do contacto e aprendizagem com outras culturas não

165
http://www.insula.org/tourism/pagina_n5.htm

134
Júlio Carrilho
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III Parte

sejam apagados, falseados ou desfigurados por um fundamentalismo tradicionalista ou pela


ânsia de um vanguardismo descontextuado e sem fundamento. Pretende-se sim que a
herança cultural seja respeitada pela sua dignificação, preservação e valorização, através da
correcta e bem medida integração do que de novo se estabeleça, fundamentadas numa
pesquisa que revele as opções mais adequadas e que introduzam elementos de mais-valia
ao que de valor já existe como resultado do engenho local.

9.2. Uma nova atitude perante o património cultura. A percepção dos habitantes e a
necessidade de novas linhas de abordagem para a sustentabilidade das intervenções.
Um elemento importante que deve informar qualquer estratégia fundamentada de
intervenção de requalificação e reabilitação urbana e que considere as actividades da sua
população tem de perceber o tipo de relação que os habitantes têm com o contexto urbano.
O inquérito realizado aos moradores da zona informal, onde reside a maioria da população,
uma vez que a zona formal ou centro histórico permanece quase desabitado, exprimiu o
desapego da maioria da população em relação ao centro histórico. As suas relações com
esta parte da vila quase se limitam: à utilização e contacto com serviços públicos como o
Hospital, a escola, as telecomunicações, a administração, a polícia e outros; o
atravessamento de e para o porto de abrigo; a prestação de serviços como funcionários ou
trabalhadores por conta de outrem; a busca de materiais e elementos de construção nos
casarões abandonados ou em ruínas, principalmente portas, janelas e telhas.

Não pareceu haver vínculos de pertença a esta parte da vila, predominando uma aparente
indiferença generalizada.

Não foi estabelecido um nexo de significância ou definição de margem de erro quanto à


validade desta sondagem. Ela abrangeu os dois bairros informais que circundam a zona
formal e foi feita com a utilização do método de amostragem proporcional (34 casos),
tomando como universo uma listagem completa de todas as habitações da zona informal
(609 habitações). O que parece dar relevância a esta pesquisa empírica de opinião à
unanimidade da percepção que ressaltou das repostas dos inquiridos em relação a uma das
questões. Nenhum deles manifestou interesse em habitar na zona formal. Quando indicavam
as razões de tal opção, o facto sublinhado era deque as casas do centro histórico possuíam
os seus proprietários mesmo no caso das que se encontrassem desocupadas há muitos
anos. Parece evidente que esta alegação não explicará completamente essa manifestação

135
Júlio Carrilho
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III Parte

de vontade. A recusa expressa ou implícita de viver no centro histórico talvez encontre


explicação mais completa na conjugação de factores como:

a) o estilo de vida ligado a formas específicas de subsistência difíceis de dar


seguimento ali (pouco espaço para as cercas166, maior distância em relação às machambas
de subsistência, a Norte e a Leste da ilha, e em relação aos locais de apanha de produtos do
mar, na maré vazante);

b) as relações de vizinhança ancestrais;

c) os custos fixos adicionais que a mudança acarretaria,

d) o forte sentido de propriedade;

e) o encerramento do comércio que, tornado informal, se deslocou para a zona


respectiva e se implantou no seio da população;
f) o mau estado de conservação e abandono do centro histórico.

Até que ponto o Ibo diz respeito a todos os moçambicanos? A ponto de ser fundamental a
consideração séria da sua conservação e restauro num país em que vencer a pobreza é,
sem dúvida, a prioridade? Sobretudo quando esse património deriva em grande medida de
uma etapa esclavagista de exploração? Em países que emergiram de dolorosos de
libertação, como as ex-colónias, esta questão é recorrente sempre que o problema se
coloca. Não vamos discuti-la neste contexto. Diríamos apenas que qualquer dos
moçambicanos que o conheçam o conjunto edificado da ilha do Ibo ficarão tocados de
mágoa pelo fenecer de uma realização secular que não seria possível noutro contexto
antropológico, noutra área cultural, noutro ambiente e, portanto noutro país. Não é apenas a
memória do esclavagismo que explica a realização do edificado, não obstante o dever e a
verdade histórica de a afirmarmos como um facto. Mas o Ibo é também, e
fundamentalmente, essa resultante inegável do trabalho, do saber de interacções culturais
que se foram repetindo, moldando técnicas, técnicos e artífices e modelando o espaço que o
tempo teimosa e ciclicamente persiste em revelar e resgatar. Não é por acaso que ao
entrevistarmos o sr. Fulano, morador na zona informal da vila do Ibo, ele se referiu ao estado
de degradação da vila com a expressão desencantada de que “o Ibo já não é Ibo: é uma
tristeza, uma negação”167. Esta parece ser uma manifestação de que os habitantes locais,

166
Pequena porção de terra agricultável, do tipo misto de horta e pomar, adjacente ou junto à habitação.
167
Na língua local, o kimwani, esta expressão é uma tradução livre da seguinte frase por ele empregada: “Ibo
syihó Ibo. Ahibú!”.

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III Parte

mesmo não querendo apropriar-se do centro histórico colonial, consideram-no uma coisa
que lhes diz respeito e de que se orgulhavam como realização humana.

O Estado e o Governo moçambicanos deram sinais relevantes que parece resultarem já


positivamente como elemento importante de um novo patamar nesse típico processo de
revelação e resgate do Ibo em particular, e das Quirimbas em geral: revelação e resgate de
um património tangível e intangível de grande riqueza.

Como foi referido está já estabelecida legalmente a protecção da zona ecológica a que
pertence o sistema insular e as terras firmes do litoral. Está já afirmada, tanto a nível
nacional como a nível internacional, a importância dos seus recursos marinhos e costeiros.
Está também afirmado o valor da sua paisagem natural, do legado edificado e do legado
cultural que o suporta. A apetência turística da área começa a expressar-se em referências
nos “planos” ou intenções de desenvolvimento turístico da região, no investimento privado
(ainda incipiente) e na procura da aquisição de edifícios que, desde 2002, começa a ser
difícil de materializar. Redescobrem-se as Quirimbas ainda em tímidos panfletos de
propaganda e em sites da internet dando conta, por exemplo, da singularidade e do
pitoresco da ilha de Quilálea como local de “topo de gama” para um certo tipo de lazer. Será
que esta abertura de oportunidades atingirá o centro urbano do Ibo como “coisa” a
revivificar? Certamente. E é aqui que se coloca a necessidade de regular as intervenções
sobre o edificado e sugerir modelos de acção que o valorizem, sem o desfigurar. E aos
arquitectos, novos e velhos, caberá o dever de se empenharem na abertura de pistas, na
definição de uma filosofia de intervenção e de propostas técnicas de trabalho eco-
compatíveis, cultural e economicamente enquadradas.

Não é somente a dimensão do legado físico resultante do trabalho do Homem que quisemos
sublinhar. É a importância do processo de decantação secular que, paulatinamente, deixou
como realização física mais um pequeno sinal no “corpo” de uma identidade nacional em
construção. O conjunto destes sinais particulares construirá a imagem que ainda não
conhecemos totalmente mas que, sem o sabermos, se constrói, ao longo do tempo, ontem,
hoje e amanhã.

A questão da reabilitação do edificado numa situação de grande carência de recursos, como


acontece em Moçambique, só tem sentido se for considerada no contexto da revivificação da
vida na ilha e, evidentemente, não deve ser vista como acção dirigida apenas ao edificado
ou ao legado físico presente. Qualquer estratégia de reabilitação tem de ter como sujeito, em

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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

primeiro lugar, a população da ilha e a sua cultura. Porque são elas que constituirão o
principal elemento da sustentabilidade do que se construiu e que tem explicação no seu
trabalho e, principalmente, na sua cultura. A criação de condições económicas que dêem
suporte ao fortalecimento e desenvolvimento cultural terá certamente como resultado
induzido a melhoria da capacidade privada de intervenção, nomeadamente sobre o
edificado. É evidente que tal premissa não totaliza o alcance do objectivo de reabilitação do
conjunto edificado, o que significa que, a par da atenção para se redinamizar a vida
económica e sociocultural da ilha do Ibo, teria de ser desenhado um programa específico de
requalificação e reabilitação, com uma componente adequada e criteriosamente
seleccionada e limitada de restauro filológico do património edificado. E este mesmo
programa deveria ser uma componente daquele programa mais vasto. Teriam de ser
estabelecidas sub-estratégias de intervenção, nomeadamente no que respeita às técnicas de
restauro e reabilitação; às opções de refuncionalização; às possibilidades de participação e
de envolvimento de outras instituições, que não apenas as governamentais; à contribuição
local; à preservação e uso sustentado dos recursos naturais.

Quanto à prioridade de reanimação da vida económica e sociocultural, e tendo em conta que


o âmbito do turismo é aquele que aparentemente apresenta maior viabilidade pelos
interesses que tem suscitado actualmente, poderiam ser considerados à partida, para além
de outros, os seguintes cinco domínios potencialmente portadores de mais-valias:
168
(1) Valorização de profissões e técnicas tradicionalmente exercidas e conhecidas,
nomeadamente a ourivesaria, a carpintaria, a arte de pedreiro, a latoaria, a fundição
artesanal, a construção naval;

(2) Produção agrícola, em particular com a reabilitação e valorização do cultivo e


produção do café169 ;

(3) Actividades culturais típicos envolvendo a música, a dança, as cerimónias


tradicionais, bem como o dos produtos naturais de cosmética e higiene tradicionais (m’siro,
muswaki, mulala e outros a seleccionar).

(4) Culinária, nomeadamente no que se refere à conserva tradicional de mariscos


(conhecidos localmente pelas designações locais de macasa, mbareh, nhamata e outros), de

168
Consideram-se aqui as profissões e técnicas que tivemos ocasião observar em 2003, bem como o levantamento
socioprofissional feito por Carlos Lopes Bento, em 1971, e que vem descrito na separata do Boletim da
Sociedade de Geografia de Lisboa, Série 115a – Nos 1-12, Janeiro/Dezembro de 1997.
169
“Coffea Ibo de Frohner”, conforme Carlos Lopes Bento, op. cit. Pág. 219.

138
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

pescado (maragaio), de palmito (quiréreh), em escala adequada e, eventualmente, a


produção de compotas (de manga, de goiaba, de maçanica), de frutas secas (banana,
manga, maçanica) e o aproveitamento de sumos e bebidas locais (a água de coco, a sura);

(5) Uso controlado dos recursos marinhos e da sua valorização e divulgação, incluindo
peixe, crustáceos, conchas, bem como a pesca desportiva e o mergulho.

Qualquer das opções se decida incentivar, após pesquisa e avaliações de impacto, deverá
respeitar os requisitos de preservação ambiental e conservação dos recursos naturais. Mas,
inversamente, as limitações decorrentes dos critérios de sustentabilidade ambiental têm
também de estar em consonância com a preservação de valores culturais adquiridos ao
longo dos tempos pela população. É nomeadamente através da definição e de escalas
adequadas de exploração, da modernização das técnicas de produção e do controle e
monitoria dos processos por parte dos actores envolvidos que se garantirá que as acções de
desenvolvimento não se transformem em acções predadoras, estimulando-se o equilíbrio
entre as necessidades da população e a sustentabilidade dos processos.

9.3. Contribuições para a preservação, requalificação, manutenção e restauro do


edificado.
Como questão prévia para garantir a sustentabilidade da reabilitação do edificado numa
situação de grande carência de recursos, como acontece em Moçambique, é necessário
considerar que tal reabilitação só tem sentido se for considerada no contexto da revivificação
da vida na ilha do Ibo e, evidentemente, não deve ser vista apenas como acção dirigida ao
edificado ou ao legado físico preexistente. Qualquer estratégia de reabilitação tem de ter, em
primeiro lugar, como sujeito (alvo e actor) a população da ilha e seu ethos, porque é ela que
constituirá o principal elemento da durabilidade do que se construiu e que tem explicação no
seu trabalho e, principalmente, na sua cultura. Um plano director para orientar as
intervenções físicas deverá ser, por isso e antes de mais, a representação territorial das
opções de desenvolvimento num determinado prazo de tempo, tendo em consideração as
suas pulsões mais fortes e viáveis de todos os pontos de vista, bem como as fraquezas que
exigem intervenções concretas de superação. Tal plano director deve representar apenas
um dos instrumentos locais de intervenção, os quais deverão estar articulados num
programa mais vasto de desenvolvimento económico e sócio cultural.

Quanto à prioridade de reanimação da vida económica e sociocultural, e tendo em conta que


o âmbito do turismo é o que mais interesses tem suscitado hoje em dia, poderiam ser

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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

considerados, à partida, os domínios do saber e do conhecimento local de potencial


interesse económico e comercial, referidos no capítulo 6.3 da II Parte.

A teoria da conservação sugere que a intervenção num centro histórico não pode e não deve
permitir mudanças traumáticas devido à introdução de elementos estranhos no ambiente
urbano. A preservação deve visar a satisfação das necessidades dos habitantes através de
acções cuidadosas e facilmente identificáveis que não modifiquem irreversivelmente o centro
urbano e que se integrem adequadamente no contexto sem a exibição de novos sinais
demasiado fortes.

“A projectação da recomposição formal e perceptiva de espaços construídos negligenciados,


a requalificação e refuncionalização de edifícios degradados, a localização de actividades
comerciais em edifícios residenciais, a abertura de bairros degradados à cidade através da
localização neles de funções urbanas significativas para o conjunto ( as quais produzem, ao
mesmo tempo, renovação urbana e equidade urbana), a eliminação da poluição do ar e e da
poluição acústica causada pelo tráfego (que põe em perigo tanto os seres vivos como o
património construído), a renovação dos serviços urbanos (que produz, ao mesmo tempo,
desperdícios ou lixo) ambiental e danifica o património construído), a criação de ‘lugares
seguros’, deveriam ser as acções de um projecto que recupera o sentido de propriedade dos
espaços e, ao mesmo tempo, de pertença a eles, no sentido de lhes conferir uma maior
capacidade de socialização e de segurança.

Na prática isto é realizado através da eliminação de adições estranhas aos edifícios,


repropondo, na escala adequada, técnicas tradicionais, tecnologias e materiais que se
inserem no saber comum (que é sustentável) ou ao genius loci.

E fácil perceber que estas acções de requalificação urbana visam alcançar objectivos de
sustentabilidade tais como a melhoria do ambiente, a promoção social e económica das
áreas recuperadas no sentido da elevação da qualidade de vida dos residentes”170.
Qualquer abordagem de revalorização do edificado terá de considerar princípios básicos que
garantam a sustentabilidade e eco-compatilbilidade da acção. São eles:

170
De Marco, Marina, Torre, Carmelo, Refurbishment and Conservation in Sustainable Renewal of
Architectural and Urban Heritage. Back Conceptual and Technological Questions,
http://www.iris.ba.cnr.it/sksb/PAPERS/04-56.HTM (http://www.iris.ba.cnr.it/sksb/PAPERS/04-56o.pdf).

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ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

• Princípio da informação, que garante que se conhece tão profundamente possível o


objecto a revalorizar, que a informação circula adequadamente por todos os intervenientes
públicos e empreendedores privados, e que se procede à educação especializada e pública
para elevar a competência e a consciencialização geral em reacção às intervenções a
realizar;

• Princípio da organização, que garante a preparação prévia das acções a levar a


cabo, bem como o estabelecimento dos adequados instrumentos de administração, de
gestão, de avaliação regular e de controlo de todas as actividades a levar a cabo;

• Princípio da participação, que garante uma adequada partilha de realização dos


objectivos a alcançar e que maximiza as hipóteses de compatibilidade cultural do
empreendimento e respeitando o objectivo de “Pensar globalmente e agir localmente”, que a
Agenda 21 estabelece como uma da importantes condições do desenvolvimento sustentável.

No que respeita à revitalização do conjunto edificado propõem-se os seguintes níveis gerais


de actuação:

• Actuação de emergência, para impedir o desmoronamento completo dos edifícios


em estado crítico de conservação;

• Actuação de consolidação, para evitar que o edificado entre em estado de ruína


grave por degradação dos elementos estruturais;

• Actuação de recomposição, que consistem em repor e ou requalificar as condições


de uso e fruição do edificado, refuncionalizando-o, reparando-o, ou restaurando-o consoante
as opções mais aconselháveis.

Partindo da análise efectuada e da condições ambientais em presença o caso específico do


Ibo permite concluir que:

1. Não parece sustentável restaurar o edificado das áreas monumental e, em geral, da


área formal, sem considerar acções específicas de melhoria das condições básicas da vida
da população (habitando normalmente nas áreas informais) que lhe dá o sentido de pertença
humana e alimenta a sua identidade e peculiaridade culturais, bem como sem a participação
de outros importantes agentes de desenvolvimento – particulares, empresas, ONGs;
2. Infelizmente parece inviável reproduzir em larga escala as técnicas e materiais locais
usados originalmente, os quais se traduziram no uso intensivo de elementos naturais de
grande valor ecológico, ambiental e paisagístico e que hoje são protegidos por lei, como o

141
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

coral e o mangal, além de outros como a folha de coqueiro entrançada (o macúti) e resinas
naturais. Tais práticas poderiam ser utilizadas desde que correspondessem a uma selecção
criteriosa dos objectos a restaurar, mesmo que com carácter restrito e exemplar;

3. A relevância simbólica atribuída, pelos habitantes da vila, a alguns dos seus


elementos arbóreos, bem como de sítios e conjuntos arbustivos sacralizados por ritos
ancestrais ou urbanizados, aconselham que se considere com atenção a importância da sua
inventariação e conservação, bem como a requalificação do seu enquadramento,
respectivamente como marcos urbanos e culturais;

4. Quanto à requalificação do ambiente construído parece ser importante considerar o


carácter particular do núcleo edificado nomeadamente no que concerne à imagem, às
relações de escala das edificações (e elementos construtivos) entre si e destes com o
espaço não edificado, e à relação espacial interior/exterior e privado/público das
construções, expressa, por exemplo, pelo sistema das varandas projectadas;

5. É fundamental garantir-se uma administração civil consciente, motivada e continuada,


de modo a eliminar-se gradualmente eventuais atitudes predatórias e de indiferença perante
a destruição do património cultural, mesmo quando estas sejam explicáveis em determinado
contexto histórico.

6. É desejável e por vezes vital (como aconteceu em programas bem sucedidos de


reabilitação e maneio faunístico) associar o interesse e participação da população local,
profundamente atingidas pela necessidade de resolver os problemas básicos e imediatos da
sua subsistência, o que implica à partida a integração dos líderes e personalidades locais e a
organização de base da população por actividades e grupos de interesse específicos;

7. É muito importante integrar acções de treino e formação. Estas acções deveriam


considerar não só a elevação da capacidade técnica dos gestores directos dos
empreendimentos, mas também a criação de uma consciência da importância da
preservação dos bens culturais e dos recursos naturais e paisagísticos.

Uma vez que grande parte da construção popular do litoral de Moçambique, pelo menos a
norte do rio Zambeze, baseia-se na técnica do uso de rocha coralina, de madeiras de
mangal e outros materiais que, devido à sua proveniência, possuem um elevado teor de sal
marinho, parece-nos fundamental definir-se, na especialidade, o comportamento e
interacção físico/químicos destes materiais de construção quando postos em diversas e
adversas condições ambientais, desfazendo-se o equilíbrio de temperatura e humidade

142
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

relativa que influencia decisivamente o estado da construção. Esse estudo seria útil para a
compreensão dos processos de degradação dos elementos feitos com este tipo de materiais
e, por extensão, igualmente útil para se estabelecerem os melhores métodos de
conservação do edificado.

Outra questão fundamental a ser equacionada no processo de revitalização da ilha do Ibo e


da requalificação do seu espaço urbano, prende-se designadamente com a filosofia da
reabilitação e as opções estratégicas para o restauro do edificado. Qualquer destes
caminhos deverá contar com um processo integrado de orientação e monitoria tendo em
atenção os princípios de adequação técnica, ambiental e cultural para, entre outros
aspectos, se evitem metamorfoses estranhas ao carácter da arquitectura da vila,
particularmente quanto às suas relações de escala na envolvente criada, e quanto à
peculiaridade da sua imagem geral. Neste contexto parece-nos importante salvaguardar-se,
pelo menos, a manutenção da traça original aparente dos edifícios, em particular no que
concerne às fachadas frontais e respeitando-se os princípios de desenho e continuidade das
varandas. Estes elementos serão porventura aqueles que melhor caracterizam o conjunto
edificado.
A revalorização do edificado no quadro de uma estratégia faseada de intervenção,
ganhando-se experiência, desencadeando-se sinergias e motivando-se a população e os
diferentes operadores passíveis de envolver, deveria considerar três escalas de intervenção,
nomeadamente (1) a escala geral do território e da paisagem da ilha, (2) a escala urbana e
(3) a escala dos edifícios e outros elementos simbólicos.

I. Na escala urbana, seria necessário considerar os seguintes níveis gerais de


intervenção:

a) Acções de emergência para protecção das fachadas traseiras do conjunto


edificado na frente sul da vila, para suster o desmoronamento dos contrafortes, das
paredes e embarcadouros que dão para o porto de abrigo;

b) Melhoria das infra-estruturas a partir do estudo, na especialidade e de


forma integrada e multidisciplinar, do estado e do tipo de infra-estruturas, para a
adopção de soluções sustentáveis e eco-compatíveis de

• saneamento,

• abastecimento de água,

143
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

• abastecimento energia;

c) Recomposição do sistema viário interno e dos acessos à ilha,


nomeadamente em Tandanhangue, o local mais próximo de onde se parte de barco
para a ilha do Ibo, e que inclua;

• Recomposição dos pavimentos e passeios da zona formal,

• Requalificação participada da zona informal, com enfoque especial nos


seus espaços públicos, vias e equipamentos mais importantes e
necessários, nomeadamente na área recreativa e na área do comércio
informal,

• Recomposição dos pontos de partida e de chegada no porto de


Tandanhangue na ponte-cais do Ibo,

• Reparação e manutenção do aeródromo (pista de terra e abrigo de


chegada);

d) Acções de índole legal

• regularização propriedade na zona formal,

• regularização da ocupação do solo na zona informal,

• elaboração de normas-guia para manutenção, reabilitação e restauro


dos edifícios existentes, bem como para orientação e condicionamento
enquadrador de edifícios novos que venham a ser autorizados onde tal
seja não só possível como recomendável;

e) Intervenções integradas de recomposição de ambientes edificados, que


implicam o estudo na especialidade, mas de forma integrada e multidisciplinar, da
definição de opções a tomar nomeadamente reabilitação, requalificação e/ou restauro
de:

• Rua 27,

• Avenida e Largo da República, Rua António José de Almeida, Rua


Maria Pia e Rua da Fortaleza;

f) Acções de planificação, eventualmente integradas numa estratégia geral ou


Plano Director de desenvolvimento da ilha incluindo a promoção da elaboração de
planos parciais para:

144
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

III Parte

• Completamento de espaços vazios resultante do desmoronamento


completo de edifícios,

• ordenamento e requalificação da frente de mar ocidental, entre o cais e


a Fortaleza de S. João Baptista e que abrange a Rua da Bela Vista,

• ordenamento de grandes espaços livres e incaracterísticos, como a


área fronteira ao mercado e ao Fortim de Sto. António, a área adjacente
ao antigo matadouro, a área adjacente às traseiras ao edifício dos
Correios e Administração Marítima.

II. Na escala das edificações e elementos simbólicos dever-se-ia proceder a:

g) Acções de emergência para travar a degradação por ruína devida ao


abandono e predação, nomeadamente das estruturas, coberturas e paredes ainda em
estado razoável de conservação, prioritariamente dirigidas aos edifícios classificados,
como as fortificações, a igreja católica e a mesquita central;

h) Definição de estratégia e modalidades de motivação de proprietários e


operadores privados, e que possam induzir à manutenção, reabilitação e restauro das
fortificações e de edifícios públicos importantes no plano urbano bem como de edifícios
privados com valor intrínseco e valor de enquadramento espacial;

i) Promoção da manutenção e arranjo dos cemitérios e locais tumulares de


interesse histórico;
j) e, numa acção simbólica, promover à limpeza da via aberta no mangal entre a
ilha do Ibo e a de Quirimba, como testemunho importante da história e do trabalho
humano.

145
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Conclusões

CONCLUSÕES

I. Reabilitação, preservação e restauro do edificado de valor histórico na ilha do Ibo:


para uma política de intervenção escalonada e faseada, baseada em princípios de
sustentabilidade e aderência comunitária.
O caso do Ibo apresenta duas características importantes a considerar para a definição de
uma estratégia de preservação, reabilitação e restauro do núcleo consolidado. São elas:

1. Existência de um assentamento de características duplamente bivalentes:

(1) No que respeita à sua organização urbana – zona formal e zona informal;

(2) No que respeita à distribuição espacial desigual da população que realmente


vivifica o assentamento – ocupação consolidada e antiga da zona informal e
rarefacção de ocupação ou alto nível de abandono na zona de edificação
consolidada / monumental / formal;

2. Existência de um núcleo urbano planificado muito marcado pela desigualdade colonial


(desigualdade esta estratificada ao longo de século/s), o que atenua o sentido de
pertença do edificado monumental com valor histórico por parte da população
autóctone no período pós-independência, e em relação ao qual essa população
exprime simultaneamente uma postura de indiferença (porque não o sente totalmente
como seu?) e de pena (pelo que o abandono do núcleo de edificação consolidada isso
traduz de menos oportunidades de oferta de serviços e de emprego?);

Neste contexto característico de núcleos urbanos pequenos como o da ilha do Ibo, parece
ser necessário considerar sempre uma actuação que combine a reabilitação do edificado
classificado de valor histórico com a requalificação do espaço e/ou de elementos edificados
de importância na actividade de habitar da população que lhe dá e sentido cultural no
contexto pós-independência. Isto quer dizer que qualquer acção de restauro integrado e
complexo do núcleo edificado consolidado de valor histórico deve estar integrada num
programa de desenvolvimento que contenha a dimensão da melhoria sustentada do bem-
estar da população.

O estabelecimento de uma da política de intervenção para suster o processo de ruína e


promover uma acção sustentada de preservação, reabilitação e restauro do edificado e da
paisagem deveria considerar três níveis fundamentais de actuação:

146
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Conclusões

1. No nível da edificação:

• Intervenções de emergência sobre os edifícios classificados como elementos a


proteger e que se encontram em vias de ruína estrutural;

• Intervenções de consolidação da edificação em perigo de entrar em ruína estrutural;

• Definição de Normas - Guia básicas para qualificar e orientar as acções de


intervenção técnica sobre edificado, quer por iniciativa pública quer por iniciativa privada ou
colectiva;

• Intervenções de reabilitação do edificado em estado de abandono, com estudo prévio


da definição da viabilidade e modalidades da sua gestão e usufruto, com particular realce
para a zona ‘monumental’;

• Intervenções de requalificação na área edificada informal e formal, com estudo prévio


da definição da viabilidade e modalidades da sua gestão e usufruto em particular na zona
formal;

• Intervenções de restauro de edifícios de valor arquitectónico ou de enquadramento


do espaço urbano em que se inserem.
2. No nível da Paisagem:

• Definição de sub-áreas de reserva total e áreas de intervenção controlada dentro da


ilha, tendo em conta factores ecológicos e culturais e as necessidades de produção da
população da ilha, cujos limites deverão ser estabelecidos. Neste âmbito considerar-se-iam
os locais sagrados e rituais, as áreas de produção da população, os maciços vegetais e
conjuntos arbóreos de valor paisagístico, para além do que já está definido no Plano de
Maneio das Quirimbas.

3. No nível da Administração e Gestão:

• Definição de responsabilidades e modalidades de participação dos diferentes e


possíveis operadores no processo de planificação, intervenção e controle, com vista a atingir
os objectivos de sustentabilidade dos programas a serem realizados.

• Para a revelação e fortalecimento de sinergias (financeiras, técnicas e de iniciativa)


visando a realização de acções de preservação ambiental e desenvolvimento sustentado,
seria vantajosa a inclusão dos operadores, associados globalmente ou por áreas de
interesse, no processo de intervenção e desenvolvimento da área de reserva das Quirimbas

147
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Conclusões

e, no caso em apreço, da ilha do Ibo, através da realização de convénios com as instituições


governamentais tutelares (Ministério da Administração Estatal em articulação com os
Ministérios do Turismo, da Cultura, e o da Coordenação e Acção ambiental), em que se
estabeleçam direitos e deveres, incluindo alocação eventual de financiamentos,
benefícios/prémios e sanções, consensualmente estabelecidas. Como referência desta
actuação podemos tomar o caso italiano do acordo estabelecido entre o Ministério do
ambiente e da tutela do território e a ANCIM (Associazione Nazionale Comuni Isole Minori)
Associação Nacional das Comunas das Ilhas menores, em 2000171. Para além de se dar voz
aos principais operadores públicos e outros (Governos locais, entidades privadas,
Organizações não-governamentais, associações e comunidades organizadas), criar-se-ia um
processo de engajamento e compromisso voluntários com possibilidades de viabilizar
actividades que as instituições públicas, por si sós, terão dificuldades de enfrentar. Também
se poderia deste modo possibilitar às instituições financeiras e de cooperação de países e
instituições doadoras um mais próximo contacto institucional com os operadores, uma maior
transparência de utilização dos fundos, e uma mais acurada e atempada determinação de
eventuais problemas de realização de programas, permitindo-se acções correctivas a tempo.

• É pertinente referir que as carências de capacidade técnica de gestão por parte da


Administração local obrigariam a que, numa primeira fase de lançamento de qualquer plano
de desenvolvimento para a ilha, se considerasse a possibilidade de criação de um gabinete
técnico de apoio para tal. Ao mesmo tempo, e como já foi referido, deveria ser lançado um
programa específico de capacitação institucional das instituições do distrito do Ibo.

171
O quadro geral do acordo é baseado na realização de intervenções em áreas marinhas protegidas de pequenas
ilhas italianas. Os projectos visam o desenvolvimento sustentável e a conservação dos ecossistemas marinhos
costeiros, a diminuição da poluição atmosférica e acústica através de um turismo eco-compatível, eco-indicadores
e reconversão das actividades pesqueiras. Neste sentido deverão ser incluídas intervenções de melhoria e difusão
de fonte de energia renováveis com vista à auto-suficiência energética, através de instalações eólicas, de
produção térmica solar, geotérmicas e fotovoltaicas, bem de promoção de transportes sutentáveis pela utilização
de veículos eléctricos e ou veículos de tecnologias híbridas, racionalização e promoção de transportes colectivos.
A realização deste acordo envolve um montante total de 15 milhões de EURO.
A OPET é uma rede criada pela Comissão Europeia que tem como objecto a promoção e a informação sobre os
benefícios decorrentes das novas tecnologias inovadoras em matéria de energia, nomeadamente no que respeita a:
fontes de energia renovável, uso racional da energia na indústria, construção e transportes, combustíveis e
hidrocarbonetos.

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Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.

Conclusões

II. Para a abertura de novas linhas de pesquisa


Uma vez que grande parte da construção popular do litoral de Moçambique, pelo menos a
norte do rio Zambeze (mas incluindo também o litoral de Inhambane, a Sul), baseia-se na
técnica do uso de rocha coralina, de madeiras de mangal e outros materiais que, devido à
sua proveniência, possuem um elevado teor de sal marinho, parece-nos fundamental definir-
se, na especialidade, o comportamento e interacção físico/químicos destes materiais de
construção quando postos em diversas e adversas condições ambientais, desfazendo-se o
equilíbrio de temperatura e humidade relativa que influencia decisivamente o estado da
construção. Esse estudo seria útil para a compreensão dos processos de degradação dos
elementos feitos com este tipo de materiais e, por extensão, igualmente útil para se
estabelecerem os melhores métodos de conservação do edificado172.

Outra questão fundamental a ser equacionada no processo de revitalização da ilha do Ibo e


da requalificação do seu espaço urbano, prende-se designadamente com a filosofia da
reabilitação e as opções estratégicas para o restauro do edificado. Qualquer destes
caminhos deverá contar com um processo integrado de orientação e monitoria tendo em
atenção os princípios de adequação técnica, ambiental e cultural para, entre outros
aspectos, se evitarem metamorfoses estranhas ao carácter da arquitectura da vila,
particularmente quanto às suas relações de escala na envolvente criada, e quanto à
peculiaridade da sua imagem geral. Neste contexto parece-nos importante salvaguardar-se,
pelo menos, a manutenção da traça original aparente dos edifícios, em particular no que
concerne às fachadas frontais e respeitando-se os princípios de desenho e continuidade das
varandas. Estes elementos serão porventura aqueles que melhor caracterizam o conjunto
edificado.

As questões científicas e tecnológicas que se colocam na elaboração de diagnósticos,


caracterização e definição de relações de causa e efeito dos processos de transformação
que ocorrem em ambientes específicos de grande riqueza por um lado e fragilidade por
outro, como é o caso das pequenas ilhas, bem como para a determinação dos métodos
científicos, modelos e metodologias mais adequadas de intervenção, seria também

172
Berti, Maurizio, Arif, Mohamad, Conservação dos antigos edifícios de pedra de coral. Dois casos ao longo
da costa moçambicana, Edições FAPF, Maputo, 2005, pág. 28.

149
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Conclusões

importante o estabelecimento de parcerias com instituições universitárias e centros de


pesquisa.

III. Princípios para uma intervenção requalificante no quadro de uma política de


cooperação estimulante e duradoura.
Não obstante colocar-se no âmbito geral da salvaguarda dos bens arquitectónicos e
ambientais dos núcleos centrais das cidades moçambicanas, parecem-nos de grande
pertinência como princípios basilares de trabalho, também para o caso de estudo que nos
ocupou nesta tese, as observações feitas por Salvatore Dierna e que a seguir
transcrevemos173:

“Existe um oneroso, mas entusiástico desafio para os quadros técnicos que, nos diversos
níveis de competência e de funções, são responsáveis pelos processos de salvaguarda e
valorização dos bens arquitectónicos e ambientais dos núcleos centrais das cidades
moçambicanas. São cidades que têm sido objecto de uma degradação progressiva ou de
processos desavisados de substituição de edifícios ‘monumentais’, como unidades
edificadas de qualidade singular; de partes homogéneas de tecido urbano; de espaços
públicos e complexos de arranjo unitário ou constituídos por agregação progressiva de
edifícios, ao longo do tempo. Tudo isto num contexto em que se assiste, em todo o mundo, a
uma substancial contracção nos tempos de historicização dos acontecimentos humanos e,
entre estes, em primeiro lugar, aqueles que se materializam no assentamento físico e formal
dos edifícios no tempo. É um desafio que se tornou mais complexo e difícil pela exigência de
activar ‘boas praticas’ de análise, de projecto e intervenções sobre unidades de
assentamento e artefactos construídos existentes que assumam objectivos de eco-eficiência
e sustentabilidade ambiental como determinantes significativas. Trata-se de ‘boas praticas’
que, em relação às condições de contexto, podem ser sumariadas em alguns princípios de
carácter geral, designadamente:

• ao nível do atento conhecimento e atribuição de valor cultural ao edifício ou espaço;

• ao nível da avaliação e selecção cuidadosas das mudanças que podem ser


admitidas na utilização;

173
Dierna, Salvatore, Intervenções ecologicamente sustentáveis de formação e transformação do habitat,
documento subordinado ao tema “Requalificação da arquitectura moderna”, editado pela Faculdade de
Arquitectura e Planeamento Físico da Universidade Eduardo Mondlane, 2004, ponto 12, págs. 9 e 10.

150
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Conclusões

• ao nível da escolha bem documentada das modificações compatíveis com o carácter


do tipo originário;

• ao nível da adopção e aplicação de sistemas e soluções tecnológicas inovadores;

• ao nível da introdução, em maior ou menor grau, de formas e linguagens


contemporâneas.

Finalmente uma dimensão que deveria ser tomada em conta desde o início e durante e ao
nível do substrato de todo o projecto, é a que comporta a verificação atenta da
sustentabilidade económico-financeira, a sustentabilidade do processo e a sustentabilidade
ambiental relativamente às intervenções programadas.

Moçambique dificilmente terá, tão cedo, meios financeiros e técnicos para um programa
alargado de preservação de tão importantes ambientes e conjuntos edificados, testemunhos
da história e elementos de identidade ainda em construção dos moçambicanos. Perdê-los é
perder referências identitárias importantes. Parte desse trabalho de conhecimento,
caracterização científica e até de preservação e restauro tem sido feito e terá de continuar a
ser feito com apoios técnicos e financeiros de outros países. E aqui surge a questão da
cooperação inter-governamental e internacional. A este propósito convém referir que, como
preconizado pela UNESCO, para que essa cooperação na área cultural, como de resto para
o desenvolvimento em geral, seja sustentável ela deverá assentar, nomeadamente, em dois
princípios essenciais:

• informação simétrica das partes, nomeadamente de cada uma das partes sobre a
vontade e capacidades da outra;

• possibilidade de discussão e confronto de ideias, isto é: nem imposição de objectivos


e processos pelo país doador ao país receptor; nem aceitação paternalista, cega, ou
simplista das vontades do país receptor pelo país doador.

Para além destes princípios básicos, um programa de restauro e conservação sustentável


deve considerar e ou garantir:

1. Reabilitação económica do meio em que se inserem os objectos visados, com


eventual revocacionamento funcional e da actividade económica, de forma a dar-se
gradualmente sustentabilidade à vida sócio-económica dos seus habitantes, sem impacto
negativo nos padrões e actividades culturais básicos e identitários, como acima se refere;

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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Conclusões

2. Administração pública/gestão local honesta, eficaz, consciente dos objectivos a


atingir e competente, considerando dois requisitos importantes:

(a) o da motivação do interesse da participação da população e dos diversos


agentes/instituições de desenvolvimento;

(b) o da vontade expressa e apoio do governo central – legal, financeiro e técnico;

3. Opções de restauro e conservação correctas e, em particular, que não reforcem


sentimentos de exclusão, de recusa, ou de indiferença.

Em resumo, o restauro e conservação devem assentar, como preconiza a UNESCO, nos


três pilares que garantem uma “saudável prática de conservação”:

• documentação completa,

• administração adequada e eficaz e

• protecção legal.

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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Iconografia

A - Enquadramento territorial da ilha do Ibo, caracterização da estrutura do


edificado, levantamento e imagens do ambiente urbano.

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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Iconografia

História de Moçambique, Malyn Newitt, pag.26 Novembro 1997

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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Iconografia

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ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Iconografia

Litoral Norte de Moçambique


É necessário rever a toponímia das ilhas Quirimbas. Os mapas respectivos apresentam em geral
designações diferentes para as mesmas Ilhas.

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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Iconografia

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ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Iconografia

(1) Eco-regiões da África Oriental (2) Litoral Norte de Moçambique (3) Parque Nacional dasQuirimbas
com localização da Ilha do Ibo dasQuirimbas

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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Iconografia

WWF Proceedings of the eastern Africa marine ecoregion visioning workshop pag,
Mombasa, Kenya . April 21st-24th 2001

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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Iconografia

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ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Iconografia

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Iconografia

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Iconografia

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Iconografia

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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Iconografia

Postais do Ibo

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ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Iconografia

Postais do Ibo

166
B - Arquitectura sem arquitecto: a zona formal.
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.

Iconografia

C - Arquitectura sem arquitecto: a zona informal.

181
D - Elementos para uma proposta de intervenção.

195
196
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