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Arquitectura e Ambiente:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável.
O caso da Ilha do Ibo
Tese de Doutoramento
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento
sustentável.
O caso da Ilha do Ibo
Tese de Doutoramento
Índice
ÍNDICE II - V
AGRADECIMENTOS VI
PREMISSA 7
INTRODUÇÃO 11
- Motivações e justificação; 11
1 Desenvolvimento Sustentável 17
II
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Índice
III
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Índice
CONCLUSÕES 146
I. Reabilitação, preservação e restauro do edificado na ilha do Ibo: para 146
uma política de intervenção escalonada e faseada, baseada em
princípios de sustentabilidade e aderência comunitária.
ICONOGRAFIA
Bibliografia 206
IV
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Índice
ANEXOS 215
ANEXO V Lei e Plano de Maneio do Parque Nacional das Quirimbas (PNQ). 270
ANEXO VII Quadro cronológico dos principais factos históricos com impacto 278
no edificado da vila do Ibo.
ANEXO XIV Elementos de clima das terras firmes do litoral, adjacentes às 364
Ilhas Quirimbas, e da Iha do Ibo
V
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável.
O caso da Ilha do Ibo.
Agradecimentos.
Agradecimentos
Ao Professor José Forjaz, por me ter proporcionado a oportunidade de elevar os meus
conhecimentos e me ter encaminhado com firmeza nos momentos de dúvida.
Ao Professor Salvatore Dierna, pelos ensinamentos de grande valia e pela confiança que em
mim instilou no processo de elaboração desta tese. Também o meu reconhecimento pela
cordialidade com que sempre me atendeu.
À professora Maria Spina, pela sua preciosa ajuda e pelas abordagens criativas de que
beneficiei sempre que solicitei o seu aconselhamento.
Aos Doutores Arquitectos Cláudio Di Cursio e Francesco Di Nicola, que me deram o prazer
da sua amizade, bem como o seu apoio, mesmo em momentos de grande pressão do seu
trabalho.
Ao meu colega de trabalho Arquitecto Luís Lage, com quem pude partilhar preocupações e
alegrias, tornando menos duro o quotidiano de exigências que o trabalho impunha. Aos
meus alunos, alguns dos quais são hoje colegas de profissão e amigos, que me apoiaram na
elaboração da informação, e cuja juventude e convivência me alentou: referência particular
aos arquitectos Chivite Wate, Júlio Pereira, Roberto João, e o licenciando Adérito Wetela.
À minha mulher, Fernanda Machungo e aos meus filhos André, Ntanzi e Taíla, a quem
dedico este trabalho, o meu indizível obrigado, por tudo que me deram como encorajamento
e que não pude ainda retribuir.
Maputo, 30 de Novembro de 2005.
IV
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
Premissa
PREMISSA
O contexto teórico
7
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Premissa
ao mesmo tempo que se deseja, e até por vezes se argumenta falaciosamente, sobre a
necessidade ou mesmo a inevitabilidade da presença de problemas ambientais ligados à
industrialização como indicador do seu percurso na senda do desenvolvimento.
1
Dierna, Salvatore, Intervenções ecologicamente sustentáveis de formação e transformação de habitat,
documento sobre Requalificação da arquitectura moderna, elaborado no quadro do Segundo Curso de
actualização sobre reabilitação do património arquitectónico, Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico da
UEM, Maputo, 2004, ponto 2.
8
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Premissa
Cabe citar, neste âmbito, o Ministro do Turismo do Governo moçambicano que, a propósito
da publicação com o título “Ibo. A casa e o tempo”2, explicita:
“Do ponto de vista da área que dirijo é pertinente referir que o livro fornece matéria
abundante que poderá ser utilizada no quadro da acção de divulgação turística,
acrescentando elementos de mais-valia de um destino turístico que começa a ser
importante, as Ilhas Quirimbas e, em particular, o Parque Nacional do mesmo nome.
A ênfase dada ao edificado da ilha do Ibo, bem como aos valores culturais e paisagísticos
em que se insere, confirma e reforça a necessidade, preconizada pelo Governo, da
preservação desses valores e da sua requalificação, no quadro de uma estratégia de turismo
sustentável, de modo a poderem ser desfrutados por aqueles que nos visitam.
Queremos também realçar que os elementos de análise apresentados são um contributo
relevante para a abertura de linhas de orientação, e inclusive de normação, tendentes a
encorajar actuações mais adequadas, tanto dos investidores, como dos operadores turísticos
e dos visitantes, tendo em conta a melhoria das condições de vida da população local, e a
preservação e valorização dos recursos naturais da região.”3
O conceito de sustentabilidade é a principal linha de força da presente tese. A este respeito
consideramos importante referir à partida que, embora este conceito esteja larga e
profundamente implantado no seio da academia e comece a informar atitudes dos governos
a nível nacional, a nível internacional e nas relações bi e multilaterais, “continua, na prática, a
ser pouco claro para o cidadão comum como é que o seu bem-estar físico e económico pode
ser garantido e elevado através da sua aplicação concreta. É preciso que a sustentabilidade
do desenvolvimento se traduza, de uma maneira extensiva, em algo que possa ser visto,
sentido, experimentado pelos cidadãos e pelas comunidades em geral”. O elemento
significante nesta referência é o facto de ela partir de um investigador em formação, o que é
reflexo de elevação da consciência4.
Para além das considerações gerais aqui feitas é pertinente referir que não é alheio à tese, o
objectivo induzido de contribuir também modestamente para alimentar, com elementos
2
Carrilho, Júlio, Ibo. A casa e o tempo, Edições FAPF, Maputo, 2005.
3
Sumbana Júnior, Fernando, Ministro do Turismo de Moçambique, Nota nº 316/GM/MITUR/2005, de
29/09/2005, dirigida à Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico, Maputo.
4
Oliveira, Nuno Gaspar de, A caminho da praia sustentável, Revista Focus, pág. 94, 305/2005.
9
Júlio Carrilho
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Premissa
5
“La forma architettonica, con i luoghi che delimita, può avere una parte importante, con l’intralciare o con il
raforzare il nostro senso dell’identità. Meiss, Pierre Von, 1992.
10
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Introdução
INTRODUÇÃO
“... no fim conservaremos apenas aquilo que amamos, amaremos somente aquilo que
compreendamos e compreenderemos só aquilo nos tenha sido ensinado”
Baba Dioum6
Motivações e justificação
É justo que se refira que houve e há casos que constituem excepção a esta constatação,
nomeadamente toda a actuação governamental que culminou com a declaração, pela
UNESCO, da Ilha de Moçambique como património cultural da humanidade, bem como as
iniciativas de preservação ecológica e ambiental de contextos territoriais delicados, como por
exemplo no que se refere à ilhas de Inhaca e ao arquipélago do Bazaruto, pressionados por
sobre ocupação em consequência da guerra que decorreu até 1994 e pelas iniciativas não
controladas de desenvolvimento turístico e que era necessário acautelar sob pena de
depauperamento ambiental irreversível.
6
Cunningham, William P., Cunningham, Mary Ann, Saigo, Barbara Woodworth, Fondamenti di Ecologia,
edizzione italiana a cura di Alberto Basset e Loreto Rossi, McGraw-Hill, Milano, 2004, pág. 3.
11
Júlio Carrilho
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Introdução
Não é a história nem o domínio sócio – antropológico que nos compete analisar, não
obstante eles serem importantes para uma mais completa compreensão do objecto de
pesquisa em presença e parecer-me bem fundamentada a ideia de que, no futuro, a
evolução da urbanística verá acentuar-se cada vez mais a sua vertente sócio-antropológica
face à sua vertente arquitectónica7.
7
“Eis uma de entre tantas razões para pensar que o futuro... da evolução da urbanística será sempre mais sócio-
antropológica do que arquitectónica”, Dorfles, Gillo, 2003;
8
ICOMOS, Carta sobre o património construído vernáculo, Cidade do México, 17 a 23 de Outubro de 1999.
12
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
Introdução
No que respeita ao tema de aplicação, a pequena ilha do Ibo localizada no arquipélago das
Quirimbas, pretende-se contribuir para consolidar a sua importância no contexto ecológico,
ambiental e como património cultural de valor no Norte de Moçambique, como tem vindo a
ser reiteradamente estabelecido na última década.
• poder contribuir com critérios tecnológicos para a criação de guiões visando eventuais
intervenções de manutenção e restauro em outras pequenas cidades históricas
moçambicanas tais como Inhambane, Ilha de Moçambique e Pemba.
Uma vez estabelecidos, numa primeira parte, os marcos teóricos gerais do tema e o
referencial de experiências para o caso de estudo, far-se-á na segunda e terceira partes o
enquadramento, a descrição e caracterização do caso de estudo, nomeadamente no que
respeita
13
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Introdução
• ao estado das edificações, comparando a situação hoje prevalecente com a dos finais
da década de sessenta e dos anos setenta do séc. passado.
- Com base na análise feita, far-se-á, nas conclusões, propostas de reflexão e de estratégia
de acção tendo em conta a preservação e requalificação do património tangível, bem como
tendo em conta o processo de transformações num quadro de sustentabilidade e eco-
compatibilidade.
9
Meiss, Pierre Von, 1992;
14
Júlio Carrilho
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Introdução
2º Definição e listagem das fontes disponíveis em Maputo com consulta expedita prévia,
complementada posteriormente com fontes a consultar em Roma e em Lisboa;
15
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Introdução
Não foi intenção desta pesquisa ter uma representação rigorosa do edificado. Pretendia-se
sim obter elementos de representação gráfica suficientemente elucidativos da imagem do
ambiente construído e de alguns dos seus componentes mais significativos, de tal maneira
que nos permitisse definir o carácter e o fundo das opções projectuais. O levantamento
expedito abrangeu cinquenta seis edifícios, tendo, cerca de vinte, sido levantados com mais
rigor e mais completamente. De qualquer modo, para efeitos de restauro, reconstrução e
reabilitação seria necessária uma campanha específica de levantamento, com programa e
equipas especificamente definidas para tal. Grande parte deste trabalho foi organizado e
publicado no livro “Ibo. A casa e o tempo”, de está presente um resumo em Anexo.
16
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
1. Desenvolvimento Sustentável
Quanto mais nos catapultamos para o futuro mais o passado se avoluma10. E quanto mais
passado se constrói, mais perigos podem acumular-se no futuro. Esta é uma verdade que o
objectivo de um desenvolvimento duradouro tem de acautelar: diminuir os perigos para o
futuro, garantindo-se para as gerações vindouras pelo menos as mesmas possibilidades de
construção do seu desenvolvimento e bem-estar, principalmente no que respeita aos
recursos e valores ambientais que a terra disponibiliza.
À partida deve-se ter em consideração que, como diz David Barkin na sua contribuição para
uma estratégia alternativa de desenvolvimento, em preparação da Cimeira da Terra “To
address questions of sustainability, …, is to confront the fundamental dilemmas facing the
development community today. Traditional approaches and models have not resolved the
problems for the vast majority of the world's population, which lives in poorer conditions today
than in recent human history. While the trickle-down approaches to economic progress enrich
a few and stimulate growth in "modern" economies and sectors in traditional societies, they
have not served to address most people's needs; furthermore, they contributed to depleting
the world's store of natural wealth, to a deterioration in the quality of our natural environment,
and to enriching the wealthy. The broadening gap between rich and poor within nations and
on an international scale offers stark testimony of the social inadequacies of this unfortunate
model of economic development”11.
Não é somente a partir de 1987 que a reflexão no domínio da arquitectura se faz tendo em
mente outros domínios do conhecimento e da actividade humana que com ela se
relacionam, em particular com a ecologia e o ambiente. Mas é verdade que, devidos aos
problemas que a humanidade enfrenta como fruidora da Terra, nunca antes as temáticas
ecológicas e ambientais tiveram tanta pertinência.
10
Saramago, José, em entrevista ao canal de TV francesa TV5, Paris, Maio de 2003;
11
Barkin, David, Wealth, Poverty and Sustainable Development. Contributions to an Alternative Strategy -
http://db.uwaterloo.ca/~alopez-o/politics/susdevelop.html, 2002.
17
Júlio Carrilho
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I Parte
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Júlio Carrilho
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I Parte
“…Está nas mãos da humanidade tornar o desenvolvimento sustentável, o que quer dizer
procurar satisfazer as necessidades e aspirações de hoje sem comprometer a capacidade
das futuras gerações de satisfazerem as suas próprias necessidades e aspirações. O
conceito de desenvolvimento sustentável implica limites – não limites absolutos, mas
limitações que o presente estado da tecnologia ou da organização social e a capacidade da
biosfera de absorver os efeitos da actividade humana impõem aos recursos do ambiente –,
mas tanto a tecnologia como a organização social, ambas podem ser orientadas e
melhoradas para que possam abrir o caminho para uma nova era de crescimento
económico. A Comissão acredita que a pobreza já não é inevitável. A pobreza não é uma
doença em si. O desenvolvimento sustentável requer que as necessidades básicas de todos
sejam satisfeitas e que a oportunidade de se cumprirem as expectativas de uma vida melhor
seja estendida a todos. Um mundo em que a pobreza seja endémica será sempre
susceptível de sofrer uma catástrofe, seja de tipo ecológico ou de qualquer outro tipo”12.
Este importante Relatório recomendou acções urgentes em oito importantes domínios para
assegurar o desenvolvimento sustentável, designadamente: (1) População e Recursos
Humanos; (2) Indústria; (3) Segurança Alimentar; (4) Espécies e Ecossistemas; (5) O
Desafio Urbano; (6) Gestão do Bem Comum; (7) Energia; (8) Conflito e Degradação
Ambiental.
Nesta linha conceptual e programática já tinham e têm estado a surgir variantes da definição
básica estabelecida pelo Relatório Brundtland na busca de precisões ligadas a enfoques
específicos ou a aprofundamentos sectoriais:
12
UN BRUNDTLAND REPORT, Our Common Future, The World Commission for the Environment and
Development Alianza Publications, Madrid, 1988 (pag.28 e 29).
19
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
Como se pode verificar varia a ênfase das definições consoante a perspectiva de que se
parte, nomeadamente a do bem-estar geral, a económica, a sociocultural, a ecológico-
ambiental, com implicações nos mais variados domínios do conhecimento, das ciências
naturais, às ciências jurídicas, às ciências da administração e à política.
Uma definição que diz respeito ao ser humano em geral, independentemente da sua
condição e do seu local de vida, e que envolva todos os aspectos da sua actividade, seria
suposto não ser fácil de fazer e tornar inteligível aos diferentes níveis da comunicação.
13
Em Sustainable Development: Economic growth and innovation,
http://www.stats.govt.nz/domino/external/web/nzstories.nsf/htmldocs/Sustainable+Development:+Economic+gro
wth+and+innovation, (22 de Junho 2004).
14
Ikeme, Jekwu, Sustainable Development, Globalisation and Africa: Plugging the holes, em Africa Economic
Analysis, Environmental Change Unit, University of Oxford, United Kingdom, 1999 -
http://www.afbis.com/analysis/Jekwu.html
20
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
Como qualquer definição bem elaborada ela vai ao âmago da natureza do problema que
visa, é curta, a mais completa possível e, neste caso, atinge o seu objectivo de inclusividade.
Este é o mérito da definição de sustentabilidade do Relatório Brundtland. Ela é eficaz no
nível de entendimento básico e conseguiu mobilizar em relativamente pouco tempo o público
em geral, ao mesmo tempo que suscitou a sua discussão nos domínios mais diversos da
especulação científica e da elaboração técnica afins. Por ser simples e transversal à
actividade humana permite a discussão aos diferentes níveis, com a possibilidade de lógicas
sectoriais aparentemente distintas entre tudo o que ela envolve e trata, devido à sua
natureza holística.
O estabelecimento dos comandos mais adequados nas diversas áreas do saber, inclusive na
arquitectura e no planeamento do território, que obrigam à consideração dos processos de
desenvolvimento na óptica da sustentabilidade e da conservação dos recursos faz-se com o
21
Júlio Carrilho
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I Parte
• Em 1953, Eugene Odum lança o seu livro Fundamentals of Ecology o qual seria,
durante muitos anos, o único manual sobre os princípios básicos da ecologia;
15
http://www.ecotopia.org/ehof.odum/, pág. 1, 25-08-2005.
22
Júlio Carrilho
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I Parte
• Em 1962, Rachel Carson, na sua publicação Silent Spring, introduz uma nova energia
no crescente movimento de defesa do ambiente na América do norte. Ela põe em
causa a capacidade ambiental de absorção infinita dos poluentes produzidos pelo
homem, contribuindo decisivamente para a importância da protecção e preservação
ambientais;
• No início dos anos 1970, a crise energética induz nos países desenvolvidos à
emergência da consciencialização para o facto de as suas cidades estarem
deficientemente preparadas para um forte crescimento populacional e melhoria
significativa dos respectivos níveis de bem estar, num cenário futuro de diminuição da
produção e abastecimento de combustíveis fósseis;
• Em 1980, o Global 2000 Report, solicitado pelo Presidente Carter em 1977, que
constitui o primeiro relatório nacional a tratar globalmente o tema do futuro ambiental
do mundo (entre outros temas), estabelece que “…Apesar do maior volume de
produção material, os povos do mundo estarão ( em 2000 ), em muitos aspectos,
mais pobres do que estão agora";
23
Júlio Carrilho
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I Parte
Fig. 1 - A definição de Desenvolvimento Sustentável reconhece que toda a vida depende dos recursos naturais. O falhanço em
proteger o ambiente físico ameaça o futuro do mesmo modo que que compromete o presente. Os proponentes do conceito de
desenvolvimento sustentável argumentam que os problemas na economia, no ambiente, e na sociedade estão inter-
relacionados e são globais no contexto. Isto é claramente demonstrado na represntação de hierárquia, que ilustra como as
esferas sócio-económicas devem sempre ser consideradas dentro da maior esfera ambiental de influência. Esta
16
conceptualização sugere como as actividades económicas e culturais estão integradas dentro dos processos naturais .
16
Flint, R. Warren e Danner, Mona J.E., The Nexus of Sustainability & Social Equity: Virginia’s Eastern Shore
(USA) as a Local Example of Global Issues, International Journal of Economic Developmen, pág. 5 e 6.
24
Júlio Carrilho
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I Parte
atitudes tanto no que respeita aos valores e estilos de vida, à tecnologia, aos
produtos, ao consumo e à gestão dos dejectos, como no que concerne ao quadro
político, à participação das comunidades e outros actores do desenvolvimento e à
articulação da dimensão global por um lado e da dimensão local por outro;
• Em 2000, A assembleia geral das Nações Unidas, na sua resolução 55/2, adopta a
Declaração do Millenium, em que
estabelece como valores fundamentais do
presente Século a liberdade, a igualdade,
a solidariedade, a tolerância, o respeito
pela natureza e a responsabilidade
partilhada, e que no capítulo III relativo ao
“Desenvolvimento e erradicação da
pobreza” e no capítulo IV relativo à
“Protecção do ambiente comum”,
respectivamente, reconhece as
25
Júlio Carrilho
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I Parte
desenvolvimento sustentável;
Não obstante todo este esforço mundial, ingente mesmo, da comunidade internacional e dos
países, dos académicos, de entidades e organizações privadas, da comunicação social, não
parece ainda que o objectivo de sustentabilidade da actividade humana esteja assegurada.
Não estão ainda decifrados todos os vínculos que existem entre o ambiente e a pobreza, a
injustiça, a opressão. São ainda necessários avanços científicos, tecnológicos e de modelos
de aplicação dos princípios da sustentabilidade, para que as inúmeras metas que a
humanidade se tem colocado se possam alcançar.
17
Resíduos tóxicos químicos são produzidos a partir de 1932 e lançados na baía de Minamata, mas apenas entre
1956 e 1959 serão comprovados os seus efeitos devastadores sobre a população e sobre a cadeia alimentar
animal.
18
A contaminação química de solos num novo assentamento da cidade de Niagara Falls no Estado de Nova York,
devido à deposição de resíduos químicos venenosos entre 1947 e 1952, será apenas detectada e comprovado o seu
impacto devastador sobre a saúde da população entre 1976 e 1980.
19
1979 − acidente nuclear, no Estado da Pensilvânia.
20
1984 – acidente numa fábrica de produtos químicos, com contaminação do ar, em Bophal.
21
1986 – acidente nuclear, na Bielorrússia.
26
Júlio Carrilho
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I Parte
22
Racheli, Gin, Isole e Insularità futura, Paolo Sorba Editore, Sassari, 1996, pág. 14.
27
Júlio Carrilho
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I Parte
23
Fabbri, Pompeo, a cura di, Paesaggio, pianificazione, sostenibilità, Alinea Editrice, Firenze, 2003, pág. 21.
28
Júlio Carrilho
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I Parte
Mas para R. Warren Flint e Mona J.E. Danner a importância da equidade social faz com que
ela seja mesmo considerada como um dos três pressupostos básicos de qualquer modelo de
desenvolvimento sustentável, a par da viabilidade económica e da integridade ecológica.26
O consumo é uma das áreas onde mais se manifesta a necessidade de consideração deste
princípio da equidade. A este propósito é elucidativo o relatório “State of the World 2004”, em
cujo artigo de abertura Gianfranco Bologna refere: “ o peso dos países ricos sobre os
recursos da terra e sobre as condições da parte pobre da humanidade é já insustentável,
quer seja do ponto de vista ambiental, quer seja do ponto de vista social e ético. Não
podemos deixar de reflectir muito seriamente sobre alguns dados deste State 2004, relativos
às comparações entre as despesas destinadas aos consumos supérfluos exigidos por pouco
mais de um sexto da humanidade. Diante de uma despesa estimada em 19 mil milhões de
dólares anuais como investimento adicional necessário para se alcançar o objectivo da
eliminação da fome e da malnutrição no mundo, ou dos 12 mil milhões de dólares para
assegurar a saúde reprodutiva a todas as mulheres ou, ainda, dos 10 mil milhões para se
24
http://portal.unesco.org/en/ev.php-URL_ID=4029&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html, 2002.
25
http://www.unido.org/doc/3563.
26
Flint, R. Warren e Danner, Mona J.E., op. cit., pág. 3(2), 2001.
27
Beder, Sharon, Costing the Earth: Equity, Sustainable Development and Environmental Economics, New
Zealand Journal of Environmental Law , 4, 2000, pp. 227-243. Tradução para português de Álvaro Carmo Vaz,
em http://www.uow.edu.au/arts/sts/sbeder/esd/equity.html
29
Júlio Carrilho
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I Parte
28
Bologna, Gianfranco, Obiettivo: ridurre il nostro consumo, in State of the World 2004. Consumi. Rapporto
annuale del Worldwacth Institute, Edizione italiana a cura di Gianfranco Bologna, Edizioni Ambiente, Milano,
2004, pág.12.
29
Mazula, Brazão, Ética, Educação e Criação de Riqueza (uma reflexão epistemológica), Imprensa
Universitária, Maputo, 2005, pág.124.
30
Forjaz, José, Arquitectura, Ambiente e Sobrevivência, Edições FAPF, Universidade Eduardo Mondlane,
Maputo, 2005, pág. 31/32.
30
Júlio Carrilho
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I Parte
“− Integrar a maior parte das funções urbanas trazendo a necessária vitalidade ao tecido
urbano, a todas as horas do dia e da noite, assegurando a segurança sustentável e
minimizando as necessidades de transporte,
31
Júlio Carrilho
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I Parte
− Planear para a obtenção das melhores condições ambientais locais tendo em conta
considerações sobre os ventos dominantes, o curso do sol, a intensidade de chuvas e a sua
frequência, a humanidade, o ruído de indústrias adjacentes e sistemas de transporte, etc.,
− A provisão de ventilação cruzada, por convecção, ou por outras formas e meios passivos,
32
Júlio Carrilho
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I Parte
− Um modo fácil e eficaz de canalizar as águas das chuvas das coberturas, terraços e
varandas e o seu controle ao nível do solo,
− Integrar os edifícios com os seus espaços exteriores, que devem ser concebidos e
desenhados para maximizar o controle ambiental pelo paisagismo e outros meios passivos,
− Projectar os edifícios isolados como parte integral de um ambiente urbano contínuo e não
como objectos isolados que não contribuem para uma ordem e uma escala mais vasta,
− Refinar o desenho da estrutura e dos acabamentos dos edifícios para alcançar a máxima
perfomance com um mínimo de materiais de alto custo energético,
A principal inferência conclusiva no tratamento integrado deste tema é, como já referido, que
qualquer acção com o objectivo da sustentabilidade exige sempre uma abordagem complexa
e integrada considerando as especifidades do terreno em que se desenvolve essa acção e
tendo sempre em conta que dificilmente haverá acções locais que se realizem sem impacto
no ambiente próximo, ou mesmo que não tenham uma quota-parte de impacto ao nível
global. O terreno que, neste contexto, nos interessa abordar é o das pequenas ilhas.
A UNESCO, através da CSI, estabeleceu como princípios de boa prática para os projectos
de desenvolvimento das regiões costeiras e pequenas ilhas, os seguintes32:
31
Forjaz, José, op. cit., pág. 69, 70 e 71.
32
UNESCO, CSI, Environnement et développement dans les régions côtières et les petites îles, Caracteristiques
des practiques eclairees - http://www.unesco.org/csi/wise/wip2f4.htm
33
Júlio Carrilho
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I Parte
34
Júlio Carrilho
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I Parte
desenvolvidos pelos povos com uma longa história de interacções com o ambiente. Estes
sistemas cognitivos fazem parte de um sistema que inclui também a língua, o apego ao
lugar, a espiritualidade e a concepção do mundo. Incluem-se nesta definição expressões
como: conhecimento tradicional local; conhecimento indígena; conhecimento local;
conhecimento das populações locais ou dos camponeses; etnobiologia, etnobotânica,
etnozoologia; ciência popular; ciência indígena33.
O saber local e indígena tem sido objecto de estudos, reflexão e recomendações, por
diversas agências das Nações Unidas, particularmente depois da reunião do Rio de 1992.
• Que o saber local caracteriza-se por (1) estar ligado a um lugar específico, cultura, ou
sociedade; (2) ter uma natureza dinâmica; (3) pertencer a grupos que vivem em estreito
contacto com os sistemas naturais; (4) contrastar com o conhecimento ‘moderno’ ou
conhecimento ‘formal científico do Ocidente’;
33
http://portal.unesco.org/sc_nat/ev.php?URL_ID=2034&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.
34
http://www.unesco.org/most/ik8nov.htm.
35
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
Ainda em 2002, em projecto transversal envolvendo todos os seus cinco programas num
esforço conjugado visando o conhecimento local e indígena, a UNESCO reconhece a
necessidade da revitalização da transmissão deste saber através do estreitamento dos laços
entre os idosos e a juventude e pela avaliação das oportunidades e limitações do quadro
educacional existente.
36
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
adormecidos. Não sendo escopo desta análise discutir o mérito ou demérito deste facto,
parece ficar claro que o universo diversificado do saber local tem uma força que é preciso
saber integrar como força de desenvolvimento. Isto torna-se ainda mais importante quando
se lida com situações de grande isolamento, como é o caso das pequenas ilhas.
Como a sua própria etimologia sugere, na sua abordagem mais comum e redutora, a palavra
arquitectura pressupõe à partida, uma intervenção humana sobre o domínio do natural, no
sentido de apôr ou acrescentar nele elementos cada vez mais elaborados e controlados de
modo a satisfazer a crescente exigência de conforto humano. A construção de um tecto que
seja mais seguro e proporcione maior bem-estar físico, que seja útil e que, para além disto,
preencha requisitos menos mensuráveis como os de carácter estético, psicológico e social
foi, e ainda é, um objectivo perseguido desde os primórdios da história da civilização. Mas
arquitectura no seu sentido inicial é mais do que isso. Do ponto de vista etimológico o termo
arquitectura parece resultar da união de duas palavras gregas: arch e tecton. A primeira
exprime, na língua originária, o significado de empreendimento, fundamento ou guia,
enquanto a segunda apresenta vários significados entre os quais a actividade de inventar,
criar, plasmar, construir. A união das duas palavras significaria então a racionalização e a
regulamentação da actividade criativa de construir qualquer coisa. E qualquer arquitecto
ocidental que se preze não pode deixar de ter como referência estes princípios tão bem
sintetizados e desenvolvidos por Vitruvius há dois milénios. Mas o que estava em causa até
35
Dierna, Salvatore, op. cit., ponto 4.
37
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
há relativamente pouco tempo era o espaço em si, que se fabricava para se viver melhor, ou
seja, o mecanismo ou edificação que era preciso erigir, que valia por si só e, quando muito,
se relacionava com outros edifícios que, ao se agregarem de determinada forma e sob
certas condições, deram origem às cidades. A relação e busca de bem-estar individual ou de
grupo, cuja escala se ampliou até à dimensão do país ou do agrupamento de países, passou
a considerar a importância da atmosfera e da litosfera, do ar, da água, do solo, da fauna e da
flora, de início conceptualmente estranhos ao acto de projectar (tendo-se na mira, em última
análise, o interior edificado), apenas quando o frenesim de aposições artificiais sobre a
natureza e a transformação desta levou ao estabelecimento de um efeito de boomerang,
passando os elementos da natureza a actuar, nalguns casos, como elementos de
desconforto e de preocupação, quer pelo seu consumo excessivo que os tornou escassos,
quer pelo inquinamento que os tornou perigosos em certas circunstâncias.
Até recentemente a noção de ambiente, era aplicada no seu sentido restrito. Em arquitectura
ainda se utilizava (e nalguns casos ainda se utiliza) a expressão “controle ambiental” para
designar o conjunto de processos que permitem modelar a qualidade da prestação dos
espaços de acordo com as suas finalidades específicas. Trata-se de modelar elementos
como a luz, a temperatura, a velocidade do ar, o som, a humidade relativa… Era ‘ambiente
dentro’, era arquitectura como continente de um específico ‘ambiente’. E não arquitectura e
edificação como elemento de ambiente.
38
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
O verbo latino “ambire” que é a alma inicial do moderno termo ambiente ganha o seu
verdadeiro significado obrigando a que se estabeleça a necessária relação de
complementaridade mais sustentada entre o ambiente construído e o ambiente natural que o
contém e que se quer que seja mutuamente enriquecedora. Olhar para o que circunda o
edificado, definir os impactos deste sobre o ambiente natural pré existente e sobre o
equilíbrio dos ecossistemas, estabelecer as opções mais compatíveis, tornou-se hoje um
domínio científico e técnico que as escolas, as leis e a administração pública, as
organizações cívicas e as comunidades, as empresas e os indivíduos, os países e o
concerto das nações trouxeram para a sua esfera de preocupações. A dimensão global
desta exigência é fruto da consciência, cimentada e mediatizada, em 1987, pelo Relatório da
Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento dirigida pela Sra. Brundtland, de que
a terra é finita, devendo-se agir para que não se ponha definitivamente em risco a sua
capacidade de continuar a acolher a humanidade no futuro, com a mesma margem de
manobra para o seu bem-estar; e a dimensão local resulta da consciência, sublinhada na
Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, em 1992 no Rio de
Janeiro, de que o equilíbrio global do ambiente e a durabilidade do desenvolvimento é
indissociável do equilíbrio das partes que neles interagem. Mas a arquitectura e o
planeamento do território são apenas um dos múltiplos e entrelaçados domínios que
integram a problemática ambiental.
Muitos problemas e dilemas ambientais terão de ser explorados e muitos caminhos terão de
ser abertos para superá-los. E para que as abordagens tenham êxito deverão guiar-se por
36
Cunningham, William P., Cunningham, Mary Ann, SAIGO, Barbara Woodworth, op. cit., pág. 21.
37
Gillo Dorfles, 1992.
39
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
uma visão holística. Entre os problemas mais gerais encontram-se a dicotomia entre o Norte
e o Sul; a situação de disparidade de desenvolvimento no mundo; a desigualdade do bem-
estar em que 86% do consumo privado se deve apenas a 20% da população dos países
mais ricos38; a diminuição da biodiversidade; a origem, a dimensão e o assumir de
responsabilidades, bem como o lançamento de estratégias de combate e mitigação dos
efeitos ligados à emissão de gases nocivos para a atmosfera; a desflorestação e a
desertificação; o empobrecimento dos solos; o esgotamento previsível de muitos dos
recursos naturais; a emissão e o tratamento dos dejectos inquinantes; o desafio do consumo
energético e do desenvolvimento de fontes alternativas de produção de energia; as políticas
unicamente viradas para o crescimento económico…
Nos tempos que correm, para além dos novos conhecimentos no âmbito da teoria -
adquiridos através da investigação e da consciencialização crescente criada pela interacção
entre as Academias, as organizações internacionais em que sobressaem as do sistema das
Nações Unidas, organizações de direito privado, investigadores e personalidades agindo
muitas vezes a título pessoal, fundações e outros -, grandes avanços têm sido feitos no
estudo e estabelecimento de processos e tecnologias para diminuir e prevenir os impactos
negativos da actividade humana sobre o ambiente e sobre os ecossistemas. Em muitos
domínios do conhecimento passou-se já para a esfera da aplicação do saber. O empirismo
vai cedendo lugar à busca de soluções testadas e fundamentadas cientificamente. E o
pragmatismo calculado impõe-se porque o tempo urge. É este o sentido da abordagem
preventiva - “precautionary approach” – defendida no Princípio 15 da Declaração do Rio
sobre Ambiente e Desenvolvimento: “ Onde existam ameaças de danos sérios ou
38
Ching, Lim Li, Sustainability for Whom?, em Science in Society,No 15 Summer 2002, Edited by The Institute
of Science in Society, London - http://www.i-sis.org.uk/isisnews/SIS15web.php.
39
Novartis Foundation for Sustainable Development (NFSD), 2003, Sustainable Development: A Common
Challenge for North and South, Site URL: www.novartisfoundation.com
http://www.novartisfoundation.com/en/articles/development/sustainable_development_a_common_challenge.ht
m#30
40
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
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I Parte
irreversíveis, a falta de completa certeza científica não deverá ser usada como razão para o
adiamento de medidas viáveis – “cost-effective measures” – para prevenir a degradação
ambiental. Novos enfoques começam a caracterizar a arquitectura. Este despertar sectorial
das responsabilidades da arquitectura no concerto das disciplinas com grande impacto sobre
o ambiente não é certamente alheio ao facto de a arquitectura estar intimamente ligada a
uma esfera da actividade humana − a construção − na qual se verificam os maiores índices,
quer no que respeita ao inquinamento da atmosfera, quer no que respeita às lesões por ela
provocadas no território, com efeitos muito nocivos não só no imediato como a longo prazo.
Paradoxalmente talvez seja a sua própria vocação primária de transformadora da paisagem,
a par com essa íntima relação culpabilizante (cada vez mais consciencializada) com a
indústria dos materiais de construção, o que por um lado provoca, no seu âmbito, a
resistência à mudança na actividade profissional (muitas vezes como efeito de tambor das
exigências dos clientes) e, simetricamente por outro lado, o surgimento de atitudes militantes
de crítica apocalíptica quanto aos impactos da prática que não considera todas as
dimensões conhecidas de sustentabilidade do projecto de arquitectura e planeamento
territorial, mesmo quando elas não sejam suficientemente provadas experimentalmente.
Daqui eventualmente resultam nos projectistas, respectivamente, a indiferença na
reconversão da atitude passiva ou conservadora em relação à mudança do enfoque
tradicional da actividade de projectação, e o surgimento frenético de novas receitas e
correntes para enfrentar os desafios actuais da sua acção sobre o território e a paisagem.
Na realidade, e como nos diz Salvatore Dierna, o objectivo de fazer uma Arquitectura e uma
Cidade eco-sustentáveis obriga a que se proceda a uma revisão radical dos princípios que
informam o processo comum e consolidado de planificação e projectação. É preciso rever os
princípios éticos, os métodos científicos e instrumentação técnica já consolidada, as
41
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
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I Parte
Na sua interacção com o ambiente a obra arquitectónica não se ilumina apenas com os
rasgos das vedetas da profissão. É sobretudo na multidisciplinaridade e na interdependência
dos domínios de intervenção que a eficácia e a eficiência se obtêm. Isto não nega a
criatividade e a genialidade, mas a abordagem aos desafios ambientais postos à arquitectura
já não se satisfaz apenas com as luzes da ribalta dos modismos formais. Necessita-se de
perseverança, de inovação na busca de integração com outras ciências, de maior ênfase na
valorização dos impactos, nem sempre imediatos, da obra sobre o bem-estar colectivo.
É verdade que os projectos de intervenção sobre o território quer tenham como objectivo
elementos a edificar ou o ordenamento territorial, são sempre documentos ou intenções
propositivas. São manifestações de vontade que cristalizam ideias, reduzindo-se assim toda
a teoria e a argumentação que as suportam a formas, a imagens, a prefigurações do
ambiente e da paisagem. Resulta isto da própria sina redutora do acto de transformar o
projecto em coisa construída ou em território reorganizado. Mas a vida que lhes dará
conteúdo é informada por mais elementos, muitos dos quais não é possível prever porque,
entre outros aspectos, as circunstâncias que os definem podem, em cada momento do seu
uso, não se verificar ou verificar-se de modo diverso. Não serve isto para se justificar
qualquer atitude paralisante, inconsciente ou menos informada dos projectistas. Serve
apenas para colocar a ideia de que, antes de tudo, estes devem ser técnicos competentes e
40
Dierna, Salvatore, Obra citada, ponto 1.
41
Montruccoli, Simona, Approccio all'architettura naturale - http://www.larici.it/ - info@larici.it, 2004.
42
Júlio Carrilho
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I Parte
preocupados com o devir colectivo, sem o que a sua simultânea qualidade de artistas, de
produtores de beleza e conforto psicológico, não irá muito para além da habilidade de
criação de ícones cujos princípios de sustentação serão dificilmente objectiváveis.
Afirmando-se esta dimensão estética do acto de projectar, torna-se, no entanto, necessário
informá-lo de critérios mais objectivos de utilidade colectiva, no sentido de se conferir maior
sustentabilidade ao objecto que dele resultará.
42
Paloscia, Raffaelle, L’approccio territorialista alla progettazione ecologica, em Palloscia, Raffaele e
AnceschI, Daniela (a cura di), Territorio, ambiente e progetto nei paesi in via di sviluppo, Franco Angeli, Milano,
1996, pág. 27-28.
43
Júlio Carrilho
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I Parte
referir que o papel do projecto ecologicamente consciente não é menos completo e orgânico
na sua profundidade e na qualidade das suas operações, mesmo se considerados no
contexto do papel e dos procedimentos tradicionalmente implícitos à acção de projectar43.
O projecto sustentável implica, por exemplo, que a conservação de energia não se confina
apenas a projectos individuais, mas deve ser orientada através de um plano de gestão de
recursos, cuidadosamente coordenado tanto no nível municipal como no nível regional46. O
mesmo se exige em relação à necessidade de adequação tecnológica para a solução
sustentável das funções de controlo micro ambiental de varáveis físicas como a temperatura,
a humidade, a circulação do ar. Ademais em territórios confinados como no das pequenas
ilhas, é fundamental que se adoptem soluções integradas e sinergéticamente articuladas em
relação ao abastecimento e evacuação de águas, bem como à colecta e tratamento de
dejectos domésticos e lixos.
43
Pizziolo, Giorgio, Il progetto e la sua dimensione ecológica: insegnamenti da un’esperienza in Algeria, em
Palloscia, Raffaele e Anceschi, Daniela (a cura di), op. cit., pág. 52.
44
Pizziolo, Giorgio, Il progetto ecollogico nei paesi in via di sviluppo, em Trevisol, Erich Roberto (a cura di),
L’Ambiente visto dal territorio. La pianificazione ambientale autosostenibile per i Paesi in via di sviluppo,
L’armattan Italia, Torino, 1995, pág. 182-183.
45
Trevisol, Erich Roberto, Un schema logico per la pianificazione ambientale nei PVS, em Trevisol, Erich
Roberto (a cura di), op. cit. pág. 13.
46
Clark, Kenneth N., Sustainable community planning, em
Desert Architecture III: Building a Sustainable Future, Arilands Newsletter, No. 36, Fall/Winter, 1994 -
http://ag.arizona.edu/OALS/ALN/aln36/Clark.html.
44
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
10. Modelos de vida local como incubadoras do sentido de comunidade, e também como
métodos e prática sustentável para a produção de rendimento. 47
47
Dierna, Salvatore, A Questão Ambiental: princípios e praticas para uma Arquitectura e uma Cidade
sustentável no Sul o mundo, in FORJAZ, José, Arquitectura, Ambiente e Sobrevivência, Edições FAPF,
Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 2005, pág. 17.
45
Júlio Carrilho
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I Parte
2.3. Recursos locais, sol, vento e tratamento adequado dos dejectos como factores
relevantes de sustentabilidade.
Num contexto de carência acentuada de meios financeiros, tecnológicos e de gestão, a par
de desafios e perigos dos impactos da acção humana em ambientes e sistemas ecológicos
delicados, parece óbvia a consideração das potencialidades locais ao mesmo tempo que se
potencia a utilização de conhecimentos e técnicas avançadas que minimizem esses
impactos. Tal atitude afigura-se mais premente sobretudo quando se está em presença de
uma viragem ou reorientação da base económica de um determinado local ou região, como
acontece com o caso de estudo deste trabalho. É aqui que se põe a necessidade de
maximização criteriosa dos recursos disponíveis utilizados de uma forma ‘limpa’ e sem
danos no presente e no futuro das comunidades e do território.
48
Trevisol, Erich R., Riqualificazione di insediamenti spontanei a Cartagena das Indias, Colombia, em
Palloscia, Raffaele e Anceschi, Daniela (a cura di), Territorio, ambiente e progetto nei paesi in via di sviluppo,
Franco Angeli, Milano, 1996, pág. 158-160.
46
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
opções tecnológicas para solucionar problemas de base nos quais assenta o objectivo
primordial de sustentabilidade dos projectos. É neste quadro e tendo em atenção o caso de
estudo, que se estabeleceu a imprescindibilidade de tratar prioritariamente a problemática da
utilização dos recursos locais, das viabilidades energéticas e da questão do saneamento,
particularmente importantes em regiões que, por serem isoladas e funcionarem como
sistemas relativamente fechados, exigem abordagens específicas que contribuam para
garantir um mais elevado grau de sustentabilidade ao objectivo de elevação do bem-estar
das comunidades envolvidas e uma maior abertura de opções de desenvolvimento no
presente e no futuro.
• Utilizar materiais que possam ser reciclados e reutilizados uma vez demolido o
edifício;
É evidente que este sintético ‘para-modelo’ de actuação não totaliza a estratégia adequada
de projecto em qualquer situação. No caso de estudo que nos ocupará, outros elementos
estruturantes do bem-estar comum deverão estar entre as prioridades de tratamento através
do diagnóstico, análise e definição de soluções eco-compatíveis viavelmente estabelecidas.
É o caso da produção de água potável e da definição de opções sustentadas de
saneamento.
47
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
A experiência e normas que já existem nestes domínios indicam que esta mudança geral
para praticas mais consentâneas com os objectivos ambientais carece menos de
conhecimentos do que de apropriadas políticas de direcção ou de regulamentação
49
No Habitat Debate, vol. 5 No. 2, e citando Dimson, B., Baris Der-Petrossian refere que “só a indústria de
construção consome cerca de 40% da energia mundial, cerca de 25% da madeira das florestas e 16% da água
doce do planeta” − http://www.unhabitat.org/HD/hdv5n2/intro.htm.
48
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
De uma maneira geral o uso e preservação dos recursos disponíveis exige a adopção de
tecnologias sustentáveis, as quais têm sido alvo de estudos e experimentação, não apenas a
nível público como também a nível privado. Neste âmbito três importantes domínios se têm
perfilado como prioritários para promover a melhoria sustentada das condições de vida,
particularmente em países ou áreas de fraco desenvolvimento. Trata-se:
50
United Nations Centre for Human Settlements (Habitat), Report of the workshop on the network of african
countries on local building materials and technologies. 6-8 September1993, Habitat, Nairobi, 1994: capítulo IV.
Conflicts between the building-materials industry and the environment, págs.88 a 90.
49
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
disponibilização de água para diversos fins, com origem quer nas chuvas, quer nas reservas
subterrâneas, quer ainda no recurso à dessalinização da água do mar;
A história humana recente contém exemplos de ilhas inteiras que se tornaram inabitáveis por
destruição ambiental devida a causas externas. ... O desenvolvimento insustentável ameaça
não apenas a vida dos ilhéus mas também as próprias ilhas e a cultura de que elas são o
suporte. A mudança climática, a variabilidade climática e a elevação do nível do mar são
51
Racheli, Gin, op. cit. pág. 11.
52
Planning for sustainable tourism development / Karelia - Finland and Russia, 1999 -
http://www.csiwisepractices.org/?read=100
50
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
- www. Insula.org;
- http://www.globalislands.net/;
- http://www.islandpress.com/ ;
- http://teleinsula.trainet.it/teleinsula/c03/c03_01_01.htm ;
53
Ponto 5 e 6 Anexo II - Preâmbulo do Programa de Acção para o Desenvolvimento Sustentável, que faz parte
integrante do Relatório da Conferência Global de Barbados Sobre o Desenvolvimento Sustentável dos pequenos
Estados Insulares em Vias de desenvolvimento.
51
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
- http://www.islandstudies.org/ ;
- http://www.world-tourism.org/ ;
- www.eurisles.com ;
- http://www.unepie.org/pc/tourism/home.htm ;
- Microstate Network ;
- Ministere de l'Outre-mer ;
- UNEP Islands ;
52
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
É assim que se eleva cada vez mais a voz das pequenas ilhas, guiadas por problemas,
anseios e necessidades, com vista a enfrentarem os desafios comuns que se lhes colocam,
fruto dos elementos igualmente comuns que as caracterizam, nomeadamente:
• Isolamento e afastamento;
• Ambiente frágil.
54
Ponto 2 do Anexo II - Preâmbulo do Programa de Acção para o Desenvolvimento Sustentável, que faz parte
integrante do Relatório da Conferência Global Sobre o Desenvolvimento Sustentável dos pequenos Estados
Insulares em Vias de desenvolvimento.
55
Meeting the Challenges, publicado pelo Departamento de Informação Pública das Nações Unidas, DPI/2060 -
July 1999 - 5M, http://www.un.org/esa/sustdev/sids/siga99ia.htm.
53
Júlio Carrilho
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I Parte
Dir-se-ia que, contrariando o próprio carácter de isolamento que as define, as pequenas ilhas
têm estado a realizar um percurso de colaboração e partilha cada vez mais profundo, global
e potencialmente profícuo. Este facto é um indicador fundamental no sentido de melhor se
encararem os desafios que se lhes colocam visando o objectivo de conservação dos
recursos e sustentabilidade do desenvolvimento, porque a vontade ou o desejo livremente
expresso de tornar sustentável o processo de melhoria de bem-estar e crescimento
económico é um ponto de partida imprescindível para se enveredar na senda de alcance
desse objectivo.
54
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
56
Rising Temperatures, Rising Seas, Publicado pelo Departamento de Informação Pública, DPI/2060 - July 1999 -
5M, em http://www.un.org/esa/sustdev/sids/siga99ia.htm.
57
Racheli, Gin, op. cit. pág. 24.
58
McEachern and Towle, 1974, Impacts of developmental activities on small islands, The Challenge of
sustainable management for small islands iii - http://www.insula.org/islands/island2.htm.
55
Júlio Carrilho
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I Parte
Fig. 4 Fig. 5
Num contexto tão delicado de intervenção como o das pequenas ilhas, o desenvolvimento
económico e a melhoria do bem-estar da população exige o estabelecimento de uma
multidisciplinar e integrada estratégia de análise dos constrangimentos e factores de
sustentabilidade. Esta análise permitirá definir o quadro insular de sustentabilidade onde se
articulam as características e processos das pequenas ilhas e respectivos subsistemas
ecológicos e, a partir desta base matriz de conhecimento definirem-se as limitações,
possibilidades em presença e os tipos e modelo de intervenção.
Segundo Gin Racheli, Numa pequena ilha podem ser distinguidos três classes de valores a
serem tutelados: Os valores naturais e ambientais, os valores de coexistência humana e os
valores culturais. Através destes valores é possível clarificar os limites de capacidade de
carga do seu território.
59
Sing, 1992, idem
60
Insula.org., Integrated island sustainability - http://www.insula.org/islands/islands4.htm.
61
Insula. Org., Impacts of developmental activities on small islands - http://www.insula.org/islands/island2.htm.
56
Júlio Carrilho
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I Parte
Sendo o turismo uma das actividades de desenvolvimento em expansão nas pequenas ilhas
e, ao mesmo tempo, uma actividade com elevados riscos ambientais, apenas um processo
de planificação e construção que se articule e ou no qual se preservem os valores da cultura
e do património insular, pode tornar positiva a participação da indústria turística no
desenvolvimento das pequenas ilhas. Isto significa que, quando se trate de
62
empreendimentos turísticos, são objectivos relevantes os seguintes :
• Preservar a paisagem;
Em Moçambique, são escassos estudos que tenham tido como foco a arquitectura como
artefacto específico resultante de um determinado contexto cultural nacional, quer
considerado isoladamente, quer considerado como testemunho de um intercâmbio cultural
entre povos que estiveram em contacto ao longo da história. No caso do Norte de
Moçambique parecia ser evidente que a cultura swahili, que se expandiu até ali e muito mais
para Sul, tivesse deixado marcas da sua presença no domínio da arquitectura. E no seu
62
Insula.org., Landscape conservation and building integration - http://www.insula.org/tourism/pagina_n5.htm.
57
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
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I Parte
contacto com realidades locais, bem como com outras realidades culturais determinadas
pelo colonialismo, tivesse também induzido ao uso de materiais, processos, técnicas e
opções de desenho cuja explicação pode residir em contextos endógenos e exógenos à
região. Considerámos interessante escrutinar também esta hipótese, em termos gerais e
como elemento de referência para entendimento dos processos e das opções
arquitectónicas em presença, tomando a ilha do Ibo como caso de estudo.
63
Carta sobre o património construído vernáculo, ICOMOS, Cidade do México, 17 a 23 de Outubro de 1999.
58
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
A nível internacional,
64
A Associação dos Amigos da Ilha de Moçambique foi um instrumento crucial em acções relativamente
recentes que se saldaram em intervenções importantes de reabilitação, nomeadamente de parte do sistema de
saneamento na ilha e da ponte de acesso.
59
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
Qualquer dos casos referidos apresentam abordagens interessantes e que deveriam ser
consideradas quando se está perante situações em que a maior parte dos critérios que se
citam estão profundamente articulados como no caso da ilha do Ibo, localizada no
arquipélago das Quirimbas, no norte de Moçambique. Reúnem-se neste arquipélago e na
ilha que constitui o caso de estudo, os seguintes critérios acima considerados:
60
Júlio Carrilho
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I Parte
Lamu
No que respeita à preservação de um ambiente edificado singular com valor
internacionalmente reconhecido pode-se tomar como referência de análise o exemplo de
prática planificação de tipo clássico da cidade de Lamu., com intervenção directa das
instituições do Estado.
Com o núcleo antigo já está listado como Património Mundial, Lamu é uma cidade insular e
porto do Quénia e o “mais antigo e mais bem preservado assentamento swahili da Costa
Oriental africana, que ainda mantém as suas funções tradicionais. É construída
maioritariamente com pedra coralina e madeira de mangal. A cidade caracteriza-se pela
simplicidade das suas formas estruturais enriquecidas por elementos tais como os pátios
65
Forjaz, José e Carrilho, Júlio, IBO, Maputo, Setembro de 2004, capítulo II, 1 - Introdução, 1º parágrafo, pág,
10. Neste documento elaborado para o consórcio espanhol “Visão 2000 S. L.”, preconiza-se um plano geral de
desenvolvimento em vez de uma intervenção meramente do tipo “canónico” e materializado num plano de
estrutura ou de ordenamento para a Ilha do Ibo, ou mesmo num plano director e de reabilitação para a zona
urbanizada da ilha. Esta concepção foi adoptada como elemento de base no documento elaborado para o Governo
da Província de Cabo Delgado, pela “Visão 2000 S. L.”, e com a seguinte referência:
“Plano para o Desenvolvimento da Ilha do Ibo”, pág. 4, Outubro, 2004
61
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
I Parte
Chumbe
Chumbe é uma pequena ilha de aproximadamente 22 hectares, localizada aproximadamente
a oito milhas do sudeste de Zanzibar. Na sua costa ocidental a ilha é limitada por um recife
classificado como sendo de beleza e diversidade excepcionais. Estas águas proporcionam
habitat para mais de 370 espécies de peixes e 200 espécies primitivas de coral. A própria
ilha está coberta por uma ainda não perturbada floresta, um pequeno ecossistema que está
desaparecendo rapidamente em outras partes de Zanzibar e da Tanzânia. A ilha também
providencia habitat para aproximadamente 20 espécies de pássaros.
Esta ilha é um exemplo notável (no dizer de alguns) de participação do sector privado na
gestão sustentável de uma área de protecção marinha, designadamente com base no
ecoturismo, contribuindo para a actividade de salvaguarda e protecção de recifes de coral e
outros recursos e assegurando o seu financiamento. A ilha e as águas que a banham
compreendem uma área administrada pela Chumbe Island Coral Park Ltd. (CHICOP), uma
empresa privada especificamente estabelecida para criar e gerir o recife de coral Chumbe, a
primeira área marítima protegida (AMP) na Tanzânia. Chumbe é provavelmente uma das
primeiras, senão a primeira área de tão grande delicadeza ecológica submetida a uma
gestão totalmente privada. Este caso específico de gestão da ilha providencia lições
importantes no que diz respeito aos aspectos económicos inerentes à administração de áreas
protegidas deste tipo.
66
UNESCO, Lamu Old Town, http://whc.unesco.org/en/list/1055, 23-062005.
62
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
“Historical notices of the Querimba Islands are singularly few and far between. This is a pity since,
as Basil Davidson observes in his Black Mother. Africa: The years of trial, p.168 (London, 1961):
“Research on the Querimbas would surely throw new light on the broad-ranging scope of the Indian
Ocean trade”. This island group was evidently fairly prosperous when Vasco da Gama first arrived
on the coast, and though the Portuguese sacked some of them in 1522, the islands seem to have
recovered part of their prosperity.”68
68
Boxer, C. R., The Querimba Islands in 1744, na revista STUDIA, n°11 (Janeiro-1963), Lisboa, p.343;
69
Estas ilhas são apresentadas em escritos e cartas com outras designações, nomeadamente “Querimbas”, “de
Quirimba”, “de Querimba”, “Queriba”, “Quiriba”, “Carimba”, “Cerimba”, “Corimba”, “Aswatada” (neste último
casoconforme A. Gomes e Sousa, , op. Cit. 1960. pág. 128), ou ainda como Ilhas de Maluane nos tempos mais
remotos da ocupação portuguesa como nos diz Malin Newitt, na sua História de Moçambique, Publicações
Europa-América, Lda, Mem-Martins, 1997, pág. 176, onde refere que: “Os panos aí fabricados eram conhecidos
enquanto «panos de Maluane», tudo indica que derivando este nome do assentamento continental onde haviam
começado a ser produzidos, e, durante os primeiros vinte anos da sua estada nestas paragens, os Portugueses
conheceram o arquipélago em causa enquanto «ilhas Maluane» ”.
70
por exemplo no mapa “Africa in tabula Geographica delineatio, opera A. F. Zÿrneri [Amsterdam], [1720?]
(c) The British Lybrary”, American Museum of Natural History, 2202;
71
Boxer, C. R., The Querimba Islands in 1744, Studia, revista trimestral, n° 11, Janeiro, Lisboa, 1963, pág. 343
a 352.
63
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
número total de 32 ilhas72. Este é o número de ilhas mais frequentemente referido como
sendo o total de ilhas que compõem as Quirimbas. Mas se atendermos aos ilhéus, este
número pode subir a “quatro dezenas de pequenas ilhas e ilhéus”, como refere Carlos Bento.
A designação “Ilhas de Querimba” terá aparecido pela primeira vez em carta elaborada sob
a responsabilidade de Gaspar Ferreira Reimão, durante a sua permanência na Ilha do Ibo
em 1609 [Bento 1993: 36]. Mas ainda hoje verifica-se uma certa confusão com a designação
das ilhas que compõem o arquipélago e que seria importante clarificar e instituir para que
não se apelide com nomes diferentes a mesma ilha. Em anexo apresenta-se uma breve
análise sobre este assunto.
Referências documentais indicam que pelo Século VIII as Ilhas Quirimbas estariam ainda
desertas. A sua ocupação inicial teria sido feita por uma “seita herética do Islão que procurou
refúgio nestas ilhas. Os novos habitantes iniciaram o seu comércio com o continente e a
escravatura foi o seu ramo preferido”73. De acordo com Carlos Lopes Bento, em 1609 eram
povoadas 18 das ilhas, não tendo nunca sido atingido este número posteriormente. Mas em
1807 já apenas estariam habitadas quatro do total das ilhas. Bento diz ainda que “em 1972,
das 20 ilhas povoadas no século XVI e parte do XVII, apenas as de Matemo, Ibo, Querimba
e M’funvo eram habitadas”. Embora, como na anterior afirmação e em diversos documentos,
se refira que apenas quatro das ilhas são permanentemente habitadas, informações obtidas
em Pemba, em Setembro de 2003, junto de antigos moradores da Ilha do Ibo que ainda se
relacionam com as Quirimbas, davam como habitadas permanentemente as ilhas de Ibo,
Macolóeh, Matemwé, M´funvo, Vamizi (ou Mwamizi), Quirambo, Quirimba, Quizíwi.
Depois dos anos trinta do Século XX, e até à independência de Moçambique, tinham como
base económica principalmente a pesca, com a captura de grande variedade de espécies
aquáticas, destacando-se, pelo seu valor económico, as ostras e variados moluscos,
nomeadamente as holotúrias; alguma agricultura, na qual se incluía a plantação de
coqueiros, em particular na Ilha de Quirimba e, em escala comercial mais reduzida, de
cafezeiros, para além de das culturas de mandioca, batata-doce, e árvores fruteiras como
citrinos, papaieiras, bananeiras, mangueiras, goiabeiras, ateiras, romãzeiras, principalmente
na Ilha do Ibo; a criação de gado bovino, caprino e arietino e de aves domésticas como
72
Mapa com título “Esquema de cobertura fotográfica e da divisão em mosaicos; escala do vôo 1:40000, KL-
1/3”, DINAGECA, Maputo, 2003;
73
Huibresgtse, P. K., Dans lárchipel de Quirimba, Geographica, revista da Sociedade de Geografia, Ano VII -
n° 27 – Julho, pàgs. 80 a 90, Lisboa, 1971;
64
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
74
Lorena, Célia, Donato, João e Overballe, Henrik, O Combinado Pesqueiro da Ilha do Ibo, Centre for
Alternative Social Analysis, Linnésgade, 14, 1, Copenhagen, 1991.
75
http://wikipedia.org/wiki/swahili -13/09/2005.
65
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
desenvolvimento da cultura swahili que entram em cena os portugueses que, em busca das
riquezas do Oriente, levam Vasco de Gama a demandar a costa oriental africana tendo, em
1498, tocado uma das ilhas mais meridionais do arquipélago das Quirimbas, passando
depois diante do alto de Quissanga, ponto da costa Norte de Moçambique que tem ao largo
a parte Norte da Ilha e Quirimba. Com a anexação definitiva do arquipélago pelos
portugueses em 1523, a influência da cultura swahili nas ilhas passa a integrar elementos
indo-portugueses e ocidentais, particularmente nos centros em que a presença da
administração colonial foi mais forte, como por exemplo na Ilha do Ibo.
“As ilhas Quirimbas situam-se dentro dos limites da plataforma continental. As sondas entre
as ilhas e a costa não são grandes. A partir da costa continental prolongam-se vastos
baixios, havendo também recifes em muitos lugares. Um grande número de passagens entre
recifes e ilhas conduz para angras e aguadas, onde há fundeadouros bem abrigados para as
embarcações pequenas.
A costa continental ao longo da qual se desenvolvem as ilhas do arquipélago das Quirimbas
é baixa e uniforme. A altitude das colinas costeiras não excede os 100 metros. A orla de fora
dos recifes e ilhas cai a pique. O único perigo afastado consideravelmente da costa é o
banco de São Lázaro que se situa a 53 milhas para ESE do cabo Paqueve”76
O conjunto de ilhas constitui como que uma parede interrompida, de onde em onde, e que
confina uma relativamente estreita faixa de mar que se desenvolve no sentido Norte-sul da
primeira à última das ilhas. A navegação neste quase canal é descrito de maneiras díspares
consoante o ponto de vista dos autores, ora como sendo uma navegação aprazível e idílica
ora como sendo perigosa e traiçoeira devido aos ventos e às correntes desordenadas.
76
(autor não identificado), Roteiro da costa da República Popular de Moçambique, Direcção Principal de
Navegação e Oceanografia do Ministério da Defesa da URSS, 1a edição, 1986.
66
Júlio Carrilho
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II Parte
Os solos das Ilhas Quirimbas são geralmente de natureza arenosa, assentes numa base
coralina. São ilhas cujas altitudes máximas variam ente os 4 e os 30 metros, não
77
Torres, Losé Ribeiro, Documentário Trimestral n° 15, Setembro, Lourenço Marques, 1938;
78
Constituído pelo conjunto de ilhas paralelo à costa
79
Bento, Carlos, As Ilhas Querimba ou de Cabo Delgado. Situação colonial, resistências e mudança (1742-
18822), p12, 1993, Lisboa;
67
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
ultrapassando a maioria delas os 10 metros de cota máxima. Não existe nas ilhas nenhum
curso de água, existindo contudo, nalgumas delas, lençóis de água subterrâneos, nem
sempre próprios para consumo humano, mas a que a população recorre para se abastecer.
Os dados climáticos que nos foram fornecidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia em
2002, e que se referem aos anos de 1976 e 1980 no posto de Quissanga (por inexistência de
postos meteorológicos nas ilhas), embora com algumas falhas, dão-nos os seguintes valores
mais recentes:
80
Faltaram dados referentes aos meses de Abril de 1978 e 1980 3 e de Dezembro de 1980;
81
Morgado, Fernando Pinho, Possibilidades pecuárias das ilhas do Ibo, Quirimba e Matemo (Extracto do
relatório da deslocação efectuado às ilhas do Ibo, Quirimba e Matemo em 1961), Separata dos Anais dos
Serviços de Veterinária, n° 9, cota D350 b m, AHM, Lourenço Marques, 1961.
82
Sousa, A. Gomes e, in Boletim da Sociedade de Estudos de Moçambique, ano XXIX, n°.122, Maio e Junho,
pág. 127, Lourenço Marques, 1960;
68
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
83
idem, pág. 133;
84
WWF, Proceedings of the Eastern African Marine Ecoregion. Visioning workshop, Mombaça, Kenya, 21 a 24,
2001, pág. 1.
69
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
exclusivamente a declará-las como zonas de usos não extractivos. Podem-se citar como
exemplos de sucesso dessa abordagem inicial, nos anos sessenta, os casos do parque
marinho de Watamu - Malindi, no Quénia, e a Reserva da Ilha de Inhaca, no Sul de
Moçambique.
O reconhecimento da importância de uma abordagem regional e integrada, e portanto de
larga-escala, para se garantir a correcta gestão da biodiversidade marinha é um conceito
cujo desenvolvimento é recente. Alguma cooperação com vista ao estudo da perda de
biodiversidade marinha e costeira tem sido realizada ao nível regional. Foi a partir de 1985,
com a Convenção de Nairobi, que os governos dos países ribeirinhos africanos da parte
ocidental do Oceano Índico iniciaram encontros regulares e acordaram o estabelecimento de
planos para examinar a perda dos habitas marinhos. Mas a abordagem desta problemática,
através do modelo de gestão integrada de zona costeira85, só mais tarde é consagrada
através da assinatura da Resolução de Arusha em 1993, iniciando-se a implementação da
Convenção de Nairobi, através do direccionamento de recursos e esforços para a priorização
das áreas de conservação marinha.
A zona inter-marés da costa oriental africana, que em geral fica a descoberto em extensões
superiores a 500 metros, alberga uma grande biodiversidade. Esta faixa de litoral africano
suporta cerca de 1000 diferentes tipos de ervas marinhas, várias centenas de espécies de
esponjas, para cima de 200 espécies de coral, mais de 3000 espécies de moluscos, mais de
300 espécies de caranguejos, pelo menos 50 espécies de estrelas-do-mar, para cima de 100
espécies de pepinos-do-mar e mais de 1500 espécies de peixe. À medida que mais estudos
se realizam o número de espécies registadas nestas águas continua a aumenta, sabendo-se
já que esta eco-região marinha africana suporta uma rica composição de espécies que
excede as 11000 espécies de animais e plantas. Cerca de 15% das espécies de animais e
plantas marinhas que ocorrem nesta região são pan-topicais. Entre 60-70% encontram-se
apenas na grande região Indo-Pacífica, que se estende desde até à Polinésia. E 10-15% das
espécies da vida marinha da África oriental não existem noutros locais da terra, supondo-se
que sejam endémicas desta região86.
O “workshop vision” do WWF realizado em Abril de 2001 sobre a “Eco-região Marinha da
África Oriental” fixou as áreas ecológicas mais importantes a serem protegidas, definiu a
85
Coastal zone managment (ICZM).
86
WWF, The Eastern African Marine Ecoregion. A large-scale approach to the management of biodiversity,
WWF Mombaça, 2002, pág. 3.
70
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
Trata-se de uma vasta linha de costa de cerca de 4.600 kms que se estende desde
Chisimayu na Somália até Sodwana Bay na República da África do Sul, que engloba 21
áreas relevantes do ponto de vista da biodiversidade e dentre as quais 8 foram definidas
como sendo de importância global (“Global importance”).
Encontra-se neste grupo a área transfronteiriça entre Tanzânia e Moçambique definida por
“Complexo Mtwara-Quirimbas” cujos sítios mais delicados são a Baía de Mnazi, o Delta do
Rovuma e o conjunto de recifes de coral das Quirimbas que se desenvolvem até à cidade
moçambicana nortenha de Pemba, capital da Província de Cabo Delgado.
87
Idem, figura da pág. 14.
71
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
A zona de recifes de coral das Quirimbas é o prolongamento de uma vasta faixa litoral
englobando áreas costeiras do Quénia, Tanzânia e Norte de Moçambique. Esta faixa litoral é
caracterizada pela existência de recifes e bancos de coral bem desenvolvidos, bem como
por relativamente extensas manchas de mangal, sendo a mais importante a que se localiza
em Moçambique. Pela sua complexa biodiversidade estes recifes de coral constituem um
importante recurso biológico e são uma base para a pesca e para o ecoturismo marinho. No
caso das ilhas e das terras firmes da costa Norte de Moçambique eles representam um dos
mais importantes recursos costeiros em que se baseiam não apenas as comunidades locais
mas também uma crescente indústria de turismo88. Os elementos gerais fundamentais de
caracterização da área de Mtwara-Quirimbas são:
Já desde 1971, durante o regime colonial, fora feita recomendação para que parte das Ilhas
Quirimbas e terras firmes do litoral Norte de Cabo Delgado fosse declarada parque nacional.
Em Agosto de 2000 o Parque Nacional das Quirimbas foi inscrito na lista dos sítios
submetidos à UNESCO para serem declarados património mundial. Mas apenas em 6 de
Junho de 2002 foi criado o Parque Nacional das Quirimbas. É o primeiro Parque Nacional
criado depois da independência de Moçambique, em 197589.
Se por um lado as características da ecologia da região determinam a necessidade de uma
política de conservação que proceda ao monitoramento estrito de sua ocupação e
88
Hall, Heather, e outros, Cabo Delgado Biodiversity and Tourism Project. Marine Programe, Moçambique,
2001, pág. 7. Este documento foi promovido pelo Projecto de Biodiversidade e Turismo de Cabo Delgado
(CDBTP), criado com o objectivo de assegurar a conservação sustentável do litoral desta província do Norte de
Moçambique através do desenvolvimento de parcerias entre as comunidades locais, o sector privado e o governo.
89
http://216.239.59.104/u/WWFint?q=cache:x-Af-0EBKlkJ:www.panda.org/news_
facts/tv/scripts/French_Dopesheet_Mozambique_WSSD.doc+Quirimbas&hl=en&ie=UTF-
8http://www.panda.org/ , 4 de Abril de 2004.
72
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
estabeleça uma controlada e limitada exploração dos seus recursos naturais, por outro lado
é a peculiaridade e o valor destes mesmos recursos que constituem a melhor oportunidade
para a sua exploração, muitas vezes ambientalmente destrutiva, com impactos regionais e
nacionais. Isto significa que se está perante a confluência de pulsões de sinal contrário que
será necessário gerir adequadamente, para se assegurar que o potencial de riqueza natural
não seja subvertido e desvalorizado pela realização pouco atenta e não sustentada da
capacidade de atracção de investimentos e visitantes que a região possui. A iniciativa do
governo moçambicano – incentivada e partilhada pelo WWF – de criação do Parque
Nacional das Quirimbas pode ser uma contribuição decisiva para a preservação da
biodiversidade do arquipélago do mesmo nome e da região costeira, estabelecendo as
possibilidades e limites de intervenção.
Apesar da pressão sobre as autoridades centrais, regionais e locais, para a exploração dos
recursos desta zona ecologicamente delicada, é encorajador o testemunho de Michael Faye
quanto ao estado de conservação e quanto à gestão do Parque Nacional das Quirimbas,
nesta primeira fase da sua implantação. Na apreciação geral feita, o conservacionista da
Sociedade de Conservação da Vida Selvagem (WCS) Michael Faye refere que gostou do
que viu nos voos sobre o Parque Nacional das Quirimbas, tendo ficado com a impressão de
se estar a proceder a uma gestão moderna e eficiente. Ele especifica esta sua impressão do
seguinte modo: “Num dos mais belos arquipélagos da Terra, senti que as pescas estão a ser
geridas tendo em conta também os factores ecológicos. E, mais do que isso, fiquei com a
sensação de que a coordenação dos esforços de conservação é promovida de dentro para
fora e não é imposta do exterior”90. A validade desta apreciação pode ser aferida pelo
contexto em que é feita: o levantamento realizado por Michael Faye sobre o estado de
conservação ecológica das mais importantes eco-regiões do continente africano iniciou em 8
de Junho de 2004, no quadro do projecto MegaFower. Este projecto foi apoiado por diversas
instituições, nomeadamente o laboratório da Pegada Humana na WCS, a Wild Foundation,
os Bateleurs, e teve como principal financiador a National Geographic Foundation.
Referências obtidas em Pemba e na ilha do Ibo dão conta do surgimento de alguns conflitos
de interesse entre as comunidades locais, as autoridades governamentais de âmbito local, o
principal operador da gestão do Parque e alguns agentes de investimento na região. Sendo
um fenómeno natural em processos similares e não obstante a complexidade da sua gestão,
90
Quammen, David, Medindo a Pegada Humana, National Geographic Magazine, Setembro de 2005, pág. 39.
73
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
estes conflitos, ainda de pequena repercussão, não têm constituído factor de bloqueio no
processo de implementação dos objectivos conservacionistas do maneio do Parque Nacional
das Quirimbas.
74
Júlio Carrilho
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II Parte
75
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
Para além destes instrumentos de carácter mais geral existe o Regulamento da Indústria
Hoteleira e Similar, aprovado pelo Decreto do Conselho de Ministros n° 69/99, de 5 de
Outubro. Este regulamento está em vias de ser substituído, brevemente, por dois
regulamentos, nomeadamente o que regulará a actividade das agências de viagem e
profissionais de informação turística e o que regulará as áreas de alojamento turístico, a
restauração e bebidas.
No domínio cultura, o principal instrumento legal é
91
Macamo, Solange Laura (Coordenação geral do projecto) e outros, Inventário Nacional de Monumentos,
Conjuntos e Sítios - Património Cultural, Ministério da Cultura e UNESCO, págs. 8, 9, 11, 116 e 117, Maputo,
2003.
76
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
No domínio do ambiente, apesar de este ser um domínio recente como campo específico
de gestão do Estado, existe já um acervo de legislação importante. Ela abrange instrumentos
legais para diferentes áreas, conexas com problemáticas particulares do ambiente,
nomeadamente a das águas marinhas e interiores, a das florestas e fauna bravia, a dos
recursos minerais e energéticos, a das pescas, a dos resíduos, a da saúde pública, para
além do que está consignado no código penal relativamente aos crimes ambientais. O
principal instrumento legal é
− A Lei n˚ 20 – Lei do Ambiente, a qual estabelece como seu objecto geral a definição
das bases para uma utilização e gestão correctas do ambiente e seus componentes, com
vista à materialização de um sistema de desenvolvimento sustentável. Existem também
instrumentos legais de nível mais baixo que definem princípios e comandos relativos às
políticas governamentais no domínio do ambiente, nomeadamente
77
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
− incertezas, por parte da comunidade, acerca dos direitos sobre a terra e os recursos;
93
Ver ‘http://www.quilalea.com/’.
78
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
− falta de capacidades e pessoal qualificado ao nível local para gerir e distribuir pelas
comunidades os benefícios obtidos a partir da actividade turística94.
Até Setembro de 2003, vinte e nove ilhas do conjunto do Arquipélago das Quirimbas foram
objecto de solicitações de investimento apresentadas através do Ministério de Agricultura, ao
qual se subordina a Direcção Nacional de Geografia e Cadastro que procede ao registo dos
pedidos de concessão de terras. Mesmo sabendo-se que nem todas estas intenções de
investimento se materializarão, o seu volume representa um evidente sinal da grande
procura dos investidores privados conexa com as potencialidades contemplativas e de lazer
especializados da região do arquipélago e que interessam particularmente ao domínio do
turismo. Neste âmbito é significativa a opinião das autoridades provinciais, que consideram
que “a demanda no uso e aproveitamento da terra na região costeira da província de Cabo
Delgado é cada vez mais crescente. A pressão sobre os recursos naturais existentes na
zona aumentam o número de conflitos, motivados pela falta de conhecimento das regras de
conservação nas comunidades, falta de hospitalidade por parte dos investidores e falta de
coordenação entre as partes”.
Um dos factores que dificultam ou freiam a materialização dos investimentos turísticos são
os elevados custos do investimento inicial conexos com a fragilidade das redes infra-
estruturais por um lado e, por outro lado com uma ainda insuficiente atenção especializada,
instituída disponível, imprescindível para regular as intervenções em áreas caracterizadas
por grande fragilidade dos seus ecossistemas. Este factor induz a que se desenhem
projectos para utentes de alto padrão de rendimentos, na maioria não nacionais, o que
94
Murphree, Michael, Tourism, Conservation and Communitie. Developing a programme for the participation
of local communities in tourism and conservation in Cabo Delgado Province – Northern Mozambique, relatório,
Governo Provincial de Cabo Delgado, Janeiro de 2002, págs. 9 e 10.
79
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
95
Amimo, Oliveira, Situação de Investimentos no Arquipélago das Quirimbas, Direcção Provincial da
Agicultura da Província de Cabo Delgado, Relatório de 11 de Setembro de 2003, Pemba.
96
Idem
80
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
2. Como recursos culturais refere-se: Uma arquitectura típica num interessante núcleo
edificado e uma importante tradição na ilha do Ibo; uma agricultura característica dedicada
ao cultivo do café; a existência de actividade de colheita e venda de pérolas.
Pelo Decreto nº 12 de 2002 o Conselho de Ministros de Moçambique criou o Parque
Nacional das Quirimbas. Neste diploma legal definem-se os limites geográficos do parque, o
tipo e finalidades de zonamento e sua finalidade, designadamente: o de servir “de
97
Elaborado com o apoio da Cooperação Espanhola e com beneplácito da União Europeia.
81
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
Para além dos âmbitos científicos conexos com a ecologia da região, o estudo para a
definição das normas e atitudes de maneio e gestão contou com a sensibilidade dos mais
diversos actores em presença, nomeadamente a administração pública, organizações não-
governamentais, privados e, em particular, a sensibilidade e participação das comunidades
residentes da área.
O Parque Nacional das Quirimbas, com 750237 ha, compreende uma vasta área continental
e marinha próxima da costa, no litoral norte de Moçambique, e inclui as 11 ilhas meridionais
do arquipélago, bem como o Banco de São Lázaro. A parte marinha do Parque (que
compreende o mar, as ilhas e o Banco da são Lázaro) estende-se por uma área de 152237
ha, sendo de 134377 ha a área da parte junto à costa e 17860 ha a área correspondente ao
Banco de São Lázaro99.
Este vasto banco localiza-se ao largo da costa, a 44,5 milhas a Leste da ilha de Matemo100.
98
Boletim da República, I SÉRIE – Número 22, de Quinta-feira, 6 de Junho de 2002, Suplemento, Art. 3.
99
Ministério do Turismo, com o apoio do WWF – Moçambique, Plano de Maneio do Parque Nacional das
Quirimbas, 2004 – 2008, Maputo, 2004, pág. 5.
100
Ministério da Defesa Nacional, em parceria com a direcção Principal da Navegação e Oceanografia do
Ministério da Defesa da URSS, Roteiro da costa da República popular de Moçambique, URSS, 1986, pág. 157.
82
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
II Parte
− A área das Quirimbas que inclui as 11 ilhas meridionais está integrada no Parque
Nacional das Quirimbas, estando já instituídos, através do respectivo Plano de Maneio, um
conjunto de normas e condicionamentos para guiar a sua gestão.
3. O recife de coral, especialmente na sua parte exyerior virada para o mar, está em
muito bom estado e tem uma diversidade de espécies de coral extremamente alta,
proporcionando condições de mergulho e ‘snorkelling’ a nível mundial.
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II Parte
6. Tem uma topografia submarina diversificada, o que cria uma diversidade de tipos de
habitat e impede o seu uso para fins comerciais.
10. O Parque é local de alimento e nidificação para diversas aves, incluindo algumas
aves de rapina em perigo de extinção, tais como as águias bateleur e matrial bem como
águias pesqueiras, flamingos e outros.
11. Na área do Parque existem vários tipos importantes de florestas e mata costeira, com
um alto nível de diversidade e plantas e endemismo (incluindo mata de Guibortia
scheliebeni). Existem grandes áreas de floresta seca e miombo que são de importância para
a conservação. Nas suas florestas encontram-se madeiras tais como o pau-preto e o
sândalo, entre outras espécies.
14. A área do Parque é importante do ponto de vista histórico e cultural, com locais de
influência Árabe, Portuguesa e Africana, e monumentos históricos, incluindo a histórica
cidade do Ibo.
15. A área do Parque é uma zona pouco desenvolvida, com habitats ainda no seu estado
primitivo, muitos animais, com mares limpos de poluição e um ambiente não contaminado.
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16. Devido a limitações na fertilidade dos solos, acesso, recursos de água subterrânea e
outros factores, a conservação e o turismo constituem a ‘melhor pratica de uso’ da área do
Parque.”101
A referência extensiva a estas razões justifica-se porque elas estabelecem não apenas a
caracterização geral do Parque, do ponto de vista físico e ecológico, mas também dão
indicações sobre o princípio de consulta à população, afirmam a importância do património
histórico e cultural da zona, e estabelecem a vocação turística da área preconizando a
“promoção do turismo sustentável num plano de acção concreto para a conservação, uso e
maneio de um dos seus recursos naturais, o Arquipélago das Quirimbas”.
No zonamento do Parque, o Plano de Maneio define quatro tipos de zonas designadas com
condicionamentos diferenciados e específicos: (1) zonas de protecção total; (2) zonas de uso
não especificado; (3) zonas de uso e desenvolvimento comunitário; (4) zonas tampão. Os
mangais do Ibo e o Porto do Ibo estão enquadrados na zona de protecção total. A ilha do Ibo
está enquadrada na zona de uso e desenvolvimento comunitário. Nesta zona estão incluídas
as outras ilhas habitadas do Parque, designadamente a ilha de a ilha de Matemo a ilha de
Quirimba e a ilha de Quirambo – cujo assentamento é administrativamente definido como um
dos quatro bairros da vila do Ibo.
No que concerne à gestão do Parque, o Plano de Maneio adopta como princípio o conceito
chamado de Fogão Africano, o qual consiste em basear a conservação dos recursos em três
elementos102: (1) uma clara definição da Propriedade dos Recursos; (2) a necessidade de
Benefícios Económicos, (2) a motivação para uma Gestão Sustentável.
101
Ministério do Turismo, com o apoio do WWF, Op.Cit. pág. 6.
102
Ministério do Turismo, com o apoio do WWF, Op.Cit., pág. 28. A designação adoptada baseia-se no fogão
tradicional das zonas rurais africanas, que são constituídos por tês pedras sobre as quais assenta a panela e por
baixo da qual se acende o fogo.
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II Parte
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II Parte
"O turismo é como o fogo: nele podes cozinhar a teu jantar, mas se não tiveres cuidado ele
incendiará a tua casa.”103
“O Turismo é um tigre de duas caudas. Por um lado ele oferece emprego massivo e relança
a economia. Por outro, se não for controlado, ele pode roubar aos habitantes grande parte
daquilo que torna agradável a vida no seu país e apetecível a sua visita."104
No caso dos países de baixo rendimento ou em vias desenvolvimento esta lógica não se
aplica do mesmo modo. Pelo facto de as infra-estruturas e o sector de serviços não estarem
adequadamente desenvolvidos e expandidos, é natural que seja muito elevado e menos
atractivo o investimento para tornar o turismo uma fonte de receitas e de elevação do bem-
103
Dito asiático anónimo, http://www.wwf.org.uk/researcher/issues/Tourism/index.asp, 16 de Maio de 2005.
104
Sir Lawrence Van der Post, http://www.irs.aber.ac.uk/bgg/, 16 de Maio de 2005.
105
Nações Unidas, Encontro Internacional para Revisão da Implementação Programa de Acção para o
Desenvolvimento Sustentável das Estados Insulares, Port Louis, Maurícias, 10-14 de Janeiro de 2005.
106
“Até ao ano 2010, ela (a indústria do turismo) estará servindo de base à criação de 5 500 000 de empregos por
ano” http://www.fgvsp.br/academico/estudos/celt/historia.htm – 4 de Maio de 2005.
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II Parte
estar em determinada região com potencial para tal, a não ser que esse potencial seja de
grande importância. Este é o caso de algumas regiões de Moçambique e, em particular, do
litoral da Província de Cabo Delgado.
Nas suas fichas das unidades paisagísticas, o Livro Branco da Província de Cabo Delgado,
elaborado com o apoio da Cooperação Espanhola e com o beneplácito da União europeia,
estabelece como possibilidade de desenvolvimento para o arquipélago das Quirimbas o
seguinte:
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ser cuidadosamente ponderado, tanto do ponto de vista tanto da sua viabilidade económico-
financeira, como do da sua sustentabilidade ambiental e cultural, tendo sempre como
objectivo um impacto social positivo, sem o qual se podem gerar, a prazo, problemas de
rejeição social erosivas em relação a essa opção básica. É o que se verifica nalgumas áreas
de intervenção de investidores de capacidade e intenções duvidosas, nacionais e
estrangeiros, em particular de origem sul-africana. Podem-se citar como exemplos a
construção privativa descontrolada sobre afloramentos rochosos e dunas junto às praias,
com o risco de originar processos erosivos e de inquinamento futuros; a criação de
dificuldades de acesso do público às praias, gerando-se sentimentos de desagrado por parte
da população local, nunca antes impedida de o fazer; a desfiguração da paisagem com
elementos estranhos, desenquadrados e de qualidade duvidosa; a destruição da cobertura
vegetal natural e a introdução de espécies exóticas cujo impacto não está devidamente
estudado; a destruição de micro-sistemas ecológicos típicos da delicada interface entre a
terra firme e o mar; a destruição do enquadramento de construções e ambientes construídos,
de valor, do património cultural da zona, ou mesmo a intervenções tecnicamente erradas que
as desqualificam, por vezes, irreversivelmente. Estes problemas específicos à intervenção
privada, sem acordos específica e suficientemente acautelados e monitorados, somam-se
aos altos custos das intervenções que respeitem os princípios de preservação ambiental e
que derivam da quase inexistência de infra-estruturas integradas; as dificuldades de controlo
dos investimentos por parte das estruturas administrativas locais; a carência de normas
específicas que imponham abordagens e tecnologias adequadas e inovadoras quando é
necessário. Os problemas aqui referidos verificam-se já com acuidade nos pontos
actualmente mais atingidos pela pressão do turismo na costa da província de Cabo delgado,
em particular nas imediações da cidade Pemba e nas ilhas Quirimbas. Para contrariar este
panorama a prazo, o Ministério do Turismo tem ajustado os planos elaborados, estando
nomeadamente em curso de discussão o Plano de 2008 a 2013, sendo de realçar a
relevância que neles assume a defesa do princípio da conformidade ambiental. No entanto é
fundamental que se reavaliem e se reforcem as instituições e instrumentos administrativos
que guiem o investimento turístico e estabeleçam os termos da sua monitorização e controlo.
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II Parte
É de realçar o valor, em si, da viagem por mar entre as ilhas e entre estas e o continente
como elemento de contemplação e prazer, pelas surpresas da paisagem e vistas do
continente, o que encontra eco nas observações de A. Gomes e Sousa quando escreve
sobre as impressões da sua vagem pelas Quirimbas107.
A ilha do Ibo é a quarta das trinta e duas ilhas do Arquipélago das Quirimbas, contadas a
partir do Sul. Ela localiza-se entre os paralelos 12o 19’ 28” e 12o 24’ 24” Sul e os meridianos
40o 32’ 40” e 40o 37’ 32” Leste. A sua superfície vem referida com números diferentes
conforme os autores, variando de 10 Km2 segundo Caniua, F.T. a 15 km2 de acordo com
Bento, C. L.. Ainda segundo Caniua, F.T. ela está separada 375 m do continente, no seu
ponto mais próximo. Rodeiam-na recifes de coral no quadrante Nordeste/Sudoeste e
grandes manchas de mangal a sul e sudoeste. É uma das maiores ilhas do arquipélago, a
quarta em extensão segundo Carlos Bento, e será a maior se considerar a área
periodicamente inundada pelas marés108. Os pontos extremos da ilha distam de 8450 m no
comprimento e de 8200 m na largura, sendo o ponto mais alto de 10 m de altura nas
imediacões do reduto de Santo António. Na ilha localiza-se a vila do Ibo, sede do Distrito do
mesmo nome, o qual tem uma superfície de 47.5 Km2 e integra as ilhas das Rolas, Ninave,
Fiõ, Matemo, Ibo, Quirambo, Quirimba, Quilálea ou Quilaluia e Sencar.
As costas Norte e Nordeste da ilha do Ibo são orladas pelo baixo rochoso de Mujaca que
cobre e descobre, com uma largura de até 1 milha. A SSE da ilha os recifes de coral
estendem-se por 4 milhas e juntam-se aos recifes que avançam a partir da ilha de Quirimba.
Entre as ilhas do Ibo e de Quirimba, por um lado, e a costa continental por outro lado,
situam-se baixos que são cobertos de mangais e que cobrem e descobrem. Num baixo, a 8
107
Sousa, A. Gomes e, op. cit. pág. 143: “A viagem da costa para estas ilhas é das mais agradáveis devido à
grande extensão da costa que se avista, e bem merecia, por tal motivo, ser aproveitada para turismo. Fi-la numa
embarcação à vela, desde o palmar de Metone, um pouco ao Norte do cabo Paqueve, em dia de sol intenso de
Novembro, tendo assim ocasião de apreciar quanto essa viagem oferece de belo”;
108
A maior segundo a ficha Modelo de classificação de Monumentos Nacionais da Direcção do Património
Cultural, do Ministério da Cultura.
90
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II Parte
amarras para SW de extremidade W da ilha do Ibo, situa-se uma pequena ilha, a ilha de
Quirambo109. Esta ilha constitui o quarto bairro da vila do Ibo.
Como, nas maiores ilhas do arquipélago, a ilha do Ibo é constituída por manto rochoso de
pedra calcária de origem coralina, com muitos afloramentos à superfície, por solos dunares,
nalguns casos «cobertos por húmus resultante da vegetação arbórea, e ainda por uma
pequena espessura de solo arável». O solo coralino, irregular e rugoso, com desníveis
acentuados, não favorece a circulação cómoda das pessoas, situação agravada,
especialmente, quando calcorreado durante a noite110.
O clima é tropical sub-húmido, com temperaturas médias anuais entre 24 e 26oC e uma
pluviosidade média anual entre 800 e 1000 mm. Tem duas estações do ano, uma quente e
húmida (Novembro a Abril) e outra mais fresca (Maio a Dezembro). Em mais de metade dos
dias do mês não chove, tanto na estação seca como na chuvosa. Mas quando a chuva vem
com força as águas alagam as zonas baixas da ilha e interferem nas construções como
importante e pertinaz elemento de desgaste.
Relativamente a outros dados de clima medidos na ilha do Ibo apenas foi possível obter a
pluviosidade medida em 1978, que foi de 1003.9 mm, dado que o Ibo era apenas um posto
Udométrico. Os restantes dados de humidade relativa, velocidade do vento e insolação, à
semelhança do que foi referido para o conjunto do arquipélago, só podem ser obtidos por
109
(autor não identificado), Roteiro da costa da República Popular de Moçambique, Op. Cit. pág. 55.
110
Bento, Carlos Lopes, Uma experiência de desenvolvimento comunitário na ilha do Ibo, Moçambique, entre
1969 e 1972, Separata do Boletim da sociedade de Geografia de Lisboa, Série 115a – Nos 1 – 12, Lisboa, janeiro -
Dezembro de 1997, pág. 22.
111
Há registos de “terramoto” no séc. XIX e a equipa que eu dirigi em julho de 2002 confirmou o facto, tendo
protagonizado um desses pequenos abalos sísmicos durante os trabalhos de levantamento,
91
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II Parte
Em 1986 viviam na ilha do Ibo cerca de 3500 pessoas. Em 1991 a população recenseada na
ilha do Ibo era de 3941 pessoas, estando neste número incluídas 252 pessoas da ilha de
Quirambo, a qual constitui um dos seus bairros. Parece não ter havido uma substancial
variação da população de então para 2003. O número que nos foi dado pelas autoridades da
Ilha em 2002 (pela administração e pelos chefes dos bairros) não ultrapassava as cerca de
3500 pessoas. Quanto à variação da população no período entre 1986 a 1997 é interessante
notar, como nela se reflectem tão claramente as vicissitudes por que o país passou: até 1986
112
Bento, Carlos Lopes, Uma experiência de desenvolvimento comunitário na ilha do Ibo, entre 1969 e 1972,
Separata do Boletim da Sociedade de Geografia, Série 115.a – N.os 1-12, Janeiro-Dezembro de 1997.
92
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II Parte
estava-se numa situação de crescimento natural, embora baixo; de 1986 a 1991 dá-se um
forte crescimento populacional motivado pela guerra e fruto da maior segurança que as ilhas
proporcionavam; de 1991 a 1997 inverte-se o crescimento, verificando-se um forte
decréscimo da população. Sublinhe-se que, segundo Carlos Bento, em meados do séc. XIX
(1856) a população do Ibo atingira a cifra de 5390 habitantes. Isto significa que desde essa
época a população da ilha entra em declínio, não sendo portanto recente a tendência
verificada após a independência de Moçambique, não obstante ter havido factores que a
tenham acelerado, como por exemplo a guerra terminada em 1994.
Não parece ter sido apenas o comércio de escravos, feito em momentos diferentes
principalmente por árabes, portugueses, franceses, que construiu a notoriedade e
prosperidade das ilhas Quirimbas como ponto de contacto. Antes da chegada dos
portugueses às ilhas também é referido pelos historiadores a procura de fibra de coco e
tecidos designados por panos de maluane – designação de local incerto junto às ilhas –, cujo
centro de produção se localizou primeiro em Wamizi e, posteriormente, na ilha de Matemo
durante todo o século XVII. Note-se que devido a este produto os portugueses apelidaram
inicialmente as Quirimbas como Ilhas de Maluane113.
Como entreposto comercial, as Quirimbas ganham também alguma importância pela procura
de marfim, arroz, milho, carapaças de tartaruga, maná, urzela, caurim e âmbar. Na penúltima
década de oitocentos, e conforme descrições Henry O’Neill114de Ao litoral frente às ilhas
chegavam as caravanas de comerciantes do interior trazendo cera de abelha, goma copal,
cauchu, oleaginosas, para além do marfim. Jerónimo Romero também faz referência à
produção de aves de capoeira e de gado caprino, ovino, suíno e bovino na ilha do Ibo. Em
finais do século XIX e princípios do século XX, mas durante poucos anos, exportou-se casca
de mangal a partir do Ibo; mas este comércio, que rapidamente começou a ter um impacto
negativo nas matas de mangal acabou por ser, felizmente, proibido pela Companhia do
Niassa. A ilha de Moçambique beneficiou de grandes quantidades de produtos alimentares
provenientes das Quirimbas115.
113
Newitt, Malyn, História de Moçambique, Publicações Europa-América, Mem Martins, 1997, págs. 30 e 176.
Os panos de Maluane eram tecidos com seda ou algodão e tingidos com o anil da região.
114
Cônsul britânico na Ilha de Moçambique. Op. cit. pág. 295.
115
Idem, pág.228 e 229.
93
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II Parte
Inicialmente, parece que as ilhas mais importantes do arquipélago terão sido a de Vamizi,
Matemo e Quirimba. Relativamente à ilha de Matemo, Frei João dos Santos refere no seu
livro Etiópia Oriental de 1609, que esta ilha teria sido ocupada por uma grande povoação de
mouros, o que se deduziria pelo facto de as ruínas de muitas casas existentes então
mostrarem a existência de portais e janelas guarnecidas de colunas lavradas.
116
Na sua monografia sobre a ilha do Ibo (pág. 15), o Administrador de circunscrição António Baptista de
Oliveira refere que no período entre 1645 a 1671 o comércio de escravos é a actividade dominante nas
Quirimbas.
117
Oliveira, António Baptista de, Monografia da ilha do Ibo (relatório), Arquivo Histórico de Moçambique,
Maputo, pág.28.
118
Newitt, Malyn, op.cit., pág. 177.
94
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II Parte
sede do governo subalterno das ilhas e do território do Cabo Delgado, passando por um
rápido processo de ascensão.
A Vila do Ibo foi fundada, como tal, pela coroa portuguesa em 1761. A partir de 1764 e
durante mais de 160 anos ela foi a capital dos governos subalternos e de distrito e só em
1929 é que a actual cidade de Pemba assume formalmente esta qualidade, passando a ser
a capital da Província de Cabo Delgado, em substituição da Vila do Ibo. Edificam-se ruas
repletas de casas e, entorno de uma praça, ergueram-se belíssimos edifícios públicos. No
início do século XIX, apenas Moçambique ultrapassava Ibo enquanto centro onde o comércio
se caracterizava precisamente pela prosperidade119. Em 1869 a vila do Ibo foi visitada com
grande pompa pela Rainha de Anjuane e seu cunhado120.
Em 1862 existiam na ilha do Ibo um total de 171 embarcações. Uma imagem da importância
da Vila do Ibo nos fins do século XIX e mesmo durante a primeira metade do século XX
transparece, por exemplo, no seguinte:
119
Idem, pág. 179
120
Oliveira, António Baptista de, op. cit. 40.
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II Parte
− Possuía uma intensa vida cultural, não só no que respeita às práticas culturais
populares nos diversos domínios já antes referidos no capítulo dos sabres locais, como no
que respeita a manifestações mais modernas da cultura de tipo ocidental como o teatro e
outras.
Até ao primeiro quinquénio do século XX o Ibo chegou a albergar cinco agências consulares
ou vice-consulados, sendo quatro delas: a da França, a da Alemanha, a da Espanha e a da
Bélgica.
O porto do Ibo era demandado por embarcações costeiras e navios de longo curso numa
frequência significativa, mesmo depois de ter entrado em processo decadência por
deslocalização das autoridades administrativas para a cidade de Pemba, no continente. Em
1933, o porto do Ibo recebeu 41 navios de cabotagem; em 1943, recebeu 20; em 1944,
recebeu 17; em 1953 recebeu 36 navios de cabotagem e 4 de longo curso e em 1962
recebeu 52 navios de cabotagem e 8 de longo curso. Neste ano o porto movimentou cerca
de 4 mil toneladas de carga de exportação e cerca de 2 mil toneladas de carga de
cabotagem.
É evidente que a situação de prosperidade do Ibo não pôde ter sido alcançada sem conflitos
internos relativamente importantes que não se devem ignorar. A prática da escravatura foi
motivo de protestos e revoltas da população que era objecto de tal negócio, tendo-se
registado no século XIX levantamentos populares em 1883 e em 1868.
121
Os nomes das ruas da época eram dedicados ao rei, rainha e príncipes portugueses, havendo outras com a
designação de Rua Formosa, rua da Bela Vista, Rua Nova, rua da Alegria, rua das Delícias, Rua Verde, rua do
Teatro, rua da Escola e até a rua do Contrabando, como nos diz António Baptista de Oliveira no Relatório citado,
pág. 46.
96
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II Parte
Que saberes se poderiam destacar como património cultural da Ilha do Ibo em resultado de
elaboração própria, e que se afirmariam como traço de identidade característico? A resposta
a esta questão é do âmbito da antropologia cultural. No entanto pode-se referir à partida que
esses saberes são com certeza marcados pelo contexto geográfico, ecológico e ambiental.
As observações feitas na ilha em 2003 e as entrevistas a personalidades seleccionadas para
122
Este tipo de medidas pode ser exemplificado pela instrução de desbalizagem do porto do Ibo e pelo aumento
das tarifas, ordenados pelas autoridades distritais para favorecer os portos de Pemba, a Sul, e de Mocímboa da
Praia, a Norte.
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II Parte
Qualquer das opções referidas, e que eventualmente se decida incentivar com base em
estudos de eco compatibilidade, estudos de viabilidade, estudos de mercados especializados
e estudos de stocks exploráveis, deverá respeitar os princípios e requisitos estabelecidos de
preservação da biodiversidade, do ambiente e da paisagem e da conservação dos recursos
naturais. Mas, inversamente, as limitações decorrentes dos critérios de sustentabilidade
123
Bento, Carlos Lopes, Uma experiência de desenvolvimento comunitário na ilha do Ibo, Moçambique, entre
1969 e 1972, Separata do Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Série 115a – Nos 1-12, Janeiro –
Dezembro de 1997, pág. 38.
124
Macasa: bivalve da família dos Pinnidae; Mbareh: bivalve da família dos Pteriidae; Nhamata: marisco da
família dos Polyplacofora.
125
“Coffea Ibo de Frohner”, conforme Carlos Lopes Bento, op. cit. Pág. 219.
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II Parte
Tomando mais uma vez a Declaração das Maurícias, no seu ponto 13, os Estados Insulares
em desenvolvimento sublinham a importância da preservação da cultura como
representando “a expressão e identidade dos povos e a base da riqueza da diversidade
cultural, tradições e costumes”. O estudo dos conhecimentos, do saber-fazer e das técnicas
acumulados ao longo do tempo pela população do Ibo e das Quirimbas em geral é, pois,
muito importante como factor para a abertura de oportunidades de desenvolvimento
sustentado.
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III Parte
"Memory is vital to creativity: that holds true for individuals and for peoples, who find in their heritage -
natural and cultural, tangible and intangible - the key to their identity and the source of their
inspiration". UNESCO.
World tangible heritage serves as a stimulus for everybody's memory. It crystallizes in its
manifestation the specificity of a culture as well as its universal vocation. UNESCO's action in the field
of tangible heritage focuses on three axes:
prevention, management and intervention.
(Tangible Cultural Heritage UNESCO Sector for Culture.htm) Maio de 2003
126
Newitt, Malyn, op. cit., pág. 228.
127
O coral, os diversos materiais vegetais, as resinas e até a mica do continente)
128
Por exemplo a telha de Marselha trazida pelos franceses no processo mercantil.
129
Dos povos do continente, dos swahili, dos árabes, dos portugueses, dos indianos e de outros.
100
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III Parte
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III Parte
Mas mesmo apesar destes factores, a ilha foi capaz de reerguer o seu conjunto
edificado ao longo da sua história e reencetar processos de recuperação.
7.2. Uma interpretação dos principais elementos estruturantes da vila de coral e telha,
o Bairro Cimento.
Parece não haver referências explícitas da existência de um plano urbano, previamente
elaborado, para a implantação física da Vila. Na sua tese de doutoramento sobre as ilhas
Quirimbas o Prof. Carlos Bento indica a data de 1761 como data de elevação do povoado do
Ibo à categoria de vila e 1764 como data da “implantação” da vila. Segundo este auto, a
utilização do termo “implantação” deveu-se ao facto de, para além da tomada de posse dos
102
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III Parte
130
oficiais designados da Câmara em 1764, ter-se feito a inauguração de alguns edifícios
construídos na altura, havendo um auto de entrega assinalando o acontecimento. “Tal
pressuporia ter havido um traçado ou, pelo menos, uma opção de ocupação espacial, que
presidiriam à localização de tais construções. De resto, no quarto trimestre de 1764, os
vereadores da Câmara informaram em testemunho público que, em Junho do mesmo ano,
chegara às ilhas o sargento-mor de infantaria Alberto Júdice e que este, cumprindo as
ordens que recebera previamente, “estabeleceu em um bom terreno (...) do Ibo, a nova Vila
à qual deu o nome de São João do Ibo, dividindo o terreno em ruas travessas de boa
largura, pondo marcos nos ângulos em que as ruas encontram as travessas. Criou nova
Câmara, fez uma cadeia, de duas casas”. Para além da estrutura viária, o sargento-mor
Alberto Júdice, “à imitação das melhores vilas do Reino” definiu uma boa praça e levantou
um pelourinho, no melhor sítio da vila escolhido pela população, “para comodidade de todos.
Sabendo-se das constantes investidas militares e ataques que as ilhas sofriam por parte de
povos que ambicionavam o domínio comercial da região, é compreensível que, no mínimo, a
estrutura geral da vila tivesse tido definição de uma mão militar, sendo esta apoiada,
naturalmente, nos modelos já realizados noutras vilas de Portugal ou das suas colónias”.
A partir de uma análise das distâncias e da relação das fortificações entre si e com a parte
“formal” da vila, (e mesmo sabendo-se que duas das fortificações não existiam em 1764)
parece evidenciar que a localização das três fortificações131 da Ilha configurou, ao longo do
tempo, as linhas de força definidoras do campo de desenho, dentro do qual se foi
completando e ou desenvolvendo a trama urbana que Serpa Pinto encontrou nos finais do
séc. XIX, e que ainda existe.
De facto, na geometria actual da vila do Ibo transparece uma curiosa estruturação ancorada
num conjunto de três eixos dispostos em triângulo, de lados flectidos para o interior, tendo
como vértices as três fortificações militares: a fortaleza de S. João Baptista, a mais
importante, o fortim de S. José e o de Sto. António.
Dentro do espaço delimitado pelas três fortificações, no qual se desenvolveu o ‘núcleo duro’
do conjunto urbano, actualmente designado de Bairro Cimento, localiza-se a principal praça
da vila. ... A praça é composta de três sub-espaços outrora ajardinados com base numa
130
O Juiz Ordinário, o Vereador mais velho e os outros três Vereadores da Câmara Municipal, o Procurador do
Concelho e o Escrivão;
131
Com as exigências relativas às limitações de alcance e campo de tiro, que no entanto não se verifica entre a
Fortaleza de São João Baptista e a de Sto. António;
103
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
III Parte
É pertinente observar que quanto à praça ou largo principal da vila a sensação de “exagero”
dimensional talvez resulte não tanto da combinação, mas sim do somatório de exigências de
espaço relativas a três das funções geralmente geradoras, por si só, das praças
132
Carrilho, Júlio, e outros, Ibo. A casa e o tempo, Edições FAPF, Maputo, 2005, pág. 25.
104
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
III Parte
O mar é omnipresente. Por sugestão, a sul, e por presença a ocidente da vila. É um facto
evidente como em qualquer ilha pequena.
A Sul da vila localiza-se o porto de abrigo. Para este lado do mar abrem-se os grandes
armazéns com os seus ancoradouros privativos. Barcos de diversos tipos ali aportavam. Mas
nem sempre isso transparece a partir da vila. Especialmente no que se refere à vista para o
porto de abrigo. Para este lado do porto de abrigo desembocam caminhos estreitos que lhe
dão acesso a partir da parte nobre da vila. É o lado das traseiras, do trabalho, do transporte
comercial e da chegada ou partida dos que demandam ou deixam a ilha. A Ocidente da vila
localiza-se o que poderíamos chamar a face contemplativa aberta para a paisagem
longínqua do continente, para lá do oceano. Neste interface da vila com o mar, os momentos
de preia-mar possibilitam que a zona possa ser utilizada como zona balnear. Mas a maré
baixa prolonga a terra por centenas de metros. Este lado do pôr-do-sol foi reservado às
casas de pessoas importantes. Aqui se esfuma a vista até aos confins do horizonte. Aqui se
localizou a primeira casa do governador. Uma muralha baixa bordeja a praia. Agora não é
tão franco o acesso ao lençol de areia. É o lado do olhar. E a Noroeste da vila, para lá da
Fortaleza de S. João Baptista, consome-se o mar no sustento dos habitantes mais pobres da
vila. É aqui que a população gasta o dia na apanha de mariscos e crustáceos, e de onde a
população parte para a pesca de subsistência. É o lado da subsistência.
Não existe na ilha uma praia no sentido comum da presença constante de volume de água
oferecendo-se permanentemente aos banhistas, mais ou menos junto ao branco areal da
linha da costa. Em contrapartida esta realidade muda no período da preia-mar, em é possível
tomar banho de mar em quase toda a costa que não esteja guarnecida de rocha ou de
mangal, particularmente na zona de abrigo a Oeste da ponta de Mujaca, a Norte da ilha. Por
esta razão, esta é a zona mais propícia para instalações balneares, facto que está
assinalado no Plano de maneio do Parque Nacional das Quirimbas
133
Teixeira, Manuel (coordenação de), A Praça na cidade portuguesa, Livros Horizonte, Lisboa, 2001, pág. 12 e
13.
105
Júlio Carrilho
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III Parte
− A existência de uma rede geral de electricidade que distribui energia, com base em
cabos aéreos suportados em postes de betão armado, por quase todo o bairro de ”cimento”
e parte dos bairros suburbanos, a partir de um gerador municipal em funcionamento. O
estado sofrível da rede e seu o funcionamento errático levou a que algumas residências e ou
estabelecimentos privados se tenham munido dos seus próprios meios de produção
alternativa de energia eléctrica.
106
Júlio Carrilho
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
III Parte
efeito, (“fecalismo a céu aberto”, como hoje sói dizer-se) ou cercados privativos dedicados
exclusivamente às necessidades biológicas pessoais, também a céu aberto, fruto de prática
cultural antiga, em que o banho tem espaço diferenciado do destinado às outras
necessidades biológicas individuais. A inexistência de um sistema público de escoamento
das águas pluviais leva a que, na época das chuvas, as partes mais baixas dos arruamentos
e da área urbana fiquem temporariamente inundadas. É de referir que este facto parece ter
sido deliberadamente considerado na ocupação edificada, uma vez que, na generalidade,
estas áreas não foram ocupadas com construções, não havendo portanto casos
significativos ou notícias de inundação do interior das habitações, ou outros tipos de
edifícios, por má localização em zonas baixas. As duas sub-zonas localizadas dentro do
perímetro “formal” do conjunto urbano e consideradas como áreas inundadas no
levantamento de Serpa Pinto, em finais do séc. XIX, permanecem desocupadas, mantendo-
se uma delas como zona agricultada e a outra como área de reuniões públicas, munida de
uma zona sombreada por um conjunto maciço de grandes mangueiras.
1. A ZONA FORMAL, de cerca de 23.3 ha, com construções de pedra e cal, resultante
de uma intenção de desenho, que estaria submetida a normas específicas de regulação134 e
na qual vive da população da vila. A Zona formal possui uma estrutura identificável e o
desenho do edificado é relativamente homogéneo, apresentando uma clara unidade geral.
Como já foi referido, esta zona continua a apresentar uma situação de abandono
generalizado não obstante, desde o final da década de 90, se terem recomeçado a verificar
operações de transferência de propriedade e de reabilitação do edificado.
2. A ZONA INFORMAL, de cerca de 68.4 ha, com construções de pedra e cal ou de pau
a pique maioritariamente cobertas com macúti, resultante de um processo espontâneo de
ocupação populacional e na qual viviam, em 2002, 2538 habitantes, o equivalente a cerca de
75% da população da ilha. A designação para este tipo de zona urbana é discutível, não
134
Veja-se por exemplo o Código de Posturas da Câmara Municipal do Concelho de Cabo Delgado, aprovado
por Acórdão do Conselho de província, nº 1, de 19 de Janeiro de 1894 e publicado pela Imprensa Nacional de
Moçambique, em 1894.
107
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
III Parte
sendo fácil de caracterizar com precisão não contestável. Por ser generalizadamente
utilizada em Moçambique, e não só, adoptamo-lo neste texto. Assentamento informal é, na
maioria dos casos, a consequência de um processo longo e complexo de ajustamento das
famílias, e dos indivíduos, a condições adversas onde os seus interesses, muitas vezes
opostos e conflituosos, encontram formas de coexistência num equilíbrio precário mas,
apesar de tudo, reconhecido por todos dentro de tal assentamento, ainda que tal nem
sempre pressuponha o reconhecimento oficial pelas autoridades. Dir-se-ia que se trata de
que é uma zona marcada por aquilo que se poderia definir pela contraditória expressão de
zona de Insegurança estável. No caso do Ibo a análise do processo de evolução do seu
edificado e as entrevistas realizadas mostraram claramente que, apesar do grande sentido
de propriedade que feria ocupações dos vazios ou de edifícios não ocupados, trata-se de
uma zona com um grande dinamismo de transformação135.
3. A ZONA DE TRANSIÇÃO, de cerca de 13.6 ha, que hoje constitui parte do Bairro
Cimento e estabelece o interface entre a Zona Formal e a Zona Informal, com construções
geralmente de pedra e cal, resultante de antiga expansão da Zona Formal, mas sem uma
estrutura clara ou reconhecível de organização espacial.
Segundo o censo de 1997, a população da ilha do Ibo era de 3054 habitantes. De acordo
com informações colhidas em 2002 junto das autoridades da ilha (Administração e
Presidentes dos Bairros informais), nas zonas Formal e de Transição referidas e que fazem
parte do actualmente chamado Bairro Cimento, vivia cerca de 25% da população da ilha136.
Este bairro está separado pela Rua 27 dos restantes bairros da Zona Informal que com ele
confinam. A cada uma destas zonas corresponde uma caracterização específica da situação
do edificado. A pesquisa de elementos iconográficos para a análise e para suporte de
indicações propositivas de novas ocupações e acções de requalificação foi realizada nos
relevantes serviços detentores de cartografia, em Moçambique137 e em Portugal138.
135
Cani, Anselmo, A arquitectura popular na ilha do Ibo, in Carrilho, Júlio, Ibo. A casa e o tempo, op. cit., pág.
140.
136
Como indicação da evolução da população da ilha do Ibo referem-se os seguintes dados:
1960 – 4230 habitantes,
1993 – 2758 habitantes,
1997 – 3054 habitantes,
2001 – 3041 habitantes,
2002 – 3384 habitantes.
137
Em Moçambique buscámos elementos iconográficos nas seguintes instituições: Arquivo Histórico de
Moçambique; Biblioteca Nacional; Biblioteca do Ministério da Coordenação e Acção Ambiental; Biblioteca do
108
Júlio Carrilho
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III Parte
Ministério das Obras Públicas e Habitação; DINAGECA (Direcção Nacional de Geografia e Cadastro);
CENACARTA (Centro Nacional de Cartografia e Teledetecção); INAHINA (Instituto Nacional de Hidrografia e
Navegação); Biblioteca da Faculdade de Letras; ARPAC (Arquivo do Património Cultural); Governo Provincial
de Cabo Delgado; Direcção Provincial de Coordenação e Acção Ambiental; Direcção Provincial das Obras
Públicas e Habitação; Administração do Distrito do Ibo; e Centro Cultural Português, afecto à Embaixada de
Portugal em Maputo.
138
Em Portugal fizemos a pesquisa de elementos iconográficos no A.H.U. (Arquivo Histórico do Ultramar), na
Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa e na BAHOP (Biblioteca e Arquivo do Ministério das Obras
Públicas e Transportes), em Lisboa.
109
Júlio Carrilho
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III Parte
Quanto à rede viária principal que serve de base e de referência à implantação e evolução
de um certo tipo de tecido urbano, não é possível omitir o contraste entre a organização
espacial e viária dos meios urbano formal e o informal. De facto, se na arquitectura
propriamente dita podemos encontrar claros elementos de similaridade nas técnicas e no
desenho o mesmo não se pode dizer em relação ao desenho do espaço público. Ao traçado
linear e regular das vias do “bairro de cimento” e do seu largo principal, claramente definido
conforme a prática e a tradição portuguesa da época, opõe-se o traçado sinuoso
característico das cidades swahili e, nalguns aspectos, das cidades árabes.
110
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
III Parte
atingidas por aquela disposição legal e cujos proprietários estavam ausentes permaneceram
fechadas durante anos, sendo as que mais sofreram com a ausência de cuidados de rotina e
periódicos de conservação e manutenção, tendo atingido níveis de degradação assinaláveis.
Acresce a isto que, quanto aos edifícios arrendados, os problemas que se colocavam e
ainda se colocam parece terem que ver não só com a aparente incapacidade técnica e
financeira da administração que as tutela, como também, nalguma medida, com o deficit de
capacidade de intervenção atempada, de tradição e pratica rotineira de conservação e
manutenção das habitações por parte dos seus arrendatários e ou novos proprietários.
− cerca de 33% dos edifícios (8) apresentavam-se em avançado estado de ruína, sem
cobertura, com muitas das paredes derrubadas até quase ao nível do chão, sem os aros e
caixilharias e com os pavimentos destruídos;
− cerca de 37% dos edifícios (9) têm todos os elementos de construção presentes, mas
estes evidenciam grandes sinais de rotura, envelhecimento, infiltração de águas e fissuras
de diversos tipos;
− cerca de 30% (5) dos edifícios continuam a ser utilizados, embora apresentem
visíveis sinais de degradação grave;
A situação geral de degradação, para além do abandono dos edifícios, parece ser o
resultado de dois factores principais: elevado teor de sal nas paredes e a acção agressiva da
água das chuvas. Relativamente à questão da salinidade nas paredes vale a pena referir
111
Júlio Carrilho
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Maurizio Berti que, no relatório de consultoria para o restauro da Igreja Velha da cidade de
Inhambane, observa que em alvenarias com elevado teor de sal marinho resultante do tipo
de materiais usados, os processos de degradação surgem quando um dos três elementos do
ambiente onde se inserem as paredes – a temperatura, a água e o sal – se altera, criando-se
um desequilíbrio no conjunto139. De facto, das nossas observações na vila do Ibo ressaltou
que as paredes dos edifícios que ainda se encontravam protegidas por cobertura
mantinham, em grande medida, as suas características iniciais tanto ao nível da caiação
quanto do reboco.
A observação empírica do edificado indica que as principais causas da rotura das coberturas
parecem ser: o envelhecimento natural dos materiais delas constituintes; a total falta de
trabalhos de manutenção, nomeadamente por ausência prolongada dos proprietários;
remoção de telhas da cobertura para reutilização. Quanto a outros elementos da construção
as principais causas de degradação parecem ser:
• nos tectos:
− ausência de manutenção;
• nas paredes:
− ausência de manutenção,
− actividade sísmica;
• nos pavimentos:
− ausência de manutenção,
139
Berti, Maurizio, Muros de cal e pedra de coral. Manutenção e restauro. O caso da Igreja de Nossa Senhora
da Conceição na cidade de Inhambane, relatório para a Cooperação Técnica Alemã em Moçambique, Maputo,
2004.
112
Júlio Carrilho
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III Parte
− ausência de manutenção,
8. As singularidades do edificado
Um dos aspectos singulares da arquitectura do Ibo é a clara imagem, que dela transparece
fortemente, de integração de experiências arquitectónicas tão diferentes dos seus
habitantes, ou seja: a experiência popular local de construção e desenho, com ênfase para a
experiência swahili, e as experiências de construção e desenho exógenos, nomeadamente a
colonial/ocidental e a de outros povos do Índico e do Oriente que demandavam a costa
oriental africana. Obtém-se assim como resultado um conjunto cujos elementos de coerência
e unidade podem ser encontrados tanto na zona formal como na zona informal. O factor
principal que terá contribuído para esta realidade parece estar no conceito referido antes, de
centralidade descentrada da ilha do Ibo no quadro da administração colonial. Diz-nos
113
Júlio Carrilho
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III Parte
Malyn Newitt que Cabo Delgado, (incluindo assim as Ilhas Quirimbas) constituía uma
espécie de zona de ‘fronteira’ onde a autoridade governamental era fraca e os povos de
várias origens étnicas e culturais sobreviviam e/ ou prosperavam mediante o
140
desenvolvimento de instituições locais baseadas na cooperação mútua . Deste modo é
natural que tanto as autoridades como a população me geral fundasse as suas aspirações
de melhoria de condições de vida principalmente nos recursos de que dispunham
localmente, isto é, naquilo que era oferecido pela natureza141, pelas oportunidades142, e pelos
saberes em presença143.
Se considerarmos que é uma aquisição da cultura swahili, o tipo mais comum de arquitectura
doméstica habitacional de estratos de população de baixo rendimento, do litoral da África
Oriental caracterizada pelos elementos que a seguir se indicarão, podemos então dizer que é
do tipo, de derivação ou de matriz swahili quase toda a arquitectura «popular» do Norte de
Moçambique, nomeadamente abrangendo as províncias de Cabo Delgado, Niassa, Nampula
e até a Zambézia. Na Província de Cabo Delgado esta tipologia, está marcadamente
presente na faixa litoral, junto à estrada nacional e outras vias importantes e já mais
sofisticada e mais apropriada, particularmente em Pemba. Os seis elementos que permitem
fazer tal afirmação, e que se encontram bem presentes nas casas da ilha do Ibo, são os
seguintes:
(1) evolução do «quarto» circular de materiais efémeros para um «quarto» quadrangular
de pau-a-pique ou pedra e deste para um núcleo habitacional de partição múltipla, com o
piso sobrelevado através de um embasamento de material inerte compactado;
140
Newitt, Malyn, op. cit., pág. 228.
141
O coral, os diversos materiais vegetais, as resinas e até a mica do continente)
142
Por exemplo a telha de Marselha trazida pelos franceses no processo mercantil.
143
dos povos do continente, dos swahili, dos árabes, dos portugueses, dos indianos e de outros.
114
Júlio Carrilho
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III Parte
(3) cobertura de quatro águas projectadas para o exterior com vista à protecção das
paredes de material degradável pelas chuvas, sendo as águas laterais da cobertura
encaixadas sob as águas frontal e posterior;
(4) cobertura quase invariavelmente sustentada por dois suportes mestres verticais
(pilares) contínuos desde o pavimento até à cumeeira e por com uma estrutura secundária
em leque em qualquer das águas da cobertura, mas de uma forma mais denunciada nas
águas laterais,
(6) porta de utilização comum para o quintal privado, localizada lateralmente no muro
lateral frontalque protege o quintal e ligando este espaço directamente à rua.
115
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
III Parte
carácter conjugado da imagem geral da vila, no seu todo, que provocaram a impressão de
unidade em P. K. Huibregtse na visita que fez à ilha bo Ibo em 1971144.
Não quero dizer que as casas da zona formal da vila do Ibo sejam especificamente swahili.
Mas tudo indica que elas têm uma matriz swahili e que as diferenças dos tipos
arquitectónicos da casa senhorial, relativamente à casa popular, se radicam na necessidade
de adequação e modernização dos processos construtivos visando a sua economia,
viabilidade estrutural e eficiência de funcionamento, bem como à necessidade de se obter
edifícios com uma capacidade de inserção urbana e uma escala dimensional e
«monumentalidade» difíceis de obter a partir do modelo popular puro. Estamos perante o
caso de um processo de dupla miscigenação: (1) a miscigenação que gerou a arquitectura
swahili145 e (2) a miscigenação que a requalifica através da adopção de elementos da
arquitectura indiana e portuguesa/ocidental. Parece inserir-se bem nesta avaliação o que
Manuel Fernandes146 afirma quanto às influências sobre a arquitectura da Ilha de
Moçambique e que se aplica, nalguns aspectos, à vila do Ibo, embora neste caso se
verifique quase sempre a utilização da cobertura inclinada em vez do terraço, e do quintal
como espaço exterior privado em vez do pátio que caracteriza muitas das casas árabes, ou
das do sul de Portugal, (ambas enquadradas no tipo mediterrânico) e das casas simples
indianas. O exemplo desta linha de absorção e desenvolvimento da tipologia habitacional
popular, por parte da elite colonial, é a residência do administrador, na qual, apesar das
exigências de escala e monumentalidade, próprias de um edifício simbólico do poder
estabelecido, mantém claramente na planta elementos de caracterização da casa popular
nomeadamente: um espaço central de circulação e serventia ligando directamente o exterior
frontal com o quintal privado; distribuição simétrica e em sequência dos compartimentos,
tendo como eixo o espaço central (neste caso subdividido) de circulação e serventia; acesso
comum directo ao quintal através de uma entrada de serviço lateral aberta no muro de
vedação perimetral; a utilização do coral, da cal e das tecnologias locais a eles relativos na
construção das paredes; varanda frontal a todo o comprimento da habitação e varanda
posterior encaixada (com compartimentos encerrados nos extremos, como é comum ver-se
144
Huibregtse, P. K., in Geographica, Revista da Sociedade de Geografia de Lisboa, Ano VII- N°27- Julho,
1971.
145
ela própria uma “a synthesis of African and Islamic cultures ” – Donley-Reid, Linda W. Zenj, in Encyclopedia
of Vernacular Architecture of the World, edited by Paul Oliver, Cambridge University Press, Cambridge,1997;
146
Fernandes , Manuel, Moçambique Island (Moçambique), in Encyclopedia of Vernacular Architecture of the
World, edited by Paul Oliver, Cambridge University Press, Cambridge,1997;
116
Júlio Carrilho
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III Parte
nas casas populares quando se pretendeu ampliar o espaço habitacional interior). Todos
estes elementos espaciais se organizam num volume rectangular compacto.
As elites do Ibo, na sua acção de construir com mais conforto e durabilidade, não se limitam
a desenvolver o tipo popular de habitação de matriz swahili. Trazem ou adoptam soluções
exógenas, de tecnologia e de imagem, mais “evoluídas” ou mais adequadas147 que permitem
desenvolver ou mesmo transformar/alterar o tipo local obtido a partir de um processo
endógeno de desenvolvimento. São portanto de “matriz” swahili. Trata-se, em resumo, de um
percurso de modernização tipológica e tecnológica que, assumido lentamente ao longo do
tempo, conduz à fixação de soluções formais, construtivas, de imagem e de ambiente urbano
que, por sua vez, ganham sustentabilidade, porque enquadradas cultural e ambientalmente e
porque dominadas pelos construtores locais: tanto nas técnicas de construção que lhes
passam a ser tão próprias, como nos materiais que lhe são familiares. Parece-nos ter sido
este, o processo geral de formação da arquitectura da vila do Ibo e que se revela não só na
área “formal”, mas também na periferia “informal”. Seria interessante estudar este processo
de interacção «em vai e vem» que parece estabelecer-se do seguinte modo: da
“original”casa swahili de coral rectangular, para a casa popular rectangular de matriz swahili,
para a casa senhorial de inspiração swahili desenvolvida e desta para a transformação
daquela.
É provável que a homogeneidade das opções e, sobretudo, a lenta evolução do desenho dos
edifícios tenha resultado do facto de praticamente não haver projectos feitos a partir de fora
ou por projectistas não residentes na ilha. De resto, talvez tenha sido o carácter
essencialmente endógeno do processo de projectação que terá marcado de uma maneira
tão peculiar a arquitectura e o ambiente construído da vila do Ibo. Parece que apenas o
projecto da Alfândega e do Hospital foram enviados pelas autoridades coloniais. O mesmo
deve ter acontecido com a igreja. A alfândega chegou a ser construída mas o hospital não,
tendo as autoridades administrativas optado por arrendar, sob certas condições, um edifício
para o efeito, pertencente a um tal “N´zungo Africano” e que tinha sido comprado por Agy
Jacob Abibo para sua residência. Foi a este dono a quem, posteriormente, o Estado adquiriu
o edifício que passou albergar desde então e até hoje as funções de hospital.
147
Árabes, portuguesas, indianas, indonésias ou malaias;
117
Júlio Carrilho
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III Parte
coberturas deviam ser construídas com material não combustível para evitar os incêndios,
passa a ser possível, nos edifícios públicos coloniais e nas casas de ‘status’ mais elevado, o
recurso à telha de Marselha148, provavelmente a partir de meados do séc. XIX, e que José
Ribeiro Torres diz ter sido trazida (também com a função de lastro) por franceses no retorno
dos barcos que se abasteciam de mica e outros produtos na região costeira do Norte de
Moçambique, nomeadamente em Bilibiza149; intensifica-se o uso da madeira do continente
para as portas e outros elementos em complemento ao uso do mangal, de menor diâmetro e
cada vez mais longe e mais fino; introduzem-se os forjados e fundidos de ferro, importados,
nas guardas das varandas, nas colunas e nas abas de remate das coberturas; passa a
recorrer-se ao cimento para a obtenção de superfícies duras e lisas no pavimento;
generaliza-se a chapa zincada ondulada nas coberturas mais recentes; e, finalmente, inicia
(felizmente sem continuidade) o uso do betão armado nalgumas colunas. A casa grande e a
varanda com colunatas de grossas colunas à maneira indiana, guardas, muretes variados
impõem-se como imagem e tipologia estabelecidos. Para a definição desta imagem
concorreu, de uma forma muito pronunciada, o “Código de Posturas da Câmara Municipal do
Concelho de Cabo Delgado”, publicado em 1894, durante a vigência da Companhia do
Niassa nas terras do Norte da Província de Moçambique150. Nelas se estabelecem normas
precisas relativas à construção, nomeadamente: sobre o pé direito das casas, as dimensões
das janelas, o material das alvenarias, o material e a altura dos muros de vedação, o tipo e
material das coberturas (“telha, zinco ou terraço), o reboco e a caiação das casas, a
periodicidade e o tipo de reparação e manutenção a serem feitas pelos proprietários e,
inclusivamente, a proibição de “caiações externas em cor inteiramente branca”. Não há
dúvida que estas normas marcariam muito a conformação da arquitectura da parte
planificada da vila do Ibo, constituindo um forte elemento integrador do conjunto edificado.
148
Veja-se, Serra, Carlos (direcção de) e outros (pág. 267), Departamento de História da Universidade Eduardo
Mondlane, História de Moçambique, volume 1, Livraria Universitária – UEM, Moçambique, 2000, que nos diz
que já desde 1840, a empresa francesa Fabre & Filhos, com sede em Marselha, tinha-se fixado no Ibo e na Ilha de
Moçambique.
149
Torres, José Ribeiro, (revista) MOÇAMBIQUE, Documentário Trimestral, No.15, pág. 71 a 85, Setembro,
1938, Lourenço Marques?”
150
Código de Posturas da Câmara Municipal do Concelho de Cabo Delgado, aprovado por Acórdão do conselho
de província n° 1 de 19 de Janeiro de 1894 e publicado pela Imprensa Nacional de Moçambique, em 1984.
118
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III Parte
nos casos analisados de transformação do tipo base parecem ser a localização e as vistas
predominantes por um lado, e a envolvente natural por outro.
151
Www.ark3.lth.se/diploma/intherheart/architecture.html;
119
Júlio Carrilho
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III Parte
dimensionado com exactidão o impacto que isso terá tido no ambiente. Seguramente esse
impacto existiu, não obstante não se ter traduzido num facto claramente visível. Apesar de
se verificar um aumento da destruição da cobertura vegetal na ilha e o quase
desaparecimento, ao longo dos tempos, das grandes árvores nos maciços de mangal,
também se verificou, em 2002, um incipiente aparecimento deste em zonas próximas da vila
do Ibo, onde não existia na década de 1950, por exemplo frente à marginal rua da Bela
Vista. Mas também se verificou, em 2004, que esse sinal promissor tinha desaparecido.
Sendo o mangal um elemento básico para a construção, para além de outros usos
(medicinais, como combustível, e na pesca) e do seu papel fundamental no ecossistema
litorâneo, convém referir as notícias da exploração deste produto. A extracção e venda
comercial da casca de mangal é relatada nos “Relatórios e Memórias sobre os Territórios” da
Companhia do Niassa pelo Governador Ernesto Jardim de Vilhena. Aí se refere que em 1885
inicia a exploração comercial da casca de mangal, embora em quantidades pequenas (20
kgs). Em 1898 há um aumento significativo (quase para o dobro) da exportação em relação
ao anterior, caindo no ano seguinte e cessando entre 1900 e 1901. Em 1902 reinicia a
exportação, destinada à indústria europeia e americana de curtumes, com aumento súbito
para 1.438.240 Kgs, valor este que quadruplica em 1903. Esta subida demasiado brusca da
exploração comercial do mangal acaba por preocupar as autoridades da Companhia do
Niassa, levando o Governador dos Territórios a estabelecer, em 1902, a Ordem n° 557 que
cria o “Regulamento provisório para a extracção e apanha da casca da mangal” e, no ano
seguinte, a Ordem n° 645, proibindo, no Concelho do Ibo, a concessão de novas licenças ou
renovação das antigas, as quais apenas vigorariam até ao fim do período respectivo. O
objectivo expresso era o de ser “de vantagem não se prosseguir a sua exploração intensiva,
antes dar-lhes o repouso necessário a refazerem-se das perdas sofridas”. Estas medidas
terão restringido a exploração do mangal para fins de utilização local, o que terá contribuído
para que o seu impacto ambiental não fosse dramático nos tempos que correm.
120
Júlio Carrilho
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III Parte
Uma das características sempre presente nas casas de tipo swahili observadas no Ibo e nas
terras firmes do litoral adjacente na Província de Cabo Delgado, bem como no interior Norte,
até à Província de Niassa153, é o processo de construção das coberturas. a sustentação
primária da cobertura de quatro águas através de dois prumos ligados, os quais suportam
uma viga que constitui a cumeeira. Trata-se de um sistema de tipo trilítico de troncos de
madeira que se apoiam as madres colocadas quase em forma de leque, principalmente nas
águas laterais, ficando sugerida a ideia de ser este um elemento de carácter que permanece
como reminiscência das coberturas cónicas comuns nas casas africanas circulares154. Ao
referir as pesquisas de Henry de Lumley em Terra Amata, nos arredores de Nice, na França
mediterrânica, Bernard Campbell descreve uma hipótese de desenho e tecnologia das
cabanas de configuração oval cujos restos arqueológicos estudados, datando do período
glacial de Mindel (há cerca de 400 mil anos), denunciam uma estrutura de cobertura
constituída por dois prumos de troncos de árvore enterrados no chão, sobre os quais
assentava um barrote constituindo a linha de cumeeira. Refere também que, por
comparação com os restos arqueológicos descobertos em Olduvai, os princípios deste tipo
de construção da cobertura seriam provavelmente conhecidos, muito antes, naquela parte da
África Oriental155. A ser verdade esta conclusão, é de estranhar o facto de este esquema de
cobertura não se ter desenvolvido autonomamente em África, pelo menos naquela região do
continente, tendo-se adoptado quase exclusivamente a cobertura cónica com um só prumo e
152
Dharani, Najma, Field guide to common trees and shrubs of East Africa, Stuik Publishers, Cape Town, 2002.
153
Carrilho, Júlio, Bruschi, Sandro, Um olhar para a arquitectura informal em Moçambique: de Lichinga a
Maputo, Centro de Estudos de Desenvolvimento do Habitat da Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico,
Maputo, 2002;
154
Bruschi, Sandro, e outros, A palhota cilíndrica, a casa swahili e a história complicada das suas
transformações, Jornal Notícias, separata “notícias CULTURA”, 24/12/2003, Maputo, 2003;
155
Campbell, Bernard, Ecologia Humana, Edições 70, Lisboa, 1988, pág. 124, fig. 58.
121
Júlio Carrilho
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O caso da Ilha do Ibo.
III Parte
uma estrutura de madres dispostos em leque, nele apoiado. A excepção a este esquema
estrutural encontra-se apenas na cobertura de tipo swahili, muito mais tardia e irradiada a
partir da costa Oriental do continente. Será talvez por isto que, neste caso, se encontra a
explicação da sua existência como aquisição ou reaquisição tardias, a partir do contacto dos
povos africanos do litoral com outros povos, nomeadamente da costa do Mediterrâneo e da
Ásia?
No caso do Ibo, não é apenas a partição espacial das casas que constitui referência da
arquitectura “popular” de tipo swahili, adoptada pela arquitectura da elite do bairro de
“cimento” da vila. O mesmo acontece com a construção da estrutura da cobertura, evoluindo,
inclusivamente, para a adopção de prumos (ou suportes) feitos de outros materiais. É assim
que, em algumas casas de pedra, cal e telha do núcleo urbano “planificado”, mesmo
tratando-se de edifícios geralmente com coberturas de duas águas, diferentemente das
casas “populares” que originalmente apresentam quatro águas na cobertura, persiste o
esquema estrutural de tipo swahili, em que a linha principal da cumeeira é suportada por dois
elementos verticais, neste caso de alvenaria, à maneira das estacas de madeira ou pau
redondo que suportam a estrutura das coberturas de capim ou de “macúti” nos dois pontos
de intersecção de três das quatro águas que a compõem, na sua forma típica. E tudo indica
que esta opção acabou por ser retomada na zona informal da vila, mesmo quando se trate
de coberturas de “macúti” de duas ou quatro águas. Nestes casos, para os suportes de
alvenaria, mantém – se o mesmo esquema de localização dos suportes de madeira
inicialmente usados, isto é: na linha média da habitação, no ponto de cruzamento das
paredes separadoras entre os compartimentos encerrados de acesso interior e as paredes
que confinam o espaço central multifuncional que serve em geral como espaço de
articulação com o exterior privado ou público.
Os pisos superiores e terraços, quando existem, são construídos com uma estrutura de
barrotes grossos de madeira, por vezes de espécies arbóreas do continente, devido às
necessidades de maior envergadura para vencimento de vãos. Sobre esta estrutura
assentava uma camada de varas de mangal mais grossas, ligadas e recobertas com
argamassa de cal. Nos casos de pavimentos superiores visitáveis verifica-se a colocação de
uma outra camada mais espessa. de varas de mangal mais finas, a qual era também
recoberta por argamassa. Muito raras vezes esta camada era acabada com tijoleira. Quanto
aos tectos falsos, não apenas se utilizava esta técnica, como também se usavam tábuas de
122
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A maior parte dos pavimentos têm uma base construída com os materiais naturais utilizados
nas alvenarias. No entanto nestes dispositivos de construção também passaram a ser
utilizados o cimento de uma forma extensiva bem como outros materiais de produção
industrial como o mosaico hidráulico.
As notícias do fabrico de cal nestas paragens indicam que esta era já conhecida antes da
chegada dos portugueses, pela via dos árabes. Quando a cal se produzia artesanalmente na
ilha, com alguma regularidade, a pedra de coral era desmontada no mar, num banco a
nordeste da ilha. Os barcos largavam na maré alta e eram encalhados sobre o banco de
coral e, durante a maré baixa eram desmontados com alavancas os blocos que, depois de
secos, seriam a matéria-prima dos fornos de cal. O combustível lenhoso utilizado eram as
espécies de mangal com madeira clara, para que a cal não ficasse manchada com o
vermelho da cor da casca e do pau usado como lenha, sobretudo para a cal destinada a
proteger os rebocos, funcionando como base para a pintura. O fabrico artesanal da cal ainda
hoje se verifica na ilha de Matémwe e em Ulúmbua. As espécies de mangal mais utilizadas
para queima no processo de fabrico da cal eram a Avicennia marina e a Sonneratia alba.
A argamassa utilizada na estrutura das construções era feita com a terra vermelha do
continente, colhida a 5 ou 6 milhas de distância. O seu fabrico contava com a adição de um
caldo viscoso de resina vegetal, também colhidos no continente.
As paredes dos edifícios eram construídas com pedra coralina e, nas grandes construções,
possuíam uma estrutura de troncos de mangal - em geral de Rhizophora mucronata – a qual
nascia desde as fundações. Estas assentavam em caboucos não muito profundos dado que
o manto rochoso da ilha é, na maior parte da sua área não alagada, quase superficial. A
alvenaria de fundação também era de pedra coralina mais grossa ligada com uma
argamassa mais rica e constituindo uma parede muito larga, nalguns casos de mais de um
metro de espessura, aonde assentariam as paredes aparentes do edifício. Este
dimensionamento das paredes parece ser muito adequado como elemento de diminuição da
irradiação para o interior das habitações.
123
Júlio Carrilho
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Quanto às portas e janelas, bem como em algum mobiliário, também se fazia recurso às
tábuas de madeira de mangal, geralmente obtidas dos troncos grandes de Sonneratia alba,
mais grossos do que os das outras espécies. Com o desaparecimento das grandes árvores
de mangal começou a utilizar-se para os elementos das caixilharias, em particular para as
portas e janelas, a madeira do continente. Convém no entanto frisar o facto de que parece
que a madeira de mangal era a preferida, pelo menos no dizer de Almasse Jamal156, dado
que era mais resistente ao ataque dos xilófagos.
Um dos aspectos curiosos relaciona-se com a construção dos frisos, de formas variadas, nos
capitéis e nas bases das colunas das varandas. As colunas eram construídas com blocos de
pedra coralina, talhados em alguns dos edifícios e modelados à colher pequena ou por
arrastamento de moldes de madeira com o perfil do desenho escolhido.
Um dos elementos característicos das casas de habitação de pedra e cal do Ibo é a varanda.
Ela é um elemento construtivo que se destaca do núcleo principal da construção, munida na
maior parte dos casos de cobertura independente, com uma ou três águas ou, raras vezes,
resultante do prolongamento da cobertura geral da casa nas fachadas frontais, suportada por
colunas de desenho relativamente variado, normalmente colocadas num espaçamento
regular. No caso das fachadas posteriores ou do quintal existe um espaço coberto, aberto ou
não, geralmente encaixado na construção e que, sendo diferente da varanda frontal na forma
e no uso específico, também é designado de varanda, qualificando-a de traseira. Funcionam
ambas como elemento de transição entre os domínios privado e público, e os domínios
privativo e de serviços respectivamente na frente e nas traseiras da casa. Na fachada frontal
o pavimento da varanda está (como em todo o edifício) geralmente sobrelevado em relação
ao passeio ou à rua e o seu espaço é, muitas vezes, delimitado por muretes de configuração
e alturas variadas. Como se depreende desta definição, não se trata da varanda funcionando
como um espaço alpendrado perimetral a envolver totalmente a habitação, como é frequente
nas casas ao estilo colonial inglês e americano, isoladas em largos espaços e mais difíceis
de agregar em malha urbana em que o efeito de rua seja um condicionamento projectual.
Das observações feitas podem-se sistematizar as seguintes funções para as das varandas:
156
Mestre pedreiro que foi entrevistado para melhor compreensão do processo construtivo tradicional e materiais
utilizados.
124
Júlio Carrilho
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também casos em que ela ainda é utilizada para a realização de ofícios para serviço a
terceiros, como a de alfaiate;
Mas a varanda das casas do Ibo não se resume ao que dela se poderia esperar como
elemento de serventia funcional e técnica. Os elementos que a constituem permitem-lhe
variedade e personalidade, permitindo ao dono da casa conferir à fachada um carácter
particular.
Será aceitável ou verosímil a semelhança geral que nos pareceu existir, em fotografia, de
colunatas, portais, portas, janelas de cidades antigas da costa tanzaniana e queniana, com
os de edifícios do Ibo? A serem verosímeis estas semelhanças, poderíamos avançar na
hipótese de estarmos em presença de uma variante local da arquitectura swahili
eficientemente aculturada pelo colonialismo português, a ponto de não se confundir com ele.
De qualquer modo, se considerarmos que, pelo menos, desde o século IX, mercadores
125
Júlio Carrilho
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árabes provenientes do golfo pérsico157, assim como persas e indianos aportaram à costa
oriental africana, da Somália a Sofala em Moçambique, num processo de exploração
comercial que se foi desenvolvendo até ao século XV, altura em que, no auge deste
processo, entram em cena os portugueses; se juntarmos a este contexto de intercâmbio o
afã de franceses, holandeses, ingleses e outros pelo domínio da exploração mercantil destas
paragens. Se a isto se der a pré-existente base swahili que permeia a cultura desta área
cultural da África, então estamos com certeza perante o resultado de um processo complexo
de afirmação arquitectural resultante de intercâmbios diversificados, em que participam
contribuições provenientes da península arábica, da cultura bantu, e sobretudo da
contribuição da arquitectura das ex-possessões portuguesas no sub-continente indiano, bem
como de uma decisiva intervenção arquitectónica e, particularmente, urbanística do
colonialismo português158, o qual dá foros de cidade a esta miscigenação.
Como se pode verificar o impacto deste tipo de construção tradicional é muito pressionante
em relação aos recursos oferecidos pela natureza. A alteração da escala da exploração por
solicitações adicionais, devido ao aumento da actividade de construção, pode ser muito
lesivo para o ambiente. Deste modo é imperativo a introdução de tecnologias e materiais
mais avançados e eco-compatíveis.
Pode-se também concluir das observações que o elemento construtivo de maior importância
no conjunto do edificado do Ibo é a varanda. Ela funciona como elemento caracterizador do
edificado de duas maneiras:
157
Serra, Carlos (direcção de) e outros - Departamento de História da Universidade Eduardo Mondlane, História
de Moçambique, volume 1, Livraria Universitária – UEM, Moçambique, 2000.
158
vidé arranjos em planta, fachadas com platibandas a encobrir o telhado nos edifícios oficiais, colunatas de
ferro nas varandas, telhas de Marselha, largueza e iluminação de ruas.
126
Júlio Carrilho
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Será que esta abertura de oportunidades atingirá o centro urbano do Ibo como “coisa” a
revivificar? Certamente. E é aqui que se coloca a necessidade de regular as intervenções
sobre o edificado e sugerir um modelo de acção que o valorize, sem o desfigurar.
Não é a extensão do legado físico resultante do trabalho do Homem que fica especialmente
sublinhado numa análise cuidada daquilo que a conjugação de determinados factores
históricos, geográficos, sociológicos, económicos e culturais permitiram edificar na Ilha do
Ibo. É a importância do processo de inter-relacionamento e de decantação culturais que
deixou como realização física mais um pequeno, mas significativo, sinal no “corpo” da
identidade de um país em construção. O conjunto destes sinais particulares construirá a
imagem nacional que ainda não conhecemos totalmente mas que, sem o sabermos, se
159
Macamo, Solange Laura (Coordenação geral do projecto) e outros, Inventário Nacional de Monumentos,
Conjuntos e Sítios - Património Cultural, Ministério da Cultura e UNESCO, págs. 8, 9, 11, 116 e 117, Maputo,
2003.
127
Júlio Carrilho
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constrói, ao longo do tempo, ontem, hoje e amanhã. Esta é outra razão fundamental para
que se acautele a sua preservação e valorização.
Existe à partida um factor de índole política que subjaz à diferenciação entre um e outro
destes assentamentos insulares de relevância histórica no contexto moçambicano: o seu
estatuto sociopolítico.
128
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129
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III Parte
É possível que este conjunto de observações que traduzem a tentativa de diferenciação das
opções da trama urbana e arquitectura entre os assentamentos formais das ilhas justifique a
percepção Vital Moreira de que o Ibo é seguramente menos áulico e menos monumental (do
que a Ilha de Moçambique), apesar das suas três notáveis fortalezas, duas setecentistas e
outra oitocentista. Mas o seu desenho urbano é mais aberto. As suas ruas mais largas e
alinhadas e a sua arquitectura civil mais equilibrada. (...) O Ibo é seguramente uma das mais
singulares realizações das aventuras portuguesas no Índico e uma das mais ricas das
heranças do património histórico de Moçambique, que o país só tem interesse em
valorizar160.
160
Moreira, Vital, no jornal O Público de 21 de Agosto de 2001, Lisboa.
130
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Mais do que no último quartel do século XX o turismo é hoje a indústria com o crescimento
mais rápido do mundo. Ele pode ter impactos positivos e negativos nas esferas ambiental,
cultural, social e económica. Se tomado de uma forma responsável, o turismo pode ser uma
força positiva para o impulsionamento de um desenvolvimento sustentável, para a promoção
da conservação e protecção ambiental161.
Para o Fundo Mundial da Vida Selvagem (WWF) o turismo é, ao nível internacional, uma
actividade transversal com impactos múltiplos, nomeadamente na mudança climática e na
qualidade das reservas de água doce. O desenvolvimento do turismo de massa em larga
escala pode ameaçar ecossistemas frágeis em regiões ecológicas chave. Mas numa escala
menor, o ecoturismo ou o turismo comunitário é proposto em muitos projectos de campo
como uma alternativa sustentável para a elevação do bem-estar das comunidades162. A
Namíbia e a ilha de Chumbe são exemplos africanos do papel importante da sua
contribuição de políticas conservacionistas.
161
Why tourism? | WWF-UK | WWF network.
162
http://www.wwf.org.uk/researcher/issues/Tourism/index.asp.
131
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1. No âmbito da gestão
2. No âmbito tecnológico
163
http://www.insula.org/tourism/pagina_n14.htm
132
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− Energia;
− Resíduos sólidos;
− Efluentes e emissões;
164
http://www.insula.org/tourism/pagina_n2.htm
133
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165
http://www.insula.org/tourism/pagina_n5.htm
134
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9.2. Uma nova atitude perante o património cultura. A percepção dos habitantes e a
necessidade de novas linhas de abordagem para a sustentabilidade das intervenções.
Um elemento importante que deve informar qualquer estratégia fundamentada de
intervenção de requalificação e reabilitação urbana e que considere as actividades da sua
população tem de perceber o tipo de relação que os habitantes têm com o contexto urbano.
O inquérito realizado aos moradores da zona informal, onde reside a maioria da população,
uma vez que a zona formal ou centro histórico permanece quase desabitado, exprimiu o
desapego da maioria da população em relação ao centro histórico. As suas relações com
esta parte da vila quase se limitam: à utilização e contacto com serviços públicos como o
Hospital, a escola, as telecomunicações, a administração, a polícia e outros; o
atravessamento de e para o porto de abrigo; a prestação de serviços como funcionários ou
trabalhadores por conta de outrem; a busca de materiais e elementos de construção nos
casarões abandonados ou em ruínas, principalmente portas, janelas e telhas.
Não pareceu haver vínculos de pertença a esta parte da vila, predominando uma aparente
indiferença generalizada.
135
Júlio Carrilho
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Até que ponto o Ibo diz respeito a todos os moçambicanos? A ponto de ser fundamental a
consideração séria da sua conservação e restauro num país em que vencer a pobreza é,
sem dúvida, a prioridade? Sobretudo quando esse património deriva em grande medida de
uma etapa esclavagista de exploração? Em países que emergiram de dolorosos de
libertação, como as ex-colónias, esta questão é recorrente sempre que o problema se
coloca. Não vamos discuti-la neste contexto. Diríamos apenas que qualquer dos
moçambicanos que o conheçam o conjunto edificado da ilha do Ibo ficarão tocados de
mágoa pelo fenecer de uma realização secular que não seria possível noutro contexto
antropológico, noutra área cultural, noutro ambiente e, portanto noutro país. Não é apenas a
memória do esclavagismo que explica a realização do edificado, não obstante o dever e a
verdade histórica de a afirmarmos como um facto. Mas o Ibo é também, e
fundamentalmente, essa resultante inegável do trabalho, do saber de interacções culturais
que se foram repetindo, moldando técnicas, técnicos e artífices e modelando o espaço que o
tempo teimosa e ciclicamente persiste em revelar e resgatar. Não é por acaso que ao
entrevistarmos o sr. Fulano, morador na zona informal da vila do Ibo, ele se referiu ao estado
de degradação da vila com a expressão desencantada de que “o Ibo já não é Ibo: é uma
tristeza, uma negação”167. Esta parece ser uma manifestação de que os habitantes locais,
166
Pequena porção de terra agricultável, do tipo misto de horta e pomar, adjacente ou junto à habitação.
167
Na língua local, o kimwani, esta expressão é uma tradução livre da seguinte frase por ele empregada: “Ibo
syihó Ibo. Ahibú!”.
136
Júlio Carrilho
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mesmo não querendo apropriar-se do centro histórico colonial, consideram-no uma coisa
que lhes diz respeito e de que se orgulhavam como realização humana.
Como foi referido está já estabelecida legalmente a protecção da zona ecológica a que
pertence o sistema insular e as terras firmes do litoral. Está já afirmada, tanto a nível
nacional como a nível internacional, a importância dos seus recursos marinhos e costeiros.
Está também afirmado o valor da sua paisagem natural, do legado edificado e do legado
cultural que o suporta. A apetência turística da área começa a expressar-se em referências
nos “planos” ou intenções de desenvolvimento turístico da região, no investimento privado
(ainda incipiente) e na procura da aquisição de edifícios que, desde 2002, começa a ser
difícil de materializar. Redescobrem-se as Quirimbas ainda em tímidos panfletos de
propaganda e em sites da internet dando conta, por exemplo, da singularidade e do
pitoresco da ilha de Quilálea como local de “topo de gama” para um certo tipo de lazer. Será
que esta abertura de oportunidades atingirá o centro urbano do Ibo como “coisa” a
revivificar? Certamente. E é aqui que se coloca a necessidade de regular as intervenções
sobre o edificado e sugerir modelos de acção que o valorizem, sem o desfigurar. E aos
arquitectos, novos e velhos, caberá o dever de se empenharem na abertura de pistas, na
definição de uma filosofia de intervenção e de propostas técnicas de trabalho eco-
compatíveis, cultural e economicamente enquadradas.
Não é somente a dimensão do legado físico resultante do trabalho do Homem que quisemos
sublinhar. É a importância do processo de decantação secular que, paulatinamente, deixou
como realização física mais um pequeno sinal no “corpo” de uma identidade nacional em
construção. O conjunto destes sinais particulares construirá a imagem que ainda não
conhecemos totalmente mas que, sem o sabermos, se constrói, ao longo do tempo, ontem,
hoje e amanhã.
137
Júlio Carrilho
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III Parte
primeiro lugar, a população da ilha e a sua cultura. Porque são elas que constituirão o
principal elemento da sustentabilidade do que se construiu e que tem explicação no seu
trabalho e, principalmente, na sua cultura. A criação de condições económicas que dêem
suporte ao fortalecimento e desenvolvimento cultural terá certamente como resultado
induzido a melhoria da capacidade privada de intervenção, nomeadamente sobre o
edificado. É evidente que tal premissa não totaliza o alcance do objectivo de reabilitação do
conjunto edificado, o que significa que, a par da atenção para se redinamizar a vida
económica e sociocultural da ilha do Ibo, teria de ser desenhado um programa específico de
requalificação e reabilitação, com uma componente adequada e criteriosamente
seleccionada e limitada de restauro filológico do património edificado. E este mesmo
programa deveria ser uma componente daquele programa mais vasto. Teriam de ser
estabelecidas sub-estratégias de intervenção, nomeadamente no que respeita às técnicas de
restauro e reabilitação; às opções de refuncionalização; às possibilidades de participação e
de envolvimento de outras instituições, que não apenas as governamentais; à contribuição
local; à preservação e uso sustentado dos recursos naturais.
168
Consideram-se aqui as profissões e técnicas que tivemos ocasião observar em 2003, bem como o levantamento
socioprofissional feito por Carlos Lopes Bento, em 1971, e que vem descrito na separata do Boletim da
Sociedade de Geografia de Lisboa, Série 115a – Nos 1-12, Janeiro/Dezembro de 1997.
169
“Coffea Ibo de Frohner”, conforme Carlos Lopes Bento, op. cit. Pág. 219.
138
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(5) Uso controlado dos recursos marinhos e da sua valorização e divulgação, incluindo
peixe, crustáceos, conchas, bem como a pesca desportiva e o mergulho.
Qualquer das opções se decida incentivar, após pesquisa e avaliações de impacto, deverá
respeitar os requisitos de preservação ambiental e conservação dos recursos naturais. Mas,
inversamente, as limitações decorrentes dos critérios de sustentabilidade ambiental têm
também de estar em consonância com a preservação de valores culturais adquiridos ao
longo dos tempos pela população. É nomeadamente através da definição e de escalas
adequadas de exploração, da modernização das técnicas de produção e do controle e
monitoria dos processos por parte dos actores envolvidos que se garantirá que as acções de
desenvolvimento não se transformem em acções predadoras, estimulando-se o equilíbrio
entre as necessidades da população e a sustentabilidade dos processos.
139
Júlio Carrilho
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III Parte
A teoria da conservação sugere que a intervenção num centro histórico não pode e não deve
permitir mudanças traumáticas devido à introdução de elementos estranhos no ambiente
urbano. A preservação deve visar a satisfação das necessidades dos habitantes através de
acções cuidadosas e facilmente identificáveis que não modifiquem irreversivelmente o centro
urbano e que se integrem adequadamente no contexto sem a exibição de novos sinais
demasiado fortes.
E fácil perceber que estas acções de requalificação urbana visam alcançar objectivos de
sustentabilidade tais como a melhoria do ambiente, a promoção social e económica das
áreas recuperadas no sentido da elevação da qualidade de vida dos residentes”170.
Qualquer abordagem de revalorização do edificado terá de considerar princípios básicos que
garantam a sustentabilidade e eco-compatilbilidade da acção. São eles:
170
De Marco, Marina, Torre, Carmelo, Refurbishment and Conservation in Sustainable Renewal of
Architectural and Urban Heritage. Back Conceptual and Technological Questions,
http://www.iris.ba.cnr.it/sksb/PAPERS/04-56.HTM (http://www.iris.ba.cnr.it/sksb/PAPERS/04-56o.pdf).
140
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III Parte
coral e o mangal, além de outros como a folha de coqueiro entrançada (o macúti) e resinas
naturais. Tais práticas poderiam ser utilizadas desde que correspondessem a uma selecção
criteriosa dos objectos a restaurar, mesmo que com carácter restrito e exemplar;
Uma vez que grande parte da construção popular do litoral de Moçambique, pelo menos a
norte do rio Zambeze, baseia-se na técnica do uso de rocha coralina, de madeiras de
mangal e outros materiais que, devido à sua proveniência, possuem um elevado teor de sal
marinho, parece-nos fundamental definir-se, na especialidade, o comportamento e
interacção físico/químicos destes materiais de construção quando postos em diversas e
adversas condições ambientais, desfazendo-se o equilíbrio de temperatura e humidade
142
Júlio Carrilho
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relativa que influencia decisivamente o estado da construção. Esse estudo seria útil para a
compreensão dos processos de degradação dos elementos feitos com este tipo de materiais
e, por extensão, igualmente útil para se estabelecerem os melhores métodos de
conservação do edificado.
• saneamento,
• abastecimento de água,
143
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• abastecimento energia;
• Rua 27,
144
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Conclusões
CONCLUSÕES
(1) No que respeita à sua organização urbana – zona formal e zona informal;
Neste contexto característico de núcleos urbanos pequenos como o da ilha do Ibo, parece
ser necessário considerar sempre uma actuação que combine a reabilitação do edificado
classificado de valor histórico com a requalificação do espaço e/ou de elementos edificados
de importância na actividade de habitar da população que lhe dá e sentido cultural no
contexto pós-independência. Isto quer dizer que qualquer acção de restauro integrado e
complexo do núcleo edificado consolidado de valor histórico deve estar integrada num
programa de desenvolvimento que contenha a dimensão da melhoria sustentada do bem-
estar da população.
146
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Conclusões
1. No nível da edificação:
147
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O caso da Ilha do Ibo.
Conclusões
171
O quadro geral do acordo é baseado na realização de intervenções em áreas marinhas protegidas de pequenas
ilhas italianas. Os projectos visam o desenvolvimento sustentável e a conservação dos ecossistemas marinhos
costeiros, a diminuição da poluição atmosférica e acústica através de um turismo eco-compatível, eco-indicadores
e reconversão das actividades pesqueiras. Neste sentido deverão ser incluídas intervenções de melhoria e difusão
de fonte de energia renováveis com vista à auto-suficiência energética, através de instalações eólicas, de
produção térmica solar, geotérmicas e fotovoltaicas, bem de promoção de transportes sutentáveis pela utilização
de veículos eléctricos e ou veículos de tecnologias híbridas, racionalização e promoção de transportes colectivos.
A realização deste acordo envolve um montante total de 15 milhões de EURO.
A OPET é uma rede criada pela Comissão Europeia que tem como objecto a promoção e a informação sobre os
benefícios decorrentes das novas tecnologias inovadoras em matéria de energia, nomeadamente no que respeita a:
fontes de energia renovável, uso racional da energia na indústria, construção e transportes, combustíveis e
hidrocarbonetos.
148
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Conclusões
172
Berti, Maurizio, Arif, Mohamad, Conservação dos antigos edifícios de pedra de coral. Dois casos ao longo
da costa moçambicana, Edições FAPF, Maputo, 2005, pág. 28.
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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Conclusões
“Existe um oneroso, mas entusiástico desafio para os quadros técnicos que, nos diversos
níveis de competência e de funções, são responsáveis pelos processos de salvaguarda e
valorização dos bens arquitectónicos e ambientais dos núcleos centrais das cidades
moçambicanas. São cidades que têm sido objecto de uma degradação progressiva ou de
processos desavisados de substituição de edifícios ‘monumentais’, como unidades
edificadas de qualidade singular; de partes homogéneas de tecido urbano; de espaços
públicos e complexos de arranjo unitário ou constituídos por agregação progressiva de
edifícios, ao longo do tempo. Tudo isto num contexto em que se assiste, em todo o mundo, a
uma substancial contracção nos tempos de historicização dos acontecimentos humanos e,
entre estes, em primeiro lugar, aqueles que se materializam no assentamento físico e formal
dos edifícios no tempo. É um desafio que se tornou mais complexo e difícil pela exigência de
activar ‘boas praticas’ de análise, de projecto e intervenções sobre unidades de
assentamento e artefactos construídos existentes que assumam objectivos de eco-eficiência
e sustentabilidade ambiental como determinantes significativas. Trata-se de ‘boas praticas’
que, em relação às condições de contexto, podem ser sumariadas em alguns princípios de
carácter geral, designadamente:
173
Dierna, Salvatore, Intervenções ecologicamente sustentáveis de formação e transformação do habitat,
documento subordinado ao tema “Requalificação da arquitectura moderna”, editado pela Faculdade de
Arquitectura e Planeamento Físico da Universidade Eduardo Mondlane, 2004, ponto 12, págs. 9 e 10.
150
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Conclusões
Finalmente uma dimensão que deveria ser tomada em conta desde o início e durante e ao
nível do substrato de todo o projecto, é a que comporta a verificação atenta da
sustentabilidade económico-financeira, a sustentabilidade do processo e a sustentabilidade
ambiental relativamente às intervenções programadas.
Moçambique dificilmente terá, tão cedo, meios financeiros e técnicos para um programa
alargado de preservação de tão importantes ambientes e conjuntos edificados, testemunhos
da história e elementos de identidade ainda em construção dos moçambicanos. Perdê-los é
perder referências identitárias importantes. Parte desse trabalho de conhecimento,
caracterização científica e até de preservação e restauro tem sido feito e terá de continuar a
ser feito com apoios técnicos e financeiros de outros países. E aqui surge a questão da
cooperação inter-governamental e internacional. A este propósito convém referir que, como
preconizado pela UNESCO, para que essa cooperação na área cultural, como de resto para
o desenvolvimento em geral, seja sustentável ela deverá assentar, nomeadamente, em dois
princípios essenciais:
• informação simétrica das partes, nomeadamente de cada uma das partes sobre a
vontade e capacidades da outra;
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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Conclusões
• documentação completa,
• protecção legal.
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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Iconografia
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ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Iconografia
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ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Iconografia
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ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Iconografia
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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Iconografia
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ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Iconografia
(1) Eco-regiões da África Oriental (2) Litoral Norte de Moçambique (3) Parque Nacional dasQuirimbas
com localização da Ilha do Ibo dasQuirimbas
158
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Iconografia
WWF Proceedings of the eastern Africa marine ecoregion visioning workshop pag,
Mombasa, Kenya . April 21st-24th 2001
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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Iconografia
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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Iconografia
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ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Iconografia
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Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Iconografia
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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Iconografia
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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Iconografia
Postais do Ibo
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Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Iconografia
Postais do Ibo
166
B - Arquitectura sem arquitecto: a zona formal.
Júlio Carrilho
ARQUITECTURA E AMBIENTE:
Preexistências, transformações e desenvolvimento sustentável
O caso da Ilha do Ibo.
Iconografia
181
D - Elementos para uma proposta de intervenção.
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198
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