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Tradufio:

Gilval Menezes
Caio Pimenta
Anderson Neto

EDITORA NELPA
Dr. Robert Long

Tradução:
Gilval Menezes, Caio Pimenta e Anderson Sacramento Neto

Por Amor ao Zero


A falibilidade humana e o risco
São Paulo
2022
© Robert Long - Autor
Gilval Menezes, Caio Pimenta e Anderson Sacramento Neto - Tradutores - 2022
É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio
sem a autorização prévia e por escrito do autor.
A violação dos Direitos Autorais (Lei n.º
9610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal

capa
Reprodução original Australiana
Diagramação
Núcleo Nelpa
Revisão gramatical
Bárbara Elisa Polastri
Ilustrações internas
Ilustrações originais Australiana

Tradutores
Gilval Menezes, Caio Pimenta e Anderson Sacramento Neto

Long, Robert

Por Amor ao Zero / Robert Long – São Paulo: Editora Nelpa, 2022.

176 p.

ISBN: 978-65-5915-092-2

1. Segurança no trabalho 2. Psicologia Social 3. Administração CDU: 658

Copyright © 2022, Nelpa – L. Dower Edições Jurídicas Ltda.


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04118-130 – São Paulo/SP
Telefax: (11) 2096-7389
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Sumário
Título de Figuras..............................................................................................viii
Prefácio..............................................................................................................ix
Memória e Agradecimento.................................................................................xi
Prefácio à Edição Brasileira................................................................................xii
A Capa do Livro Explicada.............................................................................. xiv
Sobre o Logotipo do Livro................................................................................ xv
Para Entrar em Contato.................................................................................... xv
Glossário ......................................................................................................... xvi
Sobre o que é este livro................................................................................... xviii
Estrutura e Uso do Livro................................................................................... xx

PARTE 1 - Por Amor ao Zero................................................................................ 1


Capítulo 1 - A Atração pelo Zero......................................................................... 3
A Fascinação pelo Zero.......................................................................................3
A História do Zero..............................................................................................8
O Significado do Zero........................................................................................9
Conformidade com a Linguagem Cultural........................................................11
Questionamentos..............................................................................................12
Transição...........................................................................................................12
Capítulo 2 - A Lógica do Zero............................................................................ 13
O Argumento do “Zero Dano” ........................................................................13
Discussão..........................................................................................................16
Tendências em Cultura e Marketing de “Zero Dano”........................................17
A Busca pela Perfeição.......................................................................................20
A Fúria da Utopia.............................................................................................23
Questionamentos..............................................................................................25
Transição...........................................................................................................26
Capítulo 3- O Discurso do Zero.......................................................................... 27
Linguagem que faz cultura................................................................................27
O Discurso e a Trajetória do Zero.....................................................................34
O Significado do Discurso................................................................................35
Questionamentos..............................................................................................36
Transição...........................................................................................................36

PARTE 2 - O Dissidente do Zero........................................................................37


Capítulo 4 - O Dissidente do Zero..................................................................... 39
O Significado de Dissidente .............................................................................39

: v
Dissidentes de Zero dano..................................................................................41
A Evidência da Crença......................................................................................44
Desde quando a intolerância se tornou uma virtude?........................................48
Motivação e Aprendizagem...............................................................................50
Os Fundamentos da Motivação.........................................................................51
Questionamentos..............................................................................................53
Transição...........................................................................................................54
CAPÍTULO 5 - O Zero Fazendo Sentido.............................................................. 55
Opostos binários ..............................................................................................55
Estratégia de Metas...........................................................................................59
Estabelecimento de Metas.................................................................................61
Bom Estabelecimento de Metas........................................................................65
Questionamentos..............................................................................................67
Transição...........................................................................................................67
CAPÍTULO 6- A Natureza do Fundamentalismo................................................. 69
O Ramo Davidiano...........................................................................................69
Características Sociopsicológicas do Fundamentalismo......................................72
Entendendo a Mente do Fundamentalismo.......................................................75
Dissonância Cognitiva......................................................................................81
Entendendo o viés cognitivo e o inconsciente...................................................83
A psicologia da conversão..................................................................................88
A Fuga do Fundamentalismo............................................................................89
Questionamentos..............................................................................................90
Transição...........................................................................................................90

PARTE 3- Estratégias Sem o Zero....................................................................91


CAPÍTULO 7 - Estratégias Sem o Zero ............................................................. 93
Estratégias de Silêncio na Segurança..................................................................93
Ceticismo Saudável e Entretendo a Dúvida.......................................................96
O Absurdo do Comprometimento com Binários Absolutos Gera o “Zero Dano
Seletivo”............................................................................................................98
Minha Meta é Zero Mortes.............................................................................101
Um Foco no Zero ou um Foco nas Pessoas......................................................101
A Importância do Aprendizado.......................................................................103
Realismo não é Fatalismo ...............................................................................108
O Erro Humano e a Sorte...............................................................................108
Questionamentos............................................................................................110

vi Por Amor ao Zero


CAPÍTULO 8 - A Organização Humanizadora ................................................. 111
A Organização Humanizadora........................................................................111
Como a Linguagem e o Discurso Moldam o Comportamento........................112
A Sua Fala Importa.........................................................................................113
A Linguagem Certa e as Metas na Psicologia do Risco.....................................116
Exemplos de Metas de Desempenho em Organizações....................................116
Uma Empresa Pode Ser “de Classe Universal” Sem Ser Zero?..........................117
Explicando a Matriz de Segurança e Risco – A Disposição de
“Classe Universal”...........................................................................................129
Questionamentos............................................................................................147
O Rotor..........................................................................................................148
Conclusão.......................................................................................................149
Instruções Adicionais......................................................................................150
Treinamento...................................................................................................150
CAPÍTULO 9 - Sugestões de Leitura................................................................151
Sobre o autor..................................................................................................156

: vii
Título de Figuras
Figura 1. Loja Zero em Glenelg, no Sul da Austrália.......................................................6
Figura 2. “Ponto Zero” na Agência Central dos Correios................................................6
Figura 3. The Triple Zero Kid’s Challenge (Desafio Triplo Zero para Crianças)...............7
Figura 4. Anúncio de emprego para um Consultor de Zero Dano na Austrália.............19
Figura 5. Mapa de Salvação Social e Utopia de Booth...................................................24
Figura 6: Mapa conceitual de características e trajetórias culturais.................................31
Figura 7. Primeira amostra de pesquisa MiProfile.........................................................46
Figura 8. Segunda amostra de pesquisa MiProfile.........................................................47
Figura 9. Terceira amostra de pesquisa MiProfile..........................................................47
Figura 10. Posições de pensamento racionalista, irracional e arracional. .......................58
Figura 11. Níveis de Metas...........................................................................................62
Figura 12. Cobra preta.................................................................................................63
Figura 13 – A Subversão das Metas e os Subprodutos das Metas...................................65
Figura 14. A queima do complexo do Ramo Davidiano...............................................70
Figura 15. Culto do Juízo Final no Sul da Austrália......................................................71
Figura 16. Evangelismo no intervalo.............................................................................73
Figura 17. Jogo número dois com nova equipe.............................................................74
Figura 18. O Ciclo de Dissonância Cognitiva...............................................................83
Figura 19. O Grande Debate do Papel Higiênico.........................................................85
Figura 20. O equilíbrio custo, risco, produção............................................................108
Figura 21. A Árvore de Falha do Erro Humano..........................................................109
Figura 22. Matriz de Maturidade em Segurança e Risco.............................................123
Figura 23. Maturidade em Segurança e Risco com o Modelo de Hudson...................124
Figura 24. Regressão à Média.....................................................................................126
Figura 25. A Pirâmide de Segurança de Heinrich .......................................................127
Figura 26. A Natureza da Comunidade Humana........................................................130
Figura 27. Resposta a um Evento Significativo............................................................131
Figura 28. Pressão de um Evento Significativo............................................................131
Figura 29. Um Evento Parte a Comunidade..............................................................132
Figura 30. Recuperando a Comunidade Atingida.......................................................132
Figura 31. A Natureza da Comunidade com o Tempo................................................133
Figura 32. A Natureza da Recuperação da Comunidade com o Tempo.......................133
Figura 33. O quadrante de valores concorrentes.........................................................138
Figura 34. Resumo da Estrutura de valores concorrentes sócio-políticos.
Exemplo: risco e segurança........................................................................139
Figura 35. Características de Gerenciamento e Liderança em Estrutura de
valores concorrentes ..................................................................................140
Figura 36. Tipo de organizações com valores concorrentes..........................................141
Figura 37. Pares conflituosos......................................................................................142
Figura 38. Tipo Deficitário.........................................................................................143
Figura 39. Subindo o nível dos programas de maturidade de segurança......................147

viii Por Amor ao Zero


Prefácio
Não existe essa coisa de um ser humano único. O número mínimo na unidade humana
básica é dois. No fulcro do significado do que é ser humano está a conexão. Então,
a palavra “eu” é a menor palavra da língua inglesa, ainda assim a mais errônea. Essa
palavra, mais do que as outras, carece de revisão. A palavra “eu” poderia, na melhor das
hipóteses, referenciar-se à metade de algo.
Numa cultura em que tudo é privatizado, principalmente o self, nós acenamos para
a ideia de comunidade. Nós acreditamos que ter familiaridade com uma palavra é o
mesmo que (ou similar a) compreender essa palavra. Infelizmente, a palavra denota
principalmente um agrupamento de indivíduos, meias unidades.
Que preço nós pagamos no ocidente por uma ideia tão boba! Muitos dos nossos filmes
começam com uma representação de uma injustiça que é revidada por um super-herói,
um super-homem ou supermulher que salva o dia. Frequentemente, o herói solitário
conquista o seu dia de justiça através do poder de uma arma. Lembro-me de uma época
em que nossa cultura era feita de coisas chamadas “cidadãos”. Essa palavra implicava
pertencimento a uma coletividade baseada em um conjunto de responsabilidades. Uma
das muitas guinadas culturais dos dias atuais significa que a nossa cultura é formada por
“consumidores”. Consumidores somente têm responsabilidade de conseguir valor por
dinheiro. Consumidores desejam uma boa experiência.
Também na nossa vida política, nós deixamos de eleger governos para eleger indivíduos.
Nós votamos em líderes ou em líderes em potencial. Nós esperamos que os líderes nos
salvem de uma forma ou de outra, e, quando fica claro que esperamos mais do que
qualquer indivíduo pode entregar, nunca paramos para examinar as nossas expectativas.
Ao invés disso, nós imediatamente defenestramos o perdedor e nos apressamos em
procurar o próximo super-homem ou a próxima supermulher.
Um abastado advogado adentrou o meu escritório na semana passada vestindo um paletó
que eu não poderia comprar com um ano de salário. Ele se sentou em frente a mim e
começou a lamentar. Estava no topo da sua carreira e possuía tudo o que o dinheiro era
capaz de comprar. Ele se casara com a mulher que amava e eles recentemente tinham
sido pais, tardiamente, diga-se de passagem, de um garoto bastante saudável. Enquanto
soluçava, o homem continuava a se desculpar, afirmando que não chorava por nenhum
motivo desde que tinha oito anos de idade. Eu acreditava nele. E, por alguma razão que
eu não poderia imaginar, ele achara alguém com quem podia chorar, pela primeira vez na
sua vida adulta.
Nós nos perguntamos por que vivemos em uma época em que as doenças mentais são
um problema para todo mundo! Quem é capaz de duvidar que estejamos lidando com
os estressores da vida moderna? Infelizmente, não temos apetite para fazermos perguntas
fundamentais de modo a examinar a causa da nossa sociedade enferma. Ao invés disso,
nós temos indivíduos treinados para diagnosticar e, na maioria das vezes, receitar algo
que nos deixe mais confortáveis no nosso estado infeliz. Muitas formas de ajuda vêm

: ix
na forma aproximada do modelo médico, ou seja, os indivíduos buscam a ajuda de
profissionais que prestam serviço a estas coisas chamadas “pacientes” ou “clientes”. Mas
são coisas. Sempre coisas!
Imaginem vocês a alegria que poderia surgir se o nosso objetivo passasse a ser “encontrar”
pessoas, ao invés de corrigi-las. Imaginem o fardo que seria aliviado das costas dos
consumidores, bem como dos fornecedores dos serviços de ajuda. De modo que o cliente
deixe de ser uma coisa, o expert também deveria desistir de ser uma coisa. Imaginem
se nós pudéssemos admitir que a fragilidade humana fosse compartilhada em ambos
os lados da mesa de trabalho. Então, nós temos que descobrir que não importa quão
generoso o coração é ao ponto de querer corrigir o companheiro próximo, há uma
rejeição no ato de ajudar.
Todo indicador que eu consigo ver apenas me leva a concluir que há dias difíceis por vir.
A privatização do self ganha força e nós estamos em grande parte cegos para a mudança
cultural. Os psiquiatras têm um volume crescente de síndromes que podem ser aplicadas
a quase todos os comportamentos. A excentricidade é uma coisa do passado. Personagens
esquisitos podem ser divertidos, mas todos precisam de terapeutas. Mesmo a leitura deste
livro provavelmente definirá o leitor como portador de um tipo de síndrome para a qual
já há um medicamento à disposição.
Uma pessoa se conhece como conectada às outras. Um indivíduo se conhece como
distinto dos demais. Não são apenas os quebrados que funcionam como indivíduos,
mas também os bem-sucedidos. A maioria dos que adentram a Capela de Wayside*
chegam nos piores dias de suas vidas. Uma coisa que todos têm em comum é a crença
de que eles estão sós. Para a maioria, a família e os suportes sociais há muito já se foram.
A solidão é uma característica crescente da vida no mundo ocidental. Nossas lições
amargas têm revelado que as instituições não geram vida social e os sentimentos não
geram vida pessoal. Só quando aprendemos a viver em conexão e em comunidade é
que funcionamos como pessoas. Quando os indivíduos procuram controlar os outros
por meio de mãos pesadas, inevitavelmente, os resultados que procuram são ilusórios.
Vejam as quantias obscenas de dinheiro que gastamos para controlar drogas via serviços
alfandegários, policiamento, prisões e tudo mais. Parece que nós preferimos gastar
100.000,00 dólares por ano para manter um usuário de drogas encarcerado do que gastar
uma fração disto ajudando essa pessoa a tratar o seu vício. O “Zero Dano” é a linguagem
desses controladores.
Imaginem vocês o absurdo que seria falar em zero dano na Capela de Wayside. O dano
está no ar que respiramos. As pessoas têm uma maneira perversa de punir a si mesmas e
aos outros na esperança de encontrar evidência de que eles ainda estão vivos. A maioria
dos que entram por nossas portas já passou por todos os sistemas que desenvolvemos
para ajudar as pessoas e a maioria delas pode falar a linguagem da área médica, além de
estarem bem equipados com a linguagem e com a estrutura da psicologia. Essas pessoas
estão bem acostumadas a serem tratadas, mas não a serem acolhidas. Se a pessoa cruza a
porta de saída sentindo-se acolhida em vez de tratada, é um bom dia para nós.

x Por Amor ao Zero


Não há nenhum grande segredo aqui. As pessoas vêm para viver e florescer como seres
humanos quando elas funcionam como pessoas, em vez de como indivíduos. Isto é
tanto verdade no bairro de King Cross, quanto no ambiente de trabalho e em todo e
qualquer lugar. Este é um livro que traz esse princípio simples com a devida consideração
à sofisticação do local de trabalho moderno.
Rev. Graham Long
CEO e Pastor
Capela de Wayside
Kings Cross, Sydney
(*) Uma igreja e instituição de caridade localizada no coração da cidade de Sydney,
Austrália.

Memória e Agradecimento
Em memória de Harold, meu pai, que me deu a paixão pelo aprendizado, pelo
questionamento, pelo pensamento crítico e pela sábia aceitação do risco.
Para minha mãe, que me ensinou que é no “todo dia” que quase sempre encontramos a
grandeza e a plenitude do que é ser verdadeiramente humano.
Obrigado ao meu irmão Graham que me ajudou a escapar do fundamentalismo e no
engajamento de “eu-tu”.
Obrigado a Pip e Craig Ashhurst pelas suas habilidades e pelo apoio em editar o
manuscrito e trazer ideias desafiadoras.

: xi
Prefácio à Edição Brasileira
O Brasil é um país atrasado. Em Segurança no Trabalho não poderia ser diferente.
Estamos a anos-luz do que a ciência atual prega. Alimentamos crenças fantasmagóricas
em “percepções de risco”, “comportamentos de risco”, “queijos” e “pirâmides”. A
segurança no trabalho no Brasil tem a audácia de se intitular “Engenharia de Segurança”.
Vivemos medindo o que não é segurança. Contamos dias sem acidentes. Buscamos a
utopia do zero acidente.
Temos uma legislação forte, como uma mão de ferro, capaz de ocupar o precioso
tempo de um departamento inteiro com a coleta de dados e com o preenchimento de
formulários. Essas práticas formam uma rotina que, se estivermos distraídos buscando
as NRs (Normas Regulamentadoras) mais atualizadas, somos capazes de acreditar
que as nossas indústrias estarão seguras com essa pilha de papéis. Se desprezarmos
a oportunidade de compreender o contexto da organização, seremos tentados a
acreditar que o cumprimento da legislação é a verdadeira segurança do trabalho. Se
permanecermos neste estado de torpor, acreditaremos que o cumprimento da legislação é
igual a gerenciamento de riscos... e que agora estamos sãos e salvos.
Há dez anos, este importante livro foi escrito na longínqua Austrália. Hoje, com a força
e o trabalho colaborativo de voluntários, esta obra é trazida para a língua portuguesa, à
custa apenas de amor e altruísmo. É energia cedida de graça em prol da democratização
do acesso ao conhecimento. O assunto permanece mais atual do que nunca! Em
qualquer rede social há de se encontrar profissionais esclarecidos comemorando mil,
quinhentos e quatro dias sem acidentes. Ainda se culpa o trabalhador pelos acidentes que
acontecem. Eu escolho estar seguro ou eu escolho estar inseguro?
As indústrias ainda optam por olhar para o retrovisor. O meu passado de glórias será
garantia de um futuro ileso. Se consegui permanecer com zero acidentes no placar,
significa que o meu futuro será cada vez mais brilhante, meu desempenho passado é
garantia do bom desempenho futuro. Será cada vez mais seguro. Eu, trabalhador, optarei
por permanecer ileso. Simples assim.
O vasto universo da saúde e da segurança no trabalho precisa despertar para o social,
para o que acontece em comunidade. Definitivamente não estamos sós. O universo
vive em rede, nós vivemos em rede, laboramos em comunidade, e nossas escolhas
estão interconectadas. Nossas indústrias são grandes teias e estamos todos interligados:
trabalhadores, empregadores, consultores, legisladores, fiscalizadores. O projeto da
fábrica, que talvez tenha sido elaborado em 1979 (ano em que o Pink Floyd lançou
mundialmente o seu melhor álbum: The Wall), provavelmente foi um dos fatores
causadores do acidente que ceifou a vida de um trabalhador em 2021. Ou seja, o projeto
causou uma morte! Uma decisão orçamentária de um diretor em seu birô terá reflexos na
saúde e na segurança pelos próximos anos, ou mesmo décadas.
A teia é longa e precisa ser vista e revista. Precisa, acima de tudo, ser compreendida.
Como Fritjof Capra e Pier Luigi Luisi propõem em “A Visão Sistêmica da Vida”, “os
problemas precisam ser considerados como facetas diferentes de uma única crise, que é, em
grande medida, uma crise de percepção. Ela deriva do fato de que a maioria das pessoas em
nossa sociedade moderna apoia uma visão de mundo obsoleta, uma percepção inadequada
para lidar com o mundo superpovoado e globalmente interconectado.”

xii Por Amor ao Zero


A escola formal de segurança do trabalho no Brasil, no nível técnico, graduação ou
pós-graduação, esquece de colocar o tema “cuidado” em suas ementas. Se queremos
acordar para essa dimensão, temos que buscar informação extra. E este livro é o caminho.
Precisamos compreender como o indivíduo e a organização aprendem. Precisamos
compreender o que motiva e o que desmotiva um trabalhador. Alguns conceitos básicos
estão deixando de ser ensinados nas escolas de Segurança do Trabalho, tais como:
dissonância cognitiva, heurística ou oposição binária, para citar alguns.
Ouvimos isto todo santo dia em nossas indústrias: “Você não defende o zero acidente?
Então quantos acidentes você quer que aconteça?”
Ou ainda: “Temos que conscientizar o trabalhador. Precisamos ajudá-lo a tomar as
decisões certas”.
Após compreender o básico sobre a Psicologia Social do Risco, seremos capazes de
entender o famigerado termo “cultura organizacional” ou ainda o cada vez mais popular
“cultura de segurança”. São termos que precisam ser ressignificados, pois estão a um
passo do buzzword (virar a palavrinha da moda).
Este livro é um convite irrecusável a reflexões inadiáveis: como pregamos o absolutismo
sem perceber? Como nossas abordagens estão se tornando cada vez mais polarizadas?
Quão prejudicial é a polarização para o desenvolvimento de um ambiente de cooperação,
de cuidado ativo e de aprendizagem? Quão intolerantes à escuta nós, líderes em saúde e
segurança, estamos? E, afinal de contas, por que a escuta é a melhor ferramenta para a
construção de um ambiente laboral cada vez mais seguro?
Sintam-se todos convidados a iniciar esta jornada pela Psicologia Social do Risco, na
qual, nesta primeira estação, nós mergulharemos profundamente nos riscos iminentes
do absolutismo e da ideologia. Veremos quão arriscado será se demonstrarmos o nosso
ceticismo. Quão arriscado sermos questionadores. Mas saberemos, em nosso íntimo,
que não podemos nos corromper. Cada pergunta valerá a pena. Cada contraponto é
importante. Correr riscos faz sentido e é parte indissociável do trabalho. É parte de ser
humano. Não somos máquinas. Somos seres transformadores.
O fato de o Brasil ser um país atrasado não deve nos desmotivar. Definitivamente não!
Temos que ser veículos desta transformação, questionando mais e com mais conteúdo.
Compartilhando mais e, preferencialmente, sem cobrar caro por isto. Temos que
ser uma rede de cooperação. Dificilmente haverá mudança sem cooperação ou sem
transformação. Que venha esta transformação!

Gilval Menezes
Caio Pimenta
Anderson Sacramento Neto

: xiii
A Capa do Livro Explicada
Por que não há um lugar para aterrissar para aquele que salta na capa? É porque este livro
aborda os problemas da incerteza e do fundamentalismo na busca de gerenciar o risco.
Não há nada mais devastador para um fundamentalista do que a perda da segurança
e da certeza. O risco tem tudo a ver com incerteza e a vida tem tudo a ver com o seu
gerenciamento. Na mente do fundamentalista, a falta de controle está associada às
incertezas do risco e à necessidade de eliminar essas incertezas. A necessidade de controle
absoluto, certeza absoluta e respostas preto-no-branco é uma busca fundamentalista e
uma negação da falibilidade.
O significado da palavra risco assume a possibilidade de perda. A ideia de risco já
carrega consigo a noção de que não há certeza absoluta, controle absoluto ou escapatória
absoluta das limitações da condição de finitude humana. A falibilidade humana e a
eventual morte são os grandes niveladores da vida. Assim como foi dito antes: “não há
bolsos nas mortalhas”.
Toda atividade humana envolve algum risco e este aumenta ou diminui quanto mais se
abraça e se envolve com o mundo e com a vida. A realidade é que a jornada da vida é
uma jornada de aprendizado e envolvimento como risco. A jornada pela aversão ao risco
é tanto desumanizante quanto negacionista da vida.
Este é o segundo livro de uma série que aborda o risco. O primeiro livro, “Risk Makes
Sense: Human Judgement and Risk”, retrata o mesmo personagem na capa, pulando
de um penhasco, mas com um ponto de aterrissagem visível. O primeiro livro fala da
tendência na sociedade ocidental moderna de aversão ao risco. A tendência de aversão
ao risco, controle do risco e eliminação do risco é um exercício fundamentalista que
defende o controle absoluto. Os movimentos “Zero Acidente” e “Todos os Acidentes são
Evitáveis” são semelhantes a uma apresentação tipo-culto dessa trajetória fundamentalista
na aversão do risco e no controle do risco. A mensagem do primeiro livro era “o medo do
risco é o medo do aprendizado”. O risco não está errado. O risco não garante uma falta
de segurança. A mensagem é não eliminar o risco, mas “arriscar-se de forma segura”.
A definição de risco contida na Norma AS/NZS 31000:2009 é “o efeito das incertezas
sobre os objetivos”. Para a fraternidade do zero, esta é uma definição insatisfatória. Deve
haver certeza. Deve existir controle absoluto. Para o fundamentalista, a falta de controle e
de certeza é capturada na imagem da capa. Para o fundamentalista, sem absoluta certeza,
qualquer salto na fé é um salto no desconhecido. Se a fé na ideologia do zero é retirada,
nada resta sobre o que se pode construir uma base segura.
Portanto, o salto no risco da capa captura o medo da incerteza para os defensores
da ideologia zero. Contudo, o argumento deste livro é que a ideologia do zero não é
necessariamente para a segurança e para a certeza do gerenciamento do risco. Há um
ponto de chegada. A ideologia zero apenas não consegue vê-lo.
Para a ideologia zero dano, há somente duas alternativas: o desejo por nenhum dano
ou o desejo pela lesão. Contudo, este livro argumenta que há mais do que a oposição
binária preto e branco, quando se trata de gerenciar o risco. De fato, o pensamento

xiv Por Amor ao Zero


fundamentalista ancorado no zero tem a sua própria trajetória psicológica e cultural que
conduz a sua defesa para uma posição de aversão absoluta ao risco e eliminação deste.

Sobre o Logotipo do Livro


Os três símbolos na capa e no rodapé deste livro servem para destacar os três elementos
chave para a compreensão do zero. O primeiro é o símbolo da certeza. Esse símbolo
está localizado na cabeça e retrata um cadeado e uma chave. Isso simboliza a forma que
o pensamento oposicional e binário tende a travar a mente para o aprendizado, para
a escuta e para o diálogo. Para a mente binária, há somente duas visões: a vida é uma
existência isto ou aquilo. Não há meio-termo. Para a mente presa no zero, há somente o
absoluto. Ou uma pessoa acredita no zero ou ela deseja o dano. A mente binária é uma
mente trancada em uma visão, e a chave, que é o aprendizado, repousa próxima, mas não
é acessada.
O segundo símbolo, do “ying yang”, representa a necessidade de balanço e o
problema dos extremismos. O foco aqui é a ausência de perfeccionismo, absolutos e
fundamentalismo. Se nós vamos dar sentido ao risco e ao aprendizado, nós precisamos
entender melhor como os seres humanos tomam decisões em situações de incerteza. A
negação da incerteza, da falibilidade e da humanidade é uma ilusão fundamentalista.
O terceiro símbolo representa o aprendizado por meio da comunidade. A ideologia do
zero e a sua trajetória de desumanização do outro são tanto anti-comunidade quanto
anti-aprendizado.

Para Entrar em Contato


Você pode contatar o Rob ou conhecer um pouco mais sobre a Human Dymensions em:
www.humandymensions.com
admin@humandymensions.com

: xv
Glossário
Arracional: não baseado ou governado pela razão. Nem racional nem irracional, mas
não-racional.
Arrogância: indica uma perda de contato com a realidade, o que resulta em extremo
excesso de confiança e complacência.
Atenção plena: desenvolvida por Karl E. Weick, indica a preocupação com a falha, a
relutância em simplificar as interpretações, a sensibilidade às operações, o compromisso
com a resiliência e a deferência para com a perícia. Uma definição completa de atenção
plena está no Capítulo 6 – Dando Sentido, Atenção Plena e Risco.
Dar Sentido: é prestar atenção à ambiguidade e à incerteza. Desenvolvido por Karl E.
Weick para representar as sete maneiras como “entendemos” a incerteza e a contradição.
Uma definição completa de dar sentido está no Capítulo 6 – Dando Sentido, Atenção
Plena e Risco.
Discernimento: usado para explicar a criação de sentido não-racional com um foco
particular no valor atribuído dado a uma atividade ou a uma escolha na criação de
sentido. Originalmente da tradição cristã, usado para explicar criação de sentido
espiritual. Usado neste livro para significar: percepção que vai além do físico e do
material na construção de sentido.
Discurso: desenvolvido por Michael Foucault. A transmissão de poder em sistemas
de pensamento compostos de ideias, atitudes, cursos de ação, crenças e práticas que
constroem sistematicamente os assuntos e os mundos sobre os quais se falam.
Dissonância cognitiva: teoria desenvolvida por Leon Festinger. Refere-se ao esforço
mental requerido para manter consistência à luz de evidência contrária. A dissonância
cognitiva aplica-se a situações que confrontam grupos com fortes convicções quando
confrontados com refutação inegável dessas convicções. A tomada de decisão que se
segue nega as evidências e confirma seu oposto. A dissonância cognitiva é mais observada
em grupos e cultos religiosos em que, apesar de todas as evidências, a crença é fortalecida.
Fundamentalismo: originalmente cunhado em referência a um movimento teológico
rígido nos EUA, em 1905, que defendia a interpretação literal da Bíblia. De maneira
mais geral, o fundamentalismo se refere à fé rígida como pensamentos e ações em preto
e branco sobre as questões. Além disso, o fundamentalismo indica uma mente fechada,
uma incapacidade de tolerar o debate e uma vigorosa energia dedicada à doutrinação e à
censura.
Heurística: refere-se a técnicas baseadas na experiência para resolução de problemas,
aprendizado e descobertas. São como atalhos mentais utilizados para acelerar o processo
de encontrar uma solução satisfatória, para a qual uma busca cansativa seria impraticável.
A heurística tende a ser microrregras internas.
Ideologia: significa uma visão de mundo e disposição em fé/crença. Uma ideologia deve
ser entendida como uma síntese de crenças dentro de uma cultura que (não obstante o
seu grau de consistência interna, o seu grau de comando de lealdade social, o grau de
compreensão social sofisticada de suas ramificações, nem sua adequação racional como

xvi Por Amor ao Zero


uma interpretação da realidade) define respostas para uma sociedade para problemas de
significado da realidade, e tende a comprometer tal sociedade com ações consoantes com
estes.
Inconsciente: processos da mente que não são imediatamente conhecidos ou informados
à mente consciente. O termo subconsciente também é usado indistintamente e denota
um estado “abaixo” do estado de consciência. O subconsciente está mais associado à
psicanálise.
Mentalidades: vêm da Escola dos Annales francesa e se refere à história de atitudes,
mentalidades e disposições. Denota a natureza psicossocial e cultural da história.
Oposição binária: é o sistema pelo qual, em linguagem ou pensamento, dois opostos
teóricos são estritamente definidos e se opõem um ao outro.
Pré-ativação: é um efeito de memória implícita que influencia a resposta. A pré-ativação
é recebida no subconsciente e transfere para a atuação no consciente.
Risco: a definição de risco da ISO 31000:2009 / ISO Guia 73:2002 é “efeito da
incerteza nos objetivos”.
Utilitarismo Benthemiano: Jeremy Bentham (1748 - 1832) foi um escritor inglês, além
de jurista, filósofo, reformador jurídico e social. Ele se tornou um dos principais teóricos
do assistencialismo e do utilitarismo. A filosofia do utilitarismo tem como axioma
fundamental a maior felicidade da maioria como a medida do certo e do errado.

: xvii
Sobre o que é este livro
Este livro visa contribuir com o debate sobre o valor do zero dano como um objetivo
e como uma ferramenta motivacional para estimular a propriedade do risco. A
popularidade cada vez maior do mantra de dano zero na mineração, na construção e
nas indústrias relacionadas se espalharam como uma epidemia nos últimos 20 anos.
Mas esse conceito é o tudo que afirma ser? Será que a adoção da linguagem do dano
zero foi mesmo bem pensada? O conceito de dano zero inspira e motiva a liderança, a
propriedade e as melhores práticas? O discurso do dano zero promove o resultado certo
ou há dinâmicas escondidas associadas à sua promoção? Qual a lógica do dano zero? A
ideologia do dano zero é ética ou mesmo útil? A mentalidade de oposição binária que
acompanha o zero está ajudando a levar as pessoas a pensar, aprender e dialogar sobre
risco? A linguagem do “zero” perpetua o adversarialismo? Será que o discurso do dano
zero estimula de forma contraintuitiva o oposto do que busca alcançar? Estes e muitos
outros questionamentos serão respondidos nas discussões deste livro.
Para onde quer que você olhe na indústria da mineração e da construção, você verá
a defesa do dano zero. O Governo do Estado de Queensland oferece um “Programa
de Liderança em Zero Dano no Trabalho” como parte da “estratégia de zero dano”
deles, com mais de 300 membros advindos de quase todas as empresas atuantes no
estado (http://www.deir.qld.gov.au/workplace/zeroharm/partners/index.htm). Você
pode encontrar empresas denominadas de Zero Dano e ofertas de emprego para a
vaga de “Gerente de Zero Dano”. Há anúncios de “serviços de auditoria em zero
dano”, “treinamentos em zero dano”, “diretores de zero dano” e “alvarás de zero dano”.
Enquanto você voa pela Austrália e caminha pelos saguões dos aeroportos, emblemas
de zero dano estão em todo lugar: camisetas, copos, garrafas e em qualquer bugiganga
imaginável de marketing. Contudo, não estão no marketing das companhias aéreas.
A linguagem do dano zero parece estar em todo lugar. As empresas dão “prêmios de
segurança por zero dano”, falam sobre “projetar o zero dano”, “em direção a zero dano” e
“pense zero dano”. Algumas até fazem um uso absurdo da linguagem, defendendo uma
linguagem sem sentido, como “além do zero dano”.
Portanto, ao escrever este livro, eu posso não estar ganhando um monte de amigos e
certamente estou remando contra a maré. Seria fácil endossar o status quo e dizer para
todo mundo o que eles querem ouvir. A linguagem da simplicidade soa tão atraente e é
certamente uma fonte de renda para consultorias de segurança ocupacional, segurança
patrimonial e gerenciamento de risco. Se você quiser oferecer treinamento na área de
risco ou você cumpre os requisitos e apoia o zero acidente ou você não faz negócio.
Todavia, isso seria contrário à evidência que mostra que o conceito e a linguagem do zero
estão longe de serem inofensivos ou motivacionais.
A maioria dos argumentos para o zero acidente é baseada num argumento de oposição
binária, tipo preto e branco, bem como na compreensão simplista do estabelecimento de
metas. O argumento é: não pode existir meta para danos que faça sentido, portanto, a
única meta só pode ser zero dano. Eu chamo isto de “argumento de oposição binária”.
A maioria dos argumentos contra o zero dano é baseada na incongruência do absolutismo
do zero com a limitação e com a imperfeição humana. Eu chamo esse argumento de

xviii Por Amor ao Zero


“argumento da incongruência”. A estratégia deste livro é estender e ir muito além do
argumento da incongruência. A linguagem do zero pode ser incongruente, mas o que é
pior é que ela “pré-ativa” um discurso e um pensamento que são anti-aprendizado e anti-
comunidade. Esta é a única preocupação discutida neste livro.
Este livro propõe que a linguagem e o conceito de zero dano agora assumiram a natureza
de uma ideologia. O livro procura adicionar ao debate do zero dano algumas discussões
novas baseadas na psicologia e na cultura do risco. O propósito deste livro é trazer à tona
novas preocupações sobre ideologia do zero dano, do discurso e da linguagem do zero
dano e seus efeitos na cultura organizacional e no modo que as pessoas entendem o risco.
Um dos argumentos deste livro é que a ideologia do zero dano assumiu a forma de
um fervor fundamentalista-religioso. Novos extremismos se desenvolveram no mundo
organizacional do “zero”. Uma vez que uma ideologia assume uma identidade tão
fundamentalista e tão extremista, é altamente improvável que qualquer argumento afete
essa crença. O autor não é ingênuo o suficiente para imaginar que o argumento deste
livro fará muita diferença no fervor semirreligioso e na convicção fundamentalista dos
apoiadores do zero. Na verdade, é um risco que mais argumentos, como os defendidos
neste livro, possam simplesmente endurecer o fervor religioso por meio da dinâmica da
dissonância cognitiva. No entanto, é um risco que deve ser assumido se o aprendizado é
o meu objetivo.
Apesar do risco de reforçar a ideologia do zero dano, é importante articular os
argumentos deste livro para aqueles que se sentem intimidados pela força ideológica dos
proponentes e dos fundamentalistas do zero dano. Contudo, nenhuma quantidade de
evidências sobre as fundações ou sobre a natureza de vários cultos e grupos religiosos
do passado tende a afetar a crença fundamentalista. Portanto, é improvável que alguma
coisa vá mudar na intensidade da intimidação feita pelo fundamentalismo do zero na
população geral da mineração e da indústria da construção.
Este livro busca mostrar que o conceito, o discurso e a ideologia do zero dano
enfraquecem a cultura de aprendizado nas organizações. Este livro discute questões
relacionadas a cultura, linguagem, motivação, estabelecimento de metas, oposição
binária, pré-ativação inconsciente, dissonância cognitiva dinâmica contraintuitiva e
levantamento de evidências sobre a credibilidade e a propriedade do zero dano.
Embora este livro se concentre principalmente em risco e segurança, é importante
perceber que qualquer discussão de zero se estende muito além desses interesses. À
medida que as questões de zero e risco são discutidas, é importante lembrar como outras
áreas do negócio, como qualidade, sustentabilidade, meio ambiente, gestão, liderança e
saúde também podem ser influenciadas por essa ideologia.

Questões-Chave
Este livro é guiado por uma série de questões-chave:
• Qual a fascinação pelo zero e por que a linguagem do zero é tão atraente?
• A linguagem do zero faz alguma diferença?

: xix
• O zero é um conceito neutro e inofensivo e realmente não importa?
• A linguagem do zero inspira e motiva as pessoas?
• É possível que a linguagem e o discurso do zero sejam traiçoeiros e perigosos?
• Se eu definir uma meta que é inalcançável ou percebida como inalcançável, eu
realmente acredito que as pessoas vão empreender todos os seus esforços e persegui-
la?
• Um atleta de salto em altura melhora ao definir a barra em primeiro lugar na altura
do recorde mundial ou definindo a barra a uma altura fora do alcance e, em seguida,
tentando repetidamente até que ele alcance um pequeno sucesso ao pular por cima
da barra e, depois, subindo um pouco mais gradativamente?
• Se eu não acredito em Deus, isso automaticamente significa que eu acredito no
demônio? De forma similar, se eu não apoio o zero dano, isso significa que eu apoio
o dano (a lesão)?
• Será que, na superfície das coisas, o mantra do zero é ingenuamente rotulado como
positivo, embora os subprodutos de tal discurso cultural possam ser negativos?
• Será que a linguagem do zero não está apenas preparando inconscientemente os
trabalhadores para o fracasso, mas também criando um discurso que afasta as pessoas
de forma contraintuitiva daquilo que elas desejam?
Essas questões serão abordadas durante a discussão deste livro.

Estrutura e Uso do Livro


Este livro é estruturado em três partes. Os três primeiros capítulos (Parte I) tratam
da fascinação e da lógica do zero e do zero dano. Os capítulos quatro a seis (Parte II)
tratam dos argumentos contra o zero dano. Os capítulos sete e oito (Parte III) trazem
alternativas para a ideologia zero dano.
Algumas fontes e livros são citados ao longo desta obra, mais para apontar um caminho
de aprofundamento do que para validação acadêmica. Uma lista completa de leitura está
sugerida no final deste livro para os que desejam mergulhar fundo no assunto.
O livro também pode ser usado como base para workshops e treinamentos de lideranças
e gerenciamento de risco. Ao final de cada capítulo, é possível encontrar perguntas para
que profissionais de segurança ocupacional ou segurança patrimonial possam conduzir
workshops ou mesmo usar como uma base para programas futuros de treinamentos
sobre cultura de segurança com o próprio Dr. Robert Long e sua equipe.
Rob Long

xx Por Amor ao Zero


PARTE 1
Por Amor ao Zero

: 1
2 Por Amor ao Zero
CAPÍTULO 1
A Atração pelo Zero

Mais do que medir o que nós valorizamos, nós tendemos a


valorizar o que a gente consegue medir.” Anon
1
Quando os absolutos na história são rejeitados, o absolutismo
da relatividade também é rejeitado.” Charles Beard

A Fascinação pelo Zero


Uma Universidade Batista na Filosofia Zero
Os meus primeiros dias na universidade, no início dos anos 1970, foram bem
confusos. Eu vim de uma forte formação cristã fundamentalista e fui rapidamente
exposto a toda uma gama de ideias psicológicas e filosóficas radicais as quais eu
não tinha encontrado antes. O mais memorável foi quando eu frequentei um
acampamento da Gestalt e voltava para casa me sentindo meio maluco. Até eu sair
para ensinar na minha primeira escola em Lucindale, no Sul da Austrália, eu achava
que estava no limite radical de tudo.
Na universidade, eu estudava inglês, história, filosofia e educação. Eu era um aluno
“vinculado”, ou seja, o governo pagava pela minha educação e, em troca, eu aceitaria
qualquer posto como professor País afora após eu me graduar. Era uma troca,
mensalidade paga por obrigações vinculadas por 4 anos. Se você não aceitasse o posto
após a graduação, você teria que pagar todas as taxas de volta para o Governo.
Durante a universidade fui confrontado com as ideias do existencialismo nos estudos
de Inglês e um mundo de outras ideias que desafiavam os próprios alicerces de muitas
coisas que eu pensava serem verdadeiras. Em Educação, estávamos estudando os
radicais “desescolares”, “livres-escolares” e “não-escolares”, como Illich e Paulo Freire.
Em História, estudávamos a ideia de que toda história é construída.
Naquela época, meu mundo estava repleto de protestos da Guerra do Vietnã,
dos protestos de Sunbury, de Moritorium, de movimentos pela paz, Dylan, Led
Zeppelin, John Lennon, The Doors, Frank Zappa, Black Sabbath, Deep Purple,
Bowie, Elton John, Hendrix, Cream e Van Morrison. Eu morei no Sul da Austrália

Capítulo 1: A Atração pelo Zero 3


sob o governo do Premier radical Don Dunstan e, após 1973, sob o governo de
Whitlam. O “Número 96” estava na televisão e havia muita conversa sobre amor
livre, rock and roll e drogas.
Como uma competição e um contraste ao movimento hippie e à contracultura do
início dos anos 1970, havia “O Movimento de Jesus”, identificado pela nova música
cristã e um foco não ortodoxo nos jovens. “Jesus Cristo Superstar” e “Godspell – A
Esperança” eram os grandes musicais. A música “Day by Day” do musical “Godspell
– A Esperança” era a número 1 das paradas da Austrália, dando disco de ouro para
Colleen Hewitt. O Movimento de Jesus também não era pouca coisa. Enquanto
estava na universidade, eu tocava violão numa banda de rock cristã que se apresentou
no Elder Park no meio da cidade de Adelaide para uma multidão que ultrapassou as
20 mil pessoas num Domingo de Ramos. Então, eu sentia o “empurra e puxa” das
influências radicais e conservadoras a cada passo. Era uma época confusa para mim,
no alto dos meus 20 anos.
Na universidade, eu era desafiado por toda a ideia do nada e do ser, o que é
conhecido academicamente como Ontologia (a Teoria do ser). A ideia do nada
e do vazio tem fascinado os filósofos e os estudantes de religião por séculos. Na
universidade, fui desafiado sobre o vazio, o nada e o zero através dos trabalhos de
Jean-Paul Sartre (O Ser e o Nada) e T.S. Elliot (A Terra Devastada e A Canção de
Amor de J. Alfred Prufrock) e no crescente interesse no setor universitário pelo
budismo.
O esvaziamento do ser no budismo, imaginado como o caminho para o final do
sofrimento, soava muito atraente para um mundo consumido pela Guerra do Vietnã,
a primeira guerra transmitida pela TV. O interesse por religião e filosofia tornou-se
mais intenso à medida que a votação para o alistamento nacional persistia nas mentes
de todo jovem australiano naquela época. Eu tinha amigos que foram “convocados”,
mas fui um dos sortudos que não foram. Eu aprendi através do budismo que o vazio
é onde toda a energia e todos os processos mentais são extraídos e dissolvidos. No
budismo, o nada está associado ao “vazio criativo”. No entanto, no Cristianismo e
em outras religiões, a ideia do nada e do vazio não era atraente. Para os cristãos, os
humanos não começam do nada, nem vão para nada.
Este foi o meu primeiro encontro com o zero projetado como um conceito positivo.

Por Amor ao Zero


Parece que o mundo está apaixonado pelo zero. Aonde quer que vamos, a palavra da
moda “zero” está lá. Nós o bebemos, nós o compramos, somos localizados por ele e
falamos sobre ele. Você pode fazer uma dieta zero, abraçar uma campanha de desperdício
zero, comprar uma motocicleta zero, e comer comida zero. Contudo, algumas indústrias
parecem estar mais apaixonadas pelo zero do que outras. Na mineração e na construção,
parece que o caso de amor com zero é mais intenso. Pegue um avião e ande pelo saguão
do aeroporto ou nas salas VIPs em Perth ou Brisbane e você verá a palavra “zero”
bordada ou em forma de brasões em muitas camisetas e jaquetas. Você verá metas
zero, em direção ao zero, zero como alvos, visões de zero, mantras acerca de zero e

4 Por Amor ao Zero


artefatos em paredes exaltando as virtudes do zero. O “Zero Dano” tornou-se o novo
mantra inquestionável e a nova ideologia da segurança nas indústrias da mineração e
da construção.
Existem departamentos governamentais que rotulam o seu trabalho como “zero” e
oferecem programas de liderança intitulados “zero danos no trabalho” (http://www.deir.
qld.gov.au/workplace/zeroharm/index.htm). Algumas organizações anunciam “Gerentes
de Zero Dano”. A rede de supermercados australiana Woolworths comanda uma
campanha nacional de “Destinação Zero”.
O Mitsubishi A6M Zero foi uma aeronave de combate de longo alcance operada
pelo Serviço Aéreo da Marinha Imperial Japonesa (IJNAS) de 1940 a 1945. A “Zero
Halliburton” é uma série de malas que supostamente seriam “mais leves do que o ar”
(http://www.zerohalliburton.jp/). A “Zero Engineering”, nos Estados Unidos, fabrica
motocicletas que são cópias da Harley Davidson e ostenta a “marcha zero” (http://
www.zeroengineeringeu.com/). O Instituto de Pesquisas em Energia de Melbourne
colocou metas para “zero emissões” até 2020. (http://beyondzeroemissions.org/zero-
carbon-australia-2020). O nome do site do Instituto é “Além da Emissão Zero”. O
“Comida Contemporânea Zero”, em Milão, oferece uma cozinha requintada (http://
www.zeromagenta.it/). A Dieta de Caloria Zero oferece perda de peso por meio do
jejum (http://www.michaelfinemd.com/10.html). A loja de música Zero oferece música
ilimitada além de um catálogo online (http://www.zero-inch.com/). Zero a Três é um
site para crianças na primeira infância (http://www.zerotothree.org/). A Mastercard gosta
de anunciar que eles têm responsabilidade zero (http://www.mastercard.com.au/zero-
liability.html) contra fraude e contra transações não autorizadas. Interessante que, no
site, a Mastercard afirma quais são as circunstâncias sob as quais você não está protegido.
Então você percebe que “responsabilidade zero” não significa realmente “responsabilidade
zero”. A música eletrônica da banda israelense Zero Cult (http://www.zerocult.net/) é
surpreendente de ouvir, e o seu melhor álbum foi apropriadamente lançado com o nome
de “Separação do Mundo”.
A última vez que eu estive na cidade de Adelaide, vi uma loja chamada Zero (Figura 1),
onde eu não esperava ver nada dentro, mas, ao contrário, estava cheia de mercadorias.
O “Ponto Zero” em Perth está localizado na Agência Central dos Correios, e indica um
ponto de partida, não um final. Nós estamos tão acostumados com a linguagem do zero
que raramente nos perguntamos como essa linguagem pré-ativa o nosso pensamento.
Você já teve aquela velha discussão com alguém sobre a data de nascimento ou sobre
o início do século? Quando você começa a contar para frente, você não começa com
zero, mas sim com um, dois, três; mas, ainda assim, quando nós contamos voltando,
nós terminamos no zero. A primeira hora do dia começa em zero segundos após a meia-
noite e a segunda hora começa a uma da manhã. Embora nós contemos com numerais
ordinais, marcamos nosso pensamento sobre o tempo nos cardinais. Recentemente,
muitas pessoas pelo mundo comemoraram o novo milênio em 1º de janeiro de 2000.
Claro que elas comemoraram a passagem de apenas 1999 anos, já que, quando o
calendário foi estabelecido, não existia ano zero. Embora se possa perdoar o erro original,
é um pouco surpreendente que a maioria das pessoas parecesse incapaz de entender por
que o terceiro milênio e o século 21 começam em 1º de janeiro de 2001.

Capítulo 1: A Atração pelo Zero 5


É claro que não há nenhum zero, não há o nada, não existe o vazio. A lata de zero que
você bebe ainda tem açúcar dentro, além de um monte de carcinogênicos. A empresa
BP, que se gabava de “zero dano”, em 2010 matou 11 pessoas, feriu outras 17 e causou
o maior vazamento marinho de petróleo da história (o desastre da Deepwater Horizon
liberou 4,9 milhões de barris de petróleo cru no Golfo do México, envenenando as suas
águas por infindáveis anos). Você pode ir ao Marco Zero em Nova Iorque após o 11 de
Setembro e ainda haverá algo lá.
Foi o Rei Lear, de Shakespeare, que disse para a sua filha Cordélia: “nada virá do nada”
(Rei Lear, ato 1.1 e ato 1.4). O quebra-cabeça da não existência sempre foi problemático
para a humanidade. O zero está por trás de todos os grandes problemas da física. A
densidade infinita do buraco negro é uma divisão por zero. O Big Bang é a criação
de algo a partir do vazio do zero. A energia infinita do vácuo é uma divisão por zero.
Stephen Hawking disse em relação ao zero: “se nós encontrarmos a resposta para isto,
será o triunfo final da razão humana, pois conheceríamos a mente de Deus”.

Figura 1. Loja Zero em Glenelg, Figura 2. “Ponto Zero” na


no Sul da Austrália. Agência Central dos Correios.

6 Por Amor ao Zero


O Zero é também um mangá no videogame Mega Man Zero. O Zero é um aplicativo
do iPhone que ajuda com lembretes e anotações (http://www.getzeroapp.com/). A Event
Zero é uma empresa de softwares que foca em sustentabilidade (http://www.eventzero.
com/global/). A Gravity-Zero é uma loja de bicicletas de fibra de carbono (http://www.
gravity-zero.com.au/).
Triplo Zero é tanto o número de serviços de emergência na Austrália quanto o nome
de um jogo correlato existente na internet chamado “The Triple Zero Kid’s Challenge”
(Desafio Triplo Zero para Crianças). O número de emergência 000 tem se tornado um
problema na Austrália, já que muitos jovens, influenciados pela TV americana, acreditam
que o número de emergência é 911. Portanto, o Governo Australiano bancou a criação
de um site e um jogo para promover o número 000. O site traz desenhos animados e
jogos que ensinam a lidar com emergências e sobre a importância do 000.

Figura 3. The Triple Zero Kid’s Challenge (Desafio Triplo Zero para
Crianças)

Zero é o título de uma curta animação tipo stop motion (http://www.zeroshortfilm.com/)


que oferece uma filosofia de vida e morte. O filme é sobre um jovem chamado Zero. A
questão central do filme é: como pode alguma coisa ser nada?
Se alguém entrar com a palavra “zero” no Google, vai encontrar 101 milhões de
resultados. Há tantos significados para a palavra zero quanto há produtos para vender e
há muitos exemplos de como a palavra ficou sem sentido: é apenas uma marca popular.
Ninguém está vendendo o nada, nada é vazio, todo produto tem substância e muitos
exemplos de uso da palavra não fazem sentido.

Capítulo 1: A Atração pelo Zero 7


A História do Zero
O conceito e a linguagem do zero possuem uma história interessante. Para os antigos,
a ideia do zero, o vazio primitivo, era estranha e assustadora. Pesquisas no campo da
evolução da matemática mostrariam que alguns do sistemas de contagem mais antigos
não possuíam zero. É impressionante imaginar que os egípcios construíram as pirâmides
sem um zero em seu sistema numérico. Foi somente com os babilônios, em 300 a.C.,
que um espaço foi criado para representar um espaço vazio. Portanto, o zero se iniciou
como um marcador e não foi pensado em nada mais do que isso. Era somente um
símbolo para um espaço vazio no ábaco. Seife (2000, p. 15) comenta:
O zero em uma sequência de dígitos obtém seu significado de algum outro dígito à
sua esquerda. Sozinho... não significa nada! O zero era um dígito, não um número.
Ele não tinha valor algum.
É difícil de imaginar hoje que as pessoas pudessem temer o zero. Contudo, os romanos
e os gregos o temiam. O medo do zero ia muito além do medo do vazio e do caos. As
propriedades do zero eram inexplicáveis e misteriosas. Acrescente um número a ele
mesmo e ele muda, mas acrescente zero a ele mesmo e nada muda. Isto viola o axioma
fundamental de Arquimedes. O zero não faz nada maior se você o acrescentar a um
número e, o que é mais misterioso ainda, se você multiplicar um número existente por
zero, ele o leva de volta a zero. Na mente dos gregos, a ideia do zero destruía a lógica de
uma ordem dos números. Os gregos viam que se você multiplicava ou dividia por zero,
você destruía toda a base da lógica e da matemática. Os gregos compreenderam que o
conceito de zero era mais do que somente um número. Era uma filosofia que ameaçava a
lógica do pensamento ocidental estabelecido por Pitágoras, Aristóteles e Ptolomeu.
A ideia do “vazio” é também central para a religião e para a teologia e era o motivo pelo
qual o zero era problemático. Nas religiões Cristã e Muçulmana, acredita-se que Deus
criou o universo do nada, uma doutrina que rejeita o ódio de Aristóteles pelo vazio. Foi
no oriente, nos sistemas numéricos indianos e arábicos, que o zero facilmente encontrou
um lar. Mas foi somente no Renascimento que o ocidente começou a acolher a ideia e a
filosofia do zero. Foi finalmente por meio do comércio com o Oriente que o zero entrou
firme no sistema numérico e no pensamento ocidental. Foi uma batalha entre a velha
filosofia aristotélica e os pensadores como Galileu e Copérnico.
O desenvolvimento do cálculo por Isaac Newton deu origem a um novo pensamento
sobre o zero. O cálculo operava com um novo conjunto de leis que pareciam ilógicas,
mas funcionavam. Isto é, eles provaram ser verdadeiras nas próprias suposições do
cálculo. Todavia, foi somente após a Revolução Francesa que os matemáticos iriam
estabelecer que o zero e o infinito eram dois lados da mesma moeda. Eles eram tanto
iguais quanto opostos, como Yin e Yang. O infinito e o zero são essenciais para a
matemática.
Foi somente com o Lorde Kelvin, em 1848, que os físicos postularam a ideia de que o
vazio não acontecia no zero. Kelvin colocou a seguinte questão: qual é o ponto onde
todo gás deixa de existir e ocupa um espaço negativo? Qual é o ponto onde todos os
átomos deixam de se mover e não há mais energia? Kelvin descobriu a ideia do zero
absoluto: o estado no qual um recipiente de gás tem toda a sua energia drenada. O zero

8 Por Amor ao Zero


absoluto foi definido por Kelvin como sendo o valor -273,15°C, a temperatura teórica
na qual a entropia atinge o seu valor mínimo. De acordo com as leis da termodinâmica,
o zero absoluto é uma meta inatingível. O zero absoluto não pode ser atingido utilizando
meios termodinâmicos, porque um sistema de zero absoluto ainda possui energia
do ponto zero da mecânica quântica, ou seja, a energia do seu estado fundamental.
A energia cinética do estado fundamental não pode ser retirada.
O conceito do zero, como o do infinito, é um absoluto. No absoluto não há movimento,
não há flexibilidade, nem há vida. Na ciência, pelo menos até agora, nós temos sido
incapazes de demonstrar que o nada é possível.
Nos absolutos somente existe a infalibilidade, a perfeição e a rigidez. É importante
lembrar que as ideologias também assumem trajetória e “vida” próprias. Nem as
propriedades nem as trajetórias dos absolutos conhecem algum compromisso. Uma
ideologia de zero dano não pode pensar na validade de ideias fora de si mesma. Pela
própria natureza, ela é oposicionista e contraditória. O zero é um extremo. Robinson
(2011) chama a inabilidade de considerar opções fora da sua própria visão de mundo
de “lógica tóxica”. A lógica tóxica é um dos identificadores claros de fundamentalismo e
doutrinação.

O Significado do Zero
Nós já vimos que o nome “zero” pode ser colocado em quase tudo. No entanto, qualquer
aplicação da palavra “zero” a qualquer coisa que seja deste mundo nunca faz sentido.
Pense na ideia do objetivo de zero emissões. O processo de ser humano consome energia
e produz desperdício.

Três Anos de Idade e o Cocô


Minha neta, como muitas outras crianças de três anos, compreende a diversão e o
fascínio do cocô. Os fundamentos do treinamento esfincteriano, embora angustiantes
para os pais, são uma diversão na linguagem das crianças. Ver o resultado de chamar
alguém de “cocô” é como crianças de três anos aprendem sobre insultos, diversão e
associação.
O próprio processo de viver é a observação das coisas em declínio. As coisas diminuem e
se deterioram. Até o universo está se expandindo de forma surpreendente.
A palavra zero vem do árabe e significa “nada” ou “vazio”.
Para melhor compreender o zero, nós podemos realizar o experimento sugerido por
Charles Siefe. Imagine uma tira de elástico como a reta numérica. Quando você
multiplica, você estica a tira. Quando você divide, você relaxa a tira. Isto é o que
acontece com divisões e multiplicações comuns, com números outros que não o zero.
Contudo, acontece algo bizarro quando você opera com o zero. Quando você multiplica
por zero, a tira estica tanto que estoura. E nada resta, como se o zero sugasse o número
para dentro de si mesmo. De modo similar, quando você divide por zero, a tira se
contrai tanto que ela implode. Não resta nada dela. Estas são as propriedades do zero.
Essas operações representam o fim da lógica como a gente a conhece. Qualquer equação

Capítulo 1: A Atração pelo Zero 9


do mundo pode ser provada, multiplicando ambos os lados por zero. Em qual visão
filosófica de mundo isso faria sentido? O zero e o infinito são a mesma coisa.
O grupo SISK (http://www.siskgroup.com/about-us/zero-philosophy), em seu site,
informa que eles têm uma “filosofia zero”. Os links na página dizem “conte-me mais”:
• Zero incidentes;
• Zero lesões;
• Zero defeitos;
• Zero problemas;
• Zero atrasos;
• Zero surpresas.
Que tipo de mundo tem zero surpresas? Em que tipo de mundo você iria querer zero
surpresas? Como pode uma pessoa ser humana e ter zero atrasos? Que seres humanos
vivem uma vida sem sobressaltos, defeitos ou solavancos? Este é o tipo de trajetória que a
filosofia do zero leva. Uma jornada para o nada é uma jornada sem sentido. Na página da
web “sobre nós”, esse grupo explica que um dos seus valores é a “evolução”. É estranho,
pois o conceito de evolução pressupõe risco, falibilidade, variação, incompletude e
desenvolvimentismo. Todos estes são opostos à filosofia do zero. O resultado lógico da
ideologia do zero é o compromisso com uma “lógica torturada”, com uma ginástica
linguística que reconstrói o significado de modo que o zero não significa zero. Essa lógica
desafia tudo que tem sido aprendido nos estudos de semiologia (o estudo das funções
dos signos, sinais e dos símbolos na comunicação humana, tanto na linguagem como nos
meios não-linguísticos).
O Culto do Zero (http://thecultofzero.com/) é um movimento religioso que tem a sua
fundação em antigas ideias religiosas indianas que defendiam que Deus é zero. Isto,
porque zero também é infinito. No site diz:
“A própria natureza do culto do zero é que ele foge e parece não existir de fato. Em
outras palavras... Deus é zero e a existência é um. Unidade com zero...”
O Culto ao Zero é também uma banda de heavy metal instrumental de Brisbane (http://
www.cultofzeroband.com/cozMusic.html).

Discussão
Nós estamos sendo bombardeados com a palavra “zero” agora mais do que estávamos no
passado. Uma busca pelos arquivos de um jornal diário tipo o Sydney Morning Herald
mostra que o uso da palavra “zero” na cultura popular está crescendo. De forma similar,
a palavra “risco” também tem aumentado, como demonstrado por Lupton (1999, p. 10).
A saciedade semântica (também conhecida por saturação semântica) é um fenômeno
psicológico no qual a repetição faz com que uma palavra ou frase perca sentido para o
ouvinte. Uma breve excursão pela abertura deste capítulo sobre o significado e o uso da
palavra zero mostrou quão amplamente a palavra zero está sendo utilizada na cultura
popular.

10 Por Amor ao Zero


De tantas formas nós temos sido tão bombardeados com “zero”, juntamente com suas
adaptações e combinações, que a sua definição virtualmente perdeu o significado. Este
é certamente o caso do uso de expressões como “zero dano”, “zero lesão” e “tolerância
zero”. Muitas organizações que utilizam essas expressões frequentemente qualificam o
significado da palavra “zero” não para significar “nada” ou, no caso de “tolerância zero”,
significar “intolerância limitada ou seletiva”. Geralmente, empresas imersas na ideologia
e na retórica do zero continuam a falar sobre “jornada” do zero ou “em direção ao” zero.
Algumas utilizam expressões como “além do zero” e entram de cabeça no absurdo e na
confusão do jogo de palavras. O que é mais impressionante é que as pessoas compram
esse marketing de palavras como se essas expressões fizessem sentido.
A tolerância zero tem se tornado um mantra popular entre políticos buscando apelar
para uma maioria simplista que busca respostas fáceis. Como mantras do tipo “mandem
os barcos de volta”, a tolerância zero não funciona, uma vez que entramos na estrutura
lógica e racional do sistema judicial.
A palavra “zero” parece que tem se tornado mais um símbolo cultural ou um termo de
aceitação do que uma palavra que realmente significa “nada”. O seu uso assumiu um
significado quase religioso. Se alguém aceita a palavra zero, redefine-a para que signifique
o que deseja, mas sem desafiar o uso absoluto da palavra, então este é aceito no grupo
que usa a palavra “zero” e tudo fica bem. Em outras palavras, a palavra “zero” se tornou
o código para fazer parte do grupo, principalmente nas indústrias da mineração e
da construção.
Na maioria dos casos, a palavra “zero” não é utilizada para significar “nada”. Para usar
uma terminologia religiosa, ela se tornou o “xibolete”: uma palavra cuja pronúncia
identifica aquele que fala como sendo membro ou não de um grupo em particular.
Os xiboletes são uma parte essencial na escolha de membros de uma organização
fundamentalista. Pode-se aprender sobre o compromisso religioso com o zero em uma
empresa no momento em que alguém decide debatê-lo ou questioná-lo.

Conformidade com a Linguagem Cultural


Eu fui criado em um lar evangélico fundamentalista até que saí de casa e fui lecionar.
Durante vinte anos eu aprendi muitos xiboletes necessários para pertencer a uma
igreja fundamentalista. Mais tarde, nos anos 90, eu utilizei esse conhecimento para
conduzir a minha pesquisa de PhD sobre fundamentalismo. Não é difícil mudar para
o modo fundamentalista. Apenas observe um pregador médio na TV aos domingos.
Observe a linguagem, as ações, os maneirismos e aprenda as palavras-chave e a
expressões utilizadas para ancorar e decodificar lealdade e aceitação pelos outros.
Eu conheço muitas pessoas nas “organizações zero dano” que fazem exatamente o
mesmo. De fato, muitas pessoas nas organizações zero dano não acreditam nesse
mantra, mas rapidamente aprendem a linguagem requerida para manter os seus
empregos.
Em um capítulo posterior eu vou discutir as pesquisas que dão suporte ao meu
argumento de que a maioria das pessoas nas organizações não acreditam no zero dano.
Ao final, isso é fácil de se fazer, principalmente quando a palavra zero é deixada tão

Capítulo 1: A Atração pelo Zero 11


sem sentido pelos seus vários proponentes. Isso não é diferente dos muitos grupos
fundamentalistas que afirmam a linguagem do discurso fundamentalista, mas mantêm
os seus próprios sistemas de valores e crenças que estão em desacordo com a moralidade
prevalecente e o extremismo moral do grupo ao qual eles pertencem.

Questionamentos
1. Você consegue pensar em maneiras de que a palavra “zero” é usada na cultura popular
que não foram apresentadas aqui?
2. Faça um balanço de como o zero está sendo usado em sua organização.
3. Se a palavra “zero” é usada em sua organização, em que contexto ela é usada e quais
palavras são usadas com ela?
4. De que forma a palavra “zero” significa algo diferente de nada?
5. Faça uma busca por palavras em seu jornal local e veja como o uso da palavra “zero”
aumentou em sua comunidade.

Transição
Então, quais são o argumento básico e a lógica do discurso do zero? Como é usado
nas organizações para teoricamente inspirar e motivar as pessoas? Por que as pessoas
na gestão ficam tão atraídas por uma posição tão utópica, tão perfeccionista e tão
ideológica? Essas questões serão abordadas no capítulo seguinte.

12 Por Amor ao Zero


CAPÍTULO 2
A Lógica do Zero
2
“Saber que não poderíamos atingir o zero é mais motivacional do
que a ilusão de que poderíamos!” Corrie Pitzer, CEO, Safemap
“É assim que o mundo acaba, não com um estrondo, mas com um
gemido.” T. S. Elliot (The Hollow Men)

O Argumento do “Zero Dano”


“O conceito de “Zero Dano” está agora consolidado na identidade de muitas empresas
de mineração e construção. Na maioria das circunstâncias, o conceito de “Zero Dano”
tornou-se inquestionável (e não deve ser debatido). Muitas pessoas me escrevem e
conversam, afirmando que não é permitido (em suas empresas) contestar, desafiar ou
dizer qualquer coisa negativa sobre o Zero Dano. Esse clima é evidência de medo.
O silêncio forçado, o medo do debate e a doutrinação cega são os fundamentos
do fundamentalismo. A dinâmica do silêncio forçado e da intolerância como uma
característica do fundamentalismo será discutida no Capítulo 6. Neste capítulo, a
discussão é focada na lógica e nas proposições do argumento do Zero Dano.
Um dos melhores lugares para observar o debate sobre Zero Dano é nas páginas de
mídia social do LinkedIn. As citações a seguir representam o pensamento conceitual e os
argumentos populares sobre Zero Dano, como extraídos da mídia do LinkedIn. (Como
essas citações vêm das redes sociais, nenhuma atribuição à fonte vai ser aplicada.)
Os comentários do autor seguem cada citação em itálico, para indicar a afirmação e a
posição de cada citação.

Citação 1
As pessoas são treinadas para atingir a meta que foi estabelecida – portanto, atingirão
qualquer número, se esse número não é zero. Qualquer meta diferente de zero significa
que você tem uma política da empresa para atingir ALGUM dano – claramente
inaceitável e possivelmente negligente.
A linguagem das metas é comum à posição de “Zero Dano” e essa citação é bastante
típica. Note a lógica binária oposta de afirmar que qualquer outra meta diferente de zero

Capítulo 2: A Lógica do Zero 13


significa negligenciar e presumir uma política de aceitar um dano. A ideia de definir uma
meta que seja extrema e absoluta não preocupa esse argumento.

Citação 2
Alguém já trabalhou ou foi um contratante trabalhando ao lado de XXXX ou YYYY e
questionou sua filosofia zero? Esteja preparado para uma bronca e mantenha sua cabeça
baixa se você fizer isso!
Esta citação é típica de muitos que me dizem que o medo e o fundamentalismo são
normalizados na organização e seu compromisso com a ideologia do “Zero Dano”.

Citação 3
“Acidente Zero” é uma filosofia e um motivador para a melhoria contínua com base
em prevenção de acidentes. Se alguém mede e relata os acidentes, por exemplo:
trimestralmente para a gestão, então é esperada uma melhor realização no próximo
trimestre e assim por diante, ou seja, uma meta móvel em direção a zero acidentes.
Aqui vemos a redefinição e o ajuste de zero para não significar zero, uma abordagem de
quase Zero Dano que os propoentes adotam. Isso é comum com muitos mantras sobre
a linguagem “pense zero” ou “em direção a zero”. O foco em um cálculo torna essas
organizações “calculistas” na maneira como veem o risco, a tendência em supor que
a medição de incidentes é uma medida cultural. A ideia de medir os Acidentes Com
Afastamento como uma medida de cultura é como medir a eficácia dos pais pelo número
de “palmadas” distribuídas aos filhos.

Citação 4
Filosoficamente, você está se escondendo do nada só por desacreditar desses objetivos de
Zero Dano. É melhor sentar e perceber que é um objetivo, nada mais. É a declaração de
um estado desejado de romance. Da mesma forma, “todos os acidentes são evitáveis” é
uma declaração de motivação. Todos nós reconhecemos que, social e economicamente,
é atualmente impossível de alcançar. No entanto, o valor da declaração é que provoca
o pensamento e a ação em relação a mudanças de políticas, processos, procedimentos
e comportamentos que TÊM uma influência positiva na redução do risco. Esqueça as
estatísticas, é uma filosofia e esse é o seu valor. Trate-o dessa forma, e é uma declaração útil.
Aqui temos a declaração típica de que Zero Dano é um objetivo, “nada mais”. Então,
a afirmação de que “todos os acidentes são evitáveis” é uma “declaração de motivação”.
A afirmação de que tal linguagem é motivacional nunca é apoiada ou explicada por
quem propõe o Zero Dano. Ainda não foi demonstrado como tal objetivo ou linguagem é
motivacional, especialmente porque a citação admite que tais objetivos são inatingíveis.
É a linguagem da dissonância cognitiva – como algo que é inatingível pode ser
motivacional? Essa “lógica torturada” torna o argumento ao zero sem sentido. Depois, a
citação afirma que essa linguagem é de alguma forma positiva e influencia a redução do
risco. Finalmente, a declaração de que o Zero Dano é uma filosofia.

14 Por Amor ao Zero


Citação 5
Ainda assim, como uma atitude, acho que a ideia de que todos os acidentes são evitáveis ​​
dá às pessoas a mentalidade certa. Passei muitos anos investigando acidentes (quase
acidentes, amputações e mortes) e a parte triste é que todos eles poderiam ter sido
evitados. Portanto, deve haver tolerância zero quando isso se trata de uma morte no local
de trabalho.
A afirmação de que Zero Dano fornece a mentalidade certa é comum a quem propõe o
Zero Dano, no entanto, a mentalidade raramente é definida. Em essência, tais declarações
são mais afirmações sobre a afiliação a um clube de pessoas afins.

Citação 6
Como profissionais de segurança, todos nós respeitamos a vida humana e todos
queremos ver zero lesões – pelo menos eu quero. Ao ser contra o conceito de zero, não
estou defendendo que NINGUÉM se machuque ou aceitando que alguém seja ferido.
Mais uma vez, o pensamento de oposição binária atrai essa visão para o discurso, quem
não defender o zero está em defesa das lesões.

Citação 7
Se admitirmos que o acidente zero é impossível, portanto, temerário de se buscar, somos
forçados para uma posição em que temos que identificar um nível aceitável de efeitos
colaterais. Temos que ter uma meta de fatalidade aceitável. Quantas pessoas vamos matar
este ano? Claro, é um absurdo tomar essa posição.
A afirmação de que o silêncio sobre Zero Dano é uma posição temerária é típica de uma
disposição de oposição binária. A disposição de oposição binária “força” a aceitação de
uma meta de fatalidade. Observe a questão de falácia lógica no final.

Citação 8
Estou interessado em saber que há uma linha muito acadêmica neste debate. Simplifico
a meta de Zero Dano ao meu pessoal na execução dos trabalhos: É SEU DEVER
CUIDAR DE VOCÊ E DO OUTRO. SE VOCÊ VIR UM PERIGO, CORRIJA-O
E/OU RELATE-O. OS GERENTES DEVEM CORRIGIR OS PERIGOS. Simples.
Com TODA a equipe TRABALHANDO como uma EQUIPE não há necessidade
de medições acadêmicas de KRI, KPI, KWH e assim por diante. Faça o trabalho com
segurança, esteja ciente dos perigos e elimine-os/torne-os seguros. Ponha os pés no chão
novamente.
A reinterpretação de Zero Dano para não significar zero abunda em organizações com
Zero Dano. Essa citação acima tenta desacreditar uma visão de dano diferente de zero
como excessivamente acadêmica e, portanto, impraticável. A afirmação de que a posição
de Zero Dano é simples é vista como atraente, apesar da realidade de que a natureza
do risco e as organizações estão cada vez mais complexas. A redução do risco e da
complexidade dos sistemas para a afirmação de que o risco é simples e prático é típico do
discurso ingênuo de Zero Dano.

Capítulo 2: A Lógica do Zero 15


Citação 9
Zero Dano é um grande objetivo, se implementado corretamente. Infelizmente, é o
mantra de muitas empresas sem muita substância por trás disso. Então, como várias
pessoas comentaram anteriormente, isso pode reduzir o número de relatórios, o que
fornecerá bons números, mas ainda estamos ferindo as pessoas.
Desculpe, mas acho que você tem um longo caminho a percorrer. Eu acredito que você
deve ter apenas uma meta de zero fatalidades e isso é alcançável com a estrutura de gestão
certa e garantindo que a segurança está no mesmo nível que a produção e a qualidade.
Com os sistemas, políticas, procedimentos, instruções de trabalho, avaliações de riscos
adequadas e total comprometimento com a melhoria contínua. Os dias de acidentes
fatais, em qualquer negócio que eu acredito, deveriam estar realmente encerrados.
Qualquer um que acredite que pode calcular o preço de uma fatalidade em uma
organização deve ser demitido imediatamente, sem desculpa. As ferramentas estão lá
para chegar a zero, tais como uma cultura de segurança do local, segurança baseada em
comportamento, sistemas de gestão de avaliações de risco (OHSAS 18001) ETC ETC ...
BOA SORTE
Um dos mecanismos da dissonância cognitiva é explicar o fracasso devido a circunstâncias
extenuantes como tempo, compromisso e implementação. Essa afirmação é típica de
uma visão condicional. A abordagem condicional é semelhante ao membro de uma
seita fundamentalista que explica por que Jesus não apareceu nas nuvens. Falta de
compromisso, implementação correta ou fé suficiente são os motivos pelos quais o objetivo
não foi alcançado. O argumento afirma que, se implementado corretamente, nenhum
dano poderia ser alcançado. Isso é uma maneira conveniente de gerenciar as contradições
do fracasso no resultado final.

Citação 10
Não devemos ver o Zero Dano como meta, mas como uma filosofia, o Nirvana, o Céu
ou o que quer que seja. É um belo lugar para se estar. É alcançável se acreditarmos e
devemos nos esforçar todos os dias para conseguir chegar lá. As metas estabelecidas para
nos guiar, nesse longo caminho, é que praticamente devem estar nos levando em direção
a esse destino, num passo de cada vez e, uma vez que alcançamos, acionamos essa força
que nos mantém em pé. Desse jeito podemos rastrear a jornada e compreender nossos
sucessos e fracassos.
A conexão da aspiração absoluta de zero à transcendência religiosa é aparente aqui. A
natureza de carga emocional dessa citação, com linguagem quase religiosa de crença,
empenho e destino é evidente.

Discussão
A abordagem comum na linguagem sobre Zero Dano é que ele é visto como um
objetivo, uma mentalidade, uma meta, um desejo, uma aspiração, um compromisso
e uma visão. Enquanto as ideias de metas e objetivos são discutidas, há pouca reflexão
sobre o discurso e a linguagem utilizada. Uma meta é entendida como um nível
mensurável de desempenho a ser alcançado em um tempo especificado. A maior parte da

16 Por Amor ao Zero


literatura sobre a definição e o alcance de metas enfatiza a importância de tornar a meta
realista ou “fundamentada na realidade”.
Embora algumas definições de metas possam usar o termo “metas ampliadas”, não há
suporte na literatura sobre a definição de metas e objetivos que apoiam a ideia de metas
perfeccionistas ou absolutas como motivacionais ou atingíveis.
Para aqueles que estão preocupados com a natureza absolutista e a linguagem do zero,
muitas vezes há modificações, como “pense Zero Dano”, “em direção a Zero Dano”,
“esforço para Zero Dano” ou “medidas em direção ao Zero Dano”.
Algumas empresas simplesmente colocam tudo na mesa: Zero Dano significa “Zero
Dano, dano ambiental zero e Zero Dano ao equipamento” (BIS Industries http://
www.bislimited.com/forms/sd_zeroharm.aspx acessado em 13 de julho de 2012). A
psicologia de estabelecer metas que são perfeccionistas e inatingíveis será discutida mais
detalhadamente no Capítulo 5.
Algumas empresas descrevem o Zero Dano como uma “plataforma na qual fazemos
negócios”. Há programas de treinamento em “Zero Dano”, agências e grupos de
consultoria que até mesmo prescrevem um “código de prática de Zero Dano”. As
empresas têm “cartas de Zero Dano”, “clubes de Zero Dano” e “políticas de Zero Dano”.
Existem incontáveis ofertas na Internet de “recursos grátis para Zero Dano” e programas
de “treinamento para o Zero Dano”. Parece que se você rotular algo como “Zero Dano”,
será aceito na corrente principal de segurança e risco como bons e transformacionais.
Quanto a descrever Zero Dano como “o Nirvana” ou “Céu” (citação 10), isso é, na
verdade, uma forte conexão com a natureza religiosa dessa posição ideológica. Deve-
se notar que a única maneira de alcançar o Nirvana ou o Céu é deixando esta vida
terrena. A ideia de que o zero é alcançável pela fé é o mesmo argumento apresentado
por curandeiros e cristãos pentecostais. Há pouca diferença entre organizações que
usam linguagem de marketing que “garante” o Zero Acidente e fé em curandeiros que
garantem curas milagrosas. Ambos são trazidos de volta à realidade pela falibilidade que
está no ser humano.
Embora existam alguns críticos de Zero Dano, eles são poucos. Discordar do mantra do
zero é como suicídio aos negócios para qualquer consultor ambicioso. Criticar o conceito
de zero muitas vezes resulta no ridículo, no silêncio, na dispensa ou no ostracismo.
Sou constantemente bombardeado por e-mails de profissionais de segurança que são
vitimados e silenciados por organizações que não tolerarão qualquer desafio para esse
mantra absolutista e perfeccionista.

Tendências em Cultura e Marketing de “Zero


Dano”
Tendências recentes no marketing do “Zero Dano” indicam que a frase “Zero Dano”
começou a ser substituída pelas palavras “segurança” e “risco”. Portanto, a extensão da
conversão ideológica realmente levou para a redefinição do significado dessas palavras.
Que desenvolvimento extraordinário! Isso é de fato como as ideologias funcionam; a
trajetória do zero deve remodelar e redefinir uma nova realidade e, consequentemente,

Capítulo 2: A Lógica do Zero 17


deve ter uma nova linguagem para se identificar. O seguinte anúncio de emprego
(Figura 4) exemplifica essa mudança de significado e o processo de redefinição. Fazer
contorcionismo, torturar a lógica e reestruturar-se no passado têm sido mais o domínio
de organizações políticas e religiosas, mas esperem! Entram em cena agora a mineração e
a construção na geração de um novo discurso cultural sobre o risco.
Uma análise simples desse anúncio (facilmente localizado em seek.com.au) mostrará
que a palavra “segurança” é usada apenas uma vez e apenas no contexto de auditoria.
A palavra “risco” não aparece em nenhuma parte do anúncio. O que aconteceu é que
o termo “Zero Dano” agora foi substituído e equacionado com as ideias de risco e
segurança. Se for bem-sucedido, o novo assessor não será um assessor de segurança, mas
um consultor em “Zero Dano”, administrando “políticas de Zero Dano”, “planos de
Zero Dano” e implementando “iniciativas de Zero Dano”. Reunir-se com uma “equipe
de Zero Dano” e realizar “planejamento estratégico de Zero Dano”. Presumivelmente, o
candidato terá um diploma em Zero Dano! Isso é talvez um bacharelado?
Quanto tempo levará para que as pessoas nessa organização não usem capacetes de
“segurança”, mas usem os capacetes de “Zero Dano”? Eles farão avaliações de risco
ou “avaliações de Zero Dano”? Eu me pergunto se eles têm comitês de segurança
ou “comitês de Zero Dano”. Além disso, eles teriam “auditorias de Zero Dano”,
“observações de Zero Dano” e “EPI’s de Zero Dano”? Talvez eles tenham um refeitório
de “Zero Dano” e um equipamento de “Zero Dano”?
Por que essa necessidade de redefinição e retração da palavra “segurança”? Obviamente
porque a linguagem e o significado de “risco” aceitam a possibilidade do imprevisto e do
incerto, ou seja, seu significado não é absoluto. O nome da empresa foi preservado por
razões óbvias, mas outras empresas estão agora anunciando dessa forma. Os Correios da
Austrália é talvez o empregador mais proeminente que anuncia dessa maneira.

18 Por Amor ao Zero


Figura 4. Anúncio de emprego para um Consultor de Zero Dano
na Austrália

Consultor de Zero Dano

Consultor de Zero Dano

Parece que não há limites para a forma como a linguagem do Zero Dano está sendo
usada. Aguardo com bastante fascinação o absurdo contínuo no discurso cultural e o uso
da linguagem “zero” dessa forma. Esse desenvolvimento é evidência de um processo de
pensamento ideologicamente orientado e fundamentalista.
Recentemente, em várias estratégias de marketing, a linguagem do Zero Dano assumiu
conotações religiosas. Linguagem de “única solução”, “compromisso com Zero Dano”,
“esperança de Zero Dano”, “aspiração de Zero Dano”, “pensar em Zero Dano todos os
dias”, “tolerância zero”, “ética e intenção do Zero Dano”, “mandamentos do Zero Dano”,

Capítulo 2: A Lógica do Zero 19


“fé no Zero Dano” e “crença no Zero Dano” podem ser encontrados em formas de
evangelho fundamentalista.
Se alguém quiser descobrir se a ideologia de Zero Dano está sendo praticada de uma
forma fundamentalista numa organização, basta criticar o conceito e aguardar a resposta.
Se você incorrer na anulação de debate, inquisição e medo, você saberá o quão forte
é o compromisso religioso fundamentalista. Se você tem algum senso de ceticismo ou
debate, então você pode considerar que o Zero Dano ainda tem que atingir o auge do
fervor religioso nessa organização.
“O fato de que a palavra “risco” foi removida e substituída por “Zero Dano” nesse
anúncio de emprego mostra exatamente como a linguagem e a redefinição da linguagem
são críticas para a formação cultural. Essa evolução de linguagem associada ao uso do
reforço zero, que será apontado mais tarde neste livro, nessa linguagem, é o principal
veículo do significado cultural. Se alguém deseja cultivar uma organização de Zero Dano
e a cultura de Zero Dano, então as palavras “risco” e “segurança” devem desaparecer. Da
mesma forma, se alguém quiser uma organização aberta caracterizada por tolerância,
diálogo e aprendizagem, o absoluto do zero não é o adequado.

A Busca pela Perfeição


TODOS os erros NÃO são terríveis – Os erros são dádivas de
sabedoria!
Seja perfeito, portanto, como seu Pai celestial é perfeito. Mateus
5:28
As pessoas não são motivadas pela ideia de perfeição, na verdade, há muitas evidências
para mostrar que o perfeccionismo causa problemas psicológicos significativos.
O perfeccionismo está listado no DSM IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais, Quarta Edição), conforme associado a muitos Transtornos
Mentais.
O perfeccionismo tem três características principais:
1. A tendência de estabelecer padrões e metas pessoais irrealistas;
2. A tendência de usar a linguagem do tudo ou nada, de pensar ao avaliar as próprias
ações e de considerar como um fracasso qualquer conquista que não atenda aos
padrões irrealistas elevados;
3. Um ponto de vista seletivo que se concentra em pequenos erros e falhas, em vez de
em progresso ou realização no geral.
Alguns teóricos (Spielberger, 2004) associam alta consciência à personalidade obsessiva-
compulsiva de desordem e perfeccionismo. Pessoas altamente conscienciosas também
podem ser workaholics, cuja orientação de tarefa interfere na vida familiar e social.
Spielberger (2004, p. 837) comenta:

20 Por Amor ao Zero


O impacto do perfeccionismo no enfrentamento relacionado à recessão parece
depender do particular subcomponente que predomina. Mais especificamente,
quando tendências perfeccionistas são impulsionadas pela preocupação excessiva
com os erros, estratégias de enfrentamento baseadas na evitação são empregadas. Por
outro lado, quando a preocupação com os erros é acompanhada por um foco em
altos padrões pessoais, uma combinação potencialmente mais produtiva de estratégias
focadas no problema e na emoção tendem a ser usadas.
É importante notar aqui que a questão da evitação é um componente crítico na aspiração
zero. Na psicologia dos objetivos, absolutos e perfeccionismo estão intimamente associados
aos objetivos de evitação. Há uma enorme diferença entre a promoção da compreensão
e a aceitação do risco versus a prevenção de danos. Mantras e ideologias de evitação no
estabelecimento de metas têm uma trajetória que leva a confusão, culpa e ceticismo.

Betty e a Perfeição da Limpeza


Minha segunda experiência escolar no ensino foi na Austrália do Sul, em uma escola
primária no Riverland. Foi nessa escola que dois meninos incendiaram minha sala
de aula e eu experimentei pela primeira vez o poder político de pais influentes. Em
uma reviravolta bizarra, um dos pais dos meninos vendeu seguro e o outro era filho
do gerente regional do serviço social. Os meninos justificaram seu ato de vandalismo
devido à exigência de fazer o dever de casa, uma surpresa para mim. Infelizmente,
mais tarde, um dos meninos suicidou-se em consequência de transtorno bipolar e
dependência de drogas.
Foi também nessa escola que conheci Betty. Betty era uma mulher mais velha que
ensinava crianças do segundo ano. Ela era uma fumante inveterada e costumávamos
trocar piadas no playground e na sala dos professores. Ao conhecer Betty, logo
descobri que ela tinha o que parecia ser uma fobia de limpeza. Betty sairia da escola
em qualquer oportunidade para caminhar de volta para sua casa se lavar ou tomar
banho. Ela deliberadamente comprou uma casa perto da escola para isso. A mania
de limpeza era habitual e compulsiva. Betty estava tão presa a esse transtorno
compulsivo que ela desenvolveu alergias aos sabonetes comuns. Ela logo teve que
importar sabonetes especiais e caros da Alemanha, mas isso durou apenas um ano.
Eventualmente, Betty teve um colapso devido ao distúrbio e não conseguiu trabalhar,
precisou de hospitalização e tratamento psiquiátrico. Sua busca absoluta e sua
necessidade pela limpeza perfeita foram, ao final, sua própria ruína. Em algum lugar
do passado dela pode ter havido alguma necessidade do tipo Pilatos para se livrar
do passado ou das coisas impuras, mas a tragédia de sua situação foi evitar as coisas
impuras, que neste mundo humano não é possível.
A linguagem do Zero Dano é a linguagem do perfeccionismo, a linguagem dos absolutos.
Quando alguém incorpora tal linguagem em uma cultura, eventualmente, ela assume vida
própria; torna-se uma ideologia. Líderes podem querer acreditar que controlam a cultura
com a linguagem do zero, mas, infelizmente, o discurso do zero como um absoluto assume
o controle. Todas as ideologias como absolutas controlam tudo. Quando as organizações
passam a ser controladas por várias ideologias, tornam-se incapazes de mudar e isso
frequentemente explica o ciclo de expansão e retração na história da vida organizacional.

Capítulo 2: A Lógica do Zero 21


O declínio da Microsoft, da Blackberry e da Nokia são bons exemplos de como a
incapacidade de mudar se torna institucionalizada em organizações. Muitas vezes acontece
por arrogância (orgulho excessivo ou autoconfiança) e a omissão de “melhoria contínua” do
discurso da cultura. A linguagem perfeccionista não tem espaço para melhoria contínua; só
pode levar à arrogância e à vaidade. A linguagem dos absolutos não pode aceitar o segundo
o melhor; uma medalha de bronze é um fracasso, pois fazer o melhor, mas não alcançar a
perfeição “é não ser bom o bastante”.
O perfeccionismo negativo (doentio) é definido como uma função de evitar
consequências negativas e a motivação para atingir determinado objetivo, a fim de evitar
consequências adversas.
É importante notar que, em muitos casos, o líder perfeccionista não tem conhecimento
de ambos os comportamentos problemáticos e suas causas básicas. Além do mais,
estudos de caso aprofundados revelam que muitas vezes sua percepção do grau em que
os gerentes estão controlando os outros de forma livre ou rígida é tão imprecisa que eles
podem realmente pensar que estão sendo fortalecedores, quando na verdade eles estão
controlando demais.
O perfeccionismo é um traço de caráter difícil de superar, porque os perfeccionistas são
tão intransigentes e rígidos, que eles muitas vezes não se veem como tendo necessidade
de mudar. A promoção do zero é a promoção da rigidez. Portanto, embora os líderes
desejem que os funcionários sejam criativos, inovadores e pensem criticamente, o mantra
do zero subconscientemente promove o oposto.
A muito mal compreendida passagem bíblica, presente no início desta discussão, dá a
ideia de que os humanos podem atingir a perfeição. Isso parece contradizer todos os
outros temas do Cristianismo sobre a falibilidade de humanos. A tradução incorreta do
substantivo deve ser lida como “maduro” ou “proposital”. O objetivo do ser humano
educado não é a perfeição, mas maturidade. Ser verdadeiramente humano é viver em
comunidade, não viver em superioridade à comunidade. Quando alguém se torna
maduro, é menos crítico, mais lento para criticar e tem uma perspectiva maior sobre “lá
vou eu, mas pela graça de Deus”.

A fuga do fundamentalismo
Não foi por acaso que pedi a meu irmão Graham que escrevesse o prefácio deste
livro. Como CEO e pastor da capela Wayside Kings Cross, Graham tem alguma
ideia de como é a falibilidade humana e o risco tem tudo a ver. Se não fosse por
Graham e sua personalidade única, eu duvido que tivesse escapado da minha própria
experiência fundamentalista no início dos anos 1980. A fuga aconteceu porque
Graham respondeu à pergunta certa e extraiu por que aprender era o terreno comum
para o discurso. Wayside é uma comunidade única que sabe mais sobre risco do que
qualquer local de construção.
Embora eu não tenha experimentado as extremidades exatas da falibilidade humana
que Graham tem, minhas experiências com jovens em risco na Galileia e Quamby
foram mais sóbrias. Qualquer pessoa com experiência em serviços humanos saberá
que a linguagem dos absolutos, do perfeccionismo e do zero são absurdos.

22 Por Amor ao Zero


A projeção do perfeccionismo captada pelo conceito de zero não leva apenas a uma
amplitude de desordens, mas também gera contorcionismo, seletividade e “ocultação”.
Na Capela de Wayside, a ajuda chega quando a necessidade de se esconder é abandonada
e quando o amor e a aprendizagem em comunidade são abraçados. Tão certo quanto
alguém que defina as metas absolutas, isso gera a busca pela culpa quando algo dá errado.
Se o mito do controle total é projetado (por exemplo, “todos os acidentes são evitáveis”),
então a primeira resposta do propoente de Zero Dano é: “por que isso não foi evitado?”
... “quem estava no controle?”

Lições da morte de Danny Cheney


Esta é uma apresentação PowerPoint popular que circula pela Internet, na Austrália,
chamada “Lições da morte de Danny Cheney”. Disfarçado de estudo de caso na
investigação de incidentes, o PowerPoint tenta ser uma apresentação instrutiva, mas
seus pressupostos ocultos são, na maioria, ofensivos e perigosos. A apresentação
começa com uma série de “fatos” sobre um eletricista de linha viva trabalhando em
uma linha de transmissão de alta potência. O quarto slide da apresentação tem o
título “O que deveria ter acontecido” e tem foco em procedimentos. O quinto slide,
em seguida, mostra o que realmente aconteceu. O próximo slide documenta uma
série de procedimentos que não foram seguidos e a resultante triste fatalidade. O slide
mais preocupante é o décimo, que traz a pergunta em negrito: “Por que uma pessoa
altamente experiente e treinada, que estava fortemente envolvida no planejamento
do trabalho e com toda autoridade para tomar boas decisões de trabalho, toma
uma decisão consciente de não cumprir as regras e os procedimentos previamente
estabelecidos para realizar o trabalho com segurança?”.
Que suposição vergonhosa! Pessoas que não seguem os procedimentos devem
ser suicidas? Pessoas que não seguem os procedimentos devem querer morrer
conscientemente? Isso é a trajetória do pensamento rígido, do discurso perfeccionista,
que leva à culpa e à superioridade projetada.

A Fúria da Utopia
Esse é o título do livro comovente de Ronal Conway, publicado em 1992. Conway
argumenta que obsessão e compulsão pela utopia é uma doença. A ideia de Utopia
foi proposta por Platão e a palavra significa “nenhum lugar”. A ideia de utopia foi
posteriormente popularizada por Sir Tomas More em 1516, em seu livro “Utopia”. A
utopia de More é uma ilha funcional no Oceano Atlântico. Utopia é a aspiração da
sociedade ideal e perfeita. Desde então, muitos escritores e artistas aspiraram à utopia em
suas obras. Uma das propostas mais antigas e famosas para a sociedade ideal e o paraíso
foi feita pelo artista Hieronymus Bosch. Seu “Jardim das Delícias Terrenas” foi pintado
em 1500 e está instalado no Museu del Prado, em Madri. A ideia de um Jardim do
Éden tem sido um tema contínuo para aqueles que estão desapontados com a natureza
infinita, imperfeita, falível e “corrupta” da humanidade. O céu, o infinito e o zero são um
e o mesmo.

Capítulo 2: A Lógica do Zero 23


Uma das apresentações mais famosas para a sociedade ideal foi feita por William Booth,
o fundador do Exército de Salvação. Booth, filho de um alcoólatra, experimentou em
primeira mão a miséria e a pobreza da Inglaterra industrial. Ele propôs a solução para
a finita, a imperfeita e a corrupta natureza (pecaminosa) da humanidade, em seu livro
“In Darkest England and the Way Out”, publicado em 1890. Na capa interna, Booth
desenha um mapa de como as colônias são a oportunidade de escapar do desespero e
da escuridão da Inglaterra. O plano de Booth era para que houvesse uma nova ordem
mundial para a Inglaterra e para as colônias, uma Utopia.

Figura 5. Mapa de Salvação Social e Utopia de Booth

Notas de Conway:
a busca constante por ordem, segurança e certeza nas realizações, que tanto
atormenta o sofredor neurótico, serve à nossa visão de mundo prevalecente na
ciência empírica, na religião dogmática e nas estruturas burocráticas.
Fromm descreve o “Medo da Liberdade” como uma doença. A aspiração a uma utopia
de fantasia, e resultante necessidade de eficiência, propõe Conway, “desintegra-se em

24 Por Amor ao Zero


picuinhas meticulosas, a prudência torna-se uma hesitação crônica, a rigidez dogmática
se transforma em uma obstinação desesperada”. Conway afirma ainda: “Nada é mais
perigoso do que uma boa ideia, quando é a única ideia que temos”. Ele descreve as
palavras-chave e os conceitos associados ao estilo obsessivo-compulsivo na seguinte
dicotomia. Conway conta esta piada:
Satanás estava caminhando pelo mundo um dia na companhia de um demônio
sênior. O demônio cutucou o Senhor Lúcifer e observou ansiosamente: “Senhor, olhe
ali, alguém pegou um importante pedaço de verdade”. “É melhor cuidarmos da nossa
segurança”. Satanás sorriu com indiferença. “Esquece, meu amigo. Não corremos
perigo. Ele vai tentar sistematizá-lo agora.”
Na verdade, o mundo precisa de sistemas ordenados – mais do que nunca, com grandes
populações sobrecarregando um planeta lotado. Mas a mentalidade obsessiva quer
um sistema perfeito que só pode levar à prática a tirania ou sua antítese natural, que
é revolução ou anarquia. Em todos os sistemas políticos e sociais, um desejo por um
governo perfeito leva a uma adoração perigosa de “abstrações ideológicas”.
Qual é a trajetória da obsessão com a linguagem utópica como “zero” na indústria de
risco? Conforme discutido no livro anterior (“Risk Makes Sense”), é a preocupação com
a aversão ao risco e o controle absoluto.
Recentemente, vi uma organização anunciando na internet a proposição de que poderia
garantir um Futuro Livre de Acidentes. A empresa também estava sendo promovida em
publicidade pelo Safety Institute of Australia, em seu site e em sua revista. Não estou
surpreso que as pessoas achem atraentes as tão simplistas mensagens. A raiva da Utopia é
a raiva da certeza fundamentalista e da erradicação de risco. A raiva do zero na indústria
de risco é a raiva do absoluto. No final, o zero assume a significância religiosa cessando
todo o pensamento crítico.
No primeiro livro, a ideia de fundamentalismo foi introduzida, juntamente com
sua associação com a busca para absolutos na gestão de risco. No Capítulo 6, as
características do fundamentalismo são explicadas para demonstrar como essa
mentalidade de zero desconecta os humanos da compreensão do risco.

Questionamentos
1. Faça uma pesquisa na internet e veja de quantas maneiras a palavra “zero” tem sido
substituída por outras, como “risco” e “segurança”;
2. Faça uma pesquisa dos mesmos anúncios de emprego e veja quais palavras-chave
associadas a emprego e “inteligência” de risco estão faltando;
3. Entre no LinkedIn e entre em uma das discussões em um dos grupos de segurança;
levante o assunto de “dano zero” ou “todos os acidentes são evitáveis”;
4. Qual é a atração da Utopia? Faça uma busca pelo significado original da palavra;
5. Encontre outros exemplos de sonhos utópicos na literatura e apresente ao seu grupo
de trabalho.

Capítulo 2: A Lógica do Zero 25


Transição
Deborah Lupton descreve um discurso como um “corpo limitado de conhecimento
e práticas associadas”. Quando pensamos sobre cultura, os conceitos de linguagem e
discurso são os mais importantes. A ideia do discurso captura muito mais do que apenas
palavras em uma cultura, trata-se de todos os símbolos, imagens e significados que estão
associados a essas palavras. Através do discurso, entendemos o mundo cultural em que
nos movemos. Os discursos limitam e possibilitam o que pode ser dito e o que não pode
ser dito em uma sociedade.
O próximo capítulo trata do discurso do zero e das trajetórias associadas a ele. Não se
pode simplesmente usar palavras e não esperar que façam parte de um discurso. Cada
discurso tem uma trajetória, está indo para algum lugar. Muitas vezes as pessoas entram
em um discurso sem saber para onde ele está indo e só mais tarde saberão que foram
aprisionadas em um problema moral e ético. Isso pode ser observado com o discurso da
discriminação que acaba preconizando a eugenia. A eugenia é o biossocial movimento
que preconiza o uso de práticas voltadas à melhoria da composição genética de uma
população. A busca nazista para estabelecer uma “super-raça” foi um empreendimento
eugênico e desde então ao desaparecimento do conceito. A filosofia da eugenia foi
a ideologia usada para tomar os primeiros filhos de seus pais na Austrália. O filme
“Geração Roubada” captura a natureza desumanizante dessa filosofia. Palavras de
discriminação racial acabam tendo uma trajetória de eugenia.
O próximo capítulo trata da trajetória associada ao discurso zero.

26 Por Amor ao Zero


CAPÍTULO 3
O Discurso do Zero
“Toda verdade passa por três estágios: 3
Primeiro, é ridicularizada. Segundo, é violentamente contraposta.
Terceiro, é aceita como sendo autoevidente.” Arthur Schopenhauer
(1788-1860)
“Nós somos o que falamos.” Deborah Tannen

Linguagem que faz cultura


Como os atletas entendem as metas
Em 2012, na Olimpíada de Londres, houve o típico excesso da mídia com a
dissecação de cada momento, pessoa e evento. Cada atleta australiano que terminava
uma competição tinha que fazer a revisão obrigatória da mídia imediatamente após o
evento, às vezes alguns minutos depois. Se fosse ganha uma medalha, particularmente
uma de ouro, a exaltação e a euforia eram revividas e repetidas diariamente pelas
semanas seguintes. Se houvesse decepções, os excessos de análises eram dolorosos. Por
exemplo: o fracasso da equipe de revezamento masculino de 4 por 100, cujo ouro
era esperado, mas não conseguiram nenhuma medalha. Em todas as entrevistas, era
interessante observar a linguagem dos atletas. Bastante cuidadosos para não soarem
arrogantes, cuidadosos para permanecerem humildes e focados. Entusiasmados
para manter uma atitude vencedora, mas não uma atitude que pudesse levá-los ao
sufocamento e à decepção.
Expressões comuns aos atletas eram “sair” e “se divertir”. Eu esperava que a maioria
das pessoas compreendesse o propósito e os sentimentos que tal linguagem e o seu
significado representavam para os atletas. Contudo, em um país com uma mídia
obcecada por medalhas de ouro, o que houve foi críticas absurdas. Em um programa
de rádio, eu ouvi um ouvinte dizer que, se era para os atletas se divertirem, que
ficassem em casa no sofá. Essa conversa demonstrou o completo desconhecimento
de como a linguagem do ouro e da vitória funcionam na mente de um atleta. Muito
do esporte, do esforço atlético e das conquistas são sobre ter a mentalidade certa e
sobre definir essa mentalidade por meio do pensar e do falar da maneira certa, ter
pensamentos e foco corretos. Atletas, treinadores e psicólogos do esporte sabem

CAPÍTULO 3: O Discurso do Zero 27


que um “discurso de arrogância” e um “discurso de absolutos” é um anátema para
as ideias de aprendizagem, motivação, inspiração, imaginação, melhoria e bom
desempenho.
No livro “Risk Makes Sense”, eu introduzi a ideia das trajetórias culturais através do
“Mapa Conceitual de Características de Cultura e Trajetórias”, que é reapresentado neste
capítulo na figura 6. A ideia de trajetória é de suma importância na discussão que se
segue. Quando nós escolhemos omitir ou incluir certa linguagem e certas palavras na
nossa comunicação, estas ficam ligadas a nós em nossa identidade cultural e carregam
um poder cultural. Às vezes a linguagem e as palavras parecem bem inocentes no
início, e somente depois compreendemos que elas foram usadas como parte de uma
máquina de propaganda. Isso é muito observado em regimes tirânicos, quando palavras
de benevolência, orgulho nacional e identidade são usadas para disfarçar dominação,
exploração e repressão de outros. O regime nazista adotou um discurso do bem para
o povo alemão, prometendo-lhe prosperidade econômica e libertação dos legados da
Primeira Guerra Mundial.
A omissão das palavras “risco” e “segurança” do anúncio da figura 4, no capítulo
anterior, diz muito sobre a cultura que decidiu omitir tais palavras. Em um capítulo
posterior, eu vou discutir a importância dos silêncios na comunicação e na formação e
na transformação culturais. No momento, precisamos observar como a inclusão ou a
omissão de palavras e como certa linguagem carregam significado cultural, propósito e
identidade. É por isso que a ideia do “discurso” é importante e precisa ser distinta das
ideias de “comunicação”, “linguagem” e “palavras”.
A ideia cultural do “discurso” foi desenvolvida por Michael Foucault. O discurso carrega
muito mais do que apenas a ideia de “comunicação”. O discurso significa:
“A transmissão de poder em sistemas de pensamento compostos por ideias, atitudes,
cursos de ação, crenças e práticas que sistematicamente constroem os assuntos e as
palavras que eles falam.”
A ideia de discurso possui um significado especial quando se trata de cultura. Pensadores
sociais compreendem o discurso como sendo muito mais do que uma conversa ou um
padrão de fala. Para um psicólogo social, discurso não é somente sobre conversa, mas
também sobre os sinais, os símbolos, o significado, a visão de mundo, os valores e os
sistemas de pensamento embutidos na linguagem e em tudo relacionado a ela.
A ideia do discurso cultural é utilizada não somente para o significado das palavras,
mas para a relação de poder carregada com e nas palavras. Para quem a linguagem do
“zero” dá poder? Como o seu ambiente de trabalho fala sobre risco e qual significado é
transmitido nesse discurso? Qual o conhecimento poderoso embutido nesse discurso
e quem é favorecido e quem é constrangido por ele? Que poder é assumido pelos
proprietários do conhecimento legislativo e regulatório e o que estaria em risco se o
padrão predominante de poder for quebrado?
O discurso do zero somente tem uma direção. Não há flexibilidade, discrição,
circunstâncias extenuantes, culpabilidade nem abertura sobre os absolutos. Se houver
uma infração ou um comportamento não desejado, ele deve ser punido.

28 Por Amor ao Zero


A Teoria das Janelas Quebradas
A tolerância zero primeiro tornou-se um discurso popular em 1994, sob o mito da
“teoria das janelas quebradas”. A tolerância zero foi atribuída ao sucesso (passageiro)
do prefeito de Nova Iorque Rudolf Giuliani. Sob a mítica teoria das janelas
quebradas, a máquina giratória de Giuliani atribuiu a ele a redução de crimes em
Nova Iorque. As pesquisas que se aprofundaram nas alegações dos defensores da
tolerância zero mostraram que as mudanças na sociedade não poderiam ser atribuídas
a essa teoria. Em vez disso, as melhoras sociais flutuavam de acordo com fatores
demográficos e econômicos que cresciam exponencialmente em Nova Iorque sob as
mesmas políticas.
Os defensores da tolerância zero para as reformas das políticas de drogas, segurança
no trânsito, aplicação da lei e segurança nas escolas fazem afirmações semelhantes
sobre as suas efetividades, mas as pesquisas mostram o contrário. A tolerância
zero não funciona. A tolerância zero custa caro e enche os presídios. O fracasso na
“Intervenção do Território Norte” (da Austrália), de 2007 a 2011, foi um exemplo
de como a tolerância zero não funciona. Ainda assim, em um caso clássico de
reviravolta, o que era chamado de Intervenção do Território Norte passou a ser
“Futuros Mais Fortes”, em 2012. A manobra política não conseguiu esconder o
fato de que mais de 3 bilhões de dólares não resolveu o problema dos indígenas do
Território Norte.
Em uma tentativa de compreender a cultura, as pessoas na indústria tendem a reduzir
a sua compreensão para “o que a gente faz por aqui”. Infelizmente, essa definição
simplista tem levado muitos a acreditar que são experts em cultura e subsequentemente
têm reduzido a compreensão de cultura para comportamento. Isso fica mais evidente
quando as pessoas descrevem a Segurança Baseada no Comportamento (BBS) como
um programa cultural. Comportamento não é cultura e estratégias behavioristas
falham, porque eles compreendem o ser humano como a soma de entradas e saídas.
Nada poderia ser uma distração maior para lidar com o risco do que confundir
comportamento com cultura.
A linguagem da cultura é difundida de muitas maneiras sem sentido na indústria. As
pessoas afirmam que medem a cultura, falam sobre cultura e até usam a palavra cultura
no nome da organização e simplesmente referem-se a comportamento. As três definições
de cultura mais proeminentes na indústria são: comportamento como cultura, legislação
como cultura e sistemas como cultura. Infelizmente, o uso indevido e excessivo da
palavra cultura nas organizações tem tornado mais difícil abordar o tema. Isso acontece
em parte porque há um excesso de “experts de poltrona” e porque a reviravolta associada
ao uso da linguagem tem tornado a discussão de cultura sem sentido, já que as pessoas
usam rótulos diferentes. McLarem (1996) define a cultura como sendo:
...interpretações baseadas em valores; artefatos; experiências compartilhadas;
interação, adaptação e sobrevivência; costumes sociais e normas sociais; as formas
expressivas de vida social e material; uma forma distinta de viver de um grupo ou
classe; conjuntos de símbolos transmitidos historicamente; “mapas de significados”
que tornam a vida social inteligível para seus membros; sistemas de conhecimento
compartilhados por grandes grupos de pessoas; a conduta cotidiana autointerpretada

CAPÍTULO 3: O Discurso do Zero 29


de grupos e comunidades particulares; formas de consciência historicamente
moldadas; formas contraditórias de “senso comum” que moldam a vida pública e
popular; atividades cotidianas e padrões de ações; uma evolução total de significados;
uma tradição viva; padrões de comportamento transmitidos socialmente; significados
vivos na vida institucional, bem como no comportamento comum; diferenças
socialmente incorporadas e “realizadas” no nível da vida cotidiana; a produção
simbólica de estruturas materiais; uma concepção de mundo ou visão de mundo.
Para o propósito desta discussão, o estreitamento para um senso de comunalidade
poderia ser:
1. Linguagem / conhecimento comum e exclusivo (discurso cultural);
2. Termos de referência aceitos por um grupo;
3. Identificadores claros de pertencimento a um grupo;
4. Valores, atitudes e crenças comuns;
5. Símbolos explícitos e implícitos;
6. Experiências compartilhadas;
7. Costumes sociais e normas sociais;
8. Conjuntos de símbolos transmitidos historicamente;
9. Mapas de significados que tornam a vida social inteligível para seus membros.
O mapa apresentado na figura 6 pode ajudar a dar uma perspectiva sobre as várias
“trajetórias” que existem em uma compreensão cultural do risco. Qualquer programa
que se intitule “de cultura de risco” e que ignore aspectos deste mapa provavelmente
não terá sucesso. Modelos de programas de cultura de risco que oferecem pouco mais
do que policiamento de sistemas não são programas de cultura de risco. Nenhuma
quantidade de incursão sobre a cultura de risco “generativa” ou sobre ou a cultura de
risco “transformacional” muda muito se o discurso, o enquadramento e a pré-ativação se
mantiverem sob antigos padrões, hábitos e subculturas de regras punitivas e coercitivas.

30 Por Amor ao Zero


Figura 6: Mapa conceitual de características e trajetórias culturais

Em resposta à confusão criada pelos discursos de comportamento-como-cultura, de


legislação-como-cultura (por exemplo, a iniciativa do governo da Nova Gales do Sul
intitulada “Pesquisa de Cultura de Segurança”) e de sistema-como-cultura foi que
eu desenvolvi a ferramenta de diagnose de cultura MiProfile. A pesquisa MiProfile é
apresentada e discutida no meu primeiro livro.

A Importância das Trajetórias


O mapa conceitual da figura 6 apresenta os principais fatores que compõem a cultura.
Cada um desses fatores tem a sua própria trajetória. Eu utilizo o termo “trajetória” neste
exemplo para indicar a natureza “teleológica” de cada fator. A ideia do “teleo” vem de
uma derivação grega e tem um foco no propósito filosofal e nos “pontos de chegada”.
Quando se explora um fator cultural, é importante conhecer não somente os pontos
de partida e as origens, mas também os pontos de chegada e os destinos. Por exemplo,
as pessoas podem ser atraídas por um ponto de partida aparentemente inocente, como
uma necessidade por obediência, mas ficam surpresas quando isso se desenvolve como
uma ditadura opressora utilizada posteriormente para justificar um extremismo violento.
Todas as ideias e as linguagens têm trajetória. Qual seria a trajetória do zero?
O mapa conceitual ilustra o foco no comportamento no alto à direita. Existem quatro
sub-estressores que afetam a leitura do comportamento. Em outras palavras, mesmo o
comportamento observado pode ser uma aberração do que é normal em uma cultura.
Em uma cultura que é estressada, todo comportamento nessa organização pode ser uma
aberração. Isso é mais evidente em horários de pico em indústrias altamente estressadas.

CAPÍTULO 3: O Discurso do Zero 31


Nós também podemos ver no mapa que a linguagem (o que é dito e o que não é
dito) está separada do comportamento e que é distinta de história, hábitos, símbolos
e artefatos (traços físicos e tangíveis da cultura). Isso pode ajudar a explicar como a
linguagem pode ser utilizada tanto para minar a cultura quanto para gerenciá-la e
influenciá-la. Um coisa é focar no comportamento dentro de uma organização, observar
o que as pessoas fazem quanto aos riscos. Outra coisa é observar a congruência entre
comportamento e todos os outros fatores da cultura. Essa incongruência geralmente
explica por que as organizações não mudam e como a mudança é subvertida
nas organizações.
As camadas mais práticas, físicas ou “instrumentais” da cultura, ou seja, símbolos,
sistemas, tecnologia e padrões (incluindo a legislação e a regulação), precisam ser
apoiadas por extensas intervenções nas camadas existenciais das organizações, tais como
as camadas culturais, psicológicas, sociais e comportamentais. Isso ficou conhecido como
“dimensões humanas” e eu as chamo de “dimensões psicossociais” da cultura.
É quando há uma incongruência significativa entre os aspectos físicos e psicossociais da
cultura que as subculturas se desenvolvem. Subculturas são culturas dentro de culturas
e têm identificadores únicos que às vezes estão em desacordo com a cultura mais ampla.
Frequentemente, a subcultura se forma para que um grupo possa “lidar” com as normas
da cultura mais ampla. As subculturas às vezes podem ser subversivas e minar os valores,
as atitudes e as crenças da cultura mais ampla à qual pertencem.
Quando se trata de querer mudar e influenciar a cultura ou as subculturas, é importante
olhar e compreender os identificadores culturais apresentados no mapa conceitual. Os
símbolos, a linguagem, os costumes e as normas em uma cultura são poderosos e filtram
aqueles que pertencem e os que não pertencem a ela.
O processo de institucionalização é tal que bloqueia essas coisas ao longo do tempo.
Causa um enorme estresse mudar valores e crenças culturalmente arraigados.
A menos que a organização e a cultura sejam capazes de aprender e mudar, muitas das
normas culturais tornam-se historicamente arraigadas, a ponto de parecerem que estão
presas em concreto. Com passar do tempo, velhas culturas tornam-se imunes à mudança
e, elas podem enfraquecer, mas ainda permanecem. Enquanto culturas novas e mais
vibrantes emergem, eventualmente, uma cultura lentamente observa a outra morrer.
O vai e vem de negócios malsucedidos é um testemunho desse padrão de nascimento,
energia, institucionalização, aprisionamento, posição fixa e irrelevância. A cultura
do serviço público e a igreja são exemplos da dificuldade de adaptação e mudança
em culturas arraigadas. Muitas vezes políticas, processos e procedimentos arraigados
trazem seus próprios riscos, especialmente quando as novas tecnologias são introduzidas
enquanto a cultura que as usa resiste à mudança. Quanto maior for a organização, mais
arraigada e mais imutável é a cultura.

Diferença Cultural e Linguagem


Existem muitos indicadores que explicam a diferença cultural. Ler Hofstede (Exploring
Culture: Exercises, Stories and Synthetic Cultures, 2002) é um bom começo. Contudo,

32 Por Amor ao Zero


os dois indicadores primários de diferença cultural são linguagem e aparência. Alguns
pesquisadores como Gardner (Risco. A Ciência e a Política do Medo, 2008) falam sobre
“cosméticos” da segurança, isto é, a aparência ou o verniz de segurança sem substância.
É peculiar que corramos como abelhas ocupadas, preocupadas com uniformes azuis em
portões, crachás, ternos apropriados, gravatas em reuniões executivas, scanners e circuitos
fechados de TV. Mas não é disso que se trata a cultura de segurança. Essas coisas são
simplesmente um indicador de cultura.
Da mesma forma, em um canteiro de obras, profissionais de segurança policiam o uso
de equipamentos de proteção (EPI), que é a medida de segurança menos importante de
todas. Atacar a cosmética da segurança e fácil. É um alvo fácil. Abordar atitudes, valores e
crenças é muito mais difícil. Então pouca coisa é feita a respeito da transmissão de valores
e crenças por meio da linguagem e do enquadramento da mensagem de segurança.
O perito responsável por investigar a causa do desastre de Blackhawk em 1996,
envolvendo as Forças Armadas da Austrália, deixou claro que o principal motivo do
acidente foi uma cultura tipo “vamos fazer”. O perito que investigou o desastre do
Hospital de Camberra em 1997 atribuiu a causalidade à cultura do “vamos fazer”. Uma
cultura que cultiva uma linguagem tipo “vamos fazer” é uma cultura na qual o “não
vamos fazer” é impensável.
Quando se trata de entender o risco nas organizações, nós não somente acreditamos que
aspectos psicológicos e sociais influenciam o risco, como também os símbolos. Uma
coisa é saber o que influencia a cultura, outra coisa é avaliar e medir o tipo cultural. Isso
tem sido demonstrado no excelente trabalho de Hofstede.
O trabalho dele propõe cinco indicadores chave que medem o tipo de diferença cultural:
1. Distância de poder;
2. Individualismo;
3. Masculinidade;
4. Aversão à incerteza;
5. Orientação de longo prazo.
A medida de variância nessa escala, de acordo com Hofstede, determina a diferença
cultural. Ele desenvolveu um aplicativo para iPhone chamado CultureGPS que é uma
ferramenta fantástica para medir a diferença cultural. Por exemplo, nossa posição na
variável Orientação de Longo Prazo determina se pensamos e agimos no curto prazo,
ou temos mais foco no longo prazo. Na compreensão do risco, isto é o que eu chamo
de “miopia” ou, alternativamente, um sentido de risco de “visão longa”. Por exemplo,
pesquisas mostram que a cultura da geração Y (pessoas nascidas entre os anos 1970 e
2000) tendem a ter um foco mais restrito quando se trata de tempo e risco do que, por
exemplo, os mais velhos, da geração X ou os “baby boomers”. Isso fica evidente quando
cada um faz investimento, adquire um seguro ou vive para o momento, de fato, como
cada geração compreende o risco.
Resolver diferenças culturais é uma empreitada difícil. Executar qualquer iniciativa em
uma organização sem a devida consideração da cultura é uma receita para o desastre.

CAPÍTULO 3: O Discurso do Zero 33


O Discurso e a Trajetória do Zero
Quando eu digo que eu não gosto da linguagem da “tolerância zero” ou do “zero dano”,
as pessoas invariavelmente perguntam: “então você quer matar as pessoas?” ou “você
quer cinco lesões como meta da segurança?” De modo a responder a essa forma de
questionamento, deve-se entender bastante sobre tomada de decisão, aprendizagem
e cultura organizacional. Deve-se ter mais sofisticação sobre o uso da linguagem e
do seu discurso. Definições simplistas de metas de oposição binária somente criam
uma trajetória de emburrecimento contínuo da força de trabalho, um gerenciamento
cartesiano crescente por “especialistas” em risco, além da incorporação de um discurso de
eliminação de risco via mecanismos antiaprendizado e anti-humanos.
Se alguém assume que o comportamento humano é determinado por “cenoura e
vara” (recompensa e punição), a linha binária simplista de questionamento faz todo
sentido. Infelizmente, essa linha de pensamento e de questionamento pressupõe uma
compreensão simplista do desenvolvimento humano e organizacional. Às vezes as pessoas
simplesmente fazem perguntas erradas. As perguntas simplistas e diretas que buscam
responder a suposições simplistas sobre o risco e sobre o que é ser humano simplesmente
reforçam a ideia de que o risco não faz sentido. Algumas perguntas são armadilhas,
são em preto ou branco, carecem de sofisticação, têm como premissa um senso de
complexidade ingênuo e ainda buscam soluções simplistas. O argumento avança em três
estágios: simplicidade superficial, complexidade confusa e simplicidade profunda. Uma
discussão completa sobre a oposição binária e a psicologia do estabelecimento de metas
dar-se-á no Capítulo 5.
Organizações e líderes conscientes estão preparados para enfrentar a complexidade
confusa a fim de encontrar simplicidade profunda. Organizações negligentes tendem a se
contentar com a primeira simplicidade superficial em que tropeçam e, como resultado,
pensam que descobriram a solução para um problema complexo, por exemplo, lesões no
trabalho, falhas na segurança e defeitos de qualidade. Ser capaz de enfrentar a bagunça
causada pela complexidade confusa requer maturidade e adaptabilidade. A disposição
de um sistema para tomar consciência da complexidade e dos problemas correlatos está
associada à sua capacidade e vontade de agir sobre o conhecimento. Quando as pessoas
desenvolvem a capacidade de agir sobre algo, elas podem se dar ao luxo de vê-lo.
Organizações que se agarram à tolerância zero como seu paradigma organizacional
falham em abordar as complexidades do desenvolvimento humano e organizacional.
Claro que não quero ferimentos / fatalidades, falhas na segurança ou defeitos na
qualidade, mas a conversa e a linguagem do zero são inúteis. A linguagem do “zero”
acaba levando à intolerância, à punição, ao ceticismo, à não aprendizagem e à
negatividade. Estes são o recheio de uma simplicidade superficial.
Há coisas que sabemos e acreditamos, mas não devemos necessariamente falar sobre
isso. Não falamos sobre essas coisas não porque somos ingênuos em nossas crenças, mas
porque sabemos que a cultura e a crença são geradas pela linguagem usada. Não se trata
de censura, mas simplesmente de sermos espertos nos relacionamentos. Algumas coisas
podem ser verdades, mas nós não temos que falar sobre elas, porque sabemos o que essas
conversas geram. Meus filhos adultos sabem tudo sobre sexo. Eles sabem, claro, que os

34 Por Amor ao Zero


seus pais fazem sexo. Contudo, eles deixam claro que não querem nos ouvir falando
sobre esse tema.
Uma conversa sobre cumprimento de regras vai gerar um pensamento sobre
cumprimento de regras. Uma conversa sobre tolerância zero vai gerar um pensamento
sobre tolerância zero. Se você quer gerar aprendizado, maturidade, crescimento,
propriedade e excelência, então reformule a linguagem e não fale sobre coisas que
restringem esses objetivos. Os objetivos não são singulares. Todos os objetivos e metas
competem uns com os outros.

O Significado do Discurso
A ideia de discurso possui um significado especial quando se trata de cultura. Pensadores
sociais compreendem o discurso como sendo muito mais do que uma conversa ou um
padrão de fala. Para um psicólogo social, o discurso não é somente sobre conversa,
mas também sobre os sinais, os símbolos, o significado, a visão de mundo, os valores
e os sistemas de pensamento embutidos na linguagem e em tudo relacionado a ela.
Desenvolvido pela primeira vez pelo famoso teórico social Michael Foulcault, o discurso
foi definido como contendo não apenas o significado de palavras, mas as relações de
poder realizadas com elas e nelas. Foucault argumentava que poder e conhecimento estão
inter-relacionados e, portanto, toda relação humana é uma luta e uma negociação de
poder. Foucault afirmou ainda que o poder está sempre presente e pode tanto produzir
quanto restringir a verdade. O discurso, segundo Foucault, está relacionado ao poder,
pois opera por regras de exclusão. O discurso, portanto, é controlado por objetos: sobre
os quais podem ser falados; por ritual: onde e como se pode falar; e pelos privilegiados:
quem pode falar. Cunhando a expressão “conhecimento-poder”, Foucault afirmou que
o conhecimento é tanto o criador de poder quanto a criação de poder. Então, chega de
introdução acadêmica. O que isso tem a ver com a psicologia do risco?
Como o seu local de trabalho fala sobre risco e que significado é transmitido nesse
discurso? Qual o “poder-conhecimento” que está embutido nesse discurso e quem
é favorecido ou limitado por ele? Que poder é assumido pelos proprietários do
conhecimento legislativo e regulamentar e o que estará em risco se o padrão prevalecente
de poder for quebrado?
O discurso do zero é um discurso de autoridade, de cumprimento de regras, de
absolutos, de regulação, de execução. Se alguém não atinge a meta zero, esse alguém
falhou. Se alguém comete um erro, deve ser submetido à resposta da tolerância
zero. O discurso do zero somente tem uma direção. Não há flexibilidade, discrição,
circunstâncias atenuantes, culpabilidade ou abertura em relação ao absoluto. Como
na Inquisição Espanhola, cumpra ou morra. Não há espaço para contingências,
compreensão, aprendizado ou abertura no discurso do zero.
O discurso do zero reforça o status quo e centraliza o poder nas mãos dos agentes de
fiscalização, dos inspetores, e não aborda os fundamentos do julgamento humano e da
tomada de decisão. Mais do que mudar a cultura do risco, o discurso do zero reforça o
poder dos reguladores e falha ao estimular os valores de propriedade, aprendizagem e
melhoria contínua.

CAPÍTULO 3: O Discurso do Zero 35


Questionamentos
1. Observe como a palavra “zero” é utilizada e que associações de poder estão atreladas
ao seu uso;
2. Você consegue se lembrar de uma ideia que parecia ter um começo inocente, mas que
teve um fim terrível?
3. Você consegue se lembrar de um exemplo no qual a “tolerância zero” foi usada para
ganhar apoio popular, mas não foi implementada?
4. Se a tolerância zero não é saudável para relacionamentos, quais são os atributos que
você busca em um amigo ou em um parceiro que possuem uma trajetória oposta ao
zero?
5. Encontre exemplos de anúncios de emprego que usem a palavra “zero” e veja que
palavras foram utilizadas como substitutas.

Transição
Felizmente, já existem aqueles que sabem que o uso de absolutos tem uma trajetória de
exclusão e discriminação. Aqueles que se opõem ao zero, contudo, são marginalizados
pela “multidão do zero”. A “Organização Zero Dano” não pode tolerá-los, pois eles
devem ter uma trajetória de dano. Ao final, aqueles que não concordam com o zero
devem ser punidos e machucados (socialmente, culturalmente e psicologicamente), de
forma a não permitir que a ideologia do zero seja corrompida. Descrença, ceticismo e
debate não podem ser tolerados no absoluto, na ideologia e na trajetória do zero.
O próximo capítulo se concentrará naqueles que não cumprem o pré-requisito, e em por
que pessoas como eu são dissidentes da ideologia do zero.

36 Por Amor ao Zero


PARTE 2
O Dissidente
do Zero
38 Por Amor ao Zero
CAPÍTULO 4
O Dissidente
do Zero
“O problema é que, quando tentamos calcular até a distância
4
zero, a equação explode na nossa cara e nos dá respostas sem
sentido – coisas como o infinito. Isso causou muitos problemas
quando a teoria da eletrodinâmica quântica foi lançada. As
pessoas estavam obtendo uma infinidade para cada problema
que tentavam calcular.” Richard Feynman
“A surpresa é uma resposta espontânea ao inesperado.” Robert
Burton

O Significado de Dissidente
O conceito de “dissidente” foi escolhido intencionalmente para este capítulo devido
ao seu alinhamento com a história da discórdia religiosa. Ao longo da história, aqueles
que ousaram desafiar os religiosos ortodoxos ficaram conhecidos como dissidentes.
Os dissidentes também são conhecidos como não conformistas e ambos os termos
transmitem significado político, bem como um desequilíbrio de poder.

O Paraíso do Dissidente
Um dos meus livros de história favoritos é Paradise of Dissent (Paraíso do Dissidente);
Austrália do Sul 1829-1857, por Douglas Pike. Na história da Austrália, a história
da Austrália do Sul é única. A ideia do estado da Austrália do Sul nasceu no auge da
reforma religiosa na Europa. Impulsionado pela energia e pelo empreendedorismo
de Edward Gibbon Wakefield, o projeto para a venda de terras e emigração foi
conduzido na Inglaterra no que ficou conhecido como colonização sistemática.
De muitas maneiras, a fundação da Austrália do Sul foi um experimento social,
econômico e político que incorporou as ideias de vários visionários e do Gabinete
Colonial Parlamentar. A colonização sistemática não era realmente a ideia de uma
pessoa, mas foi defendida por um grupo de pessoas, incluindo Wakefield, Torrens,
Gouger, Whitmore, Hutt, Bacon e Angas.

CAPÍTULO 4: O Dissidente do Zero 39


Parte da visão de Wakefield incluía a ideia de um “padrão perfeito de sociedade
estabelecido nos céus”. Wakefield fazia questão de atrair as classes médias para a ideia
de colonização e profetizou “sem adoração à riqueza, sem opressão dos pobres, sem
razão para dissidência política”. No fim, Wakefield fez pouco mais do que equiparar a
prudência ao puro interesse pessoal.
Os jovens emigrantes foram cuidadosamente selecionados entre as idades de quinze
e trinta e um preço fixo foi colocado na terra. A legalidade e a organização da
colonização sistêmica foram definidas pela Lei da Austrália do Sul, pela Companhia
de Terras da Austrália do Sul e pela Associação da Austrália do Sul.
Os membros mais enérgicos da Associação da Austrália do Sul eram utilitaristas e
radicais filosóficos da escola de Benthemite. Alguns, recém-formados no Trinity
College, viram a oportunidade de concretizar seu idealismo e sua filantropia.
Impulsionada pelo idealismo de Benthemite, surgiu a ideia de que esse assentamento
seria de fato um paraíso na Terra. Era para ser um lugar de liberdade, especialmente
de liberdade religiosa. O sistema de liberdade religiosa veio a ser conhecido como
“voluntariado”.
Em contraste com o assentamento de qualquer outro estado da Austrália, o
assentamento da Austrália do Sul é único. Fundada em uma filosofia e idealismo,
a Austrália do Sul foi projetada para ser um “modelo de província” para iluminar a
escuridão Asiática. Ficou claro que a Austrália do Sul não esteve sob a autoridade de
Nova Gales do Sul.
Claro, quando eles pousaram e se estabeleceram, apesar de todo o projeto e intenção
legislativa na Inglaterra, não havia paraíso da dissidência. Apesar de todos os esforços
para criar a Utopia na Terra, a colonização de humanos tende a não funcionar dessa
maneira. Em menos de três anos, eles precisavam de uma força de polícia na Utopia.
Em 28 de dezembro de 1836, o capitão John Hindmarsh, como Governador,
estabeleceu um Conselho na Baía de Holdfast. Os primeiros anos da Austrália do Sul
foram caracterizados por partidarismo, conflitos políticos e interesses econômicos
em Adelaide e na Inglaterra. Nos primeiros anos, houve, no entanto, um senso de
cooperação entre o clero, particularmente em temperança e educação. O sentido de
unidade por denominações dissidentes, como Batistas, Luteranos, Presbiterianos,
Wesleyanos, Igrejas de Cristo e Congregacionalistas foram aumentadas por meio
de seu ataque a Unitaristas, Católicos e Judeus que estavam em minoria. Mais de
cinquenta por cento dos primeiros colonos foram “igrejas fracas” (menos a Católica)
da Igreja da Inglaterra. A Austrália do Sul, em seus primeiros anos, teve mais seitas e
religiões sectárias do que qualquer colônia do mundo.
O primeiro Conselho Legislativo foi inaugurado em 10 de agosto de 1851 e
ostentava todos os membros eleitos como dissidentes religiosos. No entanto, não
demorou muito para que o ouro fosse descoberto nos estados do Leste, e, com o
influxo de descendentes de condenados e um êxodo de dissidentes, a vida no sul
da Austrália mudou rapidamente e o sonho de um paraíso de dissidência e utopia
desapareceu.

40 Por Amor ao Zero


O objetivo desta breve recontagem da história do início da Austrália do Sul é apresentar
dois conceitos-chave: utopia e dissidência. Aqueles que discordam são frequentemente
os marginalizados; aqueles que estão no poder os toleram, legislam contra eles ou os
vitimizam. Os dissidentes são uma ameaça aos interesses adquiridos e à ortodoxia.

Dissidentes de Zero dano


Não passa um dia sem que eu seja informado pelos profissionais de segurança de toda a
Austrália de que nenhuma dissidência é permitida em sua organização quando se trata do
conceito de zero dano. Muitos gerentes de segurança escrevem e me falam de seu medo
e arrependimento depois de ousar levantar preocupação ou questionar a filosofia de
zero dano. A maioria não deseja perder o emprego e, portanto, esforça-se para trabalhar
dentro de um sistema em que eles não acreditam.
Existem vários especialistas e críticos de segurança independentes (não vinculados a um
empregador) que, nos últimos tempos, discordaram publicamente ao debater a ideologia
do dano zero. Seus argumentos são resumidos do seguinte modo:

1. Tom Gadner – Zero Dano – Moda ou Esperança?


(http://zeroharm.info/2011/02/11/zero-harm-hype-or-hope/, acessado 13 de Julho
2012)
Argumento - Zero dano precisa ser uma realidade e significa o que diz ou, se
modificado, torna-se sem sentido. Como tal, não passa de uma campanha publicitária de
marketing.

2. Corrie Ptizer – Zero Dano é uma Ética Falsa


(http://sheqafrica.com/zero-harm/, acessado 13 de Julho 2012)
Argumento - A gestão da segurança permanece presa nas ideias da “administração
científica” de Frederick Taylor. Corrie propõe onze falácias sobre dano zero para
consideração:
“Banir comportamentos de risco” é uma falácia
Falácia: o comportamento de assumir riscos é a raiz do mal nos negócios e pode ser
banido. Na verdade, o negócio é impulsionado pelo risco de aproveitamento.
“Identificar as causas do incidente” é uma falácia
Falácia: as causas dos incidentes são identificáveis ​​e nos ensinam a prevenir incidentes
semelhantes. Na verdade, a exata combinação de causas diretas e caminhos únicos de
qualquer incidente nunca se repetem.
“Regras de segurança são produtivas” é uma falácia
Falácia: as regras de segurança apoiam a produtividade. Na verdade, não existe nexo
causal.

CAPÍTULO 4: O Dissidente do Zero 41


“Taxas de incidentes provam a segurança” é uma falácia
Falácia: medições de acidentes comprovam níveis de segurança. Na verdade, as taxas de
acidentes e incidentes resultam da sorte e do protocolo de medição.
“Punição e recompensa” são falácias
Falácia: os gráficos de “segurança” são uma base para recompensa e punição dos
trabalhadores. Na verdade, as recompensas oferecem suporte aos procedimentos de
produção, mas destroem a gestão da segurança. Recompensas são incentivos para ocultar
acidentes e distorcer o comportamento em relação ao “bônus do mês”, tornando-se uma
farsa ou “game show” da segurança e diminuindo a confiança na gestão.
“Ambição Zero” é uma falácia
Falácia: “acidentes de perda zero” ou zero dano é um lema moralmente correto, igual a
um mandamento. Na verdade, se os negócios e os trabalhadores concordassem com esse
imperativo moral, todas as organizações seriam obrigadas por lei a gastar pelo menos
metade do lucro em segurança. Poderíamos automatizar todas as operações com robôs.
As falhas ocorrem mesmo na natureza, devido à mudança
James Reason escreveu que “o zero transmite uma representação perigosa” das realidades
do risco, a ilusão “de que seus esforços de segurança terminarão em uma vitória decisiva
um dia.”
“Lema zero” é uma falácia
Falácia: “Ninguém se machuca” ou “Segurança é nosso valor central” ou “A meta é zero”.
Na verdade, os trabalhadores entendem que o lema simplista e bonito é falso. Slogans
falsos apenas acusam as pessoas. Fotos de família em pôsteres acusam os trabalhadores de
não cuidar de suas famílias. Pior, slogans “zero” acusam os trabalhadores de “descrentes”
e induzem à culpa.
“Regras” são falácias
Falácia: as regras de segurança fornecem resultados previsíveis e salvam vidas. Na
verdade, a complexidade da gestão de risco é comprovada por nossas muitas e diversas
intervenções. A maioria das regras opera na tradicional “lógica” de uma “hierarquia de
controles”, como na engenharia, ou de prevenção por procedimentos, administração ou
equipamento de proteção individual, mas todos esses são complexos de implementar.
O “fator humano” é uma falácia
Falácia: o sucesso da segurança comportamental prova que o comportamento do
trabalhador é o problema. Na verdade, o comportamento é causado por muitas
condições e outros antecedentes, cada um sujeito à mudança.
A gestão da segurança tornou-se falsa e ridícula, e zero dano é a Grande Fraude da
Segurança, perpetuando regras, sistemas, cartões, quinquilharias, lemas, medições, taxas,
indicadores, prioridades, compromissos. Os trabalhadores conhecem isso tudo como
“segurança de PowerPoint”.
Talvez a melhor citação de Corrie seja a seguinte:

42 Por Amor ao Zero


Saber que não poderíamos atingir o zero é mais motivador do que a ilusão de que
poderíamos!

3. Phillip Byard – Poderia o “Zero Dano” estar matando


pessoas?
(http://www.ferret.com.au/c/Australian-Exhibitions-Conferences/Could-Zero-
Harm-be-killingour-people-n867277, acessado 13 de Julho 2012)
Argumento - Byard argumenta que o conceito de dano zero direciona uma mentalidade
e muda o foco de lesões de classe 1 para lesões leves de classe 3. Byard argumenta
que isso muda o foco principal para uma alocação desproporcional de recursos para a
prevenção de riscos menores.

4. Andrew Douglas – Zero Dano, um conceito falho de


segurança
(http://www.sia.org.au/browse.aspx?ContentID=issue62_2011-02-22_news1,
acessado 13 de Julho 2012)
Argumento - Quando você desenvolve um projeto voltado para zero danos que é
sustentado pela suposição de que todos os ferimentos são evitáveis, você criou um teste
autoimposto razoavelmente praticável que não pode ser cumprido.
A principal preocupação de Douglas é com a praticabilidade, mas defende zero dano
como um valor.

5. David Whitfield – Zero Dano - Apenas diga não!


(http://www.amsj.com.au/mine-safety-news/training-and-development/814-zero-
harm-just-say-no, acessado 13 de Julho 2012)
Argumento - Os dois problemas básicos criados pelo uso de zero dano são que, um, na
verdade, danifica a cultura de segurança e, dois, pode ocultar sérios riscos de segurança
subjacentes... zero dano é negativo, um termo absoluto, e não deve ter lugar em um local
de trabalho moderno com foco na segurança. Usar o dano zero para promover e vender
a segurança prejudica a cultura de segurança e pode ocultar problemas de segurança
subjacentes significativos. Pare de usá-lo, interaja com sua força de trabalho e pergunte o
que eles querem e o que eles acham que é importante.

6. Kevin Jones – “Faça algo bom” soa mais efetivo do que o


atingir “zero dano”.
(http://safetyatworkblog.com/2012/05/15/do-some-good-sounds-more-e&ective-
than-achievingzero-harm/, acessado 13 de Julho 2012)

CAPÍTULO 4: O Dissidente do Zero 43


Argumento - Focar na segurança positiva é o que eu faço como consultor de segurança,
mas dizer que meu trabalho é “fazer o bem” me faz sentir melhor sobre meu trabalho do
que se eu estivesse minimizando o negativo, que é o que o descritor de zero dano faz.

7. George Robotham – Zero Dano


(http://www.sia.org.au/forums/showpost.
asp?ContentID=43081&ContainerID=2960&TopNodeID=43081, acessado 13 de
Julho 2012)
Argumento - O conceito de zero dano não é prático e direciona microscópicos na
avaliação de risco.
Zero dano é algo caloroso e difuso que é emocionalmente atraente, se não
necessariamente direcionado onde fará muito bem... Minha experiência diz que as
pessoas gastam esforços excessivos nas pequenas coisas, mas é raro encontrar uma
tentativa abrangente de abordar os itens do quadro geral, dano zero apenas reforça essa
tendência.

8. Shawn M. Galloway – Metas de Zero Acidente Motivam


Tomar Riscos, Não a Excelência
(http://proactsafety.com/articles/zero-incident-goals-motivate-risk-taking-not-
excellence, acessado 30 de agosto 2012)
Argumento - Os programas e as metas de acidente zero são os desejos de culturas de
segurança médias, não aquelas com desempenho excelente. Organizações que alcançaram
sustentabilidade de excelentes resultados em cultura e desempenho definem, medem e
motivam o que querem, ao invés do que não querem. Quando a excelência em segurança
é medida por zero falhas, um ponto de vista organizacional autolimitado e uma crença
muito perigosa do funcionário são criadas: “Se segurança significa nenhum acidente,
então tudo que eu fizer que não resulte em um incidente ou machucado deve ser seguro”.
Quando isso ocorre, o risco será esquecido, a complacência se estabelecerá, um grau
importante e saudável de vulnerabilidade ao risco será perdido e as organizações serão
surpreendidas por um acidente que ocorre do nada.

Resumo
É claro que há mais dissidentes do que apenas esses oito exemplos. Como veremos na
seção seguinte, a maioria da força de trabalho, especialmente aqueles com empregos de
risco, são dissidentes com zero danos.

A Evidência da Crença
A Human Dymensions tem conduzido a pesquisa de diagnóstico de cultura de segurança
MiProfile © desde 2006, depois que desenvolvi a pesquisa e a metodologia em 2003.
Em seguida, refinei a metodologia ao trabalhar com o WorkWise Group. O banco de

44 Por Amor ao Zero


dados de pesquisa MiProfile atualmente ultrapassa 21.000 participantes (em mineração,
construção, manufatura e governo). A metodologia para a pesquisa foi explicada em
detalhes no livro anterior Risk Makes Sense (O Risco Faz Sentido) e uma metodologia
completa (papel de 15.000 palavras) está disponível mediante solicitação. Os resultados
da pesquisa estabelecem o seguinte em relação a dano zero:
1. Apenas 35% da força de trabalho acredita no conceito de dano zero;
2. Essa taxa de crença diminui se os trabalhadores vierem de áreas de trabalho de alto
risco;
3. A maioria dos trabalhadores acha falta de definição, ginástica de palavras e definição
de zero confusas e todos têm sua própria interpretação do que significa zero;
4. Mais de 85% dos trabalhadores acreditam que zero significa absolutamente nada;
5. Embora a força de trabalho esteja 100% comprometida com o gerenciamento de
riscos e segurança, a maioria não está comprometida com a ideologia do dano zero;
6. Os resultados mostram que, se o tempo for incluído na combinação, uma
porcentagem muito menor de pessoas acredita em dano zero quanto mais o período
de tempo for estendido, por exemplo, até 10 anos ou mais;
7. Os resultados também mostram que 85% dos trabalhadores não sabem se dano zero é
uma meta, uma ação, um processo, uma atividade, um ideal ou um objetivo prático;
8. Os trabalhadores declararam que zero dano não é alcançável devido:
• À natureza do alto risco de trabalho;
• À prioridade de produção do lucro;
• Ao nível inadequado de recursos;
• À necessidade de tomar a responsabilidade pessoal pela segurança;
• À má qualidade da liderança e da supervisão;
• À alta tendência para a “dupla fala”.
9. A maioria dos trabalhadores sente que a complexidade dos sistemas também é um
fator que contribui para a incredulidade do dano zero.
10. A maioria dos trabalhadores acredita que as pessoas não estão dispostas a confrontar
outras e interromper o trabalho inseguro.
Portanto, as evidências mostram que a maioria da força de trabalho não acredita em
dano zero. “Isso cria uma desconexão entre os proponentes do dano zero (geralmente
CEOs) e os trabalhadores. Os trabalhadores ouvem a linguagem e o discurso cultural
do dano zero e não acreditam nisso. Os CEOs, que dificilmente precisam realizar
uma tarefa de alto risco, ditam em que acreditar. Em vez de ajudar na propriedade do
risco na parte difícil do local de trabalho, o próprio mantra dos CEOs está levando o
sentimento e a crença na direção oposta. Isso é realmente perigoso e um ponto muito
bem defendido por Douglas. A filosofia do “zero” gera uma subcultura de descrença,
cinismo e ceticismo. Estas, por si mesmas, corroem a confiança organizacional

CAPÍTULO 4: O Dissidente do Zero 45


e a influência daqueles em posição de autoridade que, por sua cegueira cultural,
exacerbam uma cultura de desconexão entre a administração e os trabalhadores.
Um resultado estranho e em subproduto do discurso do dano zero é que ele também
promove um discurso de “risco zero” e isso “sufoca” o aprendizado e a imaginação
no ambiente de trabalho. O discurso de dano zero também indiretamente defende
uma abordagem “sem erros” para relatar e aprender, mais comumente consagrada no
mantra “todos os acidentes são evitáveis”.
No entanto, mais ceticismo e cinismo abundam conforme os trabalhadores
descobrem que o padrão adotado pelos CEOs se destina apenas aos trabalhadores,
não a eles próprios. Quando os trabalhadores cometem erros, deve haver zero
tolerância, ao passo que, quando os CEOs cometem erros, deve haver opções
de ações adicionais, perdão e tolerância. A menos que essa divisão seja superada,
simplesmente haverá mais desconexão, menos crença, mais ceticismo, cinismo e
negatividade em relação à chamada “visão que vem de cima”.
O problema com a credibilidade é como ela desconecta psicologicamente as
pessoas de supostas projeções motivacionais da própria meta de dano zero.
Independentemente do que os proponentes sugerem, se trabalhadores simplesmente
não acreditam no dano zero, então o ceticismo será o resultado e o ceticismo é
perigoso para qualquer cultura.

Figura 7. Primeira amostra de pesquisa MiProfile

46 Por Amor ao Zero


Figura 8. Segunda amostra de pesquisa MiProfile

Figura 9. Terceira amostra de pesquisa MiProfile

“Acidente Zero é um objetivo sem sentido.”

Reflexão
A maioria dos argumentos do dissidente contra dano zero é baseada na incongruência
do absoluto de zero com a limitação e a imperfeição humana. Embora alguns saibam
que há questões culturais e sociopsicológicas associadas à ideia de dano zero, elas
ainda não foram totalmente articuladas. Os argumentos sociopsicológicos articulados
posteriormente neste livro buscam construir sobre o trabalho dos dissidentes contra o
conceito de zero. De todos os estados da Austrália, o estado de Queensland é o mais
proeminente em sua defesa da ideologia de dano zero. O Programa de Liderança

CAPÍTULO 4: O Dissidente do Zero 47


Acidente Zero no Trabalho do Governo de Queensland é talvez o melhor exemplo de
foco sancionado pelo estado na ideologia de dano zero (http://www.deir.qld.gov.au/
workplace/zeroharm/index.htm). Lançado em setembro de 2009, o programa ainda não
fez qualquer diferença nos resultados mensuráveis ​​de fatalidades no trabalho no estado.
No trimestre de janeiro a março de 2012, Queensland tem o segundo maior número de
fatalidades notáveis ​​na Austrália, atrás apenas de NSW (http: //www.safeworkaustralia.
gov.au/sites/SWA/AboutSafeWorkAustralia/WhatWeDo/Publications/Pages / Noti!
EdFatalitiesMonthlyReport.aspx, acessado em agosto de 2012).
É interessante que em 2012 o governo de Queensland pediu o apoio do técnico da
Rugby League State of Origin (série melhor-de-três da Liga Australiana de Rugby),
Mal Meninga, para ser o embaixador do dano zero. Estranho, as imagens e a influência
icônica da liga de rugby e da série são prejudiciais. A ideia de machucar um oponente
é fundamental para o jogo, e é por isso que o conceito de “devolver a pancada” é tão
popular no Footy Show na TV. Um dos fundamentos da liga competitiva de rugby é
“colidir” no adversário.
Portanto, após três anos de retórica de acidente zero em Queensland, não há nenhuma
evidência demonstrável de que a ideologia de dano zero mude alguma coisa. Certamente
o que muda é o aumento do ceticismo gerado ainda mais pelo fato de que o dano zero
não está sendo alcançado, e não se acredita nele. Na verdade, quando as pessoas contam
o número de vezes que não alcançaram uma meta, elas eventualmente questionam a
validade da meta. A única outra opção é culpar o trabalhador.

Desde quando a intolerância se tornou uma


virtude?
Uma virtude é um traço de caráter ou qualidade moral considerado bom. No mundo
dos relacionamentos, a ideia de intolerância raramente é considerada boa. Quando
as pessoas cometem um erro em um relacionamento, querem que seu parceiro seja
compreensivo e compassivo. A intolerância gera uma ruptura nos relacionamentos. A
razão pela qual a tolerância é normalmente considerada uma virtude é porque é uma
característica necessária exigida para o movimento, a maturação e a aprendizagem. A
organização que entende as dimensões do que é ser humano entende que a linguagem do
“zero” não acomoda mudança, reflexão, reconsideração, reenquadramento ou o poder do
arrependimento.
O problema com o zero é que não há para onde ir. Não há movimento nessa linguagem.
Zero é absoluto. Uma organização com políticas, objetivos e um discurso zero tende a se
concentrar na categorização dos erros, não nos valores e nas atitudes que levam a eles.
A linguagem do “zero” está em contradição com a noção de melhoria contínua. O
peculiar sobre os defensores da intolerância é que sempre a enquadraram como algo bom
para os outros. Os gerentes querem tolerância zero para seus erros de gestão?

48 Por Amor ao Zero


Intolerância e Doutrinação
O oposto de uma virtude é um vício. Um vício geralmente está associado a valores e
ações que, em última análise, desumanizam os outros. Quando não há tolerância, há
apenas conformidade e submissão. Não há imaginação fora do absoluto. Essa é a posição
do fundamentalista. Existe apenas preto e branco. Em um sistema baseado na linguagem
do “zero”, espera-se que os humanos sejam mais como máquinas, a educação é trocada
por doutrinação e o humano é visto como a soma de entradas e saídas. Esta é a posição
do behaviorismo. Alimentar os regulamentos, a legislação, as regras e as expectativas e
fazer com que as pessoas cumpram. O problema é que os humanos não são máquinas.
A doutrinação só é boa para os autômatos. A busca do zero é a busca por ter tudo sob
controle, é um exercício fundamentalista.

A lógica Zero e Woolies


Woolworths tem quase 1000 postos de gasolina (com frentistas) na Austrália. No
posto de gasolina, o frentista da Woolworths agora usa um boné com a legenda
“Destino ao Zero”. Alguns consultores de risco e CEOs amam essa linguagem do
“zero”, mas não conseguem perceber o que tal discurso promove. Quando o destino
é maior e mais importante do que a jornada, algo infeliz acontece. As pessoas
reescrevem a forma como medem os acidentes para que o “destino” se aproxime.
Perguntei a um cara usando o boné Destino ao Zero o que significava e ele me
disse que, no ano passado, houve apenas quatro acidentes com afastamento na
Woolworths e eles querem reduzir a nenhum. Existem seres humanos em suas lojas?
Eu me pergunto como eles vão se livrar dos quatro acidentes restantes. Que tipo de
reescrita será necessária para fazer com que dezenas de milhares de pessoas não se
machuquem. Que tipo de sistema de relatórios e definições serão necessários para
empurrar essas lesões para outro lugar? Eu me pergunto como eles serão capazes de
controlar a humanidade de todas as pessoas em suas lojas. Eu me pergunto como eles
vão contar os ferimentos associados aos muitos roubos que acontecem com os seus
frentistas. Como eles vão registrar e relatar essas lesões? Eu me pergunto se o soco
que vi em um frentista da Woolies no sábado faz parte dos registros do Destino Zero.
Quão inteligente é a contabilidade zero? Eu me pergunto quantas lutas de pessoas
impacientes ou empolgadas acontecem em suas lojas e como são registradas.
Não é preciso muito para deixar uma pessoa animada. Apenas a expectativa de ver
alguém que você ama é o suficiente. Mesmo um flerte, uma ideia ou um comentário
pode deixar alguém animado. Os mesmos sintomas físicos de ansiedade aparecem
com qualquer forma de excitação: coração acelerado, boca seca, sudorese, tremores,
dificuldade para engolir e desmaios. A excitação é difícil de controlar, a histeria, quase
impossível. Basta olhar para o comportamento das pessoas quando elas estouram.
Observe o comportamento numa roda de pogo em um show de rock ou as pessoas
em animação religiosa; todas elas mostram o potencial de estar fora de controle. No
momento em que um grupo de pessoas entusiasmadas se reúne com ou sem álcool, a
incerteza prevalece. A única maneira de limitar a histeria é restringir os relacionamentos
humanos e eliminar todas as coisas que impulsionam a excitação social. A única maneira
de chegar a zero é garantir que nenhum humano esteja envolvido.

CAPÍTULO 4: O Dissidente do Zero 49


No mundo do risco, da qualidade e da segurança, quando as apostas são altas, é
compreensível que as organizações sejam tentadas a definir metas zero. Ninguém
quer que as pessoas se machuquem; ninguém quer as consequências da insegurança.
No entanto, a linguagem do “zero” apenas inspira pessoas perfeitas. O resto de nós é
motivado por paciência, tolerância, compreensão e capacidade de aprender e amadurecer.
O resultado real de um foco no absoluto do zero nas organizações é uma subcultura de
cinismo, ceticismo e confusão. A linguagem “zero” conduz a busca pelo microscópico em
risco. A única maneira de obter zero acidentes em um local de trabalho é evitar cortes
de papel no escritório ou redefinir os ferimentos. A preocupação com o microscópico
tende a criar uma cegueira para a macroscópica do risco. Cinismo, ceticismo e confusão
nas organizações de “formigas brancas”. A estrutura pode parecer boa por fora, mas se
corrompe por dentro. A política e a linguagem do “zero” têm uma trajetória de controle
absoluto, eliminação de risco e antiaprendizagem. Cada meta não alcançada é um
lembrete psicológico do fracasso.

Tolerância e Aprendizado
A organização que aprende e o indivíduo que aprende são capazes de transformar e
mudar. Sistemas e organizações que se concentram em absolutos, no preto e no branco
do zero; no destino, não na jornada; nos fins, não no processo, carecem de capacidade de
adaptação. O risco é inimigo do zero e o aprendizado é seu primo. Infelizmente, nesta
era de complexidade de sistemas, há uma necessidade maior de flexibilidade, adaptação
e tolerância mais do que nunca. A linguagem do “zero” e a linguagem da aprendizagem
são antitéticas entre si. Precisamos de mais flexibilidade e criatividade, não menos. A
organização com sistemas complexos adaptativos sobreviverá à turbulência da mudança e
da incerteza muito melhor do que as organizações presas na miopia, na aversão ao risco,
no preto e branco, nos absolutos e nos microscópicos do fundamentalismo.

Motivação e Aprendizagem
É importante que as palavras e a linguagem realmente tenham um significado. Nosso uso
da linguagem é uma das principais maneiras de definir a cultura organizacional. Se as
organizações usam a palavra “zero” e tentam redefini-la para significar algo diferente de
zero, isso acaba gerando confusão e cinismo cultural. Este é então o contorcionismo da
linguagem “zero”. Retórica “zero”, política “zero” e objetivos “zero” dão à organização um
foco na intolerância, nos absolutos e na desaprendizagem. Sendo assim, faz muito mais
sentido que as organizações estabeleçam políticas, lemas e metas que sejam alcançáveis e​​
compreendam a maneira como os humanos aprendem.
Em 2010, o governo de Queensland lançou sua estratégia “Acidente Zero no Trabalho”
com a alegação de que era uma estratégia cultural positiva. Onde está a evidência de
que a linguagem “zero” é positiva? Na África, muitos funcionários de segurança querem
proibir a linguagem do “zero”! Eu quero saber por quê.
Infelizmente, líderes empresariais, reguladores e profissionais de risco gravitam em torno
do discurso do acidente zero sem pensar muito sobre seus desdobramentos psicológicos,
éticos, culturais ou lógicos. Eles costumam responder às minhas críticas com explicações

50 Por Amor ao Zero


simplistas ou perguntas sobre intenções e objetivos. A lógica deles é que, se você não
definir uma meta de acidente zero, seu objetivo deve ser prejudicar as pessoas. Estamos
familiarizados com argumentos semelhantes como este na política: disseram-nos que,
se não fôssemos a favor da guerra contra o Iraque, éramos terroristas. Essa lógica sem
sentido é a lógica fundamentalista e não tem lugar na construção sofisticada de sentido
sobre o risco. A verdade não é estabelecida pela ausência de um oposto.
A realidade é que não existe risco zero. Ser humano e viver no mundo é arriscar. Para
inovar e criar, é preciso correr riscos.
O conceito de zero é uma filosofia matemática, uma ideologia, mais do que um número.
Multiplique qualquer número por zero e a resposta será zero. Zero erradica, não anima.
Conforme discutido anteriormente, os resultados da pesquisa MiProfile mostram que
75% dos trabalhadores não acreditam em dano zero. A maioria dos entrevistados pensa
nisso como um absurdo e diz que eles só falaram da boca para fora a linguagem do “zero”
para manter o CEO feliz.
O conhecimento no campo da dinâmica psicossocial ou neurociência social está
provavelmente distante de muitos líderes empresariais e profissionais que se fixaram na
linguagem do “zero”. Tornou-se uma ideologia imprecisa que agora está carregada de
tanta emoção que qualquer aparência de negação é semelhante a uma heresia religiosa.
O culto do zero agora é mais uma busca religiosa fundamentalista do que uma forma de
dar sentido ao risco. Na verdade, a linguagem do “zero” inibe a criação de sentido sobre o
risco. Para experimentar esse fervor religioso, basta desafiar a linguagem do “zero” em um
nível corporativo. As respostas de indignação são emocionais, não evidentes.
Os novos “sumos sacerdotes” de discurso zero são pessoas que afirmam ser líderes
no tema risco. O discurso de dano zero promove o guerreiro da segurança a um
guardião vigilante da conformidade e a campeão de definição, manipulação, reescrita
e relatórios. Curiosamente, a “Carta de Acidente Zero no Trabalho” do governo de
Queensland não menciona as seguintes palavras: aprendizagem, inspiração, visão,
motivação, percepção ou risco, mas quer “promover a política de zero acidentes como
princípio no local de trabalho”.
O discurso do dano zero é uma falácia baseada na ignorância das heurísticas e ancorada na
ingenuidade simplista. Tende a melhorar muito pouco e cria uma subcultura insidiosa.

Os Fundamentos da Motivação
A Não-Motivação do Sr. Walk
Eu frequentei a Epping Boys High School em 1966, 67, 68 e 69. Era uma grande
escola conhecida por suas realizações esportivas. Naquela época, Epping ficava nos
arredores de Sydney. Quando me matriculei na escola pela primeira vez, eu estava
na melhor classe daquela série, mas, por várias razões psicológicas e sociais, comecei
a declinar na ordem. Então comecei na turma 7ªA e no 9º ano estava na 9ªC e
procurando entrar na 10ªD ou 10ªE.

CAPÍTULO 4: O Dissidente do Zero 51


Lembro-me de ter sido aconselhado no nono ano pelo conselheiro de carreiras
escolares, Sr. Walk (pronuncia-se Sr. Wark). O Sr. Walk era uma pessoa negativa,
conhecido por sua habilidade de dar bengaladas. Na época, eu não tinha ideia de
por que estava indo ao escritório do Sr. Walk, mas saí de lá me sentindo deprimido
e desmotivado para entregar qualquer esforço à escola. Eu gostava imensamente
da banda da escola, jogava no time da liga de rugby da escola como zagueiro e
gostava muito de atletismo. Em todos esses empreendimentos, a escola estava entre
as melhores do torneio NSW. Eu fazia parte do time da primeira divisão de rugby,
representava a escola nas barreiras e fazia parte da banda que ganhou o NSW
Eisteddfod. No entanto, o Sr. Walk sozinho tirou o vento das minhas velas. Naquela
reunião, ele me disse que eu nunca alcançaria nada, não deveria me dedicar a nada
que fosse desafiador e deveria buscar um futuro em um trabalho manual. Ele deixou
claro que eu certamente não era capaz de fazer estudos universitários ou qualquer
outro estudo.
Em vez de tentar na escola, decidi que era incapaz de qualquer coisa, então perdi
o interesse por tudo o que fosse acadêmico. Felizmente, no ano seguinte, meu pai
assumiu o cargo de Ministro em Grote St, em Adelaide, e toda minha vida mudou.
Conhecer novas pessoas com confiança e positividade e poder frequentar uma
escola no sul da Austrália que me permitiu abandonar a matemática e as ciências
possibilitaram um rápido desempenho e aprendizado. Assim que fiquei motivado,
sabia que poderia chegar lá.
Então, o que é motivação? Como as pessoas podem ser motivadas a abandonar os mitos,
a entender melhor o risco e a desenvolver a propriedade na forma como gerenciam o
risco? Vou sugerir dez princípios básicos para motivar a si mesmo e aos outros.
1. O primeiro elemento essencial para motivar os outros é compreender o clima,
a cultura e o meio ambiente. Sem compreender os fundamentos da cultura, da
aceitação, do pertencimento, do respeito e da integridade, há pouca chance de que
alguém seja motivado;
2. O segundo ponto essencial é a ênfase na aprendizagem. Organizações que não
enfatizam o aprendizado geralmente não são “organizações que aprendem”. Quando
tiver um momento, dê uma olhada na documentação de procedimentos e políticas
da sua organização e faça uma busca pelo uso da palavra “aprender”. A linguagem
da documentação da política sempre revela os valores fundamentais de condução
de uma organização. Se a aprendizagem não for enfatizada na política, então não é
provável que ocorra na prática;
3. O terceiro elemento essencial na motivação é ter visão de longo prazo, ao invés
de miopia. Ações que ganham conformidade no curto prazo, mas ressentimento
no longo prazo, geralmente resultam de ganho autocentrado, não de bem-estar
sustentável;
4. O quarto ponto essencial é saber que a motivação pode ser extrínseca e intrínseca. A
motivação intrínseca (interna) ou automotivação é mais poderosa do que a motivação
extrínseca (externa), que depende de outras pessoas e está ligada a uma recompensa
externa. Se o resultado for interrompido, a motivação geralmente diminui;

52 Por Amor ao Zero


5. O quinto elemento essencial para a motivação é “prontidão” (estado de desejo).
Ajudar as pessoas a amadurecer e alcançá-las em um estado de prontidão é a chave
para o desenvolvimento, a mudança e o aprendizado;
6. O sexto elemento essencial para a motivação é o significado e o propósito
organizacional. As pessoas raramente são motivadas pelo caos e pela falta de sentido.
Pessoas que se sentem seguras e positivas são facilmente motivadas. A chave aqui é
estabelecer metas desejáveis ​​e alcançáveis, esta é a base da liderança;
7. O sétimo elemento essencial para a motivação é a diminuição da ansiedade e do
medo. Pessoas sob angústia (não estresse) tendem a operar fora de sua “sombra”, elas
prefeririam capacidade e habilidade no mínimo. Olhar cabisbaixo para o policial
pode ser por repressão de conformidade, mas a ansiedade associada a essa estratégia
leva a erros por ansiedade, ao invés de gerar a concentração eficaz;
8. O oitavo ponto essencial para a motivação é atender às necessidades e aos desejos do
outro. Maslow (1943) descobriu que o cumprimento dessa hierarquia fundamental
de necessidades é imperativo antes que as pessoas possam ser motivadas. Quaisquer
que sejam as necessidades e desejos do outro, eles devem ser alcançáveis. Ninguém é
motivado por objetivos inatingíveis;
9. O nono elemento essencial para a motivação é o reforço positivo. Não há nada mais
motivacional do que reconhecimento, confirmação, incentivo, respeito e confiança;
10. O décimo elemento essencial para motivar os outros é a compreensão do pensamento
humano, do julgamento e da tomada de decisões, e das habilidades das pessoas para
agir de acordo com essa compreensão.
Se esses fundamentos estiverem em vigor, a organização terá uma boa chance de romper
com a ilusão dos mitos do risco e começará a entender o risco.

Questionamentos
1. A ideia de divergir das tendências populares ou ortodoxas não é nova. Você consegue
traçar a história de um conceito que já foi popular e então a visão divergente se
tornou ortodoxa?
2. Você consegue encontrar evidências que mostrem como a ideia zero é um paraíso
utópico e religioso?
3. Por que os CEOs se contentam em estar fora de sincronia com a força de trabalho
com a ideia do zero?
4. Se cultura é sobre crença, como a busca pelo zero é uma “fé”?
5. Tente encontrar alguns exemplos de um defensor do acidente zero explicando como
o zero nos motiva.

CAPÍTULO 4: O Dissidente do Zero 53


Transição
Como a atribuição do absoluto do zero faz sentido, quando aplicado à finitude falível do
ser humano? O argumento do primeiro livro era que a ideia de aversão ao risco não faz
sentido à luz da necessidade de os humanos aprenderem. Não há aprendizado ou vida
real sem riscos. A negação do risco é a negação da vida. Da mesma forma, a linguagem
do “zero” como um absoluto também é uma negação da vida e do aprendizado. A
trajetória do zero é aquela que busca eliminar todos os riscos. É uma trajetória de
controle total.

Vivemos com Riscos e, portanto, Aprendemos a “Arriscar


com Segurança”
Em um minuto, terei de entrar no carro e postar um livro. Meu carro está na
garagem onde o estacionei ontem à noite e é um inverno frio em Canberra. Terei
de tirar o gelo da janela, esquentar o carro, dirigir até o shopping e ir aos correios.
Depois voltarei, prepararei minha mala, pegarei um táxi para o aeroporto e voarei
para Melbourne. Eu me pergunto: quantos riscos irei enfrentar e sobre os quais não
terei controle no decorrer do meu dia? Da mesma forma, me pergunto o que vou
aprender hoje ao me dedicar a essas atividades. Vou me encontrar com o dono do
correio, que passei a conhecer melhor desde a publicação do meu livro anterior. Será
que a perna dele está sarando depois da operação? Eu me pergunto se a assistente dele
está de volta depois de seu parto difícil. Eles são pessoas tão agradáveis ​​e prestativas
que eu não pensaria em ir para outra loja. Eles têm minha lealdade por causa de seu
serviço focado no relacionamento. Eles me conhecem pelo nome e às vezes fazem
coisas para mim sem pedir. Quando estiver atrasado, eles simplesmente pegarão os
livros, de forma confiável, para postá-los adequadamente, e eu os pagarei depois. Aí
meu motorista de táxi de costume virá e me levará ao aeroporto. Conheço Jo desde
1995, quando eu costumava dirigir táxis para ele, uma ótima maneira de ganhar
dinheiro enquanto se conclui o PhD. Jo é da Espanha e toda a sua família dirige
táxis, eles cuidam de mim e são tão confiáveis ​​e amigáveis. Então, de volta à estrada
com outra pessoa no controle.
Como na Terra toda a atividade deste dia poderia ser reduzida a risco zero? Como tantas
variáveis ​​podem ser controladas? Como o zero pode fazer sentido? E se zero não faz
sentido, então deve ser sem sentido?

54 Por Amor ao Zero


CAPÍTULO 5
O Zero Fazendo
Sentido 5
“Eu sou, de certa forma, algo intermediário entre Deus e o
nada.” René Descartes (Discurso sobre o Método)
“Nada é ser e ser nada: nossa mente limitada não pode captar
ou compreender isto, pois se junta ao infinito.” Azriel de Gerona

Opostos binários
A linguagem absolutista e a defesa do zero dano são mais frequentemente baseadas em
um argumento de opostos. Esse argumento propõe que zero dano pode ser o único
objetivo em segurança e risco, porque negá-lo seria o mesmo que aceitar as lesões, ou
até considerá-las desejáveis. Como a citação 1 no Capítulo 2 declarou: “Qualquer meta
diferente de zero significa que a sua empresa tem uma política que permite atingir
ALGUNS danos”. Esse argumento só é lógico quando tem como premissa a aceitação da
oposição binária na linguagem e na definição de metas.
Negar ou permanecer em silêncio sobre um assunto não significa endossar o seu oposto.
Permanecer em silêncio sobre o zero dano não significa que a única outra escolha seja o
fatalismo. Por que devemos pensar em tais termos opostos binários em segurança e risco
quando não o fazemos em outras esferas da vida? Por que indústrias da mineração e da
construção são tão limitadas ao pensar em opostos binários?
Antes de continuarmos a discussão, nós precisamos explorar mais a oposição binária e o
que ela significa. Oposição binária é um sistema no qual (tanto na linguagem quanto no
pensamento) dois opostos teóricos são estritamente definidos e postos um contra o outro.
A oposição binária compreende o mundo em termos de dois elementos mutuamente
excludentes, tais como: ligado e desligado, para cima e para baixo e esquerda e direita.
Esta é uma forma fundamentalista de pensar. Ela ganha a sua identidade através de
seu oposto.
A oposição binária afirma que, se você negar uma afirmação, deve, portanto, confirmar o
seu oposto. O pensamento binário propõe que se:
• alguém não acredita em Deus, então acredita no demônio;

CAPÍTULO 5: O Zero Fazendo Sentido 55


• se você não apoia a “guerra contra o terror”, você é um terrorista;
• se você não apoia o casamento gay, você deve ser homofóbico;
• se você não apoia a taxa de Carbono, você é um vândalo ambiental;
• se você não apoia o zero dano, você deve apoiar o dano.
Vemos muito dessa linguagem simplista de preto e branco na superioridade moral da
mídia populista e na disposição que deseja a luta.
Alguns dos grandes debates, guerras e conflitos ao longo da história foram baseados
no absurdo dos opostos binários. Um exemplo é o debate acerca do criacionismo e
da evolução. Se há uma parte da vida sobre a qual temos certeza de que temos algum
controle, é o nosso senso de crença ou descrença em Deus. Parece não haver nenhuma
alternativa, pois os proponentes de ambos os extremos evitam reconhecer qualquer meio-
termo. Isso ocorre porque os argumentos do tipo fundamentalista estão profundamente
infundidos com o self, o ego e a identidade. Deborah Tannen explica o problema
com oposições em seu maravilhoso livro The Argument Culture, Moving from Debate
to Dialogue (A Cultura do argumento, passando do debate ao diálogo). O famoso
Julgamento de Scopes, de 1925, também ilustra como o oposicionismo e a oposição
binária funcionam.

O Julgamento de Scopes
O Julgamento de Scopes, também conhecido como “O Julgamento do Macaco”, foi
um caso legal em 1925 no qual o professor de ciências do ensino médio John Scopes
foi acusado de violar o Ato de Buttler, do Estado do Tenessee, o qual afirmava ser
contra a lei ensinar Evolução Humana em qualquer escola financiada pelo estado.
O Julgamento de Scopes é tido como um divisor de águas ao desmontar o domínio
do fundamentalismo bíblico nas escolas públicas dos Estados Unidos. O julgamento
destaca de várias maneiras como a oposição binária divide as pessoas. A mente binária
quer uma “escolha forçada” e conecta essa escolha com uma gama de lealdades e
fidelidades sociopolíticas. Debates semelhantes são travados sobre o livre-arbítrio
versus o determinismo, convencidos de que não há outra maneira. Tannen observa
que “os dois lados atrapalham a resolução de problemas”. O debate criacionismo
versus evolução continua até hoje na Austrália e pode ser observado navegando-se no
site do Ministério Internacional da Criação (www.creation.com).
Antes de eu escapar do fundamentalismo, foi deixado claro para mim que ou
uma pessoa acreditava literalmente na Bíblia ou era um evolucionista. Aceitar
qualquer trecho da evolução era uma rejeição não somente da Palavra de Deus
literal, mas também uma rejeição de Deus e do Cristianismo. Uma vez estando na
cultura criacionista, logo se descobre o prêmio atribuído ao argumento racional.
Os criacionistas têm muitas pessoas com PhD e cientistas que apoiam esse
posicionamento. O criacionismo não é um posicionamento irracional. Quando
alguém aceita os pressupostos binários da comunidade criacionista e acredita
piamente nas reivindicações da Bíblia literal, então o que se segue é a lógica

56 Por Amor ao Zero


fundamentalista e o argumento racional. Se alguém entende um fundamentalista,
então sabe que sua posição não é irracional.
Não há solução para o adversarialismo ou o oposicionismo. O que acontece quando
os evolucionistas e os criacionistas se reúnem não tem muito a ver com aprendizado
ou escuta. Há pouca mediação de aprendizagem no debate entre o adversarialismo
dos opostos. O fundamentalismo, seja religioso, político ou gerencial, demoniza o
pensamento oposto. Não há razão para escutar o outro, já que o demônio do lado oposto
não tem nada de valor para dizer.
O argumento da oposição binária geralmente articula a sua estratégia com muita
confiança quando propõe que a única outra forma de pensar que não seja zero dano é
aceitar três mortes ou dois feridos ou um pequeno ferimento como alternativa. Muitos
vídeos no YouTube são excelentes exemplos desse pensamento:
Is Zero Harm Possible? (O Zero Dano é Possível?) http://www.youtube.com/
watch?feature=player_embedded&v=UYwPMIpXMmM#
ZeroHarm Message (Mensagem sobre o Zero Dano) http://www.youtube.com/
watch?v=Q9OA23lD9_0)
O que é estranho é que esse argumento só é válido no campo da segurança do trabalho.
A mesma lógica binária não se aplica a nenhuma outra área organizacional, tal como a
liderança ou o gerenciamento. Portanto, o que ocorre nas organizações zero dano é o
comprometimento com uma estranha ginástica de linguagem e uma tortura na lógica.
Essa lógica diz que na segurança nós pensamos em absolutos e em oposições binárias,
mas na liderança nós pensamos em maturação, desenvolvimento, jornada e empatia.
Alguém que escolha permanecer em silêncio sobre o dano zero não aprova ou sanciona
a lesão. Eu posso desejar que ninguém seja lesionado sem precisar da linguagem de
absolutos para articular a minha visão. Na verdade, eu acredito que a minha abordagem
como proposta neste livro, de omitir tal linguagem do meu discurso cultural, é mais
honesto com a linguagem e muito mais motivacional. O que é mais interessante
em observar especialistas em medicina, saúde mental, vícios, traumas psicológicos
organizações baseadas na fé ou qualquer profissão de ajuda humana é que não há
nenhuma discussão de zero, mas sim uma minimização dos danos. Isto significa que
todos eles querem machucar pessoas?

CAPÍTULO 5: O Zero Fazendo Sentido 57


Figura 10. Posições de pensamento racionalista, irracional e
arracional.

O problema com o posicionamento de oposição binária é que ele não consegue


imaginar uma terceira via, ou, na verdade, nenhuma via alternativa. A oposição
binária é um argumento racionalista que supõe que qualquer oposição é irracional. Na
verdade, existem outras posições a serem sustentadas que são não-racionais, mas não
são irracionais. Argumentos não-racionais ou arracionais abordam particularmente
as dimensões psicológica e cultural do caráter humano. Abordagens arracionais de
pensamento são onde grande parte do nosso funcionamento inconsciente está situado
e onde a intuição, o conhecimento instintivo e o conhecimento implícito são exercidos
(Hassim, 2005). Essas formas de conhecimento são como a maior parte do julgamento
humano e as tomadas de decisão são feitas. Portanto, nós precisamos de uma forma
de estabelecimento de metas e de cultura de gerenciamento de risco que acomode essa
dimensão. O pensamento arracional precede e funciona por baixo do pensamento
racionalista e irracional (como ilustrado na figura 9).
Se a lógica da oposição binária deve ser aplicada consistentemente pelos seus defensores,
então, se alguém acredita que pode existir zero dano, também acreditará que “todos os
acidentes são evitáveis”. Se é assim, então alguém acreditará que todos os riscos podem
ser controlados. Neste caso, não mais se acreditará em incerteza, bem como se deve negar
o sentido da palavra “risco”. Isto faria com que as pessoas que afirmam tais conclusões
fossem “fundamentalistas do risco”. A consistência em oposição binária não pode
ser seletiva.
A expressão e a crença de que “todos os acidentes são evitáveis” também se tornou
parte da ideologia zero dano. Essa expressão agora é parte do discurso absolutista das
organizações zero dano, redefinindo o significado da palavra “risco”. Recentemente, em
uma competição de “primeiros socorros” no estado de Queensland, uma equipe chamada
“Avessos ao Risco” foi orgulhosamente anunciada vencedora:

58 Por Amor ao Zero


(http://www.safetyculture.com.au/news/index.php/07/team-risk-adverse-wins-
queensland-rail-!rst-aid-challenge-regional-!nal/)
Aversão ao risco é anátema para aprendizado, aventura, inspiração, criatividade, liderança
e vida. Como alguém poderia imaginar que tal conceito é bom?
Eu sou muito feliz em não aceitar a afirmação de que “todos os acidentes são evitáveis”
e isto não faz de mim um ser fatalista. Eu sou muito feliz em não falar sobre zero dano,
mas isto não significa que eu desejo a lesão. Existem mais de duas formas de abordar
o assunto lesões no trabalho. Há mais formas de pensar do que ser somente preto e
branco. Tannen argumenta que a oposição binária estabelece uma ética de agressão. Em
vez de permitir o discurso, que é essencial para aprender, para ouvir e pensar, o absoluto
aliena e dispara o oposicionismo.
É claro que há muitas alternativas mais práticas e inspiradoras para a afirmação sem
sentido “todos os acidentes são evitáveis”. Essa afirmação é sem sentido porque ela nega
a realidade do risco, da limitação humana, do aprendizado pelo erro e dos fundamentos
do aprendizado. Toda a noção científica de “tentativa e erro” está baseada em como os
humanos aprendem através da experiência. Hallinan (2009) narra as incríveis invenções
e os avanços na história humana que foram desenvolvidos por engano. Não pode haver
aprendizado sem risco, bem como não pode haver criatividade nem inovação sem incerteza.

Estratégia de Metas
Neste momento é importante discutir o estabelecimento de metas, a busca dos objetivos
e a relevância destes para o debate do zero dano.
Para iniciar essa discussão, nós devemos, de forma clara, fazer a distinção entre a
ideia de um objetivo e a linguagem de um estabelecimento de meta. Muito da minha
preocupação quanto à psicologia do estabelecimento de meta não tem tanto a ver
com a intenção da meta, mas muito mais com o que a linguagem envolvida em um
estabelecimento de meta “pré-ativa” na mente do receptor.
O zero dano, se estabelecido como um objetivo, é uma meta de revogação: alguém
reconhece o atingimento da meta através da ausência de algo, ao invés da presença de
algo. Metas de revogação não são somente negativas, mas também não são inspiradoras
(Moskowitz e Grant, 2009). Metas de revogação tendem a ser punitivas, por natureza,
enquanto as metas de desempenho são muito mais positivas e de sucesso. No âmbito da
compreensão da motivação e da aprendizagem, os líderes deveriam estar falando muito
mais no discurso cultural sobre “manter as pessoas seguras” do que em “prevenir as
lesões”. As discussões posteriores mostrarão como esse discurso “pré-ativa” as pessoas. Por
que a comunidade da segurança acredita que metas de revogação são tão inspiradoras?
Mais uma vez, nós não podemos pensar ou falar em oposição binária. Eu não planejo
ter acidentes somente porque eu nego a afirmação que “todos os acidentes são evitáveis”.
O nosso estabelecimento de metas bem como o nosso pensar deveriam ser muito
mais sofisticados do que esse binário sem sentido. A negação da meta zero não é uma
afirmação de que eu anseio por lesões. Eu não aceito acidentes, mas eu escolho não falar
em termos de zeros absolutos. Aqueles que se comprometem com o zero numa oposição

CAPÍTULO 5: O Zero Fazendo Sentido 59


binária têm que prosseguir com a mais absurda ginástica semântica para tentar fazer com
que a realidade caiba no seu discurso. Nós precisamos ser muito mais inteligentes na
forma que influenciamos a cultura do que é oferecido pela oposição binária sem sentido.
Uma história da Escola Galileia pode ajudar.

A armadilha da lógica binária


Quando eu iniciei a Escola Galileia para jovens de alto risco em 1997, eu aceitava
muitos jovens que tinham vidas muito tristes e disfuncionais. Além de seis viciados
em heroína, dez jovens sem-teto, quatro predadores sexuais violentos e cinco
criminosos habituais, eu também aceitei a matrícula de dois garotos de 14 anos que
tinham atacado sexualmente um cachorro e depois o mataram. Os outros garotos
perseguiram esses dois não se dirigindo a eles pelos nomes, mas os chamando de
“comedores de cachorro”. Eu não posso me desculpar pelo linguajar ofensivo deles, já
que isto é crítico para esta história e para a importância do discurso cultural.
Então, embora a expressão utilizada por eles fosse verdadeira, não era útil para
a cultura e para os objetivos da escola. Como a linguagem é um dos principais
veículos da cultura, eu procurei influenciar tal discurso. Assim, eu insisti que aquela
linguagem não era aceitável na Escola Galileia. Nós não precisávamos voltar ao
passado ou rotular outros somente porque nos fazia parecer legais. Minha insistência
tomou a forma de modelagem e ressignificação. Eu trabalhei duro para eliminar
aquele linguajar na escola, ressignificando tudo como metas de desempenho
positivas. Então, os outros garotos tentaram me rotular com a acusação que eu
aceitava, portanto, o que os dois garotos haviam feito. E lá estava eu ensinando
jovens na escola a não pensarem em oposição binária, como um caminho crítico
para estabelecer uma cultura escolar saudável. Se a escola pensasse de forma
fundamentalista em preto-e-branco, ninguém seria ajudado ou se libertaria de anos e
anos de vitimização e abusos.
O sucesso da Escola Galileia foi alcançado ao não permitir que a linguagem da oposição
binária dominasse a cultura.
Alguns especialistas falam sobre a importância de uma “Cultura Justa”. Sim, esse foco
sobre reportar é positivo. Contudo, nós deveríamos também pensar muito mais sobre
como a linguagem de oposição binária do zero dano conduz a uma “cultura de engano”.
Uma cultura organizacional que é caracterizada por ceticismo, cinismo, subnotificações,
falta de debate e medo de abertura é insidiosa e destrutiva. Se a ideologia do zero dano
impulsiona os valores subculturais tais como medo, doutrinação, mente fechada e
censura, então ela é verdadeiramente perigosa. Na verdade, ela é muito mais, porque
a ideologia zero dano geralmente se disfarça como sendo “o anjo de luz” no meio de
“demônios do dano”.

60 Por Amor ao Zero


Estabelecimento de Metas
Em vez de medir o que valorizamos, nós tendemos a
valorizar o que nós conseguimos medir
Seria ingênuo acreditar que o estabelecimento de metas é simples e objetivo. Quantas
vezes você estabeleceu uma meta – por exemplo, deixar de fazer algo, aderir a uma dieta
ou cometer menos erros – e depois voltou aos velhos hábitos? O fracasso das resoluções
de Ano Novo são um testemunho da dificuldade psicológica em estabelecer e cumprir
metas. As metas não ficam isoladas. Todas as metas competem entre si. Deve haver um
equilíbrio. Se nós estabelecemos metas para eliminar riscos, estas também competem
com metas que buscam produzir conhecimento.
Nós estabelecemos metas a todo tempo, consciente e inconscientemente. Uma meta
é um estado final desejado que é restringido por fatores como tempo, viabilidade,
motivação, desejo, prioridade na vida, enquadramento, disposição e outras metas
conflitantes.
O estabelecimento de metas é complexo e multidimensional. Existem três principais
níveis de metas, a saber:
1. Metas de ordem superior: “eu quero ser uma pessoa melhor”;
2. Metas de ordem intermediária: “eu quero deixar de ingerir açúcar”;
3. Metas de ordem inferior: “eu quero tirar pelo menos 8,5 na prova de matemática”
Esses três níveis de metas comandam vários níveis de mensuração. As metas também
competem umas com as outras. As de ordem inferior tendem a ser fáceis de medir,
enquanto as de ordem superior são mais difíceis. Metas de ordem intermediária tendem
a ser parcialmente mensuráveis. Cada uma dessas ordens de metas operam em níveis
conscientes e inconscientes. Cada ordem de meta também tende a ter tanto um foco de
promoção quanto um foco de prevenção. Essas ordens de meta, os níveis e os focos estão
representados na figura 11: Níveis de Metas.

Abandonando TVs e Motivações Contraintuitivas


A invenção e a manufatura das TVs de tela plana de baixo custo têm sido uma bênção
para as lojas de eletrodomésticos. O prazer de sentar-se e assistir aos esportes ou a um
filme em uma TV de 42 polegadas é uma nova experiência. Mas, o que fazer com as
TVs antigas? Em Camberra, o problema apareceu primeiro no Depósito de Lixo de
Camberra, onde com muitas TVs velhas surgiam misturadas com aterro. Uma vez que
a onda de TVs descartadas se tornou uma avalanche, o governo percebeu que tinha
um problema enorme em suas mãos. O custo de reciclar os componentes das TVs era
alto, portanto, foi decidido que se cobraria uma taxa para o descarte. Descartar uma
TV custaria 25 dólares. Se uma família tivesse três TVs, o descarte custaria 75 dólares.
Logo, muitas TVs começaram a aparecer nos acostamentos. Somente os ambientalistas
conscientes pareciam inspirados o suficiente para pagar tal cobrança. Onde residia
a motivação para fazer a coisa certa? Os custos extras se amontoaram, já que os

CAPÍTULO 5: O Zero Fazendo Sentido 61


funcionários do governo tiveram que recolher TVs dos meios-fios e dos parques. Isso
tornou-se um pesadelo. O mesmo problema ainda existe com os contêineres de doação
de roupas. Às vezes sai mais caro colocar os contêineres para recolher doações, então as
entidades pararam de fazê-lo.
Estabelecer metas isoladas do que nós conhecemos sobre como os humanos se comportam
e pensam é sem sentido. No final das contas, saiu muito mais barato para o governo
subsidiar o descarte das TVs, e, desde então, todas as TVs são recicladas de graça.
Um problema semelhante existia nos anos 80, quando o governo cobrava pelo uso de
churrasqueiras públicas nos parques locais (na Austrália, os churrascos são feitos com
gás de cozinha). O gerenciamento do sistema de manutenção, com todo o vandalismo
que existia, era mais caro do que fornecer gás de graça para os churrascos. Não demorou
muito para que o sistema de pagamento fosse encerrado. Parece ser muito mais
econômico providenciar as coisas de graça.
O estabelecimento de metas não é simples nem direto. Parece sempre haver metas
secundárias ou conflitantes a serem consideradas antes de embarcar em alguma
“iniciativa brilhante”. A não ser que se compreenda os fundamentos da psicologia do
risco e do estabelecimento de metas, é muito provável que essas iniciativas acabem
voltando muito mais caras para a prancheta. Estabelecimento de metas binárias que não
considere as possibilidades e a natureza dos humanos está fadada ao fracasso.

Figura 11. Níveis de Metas

62 Por Amor ao Zero


Metas conscientes e inconscientes não são boas nem más. Contudo, nós devemos
reconhecer que há vezes em que nos surpreendemos com o nosso próprio
comportamento quando metas não conscientes são reveladas. Foi Karl E. Weick
(1995) que disse: “como eu posso saber que eu creio até que eu veja o que eu faço?”
Weick, como muitos estudiosos da psicologia social, acredita que a maior parte do
comportamento humano é gerada no inconsciente, não na mente consciente.
As pesquisas de Libet, Wagner, Bargh, Frith, Burton e muitos outros experts em
neuropsicologia mostram que a ação e os impulsos elétricos do cérebro são mais lentos
do que a ação do corpo. Em outras palavras, a maior parte do que nós fazemos é gerada
de forma subconsciente e inconsciente e nós simplesmente atribuímos a sensação de
que a nossa mente gerou a ação, quando, de fato, ela não poderia (baseado em medições
de impulsos elétricos de partes do corpo para o cérebro). Para nós, parece que nós
conscientemente causamos o que fazemos, quando as evidências mostram que isso está
longe de ser verdade (Bargh, 2007). As pessoas geralmente pensam que estão causando
um ato, mas as evidências mostram que o ato já ocorreu antes de nós termos o desejo de
fazê-lo acontecer.
O nosso inconsciente não é somente poderoso, mas também difícil de controlar. Se
eu fosse dizer para você não pensar e não visualizar uma cobra preta (figura 12) pelas
próximas horas, algo peculiar iria acontecer.

Figura 12. Cobra preta.

Foi pedido a você para não pensar em uma cobra preta (foco na prevenção), mas antes
de você terminar de ler este trecho, você vai pensar em cobras pretas novamente. Na
verdade, quanto mais nós tentarmos reprimir os pensamentos sobre as cobras pretas,
mais a visão delas retornará. É contraintuitivo, mas às vezes a preocupação em suprimir

CAPÍTULO 5: O Zero Fazendo Sentido 63


algo tende a ativá-lo. É assim que a subversão das metas de prevenção e de revogação
funciona. Geralmente, esta é a experiência das pessoas que tentam superar um vício.
Portanto, quando se trata de níveis de metas, é ingênuo pensar que tudo é simples e
fácil. Estabelecer a meta e persegui-la é complexo e altamente subjetivo. É por isso
que estabelecer uma meta como zero dano em uma ambiente de oposição binária é
simplista. É como se não fosse concorrer com outros objetivos, como o aprendizado e o
amadurecimento.
A linguagem e o discurso do zero dano não são singulares nem amistosos. A linguagem
do zero dano é uma meta focada na prevenção, de ordem inferior e mensurável, que
compete com inúmeras metas de ordem superior, tais como: a busca pelo aprendizado, a
prática ética, o desenvolvimento e o bem-estar e a necessidade de correr riscos. Todas as
metas interagem e afetam umas às outras, perpassando os vários níveis de metas.
O foco em uma meta de não promoção, como zero dano, também desencadeia a
negatividade subconsciente e o ceticismo resultante, como evidenciado na discussão
final deste artigo sobre credibilidade. Se o subproduto da linguagem e do discurso
cultural de dano zero é o ceticismo, o cinismo e a negatividade, então esse subproduto é
culturalmente perigoso. O ceticismo atua de forma subversiva em subculturas e corrói os
supostos ganhos da cultura ortodoxa proposta pelos CEOs e por aqueles que definem a
trajetória das metas.
Em muitas ocasiões, as pessoas defendem uma meta apenas para descobrir mais tarde
que forças ocultas subverteram o processo de definição de metas. Nós podemos definir
uma meta de perder 5 kg em 2 meses e isso desencadeia outras dinâmicas de sacrifício e
autorregulação. Quando as realidades da meta influenciam o processo de disciplina da
dieta, de alguma forma as coisas desmoronam. Inconscientemente, exatamente o que
tentamos alcançar fica subvertido pelos subprodutos de nosso estabelecimento de metas.
Esse processo está representado na figura 13 – A subversão das metas e os Subprodutos
das Metas.
A interrupção da nossa trajetória de meta adotada muitas vezes leva ao desapontamento
e à depressão quando o nosso objetivo não é alcançado. Nada é mais desanimador do
que perceber que uma meta era irreal. É então que a maioria das pessoas reformula seu
objetivo e desenvolve uma nova visão do que pensavam que tinham se empenhado em
alcançar. Se uma organização não atinge sua meta de zero dano, ela tem várias opções:
às vezes se reformula a definição, de modo que a lesão e o dano não se tornem realidade,
ou se nega a realidade por dissonância cognitiva para que o objetivo possa ser mantido,
apesar da evidência de que não funciona.
Quando as pessoas não conseguem encarar o fato de que seu objetivo falhou, elas criam
novas desculpas ilusórias e negam que o objetivo falhou (Festinger et al., 1956). Em vez
de admitir que a meta era o problema, eles projetam evasivas sobre fatores de tempo e as
razões pelas quais o objetivo era bom, só falhou desta vez, em vez de admitir que a meta
era um fracasso. Isso é muito comum em cultos fundamentalistas. É como eles negam a
realidade dos objetivos não alcançados.

64 Por Amor ao Zero


Figura 13 – A Subversão das Metas e os Subprodutos das Metas

O propósito do diagrama da figura 13 é mostrar que as metas não são singulares nem
são amistosas. É importante compreender, no estabelecimento de metas, a dinâmica dos
concorrentes e os subprodutos subversivos e ocultos dessa meta.
Onde isso nos leva ao conceito de zero dano? O fato é que as metas de prevenção e
de revogação como zero dano estão mais propensas à subversão do que as metas de
promoção (Moskowitz e Grant, 2009).
A meta de zero dano na verdade configura as suas próprias subversão e falha. Cada vez
que você não cumpre a meta, você desmotiva os seus empregados em relação ao senso
motivacional da própria meta.
A não ser que a comunidade da segurança do trabalho esteja preparada para tornar-
se mais sofisticada e menos simplista em relação ao estabelecimento de metas, nós
continuaremos a alimentar o ceticismo através de metas de prevenção como zero dano,
em vez de promover a segurança no ambiente de trabalho.
É estranho observar profissionais de segurança que não são líderes como o principal
grupo que estabelece uma meta inatingível de perfeição como objetivo da organização e
então tentam explicar por que ela é motivadora por meio do não endosso do seu oposto.

Bom Estabelecimento de Metas


Se você fizer uma busca no Google por “bom estabelecimento de metas”, você vai
conseguir aproximadamente 22 milhões de resultados. Observe os primeiros 100
resultados e veja o que muitos pesquisadores, experts, professores e blogueiros sugerem
como uma forma efetiva e de sucesso de estabelecimento de metas.

CAPÍTULO 5: O Zero Fazendo Sentido 65


Todo artigo sobre o estabelecimento de metas mostra a necessidade de definir metas
alcançáveis ​​e mensuráveis. Toda apresentação aborda a importância do estabelecimento
de metas como uma fonte de motivação, conquista e confiança. Quase todos os artigos
mencionam a importância do estabelecimento de metas SMART. As metas SMART são:
S – Significativas; M – Mensuráveis; A – Atingíveis; R – Relevantes; T – Temporais.
A grande ênfase em estabelecer metas efetivas é estabelecê-las realistas, de modo a
gerar motivação. É somente quando você atinge uma meta que você é motivado a
se desenvolver, a melhorar e a continuar com o esforço. Quase todos os experts em
estabelecimento de metas afirmam a relevância de se estabelecer metas que sejam
atingíveis. Além disso, a menos que consideremos a psicologia das metas em nosso
estabelecimento de objetivos, nossas metas permanecerão simplistas e ignorantes em
relação aos subprodutos de metas concorrentes e à subversão de metas (Moskowitz e
Grant, 2009). Metas inatingíveis geram frustração, cinismo e negatividade, que por
si só diminuem o esforço, a energia, a resiliência e a persistência. Absolutos não são
alcançáveis por humanos, somente por máquinas e deuses, mas até as máquinas perdem
o rendimento, pois se desgastam com o tempo. A incerteza é o desafio fundamental do
risco para os humanos. A busca pela certeza é uma busca fundamentalista por controle.
Então, munidos de todo esse conhecimento sobre motivação, aprendizagem e seres
humanos, por que tantos na indústria da segurança contradizem os fundamentos do
estabelecimento de metas? É como se alguém tivesse pago milhares de pesquisadores
e experts para criar uma fórmula do sucesso para o gerenciamento do risco (e para o
estabelecimento de metas) e, então, deliberadamente, ignorasse tudo.
Um dos objetivos de ordem mais alta que existe para a humanidade é o ato de criar,
imaginar, inovar e aprender. Robinson (2009) e Csikszentmihalyi (1990) defendem que
metas inatingíveis e irreais tiram as pessoas da zona da criatividade, da imaginação e da
aprendizagem.
Uma das contradições mais estranhas do movimento do zero dano é a dissonância entre
o estabelecimento de metas e os indicadores reativos. O que acontece é o seguinte:
os defensores do zero dano estabelecem a meta zero como a inspiração deles e então
documentam tudo e desenvolvem sistemas de reporte para informar cada vez que as
pessoas não a atingirem. O quão desmotivante é isso? Como essa dissonância “pré-ativa”
o cérebro dos trabalhadores?
Os defensores do dano zero ainda precisam demonstrar como uma meta inatingível
inspira ou motiva pessoas à propriedade da sua própria segurança e do gerenciamento de
risco. Na verdade, a diretiva da OSHA para os seus Gerentes Regionais, em referência
aos seus programas de incentivo e desincentivo à segurança dos empregados, adverte
especificamente contra prêmios e gratificações por zero dano:
(http://www.osha.gov/as/opa/whistleblowermemo.html)

66 Por Amor ao Zero


Questionamentos
1. Encontre exemplos de argumentos de oposição binária. Qual a natureza da armadilha
nos seus questionamentos?
2. Como as organizações religiosas utilizam argumentos de oposição binária em suas
pressões para evangelizar e converter?
3. Quais são as suas metas atuais para carreira, relações, finanças e hobbies? Quão
mensuráveis elas são? Importa para você se você não tem metas específicas articuladas
para algumas áreas?
4. Quais são os subprodutos das suas metas?
5. Liste as coisas da vida que você acredita serem misteriosas, coisas para as quais você
não tem explicação, mas, mesmo assim, você ainda acredita nelas. Elas não precisam
ser religiosas.

Transição
Os seres humanos fazem muitas coisas por diversão e esse sentimento é muito subjetivo
e muito difícil de se medir. Na verdade, às vezes, a ideia de mensuração arruína o prazer
e o valor estético de uma atividade. Quando eu vou a uma galeria de arte ou a um show
de rock, eu não quero arruinar a minha diversão e o mistério da atividade tentando
quantificar o meu prazer. Quando eu vejo as pessoas dançando, eu fico fascinado,
porque é uma forma de comunicação, de expressão e de energia sobre a qual eu sei tão
pouco. A dança era uma atividade rejeitada pela minha criação fundamentalista e eu
não compreendo quase nada sobre ela. Eu não tenho nem ferramentas para medi-la
ou apreciá-la. Mas isso não significa que não possa sentir a energia e o poder da sua
performance. Todavia, de muitas maneiras, eu não tenho palavras para descrever o meu
sentimento e o meu prazer em atividades estéticas. Eu certamente me senti assim quando
cada um dos meus filhos nasceu: não havia palavras para expressar o que eu acabara de
testemunhar. O mistério da vida e o viver às vezes são estragados pela busca mecanicista
em eliminar o que é misterioso. O envolvimento do inconsciente e do subconsciente no
risco também é algo misterioso. Vale a pena repetir o comentário de Karl Weick: “eu não
sei em que eu acredito, até que eu veja o que eu faço”.
Às vezes, a busca por certezas e controle pode nos roubar as alegrias misteriosas da vida.
É claro que eu conheço a biologia da reprodução – cromossomos, ovulação, esperma,
fertilização e genes –, mas a reunião de todas essas coisas e como cada célula “pensa” é
muito misterioso. Como podem duas células se reproduzirem de tal forma e com todas
as informações para desencadear o crescimento de uma célula no cérebro ou uma célula
no olho? Quando nossos melhores computadores não conseguem nem imitar o poder
da mente e do cérebro humanos ou seu uso de energia na computação, como podemos
pensar que o cérebro é apenas uma calculadora? Há muitas coisas que estão muito além
da nossa compreensão e do nosso controle. Este é o destino do humano finito falível.
A busca por controlar o empreendimento humano e eliminar todos os riscos é uma
atividade fundamentalista. A busca por certeza e controle absoluto é uma trajetória de
rigidez, de pensamento fechado, de não-aprendizado e de ideologia de culto.

CAPÍTULO 5: O Zero Fazendo Sentido 67


O próximo capítulo faz um importante desvio para a natureza do fundamentalismo e
suas características. A trajetória do zero, da aversão ao risco e do comprometimento com
o zero como uma religião é mais bem compreendida como uma busca fundamentalista.

68 Por Amor ao Zero


CAPÍTULO 6
A Natureza do
Fundamentalismo 6
“Muitas vezes é mais seguro estar acorrentado do que ser livre.”
Franz Kafka
“Quase sempre é o medo de sermos nós mesmos que nos leva
ao espelho.” Antonio Porchia

O Ramo Davidiano
Era uma manhã tranquila de domingo em Mount Carmel, no rancho do Ramo
Davidiano, em 28 de fevereiro de 1993. As pessoas seguiram suas rotinas: café
da manhã, banhos, orações e reuniões devocionais. Como na maioria dos dias no
rancho, as coisas eram ditadas pelo líder, David Koresh. O Ramo Davidiano foi uma
cisma de uma seita chamada Davidianos. A seita surgiu de uma profecia de Florence
Houteff em 1959 sobre o retorno iminente de Cristo. Após o fracasso da profecia,
a seita se fortaleceu sob a influência da dissonância cognitiva e ela preparou Vernon
Howell, mais tarde conhecido como David Koresh, como seu sucessor escolhido. Em
1984, uma reunião levou a uma divisão do grupo com Howell liderando uma facção,
chamando-se Davidianos do Ramo Davidiano, e George Roden liderando a facção
concorrente. Após essa separação, George Roden dirigiu Howell e seus seguidores
em Monte Carmelo. Howell e seu grupo se mudaram para Palestine, no Texas. Na
manhã de 28 de fevereiro, uma comoção no campo foi provocada por um telefonema
do cunhado de David, um carteiro que acabava de receber uma pergunta sobre o
rancho por uma pessoa da mídia. Koresh imediatamente disse a Rodriguez, um
agente do Escritório de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo (ATF) dos Estados Unidos
que achava que estava disfarçado, que sabia sobre o ataque que se aproximava.
Rodriguez imediatamente deixou o complexo. Koresh então pediu aos membros
masculinos que pegassem armas e tomassem posições defensivas sobre o complexo
enquanto as mulheres esperavam em seus quartos. Koresh ia esperar e ver quais eram
as intenções do ATF antes de prosseguir.
Teoricamente, o ATF estava fora para executar um mandado de busca, mas tinha
o complexo sob vigilância por muitos meses antes da batida. A declaração do ATF
garante uma busca sob suspeita de dezenas de armas de fogo ilegais e a operação de

CAPÍTULO 6: A Natureza do Fundamentalismo 69


um laboratório de metanfetamina. Davidiano, Paul Fatta era um revendedor federal
licenciado de armas de fogo (FFL) e os Davidianos operavam um negócio de armas
de varejo chamado Mag Bag.
Os agentes da ATF chegaram disfarçados em caminhões de gado, e o que se seguiu
foi um tiroteio inicial, deixando quatro agentes e seis davidianos mortos. Um cessar-
fogo foi alcançado no meio da manhã. Como resultado das mortes, o FBI assumiu o
controle da situação. Seguiu-se então um cerco que durou 51 dias. Logo, rumores se
espalharam de que crianças estavam sendo abusadas por Koresh e que um suicídio em
massa em Jonestown foi planejado. Um assalto foi finalmente feito em 19 de abril de
1993, envolvendo tanques, gás, máquinas de demolição, veículos blindados e armas
pesadas. O assalto deixou 76 mortos, este não foi o primeiro tiroteio na história
da seita. Em 1987, George Roden, o líder da outra facção davidiana, desenterrou
o caixão de uma pessoa chamada Anna Hughes do cemitério davídico e desafiou
Howell para um concurso de ressurreição para provar quem era o herdeiro legítimo
da liderança. Em vez disso, Howell informou as autoridades e tentou acessar a capela
no Monte Carmelo apenas para encontrar Roden armado com uma Uzi. Mais tarde,
Roden foi internado em um hospital psiquiátrico depois de matar um seguidor
com um machado por desafiar suas alegações de ser o messias. Durante o cerco,
vários especialistas em apocalipse e fundamentalismo em grupos religiosos, tentaram
persuadir o FBI de que as táticas de cerco usadas por agentes do governo apenas
criariam dissonância cognitiva dentro dos davidianos e estimulariam sua crença
de que eles faziam parte do cenário do “fim dos tempos” bíblico com significado
cósmico.

Figura 14. A queima do complexo do Ramo Davidiano

70 Por Amor ao Zero


A história do Ramo Davidiano é um exemplo extremo dos frutos do fundamentalismo.
A trajetória do fundamentalismo tem potencial para todas as dimensões do extremismo,
incluindo a psicopatologia justificada pela demonização do oposto. Muitos exemplos
de vários níveis de fundamentalismo abundam em grupos religiosos ortodoxos e não
ortodoxos na Austrália. O caso dos Ministérios Ágape em Adelaide em 2010 é um
exemplo mais próximo de casa. Em 21 de maio de 2010, noventa policiais fortemente
armados invadiram doze propriedades pertencentes à seita dos Ministérios Ágape em
Adelaide. O líder da seita, Rocco Leo, conhecido em sua congregação como “Irmão
Rock”, se escondeu. Ex-membros disseram que Leo estava por trás de uma fraude
envolvendo milhões de dólares doados por membros da seita. Quinze armas de fogo
ilegais e bastões extensíveis foram encontrados nas batidas, bem como dezenas de
milhares de cartuchos de munição. Um grupo central de cerca de 60 pessoas acreditava
que os líderes do culto usariam seu dinheiro para comprar uma ilha no Oceano Pacífico
para construir uma colônia Cristã. Os Ministérios Ágape acreditavam que o mundo
acabaria em 2012 e atraiu várias centenas de pessoas para sua “Casa de Deus” em
Oakden, no nordeste de Adelaide. Mais uma busca pela perfeição e pela Utopia.

Figura 15. Culto do Juízo Final no Sul da Austrália

CAPÍTULO 6: A Natureza do Fundamentalismo 71


Características Sociopsicológicas do
Fundamentalismo
É importante notar que a narração dessas histórias não tem a intenção de vincular os
aspectos patológicos do utopismo à ideologia do acidente zero, mas ilustra a propensão
ao extremismo em todas as ideologias fundamentalistas absolutistas. O objetivo dessas
histórias é ilustrar a mentalidade do fundamentalismo. A ideia de mentalidades vem da
Escola Francesa de História dos “Annales” e refere-se à história das atitudes, mentalidades
e disposições. Denota a natureza sociopsicológica e cultural da história, particularmente
a distribuição de poder por meio de mecanismos e relações culturais. As características
comuns dessas histórias fundamentalistas são:
• Doutrinação;
• Medo da dúvida;
• Conformismo absoluto;
• Crença nos absolutos;
• Compromisso de tipo religioso;
• Pensamento de oposição binária;
• Demonizar o inimigo;
• Psicopatologia;
• Justiça absoluta;
• A criação de uma nova linguagem e de um novo discurso;
• Domínio de personalidades autoritárias;
• Exclusão justificada;
• Dissonância cognitiva;
• Preocupação com transcendência.
O conceito de fundamentalismo não é selecionado levianamente em aplicação
à ideologia do acidente zero. Segue-se uma discussão mais aprofundada do
fundamentalismo. No entanto, primeiro deixe-me demonstrar em primeira mão minha
experiência com o fundamentalismo.

Aventurando-se para a Vitória


Em 1973, fui selecionado para uma turnê de basquete nas Filipinas e em Hong
Kong. Este não era um passeio comum; este foi um mecanismo para a divulgação
evangélica. A turnê fazia parte de um empreendimento evangélico chamado Aventura
para Vitória (AV). A AV estava em operação há muitos anos, apoiada por uma série
de denominações evangélicas cristãs com a mesma missão de uma cruzada com Billy
Graham. O papel principal da AV não é jogar basquete, mas converter as pessoas ao
cristianismo. O basquete é a cartada, mas o objetivo era a evangelização e a conversão

72 Por Amor ao Zero


a Jesus Cristo. Foi minha primeira vez no exterior e um despertar para o mundo.
Você verá nas fotos das figuras 16 e 17 um Rob muito mais jovem (e mais magro).
A Figura 16 me mostra no centro da foto tocando violão no intervalo e alguma
noção da multidão que compareceu. Como o basquete é seguido religiosamente nas
Filipinas, esse foi o mecanismo perfeito para reunir uma multidão.
Em alguns casos, aldeias e comunidades inteiras vieram nos ver jogar. Multidões
de até 15.000 pessoas se reuniram em quadras ásperas para assistir aos visitantes
jogarem, para ouvirem o apelo evangélico no intervalo e, após o jogo, se inscreverem
em um curso de fé Cristã. Ainda me lembro das canções que cantávamos em Tagalo,
a língua nativa – “Jesus é o caminho para a casa do Pai”.
Na Figura 16, a pessoa mais próxima da câmera é Paul Newman, que jogou pelo
Philadelphia 96ers, e do outro lado estavam dois jogadores universitários americanos
que foram trazidos para o time para reforçar nossa capacidade de vencer jogos.
Jogamos e derrotamos muitas equipes da primeira divisão e profissionais na turnê.
A equipe AV foi treinada por um atleta Olímpico Australiano e a equipe veio de
toda a Austrália. Você pode ver na frente o Diretor de Campanhas de Cristo dando a
mensagem Cristã. O Diretor, Bruce, e meu pai foram amigos e colegas de uma vida
inteira no esforço evangélico.

Figura 16. Evangelismo no intervalo

Então, minha experiência com o fundamentalismo não é um exercício acadêmico


distante, não vivido. Eu entendo a trajetória da certeza fundamentalista. Na turnê
AV eu tive algumas experiências incríveis e todos nós corremos alguns riscos. Era a
época do regime militar de Marcos e de noite era uma lei marcial, as ruas patrulhadas
pelo exército e pela polícia. Na última noite antes de voltarmos para casa, fizemos um

CAPÍTULO 6: A Natureza do Fundamentalismo 73


passeio arriscado de táxi pelas ruas secundárias de Manila porque nosso ônibus estava
atrasado. Acreditávamos que estávamos seguros por causa da oração e dos cristãos
locais que sabiam como contornar os militares. Em uma ocasião, lembro-me de
pessoas lutando com um extremista em um jogo e tirando uma arma dele.
Fui alojado nas casas de pessoas com ganchos na cozinha e galos brigando nos
fundos, que me garantiram que eu estava a salvo e me mostraram suas armas para
provar isso. Esta também foi a primeira vez que vi um vulcão ativo e fiquei chocado
com seus estrondos. Eu nunca fui capaz de comer “baloot”, ovos de galinha meio
incubados, para permitir a replicação de goma de mascar, uma influência cultural
da ocupação americana durante a Segunda Guerra Mundial. Em retrospecto, fiz
alguns trade-offs significativos, mas estes foram consideradas insignificantes quando
colocados ao lado da urgência e do compromisso com a crença evangélica. O
compromisso das pessoas com a “missão” e o trabalho missionário não é ilógico, mas
profundamente espiritual e os trade-offs são comuns “por causa do evangelho”. Todos
os riscos associados ao trabalho missionário são assumidos “pelo amor de Deus”.
Na figura 17 você pode ver o time alinhado em uma quadra de asfalto rachado para o
nosso segundo jogo do dia (Rob está mais próximo da câmera à direita). Já havíamos
jogado com um time da vila em quatro quartos e pensamos que tínhamos terminado
quando o prefeito da cidade saiu e nos informou que aquele não era o time real, mas
o time dos “instaladores de cortina”. Em seguida, jogamos por mais quatro trimestres
com mais músicas de intervalo e mensagens cristãs. A turnê foi das Filipinas a Hong
Kong e nunca perdemos um jogo. Houve também milhares de “convertidos” feitos
na turnê.

Figura 17. Jogo número dois com nova equipe

74 Por Amor ao Zero


Então posso contar tudo sobre a trajetória da certeza absoluta e do fundamentalismo,
porque eu o vivi e, felizmente, escapei dele. O fundamentalismo é uma ideologia que
busca o controle total e desumaniza a própria natureza do que é ser humano. Não há
liberdade ou amor no fundamentalismo. Não há tolerância ou fé no absolutismo. Não há
abertura, aprendizado ou escuta no fundamentalismo. Qualquer ideologia que promova
controle absoluto, certeza absoluta e perfeccionismo é uma ideologia desumanizadora.

Entendendo a Mente do Fundamentalismo


É comum na mídia desqualificar os fundamentalistas como “loucos” e idiotas. Tal
abordagem nos isola de levar a sério a mentalidade do fundamentalista. A discussão
deste capítulo revisa as características comuns do fundamentalismo na tentativa de
compreender melhor a mentalidade (disposição total) do acidente zero como ideologia
religiosa. Essa discussão é importante por vários motivos:
• Entender por que essa emoção é investida em ambos os lados do debate;
• Entender as questões associadas com a psicologia da conversação;
• Entender o apelo da ideologia do acidente zero.
O trabalho de Marty e Appleby no Projeto de Fundamentalismo em 1991, patrocinado
pela Academia Americana de Artes e Ciências, é uma fonte fundamental para começar
a compreender o fundamentalismo. A discussão que se segue baseia-se no trabalho de
Marty e Appleby e no trabalho realizado em meu doutorado. Comentários e exemplos
que ilustram o fundamentalismo da ideologia de dano zero foram destacados em itálico
e recuados.

Principais Características do Fundamentalismo


A lista a seguir fornece um esboço das principais características do conhecimento e da
prática fundamentalistas:
1. O extremismo, embora não seja objetivado em indivíduos ou instituições, é
uma pré-condição para a ruptura. O extremismo é visto como um impulso ideal
típico característico do espírito separatista ou sectário. Isso não é entendido pelos
fundamentalistas como separatismo, mas como recusa da comunhão com os
incrédulos, como não estar sob o jugo da injustiça, ou como não ter comunhão com
as trevas. O grau de extremismo varia, dependendo da tradição religiosa que domina
o grupo. O separatismo pode ocorrer tanto no pensamento quanto na prática e é
fortalecido pelo sigilo e pela dissonância cognitiva, que serão discutidos mais adiante
no final deste artigo.
A ideia de romper é evidente no anúncio da Figura 4. Aqui observamos a progressão
lógica de um compromisso religioso com uma ideologia. Nesse anúncio todas as referências
a segurança, risco e aprendizagem são omitidas. Isso é evidência da separação da
linguagem ortodoxa do risco para um novo paradigma da ideologia de acidente zero total;
2. O idealismo religioso é uma característica central, pois o reino transcendente do
divino se torna normativo para a comunidade religiosa. O poder do grupo para

CAPÍTULO 6: A Natureza do Fundamentalismo 75


solidificar a determinação e a convicção do fundamentalista é essencial e também
desempenha um papel crítico na dissonância cognitiva. O idealismo religioso por si
só fornece uma base irredutível para a identidade comunal e pessoal que é perceptível
na maneira como os fundamentalistas respondem por um hábito mental. O
fundamentalista acredita que somente uma identidade fundada nos “fundamentos”
pode permanecer livre de erosão e corrupção, impenetrável e imune a mudanças
substanciais e distante das vicissitudes da história e da razão;
Muito da linguagem de acidente zero é sobre um ideal, uma crença, confiança, esperança
e aspiração. Todas essas expressões são transcendentes. Os sentimentos expressos na
Citação 10, no Capítulo 2, mostram como a linguagem do Nirvana e do Céu se assimila
à ideologia do “zero” e aos absolutos associados. Uma vez que o ideal do “zero” está
estabelecido, ele se torna o novo fundamento e não deve ser questionado.
3. A identidade é entendida como ontológica, enraizada na própria natureza do ser
em relação com um absoluto (Deus ou outro) e, portanto, fora do alcance das
considerações temporais e espaciais humanas e da força relativizadora da história. Por
exemplo, “Cristãos nascidos de novo” entendem sua vida como uma participação em
“uma nova criação”, tendo “revestido Cristo” pela “renovação da mente”, e desfrutam
dos benefícios de um novo status como “servos justos do Senhor”. A compreensão
fundamentalista de tais passagens bíblicas, temperada pelo separatismo, leva ao
exclusivismo.
A ideia de dano zero agora se enraizou na própria natureza do discurso de risco.
Muitas organizações de consultoria sabem que devem usar linguagem de zero dano
ou não conseguirão trabalho. A lógica do dano zero também se estende para além das
considerações espaciais e racionais fundamentais para as limitações do que significa ser
humano. De muitas maneiras, a ideologia do acidente zero desenvolveu sua própria
literatura, marketing e separatismo da ortodoxia de segurança. A ideia de “vestir” e
“adiar” é semelhante à natureza dos silêncios a serem discutidos mais adiante neste livro.
Há um sentimento de exclusivismo na ideologia do acidente zero, identificada contra
aqueles que não acreditam nela.
4. A verdade revelada é descrita como um todo unificado, cognoscível e indiferenciado.
Isso é afirmado pela identidade e pelo grupo social.
A ideia de “verdade revelada” é aparente na ideologia de dano zero. A ideologia é
considerada completa e inquestionável e endossada por membros “tipo clube”.
5. Uma disposição intencionalmente escandalosa é adotada. O fundamentalista não
espera que o estranho entenda as afirmações trans-racionais do “crente” porque
essas crenças são consideradas um obstáculo. Estas são, no entanto, afirmadas e
compreendidas dentro do grupo. De fato, a “pessoa mediana”, de acordo com o
grupo e sua mentalidade, não pode discernir ou compreender as coisas de Deus.
Nesse sentido, é racional optar por nem mesmo discutir crenças com aqueles que não
as podem entender, então um silêncio de articulação se desenvolve rapidamente e a
conversa sobre a verdade fica restrita para os iniciantes.
A natureza do silêncio é mais importante para o fundamentalista. Primeiro, porque
seus oponentes estão em silêncio sobre coisas que eles acham importantes, por exemplo,

76 Por Amor ao Zero


o acidente zero. O silêncio sobre o acidente zero para o fundamentalista é o principal
indicador de que o oponente é um “não-crente”. Em segundo lugar, o fundamentalista
então desenvolve sua própria forma de silêncio, apesar do fato de que o silêncio para
eles é um indicador de não-crença. O fundamentalista do dano zero, uma vez crente,
não precisa discutir risco, incerteza, acidentes, falibilidade humana ou “segurança”.
A linguagem do crente de dano zero é absoluta.
6. Há oposição à consciência histórica, especialmente se for interpretada e traduzida
pelos modernistas em princípios fundamentais do relativismo. Isso ajuda em
parte o fundamentalista a manter a imunidade à absorção de ideias relativistas.
Os fundamentalistas rejeitam a noção de que crença e prática são historicamente
condicionadas e contingentes. Se os fundamentalistas admitissem que a mente
humana condiciona e limita a verdade da revelação, suas alegações de verdade não
valeriam nada, seriam suscetíveis a testes de adequação relativa e critérios estranhos
de avaliação.
O crente em acidente zero está comprometido com absolutos e a ideia de verdade relativa
é um anátema. Uma vez que se acredita no absoluto, qualquer ideia de contradição ao
absoluto não é mais interpretada como razão para não acreditar no absoluto. A separação
da ortodoxia aceita e da linguagem de minimização também é evitada.
7. Seja retórico ou real, existe um extremismo que serve como um teste decisivo para
separar os verdadeiros crentes dos de fora. Isso é evidente em um vocabulário de
crença e em um estereótipo de não-crentes.
A ideia de separação é importante para o fundamentalista e ter uma linguagem e um
discurso de zero dano torna-se a medida dessa separação.
8. Há uma reivindicação de acesso privilegiado à verdade absoluta e uma rejeição
associada de todas as outras formas de conhecimento, com a insistência de
que o fundamentalista está correto. A primazia da verdade é crucial para os
fundamentalistas. Eles veem sua existência como um baluarte contra o erro e o
compromisso teológico.
As ações de doutrinação e exclusão são importantes para o fundamentalista do acidente
zero. Outras formas de conhecimento, não importa o quão bem pesquisadas ou
acadêmicas, não contam para nada contra a verdade do dano zero. Em organizações de
dano zero, o mantra e a ideologia não devem ser questionados. Aqueles que questionam ou
discordam do mantra devem sair.
9. A compreensão de uma ou outra identidade de eleitos e réprobos permite ao
fundamentalista dividir o mundo em reinos ou províncias de escuridão e luz. Isso se
soma a um intenso personalismo. As pessoas sentem que conheceram a Deus, não
por meio de intermediários sacerdotais, mas diretamente. Isso dá uma sensação de
certeza do que Deus quer para eles e para o mundo. Essa orientação geralmente é
obtida lendo os escritos sagrados para obter conselhos, resultando em uma forma
extrema de abordagem mágica no pensamento. Assim, embora intensamente
individualista, essa orientação resulta em alta expressão moral absolutista.

CAPÍTULO 6: A Natureza do Fundamentalismo 77


Aqueles que seguem o dano zero são aqueles que estão na luz, e aqueles que estão nas
trevas ainda estão para “ver a luz”. A identidade dos opostos binários cria esse pensamento
e a demarcação do um ou outro.
10. Uma posição de não compromisso com outras doutrinas ou práticas é adotada
juntamente com uma insistência na pureza e na integridade de sua doutrina.
O que se segue é uma citação de um e-mail de Tom (pseudônimo) para mim:
Obviamente, ainda não li seu livro, mas o esboço do seu livro ressoa como muitas coisas
que tenho lido ultimamente, incluindo Weick, Kahneman, Snowden, Taleb, Geller,
Schwartz etc. Quanto mais eu ler, mais próxima a resposta parece chegar ao esboço do
seu livro. No entanto, infelizmente, eu tento ficar o mais longe possível da direção da
empresa. Por exemplo, o acidente zero atingiu o status de culto, com nosso CEO como o
sumo sacerdote. Qualquer um que não se apegue absolutamente à crença do acidente zero
tornar-se-á um excluído e um desajustado. A fé absoluta na matriz de risco é outra. O
emburrecimento é comum...
11. O repúdio às noções científicas seculares de progresso e evolução histórica gradual
permite que os fundamentalistas rejeitem noções humanísticas de ciência e qualquer
forma de argumento relativista.
Embora a ética da minimização, como uma ética humanizadora, seja abundante na
literatura de pesquisa em muitos campos de atuação, isso não tem consequências para a
ideologia do dano zero. A natureza religiosa do “zero” absoluto rejeita o sentido científico
da psicologia, da educação, da motivação, da aprendizagem e da antropologia quando se
trata da natureza dos humanos. Não pode haver tolerância em “zero”.
12. A escatologia dramática molda sua identidade. Cenários do apocalipse são invocados
para justificar vários programas. O fundamentalismo é basicamente messiânico e
apocalíptico.
A ideia de ser de outro mundo é fundamental para o “zero”. É definido como um ideal
que deve ser negador da vida para ser alcançado. Um dos fundamentos do “zero” é o medo
e o apocalipse é qualquer dano. O mantra do “zero” é usado para justificar qualquer
série de iniciativas desumanizadoras, desde que o “zero” seja o objetivo. “Zero” salva do
apocalipse do mal.
13. Uma consciência de um determinado momento histórico é combinada com escritos
sagrados com uma extraordinária interpretação do tempo e do espaço.
Uma das coisas interessantes sobre o dano zero é que ninguém parece saber de onde ele
se originou. Parece não ter história, mas a ideologia e o discurso do “zero” só existem na
indústria há aproximadamente 10 anos.
14. Os fundamentalistas nomeiam, dramatizam e até mitificam seus inimigos. As
leituras dualistas dos escritos sagrados permitem representações de uma meta-
história que fornece aos fundamentalistas um inimigo cósmico. Eles tendem a
pensar em polaridades. Isso dá às atividades uma urgência apocalíptica e fomenta
uma mentalidade de crise, que ajuda a justificar o zelo missionário e o extremismo.
A crença em um Satanás real ajuda a localizar uma conspiração cósmica do

78 Por Amor ao Zero


inimigo e todos os não-crentes são percebidos como cúmplices, consciente ou
inconscientemente, na obra de Satanás. No entanto, os fundamentalistas muitas
vezes têm mais medo de pessoas que afirmam a mesma religião e que desviam da
crença verdadeira, do que dos pagãos ou dos ateus, porque esse comportamento lança
mais dúvidas sobre suas próprias convicções. Uma das qualidades mais visíveis do
fundamentalismo é sua tendência a se dividir em subunidades briguentas que lutam
entre si por questões teológicas menores.
A cultura das organizações de dano zero é caracterizada pela confusão. Isso ocorre porque
poucas pessoas realmente acreditam na ideologia. O mantra do “zero” tende a ser o dos
CEOs, não das pessoas “nas ferramentas”. Isso leva a uma série de expressões de dano zero
que são qualificadas por outras palavras que atenuam o extremismo do “zero” absoluto.
Torna-se então uma “jornada para o dano zero” ou uma maneira de pensar. Isso permite
dezenas de diferentes interpretações do discurso e a redução dele como um absoluto.
Independentemente da interpretação, aqueles que negam o “zero” são “demonizados” como
não-crentes.
15. Uma orientação de contraste com outras culturas é evidente. A identificação e
a elaboração do inimigo é muitas vezes o passo inicial na retórica da negação.
Fundamentalistas precisam nomear e localizar o inimigo, um desejo que é evidente
no grupo anti-polêmicas inimigas.
A linguagem do desenvolvimento de uma “cultura de acidente zero” é popular entre os
defensores do acidente zero, mas nunca é definida. Ele se identifica principalmente por
sua linguagem, em vez de qualquer comportamento particularmente diferente em outras
organizações conscientes do risco e que são silenciosas na linguagem do “zero”.
16. Os fundamentalistas estabelecem limites, protegem o grupo da contaminação e
preservam sua pureza. Isso é feito através da manutenção da linguagem de guardiões
e dos processos de doutrinação.
Uma vez que a ideologia do acidente zero está em vigor, então começa uma série de
iniciativas de doutrinação, incluindo “política de acidente zero”, “treinamento de acidente
zero”, “desenvolvimento de liderança para o acidente zero” e assim por diante. Em breve,
uma gama de linguagem ortodoxa sobre risco foi substituída pelo “contorcionismo” de
dano zero. O objetivo é fazer com que as pessoas falem a língua sem definição ou sentido
e criando uma barreira à análise. No final, a linguagem torna-se o guardião para aqueles
que estão dentro e fora do rebanho.
17. Transformar a nação é o objetivo do fundamentalista. Os fundamentalistas anseiam
por um estado teocrático. Isso é evidente na linguagem de reconstrução extrema.
Não há nada mais incômodo para o fundamentalista religioso do que aqueles que não
acreditam. O fundamentalista, uma vez doutrinado, não consegue entender por que
alguém se oporia à ideologia do “zero”. Em vez de um estado teocrático, o fundamentalista
de dano zero anseia por um estado absoluto, um estado onde todo risco é projetado para
fora da atividade humana. Por exemplo: Zero Harm Mould (http://www.you ube.com/
watch v=g3aGwlHaShI, acessado em 3 de agosto de 2012.)

CAPÍTULO 6: A Natureza do Fundamentalismo 79


18. Um impulso totalitário é evidente na mobilização e na organização contra o inimigo.
Os fundamentalistas procuram substituir as estruturas existentes por um sistema
abrangente e são dogmáticos quanto a isso.
Zero não tem espaço para tolerância ou mensagens de minimização de danos. Armado
com o mantra de que “todos os acidentes são evitáveis”, mobiliza-se contra o inimigo e é
dogmático quanto a isso.
19. Os fundamentalistas são seletivamente tradicionais e seletivamente modernos. Eles
selecionam cuidadosamente, da infinidade de doutrinas, práticas e interpretações
disponíveis em sua tradição religiosa, aquelas que se adequam à sua subcultura.
A ideia de seletividade é importante para o fundamentalista do dano zero. “Zero” aplica-
se apenas a aspectos selecionados do trabalho, não a todo o ambiente de trabalho. Eles
acham fácil de acomodar essa contradição fundamental. Acidente zero não se aplica à
saúde mental, à saúde psicológica, à saúde social ou a uma série de outros modos de risco
que são difíceis de se controlar.
20. Eles empregam armas ideológicas contra um mundo hostil. A ideologia do “realismo
ingênuo” é a arma fundamentalista contra o mundo.
Os argumentos de oposição binária e realismo simplista são as armas do campo do
acidente zero. A ideia de sistema e complexidade humana como “problemas intratáveis”
(wicked problems) em segurança e gerenciamento de risco é essencialmente ignorada pela
posição do dano zero.
21. A liderança masculina carismática e autoritária é idealizada. Os fundamentalistas
repudiam a liderança religiosa tradicional, a religião institucionalizada e os estudos a
ela associados.
A natureza absoluta do “zero” e da intolerância parece se prestar a culturas masculinistas
nas quais o modelo de “ou dá ou desce” domina. O “Zero” se presta mais ao autoritarismo.
22. Fundamentalistas são construtores de instituições com um plano abrangente para a
sociedade. Essas agências independentes tornam-se o substituto organizacional para a
afiliação denominacional ineficaz.
A natureza abrangente e totalista do “zero” se presta à ideia de construção do reino.
23. Uma afirmação racionalista da verdade que se realiza pela objetivação da revelação.
Há uma imitação curiosa e talvez desajeitada do empirismo percebido do inimigo
(racionalidade secular). Embora o fundamentalismo tenha uma base religiosa, em
sua ânsia de assegurar credibilidade em uma posição empírica, tende a roubar da
religião o mistério, a imaginação, o misticismo, a complexidade, a ambiguidade e o
caráter situacional.
A natureza misteriosa do inconsciente humano e a tomada de decisão são totalmente
omitidas do discurso do acidente zero. A ideia de que toda a gestão de riscos e segurança
é racional é essencial para essa posição, independentemente do fato de que pouquíssimas
tomadas de decisões tenham origem racionalista.

80 Por Amor ao Zero


24. O conflito de função é proeminente no fundamentalismo. O fundamentalismo é
essencialmente um estado psico-religioso, portanto, não pode ser explicado apenas
sociologicamente. É por isso que uma compreensão da dissonância cognitiva é
fundamental para desenvolver uma compreensão da mentalidade fundamentalista.
A ginástica semântica, dialógica e de linguagem associada à cultura do acidente zero é
uma boa demonstração de como a dissonância cognitiva funciona. É porque o dano zero é
aceito como uma crença psico-religiosa que é difícil explicá-lo apenas como uma moda ou
um lema.
A afirmação de que o dano zero é um fundamentalismo é apoiada pelas evidências deste
livro, pela correlação entre essas 24 características aceitas como fundamentalismo e a
experiência daqueles que se chocam com a ideologia do acidente zero.
A natureza quase religiosa do fundamentalismo, no entanto, parece fazer pouca
diferença para o comportamento no mundo real. Zero dano é um conjunto de
palavras para adotar, mas não há indicadores de que ele conduza a comportamentos
diferentes em contraste com organizações que não adotam essa ideologia. Em outras
palavras, é uma forma de esquizofrenia cultural que permite uma abordagem bipolar
do desenvolvimento, do aprendizado humano e da retórica sobre o risco. Ele é capaz de
manter suas muitas contradições através do mecanismo de dissonância cognitiva.

Dissonância Cognitiva
A teoria da dissonância cognitiva está preocupada com situações que confrontam grupos
com fortes convicções com refutação clara e inegável dessas convicções. A teoria sustenta
que mesmo quando os grupos são confrontados com evidências falsificadoras eles
parecem responder com maior fervor evangelístico.
Há algumas evidências que sugerem que os anúncios de automóveis são lidos com
mais frequência não nos dias e nas semanas anteriores à compra, quando uma decisão
está sendo tomada, mas nos dias que se seguem à compra. Os anúncios não parecem
influenciar tanto a decisão em si, mas confirmam a decisão que de fato já foi tomada. É
depois do compromisso que se é atormentado pelas mais sérias dúvidas. Muitos amigos e
vizinhos felicitam e expressam sua admiração pelo novo veículo, confirmando-nos assim
em nossa sabedoria e julgamento. Outros, no entanto, expressam reservas ou mesmo
surpresas. Parece que pode haver alguns problemas sobre essa marca específica da qual
não tínhamos conhecimento, ou que um certo estilo diferente está ganhando terreno e a
compra que fizemos provavelmente ficará rapidamente desatualizada. Nesse ponto, duas
ou mais de nossas cognições, ou itens de nosso conhecimento, ou visões que acreditamos
serem verdadeiras, parecem estar em conflito.
(1) Sou uma pessoa sensata em cujos julgamento prático e “senso comum” sempre se
pode confiar;
(2) Tomei uma decisão que pode ser considerada precipitada e até tola. Essas proposições
chocam, criando uma sensação desconfortável de atenção, constrangimento ou
discórdia. A dissonância é cognitiva no sentido de que tem a ver com a coerência de
nosso conhecimento, ela é experimentada como sendo desagradável porque os itens

CAPÍTULO 6: A Natureza do Fundamentalismo 81


que constituem nosso universo de conhecimento, as crenças de mundo, as atitudes, as
opiniões e o mundo conhecido de qualquer indivíduo estão integrados dentro de um
sistema. Esta é a dinâmica da dissonância cognitiva no trabalho. Serão feitas tentativas
para aliviar o sentimento de autocrítica e desconforto causado pelo aparecimento
das crenças conflitantes. Estas podem ser descritas como técnicas para a redução da
dissonância cognitiva. Em certas circunstâncias, a leitura de anúncios parece ser uma
dessas técnicas. Os fundamentalistas parecem particularmente vulneráveis ​​à dissonância
cognitiva, uma vez que, se levarem a sério seu compromisso religioso, provavelmente
experimentarão tensão em seu mundo de suposto conhecimento.
O trabalho de Festinger, Riecken e Schachter “When Prophecy Fails: A Social and
Psychological Study of a Modern Group that Predicted the Destruction of the World”
(Quando a Profecia Falha: Um Estudo Social e Psicológico de um Grupo Moderno que
Previu a Destruição do Mundo) foi a primeira tentativa de descrever a dinâmica da
dissonância cognitiva. Embora os autores estivessem cientes da falta de evidências
empíricas detalhadas necessárias para demonstrar sua teoria, eles propuseram cinco
condições que parecem necessárias para que a dissonância ocorra:
1. Uma crença deve ser mantida com profunda convicção e deve ter alguma relevância
para a ação, ou seja, para o que o crente faz ou como ele se comporta;
2. A pessoa que mantém a crença deve ter se comprometido com ela; isto é, por causa
de sua crença, ela deve ter feito alguma ação importante que é difícil desfazer;
3. A crença deve ser suficientemente específica e suficientemente preocupada com o
mundo real para que os eventos possam refutar inequivocamente a crença;
4. Essa inegável evidência não confirmatória deve ocorrer e deve ser reconhecida pelo
indivíduo que mantém a crença;
5. O crente individual deve ter apoio social.
O ciclo de dissonância cognitiva é explicado esquematicamente na Figura 18. Além
dessas circunstâncias, existem três tipos de dissonância cognitiva: dissonância que ocorre
dentro do próprio sistema de crença; conflito entre um sistema de crença e um sistema
alternativo; e redução de crença devido à crítica de parcelas significativas da sociedade
que consideram essas crenças triviais, irrelevantes e expressões de imaturidade. O estresse
associado à dissonância cognitiva em organizações fundamentalistas é tratado pelos
indivíduos na provisão de consistência psicológica em vez de consistência lógica. A
maioria dos argumentos para o estabelecimento de um grupo separatista é estruturado
dessa maneira.
Situações de choque ou dissonância são oportunidades para situações de aprendizagem.
Se o conflito assume uma forma bastante moderada, na qual é percebido como um
desafio, então a dissonância cognitiva pode estimular novas descobertas e inaugurar um
realinhamento de todo o sistema de forma mais realista e coerente. A maioria das pessoas
acha extremamente difícil desistir de tentar resolver um quebra-cabeça, uma vez que uma
certa quantidade de tempo, energia e prestígio foi dedicada à sua resolução. A explicação
para essa recusa obstinada em ceder é mais profunda do que a mera curiosidade sobre a
resposta. O que queremos é acertar, e nossa persistência em lutar com o quebra-cabeça
pode ser pensada como uma forma de evitar a dissonância por antecipação.

82 Por Amor ao Zero


Figura 18. O Ciclo de Dissonância Cognitiva

Entendendo o viés cognitivo e o inconsciente


Grande parte das nossas tomadas de decisão vem do inconsciente e do subconsciente.
É assim que somos capazes de fazer tantas coisas no automático. Todos nós sabemos do
poder do nosso inconsciente; surpreendemo-nos regularmente com as coisas que fazemos
e com as decisões que tomamos. A consciência é o que perdemos quando vamos dormir
e o que recuperamos quando acordamos e ficamos cientes do que nos rodeia.

O que acontece quando estou inconsciente?


Todo ano agora, por causa de um histórico familiar de câncer de intestino e
esôfago, faço uma pequena investigação com câmeras em ambas as extremidades. O
procedimento não é realmente nada demais, agora que nos tornamos tão sofisticados
com as habilidades da anestesia. A parte difícil são os dias de preparação antes de tal
procedimento.
O anestesista entra, bate um papo, depois insere um cateter no pulso e sai. Então o
cirurgião entra, conversa e te leva para a sala de cirurgia. Enquanto você se recosta e
conversa em plena consciência, a enfermeira fala algo e o anestesista vem para outra
conversa e começa a conectar o cateter. Começo a pensar naquela sensação agradável
de acordar lentamente com uma enfermeira oferecendo uma bebida e um sanduíche.
O anestesista comenta sobre uma sensação no braço, a próxima coisa que sei é que

CAPÍTULO 6: A Natureza do Fundamentalismo 83


40 minutos depois estou acordado e consciente em uma cama, sem lembrança de
nenhum dos últimos 40 minutos. O que aconteceu naqueles 40 minutos, naquele
estado de inconsciência suspensa? Não me lembro de sonhar; tudo parece em branco.
Que tecnologia maravilhosa, e tão longe do corte, da medicina primitiva e das
sanguessugas de 100 anos atrás. Adormeço todas as noites e acordo com a minha
consciência pela manhã.
Temos muito a aprender sobre a consciência humana, a inconsciência e a subconsciência.
A verdade é que a atividade cerebral inconsciente dos humanos faz sentido, só que
poucos a estudam ou a entendem. A constante rotulação de outros como estúpidos,
irresponsáveis ​​e irracionais é muitas vezes um reflexo de que a pessoa que faz o
comentário não tem quase nenhuma ideia sobre a forma como as decisões humanas
inconscientes e subconscientes afetam o que os humanos fazem.

Casado com uma Sinesteta


Minha esposa é mãe, avó e musicista. Ela toca piano há cerca de 48 anos e ensina
piano há 40. Helen tem um excelente ouvido para música e é habilidosa na
musicalidade. Nunca me ensinaram música formalmente e, embora eu tenha escrito
musicais e composto muitas músicas, não entendo as complexidades da música como
ela. Helen também é uma pessoa da natureza e do ar livre. Ela adora caminhadas
no mato e vem de uma família de naturalistas. Seu pai Dudley era famoso no sul
da Austrália por ser um de seus primeiros naturalistas e ambientalistas. Dudley
trabalhou em um viveiro de árvores por mais de 40 anos. Helen se conecta com
a natureza, as cores e os sons em um estado muito mais avançado do que eu. Seu
humor é condicionado pelo vento, pela temperatura e pelo ambiente.
Foi só recentemente que descobri que minha esposa era sinesteta. Helen
automaticamente anexa cores e imagens ao som. Isso é chamado de sinestesia e
acontece inconscientemente. A sinestesia é uma condição neurológica na qual a
estimulação de uma via sensorial ou cognitiva leva a experiências automáticas e
involuntárias em uma segunda via sensorial ou cognitiva. Às vezes, artistas e músicos
mostram essa capacidade subconsciente e inconsciente. Certamente não é uma forma
de conhecimento que muitos compartilham, inclusive eu.
Muitos de nossos valores e crenças inconscientes são irracionais. O arracional não é
nem racional nem irracional, mas não-racional. Grande parte do nosso processamento
arracional reside no inconsciente. A realidade é que a pesquisa e o conhecimento atuais
sobre o inconsciente humano são significativos. Sabemos muito sobre o funcionamento
do inconsciente (Bargh). É por isso que o conhecimento da linguagem, a pré-ativação
e o enquadramento do “zero” foram enfatizados neste livro. Saber como influenciar
o inconsciente é um aspecto crítico para entender o risco e os perigos da ideologia e
discurso “zero”.
Uma das coisas que torna os humanos falíveis é o preconceito. Ao longo dos anos, todos
acumulamos muitos filtros que afetam a maneira como tomamos decisões, percebemos
a realidade e entendemos o mundo. Se você fizer uma pesquisa no Wikipédia por “lista
de vieses cognitivos”, encontrará centenas de maneiras diferentes pelas quais os humanos

84 Por Amor ao Zero


preenchem seu mundo. Não há objetividade. Em vez disso, todos os seres humanos são
a composição de sua história, hereditariedade, pool genético, história social, influências
sociopsicológicas, parentalidade, cultura, personalidade e uma série de outras influências
que compõem a natureza da humanidade falível.
Quando olhamos para a longa lista de vieses cognitivos, vemos por que diferimos dos
outros em nossas percepções, mesmo nas coisas mais simples. Quão divertido é ter
essas discussões no restaurante sobre a “maneira correta” de pendurar um rolo de papel
higiênico ou a ordem dos procedimentos para fazer chá ou café.

Figura 19. O Grande Debate do Papel Higiênico

Se somos tendenciosos em coisas tão pequenas, é incrível que aprendamos a cooperar e


colaborar com os outros em coisas muito mais importantes. Bem, na verdade não, como
as muitas guerras e atrocidades da época demonstram.
Os vieses também vêm de vários processos que às vezes são difíceis de observar. Estes
incluem atalhos mentais (heurísticas), maquinações inconscientes e subconscientes da
mente e sua limitada capacidade de processamento, motivações emocionais, espirituais,
morais, uma série de influências sociais e religiosas.
Para os propósitos deste livro, explorarei apenas um viés cognitivo fascinante conhecido
como “efeito do custo irrecuperável”. O efeito do custo irrecuperável se dá quando as
pessoas investem algo significativo sobre si mesmas, como seu ego, dinheiro ou reputação
em algo, tornando mais difícil admitir um erro ou um julgamento ruim. Quanto mais
investimos em um compromisso, mais difícil é escapar ou desistir dele.

Billy Graham e o Efeito do Custo Irrecuperável


Em maio de 1959 o evangelista americano Billy Graham liderou uma cruzada na
Austrália “para aproximar os australianos de Deus”. Durante essa visita, ele e seus
associados pregaram para pelo menos 3,5 milhões de pessoas que participaram de
reuniões em toda a Austrália, com mais de 142.000 pessoas tomando “decisões

CAPÍTULO 6: A Natureza do Fundamentalismo 85


por Cristo”. No último dia da cruzada, 10 de maio, um total de 150.000 pessoas
compareceram à reunião, multidões maiores do que a grande final da Liga de
Futebol Vitoriana. Embora as principais reuniões fossem em Sydney, todas as outras
capitais e muitos centros regionais foram cobertos por seus associados com Graham
conduzindo a última noite de várias grandes campanhas da cidade.
Graham teve uma exposição evangelística excepcional para o público australiano, bem
como um impacto significativo na vida e na teologia das igrejas evangélicas, através
de práticas como o uso de mulheres como conselheiras treinadas em suas reuniões, a
admissão de mulheres ao stand “somente homens” no Melbourne Cricket Ground pela
primeira vez e a disposição de Graham em manter silêncio sobre algumas questões do
dogma da igreja. A elevação do papel das mulheres foi um divisor de águas para muitas
igrejas e atraiu forte condenação de fundamentalistas extremistas.
Em 1968 Graham retornou à Austrália para outra série de cruzadas a convite do
Arcebispo de Sydney, o Rev. Marcus Loane. Apesar das condições extremamente
frias, o público aumentou em 30.000 em relação ao da visita de 1959. Seria
difícil superestimar o enorme impacto desse evento. Muitas reuniões sucessivas
ultrapassaram 60.000 pessoas, e houve engarrafamentos significativos, ônibus extras
e serviços policiais necessários, amplas reportagens da imprensa e sólida cobertura de
TV. Cada comício foi transmitido por rádio para pelo menos quatro estados e 137
cidades por telefone fixo. O custo total da cruzada, $ 220.000, foi pago antes de
terminar. Durante a visita de Graham, as igrejas locais visitaram um milhão de casas e
distribuíram 1,5 milhão de folhetos na área de Sydney. (Graham retornou à Austrália
novamente em 1979, mas a resposta foi marcadamente inferior em comparação com
suas duas primeiras visitas.)
A principal mensagem de Graham era de arrependimento e conversão. Isso sempre
foi buscado no contexto da pregação sobre temas contemporâneos, como o colapso
dos valores Cristãos tradicionais na sociedade moderna, a rejeição da Bíblia e dos
valores bíblicos. Ele pôs a culpa da taxa de divórcios e da deterioração da sociedade
em geral nas mulheres que tinham carreiras e não ficavam em casa. Ele condenou o
sexo fora do casamento, culpou a permissividade geral da sociedade pelo colapso do
lar e da família tradicional. O ex-primeiro-ministro, Sir Robert Menzies, foi citado
por Graham como um defensor dos valores tradicionais da família Cristã.
Nas “noites da juventude” especiais, Graham falou sobre o problema dos hippies,
os problemas da juventude e da televisão. Ele chamou a luxúria e o materialismo
de deuses da época. Na quarta-feira, 25 de abril, Sr. Graham falou para mais de
57.000 pessoas no Sydney Showground sobre a ameaça do holocausto nuclear e do
comunismo. Todas essas questões na pregação de Graham serviram como “sinais dos
tempos” para a segunda vinda de Cristo, que foi o tema de seu sermão na sétima
noite da cruzada. O objetivo da pregação evangélica sobre a segunda vinda de Cristo
é ser encontrado pronto e convertido àquele momento que se aproxima.
No ano seguinte à visita de Graham, a frequência à igreja na Austrália aumentou 7%.
O sucesso de Billy Graham não tem paralelo na história australiana e ocorreu em um
momento em que o censo revelou que 89% dos australianos afirmam ser cristãos. O
jornal Christian Today Australia comenta:

86 Por Amor ao Zero


No Melbourne Cricket Ground em 1959, o reverendo Graham atraiu 143.000
pessoas. No último dia, 150.000 pessoas compareceram ao Sydney Showground e ao
Cricket Ground para ouvir Billy Graham pregar.
Mais de 130.000 pessoas (quase 2% da população da Austrália na época) se
comprometeram com Cristo. O historiador Stuart Piggin usou os números do
Australian Bureau of Statistics para mostrar uma queda no consumo de álcool, nos
nascimentos extraconjugais e nas estatísticas de crimes durante esse período.
Hoje os convertidos que se comprometeram com Cristo em 1959 são encontrados
nas fileiras do clero e da liderança da igreja; sendo o mais conhecido o arcebispo
anglicano de Sydney Peter Jensen e seu irmão Dean Phillip Jensen.
Outros convertidos conhecidos incluem Graeme Pearson, ex-presidente da MYOB e
atual presidente da Billy Graham Evangelistic Association, que escreveu que, após a
Cruzada de Billy Graham, ele tomou a decisão de seguir Jesus Cristo, o que impactou
sua família, negócios e vida comunitária.
Robert B. Coles, ex-diretor da Coles Myer, falou de sua experiência quando, aos 24
anos, participou da Cruzada e, depois de ouvir um segundo apelo do Dr. Graham
sobre se comprometer com Cristo, ele correu para a frente, onde foi aconselhado e
fez uma oração de compromisso com Cristo, a qual ele descreveu como a decisão
mais importante de sua vida.
(O efeito das cruzadas de Billy Graham em 1959 ainda sendo sentido hoje – http://
au.christiantoday.com/article/the-effect-of-billy-graham-crusades-in-1959-still-being-
felt-today/2838.htm acessado em setembro de 2012).
Uma das técnicas empregadas por Billy Graham e pelos evangélicos em geral é a
“confissão pública de fé”. Isso envolve as pessoas se levantarem de suas cadeiras e
caminharem até a frente da reunião e “tomarem uma posição” por meio de uma
confissão aberta de fé em Jesus Cristo. Isto é proeminente, visível e audível. Assumir tal
compromisso e outros compromissos a seguir é um grande “custo irrecuperável” para
qualquer um. Os compromissos variam por meio de grupos de apoio, frequência à igreja
e reuniões. Uma das principais estratégias da reunião de Billy Graham é que uma vez que
alguém caminhou até a frente da reunião e fez uma confissão pública, inscreveu-se em
um curso de estudo, recebeu um mentor e foi vinculado a uma igreja local. Uma vez que
estes passos tenham sido colocados em prática, é muito difícil para alguém se virar e dizer
“eu cometi um engano” e reconhecê-lo.
Os vendedores de carros tentam obter algum tipo de compromisso, mesmo que não
consigam uma assinatura, sabendo que esse número de telefone ou panfleto é uma cunha
para trabalhar em direção a um compromisso maior. Caldini (2009) parece explicar
melhor como o comprometimento e o “efeito do custo irrecuperável” funcionam.
O efeito do custo irrecuperável e a dissonância cognitiva trabalham no poder da
consistência. Mesmo que o compromisso seja pequeno e construa compromissos
maiores, é difícil se retratar e escapar do constrangimento da inconsistência. O
importante é primeiro obter a trajetória certa, depois levar a um compromisso mais
profundo. É assim que os vendedores “fazem você entrar”, geralmente usando o
pensamento e a linguagem de oposição binária. Billy Graham era um mestre na
linguagem de oposição binária, não levando a outra escolha senão a um compromisso
com Cristo.

CAPÍTULO 6: A Natureza do Fundamentalismo 87


Caldini documenta como os chineses foram tão bem-sucedidos em conseguir
colaboração durante a Guerra da Coréia (pp. 61&). Muitas vezes, o compromisso
começa com algo bastante trivial e, uma vez que uma trajetória é engajada, essa coisa
trivial permite um ponto de construção muito mais forte. O truque é extrair um
pequeno compromisso com o que parece ser um conceito inofensivo e assim começar a
manipular a autoimagem de uma pessoa. Quando você conseguir obter a autoimagem de
uma pessoa onde quiser, poderá encontrar “colaboradores”, “convertidos” e “clientes”. A
chave é obter a primeira “concessão inofensiva”.
A Amway descobriu que há algo mágico em conseguir que alguém assine ou escreva
um compromisso. Em certo sentido, o compromisso escrito, embora trivial, torna-se
bastante poderoso mais tarde. Isso tem sido usado pelo pessoal de vendas para alavancar
ainda mais o compromisso. Muitas vezes a lealdade e a inconsistência são alavancadas em
compromissos pequenos e triviais, como é demonstrado pelos muitos experimentos de
Caldini e muitos outros psicólogos sociais (Abelson, 2004).

A psicologia da conversão
O compromisso com uma ideologia quase religiosa fundamentalista desencadeia o início
do “custo irrecuperável”. Uma vez que o investimento do ego e do compromisso tenha
sido feito, nenhuma quantidade de argumento lógico racional ou evidência influenciará
a pessoa comprometida com seu culto, crença ou valor. Os eventos documentados do
suicídio em massa de Jonestown ou do suicídio de Heaven’s Gate ilustram o poder do
“custo irrecuperável” e da dissonância cognitiva.
Há muitas forças psíquicas em ação na psicologia da conversão. A conversão não é um
processo racional ou irracional, mas, novamente, um processo arracional. Os Cristãos
atribuem a conversão à noção cristã de “graça”. Alguns cristãos acreditam que a graça
é a misteriosa escolha de Deus para “salvar” alguém. Os fundamentalistas evangélicos
acreditam que a salvação (conversão) é a escolha da pessoa que elege ser salva por Deus.
Na conversão, uma pessoa “arrepende-se”, isto é, vira-se na direção oposta ao reconhecer
sua “natureza pecaminosa” e desejo de se tornar um discípulo de Cristo.
A conversão começa com a identificação e o reconhecimento. As pessoas são levadas
a um estágio de “prontidão” por meio de uma série de fatores. Algumas pessoas são
“convertidas” por causa de pressões relacionais e da necessidade de pertencer a um
determinado grupo. Além disso, também é importante não se desconectar de um grupo
que ache atraente. É assim que funciona a pressão dos colegas ou o “pensamento de
grupo”. O poder de pertencer, de ser identificado e reconhecido é fundamental para
se converter. Às vezes, a necessidade de pertencer é acompanhada por uma profunda
necessidade física e moral. Às vezes, o sofrimento não resolvido é a causa da conversão.
A autoimitação também merece menção como causa de conversão. A autoimitação
envolve atos simpáticos e às vezes triviais que significam uma mudança de trajetória,
um sinal de que uma nova jornada está prestes a começar. A imitação automática é
frequentemente acompanhada por sentimentos de insatisfação, perda de significado e
propósito, decepção ou sentimento de vazio. Às vezes, isso é descrito por aqueles que
procuram convertidos como “pesquisa”. A autoimitação é frequentemente detectada
por pessoas que desejam converter outras e é um pouco como o estado de “prontidão”

88 Por Amor ao Zero


que um vendedor identifica em um cliente. Pessoas experientes no negócio de conversão
reconhecem os sinais psicológicos de prontidão.
A conversão na Bíblia é designada pela palavra grega metanoia e designa um “despertar”
ou uma “regeneração” para uma nova maneira de ver as coisas. No Novo Testamento
a conversão de São Paulo é mais dramática. Como perseguidor oficial dos Cristãos em
nome dos Hebreus, ele tem uma visão “no caminho de Damasco”, rejeita sua cruzada e
se junta ao povo que perseguia. São Paulo então se torna o evangelista mais proeminente
no registro do Novo Testamento, escrevendo cartas e fazendo viagens missionárias e
plantando igrejas Cristãs de Roma a Jerusalém.
Kleespies (1932, p. 24) identificou oito motivos ou forças que impelem alguém à
conversão:
1. Medo (do inferno ou de consequências como morte ou punição);
2. Outros motivos próprios em relação à aprovação de outros ou ao desejo de conhecer
parentes mortos;
3. Motivos altruístas, fazer o bem ao mundo, influenciar os outros a serem bons;
4. Seguindo por idealismo moral;
5. Remorso e condenação por um delito anterior (purga);
6. Resposta à lógica racional de um argumento ou ensino;
7. Exemplo e imitação;
8. Urgência e prazer social.
O momento da conversão às vezes é acompanhado por uma emoção avassaladora.
Mas não há receita e alguns são convertidos gradualmente ao longo do tempo. Em
certo sentido, a pessoa não é convertida, mas está sempre sendo convertida. A ideia de
retroceder também é comum à conversão evangélica, portanto, espera-se que se cultive e
“trabalhe” a fé.
Como alguém se converte ou escapa da ideologia do “zero”? Seja qual for o motivo,
a conversão a uma ideologia quase religiosa geralmente começa em um pequeno
compromisso trivial. Os argumentos da Citação 9, no Capítulo 2, são típicos de
compromissos de não prejudicar os outros, de não definir fatalidades como metas etc.
No momento em que alguém se compromete a anunciar “gerentes do acidente zero”,
excluindo as palavras segurança e risco da linguagem, mantendo a ilusão de que “todos os
acidentes são evitáveis”, esse está totalmente comprometido com a ideologia do “zero”.

A Fuga do Fundamentalismo
A fuga do fundamentalismo é uma fuga para o aprendizado e uma fuga do medo. A
atração de objetivos positivos na aprendizagem torna-se então a motivação para aprender
e não a aversão aos resultados por medo da incerteza.
A busca pelo aprendizado começa com a capacidade de questionar e duvidar. A
conversão dentro e fora da fé é sempre enfatizada sob a pressão da dissonância cognitiva.
Assim, a chave para ajudar alguém a escapar da tirania do “zero” é apresentar as
evidências, mostrar as contradições, apelar para a personalidade centrada na pessoa,
focar no aprendizado e na motivação, destacar a natureza do estabelecimento de metas e
defender a não-perfeição absoluta para dar sentido ao risco.

CAPÍTULO 6: A Natureza do Fundamentalismo 89


Uma coisa que sabemos sobre o fundamentalismo e sua ideologia é que argumento
racional, regulamentação, demissão paternalista e superioridade não funcionam.
Todas essas medidas simplesmente levam o fundamentalista a uma posição mais
profundamente arraigada (através da dissonância cognitiva) do que antes. Quanto mais
o fundamentalista é empurrado para a batalha contra o mal e Satanás, mais extremas se
tornam a posição, as ações resultantes que podem ser sancionadas e o “fazer sentido”. É
contraintuitivo pensar que regulamentação, rigidez no policiamento, tolerância zero e
argumentos racionais podem causar mais danos do que benefícios.
A chave para obter uma melhor compreensão do problema está certamente em
desenvolver um relacionamento com o fundamentalista e adotar uma abordagem
longitudinal para resolver o problema. Infelizmente, as organizações gastam uma quantia
extraordinária de dinheiro em soluções físicas (de engenharia) e no desenvolvimento de
barreiras aos frutos do fundamentalismo, em vez de abordar as causas básicas na crença.
Em alguns casos, é evidente que essa abordagem de curto prazo simplesmente estimula
ainda mais a criatividade da mente fundamentalista para novas soluções e respostas ao
compromisso com a ideologia do acidente zero.
Muito mais trabalho e energia precisam ser aplicados à natureza psico-socio-religiosa
da ideologia de dano zero. O tipo de pesquisa necessária para avaliar completamente a
natureza insidiosa da ideologia de acidente zero ainda não foi realizada.

Questionamentos
1. Você observou as características comuns do fundamentalismo na ideologia “zero”?
2. Dê exemplos de como a retórica de acidente zero soa evangélica em apelo;
3. Explore as características sociopsicológicas do fundamentalismo listadas e veja se
muitas são aparentes em sua organização;
4. Levante a discussão sobre a direção de rolamento do papel higiênico no trabalho e
veja o que acontece;
5. Pesquise um culto no jornal ou na Internet e documente as principais características
do fundamentalismo contra suas atividades. Em seguida, compare isso com as
atividades, a linguagem da ideologia de acidente zero e veja o que você descobre.

Transição
Você consegue imaginar uma conversa sobre risco sem a palavra “zero”? Se eliminarmos
a palavra “zero” do nosso discurso o mundo vai acabar? Será que não podemos dar um
salto na aprendizagem porque o discurso do “zero” nos cega de ver um pouso?
Existem muitas empresas que mantêm registros de segurança, proteção e risco que são
tão bons, se não os melhores, do que organizações “zero” e ainda não falam a linguagem
do discurso do acidente zero. “Zero” não é apenas não motivacional, ele impulsiona
subculturas de ceticismo, cinismo e pessimismo nas organizações. Essas poderosas
subculturas corroem subversivamente a credibilidade do “zero”.
É possível ter estratégias para dar sentido ao risco que não precisam do discurso ou da
ideologia do “zero”. Esta próxima seção fornece soluções, exemplos e criação de sentido
que demonstram que o risco faz sentido sem “zero”.

90 Por Amor ao Zero


PARTE 3
Estratégias
Sem o Zero
92 Por Amor ao Zero
CAPÍTULO 7
Estratégias
Sem o Zero 7
“Onde há infinito, há alegria. Não há alegria no finito.” O
Chandogya Upanishad.
“Você não destrói o mistério do arco-íris compreendendo o
processo da luz que o forma.” Anne McLaren

Estratégias de Silêncio na Segurança


Como os atletas “dão um branco”
Sian Beilock escreveu um livro excelente intitulado “Deu Branco! Como Evitar
Falhas nos Momentos Importantes Usando a Ciência Cognitiva”. É um livro que
ajuda a explicar como os objetivos funcionam psicologicamente e como atletas “dão
um branco” quando eles permitem que mensagens erradas entrem nas suas cabeças.
Em esportes, há coisas sobre as quais você simplesmente não fala ou não pensa. Esta
é a chave para a motivação. Este é o problema em ser o time favorito ou o atleta
favorito. Psicologicamente, esse pensamento é um veneno para o sucesso. Eu perdi
as contas das vezes em que eu estava em um time que destruía o adversário o ano
todo para perder justamente na final. Adam Scott recentemente “teve um branco” no
British Open de 2012 muito parecido com o “branco” que deu em Greg Norman em
1996. Isto demonstra a importância de não ser restringido pela pressão dos objetivos
de revogação. Dobbs (2012) nos mostra como os objetivos de revogação “amarelam”
o sucesso. Não há nada mais destrutivo para o esforço do que a crença e a linguagem
do “chegamos lá”. Uma das melhores coisas sobre a cultura australiana é a sua
hipersensibilidade para “gabar-se”.
Uma das coisas mais importantes na comunicação é o respeito pelo silêncio. Aprender a
não rotular o silêncio ou reclamar sobre ele é uma das habilidades chave do pensamento
crítico (Sloan, 2006; Paul, 1993). Ouvir e observar os silêncios é tão importante quanto
falar e agir. Este é o caminho para não cair na cilada do pensamento da oposição binária.
Quando se trata de influenciar, motivar e aprender, nós sabemos que algumas coisas
ficam melhores se não forem ditas. Sabemos que algumas mensagens são desmotivantes

CAPÍTULO 7: Estratégias Sem o Zero 93


ou inspiram pensamentos errados. Algumas mensagens podem povoar a mente com
ideias improdutivas ou impulsionar subculturas céticas. Nós vemos no esporte como
acontece o “branco”. Mensagens de derrota, negativas e pouco inspiradoras “pré-ativam”
os atletas para o fracasso, enquanto mensagens positivas e mensagens inspiradoras os
motivam para o sucesso. O atletismo mental é tão importante nos esportes quanto o
atletismo físico.
Bons atletas são capazes de bloquear mensagens ruins: eles simplesmente não precisam
delas. Isto não significa que eles são ingênuos ou estúpidos. Eles sabem que o fracasso
existe, mas eles simplesmente não precisam falar ou pensar sobre isso. Metas que
promovem o fracasso debilitam a capacidade das pessoas de se motivarem e serem bem-
sucedidas. Atletas, professores e treinadores conhecem a importância do silêncio. Os
atletas sabem que se você preencher o ar com metas de perfeição inatingíveis será como
um ruído que diminui o esforço e leva à complacência.

James Magnussen e as Olimpíadas de 2012


James Magnussen ganhou a fama internacional em 2011 quando ganhou os 100
metros de nado livre no Campeonato Mundial em Shangai. Em um país que tem
uma mídia faminta por ouro, Magnussen era tido como a grande esperança para as
Olimpíadas de Londres de 2012. A mídia o apelidava de “míssil” em referência ao
“torpedo” que era Ian Thorpe. Contudo, tal psicologia do esporte não é saudável.
Magnussen estava sendo “pré-ativado” por uma linguagem que iria arruiná-lo após
a final dos 100 metros em Londres. Ele buscou quebrar o recorde mundial dos
100m de 46,91 segundos, estabelecido em 2009 pelo brasileiro Cesar Cielo com
o supertraje de poliuretano, que hoje está banido. Ele terminou a final com 47,52
segundos, que lhe renderam a prata, a apenas um centésimo de segundo atrás do
americano Nathan Adrian. Magnussen ficou devastado. Para ele, considerando tudo
que lhe havia “pré-ativado”, uma prata olímpica era um fracasso. Ficou claro que a
sua motivação e a sua mente não foram bem preparadas com todo o ruído que foi
feito, sobre “o míssil” ou “o rei das piscinas”.
Quando nós criamos nossas crianças, nós somos muito cautelosos sobre os silêncios.
Nós não apresentamos algumas ideias às mentes delas porque seriam antiéticas ou
desmotivadoras. É porque nós temos tanto cuidado com as coisas que influenciam ou
pré-ativam as crianças que nós escolhemos ficar em silêncio sobre alguns assuntos. Isto
não é censura, mas sim educação inteligente. É motivar as crianças para as coisas certas
e permanecer em silêncio para outras. Ficar em silêncio sobre algumas coisas é não dar
oportunidade para a armadilha da lógica binária do preto e branco.
Também é sabido que o estabelecimento de metas inatingíveis cria depressão e ansiedade.
No momento em que o objetivo não é atingido, a criança entende que ela não é boa o
suficiente. Os psicólogos também sabem que os absolutos do perfeccionismo são critérios
para a desordem obsessiva-compulsiva e geralmente aparecem em vários casos de vícios
(Sack, 2012). Na verdade, preencher a mente de seres humanos com ideias de que eles
somente serão aceitos se forem perfeitos é uma típica meta de revogação. A necessidade
de absolutos e a linguagem de absolutos são desmotivantes para humanos. Vamos deixar
a linguagem dos deuses para os deuses.

94 Por Amor ao Zero


Credibilidade e Destrutividade do Ceticismo Insalubre
A questão da credibilidade é fundamental para a noção de propriedade. A não ser
que haja propriedade no risco pelos trabalhadores, a política de assunção de riscos
simplesmente se tornará insustentável. Sem propriedade não poderá haver mudança real.
A linguagem do zero pré-ativa os trabalhadores, conduzindo-os a um ciclo de cinismo,
visão microscópica e ceticismo. O ceticismo e o cinismo são destrutivos para a criação de
um senso de propriedade para o gerenciamento do risco e da segurança. Os trabalhadores
que não “possuem” a sua própria segurança somente agem de forma segura quando a
fiscalização está por perto.
Indiretamente e de forma contraintuitiva, o zero pré-ativa os trabalhadores para também
aceitar a falha. O zero não somente estabelece a aceitação da falha, como também pune
a falha porque a percebe má. A falha é pré-ativada não somente através do ceticismo,
mas também pela contagem de indicadores reativos que evidenciam o não atingimento
da meta zero. No âmbito da aprendizagem humana, entretanto, o fracasso não é ruim.
Se o fracasso é aceito e apoiado de forma adequada, pode ser uma oportunidade de
aprendizado em vez de uma oportunidade de julgamento e rejeição. A ideologia do zero
rejeita a falha, considerando-a inaceitável. Contudo, ao fazê-lo, promove sua aceitação,
rotulando-a de “ruim”. A ideologia do zero gera espontaneamente uma dinâmica
contraintuitiva. Parece estranho para alguns que estabelecer o que pode parecer um
objetivo notável, na verdade, conduz exatamente ao oposto.
Metas absolutas, apesar de serem disfarçadas de aspirações, quebram a primeira regra dos
fundamentos da psicologia do estabelecimento de metas: ser atingível. Os únicos que
podem falar sobre zero são os deuses: Buda, Jesus e Mohamed. Os gerentes estabelecem
metas semelhantes para eles? Eu gostaria de saber se os gerentes de empresas que
estabelecem tais metas são punidos por cada erro gerencial. Talvez os gerentes sejam
inspirados pela linguagem do zero, mas o resto de nós, que somos humanos, somos
motivados por metas atingíveis.
A meta de aprendizado não é zero: é mais aprendizado. O objetivo do aprendizado não
é perfeição: é desenvolvimento e maturidade. A meta do aprendizado não é a solução,
mas sim a propriedade do problema. A meta do aprendizado não é o ponto final, mas
a rota e a jornada. A meta do aprendizado é o processo, não a meta. Estranhamente,
se você pensar em aprender dessa forma, pode, incidentalmente, obter um 10. Se você
estabelece a sua meta de aprendizado só com 10, você acaba perdendo a perspectiva do
aprendizado, passa a focar na medição, dá um “branco” no meio do processo e isto tudo
torna difícil o aprendizado.
Quanto mais a linguagem de falha for usada no trabalho, menos os trabalhadores captam
a influência daqueles que têm autoridade e mais eles escutam as generalidades ditas
no chão de fábrica. Eles então assentem para os chefes, dizem o que eles querem ouvir
e, tão logo os chefes saiam, eles fazem o que acham certo. É esse tipo de esquizofrenia
que a linguagem do zero cria. Isto gera um ceticismo insalubre. O ceticismo insalubre
rejeita a evidência e o conhecimento da liderança. Promove a dupla linguagem e adota o
conhecimento do “senso comum” como superior ao da autoridade.

CAPÍTULO 7: Estratégias Sem o Zero 95


As pesquisas mostram que os seres humanos podem ser pré-ativados positiva e
negativamente. Nós sabemos, através das pesquisas em ciência do esporte, que,
ao estabelecer metas atingíveis e pré-ativando os pensamentos sobre esportes, as
pessoas conseguem uma grande diferença nos resultados. Isto é chamado “resposta
à pré-ativação” e tem tudo a ver com o que é chamado “pré-ativação visomotora”.
Os esportistas são auxiliados por várias formas de motivação para visualizar o que eles
podem alcançar. A eles não são dadas metas impossíveis, como correr 100 metros em
5 segundos, mas sim metas atingíveis, tais como reduzir 0,03 segundo de um nado de
5 mil metros.
A falha chamada de “dar um branco” advém da “paralisia por análise”. A linguagem
do zero leva a esta análise microscópica. Em poucas palavras, a paralisia por análise
ocorre quando as pessoas tentam controlar cada aspecto do que elas estão fazendo
numa tentativa de garantir o sucesso. Os resultados são claros: os psicólogos do esporte
mostram de forma conclusiva como a linguagem negativa e a linguagem positiva podem
influenciar o “branco”. Algumas vezes você vai ouvir bons treinadores estimulando os
atletas a “se divertirem” em vez de pensarem demais sobre os pontos ou outras ambições.
Por que não acreditamos que isto se aplica ao ambiente de trabalho?
O problema da contradição é um obstáculo significativo na manutenção da ideologia
zero dano. O fato de que muitas empresas defendem fervorosamente o princípio do zero
dano, ao mesmo tempo em que acreditam firmemente no uso de avaliações de risco, é
problemático. Como você deve saber, as avaliações de risco consideram consequências
e probabilidades. Eu tenho visto muitas avaliações de risco que identificam (e aceitam)
riscos que consideram uma lesão com perda de tempo um resultado muito provável ou
possível. Por um lado, eles dizem que querem dano zero e, por outro, dizem (por meio
de suas avaliações de risco) que uma lesão com perda de tempo é possível. Os humanos
não são inspirados nem motivados por tais contradições.
Os resultados da pesquisa do aplicativo MiProfile mostram (como discutido no capítulo
4) que muitos não acreditam em zero no ambiente de trabalho. Mesmo que a taxa
de credibilidade fosse de 50%, que tipo de subcultura doentia em tais organizações
existiriam para corroer a mensagem principal?

Ceticismo Saudável e Entretendo a Dúvida


Uma das atitudes necessárias para dar sentido ao risco é entreter a dúvida. Culturas
que arrogantemente projetam superioridade, perfeccionismo e os absolutos do zero
não têm dúvidas. Um estudo de alguns dos maiores desastres, tais como Piper Alpha,
Deepwater Horizon, Challenger, Verbrugger e Bhopal, mostra como a arrogância
(excesso de confiança cega) conduz à arrogância do risco e impede a criação de sentido
organizacional sobre risco.

O Garotinho Perdido
Uma das chaves para entender o risco é o entretenimento da dúvida. É possível
que eu tenha feito isto errado? É possível que eu não estivesse pensando direito? É
possível que minha percepção estivesse errada? Este é o tipo de pergunta que ajuda

96 Por Amor ao Zero


a dar sentido ao risco. Quantas vezes você saiu de casa de carro, em um feriado, e
se perguntou “eu trouxe os ingressos?” “Eu desliguei a luz?” “Eu tranquei a porta
de trás?” Entreter a dúvida é o caminho para o aprendizado e para a sabedoria. A
arrogância é cega para o aprendizado.
Eu me lembro de, quando criança, viajar de carro com minha família para a cidade
de Katoomba para ver a Serra da Três Irmãs e outras maravilhas do Parque Nacional
das Montanhas Azuis (Nova Gales do Sul, Austrália). Em 1960, ir de carro de Epping
para Katoomba era um processo lento e sinuoso, por uma estrada de pista simples,
cheia de curvas fechadas e um carro cheio de crianças: quatro no banco de trás e duas
ou três no “bagageiro”. Meu pai tinha uma perua e naquela época não se falava muito
em cinto de segurança.
Uma das tarefas difíceis para os pais é manter o controle de muitas crianças,
enquanto dão alguma sensação de liberdade para que brinquem, e eles descansem.
Essa viagem para Katoomba não foi uma exceção. Na minha família, éramos sete
crianças. Considerando parentes e amigos, formávamos um total de dez. Todos
tínhamos famílias numerosas naquela época. Para as crianças era sempre uma
novidade viajar em um carro diferente e isto tornava mais difícil a tarefa de tomar
conta delas. Em retrospecto, realmente era um grupo grande demais. Deveríamos
ter tido um cuidador, mas que tipo de professor aceitaria o papel chato de ser um
cuidador de crianças num piquenique de família?
Quando chegou a hora de voltarmos para casa, todos entramos nos carros e cada um
dos motoristas assumiu que o outro tinha Graham no seu carro. Graham era um
irmão bastante tímido e quieto. Como tinha bronquiectasia em ambos os pulmões,
ele frequentemente não estava bem e não estava nem disposto nem barulhento. Rob,
o extrovertido, por outro lado, era irritantemente barulhento e, se eu não estivesse por
perto, você saberia: o ambiente estaria muito calmo. Todavia, no caso de Graham, foi
depois de várias horas, na primeira parada para descanso, que descobrimos que ele
tinha sido deixado pra trás. Graham tinha oito anos naquela época.
Pensando naqueles dias, meus pais deveriam estar muito angustiados. Nós já
estávamos a 2 horas de Katoomba e levaríamos outras 2 horas para voltar e procurar
por Graham. Ele seria deixado sozinho por 4 horas nas áreas de piquenique de
Katoomba. Imagine a angústia de um pai nesta perspectiva: uma criança de 8 anos
sozinha no meio de uma multidão de turistas sem nenhuma forma de comunicar
o seu sofrimento. Foi nesse mesmo ano que aconteceu o sequestro e o assassinato
de Graham Thorne – um caso que chocou uma nação muito confiante, em uma
época em que as pessoas não trancavam a porta da frente, não tinham alarmes nem
telefones celulares.
Eu me lembro da volta e da alegria de encontrar Graham no mesmo lugar onde
tínhamos estacionado nossos carros na área de piquenique. Aparentemente ele
simplesmente andou para lá e para cá procurando os nossos carros, sentindo-se
perdido e sozinho, mas ele não saiu vagando. A personalidade que o tornou tão
agradável foi a mesma personalidade que o manteve despercebido por muitos anos.
Também foi a personalidade que o manteve ileso por todo esse tempo.

CAPÍTULO 7: Estratégias Sem o Zero 97


A história da perda de Graham não é para ser uma história sobre personalidades, mas,
em vez disso, é sobre a importância de divertir de forma saudável a dúvida. Em vez de
considerar que o outro fez a parte dele, é melhor ter uma conversa antes. É por isso que
nossas conversas importam. Por outro lado, fazer barulho não é conversar. Este era o meu
destino quando criança. Não havia como eu me perder. Todos iriam perceber em poucos
minutos que Rob não estava lá.
A linguagem do zero não tem uma trajetória que promova a conversa. O discurso do zero
não tem consciência de que ele “pré-ativa”. A retórica do zero é essencialmente “ruído”
que não dá espaço para a mutualidade ou a conversação. Um diálogo de conversação
é o resultado de uma ideologia de comunidade e de centralização no ser humano. A
ideologia do zero é uma ideologia de perfeição que sabe tudo, não necessita de escuta e
somente conhece o fundamentalismo do preto e branco.
O começo do aprendizado é descoberto no fundamental “Eu e Tu”, conforme articulado
por Martin Buber.

O Absurdo do Comprometimento com


Binários Absolutos Gera o “Zero Dano
Seletivo”
Pensar em oposição binária cria ceticismo e dinâmica que erode qualquer chance
de estabelecimento de uma cultura de segurança efetiva ou propriedade do risco. O
pensamento de oposição binária percebe qualquer variação ou silêncio sobre zero
como afirmação do seu oposto, que é o desejo pela lesão. A lógica funciona na ideia de
contradição de uma forma simplista de preto e branco. Se tal lógica for adotada, ela cria
problemas enormes para a proposta do zero dano e naturalmente conduz o problema
para o “zero dano seletivo”.
O “zero dano seletivo” é alcançado pela natureza da definição restrita. Se alguém
somente contabiliza algumas definições de dano, então é possível viver na ilusão de que
ninguém sofre lesão na fábrica. Isto somente pode ser feito excluindo todas as formas
de dano psicológico, dano à saúde mental, deslocamento social, dano psicossocial e
automutilação.

A Realidade da Autolesão
Eu estava em um avião na semana passada e me sentei ao lado de uma mulher
que estava mexendo no seu celular. Eu percebi cicatrizes nos seus pulsos e isto me
lembrou dos meu anos na Escola Galileia. Eu me lembro da jovem Kate assim
que ela chegou na Galileia. Ela costumava cortar pedaços de lâminas e engolir
os pedacinhos para, intencionalmente, cortar o seu estômago. Ela tinha que ser
submetida frequentemente a cirurgias e lavagens estomacais, o que ela achava
agradável. Nós tínhamos que levar a sua tarefa da escola para a clínica Z Ward,
que exigia procedimentos de segurança para entrar. A maioria das jovens da Escola
Galileia cortavam-se ou queimavam-se em atos de autolesão – um grito de socorro.

98 Por Amor ao Zero


Os rapazes abusavam de álcool e um coquetel com várias drogas. A mulher no avião
certamente tinha uma história de autolesão.
A autolesão refere-se ao dano intencional e não intencional a si mesmo, com ou sem
ideação suicida. Ela foi descrita inicialmente em 1913 como “automutilação”. Na
língua inglesa, esse termo foi extinto por ser considerado pejorativo, já que se sabe que
tal linguagem não é terapêutica. A autolesão varia em intensidade, desde o beliscão, a
mordida, o corte, a ingestão, o autoflagelo, os ritos de puberdade, a mutilação genital, a
batida de cabeça ou algum tipo de dor no corpo até a constrição.
Pode ser difícil para alguns entenderem, mas muitas formas de autolesão estão associadas
com prazer e satisfação. As causas estão relacionadas com depressão, ansiedade, angústia,
culpa, desordens alimentares, luto, autoaversão, perfeccionismo, vitimização no local de
trabalho, assédio e abuso. A autolesão geralmente é tratada pela aceitação da substituição
de “toxinas medicamentosas” por medicamentos prescritos. Na idade adulta, geralmente
nós nos “automedicamos” com uma série de substâncias substitutas aceitas, mais
comumente álcool e tabaco. A verdade é que problemas de saúde mental, tais como
ansiedade e depressão, estão em níveis altíssimos na nossa sociedade, assim como a
autolesão. Muitos de nós se autolesionam.
Autolesão é frequentemente associada a pessoas jovens (com idade entre 12 e 35),
mas, na realidade, há uma evolução para a idade adulta em autolesão, que progride
para várias formas aceitas. Há uma gama de práticas de autolesão que nossa sociedade
aprova, incluindo ritos religiosos (como alterações genitais e flagelo), vícios em álcool
e outras substâncias, fumo e gula. Qualquer um na indústria da saúde e do bem-estar
sabe que somente a minimização do dano e da tolerância funcionam. Pessoas com vícios,
preocupações psicológicas e desordens não são motivadas por metas sem sentido ou
pela linguagem do zero. Pequenos passos mensuráveis e alcançáveis são o caminho para
a melhoria e para a motivação. Quando se trata de autolesão, nós sabemos estabelecer
metas SMART. Nós também sabemos quando permanecer em silêncio a respeito da
atração pela autolesão. Nós sabemos contraintuitivamente que falar sobre autolesão
precisa ser estratégico e de forma cautelosa por causa dos subprodutos psicológicos. O
que é mais interessante sobre objetivos sem sentido e inumanos, como o dano zero, é
que tais objetivos promovem irrealismo e mitologia. As pessoas pregam essas metas de
dano zero (com sua própria psicologia embutida de ceticismo e cinismo), e então saem
para o lanche para se autolesionarem com cigarros ou açúcar. No decorrer do dia, as
organizações cantam os hinos e os sermões de objetivos absurdos, e, em seguida, após o
expediente, seus executivos enchem a cara para lidar com a pressão de ter que trabalhar
sob tais objetivos. Tanto drogas com prescrição médica quanto as automedicadas estão
em alto uso. E quais filosofias e valores são exibidos através desses comportamentos? Não
é a intolerância, mas sim a tolerância.
É claro que as contradições vão muito mais além. Uma pesquisa recente de Morris
(2012) concluiu que toda a prática de “fly-in fly-out” e “drive-in drive-out” (equivalente
a trabalhar embarcado) traz consequências lesivas para todos os participantes. A indústria
da mineração, que parece ser a mais apaixonada pelo zero dano, prospera na modalidade
“fly-in fly-out” e “drive-in drive-out”. O relatório de Morris (2012) mostra que essa

CAPÍTULO 7: Estratégias Sem o Zero 99


prática está em crescimento. Tanto que era estimado que, em 2015, 62% da mão de obra
na região de Pilbara (Austrália Ocidental) fosse apenas de pessoas nessa modalidade.
Enquanto eu compreendo a necessidade de construir mais aeroportos e gerar mais
trabalhadores isolados, não vamos imaginar que isto se encaixe bem com a ilusão
absolutista de zero dano. Morris (2012) apresenta a seguinte lista de danos resultantes da
prática de “fly-in fly-out” e “drive-in drive-out”:
Impacto de “fly-in fly-out” e as suas famílias
Entre os efeitos adversos sugeridos na literatura, podemos encontrar:
• Níveis elevados de estresse e saúde frágil, incluindo depressão, excesso de bebida, uso
recreacional de drogas e obesidade;
• Queda na qualidade dos relacionamentos, levando ao aumento no número de
rupturas e divórcios;
• Desagregação familiar e estresse;
• Redução da interação social e comunitária;
• Redução da socialização com os colegas;
• Sentimentos de solidão e isolamento.
Entre 55 e 79% dos respondentes consideram que as minas que operam na modalidade
“fly-in fly-out” impactam negativamente em:
• Disponibilidade e acessibilidade de habitação;
• Infraestrutura local;
• Serviços locais;
• Amenidades recreativas;
• Oportunidades de empregos locais;
• Economia local;
• Criminalidade;
• Segurança da comunidade;
• Estilo de vida.
Portanto, as evidências mostram que o “zero dano” acaba sendo um “zero dano seletivo”
que, ao final, mostra que a ideologia e o mantra não fazem sentido. Não é de se admirar
que os trabalhadores não acreditem na mensagem. Não se pode utilizar a estratégia da
contradição da oposição binária para apoiar a visão zero dano de uma pessoa, para, em
seguida, ignorar a mesma lógica quando aplicada às formas aparentemente invisíveis de
dano. Quanto mais se fomenta esse tipo de contradição, mais os trabalhadores se tornam
céticos, desconectados e cínicos em relação à prática e à linguagem. Como consequência,
o zero dano seletivo espontaneamente gera negação e desestimula o reporte de eventos.

100 Por Amor ao Zero


Vamos então aplicar a ideia da seletividade um pouco mais além, de modo a mostrar
como uma série de atividades lesivas não estão incluídas na ideologia do zero dano.
Por exemplo: zero álcool, que não funciona, zero pornografia, que não funciona, zero
violência, que não funciona, zero abuso, que não funciona e zero drogas, que não
funciona. Na verdade, se você observar algum aspecto da vida em que os homens buscam
o prazer e o risco, o conceito de zero não funciona.

Minha Meta é Zero Mortes


Eu acho interessante que tantas pessoas são atraídas pela meta zero dano quando, na
verdade, é uma meta que nega a vida. Se não existe aprendizado sem risco e nenhuma
criatividade ou inovação sem risco, por que as pessoas são atraídas por uma meta que
gera o medo do risco? Se nós buscamos projetar todos os riscos, nós não estamos criando
uma população de trabalhadores que estão perdendo as habilidades requeridas para
aprender com esses riscos?
Um dos absurdos do estabelecimento de metas inatingíveis é que elas são desmotivantes.
A principal incompatibilidade entre uma meta absurda e a realidade é que ela gera
ceticismo e cinismo. Ambas as disposições formam a dinâmica de subculturas que
minam e subvertem os próprios objetivos que foram definidos. Isto é: a meta e a
ideologia da meta minam um ao outro.
As pesquisas mostram que as metas de revogação, ou seja, evitar lesões, evitar violações,
evitar problemas ou ainda erros, não são tão efetivas quanto metas de conquista, por
exemplo: busca de benefício, atrações ou resultados positivos. Até mesmo a atração por
metas de revogação demonstra algo sobre a natureza punitiva e reguladora da organização
e sobre a pessoa que estabelece tais metas. Metas de revogação são metas de perda / não
perda, enquanto metas de conquista são metas de ganho / não-ganho. Quando não
atingidas, as metas de revogação fomentam as emoções de punição, enquanto as metas de
conquista fomentam as emoções de desapontamento.
Uma forma de mostrar o absurdo das metas é levá-las a uma trajetória lógica e mostrar
que essa trajetória não faz sentido. Então, o argumento seguinte mostra, por exagero, o
absurdo da lógica do zero dano:
Minha meta para a vida é não morrer! Que meta admirável e ambiciosa: nunca morrer.
Nunca se sabe, eu posso até ter sucesso na minha meta por 75 anos e, se eu viver mais,
posso me gabar: como minha meta era boa. Mesmo que a meta tivesse sucesso por
100 anos, isto não a torna uma meta sensível. Na verdade, tal meta aniquilaria a vida e
retardaria o empenho e o aprendizado. Mesmo que alguém tenha sucesso em viver até os
100 anos, sem risco, que tipo de vida teria sido esta, afinal de contas?

Um Foco no Zero ou um Foco nas Pessoas


Nós podemos ter muitas reuniões e não estar presentes com os outros na reunião.
Pode haver conversa, barulho, informação e compartilhamento de conteúdo, mas
sem nenhuma compreensão do outro. É isto que resulta de um foco “instrumental”
em resultados, em vez de um foco “processual” em resultados. Um foco instrumental

CAPÍTULO 7: Estratégias Sem o Zero 101


em resultados se concentra nas medidas quantificáveis, enquanto um foco processual
busca os resultados qualitativos do processo. O foco instrumental vê erros, falhas e
deficiências, enquanto o foco no processo vê aprendizado, desenvolvimento e a formação
da maturidade.

Martin Buber e Eu e Tu
Foi Martin Buber quem melhor articulou a importância do processo de
aprendizagem no seu livro “Eu e Tu”. Bubber saiu da Alemanha em 1938, após
a opressão nazista e, como muitos psicólogos sociais, filósofos e educadores, fez
contribuições importantes para a ciência na compreensão da condição humana
através de seu envolvimento com os nazistas.
Bubber deixou claro que, muitas vezes, quando nos reunimos com outras pessoas,
nós não nos “encontramos” verdadeiramente. Apesar de uma reunião estar
acontecendo, ocorre uma troca de monólogos, havendo pouca empatia e nenhum
diálogo (que necessita de empatia e compreensão) ou estar presente com o outro.
Uma reunião sem encontro é consumida por resultados e enxerga as pessoas como
obstáculos para a sua consecução. Bubber descreve a visão monológica como um
mundo “Eu e Isto”. Os nazistas obtiveram obediência. O controle deles era absoluto
e o paradigma de vida deles era focado no poder. Nessa visão, os outros são tratados
como objetos de um projeto. O projeto tem prioridade sobre as pessoas e torna-
se muito mais focado em indicadores, KPIs, zeros e medidas. Muito mais do que
aprendizado e maturidade. Existem aqueles que cumprem as regras e aqueles que não
as cumprem. Estes últimos estão na ordem do dia para o discurso do inimigo.
A visão “Eu e Tu” é focada na mutualidade. Ela compreende e está presente com e
para o outro. Essa visão tem uma visão do mundo do outro, enquanto a visão “Eu
e Isto” tem o outro como um objeto para a obtenção do resultado do processo.
Essencialmente, a visão “Eu e Isto” é egoísta e objetiva. Não há liderança na visão “Eu
e Isto”, mas sim altos níveis de gerenciamento. As pessoas não seguem o gerente que
prega a visão “Eu e Isto”. Em vez disso, elas cumprem as regras, mas não há paixão
nem propriedade no que fazem.
O que Bubber tem a ver com a psicologia do risco? Você consegue ligar os pontos? O
mundo “Eu e Tu” prioriza a motivação, a propriedade, o aprendizado, as relações e o
diálogo. O mundo “Eu-Isto” prioriza o controle, o poder, o cumprimento de regras, o
monólogo e o zero. A visão “Eu e Tu” reconhece que compreender a psicologia social
do julgamento humano e a tomada de decisão é crítico se alguém quiser que os outros
sigam a sua liderança. Uma visão encontra, compreende e está presente com o outro. A
outra visão encontra, mas não precisa estar presente com o outro e, na verdade, impede o
atingimento das metas de conquista.
É por isto que abordagens minimalistas da legislação, da regulação, dos procedimentos,
da coerção, do controle e do gerenciamento são tão limitadas. O zero endossa e promove
um olhar para o que é mínimo e para o que é microscópico. Ele é focado na contagem
física de lesões e deixa de ver o leque do aprendizado, da maturidade e das relações. O
zero realmente não motiva, não prioriza o aprendizado ou a propriedade. O zero pode

102 Por Amor ao Zero


conseguir resultados no curto prazo, mas no longo prazo leva a subprodutos perigosos,
como a negação, o ceticismo, o cinismo, o pessimismo, a doutrinação, a descrença
e a ignorância. Tudo isto é ignorado no foco instrumental do zero. O aprendizado é
ignorado ou, na pior das hipóteses, é uma meta conflitante com o zero.
Umas das contradições mais significativas no discurso e na trajetória do zero é a crença
ingênua de que o zero e o aprendizado são complementares, quando, na verdade, são
trajetórias conflitantes. Quando uma trajetória abre espaço para o aprendizado, a outra se
fecha e encontra guarida na doutrinação.
As tendências do discurso subcultural são perdidas na visão instrumental. Os
“stormtroopers” de 12 anos de idade ficavam lutando do lado de fora da casamata de
Hitler, enquanto do lado de dentro os gerentes cometiam suicídio.

A Importância do Aprendizado
O aprendizado é essencialmente sobre mudar a forma do pensamento, do conhecimento,
do comportamento, dos valores, das habilidades e ou da capacidade. O aprendizado
não é somente sobre uma resposta ao que é superficialmente ensinado (aprendizagem
superficial), mas inclui o “currículo oculto”, ou seja, mensagens e informações secretas
que são aprendidas indiretamente. Mensagens indiretas ou secretas geralmente estão
contidas no que não é dito ou nas mensagens inadvertidas transmitidas pela estratégia,
por ações ou por mensagens inconscientes ou subliminares. Existem cinco coisas
fundamentais que precisamos saber sobre o aprendizado:

1. Aprendizado Implícito, Incidental


Conhecimento implícito resulta no que Polanyi (1967) chama de conhecimento
tácito. É aquilo que sabemos, mas não conseguimos dizer no momento. Contudo,
pode ser explicitado posteriormente. Pode ser que nenhum conhecimento seja
exclusivamente implícito ou explícito. Seis formas de conhecimento devem ser
encorajadas:
• Conhecimento adquirido por aprendizado implícito, no qual aquele que aprende
não está ciente do conhecimento adquirido;
• Conhecimento construído a partir da agregação de experiências na memória de
longo prazo através da interação com os dados visualizados;
• Conhecimento inferido por observadores para serem capazes de representá-los,
como teorias implícitas de ação, construções pessoais, esquemas, através da
discussão do grupo de foco;
• Conhecimento que permite compreensão ou resposta rápida e intuitiva;
• Conhecimento adquirido na transferência de conhecimento de uma situação para
outra;
• Conhecimento incorporado em atividades, percepções e normas tidas como
certas em interações de grupos.

CAPÍTULO 7: Estratégias Sem o Zero 103


O conhecimento tácito fornece grande parte da base para a maneira como
interagimos com pessoas e situações. A metodologia de aprendizado implícito
encoraja um envolvimento “irrefletido” ou reativo de premissas, valores e
conhecimento através da aprendizagem situada, que é a aprendizagem experiencial
através da sua interface com conceitos e representações visuais.

2. Aprendizado Situado
O aprendizado informal é também uma parte importante do aprendizado situado. A
noção do aprendizado situado nos leva além das compreensões do aprendizado como
sendo interno ou “na própria pele” dos indivíduos, em direção a uma compreensão
que abrange o mundo social, contextual e distributivo.
Muito da experimentação e da teorização sobre processos cognitivos e
desenvolvimento tratou a cognição como sendo possuída pelo indivíduo e residindo
na sua mente. Aqueles que se interessaram pela cognição distribuída olharam
para as ferramentas e para as relações sociais fora das cabeças das pessoas. Estas
não são somente “fontes de estímulo e orientação”, mas são também veículos do
pensamento. Dessa forma, pode-se falar não somente que vivemos em comunidade e
experimentamos em comunidade, mas “aprendemos através da comunidade”. Não é
somente o indivíduo que aprende cognitivamente, mas a comunidade também pode
aprender como um sistema completo de fatores interrelacionados. As pessoas pensam
em relacionamentos com outras e utilizam-se de várias ferramentas de aprendizagem
em contexto que estimulam o conhecimento. Cognições diferentes, portanto,
emergem em diferentes situações.
Então, isto é o que podemos nomear como “aprendizado situado”. Pode ser visto
como a participação envolvente de comunidades em prática. O aprendizado situado
envolve a pessoa inteira: implica não somente uma relação com atividades específicas,
mas uma relação com as comunidades sociais. Implica tornar-se um participante
inteiro, um membro, um tipo particular de pessoa no contexto. Dessa forma,
aprendendo apenas parcialmente, e geralmente de forma incidental, implica tornar-
se apto a se envolver em novas atividades, desempenhar novas funções e tarefas,
dominar novas compreensões. Tarefas, atividades, funções e compreensões não
existem de forma isolada: estas são parte de um sistema mais amplo de relações nas
quais possuem significado.
Pessoas novas em um contexto social entram pela borda: a participação delas
é periférica. Gradualmente, o engajamento delas se aprofunda e se torna mais
complexo. Então, elas se tornam participantes plenos e irão assumir papéis
de facilitadores ou organizadores. Portanto, o conhecimento está localizado
na comunidade de prática. Além disso, nessa visão faz pouco sentido falar de
conhecimento que é descontextualizado, abstrato ou generalista, como na forma que
as pessoas costumam se referir à noção de “senso comum”.
Quatro proposições são comuns à gama de perspectivas que agora vêm juntas sob o
estandarte da aprendizagem situada:

104 Por Amor ao Zero


• Um nível de conhecimento e habilidade alto ou de especialista pode ser atingido
através da experiência no trabalho cotidiano, na comunidade ou na família;
• Conhecimento de domínio específico como sendo necessário para o
desenvolvimento da excelência (ou seja, grande parte da excelência depende do
conhecimento local detalhado de um local de trabalho, uma localidade ou uma
indústria);
• Aprendizagem como um processo social;
• Conhecimento como incorporado na prática e transformado em um
comportamento direcionado a um objetivo.
O aprendizado implícito acontece em diversos níveis:
• Durante o processo de treinamento, o método de treinamento é incorporado
ao conteúdo de aprendizagem para que os participantes aprendam pela forma
como o treinamento é “realizado”, tanto quanto o conteúdo que é entregue.
Por exemplo: em treinamento sobre conflito, as experiências de conflito são
incorporadas na forma que as pessoas são direcionadas nas suas atividades
experienciais.
• Através da implantação de ferramentas gráficas, as quais com o tempo formam
uma base visível e invisível para que a penetração constante do conhecimento
baseado em imagem surta efeito.
• Através da implantação compreensiva de tecnologias de aprendizagem integradas
e direcionadas.
• Estruturando o uso do espaço e do contexto de tal forma que, até mesmo na
disposição da sala, a aprendizagem congruente é gerada pela forma como as
pessoas são direcionadas nos relacionamentos.
• O foco é sempre nas pessoas e na interação com todas as inteligências de
aprendizagem.
• A aprendizagem mediada (ou cognição social, como definido por Vygotsky em
1934) deve ser incorporada às atividades de aprendizagem experiencial e deve
usar uma série de ferramentas que constroem e apoiam a aprendizagem.
• A entrega da aprendizagem incidental através da psicologia do encontro
(reconhecendo a importância do aprendizado através do jogo, da estimulação e
do papel).
O uso da semiótica e da aprendizagem por metáforas, por exemplo: o iceberg sobre e
sob a linha;
A partir do exposto acima, é possível ver como as discussões sobre o aprendizado
incidental tornam-se conectadas não somente com o aprendizado situado, mas com
uma série de métodos de aprendizagem sutis que são incorporados e aparentemente
invisíveis para o aprendiz. Por exemplo, o foco nas comunidades de prática, em vez
de um ambiente de aprendizado dedicado, envolve aprendizagem implícita por meio
de relacionamentos, interatividade e conversas.

CAPÍTULO 7: Estratégias Sem o Zero 105


3. Aprendizado Experiencial (Aprender Fazendo Atividades)
O uso de atividades experienciais e simuladas (bem como jogos) nos treinamentos
está sendo reconhecido por algumas organizações como uma forma essencial de
incorporar aprendizagem e desencadear mudanças, mas já tem sido uma prática
largamente aceita na escolaridade e na educação por 50 anos. O aprendizado
experiencial ou o aprendizado simulado promovem o seguinte:
1. O real ou o virtualmente real. As atividades simulam algo tão bem que o
aprendizado real acontece. Na verdade, a realidade virtual é atualmente um termo
amplamente reconhecido cujas implicações são importantes para a educação.
2. O aprendizado prático, no qual os participantes se tornam os ativadores, não
somente ouvintes ou expectadores.
3. A motivação, a participação envolvente na atividade é tão intensa que o interesse
no aprendizado é ativado pela própria atividade.
4. Simulações são direcionadas e desenhadas para levar em consideração
necessidades de desenvolvimento (maturidade de aprendizagem) de participantes.
5. Inspiração ao valorizar a entrada (conhecimento e experiência trazidos ao
contexto) dos participantes que os encoraja a aprimorar a atividade por meio de
suas próprias ideias.
6. Simulações que acomodam o nível de maturidade dos participantes.
7. Capacitação dos participantes para assumir funções responsáveis.
O uso de simulação coloca o treinador em um papel diferente: aquele que é o
resultado inevitável da evolução do papel do professor na educação. A maioria dos
treinadores deveria reconhecer que o seu papel não é mais aquele de apresentador
de informações, mas sim o de facilitador do aprendizado e que os trainees não são
“esponjas” de fatos.

4. Aprendizado e Inteligências Múltiplas


Qualquer treinamento ou programa educacional deve considerar o máximo possível
das Inteligências Múltiplas (Gardner, 1983). São elas:
• Linguística: aprende mais falando, ouvindo e vendo as palavras;
• Lógica/Matemática: aprende mais categorizando ou classificando;
• Espacial: aprende mais visualizando, sonhando, usando o olho da mente;
• Musical: aprende mais através do ritmo, da melodia e da música;
• Corporal/Cinestésico: aprende mais tocando, movendo, interagindo com o
espaço;
• Naturalístico: aprende mais estudando os fenômenos naturais;
• Interpessoal: aprende mais compartilhando, comparando, relacionando,
entrevistando;
• Intrapessoal: aprende mais trabalhando sozinho, em projetos individuais.

106 Por Amor ao Zero


5. O Essencial do Aprendizado
Para que qualquer aprendizado tenha sucesso, as seguintes condições devem ser
atendidas:
a) Confiança
Não pode haver mudança, desenvolvimento ou transição sem o estabelecimento da
confiança. Estabelecer a confiança requer um tempo e uma habilidade consideráveis.
A ênfase dada aqui é nas relações, o que Bubber chamou de “Eu e Tu” no encontro.
Na abordagem psicossocial da aprendizagem, o desenvolvimento da comunidade
dinâmica é central para o estabelecimento da confiança. Cada grupo participante se
torna essa comunidade dinâmica através da interação do conhecimento visualizado e
conversacional compartilhado (foco do grupo).
b) Clima (Ethos, Lugar e Espaço)
A velocidade e o ritmo para se abraçar a mudança serão limitados a não ser que as
pessoas entrem em uma atmosfera (um clima) que gere confiança, engajamento,
motivação, reconhecimento, resiliência e aprendizado. A importância da
confidencialidade na resposta do teclado é essencial a esse respeito. À medida que os
respondentes vejam a resposta do grupo, eles não poderão saber como um indivíduo
em particular respondeu a um questionamento em particular.
c) Estrutura
A mudança depende de uma estrutura (fornecendo um grau de certeza, segurança e
significado) que demonstra através da metodologia da organização que as pessoas são
valorizadas e apoiadas. Uma estrutura que enfraquece as pessoas e limita a liberdade e
a escolha é essencialmente desmotivadora.
d) Uma Cultura de Mudança
A essência de toda mudança requer a inclinação para a mudança: o querer e o
desejar mudar. Reconhecimento e premiação de forma mensurável são críticos nesse
processo, assim como a metodologia do engajamento das pessoas.
e) Engajamento
A chave para o engajamento é a aceitação do outro e a valorização da contribuição
das pessoas independentemente da circunstância e da história.
f ) Significado e Propósito
As pessoas não vão mudar a não ser que elas vejam sentido na mudança e resultado
positivo para elas. O processo do gerenciamento da mudança precisa fazer sentido
de tal forma que seja interlaçado com outros elementos essenciais da mudança,
tais como confiança, motivação e engajamento. É o significado e o propósito que
conduzem o desenvolvimento da resiliência.
g) Habilidade e Capacidade
A mudança não será efetiva se o agente da mudança não tiver a habilidade de
conduzir e direcionar a mudança (sem se sobrepor aos outros) e o participante não
tiver a capacidade de mudar.

CAPÍTULO 7: Estratégias Sem o Zero 107


Realismo não é Fatalismo
Há uma suposição feita pelos proponentes do dano zero de que não endossar dano zero
é um compromisso com o fatalismo. Essa suposição binária invalida a outra visão, do
realismo. Os australianos parecem ter uma atenção especial quando se trata de ilusão.
Nós chamamos isso coloquialmente de “o radar de bobagem”. As pessoas que não são
realistas são rotuladas de “sonhadores”, elas logo são dispensadas e a sua linguagem
é tolerada como “ruído”. O perfeccionismo rapidamente aliena e a projeção do
perfeccionismo cria isolamento.
Uma parte considerável do meu trabalho é feita na indústria pesada e um dos meus
clientes foi bastante franco sobre a necessidade de gerenciar os três pilares do seu
negócio. Eles transformaram essa ideia graficamente em um triângulo que mostra que
a única forma de administrar corretamente o negócio é gerenciar de forma apropriada
custos, produção e segurança. O realismo deste triângulo, apresentado na figura 20,
demonstra a realidade de se administrar um negócio. Não é um caso de um ou outro,
mas de encontrar equilíbrio. Seria ridículo afirmar que o risco não tem uma negociação.
A mensagem real de um negócio não é zero risco, mas um risco seguro. O custo de
eliminar todos os riscos é absurdo, tanto do ponto de vista do aprendizado quanto do
financeiro. Os empreendimentos existem para gerar lucro e há limites para a negociação
do risco. Sunstein (2002, 2005) apresenta um excelente estudo dessa dinâmica.

Figura 20. O equilíbrio custo, risco, produção.

O Erro Humano e a Sorte


Há uma gama de expressões e palavras que podem ser usadas como um teste definitivo
para checar a sinceridade de uma “organização zero dano”. A “organização zero dano”
não pode acreditar em ou tolerar acidentes, sorte, erros ou qualquer discurso que
reconheça a falibilidade humana. Quando alguém está comprometido com a ideia
de que “todos os acidentes são evitáveis”, está na verdade trancafiado na ideologia do
perfeccionismo. A ideologia do zero é comprometida com a eliminação total de todo
risco. Para esse posicionamento, o risco não faz sentido.
Não faz sentido propor zero dano na sexta-feira e desejar sorte para o seu time de futebol
ou para a corrida de veículos no sábado. Não faz sentido aspirar o zero na segunda, tendo
reconhecido a falibilidade do domingo. O teste definitivo é: ouça a linguagem da “sorte”,
do “erro” ou da “falibilidade” daqueles que defendem o zero dano e então desafie-os pela

108 Por Amor ao Zero


inconsistência. Ouça os argumentos para a eliminação total do risco e pergunte como
isso faz sentido à luz do aprendizado e da vida.
O discurso do zero também está em conflito com a linguagem do “erro humano”.
Apesar de eu ter problemas com a linguagem obscura do “erro humano”, não deixa
de ser uma forma utilizada na cultura popular que exclui zero. Eu não gosto do termo
“erro humano” porque geralmente ele é utilizado de uma forma obscura, que tem pouco
significado. Às vezes, a linguagem do “erro humano” é simplesmente utilizada como uma
forma de repartir a culpa. Juntamente com expressões do tipo “senso comum”, “dar um
jeito” e “tenha cuidado”, carece de definição e simplesmente cria confusão ao tentar dar
sentido ao risco.
Infelizmente, a discussão sobre o erro humano na literatura parece deixar completamente
de lado a importância do inconsciente e do subconsciente no julgamento humano e na
tomada de decisão. Muitos proponentes do erro humano são também seduzidos pela
ideia de controle absoluto e chegam à conclusão de que o erro humano ou é intencional
(uma violação) ou acidental.
O discurso do erro humano tende a focar nas “causas”, genéricas e precariamente
definidas. Estas geralmente são definidas como “modos de falha”, “ficar perdido”, falta de
coordenadas, erro de comunicação, falta de percepção, estresse, sobrecarga de trabalho ou
fator surpresa.
De forma superficial, todas essas expressões tentam explicar a escolha ou o erro na
escolha, mas essencialmente não descrevem os fatores psicológicos, culturais ou
sociopsicológicos da atividade. Na melhor das hipóteses, a maioria deles interpreta o
risco como a Lei de Murphy. A maioria dos textos sobre erro humano recaem na velha
ênfase dos sistemas perfeitos e no monitoramento.

Figura 21. A Árvore de Falha do Erro Humano

Se há erro humano, falibilidade e imperfeição, não pode haver zero.

CAPÍTULO 7: Estratégias Sem o Zero 109


Steve Bradbury e a Medalha de Ouro pelo Erro
Steve Bradbury é um patinador australiano de velocidade em pista curta que carrega
uma medalha de ouro pelos 1000 metros nas Olimpíadas de Inverno de 2002. Bradbury
ganhou o ouro pelos erros dos outros. Ele somente chegou à final seguindo a estratégia
de que os outros iriam cometer erros. Na verdade, não importa sob que circunstâncias
ou estratégias, mas o fato é que Bradbury é medalhista de ouro na modalidade patinação
de velocidade em pista curta. Após a final, ele declarou que havia imaginado que a busca
pela perfeição faria os seus oponentes correrem muitos riscos, e sua estratégia valeu a
pena. Na final, todos os quatro competidores que estavam na frente dele colidiram,
deixando o caminho aberto para a conquista do ouro. Ele era o patinador mais velho
e sabia que não conseguiria superar os seus oponentes pela velocidade. Em vez disso,
confiou que o perfeccionismo e a falibilidade humana fariam a mágica por ele. A sua
estratégia estava correta.
A negação da falibilidade e do erro humano é a negação do inesperado, a ilusão do
controle absoluto e a fé suprema e fundamentalista na certeza absoluta.

Questionamentos
1. Quais são os seus silêncios? Sobre o que você não fala para não influenciar os outros?
2. Por que entreter a dúvida é tão desafiador para as pessoas? Você já teve que voltar
para casa porque pensou ter esquecido de desligar alguma coisa? Por que você fez
isso?
3. O que acontece quando a linguagem do zero simplesmente passa a ser uma retórica
sem sentido? É assim que o zero é utilizado na sua experiência? Você pode dar alguns
exemplos?
4. Pense em alguma coisa que você aprendeu recentemente. Quais circunstâncias
ajudaram nesse aprendizado?
5. Você acredita em sorte? Você acha que algumas pessoas têm mais sorte do que outras?
Algumas pessoas parecem ganhar mais coisas do que outras? Por que algumas pessoas
parecem ter dias de sorte?

Transição
A linguagem e a trajetória do zero são uma busca pelo lugar perfeito. Eu me pergunto
de que formas as metas de perfeição excluem os humanos. O que acontece com pessoas
que não conseguem desempenhar como outras? Há algum lugar em nossa sociedade
para pessoas que nasceram deficientes? Os portadores de deficiência têm algum lugar
na empresa que estabelece as suas metas baseada na perfeição e no absoluto? Como as
pessoas com deficiência fazem para evitar as lesões?
Essas questões, bem como os temas sobre sorte, configuram uma dificuldade para os que
advogam pelo zero. A busca pelo zero não é uma busca sensível à falibilidade humana. É
uma busca por super-homens. O próximo capítulo destaca as disposições e as qualidades
de uma organização humanizadora. Uma organização sem o zero no seu discurso.

110 Por Amor ao Zero


CAPÍTULO 8
A Organização
Humanizadora
“O grande consolo na vida é dizer o que uma pessoa pensa.”
Voltaire
8
“O senso comum é a coleção de preconceitos adquiridos até a
idade de 18 anos.” Einstein

A Organização Humanizadora
Qualquer que seja a linguagem e o discurso que escolhamos para a nossa organização,
precisam ser humanizadores, não desumanizadores. Organizações que aprendem e
organizações humanizadoras são centradas nas pessoas, não centradas nos produtos. É
uma ilusão pensar que “zero” é uma ideologia centrada nas pessoas. É uma ideologia
centrada no conteúdo e no número que professa o cuidado pelas pessoas, afirma que não
deseja lesionar ninguém, mas possui uma trajetória de controle absoluto, uma certeza
fundamentalista e, de forma contraintuitiva, uma trajetória mecanicista. A lógica do zero
é calculista.

Observar e Ouvir para Aprender


Eu sempre aceito convites para encontrar diretores e gerentes em organizações.
O meu primeiro encontro na organização tem muito a ver com observação: a
minha com eles e a deles para comigo. Às vezes me pedem para esperar pelo menos
15 minutos antes de a reunião começar. É tempo suficiente para que eu observe
e escute os sinais culturais. Que linguagem e símbolos estão presentes e ausentes
nas paredes? O que as instalações, os banheiros e as cozinhas me dizem sobre a
organização? Como as pessoas conversam? A aprendizagem está no ar? O que os
artefatos da cultura me dizem?
Uma das melhores formas de determinar se a sua é uma empresa humanizadora é ver o
que é feito no âmbito do aprendizado e da incapacidade. Não há espaço para erros, falhas
e aprendizado em uma organização que prega o zero. Não há tolerância, aceitação, apoio
ou compreensão em uma empresa que só consegue encarar o zero.

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 111


Geralmente, pedem para eu apresentar às empresas como funciona o meu trabalho.
Eu não vendo pacotes fechados de treinamento ou soluções prontas e genéricas. Em vez
disso, eu prefiro conhecer a organização e deixar que eles me conheçam, dessa forma,
vemos se há uma harmonia. Se não há harmonia, não há relacionamento. Se não há
relacionamento, não há aprendizado. Treinamento tem a ver com retenção de conteúdo.
Aprendizado tem a ver com maturidade e capacidade.
Quando você adentra uma organização, deve-se observar o que não é dito. Escute
os silêncios, os ruídos e o que vai além da retórica. Trata-se de uma empresa que faz
perguntas ou de uma empresa que dita? O que demonstra que a organização está
interessada no aprendizado? Haverá pouco aprendizado se não há desejo por aprender e
pouca maturação se a empresa acredita que “já chegou lá”.
Então, eu me sento na sala de espera e observo os artefatos culturais nas paredes,
busco por slogans, símbolos, palavras, e outros indicadores da cultura. Eu acho muito
interessante ler a visão e a missão nas paredes. Eu observo se palavras como “aprender”
estão presentes. Quando somente palavras tipo “compliance” são repetidas, isso me diz
muito sobre a falta de visão na visão estratégica.

Como a Linguagem e o Discurso Moldam o


Comportamento
A linguagem que utilizamos afeta a nossa percepção do mundo. Nós sabemos disso,
pois observamos o desenvolvimento da linguagem nas crianças, como elas aprendem a
conectar objetos e assuntos com palavras. Nós observamos como o conhecimento sobre
o ambiente da criança molda a sua linguagem e como a sua linguagem molda o seu
desenvolvimento. A linguagem é um elemento muito forte na formação, na identidade e
no gerenciamento da cultura.
O budismo nos dá um excelente exemplo de como a linguagem molda o
comportamento. Não há conceito de “autoestima” no budismo. Então, como você
pode falar sobre isso? Trata-se de uma construção ocidental do individualismo. Nós,
ocidentais, vemos um certo tipo de comportamento e interpretamos como uma perda da
autoestima, enquanto no Tibete é visto como um comportamento social que tem a ver
com relacionamentos nas vilas e no ambiente.

Por que isso importa?


Em algumas culturas organizacionais, é normal a “linguagem dupla”: dizer uma coisa
e fazer outra. A linguagem diz uma coisa, mas o discurso, na verdade, é de ceticismo,
cinismo e negatividade.
Quando nós conversamos, o que falamos pode “pré-ativar” a mente do ouvinte. Se a
mensagem verdadeira é “ignore a mensagem”, então nada mudará e ninguém aprenderá
nada. A forma que nós “preparamos” a mensagem torna-se uma influência crítica em
como o ouvinte é “pré-ativado”. Se há o endosso de uma subcultura do “risca-risca”
de listas de verificação, então é isso o que realmente “pré-ativa” a cultura (após os
auditores terem ido embora, claro!) A subcultura, nesse caso, é muito mais forte do que

112 Por Amor ao Zero


a aparentemente adotada, porque está intimamente mais associada ao sentimento de
pertencimento a um grupo de colegas. Mais surpreendente ainda é que quanto mais os
reguladores apertam os seus cabrestos (em vez de educar e ensinar), mais os sindicatos
exercem o seu discurso autoritário (em vez de comunitário), e mais poder é dado às
normas subculturais. A subcultura tem um enorme poder subversivo porque se opõe de
forma clara ao discurso “fora de alcance” da autoridade (seja um regulador ou seja um
sindicalista que visita, mas não pertence àquele meio).

O que pode ser feito a respeito?


A primeira coisa é reconhecer a dinâmica das forças contraintuitivas no trabalho,
nas subculturas dos trabalhadores. Os líderes precisam estar muito atentos ao que
a Psicologia Social do Risco e a Neurociência nos ensinam. Gerenciamento sem
conhecimento de dissonância cognitiva, autossugestão e preparação (particularmente
preparação para a perda ou o ganho) e sem habilidades associadas à compreensão do
julgamento humano e da tomada de decisão somente continuará a endossar o estado
atual da organização.
A abordagem autoritária faz muito “ruído”, goza de um curto sucesso, baseado no medo,
mas no longo prazo há pouca propriedade.

A Sua Fala Importa


Finalmente chegamos à discussão sobre o problema fundamental do discurso e da linguagem
do zero dano. Os líderes precisam ser muito mais sofisticados e espertos a respeito da defesa
cega de mensagens, em vez de simplesmente adotar qualquer forma de linguagem como se
esta não exercesse nenhuma influência nos trabalhadores. A linguagem do zero dano não é
neutra e os líderes deveriam estar muito mais atentos à forma que essa linguagem “pré-ativa”
os trabalhadores, tanto psicologicamente quanto culturalmente.
A “pré-ativação” refere-se ao formatar, às vezes passivo, sutil e subconsciente, do
pensamento dos indivíduos para receber e extrair informação. Uma gama de estímulos
pode “pré-ativar” (isto é, afetar) o comportamento e a tomada de decisão das pessoas,
tais como o meio ambiente, a linguagem, o comportamento social dos outros, a pressão
dos pares, o medo e a sequência de eventos. O interessante sobre a “pré-ativação” é
que, na maioria das vezes, nós não percebemos a forma que a nossa mente é moldada e
influenciada pelo que é externo a nós.
Qualquer coisa que estimule os nossos sentidos pode influenciar a forma que nós
somos “pré-ativados”. Uma cena de um riacho silencioso, sons delicados da natureza,
uma temperatura agradável, ondas suaves acariciando a areia, todos têm uma forma de
nos desestressar, nos ajudando a desacelerar. Quando nós somos “pré-ativados” dessa
forma, nosso comportamento é influenciado. A cor de um ambiente, o tom de voz, a
temperatura atmosférica, sons rascantes, rock pesado, a sensação de suavidade em nosso
rosto, a brisa suave de um dia quente e o som de crianças gritando, todos afetam o nosso
humor e a nossa tomada de decisão. A maioria esmagadora das pesquisas reconhece
que a forma que acontece a “pré-ativação” e a preparação afeta nossa apreensão do
conhecimento e nossa resposta (Bargh, 2007).

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 113


Ambrose Bierce disse no seu Dicionário do Diabo (1906) que “decidir era sucumbir
à preponderância de uma série de influências sobre outras”. É por isso que o nosso
comportamento muda quando saímos de férias, quando nos sentamos numa poltrona
após um longo dia de trabalho e tomamos uma bebida, quando ouvimos muzak (música
ambiente) em lojas, contendo mensagens subliminares. Os cassinos investem milhões
de dólares no projeto de ambientação sonora para os seus espaços. Se essas iniciativas
não mudassem o humor e o comportamento, por que seriam feitas? Todas as mensagens
subliminares nos shopping centers que estimulam os nossos sentidos a comprar e a
permanecer lá foram cuidadosamente planejadas para pré-ativarem intencionalmente o
nosso subconsciente. As palavras, os símbolos, as saudações quando alguém adentra a
loja, tudo influencia a nossa tomada positiva de decisão, bem como uma loja hostil e um
ambiente desagradável nos induzem a sair.
A evidência experimental das pré-ativações das metas, das tomadas de decisão e da
memória é indubitável. Os pesquisadores Moskowitz, Hassin, Claxton, Wegner, Fine,
Slovic e Plous mostram que o humor e a tomada de decisão podem ser facilmente
influenciados por fatores externos, tais como linguagem e objetos. Em um famoso
experimento, Bargh trouxe pessoas para uma entrevista de emprego, na qual o
entrevistado tinha a chance de cruzar com uma pessoa no elevador. O experimento
envolvia uma pessoa com uma caneca de café bem quente ou uma coca-cola gelada e
suas mãos estavam cheias de sacolas e pastas. Ao entrevistado desavisado era solicitado
que segurasse a caneca, enquanto a pessoa fazia malabarismos com seus pertences. Uma
entrevista após o experimento mostrava o quanto a alta ou a baixa temperatura havia
influenciado radicalmente a percepção do entrevistado sobre o entrevistador. Em um
outro experimento, o odor de um produto de limpeza foi inserido no sistema de ar-
condicionado de um escritório, o que estimulou as pessoas a se apressarem enquanto
comiam em suas estações de trabalho. Em um cenário de dilema de prisão, a presença de
uma maleta ou de uma mochila sobre uma mesa influenciou o nível de competitividade
em várias atividades.
Uma enorme gama de gatilhos ambientais tem demonstrado que estímulos verbais
preparam semanticamente as pessoas.
É uma contradição peculiar que as pessoas na indústria da construção elevem estruturas
com detalhes estéticos cuidadosamente estudados, pois os projetistas sabem como o
edifício afetará os comportamentos.
Os designers sabem como o espaço distribui o poder, como a cor e o formato
influenciam a organização e a segurança (Soja, 1994). Como os trabalhadores da
construção, trabalhando em galpões desorganizados, cheios de lata vazias, não percebem
que isso tem a ver com o modo como eles se comportam ou são estimulados no trabalho?
Então os gerentes andam pela obra com olhares punitivos, com uma linguagem áspera,
influenciando negativamente a forma como os trabalhadores veem o risco.
Nós sabemos também que a autossugestão é muito poderosa. Ela funciona nas
propagandas e na mídia em geral. É assim que a argumentação, a preparação e a pré-
ativação funcionam. A pré-ativação é recebida no subconsciente e transfere-se para o
inconsciente para agir no consciente (Hassin, 2005).

114 Por Amor ao Zero


Pré-ativar corações e mentes é algumas vezes intuitivo e outras vezes, contraintuitivo. O
programa da TV australiana “The Gruen Transfer” é um excelente lugar para aprender
sobre pensamento contraintuitivo e sobre argumentar, sobre preparar e pré-ativar o
comportamento humano. Anunciantes e psicólogos sociais sabem como o pensamento
pode ser pré-ativado tanto de forma intuitiva quanto contraintuitiva. É preciso alguma
habilidade em psicologia tradicional ou em psicologia social para saber quando algo
funciona contraintuitivamente de forma negativa, quando de fato, à primeira vista,
a mensagem soa como se fosse positiva. Este é o problema com a linguagem do zero
dano. Ela é não motivacional, não inspiradora e, de forma contraintuitiva, prepara os
trabalhadores para a falha.
Nós podemos até pensar que é muito bom encher o ego de alguém com falsas esperanças.
Nós podemos até fazê-lo acreditando que elevar a sua autoestima é sempre uma boa
ideia. Contudo, espere até que venha a derrocada, quando a realidade o atinge em cheio
e a ilusão o leva a um mergulho na depressão autodestrutiva.
A autossugestão é muito poderosa. Nós sabemos de reportagens recentes sobre alguns
comportamentos e algumas ideias que criam um comportamento de imitação que
algumas vezes viralizam. No alto dessa virulência, as pessoas até perdiam os seus
empregos por comportamentos de imitação. Apesar de as reportagens pretenderem ser
de alerta, elas, contraintuitivamente, eram atraentes. Agora, que toda a virulência passou
e a mídia silenciou, esse tipo de comportamento diminuiu. É assim que a pré-ativação
funciona. É por isso que o silêncio faz sentido.
Portanto, quando as pessoas não fazem uso de certa linguagem, e são versadas no
silêncio, parece um absurdo para outras pessoas. Elas argumentam que tal silêncio prova
a ignorância e a crença no oposto. A empresa aérea Qantas não utiliza a linguagem do
zero, então isso significa que eles desejam que alguém se acidente? Os hospitais não
utilizam a linguagem do zero dano, mas isso significa que eles querem pessoas lesionadas?
Não, eles utilizam metas de desempenho, em vez de metas de revogação, de modo a
conduzir a sua visão de segurança e gerenciamento de risco.
Quando eu dou consultorias in loco para gerentes e líderes, eu tento ajudá-los a escutar
os silêncios, tanto quanto os ruídos da planta. É tão importante saber o que não é dito e
por que, quanto estar alerta ao que é dito. É relativamente fácil observar e ouvir o que é
visível. Estes raramente machucam alguém. É muito mais sofisticado e precisa de muito
mais habilidade estar pronto para observar e escutar o invisível.
Culturas que estrategicamente conhecem os seus silêncios são muito mais sofisticadas do
que culturas que enchem o ar com ruídos sem sentido propagando o zero dano. Culturas
que são cheias de slogans vazios e mantras inatingíveis geram confusão, criam subculturas
de ceticismo e frustração nas mentes dos trabalhadores. Tais culturas enchem o ar com
linguagem de duplo sentido, bem como enchem as mentes com cinismo, gerando um
clima de desmotivação e constante ressignificação da mensagem.
Ao final, os trabalhadores transformam a mensagem no que eles quiserem, em um ato
de ginástica mental. Como resultado, temos uma atmosfera de desmotivação, na qual as
pessoas jogam o jogo do duplo sentido: elas aceitam o mantra, mas pensam no oposto.

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 115


A Linguagem Certa e as Metas na Psicologia
do Risco
Quaisquer que sejam as metas, os objetivos de linguagem são utilizados na tentativa
de desenvolver motivação ou apropriação no gerenciamento do risco; estas devem ser
metas de desempenho. Os pesquisadores da psicologia social sabem que mensagens de
ganho são muito mais efetivas que mensagens negativas, de perda. Metas de revogação
geram negatividade e a aceitação da falha como medida de efetividade. Parece estranho
no modelo zero dano que a efetividade da segurança somente seja reconhecida pela
negatividade da não lesão. Quão estranho é contar erros, falhas e lesões e utilizar essas
medidas como efetividade cultural? Esse modelo mental negativo contradiz todas as
pesquisas sobre como as pessoas aprendem (Claxton, 2011; Butterworth e Thwaites,
2005; Paul, 1993; Sloan, 2006; Neville, 2010; Robinson, 2011).
Metas e objetivos que versam sobre “jornada da segurança”, “minimização dos danos” ou
“gerenciamento do risco” e mensagens de ganho associadas à família e ao bem-estar são
muito mais efetivas do que as metas de revogação que preparam a mente para o aspecto
negativo da falha. Não se deve entrar no debate do zero sem uma compreensão sobre
como as culturas omitem ou comprometem a linguagem. A verdade é que a fala importa,
a linguagem importa e o discurso cultural importa. Líderes de segurança devem estar
atentos a como a linguagem funciona intuitivamente e contraintuitivamente antes de
estabelecer e perseguir uma meta.

Exemplos de Metas de Desempenho em


Organizações
Um grande número de organizações para as quais eu presto serviço de gerenciamento de
risco e segurança em geral não encontram motivos para aderir à ilusão do zero. Abaixo
seguem cinco exemplos excelentes de como utilizar a linguagem tanto para pré-ativar
como para promover a segurança e o gerenciamento do risco na sua organização:
1. A Baulderstone (Estado de Victória, Austrália) possui um mantra no qual afirma que
“a segurança importa” e fala sobre “a jornada da segurança”;
2. A Built Constructions faz um trocadilho e utiliza o slogan “Construa a Segurança” e
“Construindo Relacionamentos”;
3. A Castlemaine Gold utiliza as três palavras: “Segurança, Custo e Produção”;
4. A Hindmarsh Constructions possui um foco na “Liderança no Trabalho” e utiliza
slogans do tipo “Não caminhe a esmo”;
5. A UGL faz um jogo com a letra “U” (você em inglês) em toda a sua linguagem e
utiliza coisas do tipo “Você Seguro”, “Você Caminha” etc.
É claro que há muitas outras empresas que sabem que a motivação, o aprendizado, o
reporte, a confiança e o engajamento com o chão de fábrica são críticos para a cultura
organizacional e para a segurança. A questão é: há opções criativas para formular metas
de desempenho para o gerenciamento de risco e para a segurança e não há impedimento

116 Por Amor ao Zero


para permanecer em silêncio quanto ao zero. Na verdade, não se pode inferir sobre o
silêncio da organização. Não se pode afirmar que eles estão menos preocupados com os
riscos do que outras empresas que estão buscando o zero.
De várias maneiras, essas empresas são “de classe universal” e “generativas”, como foi
cunhado por Patrick Hudson, ou, ainda, como Karl Weick descreveu, são Organizações
de Alta Confiabilidade (HRO). As empresas podem ser “de classe universal” sem o
mantra do zero. Na verdade, essas empresas que fixaram o zero como meta só podem
ser chamadas de empresas calculistas. Se uma empresa deseja ser “de classe universal”, de
Alta Confiabilidade (HRO) ou “generativas”, ela deve ser uma empresa humanizada.

Uma Empresa Pode Ser “de Classe


Universal” Sem Ser Zero?
O conceito de “classe universal” geralmente denota alguém com habilidade ou com
atributo que o coloca na mais alta escala existente. Nós pensamos em classe universal
como líderes mundiais em uma área de conhecimento, por exemplo: atletismo, projetos
ou medicina. Nós falamos em nadadores de classe universal, projetos de veículos de classe
universal ou um prêmio de classe universal, como o Prêmio Nobel. Uma organização
de classe universal é, portanto, uma organização que é vista como no mais alto nível. O
desejo de estar entre os melhores do mundo em qualquer área sugere um compromisso,
uma energia e uma dedicação como poucos possuem. Na verdade, esta é uma proposta
assustadora pelo que ela sugere.
A ideia de ser uma classe universal na segurança não é uma ideia nova. O Prof. Karl E.
Weick (1999) propôs a ideia das Organizações de Alta Confiabilidade (em inglês, HRO
– High Reliability Organizations) como o pináculo da organização no pico da atenção
plena, do sentido e das matérias correlatas, tais como segurança e qualidade. Weick
(1999, p. 81) comenta:
“Os processos encontrados nas melhores empresas de alta confiabilidade
proporcionam infraestrutura cognitiva que permite simultaneamente aprendizagem
adaptativa e desempenho confiável.”
Quando as pessoas se referem às organizações de alta confiabilidade, elas têm em mente
organizações como as usinas nucleares, porta-aviões, sistemas de controle de tráfego aéreo
e ônibus espaciais, para citar algumas. As organizações de alta confiabilidade operam em:
“... ambiente social e político implacável com um alto potencial para o erro, onde a
escala das consequências impede o aprendizado através da experimentação e onde,
para evitar falhas face às fontes variáveis ​​de vulnerabilidade, processos complexos são
usados para gerenciar tecnologias complexas.” Weick (1999, p. 2).
O oposto de uma organização de alta confiabilidade é uma organização de alto risco (em
inglês HHO - High Hazard Organization), exemplificada por ser conhecida por suas
falhas em permanecer confiável, tais como BP Horizon One, ESSO Longford e Bhopal.
Uma organização de alta confiabilidade é conhecida por sua confiabilidade sustentável no
seu campo de conhecimento como um padrão que é desejado pelo mundo todo.

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 117


A parte final deste livro providencia um argumento definitivo para o que constitui um
gerenciamento de risco e segurança de classe universal. Para tanto, é utilizado o trabalho
do Prof. K. E Weick (Organizações de Alta Confiabilidade) e de Patrick Hudson
(Generativo) de modo a destacar as qualidades as disposições e as características do que
vem a ser “classe universal”. Primeiro, é apresentada a Matriz de Maturidade em Risco
e Segurança da Human Dymensions, para, em seguida, mostrar o que uma organização
de alta confiabilidade (ou generativa) precisa para ser reconhecida como de “classe
universal”. A palavra “matriz”, nesse conceito, é utilizada para significar “o ambiente
cultural, social ou político no qual algo se desenvolve”. Nesta parte do livro são
discutidos risco e maturidade da segurança, a importância da confiabilidade e a regressão
à média, como facetas importantes da argumentação.

As Características de uma Organização de Classe Universal


As organizações de alta confiabilidade compreendem os sistemas adaptativos complexos
e aspiram manter a segurança centrada no ser humano em um ambiente de regulação,
legislação e fiscalização por várias autoridades. A regulação e a legislação tendem a
fomentar organizações calculistas. As organizações de alta confiabilidade são conscientes
das suas obrigações e da necessidade de elevar o nível, ultrapassando as abordagens
primárias de gerenciamento de risco. As organizações de alta confiabilidade cumprem
com a legislação, além de permitir o aprendizado adaptativo simultaneamente com
o desempenho. As organizações de alta confiabilidade são centradas na pessoa, na
mentalidade.
Karl Weick apresenta o termo “atenção plena” em seu artigo “Organizing for High
Reliability: Processes of Collective Mindfulness” (Organizando para a Alta Confiabilidade:
Processos de Atenção Plena Coletiva, 1999). De acordo com Weick, organizações
altamente conscientes exibem caracteristicamente:
a) Preocupação com a falha;
b) Relutância em simplificar;
c) Sensibilidade às operações;
d) Comprometimento com a resiliência, e
e) Deferência à expertise.
Essas cinco disposições são o que Weick descreve como atenção plena coletiva. A atenção
plena coletiva é uma das dez características fundamentais de uma organização de alta
confiabilidade.
Weick (1999, p. 1) comenta:
“Esses processos reduzem os pontos cegos inerciais que levam as falhas a se acumular
e a produzir resultados catastróficos.”
Weick (2001) define atenção plena como:
“A combinação do escrutínio contínuo das operações existentes, do refinamento
contínuo da diferenciação de expectativas baseadas em experiências mais recentes, da

118 Por Amor ao Zero


disposição e da capacidade de inventar novas expectativas que dão sentido a eventos
sem precedentes, uma apreciação mais matizada de contextos e formas de lidar,
bem como identificação de novas dimensões de contextos que melhoram tanto as
previsões quanto o funcionamento atual.”
Weick (1999) indica o seguinte como características de uma organização de alta
confiabilidade:
1. Ambientes complexos de alto risco;
2. Sérias consequências em caso de erro;
3. Atenção plena coletiva ao longo da organização;
4. Cultura de segurança positiva;
5. Melhoria contínua;
6. Cultura de aprendizagem;
7. Equipe altamente capacitada e bem remunerada;
8. Formas criativas de lidar com os erros (arriscar com segurança);
9. Verificações periódicas – redundância de processos (incômodo crônico);
10. Flexibilidade para lidar com mudanças;
11. Sensibilização demonstrada.
Por enquanto, faremos uma rápida explanação de cada um dos cinco dispositivos da
atenção plena coletiva.
A preocupação com a falha não é uma fixação negativa na falha, mas refere-se muito
mais à importância de priorizar a imaginação no cotidiano da organização e como ela
abraça o risco. A organização de alta confiabilidade vive no mundo das possibilidades
mais do que na atualidade. As organizações de alta confiabilidade encorajam a
imaginação na vida da empresa e sabem que a credibilidade no fazer sentido é crítica para
o gerenciamento do risco. As organizações de alta confiabilidade sabem que o sucesso
gera excesso de confiança (arrogância), percepções estreitas e ainda recompensa a fantasia.
As organizações de alta confiabilidade têm uma relutância em simplificar as operações.
Isto é, elas têm obsessão pelo que não conhecem e dão muita atenção aos silêncios, tanto
quanto aos ruídos. As organizações de alta confiabilidade sabem que aqueles que estão na
linha de frente, os que estão sob o maior risco, são os mais propensos a captar sinais de
alerta precoces e imprevistos, contudo, são os que têm o menor poder de argumentação,
bem como pouca habilidade de persuadir os demais de modo que esses sinais sejam
levados a sério. Este foi o caso de muitos desastres, tais como Challenger, Horizon One
da BP e Piper Alpha.
Sensibilidade às operações está relacionada à estratégia com o chão de fábrica em
mente. É por essa razão que é crítico para os membros do conselho de administração
e o corpo executivo visitar a linha de frente das fábricas, conversar regularmente
com a equipe e compreender o trabalho no nível hierárquico mais baixo da empresa.

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 119


Frequentemente, os tomadores de decisões são pegos tendo uma visão geral, mas não é
nesse nível que os seres humanos estão expostos aos maiores riscos.
Comprometimento com a resiliência é uma disposição que é comprometida com a
aprendizagem. As organizações de alta confiabilidade sabem que os homens são falíveis
e compreendem que o inesperado acontece. A resiliência tem a ver com recuperar-se
do erro e lidar com as surpresas. Tal disposição ajuda a diagnose, a análise crítica e a
detecção, e ainda minimiza a postura defensiva.
Deferência à expertise relaciona-se com uma compreensão do poder sociopolítico. As
organizações de alta confiabilidade não ficam presas às regras hierárquicas e à distribuição
do poder. O respeito à expertise não é o respeito ao poder. O poder geralmente é
estabelecido nas organizações através de dinâmicas políticas em vez de conhecimento e
experiência. Alguém até enxerga o problema chegando, mas estes que o veem tendem a ser
os que estão abaixo na escala hierárquica, invisíveis, desautorizados e relutantes em falar.
Weick também discute as ferramentas essenciais e os filtros que usamos para dar sentido
à informação. São elas:
1. Autoestima: a sua confiança em você mesmo, a sua identidade pessoal e o que
você pensa sobre você em relação aos outros afetarão a forma que você interpreta a
informação;
2. História: a sua história passada, de onde você nasceu e viveu até onde você conseguiu
chegar. Tudo na sua história pessoal tem alguma influência sobre o que você sabe e
como você interpreta o presente;
3. Contexto social: onde você está em relação aos outros, o que está acontecendo ao seu
redor, a natureza daqueles ao seu redor e a forma com que eles se relacionam com a
mesma informação – tudo influencia a forma que você interpreta a informação;
4. Evidência de confirmação: nós agimos de acordo com a crença, até mesmo criando
um preconceito em nossas mentes, de forma que quando alguma coisa acontece,
ela conforma a crença. Por exemplo, se nós aceleramos o nosso carro em resposta ao
outro carrão, cheio de jovens dentro, como citado antes, nós representamos um novo
cenário, o qual pode confirmar ou negar o que acreditamos. Se nós colocarmos o
dedo para cima ou se taticamente ignorarmos o comportamento deles, cada ato trará
à tona um novo ato. Algo novo muda o sentido do que está acontecendo;
5. Dicas e indicadores: o que nós vemos, ouvimos e sentimos não traz necessariamente
informação. Nós reconhecemos indicadores e dicas que nos dão informações
similares a coisas que temos experimentado antes. Nós reconhecemos a importância
do ronco do motor e sabemos que ele representa poder, provocação e agressão. Toda
informação é subjetiva e interpretativa;
6. Credibilidade: não é peculiar que, quando algo inesperado acontece, nós expressemos
surpresa, espanto e descrença? Nossa capacidade de imaginar está diretamente
relacionada não somente ao que acreditamos, mas também ao que nós desejamos
acreditar. Nossa habilidade de imaginar expande ou limita a nossa habilidade de
compreender as coisas. A credibilidade é uma parte importante da predição e ela
se combina com a experiência passada e com as pistas que temos para nos ajudar

120 Por Amor ao Zero


a imaginar o que é possível. Se nós não acreditamos que uma coisa é possível, nós
não a planejamos e certamente não conseguimos imaginar os riscos associados a ela.
Agora, nós sabemos que um tsunami pode matar 250 mil pessoas, nós sabemos que
um incêndio florestal na Austrália pode matar 250 pessoas, e agora nós sabemos
que um terremoto e um tsunami podem colocar um país em uma crise nuclear. Tais
evidências mudam a forma que nós interpretamos informações novas;
7. Fluxo: a última ferramenta que usamos para dar sentido às coisas é o fluxo. O ritmo
e a velocidade dos eventos afeta a forma que nós os interpretamos. Muito do que nós
sentimos vai rapidamente para o subconsciente e ativa uma rápida resposta intuitiva.
A nossa intuição contorna a necessidade de processar as coisas meticulosamente em
um lento padrão lógico. A nossa intuição nos dá uma resposta “corra ou corra” que
nós precisamos em uma crise.
De acordo com Weick, as organizações de alta confiabilidade são organizações que
normalizam a atenção plena coletiva e a criação de sentido.

Perigos, Riscos e Maturidade em Segurança


Há muitas organizações e programas que propagandeiam sobre “liderança em
segurança”, “gerenciamento de risco” e “cultura de segurança”. Contudo, defendem
pouco mais do que sistemas rígidos, vigilância e policiamento e aumento de penalidades
por não conformidades. Enquanto sistemas, vigilância e cumprimento de regras são
importantes, estas não são as melhores estratégias para o gerenciamento de pessoas e,
ainda, funcionam em uma dinâmica de troca binária a qual, como tempo, parece ser
desenvolvida como se pessoas não estivessem envolvidas. Nós vemos evidências da
suposta neutralidade dos controles primários nas inundações ineficazes (sobrecarga
cognitiva) de humanos no excesso de burocracia de segurança. A sobrecarga cognitiva
está se tornando um problema crescente com a burocratização do gerenciamento de risco
e dos sistemas de segurança. Excesso de regulação e excesso de burocratização levam as
pessoas às “micro regras” padrão, intuições e heurísticas que tendem a ser simplistas e
arriscadas, contudo, habilita-as a enfrentar tudo isso.
Controles físicos são o foco fundamental dos profissionais de segurança e risco.
Controles físicos são o que eu denomino nível primário da segurança e resposta ao risco
(comportamento). Apesar de os controles primários serem a pedra fundamental do
gerenciamento de risco, eles não são os únicos controles. Comparados a respostas mais
complexas, os controles primários são relativamente rápidos e fáceis.
Maturidade de perigos e riscos deveria incluir o espectro completo dos controles e das
influências disponíveis. Isto está ilustrado na figura 22 - Matriz de Maturidade em
Segurança e Risco©. Essa matriz mostra como os controles aumentam em complexidade
e se intensificam ao longo do tempo. Quando alguém sobe um nível na maturidade do
risco, percebe que os fundamentos dos controles primários são insuficientes por conta
própria para gerenciar os riscos.
As influências secundárias são mais complexas do que as primárias porque elas
compreendem a segunda camada da resposta humana como crítica para a efetividade
dos controles primários. Por exemplo, apesar de ser interessante possuir listas de

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 121


verificação e sistemas para o gerenciamento do risco, também é bom que se saiba como
o “pensamento de lista de verificação” e como a “fadiga de lista de verificação” afetam o
ser humano. A dimensão psicossocial da resposta ao risco é complexa porque ela envolve
conhecimento da heurística, dos vieses e dos efeitos que constituem a contraintuição
humana. A maturidade em segurança e em liderança começa com a compreensão do
julgamento humano e da tomada de decisão. Aprender a influenciar controles associados
aos riscos secundários inclui ter uma visão longitudinal de “arriscar-se de forma segura”.
As influências terciárias são as mais complexas, intensas e longitudinais por natureza.
Isto, porque controles terciários envolvem interrelações de grupos. As interações
sociopsicológicas e sociopolíticas humanas são mais evidentes no discurso do ambiente
laboral e na transmissão de poder. Observar e ouvir os riscos terciários envolve uma
compreensão sofisticada de comunidade e de consciência de poder. Isso é o que Lefebvre
denomina “mentalidades”. Quando alguém está sintonizado para observar e ouvir
perigos terciários e riscos, então está pronto para começar a influenciar e a exercitar
controles terciários. É então que um senso maduro de liderança em segurança é mais
demonstrado.
O pico da maturidade da segurança é o estado de uma organização de alta confiabilidade
(HRO), e é o padrão que se deveria aplicar se alguém aspira pertencer a uma organização
de classe universal em segurança.
A Matriz de Maturidade em Risco e Segurança ilustra os dez passos que compõem a
jornada para a classe universal (maturidade total em segurança). Maturidade é uma
expressão da psicologia que é utilizada para explicar como uma pessoa reage ao contexto
e ao ambiente. Nesse modelo não se chega nunca ou não se fala nunca em chegada e
sabe-se que a perfeição total é o que limita a maturidade e o aprendizado. A capacidade
e a habilidade da resposta determinam o nível observado de maturidade. Geralmente,
é através da aceitação do risco com segurança que os humanos aprendem a livrar-se de
mentalidades que impedem a maturidade. A linha central na matriz indica o divisor
entre as abordagens técnicas, mecanicistas e calculistas do risco (e da segurança) e o
início da abordagem mais centrada no ser. Quando se avança um nível acima da linha de
resposta tecnocrática em direção a uma resposta mais centrada no ser, então percebe-se
que o aprendizado havia sido restrito devido à manutenção de uma segurança de gestão
mecanicista (zero).
Quando se está apto a influenciar os controles secundários e terciários, a ênfase nos
controles primários é colocada na perspectiva adequada. Como os líderes em segurança
avançam na jornada em direção ao risco centrado no ser e à maturidade em segurança,
então a influência da segurança tecnocrática desce cascateando no espectro do risco, e
a fixação nos controles primários diminui. O modelo mental calculista vê essa jornada
como irresponsável ou ainda como um abandono da regulação. A jornada que se
estabelece abaixo da linha média é majoritariamente fixada em risco quantitativo,
mensuração e punição. A jornada acima da linha média é focada nas pessoas, na
cultura, na aprendizagem e na apropriação. Uma organização jamais estará madura em
gerenciamento de risco se não se comprometer estrategicamente com os fatores humanos
“acima da linha média”.

122 Por Amor ao Zero


Figura 22. Matriz de Maturidade em Segurança e Risco.

O Modelo de Hudson para a Maturidade em Segurança


Hudson (1999) propõe um quadro evolutivo para o desenvolvimento da cultura de
segurança. Ele equaciona o seu estado de segurança generativa com o conceito de Weick
a respeito de uma organização de alta confiabilidade (1999). Hudson afirma:
“Cultura de segurança é vista como uma forma de assegurar altos níveis de
desempenho em organizações, em contraste ao gerenciamento sistemático de riscos e
efeitos por engenharia.”
A Matriz de Maturidade em Segurança e Risco mostra o modelo de Hudson sobreposto
à esquerda do Modelo de Segurança de Nível Universal da Human Dymensions. O
modelo evolucionário de Hudson propõe que as organizações evoluem em cinco estágios:
1. Patológico - preocupando-se menos com a segurança do que com não ser pego;
2. Reativo - negação até ser forçado a obedecer, com ênfase na eliminação dos perigos
“naturalmente”;
3. Calculista - comando e controle, conhecimento e cumprimento da legislação e de
regulamentos;
4. Proativo - começando a incorporar a propriedade do risco em toda a vida
organizacional como um processo próprio;
5. Generativo - a segurança é bem-feita, criativa e sustentável e está integrada com a
vida da organização.

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 123


Figura 23. Maturidade em Segurança e Risco com o Modelo
de Hudson

O nível generativo da maturidade de segurança é caracterizado pela confiança, pela


confissão, pelo livre reportar, por não culpar, pela flexibilidade e pela aprendizagem.
Hudson adapta os valores das cinco culturas de Reason (1997) para estabelecer as
qualidades de uma maturidade de segurança generativa.
Para os objetivos desta discussão e para um alinhamento claro com o conceito de uma
organização de alta confiabilidade, as características de “atenção plena” e “criação de
sentido” serão usadas para definir o significado de “classe mundial”. As organizações de
alta confiabilidade de Weick guardam características muito semelhantes à organização
generativa de Hudson.

A Importância da Confiabilidade
Muitas organizações ficam presas no que Hudson denomina como “estágio calculista”
no modelo de evolução da maturidade de segurança. Essa estagnação tende a ser
condicionada por uma disposição de medo, uma visão de mundo mecanicista, uma
preocupação com a mensuração e uma ilusão ao negar o risco. A ideologia e a resposta
do zero, pela sua natureza calculista, levam a empresa a ficar presa, claudicante, no
estágio calculista. Quando a empresa se ilude, pensando que a medida de acidentes
com afastamento é uma medida de cultura de segurança, então contar passa a ser
prioridade. Quando se está aprisionado no número zero, então torna-se necessário contar
regressivamente até zero no modelo mental e na prática.

124 Por Amor ao Zero


A organização calculista é fixada na repetibilidade como definição de confiabilidade.
Isto é, qualquer reincidência de lesão passa a ser uma medida de não-confiabilidade.
A organização preocupada com a repetibilidade conta os acidentes com afastamento
como uma medida primária de cultura de segurança, apesar do fato de as pesquisas
evidenciarem que essa visão é errônea (Wagner, 2010). A certeza da definição de
repetibilidade como uma medida de cultura de segurança é gerada pela perspectiva da
engenharia de segurança. Weick (1999) afirma:
“O foco singular na repetibilidade como a definição principal de qualidade da
confiabilidade nas definições tradicionais falha em lidar com a realidade na qual
sistemas confiáveis geralmente devem funcionar da mesma forma mesmo que
condições de trabalho flutuem e não sejam conhecidas antecipadamente. Para que
um sistema permaneça confiável, ele deve de alguma forma lidar com situações
imprevistas de forma que sejam evitadas consequências indesejadas.”
A visão calculista confunde confiabilidade com falta de variação no desempenho. O
problema é que procedimentos invariáveis não conseguem lidar com o que eles não
previram. O que acontece nas organizações de alta confiabilidade é que há variação na
atividade, mas estabilidade nos processos cognitivos que dão sentido a essa atividade.
Uma organização de alta confiabilidade é mais ágil em administrar flutuações do que
uma organização de alto risco, a qual desenvolve ansiedade e uma cultura reativa, porque
ela é paranoica quanto a flutuações e atribui o determinismo cultural a essas flutuações.
Esse problema é o que Kahneman chama de “regressão à média”.

Regressão à Media
A falha em compreender a regressão à média é comum em organizações calculistas e
geralmente leva a interpretações e conclusões incorretas dos indicadores reativos. Um dos
melhores exemplos de regressão à média vem do prêmio Nobel e criador da “Teoria da
Perspectiva” Daniel Kahneman na sua autobiografia.
Kahneman, expert mundial em risco e probabilidade, tentava ensinar a instrutores de
voo que elogio era muito mais efetivo do que punição. Ele foi desafiado por um dos
instrutores que afirmava que, pela sua experiência, elogiar um cadete por realizar uma
manobra correta era tipicamente seguido de uma queda no desempenho, enquanto
gritar com um cadete pela realização de uma manobra ruim tipicamente era seguido de
uma melhora no desempenho. Isto, é óbvio, é exatamente o que é esperado na regressão
à média. O desempenho de um piloto, apesar de ser baseado em uma habilidade
considerável, variará aleatoriamente de manobra para manobra. Quando um piloto
executa uma manobra muito bem-feita, é bem provável que ele teve um pouco de sorte
ao seu favor, em adição a toda a sua habilidade. Após o elogio, mas não por causa dele, o
componente sorte provavelmente desaparecerá e o desempenho será ligeiramente inferior.
De forma similar, um desempenho sofrível provavelmente se deve em parta à má sorte.
Após a crítica, mas não por causa dela, o próximo desempenho será melhor.
Kahneman (2011, p. 176) comenta:
“A descoberta que eu fiz naquele dia foi que os instrutores de voo estavam
aprisionados em uma contingência infeliz: como eles puniam os cadetes quando o

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 125


desempenho era fraco, eles eram premiados com uma melhoria subsequente, mesmo
que a punição fosse ineficaz. Além disso, os instrutores não estavam sozinhos nesse
dilema. Eu havia tropeçado em um aspecto significativo da condição humana: o
retorno que a vida nos mostra é perverso. Como a gente tende a ser mais gentil
com as outras pessoas quando elas nos atendem e mais antipáticos quando elas
não nos atendem, estatisticamente nós somos mais punidos por ser gentis e mais
recompensados por sermos antipáticos.”
Para esclarecer esse ponto, Kahnemann deu a cada instrutor uma atividade na qual uma
moeda foi lançada duas vezes em uma alvo. Ele demonstrou que o desempenho dos que
tinham acertado na primeira vez havia deteriorado, enquanto o dos que tinham ido mal
na primeira vez havia melhorado. Isso é ilustrado na figura 24 - Regressão à Média:

Figura 24. Regressão à Média.

Organizações calculistas regularmente atribuem competência ao que é um pouco mais


do que sorte e circunstâncias. O que geralmente acontece é que tais organizações ficam
chocadas com uma série de indicadores reativos fracos (sob a crença que eles indicam
o desempenho de uma cultura de segurança) ou com um evento mais sério e chamam
um consultor, geralmente um especialista em segurança comportamental (BBS). Um
programa é iniciado, os indicadores reativos melhoram e todos alardeiam os resultados
em conferências, atribuindo o sucesso à eficácia do programa. No momento que essas
organizações calculistas atingem esse novo padrão, elas o estabelecem como uma nova
média e impõem novas metas de redução, com base no melhor resultado. Então, a
organização desenvolve um problema nos próximos anos. Se a nova meta estabelecida
não for a real, logo há uma decepção causada pela regressão à média, em vez de uma
autocrítica pela média arbitrária que eles atribuíram. Algumas organizações que são mais
reativas e patológicas (para utilizar os termos de Hudson) então manipulam os dados,
redefinindo risco e/ou lesão para manter a ilusão da melhoria.
Dados reativos podem ser manipulados tão facilmente que perdem o sentido. A pesquisa
de Wagner incluiu entrevistas com vinte CEOs das maiores empresas da Austrália.
Wagner (2010) afirma:
“A maioria dos CEOs não acreditava mais na Taxa de Frequência de Acidentes
com Afastamento (LTIFR, em inglês) nem nas auditorias de saúde e segurança
ocupacionais como medidas primárias de desempenho. Todos citaram alguma
dificuldade em medir a eficácia dos seus programas e a maioria estava adotando
indicadores proativos.”

126 Por Amor ao Zero


A ideia de que indicadores reativos são uma medida de desempenho é baseada nas ideias
de Herbert Heinrich (1931), bem como abordagens similares de previsão de incidentes,
causalidade e abordagens mecanicistas de compreensão do risco. Heinrich era um
vendedor de seguros e buscou impor uma abordagem científica para a compreensão do
risco. A pirâmide da segurança de Heinrich (Figura 25), apesar de ser popular na indústria
da segurança, não tem nenhuma validade nem como ferramenta preditiva nem como
explicativa. Não serve para explicar como os homens e as organizações gerenciam o risco.
A abordagem de Heinrich é Taylorista no gênero de “gestão científica”. Não há nenhuma
evidência que mostre que as ideias de Heinrich ou, mais tarde, da segurança baseada no
comportamento (BBS) equacionam a realidade ou explicam as evidências sociopsicológicas
ou neuropsicológicas sobre o julgamento humano e a tomada de decisões.

Figura 25. A Pirâmide de Segurança de Heinrich

A pirâmide de segurança de Heinrich está presente no discurso da maioria das empresas


calculistas. Já as organizações de alta confiabilidade não estão fixadas em abordagens
mecanicistas do risco, mas, em vez disso, compreendem a natureza humana de ser bem
menos preditiva e sabem que afirmar “estarem aptas a domar o inesperado”, “zero dano”
ou ainda “todos os acidentes são evitáveis” é ilusão. Ao contrário, as organizações de alta
confiabilidade sabem que com os homens e com o risco nunca há uma linha de chegada,
mas sim uma jornada contínua de “incômodo crônico”. Portanto, qualquer declaração de
que “a empresa chegou lá” demonstra que se trata de uma organização calculista em vez
de generativa.

O Nariz de Cleópatra, Circunstância e Previsibilidade


Pascal comenta em seu livro “Pensamentos” que “se o nariz de Cleópatra fosse menor,
toda a face do mundo seria diferente”. O que ele quis dizer é que, se Cleópatra não

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 127


tivesse um nariz dominante (considerado atraente e poderoso à época), então a história
teria se desenvolvido de forma diferente. Moedas cunhadas por Marco Antônio mostram
que Cleópatra estava bem distante do padrão de Hollywood, interpretado por Elizabeth
Taylor. Ela tinha um queixo pontudo e um nariz enorme.
Cleópatra tinha apenas vinte e um anos (em 48 A.C.) quando afirmam que seduziu
César (sendo entregue nua enrolada apenas em um tapete), que era mais de trinta anos
mais velho. César ficaria com ela no Egito até o ano seguinte, quando deu à luz Cesarião.
Nessa época, César abandonou os seus planos de anexar o Egito. Em vez disso, apoiou
a reivindicação de Cleópatra ao trono. Após César, Cleópatra seduziu Marco Antônio,
que queria seu apoio contra os Partas, e teve três filhos com ele. Com o poder e o apoio
de Marco Antônio, ela o fez matar todos que eram ameaças ao seu poder, incluindo sua
irmã Arsínoe. O resto, incluindo o suicídio com uma cobra egípcia, é história.
O que tem a história de Cleópatra a ver com segurança e risco? Eu explicarei em breve.
Primeiramente, deixe-me apresentar o meu amor pela história. O estudo da história
e da historiografia é um excelente lugar para se aprender sobre pensamento crítico. A
minha primeira disciplina na universidade foi História e o meu primeiro professor foi
Dean Ashenden, que depois ficou bastante conhecido por ter originado o Guia das Boas
Universidades. Dean abriu o mundo da história para todos os seus alunos, os desafiando
a pensar e utilizar a teoria crítica para interrogar evidências. Três dos meus diplomas
têm especialização em história. Uma área de interesse é História da Igreja. Que estudo
fascinante da humanidade! No início da minha carreira, eu ensinei História nas escolas
por mais de 10 anos. A história não é sobre datas ou civismo, mas é a disciplina que
ensina as pessoas a pensar. Se você achou história uma matéria monótona, então talvez o
professor não tivesse a menor ideia, mas você não estava realmente estudando História.
História é sobre pessoas e a realidade social. É sobre como a psicologia social influencia o
julgamento humano e a tomada de decisões.
Estudantes de História conhecem a realidade da circunstância, a imprevisibilidade e a
incerteza como o fenômeno do “nariz da Cleópatra”. É impressionante como pequenas
coisas podem influenciar o curso da história: o tamanho do nariz ou a personalidade
de um líder. Se Gough Whitlam não tivesse ficado de mau humor por causa de uma
torta de carne após a sua demissão, a Austrália seria um lugar diferente. Se alguns
fundamentalistas não tivessem jogado aviões nas torres gêmeas, o mundo seria um lugar
diferente. Quem poderia prever que os Estados Unidos teriam um presidente negro?
Isso que é a história. É por isso que compararam a eleição de John Howard (que teve o
segundo governo mais longo como primeiro-ministro na história australiana) a “Lázaro
com um by-pass cardíaco triplo”. Em 1995 ninguém acreditava que a sua eleição seria
possível, e o seu mandato é hoje conhecido historicamente como “Os Anos de Howard”.
A História tem uma forma estranha de provar que as circunstâncias e o improvável são
de fato possíveis. Como muitos testemunharam em um campeonato recente de futebol,
um jogo pode ser ganho no desvio inesperado de uma bola oval.
A ideia de previsibilidade e certeza tem um forte apelo para aqueles com um modelo
mental fundamentalista. Não há nada mais apelativo para um fundamentalista do
que a promessa de ter tudo sob controle. Não há nada mais reconfortante do que ter

128 Por Amor ao Zero


uma solução na mão para cada ameaça. Ter respostas do tipo “preto no branco”. Esse
pensamento matemático é a que Hudson se referia como sendo “calculista”.
Nós vemos o modelo calculista na preocupação de contar acidentes com afastamento e
taxas de frequência como se possuíssem alguma conexão com cultura de segurança. Quão
bizarro é isso? É como se pudéssemos medir a eficácia da paternidade pelo número de
beijos dados às crianças. Como, pelo amor de Deus, o número de incidentes demonstram
cultura de segurança? A ideia de medir acidentes com afastamento como um indicador de
cultura de segurança é uma ilusão do modelo mental calculista. A plataforma da BP Deep
Water Horizon alegava ter milhões de horas sem acidentes antes de matar 11 pessoas e ter
derramado bilhões de toneladas de petróleo no Golfo do México. A proprietária do poço,
a Transocean, afirmava ter uma marca de segurança forte, com sete anos sem acidentes. A
verdade é que uma cultura de negação e algumas circunstâncias relacionadas cegaram os
líderes para os sinais de alerta que geraram a explosão.
O modelo mental calculista acredita que palavras insanas como “todos os acidentes são
evitáveis” são de alguma forma atraentes e motivacionais. Tais pensamentos e palavras
são uma negação da evidência da história. Linguagens perfeccionistas e absolutistas
não deveriam ter espaço no universo da segurança do trabalho. Tal linguagem somente
consegue levar ao pensamento ilusório e anti-humano que nega que o formato do nariz
de uma jovem pode mudar o curso da história.

Explicando a Matriz de Segurança e Risco –


A Disposição de “Classe Universal”
A organização de classe universal compreende que a nova fronteira na maturidade
organizacional é o gerenciamento dos riscos secundários e terciários. Uma organização
de alta confiabilidade sabe que para vir a ser de classe universal deve-se ir além da
abordagem apenas de engenharia, tecnológica, de regulamentação ou legislativa. A
Matriz de Maturidade de Risco e Segurança (Figura 23) mostra cinco novos domínios
que requerem influência de modo que possa vir a ser uma organização de alta
confiabilidade. Esses domínios centrados no indivíduo requerem uma compreensão e um
foco mais amplo na complexidade humana.
A discussão que se segue define esses cinco domínios extras (níveis 6 a 10) e versa sobre
os tipos de atividades e capacidades requeridas para influenciá-los ao longo do tempo.

Os Cinco Domínios da Organização Generativa

Nível 6 – Controles Comportamentais e Cognitivos


As organizações de alta confiabilidade sabem que os controles comportamentais são
limitados. Elas compreendem que as bases do behaviorismo não explicam o espetro total
da psicologia humana. Para aqueles que desejam amadurecer na influência da liderança,
é importante não ficarem aprisionados no modelo mental behaviorista que possuem
obsessão por mensurações. Este é o problema ao tentar aplicar a filosofia da “gestão
científica” aos humanos.

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 129


Também é de suma importância compreender até onde os homens são afetados pelos
vieses cognitivos e pelas heurísticas associadas. Há mais de 200 vieses cognitivos (https://
pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_vieses_cognitivos) que afetam o julgamento humano
e a tomada de decisão. Esses vieses precedem o comportamento e ajudam a explicar
comportamentos que não fazem sentido para o espectador. Compreender esses vieses e
saber como influenciá-los é o início do desenvolvimento da liderança na segurança do
trabalho.
A combinação de controles cognitivos e comportamentais é mais evidente no trabalho
da Terapia Cognitivo Comportamental - TCC. Enquanto a TCC tem demonstrado ser
efetiva, as organizações de alta confiabilidade sabem que não é a panaceia para tudo.

Nível 7 – Controles Sociopsicológicos


Este domínio tem o seu foco nos arranjos sociais e em como a psicologia humana é
afetada pelas várias pressões associadas a grupos, organizações e dinâmicas sociológicas
relacionadas. Os humanos nem sempre tomam decisões racionais baseadas em
estímulos e recompensas ou na lógica. Os humanos também tomam decisões de acordo
com fatores do tipo “mentalidade de rebanho”, pensamento coletivo, propagandas,
dissonância cognitiva e dinâmica de grupo.
A Psicologia Social compreende que os humanos possuem um profundo desejo de
pertencer, de aceitação e de fazer parte de uma comunidade, e que fatores afetam o modo
como tomamos decisões. O exemplo mais profundo disso é observar o que acontece
com humanos sob pressão em um evento significativo. Os diagramas a seguir ilustram a
forma como os humanos são influenciados por eventos.

Figura 26. A Natureza da Comunidade Humana


Comunidades Humanas incluem grupos, clubes e congregações de pessoas que pensam
de forma similar.

130 Por Amor ao Zero


Figura 27. Resposta a um Evento Significativo
Um evento significativo ou um desastre empurra e pressiona a comunidade a permanecer
unida.

Figura 28. Pressão de um Evento Significativo


A pressão de um evento estressa e pressiona a comunidade a permanecer unida.

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 131


Figura 29. Um Evento Parte a Comunidade
Com o tempo, os estressores do desastre penetram na união da comunidade e algumas
pessoas são atingidas por esse processo.

Figura 30. Recuperando a Comunidade Atingida


Alguns membros da comunidade ajudam na recuperação da comunidade atingida. Em
seguida, a comunidade volta ao normal, como na figura 26.

132 Por Amor ao Zero


Figura 31. A Natureza da Comunidade com o Tempo
A comunidade humana como ela circula pelo caminho normal.

Figura 32. A Natureza da Recuperação da Comunidade com o


Tempo
A pressão de um evento significativo nos pontos de pressão da comunidade.

Esses diagramas ajudam a explicar como o estresse e a pressão afetam as pessoas em


comunidade e em organizações. Este certamente foi o caso nas minhas experiências
durante a Crise de Beaconsfield e os incêndios de Camberra.

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 133


A Sociopsicologia da Crise de Beaconsfield
Durante a crise de Beaconsfield de 2006 eu testemunhei alguns comportamentos
impressionantes de algumas pessoas, mas ao mesmo tempo vi comportamentos
patéticos. Algumas pessoas, no momento da crise, apesar da necessidade de
autopreservação, comportavam-se de formas ilógicas, heroicas, colocando em risco as
suas próprias vidas, apesar do fato de terem as suas próprias famílias para considerar.
Alguns se apropriaram de uma mentalidade “messiânica” que aparentava ter a
melhor das intenções, mas representava pouco mais do que ego, sem consideração
pelos outros. Muitas decisões foram tomadas por pessoas baseadas em emoções
e em vieses arracionais, que já foram discutidos previamente no meu livro “Risk
Makes Sense” (O Risco Faz Sentido, ainda sem tradução para o português). Apesar
disso, os comportamentos e as decisões foram determinados pelos arranjos sociais
e pela dinâmica, em vez de procedimentos, políticas ou processos administrativos
e legislativos previamente discutidos. Foi naquele momento que muitos impulsos
instintivos de conhecimentos implícitos emergiram, mostrando pouca consideração
por planos de emergência ou processos previamente acordados. O conhecimento
implícito arracional ditou a crença real e rapidamente substituiu o pensamento
lento e racional que normalmente está presente quando tudo está normal. Parece
que, no momento em que há alguma turbulência na vida, o conhecimento implícito
e arracional vem à tona e a crença real é testemunhada como determinada pelo
contexto social.
Neste ponto da discussão, é importante fazer uma distinção entre o foco psicossocial
e o foco sociopsicológico. O foco psicossocial dá atenção à psicologia do humano no
contexto social, enquanto o foco sociopsicológico dá atenção à influência social na
psicologia humana. Apesar de parecer uma diferença sutil, as implicações para tornar-se
uma organização de alta confiabilidade são importantes. A não ser que compreendamos
que os arranjos sociais afetam de forma significativa o julgamento humano e a tomada
de decisões, nós vamos manter a ilusão de que o julgamento humano é racional e vamos
atribuir o sentido ao “bom senso”. Quando os líderes compreenderem que a atribuição
e o gerenciamento de risco são imensamente afetados pelos arranjos sociais, então eles
estarão aptos a influenciar a cultura organizacional.

Os Fatores Sociopsicológicos
1. Percepção e motivação;
2. Sentido e atenção plena;
3. Criação de mitos;
4. Cultura, discurso e dissonância cognitiva;
5. Heurística;
6. Pensamento de grupo;
7. Atribuição, microrregras e psicologia do risco;
8. Relações de poder (exemplo: bullying);

134 Por Amor ao Zero


9. Tomadas de decisão inconscientes e conscientes;
10. Linguagem de persuasão, enquadramento e pré-ativação.
As organizações de alta confiabilidade também compreendem que o domínio psicossocial
é importante e inclui tanto a saúde psicológica da organização quanto o bem-estar dos
indivíduos no grupo. A saúde dos indivíduos e dos grupos está diretamente relacionada
com a saúde da organização. Pesquisas de Erickson (1994) e Razi (2006) mostram que
a saúde organizacional está diretamente relacionada à maturidade em gerenciar risco
e segurança. Portanto, uma organização de alta confiabilidade dá atenção aos fatores
psicossociais organizacionais, incluindo o seguinte:

Os Fatores Psicossociais
1. Estresse, pressão por prazo e fadiga;
2. Demandas cognitivas;
3. Saúde mental e demandas emocionais;
4. Condições de trabalho e clima;
5. Desencadeadores de lesões e doenças;
6. Horas de trabalho, conflitos;
7. Violência, bullying e abusos;
8. Falta de controle de atividades, absenteísmo;
9. Gerenciamento e supervisão deficientes;
10. Injustiças organizacionais;
11. Meritocracia inadequada.

Nível 8 – Controles Sociopolíticos


O domínio sociopolítico está focado nas relações de poder e no clima político e em
como estes influenciam o gerenciamento do risco. As organizações de alta confiabilidade
sabem que as políticas internas e externas afetam não somente a saúde organizacional,
mas também o julgamento humano sobre o risco. Os quatro tipos sociopolíticos
concorrentes, conforme explanado por Cameron e Quinn (1999) são:
1. Democrático;
2. Adhocrático;
3. Autocrático;
4. Burocrático.
Essas quatro dinâmicas sociopolíticas são explicadas a seguir.

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 135


Democrática
A ideia de uma dinâmica democrática indica uma organização tipo um núcleo familiar,
com uma forte ênfase em trabalho em equipe, desenvolvimento do empregado, parceria,
participação, lealdade e mutualidade. Acredita-se que, através dessas abordagens, a
maturidade é alcançada. Alguns valores fundamentais em uma cultura democrática são:
confiança, lealdade, intimidade, simpatia, preocupação, respeito, igualdade. Esses valores são
garantidos por uma alta centralização em que a flexibilidade pode operar dentro de limites
claros que são aceitos, possuídos e compartilhados. Uma organização que é impulsionada
pelo domínio de tal dinâmica cultural mantém uma abordagem interna e flexível para a
gestão com espaço para indivíduos e discrição do grupo dentro de limites aceitos.

Adhocrática
A ideia de uma dinâmica adhocrática não deve ser interpretada como “faça como
você quiser”. A ideia de ser “ad hoc” é ter o seu foco na natureza temporal das coisas
e priorizar o individualismo. Ela está mais interessada no imediato, na especialização
e na dinâmica. Uma organização dominada por esta dinâmica cultural é mais aberta
a mudança e flexibilidade, além de estar apta a mover-se rapidamente tanto pelo
inesperado quanto pelas novas demandas. Os valores fundamentais que movem esta
dinâmica cultural são: adaptabilidade, criatividade, gerenciamento da incerteza,
movimento e discrição entre limites preestabelecidos. O foco desta dinâmica cultural é
menos centralizada e mais consciente das considerações externas, como por exemplo:
posicionamento contra a concorrência. Dessa forma, a criatividade e a flexibilidade são
percebidas como mecanismos para obter vantagem sobre a oposição. A organização
adhocrática é consciente das suas próprias distinções, o que a faz diferente das demais.

Burocrática
Uma dinâmica burocrática tem a sua ênfase em muita organização e formalização. Isso
não é investido em indivíduos ou pessoas, mas em processos e políticas. Os valores
centrais da dinâmica cultural burocrática são certeza, respeito, contenção, estabilidade e
controle. A natureza burocrática do gerenciamento não é vista como negativa, mas sim
como positiva, na qual os limites ajudam a permitir que indivíduos e grupos dentro das
estruturas fiquem à vontade, desenvolvam relacionamentos, aproveitem o trabalho e
sintam-se seguros ao saber que os processos, as políticas e as direções estão claras. Uma
dinâmica cultural burocrática enxerga a relação com os competidores do mercado e a sua
diferenciação baseada em desempenho.

Autocrática
A ideia de uma dinâmica autocrática tem sua ênfase nas pessoas, particularmente na
liderança e na gestão hierárquica. Nesta dinâmica cultural o valor é dado na autoridade,
na influência, na ordem, na organização, nos procedimentos de aplicações suaves, na
confiança, na competência, na inteligência, na eficiência e no ritmo. Estruturas rígidas
não são vistas por essa dinâmica cultural como críticas. Em vez disso, há uma crença na
liderança forte e competente que toma decisões eficazes e responsáveis, geralmente capazes

136 Por Amor ao Zero


de transpor a lentidão das organizações burocráticas e democráticas. Os líderes atraídos
para esta dinâmica são aqueles carismáticos e que geram confiança na força de trabalho. Há
uma percepção de segurança porque o líder sabe para onde as coisas estão caminhando.

A Estrutura de Valores Competitivos


Estes quatro tipos sociopolíticos são conhecidos como a Estrutura de Valores
Competitivos (EVC). O EVC tem dois eixos para as direções organizacionais e tensões
as quais, quando postas em intersecção, formam um quadrante no qual as forças e
as fraquezas das dinâmicas políticas podem ser representadas. O primeiro eixo (X)
representa a tensão entre os focos interno e externo, isto é, sistemas que tendem a
olhar mais para dentro geralmente focam na manutenção e na integração, enquanto
sistemas que tendem a ter um olhar mais externo são, por definição, mais conscientes de
posicionamento e diferenciação dos competidores.

O segundo eixo (Y) representa as abordagens mais orgânicas ou mecanicistas dos sistemas
como gerenciado na organização. Os sistemas que são mais orgânicos naturalmente
tendem a ser mais flexíveis e discricionários, enquanto sistemas de segurança que são
mais mecanicistas naturalmente têm uma ênfase maior em controle e estabilidade.

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 137


Através da intersecção destas duas linhas de tensão, é que se pode mapear a dinâmica
cultural de uma organização e saber se ela é democrática, adhocrática (ad hoc e
individual), burocrática ou autocrática (hierárquica). A intersecção destes dois eixos
resulta na criação de quatro quadrantes, cada um representando a tensão sociopolítica
que existe na organização, ou seja, as abordagens da organização que são por natureza:
democrática, autocrática, adhocrática e burocrática. Essa estrutura de análise ajuda a
avaliar os arranjos sociopolíticos nas organizações. O quadrante dos valores competitivos
está ilustrado na figura 33.

Figura 33.

Observação: estes quatro tipos sociopolíticos podem ser mapeados utilizando a pesquisa
“MiProfile” da Human Dymensions, que foi apresentada no livro “Risk Makes Sense”.
Os quatro quadrantes estão rotulados em cada aresta indicando alta ou baixa
formalização e alta ou baixa centralização. Estes servem como rótulos de resumo que
descrevem o ponto de tensão entre cada um dos eixos de interação. Essa ferramenta de

138 Por Amor ao Zero


quadrantes ilustra as tendências e as relações dinâmicas entre os processos e as dinâmicas
sociopolíticas. A figura 32 inclui uma explanação simples sobre cada tipo sociopolítico.

Figura 34. Resumo da Estrutura de valores concorrentes sócio-


políticos. Exemplo: risco e segurança

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 139


Figura 35. Características de Gerenciamento e Liderança em
Estrutura de valores concorrentes

Apesar de não existir nenhum tipo ideal ou desejado neste método de análise, há
formas de utilizar os quadrantes para encontrar correspondência e congruência com a
visão desejada e com valores compartilhados com a organização. Os próximos 16 tipos
sociopolíticos podem ser mensurados utilizando a ferramenta de pesquisa “MiProfile”.

140 Por Amor ao Zero


Figura 36. Tipo de organizações com valores concorrentes

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 141


Figura 37. Pares conflituosos

142 Por Amor ao Zero


Figura 38. Tipo Deficitário

Nível 9 – Controles Culturais


McLaren (1996, xiii) explica cultura como sendo:
“...interpretações baseadas em valores; artefatos; experiências compartilhadas; interações,
adaptações e sobrevivência; costumes e normas sociais; as formas expressivas da vida
social e material; um “estilo distinto de vida” de um grupo ou classe; conjuntos de
símbolos transmitidos historicamente; “mapas de significados” que fazem a vida social
inteligível para seus membros; sistemas de conhecimento compartilhados por um grande
grupo de pessoas; o cotidiano; conduta autointerpretada de grupos e comunidades
particulares; formas de consciência historicamente moldadas; formas contraditórias de
senso comum que moldam a vida pública e popular; atividades cotidianas e padrões
de ações; uma totalidade em evolução de significados; uma tradição viva; padrões de
comportamento socialmente transmitidos; significados vivos na vida institucional, bem
como no comportamento comum; diferenças socialmente incorporadas e “realizadas” no

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 143


nível da vida cotidiana; produção simbólica de estruturas materiais; uma concepção do
mundo ou visão de mundo;...”
Para o propósito desta discussão, um estreitamento para um senso de semelhança poderia
ser:
1. Linguagem/conhecimento comum e exclusivo (discurso cultural);
2. Termos de referência aceitos por um grupo;
3. Identificadores claros de membros;
4. Valores, atitudes e crenças comuns;
5. Símbolos explícitos e implícitos;
6. Experiências compartilhadas;
7. Costumes e normas sociais;
8. Conjuntos de símbolos transmitidos historicamente;
9. “Mapas de significados” que tornam a vida social inteligível para seus membros.
O Mapa da Cultura e da Trajetória, introduzido no meu livro “Risk Makes Sense” é útil
para entender as dimensões sociopsicológicas do risco. Ele dá uma perspectiva sobre as
várias “trajetórias” que existem dentro de uma compreensão cultural do risco. Qualquer
“programa de cultura de segurança” que ignore aspectos desse mapa provavelmente
não terá sucesso. Modelos de programas de cultura de segurança que oferecem pouco
mais que o policiamento de sistemas não são programas de cultura de segurança.
Nenhuma quantidade de “voltas” sobre a cultura de segurança “generativa” ou a cultura
de segurança “transformacional” muda muito se o discurso, o enquadramento e a
abordagem mantiverem hábitos e subculturas de regras punitivas e coercitivas.
Uma organização de alta confiabilidade é capaz de definir cultura em termos
sofisticados e evita as limitações da definição de cultura como sistema ou cultura como
comportamento. Em vez disso, compreende as complexidades de uma cultura. Uma
organização de alta confiabilidade conscientemente desenvolve estratégia para influenciar
a cultura.

Nível 10 – Controles Subculturais


As subculturas operam sob e dentro de uma cultura dominante. Muito frequentemente
elas agem como subgrupos subversivos, como, por exemplo, clubes de ciclismo e
gangues de jovens. Subculturas podem também operar como facções contraculturais
dentro de um ambiente cultural ortodoxo. As subculturas geralmente são evidências
em organizações de variação entre a teoria adotada e a teoria em uso. Por exemplo, uma
organização pode adotar um mantra de “zero acidente”, mas podem existir subculturas
nessa organização que não apenas negam o mantra, mas ativamente trabalham para
miná-lo. A seguir estão dinâmicas subculturais típicas em organizações que agem
subversivamente contra as teorias defendidas de risco e segurança:

144 Por Amor ao Zero


• Marca-marca de listas de verificação (tokenismo e apoio de procedimentos somente
da boca para fora);
• Fala dupla (dizer uma coisa e fazer outra);
• Ceticismo;
• Cinismo e arrogância ao risco;
• Fatalismo;
• Subnotificações;
• “Dá o seu jeito”;
• Senso comum (recompensas simplistas);
• Culpabilização.
Essas dinâmicas geralmente estão presentes em subculturas que possuem identificadores
mais intensos, mas menos visíveis de conformidade cultural. As organizações de alta
confiabilidade são cientes das subculturas e são capazes de rastrear identificadores e
influenciar a formação subcultural e a sustentabilidade.

Maturidade de risco e segurança versus imaturidade de


risco e segurança
A parte final desta discussão sobre o que constitui “classe mundial” estabelece as
qualidades necessárias para subir acima da linha na Matriz de Maturidade de Risco e
Segurança. Enquanto uma organização permanecer com uma mentalidade calculista,
nunca se tornará uma organização de alta confiabilidade ou terá disposição necessária
para ser de “classe mundial”. Infelizmente, alguns, enquanto defendem uma organização
generativa, ainda recorrem a metodologias calculistas para explicá-la (Piers, Montijn &
Balk, 2009). Parece tão difícil para alguns deixar de lado estruturas culturais mecanicistas
e entender a ética, os valores e a maturidade requeridas para se tornarem realmente
generativas. Isso acontece porque a ideia da organização generativa é compreendida
dentro do enquadramento de “gestão científica”. A menos que alguém seja capaz de
suspender a visão de mundo calculista e dar um salto de fé acima da linha vermelha, não
há possibilidade de se tornar uma organização de alta confiabilidade. Uma organização
de classe mundial em segurança é conhecida pelas suas virtudes. Aristóteles disse:
“Nem por natureza, então, nem contra a natureza as virtudes surgem em nós; em vez
disso, somos adaptados por natureza para recebê-las, e são aperfeiçoadas pelo hábito.”
(Ética a Nicômaco, Livro 2).
Foi Aristóteles o primeiro a discutir que virtude é o comportamento certo praticado
habitualmente. Em outras palavras, não há virtude até que haja o hábito do
comportamento certo. Consegue-se a virtude através da prática e da formação do hábito,
do comportamento certo ou, como alguns educadores defendem, do aprender fazendo.
Isso significa que o início da mudança de um estágio calculista para um generativo se dá
abandonando velhos paradigmas e visões de mundo.

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 145


Tabela 1. Comparação entre organizações de alta confiabilidade e
organizações de baixa confiabilidade.
Organizações de Alta Confiabilidade Organizações de Baixa Confiabilidade
Generativas Calculistas
Confiança Encobrimento
Fé Medo
Reconhecimento Punição
Centrado no humano Centrado no conteúdo
Aprendizado Doutrinação
Tolerância Intolerância
Relacionamentos humanizados Relacionamentos tóxicos
Comunidade Individualismo
Gerenciamento da falibilidade Perfeccionismo/Absolutos
Excelência Cumprimento de regras
Visão holística Visão fragmentada
Segurança incorporada Segurança como complemento
O risco faz sentido Busca pela eliminação ou pela negação
do risco
Para o propósito desta discussão, a seguinte sobreposição de programas da Human
Dymensions foi então adicionada à Matriz de Risco e Segurança para conduzir uma
abordagem centrada na pessoa acima da linha, conforme ilustrado na figura 39. Deve
ficar claro que os programas em si não são o que cada domínio trata, mas, em vez disso,
eles refletem uma atitude que leva a uma abordagem mais centrada no ser humano no
gerenciamento do risco.
Os programas adicionados à Matriz de Risco e Segurança são:
1. WALK-TALK (observações e conversações);
2. SEEK (reporte de eventos que fazem sentido);
3. THINK (pensamento crítico sobre risco);
4. RISK (dando sentido ao risco);
5. LEAD (a sociopsicologia da liderança);
6. CARE (a visão psicossocial abrangente de mundo).
Cada programa é um método centrado no humano para que a organização amadureça
para uma disposição de alta confiabilidade.

146 Por Amor ao Zero


Figura 39. Subindo o nível dos programas de maturidade de
segurança.

Programas que reconhecem o sentido de o risco ser centrado na pessoa não precisam
de nenhuma referência ao zero. Uma organização de alta confiabilidade possui o foco
no positivo, não no negativo. Uma organização de alta confiabilidade sobe a escada até
atingir abordagens de segurança centradas nas pessoas e compreende que o zero é uma
ideologia desumanizadora. Uma organização de alta confiabilidade possui um foco nos
objetivos proativos e compreende a liderança em termos de capacidade de influenciar
todos os domínios críticos acima da linha.

Questionamentos
1. Faça uma busca na internet por 5 exemplos de objetivos humanizados em relação a
risco, segurança ocupacional e segurança patrimonial;
2. Quais são as principais mensagens que a sua organização busca passar? Elas são
articuladas consistentemente?
3. As mensagens no seu ambiente de trabalho são excessivas? Há muitas mensagens e
símbolos nas paredes?
4. Onde está a sua organização na Matriz de Risco e Segurança? Se você trabalha em
uma organização calculista, qual é a sua estratégia de mudança?
5. Qual dos 16 tipos sociopolíticos você imagina que seja o seu? Por quê?

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 147


O Rotor
O dia de emoção estava aqui para os ousados,
Tão animado com as histórias que me contaram, nós éramos abusados.
Os fantasmas e as emoções, o assustador e o selvagem,
como não ir, eu não era mais criança.
Apenas andando pelos dentes da cara engraçada,
meu queixo caiu, em pura descrença.
Onde estavam meus pensamentos, a emoção do passeio,
o Rotor acenou, com medo eu entrei.
O giro e o zumbido, o disco giratório,
eu estava grudado na parede, a alegria do risco.
Desafiando a gravidade, desafiando Newton,
estômago revirando, deslizando, girando.
Ah, o segredo, as meninas e seus vestidos,
sem zero aqui, vou lhe dar três chances.

148 Por Amor ao Zero


Conclusão
Este livro abordou argumentos a favor e contra o conceito, a linguagem e a ideologia do
zero. Ele tentou adicionar substância ao debate com algumas novas discussões baseadas
em pesquisas sobre a psicologia e a cultura do risco. O livro se esforçou para mostrar
que a ideologia do “dano zero” e a linguagem do “zero acidente” minam a cultura
nas organizações. O livro discutiu questões relacionadas a risco, cultura, linguagem,
motivação, estabelecimento de metas, oposição binária, pré-ativação inconsciente,
dissonância cognitiva, dinâmica contraintuitiva, ceticismo e pesquisa de evidências sobre
credibilidade e propriedade de “dano zero”.
Em suma, aqui estão as principais razões por que a linguagem do zero acidente é
perigosa:
• Favorece a subnotificação;
• Gera uma linguagem totalmente nova e distorce os dados para explicar a contagem
de lesões;
• É irreal e ingênua;
• Gera ceticismo e cinismo em relação à segurança do trabalho;
• É baseada em uma ética negativa, promove uma virtude de intolerância e engano;
• Tira o foco dos riscos maiores em detrimento dos riscos menores, o que pode, ao
final, aumentar o risco;
• Sufoca a inovação e a criatividade;
• Estimula o pensamento contrafactual reativo em vez de proativo;
• Leva a um modelo mental punitivo;
• Conduz a um clima de não-aprendizagem;
• Gera medo e ansiedade;
• Facilita um discurso fundamentalista, de preto ou branco, cumprimento de regras,
absolutos e execução à força;
• Tem uma trajetória em direção única, sem flexibilidade, critério, atenuantes ou
abertura para fora do absoluto;
• Concentra-se no fracasso;
• Promove a paralisia por análise;
• Põe o assunto risco como negativo e afasta o pensamento do aprendizado para a
eliminação do risco;
• Conduz a uma cultura de intolerância na qual falta a virtude necessária para gerenciar
pessoas.
A linguagem do zero necessita de todas essas ações, pois influencia o seu público. Sua
trajetória filosófica é a eliminação do risco, o microscópio do erro e a intolerância da
humanidade.

CAPÍTULO 8: A Organização Humanizadora 149


Instruções Adicionais
Aqui pode ser o final deste livro, mas não precisa ser o final da nossa conversa sobre dar
sentido à segurança. Há muito mais para pensar a respeito e discutir no site Human
Dymensions – www. humandymensions.com.

Treinamento
Programas Oferecidos pela Human Dymensions
Programa PROACT – Treinamento em Competências, Conversas, Observações e
Cultura da Psicologia do Risco
Um programa de cinco dias em desenvolvimento de habilidades de percepção,
motivação, observação, coaching, pré-ativação inconsciente e conversas. Este programa
visa a psicologia do risco em segurança ocupacional e patrimonial. O programa
PROACT inclui:
WALK-TALK (observações e conversas)
SEEK (reporte de eventos que fazem sentido)
THINK (pensamento crítico sobre segurança)
RISK (dando sentido à segurança)
LEAD (a sociopsicologia da liderança e das metas)
CARE (a visão abrangente psicossocial)
Programa iKnow-How
Um workshop de três dias sobre saúde e bem-estar, prevenção ao suicídio, gerenciamento
de conflitos, habilidades para a vida, liderança e gerenciamento de estresse.
SafetyWorks
Um programa de três dias em liderança de segurança, conscientização de segurança,
identificação avançada de perigos, investigação de incidentes, habilidades de
comunicação de segurança e cultura de segurança. Opções de extensão para programa de
pós-graduação de 12 módulos.
MiProfile Learning Events
A Human Dymensions pode projetar uma experiência de pesquisa para você, incluindo
análise de lacunas, benchmarking, grupo focal e aprendizado em grupo de World Cafe.
Adeque um programa que lhe agrade
A equipe da Human Dymensions está apta a facilitar o desenvolvimento de um
programa exclusivo para atender as suas necessidades.

150 Por Amor ao Zero


SUGESTÕES
DE LEITURA 9
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Francisco, Jossey-Bass, 1988.
Argyris, C. and Schon, D. Theory in Practice. San Francisco, Jossey-Bass Publishers,
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Argyris, C. and Schon, D. Organisational Learning II: Theory Method and Practice.
Reading Mass, Addison-Wesley Pub. Co., 1996.
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152 Por Amor ao Zero


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Sugestões de Leitura 155


Sobre o autor

Dr. Robert Long.


PhD., (UWS) BEd., (USA) B”., (SCD) MEd., (Syd) MOH (La Trobe), Dip T., Dip
Min., MACE, CFSIA.
Diretor Executivo - Human Dymensions Pty Ltd (www.humandymensions.com)
Rob tem uma carreira criativa no ensino, educação, serviços comunitários, governo e
gestão. Ele é atualmente Membro Honorário da Universidade Católica Australiana na
Escola de Serviço Social.
Rob lecionou em várias universidades desde 1990, incluindo Universidade de Canberra,
Universidade de Charles Sturt e ACU National. Ele também tem uma carreira distinta
fora da vida acadêmica, incluindo Gerente do Centro de Evacuações Erindale durante
os incêndios florestais de Canberra em 2003, Grupo de Operações de Coordenação de
Emergência Beaconsfield em 2006, Comunidade de Recuperação Beaconsfield em 2006
e Coordenador de Gerenciamento de Riscos Jornada Mundial da Juventude (Canberra
Goulburn) em 2008.
Rob é o Diretor fundador da Escola Galilee que ele estabeleceu em 1996 para educar
os jovens de alto risco no Território da Capital Australiana (ACT). Ele foi Diretor de
Serviços de Apoio à Juventude, Comunidade e Família no Governo ACT e atuou em
várias forças-tarefa intergovernamentais australianas, comitês, conselhos ministeriais e
grupos de trabalho em áreas como jogos de azar, crime, falta de moradia, desvantagem
indígena, infraestrutura social, proteção, jovens em risco, toxicodependência, prisões e
justiça social.
Rob é engajado pelas organizações por causa de sua experiência em cultura, aprendizado,
risco e psicologia social. Ele é um apresentador habilidoso e designer de eventos de
aprendizagem, treinamento e currículo.

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