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Eduardo Iarek1
Maria Terezinha da Silva (Orientadora)2
Resumo: Esta pesquisa tem como objeto de estudo as representações que fundamentam a
imagem pública de Sérgio Moro construída pela narrativa jornalística da Revista Veja. A partir
de uma abordagem de representações sociais (Moscovici, 2011; Jodelet, 2001), e de imagem
pública (Lima; Simões, 2017; Weber, 2009), busca-se identificar o modo como Veja representou
Moro em momentos distintos - desde que era desconhecido pelo público, em 2014, e adquiriu
fama ligada à atuação na Lava Jato, até a ida para o ministério da Justiça e durante o caso do
vazamentos de diálogos entre o então juiz e procuradores do Ministério Público Federal, em
junho de 2019. Os resultados mostram representações positivas de Moro, que projetaram a
imagem de um juiz guiado pela “missão” de combater a corrupção, que se modifica um pouco,
recentemente, quando é associado à imagem de juiz que faz “justiça com as próprias mãos”.
1. Introdução
Os acontecimentos envolvendo problemas de corrupção denunciados pela
Operação Lava Jato e alguns julgamentos realizados por Sérgio Moro enquanto juiz
responsável pelos processos em primeira instância na 13ª Vara Federal de Curitiba,
entre abril de 2014 e outubro de 2018, ganharam repercussão público-midiática através
1
Estudante de Graduação do 6º. semestre do Curso de Jornalismo do Centro de Comunicação e Expressão da
Universidade Federal de Santa Catarina, bolsista de Iniciação Científica UFSC/CNPq, a quem agradecemos pelo
apoio, e-mail: eduardo.iarek@gmail.com
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Orientadora do trabalho. Professora do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina -
UFSC, e-mail: terezinhasilva@yahoo.com
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vazamento dos diálogos pelo The Intercept Brasil - o que permite identificar as
representações em diferentes contextos, a imagem pública que elas projetam, bem como
as possíveis mudanças na narrativa da revista Veja sobre Sérgio Moro.
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3. Procedimentos Metodológicos
A revista Veja foi escolhida para esta análise pela alta noticiabilidade dada às
ações da Operação Lava Jato e ao próprio juiz Sérgio Moro, conforme já foi apontado
em outras pesquisas (SILVA; FRANÇA, 2017) e como identificamos em nossa pesquisa
exploratória. A escolha também é justificada porque, apesar da queda em número de
leitores e assinantes, que afeta as mídias impressas em geral, trata-se de uma revista
com significativa inserção ainda entre leitores brasileiros, especialmente da classe
média (alta e baixa). Dados do Mídia Kit Veja3 de fevereiro de 2019 indicam que, em
média, a versão impressa da revista distribui 329.526 exemplares por edição.
O recorte do objeto empírico desta pesquisa (figura 1) totaliza um corpus de seis
edições, entre elas as três primeiras em que Sérgio Moro aparece na capa de Veja
enquanto juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba e as três capas em que ganhou destaque
após aceitar o convite para integrar o Ministério da Justiça e Segurança Pública do
governo de Jair Bolsonaro. As edições selecionadas abrangem um período de quatro
anos e meio, relativas às semanas de 05 novembro de 2014, 06 de maio de 2015, 30 de
dezembro de 2015, 07 de novembro de 2018, 19 de junho de 2019 e 5 de julho de 2019.
3
O Midia Kit Veja é uma apresentação sobre a revista, feita pela própria Veja, que diz conter, entre outras
informações, um levantamento das vendas e circulação do periódico realizado pelo Instituto Verificador de
Circulação (IVC): http://publiabril.abril.com.br/marcas/veja/plataformas/revista-impressa. Acesso: fevereiro de 2019.
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4. Resultados
Sérgio Moro começa a obter destaque na revista Veja principalmente a partir da
edição de novembro de 2014, nove meses após a deflagração da primeira fase da
Operação Lava Jato, ocorrida em março. É nesta edição que Moro ganha sua primeira
capa na publicação, com a manchete “Operação Mãos-Sujas”, uma referência à famosa
operação “Mãos Limpas”, realizada na Itália, nos anos 90. A ideia presente no título da
reportagem principal, que conta com oito páginas de conteúdo, já indica o modo como
Veja passa a representar o magistrado a partir desses primeiros meses da Lava Jato:
“Agora querem destruir o Juiz” (VEJA, 2014).
Moro é retratado como um juiz que começa a ser vítima de tentativas de
desqualificação por parte de acusados de corrupção e seus advogados, que estariam
dedicados a identificar falhas do magistrado na condução do processo. A construção
narrativa da revista sobre as estratégias da defesa diz que “um dos planos é construir
perante a opinião pública uma nova imagem do juiz - uma imagem desabonadora,
obviamente, de quem atropela as mais básicas regras processuais” (VEJA, 2014, p. 68).
Até então um desconhecido juiz de primeira instância, Sérgio Moro aparece com
publicação salienta sua participação
uma biografia destacável na narrativa de Veja. A
no julgamento de três grandes esquemas de corrupção: o caso Banestado, com a
condenação de 97 pessoas, a Operação Farol da Colina e o Leilão de bens de um
traficante em 2013. Além disso, também são destacados seu período de estudos em
Harvard e sua atuação como auxiliar da ministra do STF, Rosa Weber, durante o
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Na representação positiva que faz de Moro, a revista lhe dá outros atributos que
colaboram para sustentar a narrativa de um juiz que vê mais longe. “Além do talento há
outra qualidade que não falta a Moro: coerência” (VEJA, 2015, p. 54). A revista o
retrata como um juiz imbuído pela missão de salvar a democracia e o Brasil da
corrupção: “Na sua trajetória profissional, talvez o dado mais forte seja seu sentido de
missão, especialmente no que diz respeito a higienizar a democracia brasileira,
amputando o braço da corrupção” (VEJA, 2015, p. 54).
A representação associada à salvação (do Brasil e do período difícil pelo qual
passaria) aparece mais explicitamente na edição de 30 de dezembro de 2015, na qual
Sérgio Moro ganha nova capa, intitulada “Ele salvou o ano!”. A reportagem pesquisou
as sentenças que Sérgio Moro lavrou de 5 de fevereiro de 2000 até 2 de dezembro de
2014. Entre o conteúdo das nove páginas, Veja destaca que Moro tornou-se uma
celebridade, recebida em locais públicos com selfies e aplausos. “Com a notoriedade,
Moro teve de abandonar o hábito de ir ao trabalho de bicicleta. Está um pouco mais
gordo e, apesar da timidez pétrea, um pouco mais desinibido” (VEJA, 2015, p. 50).
A revista salienta características que atribui como marcantes da trajetória de
Moro. Entre elas, destaca que ele “procura combinar rigor e generosidade” (VEJA,
2015, p. 50) pois nunca aplicaria a pena máxima, às vezes recorre à mínima, e, quando
pode, converteria a reclusão em prestação de serviço à comunidade. A reportagem diz
que as sentenças do começo da carreira “mostram um magistrado idealista e inclinado à
promoção da justiça social. [...] Chegou a ser conhecido como ‘o juiz dos velhinhos’ por
sua tendência a julgar em favor deles e contra o INSS” (VEJA, 2015, p. 50).
Diferente da maneira como a revista representa Sérgio Moro nas publicações de
2014 e 2015, apenas com características que configuram uma imagem positiva, em “A
pirueta de Moro”, de novembro de 2018, começam a aparecer representações negativas
sobre a figura pública. Neste novo contexto, quando ele aceita o convite para o
Ministério da Justiça Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro, a narrativa de
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Fala atribuída ao ex-ministro da Justiça, José Carlos Dias - cujo argumento é desacreditado pela
revista ao afirmar que Dias “tem seus interesses: foi advogado de Marcelo Odebrecht”, preso pela
operação em 2016 (VEJA, 2018, p. 43).
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sob o argumento de que se trataria de narrativa do PT para livrar Lula das condenações
de corrupção. “O discurso petista contra Moro sempre foi um discurso de ocasião para
salvar um corrupto comprovado” (VEJA, 2018, p. 42). Neste novo contexto, como se
observa, embora levante dúvidas e questionamentos sobre a ida de Moro para o
ministério, abrindo brechas a outras representações - juiz movido pela parcialidade e
posição política -, a revista continua retratando positivamente e justificando sua atuação
na Lava Jato, porque o país estaria em um nível moralmente superior a antes:
O esquema de corrupção na Petrobras foi amplamente desvendado,
corruptores e corruptos foram identificados, julgados e presos - tudo
dentro da lei, tudo referendado pelos tribunais superiores, Não há,
portanto, que falar de ilegalidade nas investigações nem no processo
que elevou o Brasil a um estágio superior de civilidade moral (VEJA,
2018, p.45).
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um juiz que faz “Justiça com as próprias mãos” , conforme a manchete. Representando
a parcialidade do juiz e o desrespeito às regras do direito, Moro aparece na capa
abaixando, com o dedo, um dos lados da balança, símbolo da Justiça. A reportagem de
10 páginas, produzida em parceria com o site The Intercept Brasil e intitulada “Justiça a
todo custo” , afirma logo na linha fina que “Sérgio Moro cometeu, sim, irregularidades
durante seu período como juiz da Lava-Jato” (VEJA, 2019, p. 34). Entre elas, o
favorecimento da acusação em julgamentos. “De fato, está na rotina de um juiz receber
as partes envolvidas no processo, mas de maneira oficial, sempre com registro, e não
por meio de um sistema privado de comunicação” (VEJA, 2019, p. 35).
A representação de Moro como um juiz que “infringiu as leis do processo”
aparece através de um juiz-fonte não identificado na reportagem (VEJA, 2019, p. 39),
mas a própria revista explicita a mudança de posicionamento nesse contexto: “as
revelações enfraquecem a imagem de correção absoluta” (VEJA, 2019, p.35). Outras
fontes acionadas na narrativa o associam a práticas indevidas: “um juiz não pode ocultar
provas, e, se o diálogo tiver a autenticidade comprovada, estamos diante de uma
conduta bastante problemática”5 (VEJA, 2019, p.41). Também o retratam como um juiz
que “confundiu totalmente os papéis [...]. O magistrado que investiga nunca é o que
julga, nem na Itália nem e nenhuma democracia do planeta”6 (VEJA, 2019, p. 42). Na
mudança na forma de representar Moro, chama a atenção como Veja procura
desvincular a imagem dele da Lava Jato, destacando que ele não faz mais parte da
operação. Assim, a revista silencia sobre o fato de que os vazamentos provocaram
críticas justamente a práticas de Moro quando era o responsável pelo julgamento dos
processos da Lava Jato na primeira instância da Justiça (VEJA, 2019, p. 43).
5
Fala atribuída por Veja ao advogado e professor de processo penal da USP, Gustavo Badaró (VEJA,
2019, p.41).
6
Fala atribuída por Veja ao jurista Walter Fanganiello Maierovitch.
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5. Conclusão
Neste trabalho propomos estudar as representações produzidas pela revista Veja
sobre Sérgio Moro, entendendo que elas estão na base da constituição da imagem
pública e que esta revista teve um papel importante na construção da imagem de Moro
no contexto brasileiro. A partir da abordagem de representação proposto por Moscovici
(2011) e Jodelet (2001) - que a entendem como um conjunto de ideias, valores e práticas
que ajudam os indivíduos a perceber e nomear objetos, pessoas e ocorrências, a se
orientar e a se comunicar -, buscamos identificar o modo como Veja representou Sérgio
Moro desde sua aparição, em 2014, até junho de 2019. Para identificar as representações
de Moro e, assim, a imagem pública construída, analisou-se conteúdos de seis edições
da revista, publicadas neste período, em que ele foi destaque na capa.
Os resultados da análise mostram que Veja constrói representações positivas de
Sérgio Moro desde que começou a lhe proporcionar grande visibilidade em sua
cobertura jornalística, no final de 2014, ligando-o às ações da Lava Jato. Considerando a
alta visibilidade dada pela revista, comparativamente a outras mídias, conforme
mostramos neste trabalho, e o modo como o representa ao longo de período, até sua ida
para o Ministério da Justiça, pode-ser dizer que Veja teve um papel central, na esfera do
jornalismo brasileiro, por construir a imagem pública que Sérgio Moro tem junto a
vários segmentos sociais no Brasil. Uma imagem que o identifica como um herói guiado
pela missão de salvar o país da corrupção. Fechada até recentemente a outras formas de
representação social do então juiz, que incorporam elementos críticos às suas práticas
no judiciário como a de um juiz parcial, Veja o retrata apenas destacando facetas
pessoais, profissionais e intelectuais positivas. Ele é representado como obstinado,
discreto, intocável e incorruptível; um profissional tecnicamente capacitado e brilhante,
talentoso e coerente; um juiz ao mesmo tempo rigoroso e generoso, preocupado com a
justiça social e com a aplicação de penas justas, tendo em vista que seria um juiz
imbuído da missão de salvar a democracia brasileira e o país do problema da corrupção.
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ocorridas em distintos espaços sociais, vemos como a imagem de Moro apresenta certa
reconfiguração no interior da própria construção narrativa da Veja, a partir de um novo
contexto, de acontecimentos e interações com outros atores e instituições - o que
promove certa revisão sobre sua atuação retratada por esta revista. Não há, porém, no
material empírico analisado de Veja, qualquer auto-crítica jornalística ou referência ao
papel e responsabilidade da própria revista na elaboração das representações anteriores
feitas por mais de quatro anos. Essas representações colaboraram decisivamente para
construir a fama e notoriedade, mencionadas na própria narrativa de Veja sobre a
trajetória de Sérgio Moro, e para projetar a imagem - acrítica e pouco multifacetada por
outras representações e sentidos contrastantes -, de um juiz-herói, correto, imparcial e
justo, na missão de salvar o Brasil da corrupção.
Referências
CORRÊA, L. G.; SILVEIRA, F. J. N. da. Representação. In: VEIGA, V. F.; MARTINS, B. G.;
MENDES, A. M. Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade (GRIS): trajetória,
conceitos e pesquisa em comunicação. Belo Horizonte: PPGCOM UFMG, 2015. p. 208-215.
SILVA, T.; SIMÕES, P. G. De Juiz Popstar a Superministro: a imagem pública de Sérgio
Moro no contexto brasileiro. Porto Alegre: Compós, 2019.
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VEJA. São Paulo: Editora Abril, edições 2398, 2424, 2458, 2607, 2639, 2642, ano 47, 48, 48,
51, 52, 52, nº 45, 18, 52, 45, 25, 26, 05 novembro 2014, 06 maio 2015, 30 dezembro 2015, 07
novembro 2018, 19 junho 2019, 10 julho 2019. Semanal.
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