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Pontifícia Universidade Católica de Goiás

Escola de Ciências Sociais e da Saúde - Curso de Psicologia


Professora: Marta Carmo
Aluna: Beatricy Gomes Wanderley
Turma: A01

AED- Resumo do texto: A delicada ponte entre mundos: ansiedade, sofrimento e a


experiência livre de tornar-se adulto na contemporaneidade.

A psicoterapia é trilhada por um caminho a ser percorrido, e tal caminho não segue um
roteiro predefinido, tampouco um ritmo acelerado. É um caminho que se trilha aos
poucos na intenção de auxiliar o cliente na transposição entre mundos, onde a ponte que
os une nem sempre é firme e segura de atravessar. Por isso, a cautela, paciência,
sensibilidade e acolhimento e um olhar gestáltico são de extrema importância nesse
processo.
Um exemplo de todo esse processo se dá na história de Miguel (nome fictício), um
rapaz de 20 anos que se sentiu paralisado diante da ponte que o levaria da vida juvenil
para os desafios da vida adulta.
Na sua primeira sessão Miguel chega ao consultório com sua mãe com uma aflição
continua no ar. Em síntese eles acreditavam que não estavam conseguindo lidar com
uma questão aparentemente simples. A mãe de Miguel trouxe a queixa que que ele não
conseguia efetivar as leituras dos textos do seu curso de faculdade. Enquanto tudo isso
era falado, Miguel ficava apenas em um canto do sofá, olhar e voz baixos num misto de
dor e acanhamento, respiração curta e visível desconforto, o que foi emergido para
terapeuta como figura. A figura e fundo são conceitos da psicologia da gestalt, em que
se apoiam em aspectos na chegada do cliente, ou seja, aquilo que se destaca diante do
terapeuta e que pode ajudar a ampliar o campo de observação e cuidado. É um processo
fluido e dinâmico, em que não se deve apegar a figura inicial como verdade absoluta,
como uma determinação do outro. No caso de Miguel, o contorno da figura e fundo do
encontro com a terapeuta era o primeiro passo a ser dado.
A terapeuta ainda se atem ao fato de que essa descoberta não seja a solução, e como dito
no começo o caminho na psicoterapia da gestalt e lento e dinâmico. O perigo dos
atalhos poderia levar Miguel a ser diagnosticado com transtorno obsessivo compulsivo,
visto que vários elementos apontavam nessa direção. Mas o que interessou nesse
caminho da sua ponte foi a sua dimensão existencial de sua experiência.
A questão que levou Miguel a psicoterapia era a que ele menos gostava de abordar.
Sendo assim, a terapeuta foi encontrando caminhos pra que o dialógico acontecesse
entre eles. Música, cinema e literatura foram as intersecções entre o campo de encontro,
assim Miguel foi ficando mais a vontade, estabelecendo o setting.
Miguel se encontrava dividido, como se estivesse entre dois mundos, em um deles ele
podia ser mais fluido, dar vazão a sua sensibilidade; no outro vinha o peso de ter de
cumprir uma lógica exclua cartesiana. Nesse sentido criou um novo ligar para poder
estar, para respirar, para aliviar a tensão que o malabarismo entre os dois mundos lhe
impunha: a vida vivida na virtualidade do vídeo game.
A terapeuta observou que ele buscou uma saída criativa (ajuste criativo) para seu
conflito, uma forma de existir para além do seu sofrimento, e isso foi importante para
sua reorganização. Ou seja, ele buscou por uma dinâmica de autorregulação. Na ação de
jogar do Miguel, a terapeuta compreendeu que ele buscava soluções para seu
personagem no jogo e principalmente para si mesmo. Mas andando em círculos,
envolvido em ansiedade e sofrimento extremos, havia perdido sua condição de
reestabelecer seu olhar perdigueiro acerca de si e do mundo.
Em uma das sessões a terapeuta lhe apresentou um poema sobre liberdade que
coincidentemente ele tinha esse poema em sua mesa de estudos. Ela lhe propôs uma
leitura juntos, já que ele tinha dificuldades de ler sozinho. Quando acabaram a leitura
compartilharam o silêncio, medo, a surpresa e a suavidade desdobrada naquele
momento. Uma das principais características da gestalt terapia consiste na ênfase dada
ao experimento. É esse caráter vivencial da abordagem que a torna tão potente e
exuberante.
Um dos recursos que facilitou e permeou muitos dos encontros da terapeuta e do
Miguel, foi o de valorizar o tempo presente.
Certa vez Miguel mandou uma mensagem para terapeuta sobre um filme que ela tinha
indicado para ele. Após essa troca, Miguel relacionou e reconheceu sentimentos da
personagem em si. Expressou claramente quanto havia sido bom, quanto estava feliz
por ter se deslocado em todos os sentidos. Isso refletia uma ampliação de sua
experiência, um retorno à condição de olhar a sua volta que estava lhe abrindo
possibilidades para muitas novas experimentações: aprender uma arte marcial, estudar
cinema num curso livre, retomar os estudos de violão etc.
Com o andar da carruagem pela ponte de Miguel, a terapeuta foi percebendo que ele
estava fortalecendo seu autossuporte, assim se apropriando da rede que eles teceram
juntos como um modo de amparar sua trajetória em busca de reconhece seu contorno.
Nesse momento a terapeuta não foi só uma transformadora, mas também aquela que
encorajou, acompanhou e permitiu que Miguel resgatasse sua autenticidade. Miguel
estava se encontrando naquilo que realmente era, e não no que tentava ser. Assim,
conseguindo já enxergar a saída do seu labirinto.
A saída do labirinto e a travessia de sua ponte que foi se dando suavemente, a partir da
awareness de que o trajeto que cumprira já o havia desviado para torná-lo simplesmente
esse Miguel inteiro, não mais com medo de fantasias melancólicas acerca do futuro.
Enfrentar, arriscar, reconhecer, validar, respirar, seguir, pausar, contemplar,
compreender, aceitar, expressar são ações que foram sedimentando a ponte entre os
mundos de Miguel. Foi por meio dessa dimensão sensível que se almejou essa
construção que o levou a uma escolha arriscada e consciente, não mais identificada com
o fracasso e a impotência, a escolha de deixar o curso.
Após a travessia de sua ponte Miguel ainda continuava jogando seu jogo, mas este
ocupava outro lugar. E foi por meio dessa experiência que ele se mostrou interessado
em Jung. Assim, surgiu a ideia de cursar psicologia. É aí que Miguel se encontra, com
hesitações, com marcas de sua história, mas respirando sem bloqueios e com maior
noção de si e do mundo. Miguel sendo Miguel.
Destrate da história de Miguel com sua terapeuta, veio o desejo dele de escrever esse
texto na intenção de mostrar que o manejo terapêutico na abordagem gestáltica é
realmente desafiador e integra ciência e arte, talvez nessa delicada ponte entre mundos
que ela é Miguel viveram juntos. Por isso vem a importância de evitar atalhos.

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