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ABORDAGEM PSICODINÂMICA –

PACIENTE NARCISISTA

PSICOPATOLOGIA.
MITO DO NARCISO.
Segundo a versão mais conhecida, quando Narciso nasceu, seus pais consultaram Tirésias, o adivinho

cego, sobre o futuro da criança, e este lhes respondeu que o menino viveria longos anos, desde que não

se conhecesse. Narciso cresceu e tornou-se um rapaz muito belo, admirado e cortejado por inúmeras

ninfas e mortais.

No entanto, rejeitava a todas e permanecia insensível ao amor. Certo dia, a ninfa Eco enamorou--se dele

e o seguiu apaixonadamente, mas sem lhe falar, condenada que estava, por castigo de Hera, a somente

repetir palavras alheias. Narciso a desprezou como já fizera com outras: “Retire estas mãos que me

enlaçam. Antes morrer do que me entregar a você”.

E a pobre Eco secou de tristeza e acabou morrendo. Outra ninfa, porém, igualmente rejeitada, pediu

ajuda a Nêmesis, a deusa da Justiça, para punir a frieza de Narciso, amaldiçoando-o de modo que ele

também amasse e não obtivesse o objeto de seu amor. Em um dia de muito calor, Narciso aproximou-se

de uma fonte para saciar a sede e, ao debruçar-se, viu sua imagem, e dela se enamorou.
Seduzido pela própria beleza, esqueceu-se de comer e dormir e

logo passou a definhar. Ao dar-se conta de que estava

apaixonado por si próprio, desejou morrer, indiferente ao mundo.

Mesmo no rio dos Infernos ainda procurava na água pelo reflexo

dos traços amados. Seu corpo desapareceu, e, no local, foi

encontrada uma flor amarelada, rodeada de pétalas brancas: o

narciso.
ASPECTOS CLÍNICOS

• As características NARCÍSICAS estão presentes em todos nós; Por vezes, elas


até se tornam predominantes.

• Por exemplo, quando adoecemos fisicamente e passamos a solicitar


atenção e cuidados especiais. Em alguns casos, a vida emocional da
pessoa centraliza-se em torno de uma exagerada relação que apresenta
consigo própria e de uma distante e pobre interação com os outros,
configurando o quadro do paciente narcisista,
O TRANSTORNO DA PERSONALIDADE
NARCISISTA APRESENTA COMO
MANIFESTAÇÕES:

• padrão global e persistente de grandiosidade;

• necessidade de admiração;

• falta de empatia;

• inveja crônica e intensa.

São considerados critérios importantes no seu diagnóstico de acordo com o Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais (DSM-5).
• atribuir-se um grau excessivo de auto importância (exagera suas realizações e talentos,

espera ser reconhecido como superior, mesmo sem conquistas comensuráveis);

• preocupar-se com fantasias de sucesso, poder, brilho, beleza e amor ideal ilimitados;

• acreditam ser “especial” e único e somente poder ser compreendido por ou associar-se a

pessoas (ou instituições) destacadas necessitar de admiração excessiva

• esperar receber tratamento especial e obediência automática às suas expectativas.

• Buscam por relações que lhes proporcionem algum benefício; idealizam as pessoas capazes

de lhes dar algo e depreciam as demais.


Não conseguem formar uma verdadeira dependência, o que acaba por
trazer dificuldades no estabelecimento da relação terapêutica.

• A sensação de engrandecimento da autoestima não se deve a conquistas


pessoais; é decorrente de uma intensa desvalorização, rejeição e
abandono dos objetos.
O paciente com funcionamento narcisista precisa da PRESENÇA DE UM
OBJETO para poder rechaçá-lo e demonstrar que não necessita dele, e é
sobre a base dessa rejeição que o narcisismo se estrutura.

Ao rechaçar o objeto, o paciente também rechaça suas representações,


tendo, assim, sua capacidade simbólica prejudicada, o que leva a profundas
alterações na própria personalidade.
• casos mais leves, nos quais o paciente se encontra aparentemente bem, apenas com
sintomas de uma sensação de vazio ou de depressão;

• os intermediários, nos quais a sintomatologia narcisista é mais evidente;

• os mais graves, em que sintomas da linha borderline se mesclam com os da linha


narcísica, em especial na impulsividade, culminando em um“narcisismo maligno”.
Nesses casos, ocorre o triunfo sobre a dor e o sofrimento pessoal quando o paciente
inflige essa mesma dor e sofrimento aos outros com um prazer sádico na agressão.
ASPECTOS PSICODINÂMICOS
FREUD. Detalhou um período de narcisismo primário, no qual o investimento da libido
se faz para o ego e só posteriormente para os objetos.

• Quando ocorre alguma frustração ou dificuldade nessas relações, a libido é


retirada dos objetos e retorna ao ego, configurando o que Freud chamou de
narcisismo secundário.

• Ele considerou, também, um tipo de escolha objetal narcísica envolvida na eleição


de um objeto homossexual – por razões narcisistas, amar-se a si mesmo em um
objeto do mesmo sexo.
• Klein ao introduzir o conceito de identificação projetiva, ampliou a com
preensão do narcisismo, considerando o sob duas formas: a primeira,
seguindo Freud, como uma relação de objeto narcisista (como na escolha
objetal homossexual); a segunda, que chama de “estado narcisista”, como
a retirada da libido para um objeto interno do paciente, que pode estar
dentro do indivíduo, projetado em outro objeto ou em ambos, por
identificação projetiva. Para essa autora, é inaceitá-vel a presença de um
período de narcisismo primário, anobjetal, segundo descrito por Freud.
• Ela considera que existem relações de objeto desde o início da vida mental;
portanto, só pode haver narcisismo secundário.
• ROSENFELD – estudo com pacientes psicóticos.

• as relações de objeto narcisistas funcionam como uma defesa para o


reconhecimento da separação. A percepção da separação é evitada, pois
implica sentimentos de dependência e valorização do objeto, levando a intensas
sensações de frustração e inveja.

• a projeção de seus aspectos indesejáveis no objeto.

• A estrutura narcisista funciona de maneira a compensar esses sentimentos de


inferioridade e a manter a estabilidade, embora de forma precária, da
personalidade desses pacientes, que são, em geral, bem-sucedidos tanto afetiva
como profissionalmente.
• conceituar o funcionamento narcisista como aquele no qual, diante do
sofrimento psíquico, vivenciado como desamparo e sentimento de
fragmentação, e devido à idealização das partes más do self, a parte
destrutiva da personalidade, sentida como a única capaz de organizar o
caos interno, assume o comando da personalidade, com o conluio da
parte libidinal do self, estabelecendo-se uma estrutura relativamente
estável.
ASPECTOS TÉCNICOS.
• TERAPEUTA – atentar-se entre as partes libidinais e destrutivas da personalidade, à maneira
como essas partes estão se relacionando na mente do paciente, à forma como se
externalizam na sessão, por meio da relação transferência--contratransferência, e a um
equilíbrio na interpretações desses aspectos para o paciente.

• impõem muitas dificuldades a seus terapeutas devido às intensas reações contra-


transferenciais que despertam.

• o paciente narcisista tem muita dificuldade para estabelecer um contato emocional próximo
e íntimo com o terapeuta, o que dificulta bastante o processo terapêutico, sendo o principal
fator de um necessário prolongamento desses tratamentos.
• desprezam e desvalorizam seus terapeutas.

(falam como se o analista não estivesse ali, não parecem interessados


em suas opiniões ou interpretações, referem, sem parar, apenas suas
insatisfações ou queixas, alegando que ninguém é capaz de ajudá-los.
INTERPRETAÇÕES

o paciente se apropria das interpretações do terapeuta, repetindo-as para despojá-


las de vida e devolvendo-as como se fossem agora de sua propriedade,
considerando-as bem melhores do que eram anteriormente, ou ainda quando
produz teorias, em sua opinião, superiores às do analista.

OU

o paciente parece ansioso por receber uma interpretação, mas, logo após esta ser
formulada, ele volta a se sentir estranhamente vazio e insatisfeito, como se não
tivesse recebido qualquer ajuda..
• Em outros casos, atuação dentro e fora das sessões, em função de seus
problemas com a simbolização e a verbalização. Isso se manifesta por meio
de atrasos, faltas, problemas com o pagamento dos honorários, etc.

• hostis e agressivas com o terapeuta.

• ataques mais sutis, quando os pacientes se mantêm silencioso e pouco


colaboradores em seus tratamentos
• Alguns pacientes procuram estabelecer um clima de idealização. Tentam agradar,
passando a comportar-se como o paciente ideal, na busca do reconhecimento e
dos elogios do analista.

• procura de um equilíbrio nas interpretações dos aspectos destrutivos e dos


aspectos libidinais, buscando que o paciente, de forma progressiva, tome
consciência de que está sendo dominado por seus aspectos destrutivos, que não
apenas o empurram para a morte, mas ainda o infantilizam, o impedem de crescer
e o mantêm afastado dos objetos que poderiam auxiliá-lo a se desenvolver.
ILUSTRAÇÃO CLÍNICA
• André, um jovem de 19 anos que procurou tratamento a pedido dos pais, bastante
preocupados com ele, pois vivia isolado, era agressivo e saía raramente de casa, já
que quase não tinha amigos. Mostrava também uma acentuada preocupação com
sua aparência, dizendo oscilar entre a situação mais frequente, que era a de se achar
muito feio, com o rosto torto e deformado, e os momentos mais raros, em que se via
extremamente bonito, quando era elogiado por alguém; isso o levava a sentir-se bem
nas festas e na companhia das pessoas. Na realidade, o lugar no qual se sentia melhor
era em um terreno baldio ao lado de sua casa, onde passava várias horas por dia, às
vezes dormindo, às vezes só deitado; ali ficava, sem ninguém reclamar, nem lhe cobrar
nada.
• Sua dificuldade para conviver com os pais acentuara-se tanto que não fazia mais
as refeições com eles e com o resto da família, passando a comer sozinho e
parcamente na cozinha, em um horário diferente dos demais. Descreveu um clima
familiar tenso e com pouco contato afetivo entre as pessoas, ou seja, de relações
familiares muito formais. Apresentou problemas emocionais quase ininterruptos
desde a infância. Quando pequeno, tinha muita dificuldade em se separar dos
pais, “ia com eles a tudo”, tanto que foi muito difícil a adaptação escolar. Os
colegas davam-lhe numerosos apelidos, principalmente devido ao fato de se olhar
muito no espelho e de se isolar com frequência. Nunca teve namorada até o
começo do tratamento, mas já havia “ficado” umas poucas vezes e vivido
esporádicas relações sexuais com prostitutas.
Durante o período inicial da análise, era visível o esforço para evitar o contato emocional maior com o

analista, embora o paciente raramente faltasse. Chegava às sessões com algum atraso e iniciava, na

sequência, um relato que parecia dirigido a si mesmo, excluindo totalmente o terapeuta e parecendo ter,

inclusive, prazer nessa atividade. Várias vezes se referiu a um sonho em que se via só em um castelo

cercado por um fosso com águas muito profundas, intransponíveis, cuja única passagem era a de uma

ponte levadiça que ele controlava e que mantinha sempre fechada, não permitindo a entrada de

ninguém. Ora, esta era a sensação contratransferencial do terapeuta: excluído, não autorizado a entrar

no mundo interno do paciente.

Aos poucos, foi sendo possível detectar a parte destrutiva, por meio das associações e dos sonhos.

Paciente e analista passaram a nomeá-la de “a parte nazista”, pois André manifestava uma intensa

admiração por nazistas, bem como fantasias de que eles encontram proteção em qualquer lugar do

mundo.
• Após cerca de três anos de análise, o paciente teve férias mais longas, de cerca de seis semanas: pela primeira

vez foi viajar para o exterior, sem os pais, para um curso relacionado com sua área profissional. Na volta,

relatou que se surpreendera pelo fato de, várias vezes durante a viagem, ter-se lembrado de seu terapeuta, o

que lhe despertava um sentimento desagradável e o levava a logo procurar pensar em outra coisa. Na

segunda semana após as férias, veio à sessão de segunda-feira com uma atadura na mão direita, explicando

que se lesionara praticando esporte e não poderia dar a mão a cumprimentar. Contou um sonho em que se

viu acordando às 7 horas da manhã para ir trabalhar, só que o que mais o surpreendeu era estar entusiasmado

com isso. Encontrou, então, um amigo que lhe disse que ele era um trouxa, um verdadeiro “babaca”, que é

coisa de otário acordar tão cedo, logo para trabalhar. Pode-se observar como o amigo, no sonho,

corresponde a uma parte (destrutiva) que luta contra o envolvimento que o paciente estava sentindo em

relação ao “trabalho terapêutico” (parte libidinal). Isso já havia ficado claro no seu relato das férias, quando

sua parte narcisista procurava eliminar os pensamentos sobre o analista.


Na sessão seguinte, terça-feira, o paciente relatou ter algo a confessar: sua lesão já havia melhorado no fim de

semana, e ele não precisaria mais utilizar a atadura com que viera na sessão anterior, mas havia decidido mantê-la

para não ter que dar a mão ao analista. Observa-se, assim, como a parte “nazista” assumiu o controle da sua

personalidade e, no comando, levou-o a agir ativamente contra o analista, mentindo e atacando o vínculo, pois

não queria lhe dar a mão. Nota-se de que modo, à medida que o paciente se sente mais próximo do terapeuta,

nas férias e no recomeço do tratamento, ele vai ficando cada vez mais assustado, precisando produzir barreiras – a

atadura –, como o fosso de seus sonhos anteriores. E passa também a falar de sua desconfiança para com o

analista, questionando se este não estaria apenas interessado em seu dinheiro.

Observe-se, assim, como a parte destrutiva/“nazista” foi se manifestando nesse caso: a princípio, aparecendo nos

relatos e nos sonhos, até surgir de forma concreta no vínculo com o terapeuta pela atadura falsamente colocada.

A parte libidinal do paciente apareceu em seu envolvimento cada vez maior com o analista, na lembrança

constante do analista em sua viagem e no fato de trazer para o tratamento, imediatamente, sua atuação com a

atadura, permitindo que ela fosse utilizada como uma comunicação.


Entretanto, observa-se também que todos os pacientes em psicoterapia ou
análise apresentam reações desse tipo, particularmente nos momentos de
separação ou de melhora durante o processo terapêutico.
REFERÊNCIA
• Psicoterapia de orientação analítica: fundamentos teóricos e Clínicos . –
Porto Alegre : Artmed, 2015. (capítulo 35)

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