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O MITO DE NARCISO

Na mitologia grega, Narciso foi retratado por Ovídio no Livro III do conjunto
“Metamorfoses”, escrita durante o período helênico da Roma Antiga. Na obra, o
personagem é filho do deus Cefiso e da ninfa Liríope que, ao consultarem o oráculo
Tirésias, recebem a profecia de que seu filho iria ter uma vida longa e próspera, desde que
não visse o seu próprio reflexo. Narciso cresceu e tornou-se um belo rapaz, porém, muito
arrogante, orgulhoso e prepotente, desprezando a todos que o admiravam e eram
apaixonados por ele. Eco, uma ninfa que havia se apaixonado perdidamente pelo jovem,
tomada pela dor do desprezo, pediu aos deuses que ensinassem a ele uma lição. Atendendo
ao clamor da ninfa, a deusa Némesis condenou Narciso a apaixonar-se pela sua própria
beleza, amando com intensidade algo que jamais poderia possuir. Assim, um dia, o jovem
foi até o lago em que Eco vivia e, ao olhar para as águas, viu seu próprio reflexo. Narciso
ficou encantado pela própria beleza, deitando-se no chão e admirando se até a morte. Após
morrer, foi transformado em uma flor. Na cultura grega antiga, os excessos eram sinal de
desconhecimento e desequilíbrio. No caso do mito de Narciso, a beleza em demasia do
personagem ia contra a divindade, pois somente os deuses poderiam portar tamanha beleza.
O mito pretende chamar atenção para os perigos do autocentramento e do culto a si mesmo,
sem que isso reflita, de outro lado, em uma busca por autoconhecimento e pela libertação
da sua própria sombra.

A palavra “narcisismo” deriva do mito de narciso e é utilizada para designar toda pessoa
que, longe de possuir uma elevada autoestima, possui um excesso de vaidade, sendo
autocentrada e indiferente às outras pessoas.

O TRANSTORNO DA PERSONALIDADE NARCISÍCA (TPN22)

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais nº 523 (DSM5 - Diagnostic


and Statistical Manual of Mental Disorders), da Associação Americana de Psiquiatria
(APA), classifica o “Transtorno da Personalidade Narcisista”, sob o item 301.81 (F60.81),
utilizando os seguintes critérios: Critérios Diagnósticos 301.81 {F6G.81} Um padrão
difuso de grandiosidade (em fantasia ou comportamento), necessidade de admiração e falta
de empatia que surge no início da vida adulta e está presente em vários contextos, conforme
indicado por cinco (ou mais) dos seguintes:

1. Tem uma sensação grandiosa da própria importância (p. ex., exagera conquistas e
talentos, espera ser reconhecido como superior sem que tenha as conquistas
correspondentes).

2. É preocupado com fantasias de sucesso ilimitado, poder, brilho, beleza ou amor ideal.

3. Acredita ser “especial” e único e que pode ser somente compreendido por, ou associado
a, outras pessoas (ou instituições) especiais ou com condição elevada.

4. Demanda admiração excessiva.

5. Apresenta um sentimento de possuir direitos (i.e., expectativas irracionais de tratamento


especialmente favorável ou que estejam automaticamente de acordo com as próprias
expectativas).

6. É explorador em relações interpessoais (i.e., tira vantagem de outros para atingir os


próprios fins).

7. Carece de empatia: reluta em reconhecer ou identificar-se com os sentimentos e as


necessidades dos outros.

De acordo com o DSM-5, pessoas com TPN têm um profundo sentimento de


autoimportância, de modo que superestimam suas capacidades e exageram nas suas
conquistas. Em razão da superautovalorização, por um lado, “acreditam que os outros
atribuem o mesmo valor aos seus esforços” e, por outro subestimam e desvalorizam as
contribuições dos outros.

Acrescenta o DSM-5:

Indivíduos com transtorno da personalidade narcisista estão frequentemente preocupados


com fantasias de sucesso ilimitado, poder, brilho, beleza ou amor ideal (Critério 2).

Podem ruminar acerca de admiração e privilégios "há muito devidos" e comparar-se


favoravelmente a pessoas famosas ou privilegiadas. As pessoas com esse transtorno creem
ser superiores, especiais ou únicas e esperam que os outros as reconheçam como tal
(Critério 3).

Podem sentir que são somente compreendidas por outras pessoas especiais ou de condição
elevada, e apenas com elas devem se associar, podendo atribuir qualidades como "únicas",
"perfeitas" e "dotadas" àquelas com quem se associam. Indivíduos com esse transtorno
acreditam que suas necessidades são especiais e estão além do conhecimento das pessoas
comuns. Sua própria autoestima é realçada (i.e., "espelhada") pelo valor idealizado que
conferem àqueles com quem se associam. Tendem a insistir em ser atendidos apenas por
pessoas "top" (médico, advogado, cabeleireiro, instrutor) ou em ser afiliados às "melhores"
instituições, embora possam desvalorizar as credenciais daqueles que os desapontam.
Indivíduos com esse transtorno geralmente exigem admiração excessiva (Critério 4).

Sua autoestima é quase invariavelmente muito frágil. Podem estar preocupados com o quão
bem estão se saindo e o quão favoravelmente os outros os consideram. Isso costuma
assumir a forma de uma necessidade constante de atenção e admiração. Podem esperar que
sua chegada seja saudada com grandes comemorações e ficam atônitos quando os outros
não cobiçam seus pertences. Podem constantemente buscar elogios, em geral com muita
sedução. Fica evidente nesses indivíduos uma sensação de possuir direitos por meio das
expectativas irracionais de tratamento especialmente favorável que apresentam (Critério 5).

Esperam ser servidos e ficam atônitos ou furiosos quando isso não acontece. Indivíduos
com o transtorno geralmente apresentam falta de empatia e dificuldade de reconhecer os
desejos, as experiências subjetivas e os sentimentos das outras pessoas (Critério 7).

Podem pressupor que os outros estão totalmente preocupados com seu bem-estar. Tendem a
discutir suas próprias preocupações de forma detalhada e prolongada, ao mesmo tempo que
falham em reconhecer que os demais também têm sentimentos e necessidades. Com
frequência são desdenhosos e impacientes com outros que falam sobre seus próprios
problemas e preocupações. Podem não enxergar o quanto ferem os demais com seus
comentários (p. ex., dizer exageradamente a um ex-companheiro "Agora estou em um
relacionamento para toda a vida!"; alardear a saúde diante de alguém doente). Quando
reconhecidos, as necessidades, os desejos ou os sentimentos das outras pessoas são
provavelmente encarados de forma depreciativa como sinais de fraqueza ou
vulnerabilidade.

Aqueles que se relacionam com indivíduos com transtorno da personalidade narcisista


costumam encontrar frieza emocional e falta de interesse recíproco. Esses indivíduos
tendem a invejar os outros ou a acreditar que estes os invejam (Critério 8).

Podem ver com má vontade o sucesso ou os pertences das outras pessoas, sentindo que eles
é que são os reais merecedores de tais conquistas, admiração ou privilégios. Podem
desvalorizar grosseiramente as contribuições dos outros, sobretudo quando essas pessoas
receberam reconhecimento ou elogio pelo que realizaram. Comportamentos arrogantes e
insolentes caracterizam esses indivíduos; com frequência exibem esnobismo, desdém ou
atitudes condescendentes (Critério 9). Por exemplo, um indivíduo com esse transtorno pode
se queixar da "grosseria" ou "estupidez" de um garçom desajeitado ou concluir uma
avaliação médica com uma apreciação condescendente do médico.

Estima-se que 0,5% (zero vírgula cinco por cento) da população mundial tenha o
transtorno. Note-se que o narcisista patológico é um indivíduo cujas atitudes e reações são
esboçadas a partir da imagem (fala) que ele cria de si mesmo. A idealização dessa
autoimagem tem a finalidade de negar, inconscientemente, uma realidade e, com isso, fazer
com que a pessoa com TPN possa encaixar-se no seu meio social e receber aquilo que
deseja.

Apesar do sentimento grandioso de autovalor, são pessoas insatisfeitas consigo


mesmas e criam uma falsa imagem de si para suprir suas inseguranças e baixa
autoestima. Exatamente por ser uma falsa imagem, a autoestima do narcisista pode
ser muito facilmente abalada e, quando isto ocorre, rapidamente encontram um meio
de reconstituir-se, responsabilizando o mundo e os outros por seus eventuais fracassos
e decepções. No âmbito intersubjetivo, não conseguem ser empáticos e não possuem
interesse genuíno pelas outras pessoas, utilizando-as a partir dos interesses pessoais.
Tudo e todos ao redor não passam de meros objetivos a serem manipulados
cuidadosamente para que a imagem criada pelo narcisista mantenha-se intacta.

Narcisismo materno

São mães invasivas e manipuladoras, mas justificam e normalizam suas atitudes como
sendo as habituais “coisas de mãe”. Quando passam do limite, negam firmemente qualquer
tipo de transgressão ou erro. Com uma longa jornada de atitudes abusivas e controladoras, a
mãe narcisista possui uma dinâmica operacional bastante sutil como meio de realizar e
perpetuar os abusos contra os/as filhos/as. Os abusos não são facilmente identificáveis por
terceiros, já que, muitas das vezes, só possuem significados em um contexto histórico da
relação e não como um ato isolado.

Não há limites para uma mãe narcisista. E ela se considera dona dos seus filhos. Eles são
uma extensão dela mesma. Constantemente, a individualidade dos/das filhos/as é violada.
Como exemplos de atitude narcisista têm-se: marcação de compromissos sem a criança
expressar a vontade de ir ou não; escolha daquilo que o/a filho/a pode vestir, comer, ouvir,
ver; projeções de sentimentos, sonhos e expectativas, fazendo com que os/as filhos/as só se
sintam amados/as e aceitos quando atendem aos desejos maternos. Objetos são dados e
retirados ao bel prazer materno, pois não pertencem de fato aos/às filhos/as, mas sim à mãe,
quem os comprou e que, por tal condição, acha-se no direito de desfazer-se deles, sem
consultar os/as filhos/as.

A violação de limites é mais comum na infância, quando a criança ainda não formou uma
percepção acerca de si e, consequentemente, do jogo no qual está inserida. Na adolescência,
o/a filho/a já tem condições de se perceber e o desejo por autonomia e independência típico
dessa fase do desenvolvimento torna-se fonte de conflitos. Aqui, a mãe narcisista encara
a resistência adolescente como um questionamento da sua própria autoridade e, então,
muitas vezes, utilizase de uma metodologia punitiva para repreender e evitar a
independência e a autonomia, fazendo com que o/a filho/a sempre esteja em posição
dependente e inferiorizada. Outra forma utilizada para controlar a resistência são a
manipulação e os jogos de culpa, de forma que o/a filho/a desiste de lutar pela
independência, porque sente-se um algoz se o fizer.

Como visto alhures, uma característica comum nos indivíduos narcisistas é a falta de
empatia, o que impossibilita uma comunicação aberta e responsiva com outras pessoas. Em
se tratando das mães narcisistas, a falta de empatia é visível na maneira como elas
relacionam-se com os/as filhos/as. Não existe diálogo. A fala é utilizada apenas para
fazer demandas e críticas aos/às filhos/as. A todo instante a genitora mostra aos/às
filhos/as que ela está no comando, suas ações reafirmam sua posição de superioridade e
marcam seu território.

Quando os/as filhos/as resistem aos abusos, a genitora entra em estado de negação e
vitimização, fazendo com que os/as filhos/as, muitas vezes, carreguem culpa ou entrem
em um conflito com suas próprias percepções da realidade. É o que se chama de
gaslighting, um abuso psicológico em que as informações são distorcidas, modificadas,
omitidas ou selecionadas de maneira específica, favorecendo o abusador e colocando em
dúvida a verdade das alegações feitas pela vítima .

Além disso, uma característica muito comum entre as mães narcisistas é a utilização do
medo como mecanismo de controle. É um método eficaz de controlar as ações dos/as
filhos/as, desde a infância, implantando neles um medo absurdo em infringir suas ordens ou
não atender as suas vontades, tendo dentre as consequências castigos físicos ou desprezo
absoluto (um tipo de violência psicológica muito eficaz). Quando se trata de filhas (gênero
feminino), as mães narcisistas costumam ter uma inveja acompanhada de fúria e disputa por
atenção. Nestes casos, a mãe narcisista, quase sempre, compete com a filha, seja através da
aparência física, da aquisição de objetos ou, até mesmo, da conquista do círculo social
(amigos, namorados etc.). A genitora tenta constantemente minar o desenvolvimento da
filha, para que esta não cresça e não crie uma identidade independente. A filha deve atender
aos desejos maternos, pois é vista como sendo a própria mãe.

As genitoras narcisistas podem ter um/a ou mais filhos/as. No caso de filiação única,
geralmente, são hiperprotetoras e extremamente dependentes emocionalmente do/a filho/a.
Realizam-se através das realizações deste. Quando possuem mais de um/a filho/a, elas
tendem a escolher um/a ou mais favoritos/as, em detrimento dos/das demais, criando
um sistema de “criança dourada e bode expiatório”, comparando os/as filhos/as e
tratando-os/as de maneira diferente. O/A “filho/a dourado/a” é sempre bem tratado e tem
todos os seus desejos atendidos, mas não em benefícios do/a próprio/a filho/a, mas sim
como instrumento de barganha e de manipulação da mãe. Aquele/a filho/a que foi
escolhido como “bode expiatório” vive à sombra do/a irmão/irmã, sendo muitas vezes
negligenciado/a e menosprezado/a, constantemente colocado/a em posição inferior à
da mãe e do irmão/ã. Ademais, o bode expiatório sofre parentificação, ou seja, é posto
em um papel que não lhe compete, o de progenitor/provedor/cuidador. Fica carregado
de responsabilidades parentais em relação aos seus/suas próprios/as irmãos/irmãs,
quando, na realidade, tem pouca ou nenhuma condição de cuidar de si mesmo.

No geral, as genitoras narcisistas possuem características comuns do TPN, como a falta de


empatia, necessidade de mentir constantemente para manutenção da sua realidade
distorcida, sensibilidade a críticas, projeção do “eu” no outro, explosão de fúria e raiva
quando suas vontades não são atendidas, entre outras. A construção da maternidade como
uma função sublime e especial e das mães como seres naturalmente perfeitos e devotados
dificulta a percepção do narcisismo materno, seja pelo/a próprio/a filho/a seja por terceiros.
Nos casos em que o/a filho/a toma consciência do abuso materno sofrido, o faz já na
fase adulta, quando terá que buscar curar-se dos vários traumas oriundos da infância
tóxica e distorcida .

Dessa maneira, é evidente que uma criação narcisista pode afetar permanentemente o
indivíduo, pois este sofrerá abuso psicológico por um longo período de tempo,
cessando apenas quando tiver a oportunidade de afastar-se da abusadora. Como nos
mostra André Martins: Ele se sente por dentro, ou teme se descobrir mau, uma pessoa ruim,
inadequado, com problemas; como depressão, uma melancolia ou mesmo uma psicose
latentes, se sente ou teme se descobrir, ou se confirmar, como valendo menos que os outros.
E sente assim porque a falha ambiental inicial foi grave e seu psiquismo se estruturou sem
esta confiança primária, arcaica. E toda sua vida psíquica foi feita sobre um esforço por
estruturar-se apesar dessa falha ambiental inicial, por estruturar-se, portanto, de modo a
suprir, ou antes, a esconder essa lacuna, que ele vivencia como seu conteúdo interno
terrível e ruim, porque não investido por sua mãe quando era bebê – que nada mais é do
que sua raiva para com o ambiente que lhe tratou com indiferença, conteúdo destrutivo e
extremamente ameaçador, que pode aparecer em pesadelos na forma demoníaca, por
exemplo.

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