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O PAPEL DO ESTADO NA PROTEÇÃO DA CRIANÇA CUJO GENITOR POSSUI

TRANSTORNO DE PERSONALIDADE NARCISISTA

KELLY APARECIDA CARDOZO1

RESUMO: Nas relações familiares é naturalmente esperado que os pais exerçam o papel de
educar, amparar e proteger a criança de forma intrínseca. A crença de que os pais sejam seres
institivamente protetores faz com que a ideia de genitores egoístas, exploradores e abusivos
com os próprios filhos ao ponto de se tornarem seus algozes, soe como algo distante da
realidade. Acontece que em famílias constituídas por pai ou mãe com síndrome de
personalidade narcisista, o que de longe pode parecer cuidado excessivo e proteção, são na
verdade comportamentos nocivos ao desenvolvimento da criança. Quando isto ocorre, as
consequências psicológicas e os danos causados fogem do âmbito familiar e tornam-se
responsabilidade do Estado.

O objetivo do TCC é analisar o dever do Estado em proteger e amparar as crianças que vivem
neste contexto; estudar as políticas públicas atuais que visam resguardar os direitos dessas
crianças e as possíveis intervenções estatais para cessar essas violações.

PALAVRAS-CHAVE: Proteção à criança. Transtorno de personalidade narcisista.


Narcisismo.

ABSTRACT: In family relationships it is naturally expected that parents exercise the role of
educating, supporting and protecting a child intrinsically. The offspring of parents being
instinctively protective beings makes the idea of selfish, exploitative and abusive parents to
their own children to the point of becoming their algorithms, sound like something far removed
from reality. It turns out that in families consisting of a father or mother with narcissistic
personality syndrome, which from a distance may seem to be excessive care and protection, is
actually behavior that is harmful to the child's development. When this occurs, the

1
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário UNA Contagem
psychological consequences and damage caused by the family environment and become
responsible for the State.

The objective of the TCC is to analyze the State's duty to protect and support children who live
in this context; study current public policies aimed at safeguarding the rights of these children
and state solutions to end these violations.

KEYWORDS: Child protection. Narcissistic Personality Disorder. Narcissism.

SUMÁRIO: 1) Considerações iniciais. 2) O transtorno de personalidade narcisista. 2.1)


Origem do narcisismo: O mito grego de Narciso. 2.2) Os traços psicológicos dos pais narcisistas
e as consequências pra criança. 3) A intervenção do Estado no núcleo familiar. 3.1) Do estatuto
da criança e do adolescente. 3.2) Do dever de proteção do Estado. 3.3) Do atendimento
assistencial do Conselho Tutelar. 3.4) Do suporte psicológico. 4) Considerações finais. 5)
Referências bibliográficas.

1. Considerações inicias

O presente trabalho possui como objetivo principal analisar o dever de proteção do Estado na à
criança que tem como genitor uma pessoa que possui de transtorno de personalidade narcisista.

Para isso, inicialmente será estudado a síndrome de personalidade narcisista em si, abordando
a origem do narcisismo através do mito grego de Narciso, e posteriormente, os traços
psicológicos dos pais narcisistas e as consequências para as crianças.

Em seguida, serão abordados os meios que o Estado possui para interferir no núcleo familiar
nessas condições, através do Conselho Tutelar o atendimento psicológico ofertados pelo Estado
e as carências desses institutos.

Realizado através de pesquisa bibliográfica e documental, o presente artigo tem como objetivo
ampliar o debate e a compreensão acerca da síndrome de personalidade narcisista e da
interferência do Estado nas famílias para que a integridade moral e psíquica das crianças seja
preservada. para tanto foi utilizado o método dedutivo.
2. O transtorno de personalidade narcisista

Fundamental para a formação do ser humano e construção da autoestima, o apreço a própria


imagem é algo comum do ser humano. No entanto, quando isso deixa de ser algo saudável e se
torna uma patologia? Qual a diferença entre o amor próprio saudável e o transtorno narcisista?
O objetivo desse capítulo é responder esses questionamentos, apresentar a origem mitológica e
analisar quais são os traços desses transtornos, além de suas consequências para crianças que
convivem com pais narcisistas.

2.1 . Origem do narcisismo: O mito grego de Narciso

De acordo com a mitologia grega, narciso era filho do deus do rio Cefiso e da ninfa Liríope.
Desde criança, Liríope percebeu a intensa beleza de Narciso, e por isso perguntou a um oráculo
se ele viveria por muito tempo. Como resposta, ouviu que sim, desde que ele nunca olhasse
para o próprio reflexo.

Narciso cresceu e como já era esperado, se tornou um homem cuja beleza enchia os olhos de
quem o via. No entanto, muito prepotente e orgulhoso, sempre desprezou qualquer mulher que
se apaixonasse por ele, não a considerando digna de seu amor.

Uma dessas mulheres era a uma ninfa chamada Eco, que no auge de sua paixão e diante do
desprezo, clamou a Nêmesis, deusa da vingança, que o ensinasse uma lição. Atendendo ao
pedido de Eco, Nêmesis jogou sobre Narciso uma maldição: Em forma de castigo e a fim de
que ele sentisse aquilo que tanto despertara em outras pessoas, se apaixonaria intensamente por
algo que jamais poderia possuir. 2

Na região em que Eco morava havia um rio límpido. Em um certo dia, ao sentir muita sede,
Narciso foi até esse rio beber água e quando se inclinou e viu a água cristalina, se deparou pela
primeira vez com o próprio reflexo. Diante de tanta beleza e sem saber que aquele reflexo era
de si mesmo, Narciso se apaixonou perdidamente. Após passar horas admirando, perplexo com
a imagem que refletia no rio, morreu afogado ao tentar tocar a própria imagem.

2
NARCISO, a paixão por si mesmo. Eventos Mitologia Grega, 2011. Disponível em
<http://eventosmitologiagrega.blogspot.com/2011/03/narciso-paixao-por-si-mesmo.> Acesso em 24 abr 2021.
Esse mito serviu de inspiração para o conceito psicológico de narcisismo, que é a tendência
exacerbada do indivíduo de alimentar uma admiração por si mesmo.

2.2 Os traços psicológicos dos pais narcisistas e as consequências para crianças

Com baixa noção de empatia, pessoas com transtorno de personalidade narcisista estão longe
de ser apenas pessoas com egos inflados. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais nº 523 , as seguintes características são critérios para diagnosticar a
patologia:

Critérios Diagnósticos 301.81 {F6G.81}


Um padrão difuso de grandiosidade (em fantasia ou comportamento), necessidade de
admiração e falta de empatia que surge no início da vida adulta e está presente em
vários contextos, conforme indicado por cinco (ou mais) dos seguintes: 1. Tem uma
sensação grandiosa da própria importância (p. ex., exagera conquistas e talentos,
espera ser reconhecido como superior sem que tenha as conquistas correspondentes).
2. É preocupado com fantasias de sucesso ilimitado, poder, brilho, beleza ou amor
ideal. 3. Acredita ser “especial” e único e que pode ser somente compreendido por,
ou associado a, outras pessoas (ou instituições) especiais ou com condição elevada. 4.
Demanda admiração excessiva. 5. Apresenta um sentimento de possuir direitos (i.e.,
expectativas irracionais de tratamento especialmente favorável ou que estejam
automaticamente de acordo com as próprias expectativas). 6. É explorador em
relações interpessoais (i.e., tira vantagem de outros para atingir os próprios fins). 7.
Carece de empatia: reluta em reconhecer ou identificar-se com os sentimentos e as
necessidades dos outros. (ASSOCIATION, American Psychiatric. 2014, p. 669-670)

De acordo com Lois Kain Chon (2016), a estimativa é que aproximadamente 0,5% da população
mundial tenha transtorno de personalidade narcisista. E naturalmente, grande parte dessa
população é ou se tornará pai ou mãe. Embora a ideia de que pai e mãe sejam seres elevados,
com instinto de proteção e que jamais fariam propositalmente mal a um filho impere
culturalmente, a junção do transtorno com a maternidade/ paternidade, tem reflexos
consideráveis na vida de um filho. Uma pessoa com transtorno de personalidade narcisista
enxerga-se como alguém importante, digno de atenção incessante e alguém superior, inclusive
diante dos filhos.
Atitudes tachadas “coisa de mãe”, “preocupação de pai”, “jeito de educar" muitas vezes podem
esconder várias facetas do narcisismo, com comportamentos abusivos e manipuladores,
colocando a criança no lugar de culpa.

Como consequência do abuso emocional, além da violação de direitos fundamentais da criança


como o respeito e a dignidade, os danos causados pelo abuso infantil tem reflexos na saúde
mental e física, conforme aponta o relatório mundial sobre violência e saúde:

Ele se sente por dentro, ou teme se descobrir mau, uma A debilitação da saúde causada
por abuso infantil constitui uma parcela significativa da carga global de doenças.
Embora algumas das consequências para a saúde tenham sido pesquisadas (21, 35, 72,
94-96), apenas recentemente outras têm recebido atenção, incluindo-se distúrbios
psiquiátricos e comportamento suicida (53, 97, 98). É importante ressaltar que
atualmente existem evidências de que a maior parte das doenças encontradas nos
adultos - inclusive cardiopatia isquêmica, câncer, doença pulmonar crônica, síndrome
do intestino irritável e fibromialgia - estão relacionadas a experiências de abuso
durante a infância (99-101). (KRUG EG et al, 2002).

3 A intervenção do Estado no núcleo familiar

O art. 226 da Constituição Federal dispõe que: A família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado”. Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente traz o princípio da
proteção integral, sendo a família, a sociedade e o Estado responsáveis, com absoluta
prioridade, pela efetivação desses direitos. O objetivo desse capítulo é analisar os meios que o
Estado possui de proteger as crianças enquanto filhas de pais narcisistas de acordo com a
legislação e as possíveis intervenções no que lhe couber.

3.1 Do Estatuto da Criança e do adolescente

Para falarmos sobre a proteção Estatuto da Criança e do adolescente, é importante


contextualizar a respeito do seu antecessor: o Código de Menores, revogado em 1990. Diferente
do ECA, este visava apenas a assistência, proteção e vigilância aos então chamados menores
em situação irregular elencados no art. 2º do referido código, ou seja, aqueles excluídos do
contexto social. De acordo com AMARAL E SILVA:

Tal doutrina confunde na mesma situação irregular, abandonados , maltratados ,


vítimas e infratores. Causa perplexidade que se considerasse em situação irregular o
menino abandonado ou maltratado Pelo pai, ou aquele privado de saúde ou da
educação por incúria do Estado (AMARAL E SILVA, 1994, p. 37)

Promulgada em 5 de outubro de 1988, a atual Constituição da República traz a doutrina da


proteção integral, quando dispôs que:

Art. 227 “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao


adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão. (BRASIL, 1998).

Em substituição á doutrina da situação irregular, a Lei nº 8069, de 13 de junho de 1990, também


conhecida como Estatuto da Criança e do adolescente adota a doutrina da proteção integral,
destacando já em seu artigo 1º que “ Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao
adolescente.” Então, se antes a proteção as crianças se limitava aos menores em situação
irregular, agora tal proteção diz respeito a todas as crianças e adolescentes.

Diante disso, o Código de Menores, que, nas palavras de Joseane Veronese: “apontava uma
visão jurídica, repressiva e moralista, prevendo repressão e internamento, e, em caso de
abandono físico e moral, das crianças, o pátrio poder suspenso e perdido por falta dos pais”
(VERONESE, 1999, p.25) foi revogado em 1990, substituído pelo Estatuto da Criança e do
adolescente e os então menores deixam de ser tratados pela legislação como “meros objetos de
intervenção tutelados pela lei e pela justiça” (VERONESE, 1999, p.9) e passam a ter um avanço
no que diz respeito a proteção e aos direitos fundamentais.

3.2 Do dever de Proteção do Estado

Enquanto filho de pai ou mãe narcisista, a criança passa a ter vários de seus direitos garantidos
pelo ECA postos em risco. É o caso, por exemplo, ao direito à saúde mental e psíquica elencada
no artigo 7º, uma vez que a criança que vive sob supervisão de um adulto narcisista comumente
tem sua autoestima minada, além de ter sua autonomia e conquistas diminuídas.

Não obstante, a liberdade de opinião e expressão (art. 16, II) é limitada, uma vez que pessoas
narcisistas não possuem empatia e por isso não conseguem se sensibilizar com a necessidade
do outro, em especial se tratando do próprio filho, onde o controle é maior. Além disso, os
filhos muitas vezes não conseguem fazer escolhas pessoais simples como por exemplo as
músicas que irá ouvir ou a roupa que

Crianças expostas a pais narcisistas têm violados vários desses direitos, como o Essas violações
advém justamente dos guardiões desses direitos. As consequências de tais violações tendem a
prejudicar a formação de identidade e desenvolvimento do indivíduo, o acompanhando toda a
infância e tendo reflexos na vida adulta.

Diante disso, é clara a necessidade de intervenção e proteção do Estado, já que, embora haja o
princípio da intervenção mínima, os direitos das crianças nessa situação estão sendo violados e
é dever também do Estado protege-los conforme preconizado na Constituição Federal de 1998:

Art. 227 “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao


adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão. “ (BRASIL, 1998).

3.3 Do atendimento assistencial do Conselho Tutelar

Criado expressamente no Estatuto da criança e do adolescente, nos termos do artigo 131 “O


Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela
sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta
lei.”’, tem então importante função na garantia dos direitos das crianças e adolescentes,
conforme expõe o Cadastro Nacional dos conselhos tutelares:

Considerando que são os Conselhos Municipais de Direitos os responsáveis por


elaborar e monitorar as políticas voltadas à criança e ao adolescente, são os Conselhos
Tutelares que podem garantir de fato que esses direitos sejam efetivados, já que atuam
na aplicação e fiscalização das políticas, exercendo papel crucial na proteção jurídico
social dos direitos da criança e do adolescente (SUAREZ, 2013)

As atribuições do Conselho Tutelar são trazidas pelo art. 136 do ECA, e cabe aqui destacar o
inciso I:

Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar:


I - Atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105,
aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII; (BRASIL, 1991)

Uma das hipóteses previstas no artigo 98 do que se refere esse inciso é a violação ou ameaça
dos direitos reconhecidos pelo ECA por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis.
Conforme apontado anteriormente, uma criança que convive com o genitor que possui o
transtorno de personalidade narcisista tem alto risco de ameaça ou violação de seus direitos. O
Inciso trás ainda as medidas que o conselho tutelar poderá aplicar, que são as previstas no art.
101, cabendo aqui apontar o inciso V:

Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade
competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
(...)
V - Requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial; (BRASIL, 1991)

Ainda sobre o art. 136, outra atribuição do Conselho Tutelar que cumpre destacar aqui é a do
Inciso II:

Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar:


(...)
II - Atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no
art. 129, I a VII; (BRASIL, 1991)

Já o artigo 129 mencionado por ele, aduz que:

Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:


(..)
III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; (BRASIL, 1991)

Portanto, o conselho Tutelar possui atribuição para encaminhar a tratamento psicológico ou


psiquiátrico tanto os genitores quanto os filhos, medida importante para pessoas que possuem
o transtorno de personalidade narcisista e também para os filhos que convivem com elas,
conforme será exposto no capítulo a seguir.
Além disso, cabe ao conselho tutelar “XI - representar ao Ministério Público para efeito das
ações de perda ou suspensão do poder familiar, após esgotadas as possibilidades de manutenção
da criança ou do adolescente junto à família natural”, conforme o inciso XI do artigo 136.

O Estatuto da Criança e do adolescente estabelece, em seu artigo 132, que deve haver no
mínimo 1 (um) Conselho Tutelar como órgão integrante da administração pública local em cada
Município e em cada Região Administrativa do Distrito Federal. No entanto, mesmo possuindo
esse papel tão importante, verifica-se dificuldade em concretizar essa diretriz indispensável,
conforme aponta Ismael Francisco de Souza:

Desde que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu o limite de no mínimo


um Conselho Tutelar em cada município, verifica-se a dificuldade em concretizar essa
diretriz indispensável. O processo de implantação dos Conselhos foi extremamente
lento no Brasil, e em alguns Estados foi necessário que o Ministério Público
estabelecesse essa obrigação por meio de Termos de Ajuste de Conduta firmados com
os municípios. (SOUZA, 2013)

De acordo com o levantamento mais recente realizada pelo Cadastro Nacional dos Conselhos
Tutelares, publicado em 20133, há um déficit de quantidade de Conselhos Tutelares em relação
a quantidade de habitantes de cada Município:

O Cadastro Nacional dos Conselhos Tutelares identificou no Brasil 5.906 Conselhos


Tutelares estruturados, 632 a menos do que seria necessário para garantir a proporção
de um conselho para cada 100.000 habitantes de cada município recomendada pela
Resolução 139 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente –
Conanda. (CADASTRO NACIONAL DOS CONSELHOS TUTELARES, 2013)

Associado a isso, o cadastro revelou que apenas 59% dos Conselhos Tutelares tem sede de uso
exclusivo, enquanto 39% tem uma ou mais salas de uso exclusivo e 2% não tem nem mesmo
uma sala exclusiva, e de acordo com o que está expresso na própria pesquisa, “assim, 41% dos
conselhos não dispõe das instalações físicas necessárias para assegurar a privacidade no
atendimento, que com frequência envolve questões sensíveis que enseja, discrição.”.

3
A atualização mais recente no site oficial do Governo Federal (Gov.com) foi em 22/08/2018, mantendo a
mesma Pesquisa.
Além disso, há uma estabilidade institucional, tendo a pesquisa revelado que há uma frequente
mudança de endereço dos conselhos tutelares por falta de sede própria, tendo 46% deles
mudaram ao menos uma vez nos últimos quatro anos.

3.4 Do suporte psicológico

O primeiro passo para que haja um tratamento eficaz para uma pessoa com transtorno de
personalidade narcisista é o diagnóstico. De acordo com o art. 13, §1º, “a”, da Lei 4.119/62, lei
que regulamenta a profissão de Psicólogos no Brasil ,“Constitui função privativa do Psicólogo
e utilização de métodos e utilização de métodos e técnicas psicológicas com os seguintes
objetivos: a) diagnóstico psicológico.”. Após o diagnóstico, é importante que se inicie um
tratamento afim de que aquele paciente mantenha uma rotina familiar mais saudável, e redução
dos sintomas a longo prazo. A importância da psicoterapia é apontada por Gabriela Maffini:

Pacientes narcisistas enfrentam dificuldades em seu funcionamento social, sendo a


psicoterapia fundamental para que consigam adotar condutas mais adaptativas. (..),
Percebe-se que o acompanhamento psicológico de um profissional capacitado,
resultaria em auxiliar o paciente a adquirir um melhor manejo de seus sintomas e uma
possível redução destes a longo prazo. (MAFFINI, 2020)

Há também grande necessidade de atendimento psicológicos para as crianças, afim de reduzir


os impactos e preservar a integridade emocional dos menores. A criança que está em um lar
com um genitor narcisista fica exposta a manipulações, rejeição, humilhações e muitas vezes
ameaças. Ela está ainda em fase de desenvolvimento cognitivo e carece de proteção dos
possíveis danos causados pelos pais, por ser vulnerável.

No entanto, há uma dificuldade para que se realize consultas ou tratamentos psicológicos pelo
SUS (Sistema Único de Saúde) em função da demora para conseguir atendimento, e o número
de vagas ofertadas. Segundo pesquisa realizada na Cidade de Salvador – Bahia no ano de 2015,
projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EBMSP, CAAE 33098814.0.0000.5544
e parecer n. 1.317.532 de 11-11-2015, através de coletas de dados:

A PNH preconiza o acolhimento como um direito de todos e não apenas para alguns
que conseguem ser absorvidos pelo número de vagas oferecidas para o atendimento
psicológico. Nesse sentido, em algumas unidades do campo da pesquisa, nem sempre
a oferta de vagas e a demanda existente estão alinhadas, por vários motivos que levam
o usuário a aguardar numa fila de espera ou ele é encaminhado para outras unidades
de saúde que compõem a rede de apoio. Pelos relatos, verificou-se falhas na dinâmica
de encaminhamento. Muitas vezes, em alguns desses serviços do campo da pesquisa,
essa resposta vem através do próprio usuário, caso retorne para nova tentativa de
atendimento, conforme relatos. (CERQUEIRA, 2017)

4. Considerações finais

Diante do exposto, infere-se que o transtorno de personalidade narcisista não prejudica somente
o portador, mas também aqueles que estão a sua volta, em especial os filhos, que passam a ser
vítimas de comportamentos abusivos e manipuladores, sendo colocadas em lugar de culpa e
tendo vários direitos violados, sendo sua casa um ambiente disfuncional e prejudicial ao seu
desenvolvimento.

Foi analisado o princípio de proteção integral da criança, e que, juntamente com a família e a
sociedade, o Estado tem o dever de assegurar às crianças seus direitos fundamentais. Para tanto,
em casos de abuso do poder familiar, é necessário que haja uma intervenção estatal.

Nesse sentido, foi observado que o conselho tutelar tem importante papel nessa proteção, visto
que esses casos chegam a conhecimento do estado através denúncias a este órgão, uma vez que
dificilmente pais narcisistas identificariam o problema e procurariam ajuda por si só, ao passo
de que as crianças ainda estão em formação e não tem o desenvolvimento psicológico completo,
acreditando veemente que o problema é ela e por isso, não buscam ajuda. Através de análise de
relatos de membros pagina do facebook: “Mãe narcisista – seu prazer é meu sofrimento”, que
conta mais de 22 mil membros, constata-se que os filhos de pais narcisistas só se dão conta
quando já são adultos. Por isso a importância da denúncia feita por terceiros desta condição.

Foi observado que há uma carência nos Conselhos Tutelares, como falta de sede própria,
ausência de estrutura básica para os atendimentos e até um déficit na quantidade mínima de
unidades por região.

Associado a isso, há também falta de vagas para consultas e tratamentos psicológicos fornecidos
pelo estado através do SUS, dificultando o acesso a saúde mental dos genitores narcisistas e das
crianças, vítimas não só da condição de seus pais, mas também da falta de amparo psicológico.

Considerando-se os pontos levantados por essa pesquisa, conclui-se que ainda há muito a se
fazer no sentido de adequar os órgãos responsáveis por acolher as crianças nessas condições e
os pais que possuem o transtorno, para tenham um atendimento digno, visando a proteção de
seus direitos e a relação saudável no núcleo familiar.
5. Referências bibliográficas

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