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SAYAT-NOVA (1712-1795)
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Em persa, saiat quer dizer ‘caçador’, e nova quer dizer ‘melodia’; daí ser Sayat-Nova ‘o caçador de
melodias’.
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As canções que foram conservadas incluem: 72 compostas em armênio, 32 em georgiano, 117 em
azerbaijano, 7 poemas não terminados, e 5 que misturam línguas.
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No começo do século XII, muitos armênios, fugindo dos seldjúcidas e mongóis, deixaram a Armênia e
se estabeleceram na Geórgia. Com o tempo, eles se tornaram participantes ativos da vida cultural, política
e econômica deste país. Apesar de o regime político da Geórgia ser feudal, os mercadores e artesãos
armênios gozavam de considerável liberdade.
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Na história da Geórgia, o período de 1469 a 1801 foi marcado por várias guerras, principalmente contra
os turcos otomanos e os persas safávidas, que estavam ansiosos para dominar o país. A Geórgia foi
dividida em três reinos, e além disso, havia cinco principados feudais semi-independentes. Em 1744,
Teymuraz II (1744-62) se tornou o rei de Kartli, e seu filho Erakle II se tornou o rei de Gakhetia. A
coroação do pai e do filho culminou numa longa aliança política com Nadir Shah da Pérsia (i.e. Nadir
Quli (1688-1747), que se tornou o xá da Pérsia em 1736).
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Esta passagem não dever ser interpretada de forma literal. Ao invés disto, o poeta quer dizer que viajou
extensivamente.
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A palavra armênia lal tem o sentido de ‘chorar’ e de ‘rubi’. O poeta se refere aos seus versos tristes, que
são, não obstante, preciosos como rubis.
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talento fora de comum, como poeta e músico. Ele compôs músicas e escreveu poemas
em armênio, azerbaijano, georgiano e persa. As línguas azerbaijana e turca, seus
costumes e canções eram apreciadas não só pela população georgiana, mas também pela
grande comunidade armênia que lá vivia. Esta é a razão pela qual Sayat-Nova escreveu
primeiro em azerbaijano e georgiano, e só muito tempo depois em armênio, quando ele
tinha aproximadamente 30 anos e já tinha estabelecido sua reputação.
Seu poema mais antigo data de 1742 e começa com o verso “Pérola preciosa e
coral do mar”. Uma conversa entre Yohan Khelashvili (um monge georgiano) e
Sayat-Nova, no monastério de Haghbath7, nos informa que por volta de 1746,
Sayat-Nova foi nomeado ashugh da corte pelo rei Erakle II, em apreciação de suas
performances de músicas georgianas, em estilo persa. Ele foi, de fato, o primeiro a
compor e cantar músicas georgianas moldadas a partir de formas e melodias persas. Seu
último trabalho, “O mundo é uma janela”, é datado de 1759.
Sua primeira canção armênia (khagh), “Shat sirum is” (‘Tu és muito querido/a’)
foi composta em 1747. A inscrição nesta canção diz: “Agora eu quero escrever também
em armênio: perante Deus, eu, Arutin, filho de mahtesi Karapet, tenho estudado todo
tipo de khagh por 30 anos, com a ajuda de São João Batista8. Eu aprendi o kamantchá, o
chongur (instrumento de corda) e o (t)ambur”. Uma outra canção armênia antiga é
“Blbuli hit” (Com o rouxinol9).
Assim como a data exata de sua chegada na corte, o seu tempo de permanência
nela é desconhecido. Por outro lado, sabemos que Sayat-Nova foi expulso do palácio
por volta do ano de 1752 e foi readmitido em 1754. Suas canções armênias “Dun em
glkhen imastun is” (‘Tu és o mais sábio’), “His kanchum im lalanin” (‘Estou chamando
meu amor’10), “Dastamazet sim u sharbab” (‘Teu cabelo como cordas sedosas11’),
“Ashkharumes akh chim kashi” (‘Eu nunca preciso suspirar’), e “Indz siretsir” (‘Tu me
amaste’), os quais foram escritos entre estes anos, retratam as emoções deste período de
sua vida. “Dun em glkhen imastun is” e “His kanchum im lalanin”, ambas de 1753, são
súplicas, a primeira dirigida ao rei, e a segunda à irmã do rei, Anna Batonashvili. Neste
último poema, o nome dela é cifrado vinte vezes, o que constitui um testemunho do
amor que Sayat-Nova sentia por ela. Em “Dastamazet sim u sharbab”, datado de março
de 1754, o poeta nos diz que fazia dois anos que ele não via seu amor. “Ashkharumes
akh chim kashi” e “Indz siretsir”12, datados de abril de 1754, são diálogos alegres entre
o poeta e sua bem-amada, onde ela o convida para “visitá-los uma vez por semana”,
talvez para se apresentar nos festivais regulares da corte.
Até recentemente, acreditava-se que Sayat-Nova tinha sido expulso do palácio
pela segunda e última vez, entre os anos de 1759 e 1760. Esta crença era baseada no
fato de seu Davtar (Livro de cópias) ir até o ano de 1759. A motivação das duas
expulsões seriam intrigas políticas, e não conseqüência direta de seu amor pela irmã do
rei. Mas esta atração foi provavelmente utilizada pela nobreza para maldizer o poeta aos
olhos do rei. Enquanto membros da corte conspiravam contra Sayat-Nova, ele apelou a
Erakle e rogou a ele que não acreditasse nas calúnias que circulavam nos corredores do
palácio. Sua canção “Dun em glkhen imastun is” (‘Tu és o mais sábio’) constitui um
destes apelos ao rei.
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Conversa registrada pelo neto de Erakle II, Yohan Bagration, no seu livro Galmasopa (1813-28).
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O monastério de São João Batista (Santo Karapet) em Taron (Mush) era um lugar de peregrinação para
os trovadores armênios.
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Conferir o poema “Inigualável”.
10
Este poema inclui uma mensagem oculta para seu amor.
11
O poeta se refere aí as cordas do instrumento musical.
12
Estes poemas são denominados gazel, isto é, poema lírico composto de 5 a 15 dísticos (ou parelhas, i.e.
grupo de dois versos), no qual a parelha é rimada, e a segunda linha sempre rima com a primeira parelha.
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“Ashkharumes akh chim kashi” (‘Eu nunca preciso suspirar’).
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Para uma análise recente da arte e biografia de Sayat-Nova, consultar Charles Dowsett, Sayat-Nova, An
Eighteen-Century Troubadour: A Biographical and Literary Study (Louvain, 1977).
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“Taman askhar ptut eka” (‘Eu viajei pelo mundo todo’).
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“Ari hamov ghulurg ara” (‘Venha, seja um bom servo’); canção armênia 37 (Hasratian, 1963; in:
Hacikyan, 2002). .
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Hasratian (1963), in: Hacikyan (2002).
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Uma forma poética oriental em que todas as linhas da primeira estrofe rimam entre si e as últimas
linhas das estrofes subseqüentes rimam com a primeira estrofe. Geralmente, cada estrofe de um
mukhammaz tem cinco linhas.
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charmoso e talentoso como cantor e compositor, quanto era como poeta. O renovado
interesse por suas melodias, as quais foram transmitidas oralmente, foi motivado por
uma competição singular de gusan-ashugh, organizada pela comunidade armênia de
Tiflis em 1912. Nesta ocasião, os ashughs armênios de Tiflis, liderados por Ashugh
Hazir, executaram as antigas canções dos ministreis, todas transmitidas oralmente para a
geração deles. Nos anos seguintes, várias melodias de Sayat-Nova foram recuperadas e
foram apresentadas em concerto público. Estes eventos excitaram as memórias de
muitos residentes antigos de Tiflis, que apresentaram as suas próprias versões das
canções de Sayat-Nova24. Na década de 1920’, dois músicos da comunidade armênia de
Tiflis, Mushegh Aghayan e Shara Talian, que estavam envolvidos nesse reapresentação
de 1912, juntaram esforços para editar uma coleção das melodias de Sayat-Nova.
Depois de muitos anos de pesquisa e performance, eles finalmente publicaram vinte e
duas melodias, em 1946. Esta foi seguida por uma outra publicação, em 1963,
totalizando vinte e sete. Enquanto isto, Talian, que provinha de uma família de
ministreis, tornou-se o intérprete mais importante das canções de Sayat-Nova.
O fato de estas melodias não terem sido submetidas à notação musical, até pelo
menos 150 anos depois de sua composição, levantou dúvidas sobre sua autenticidade. A
opinião predominante entre os primeiros estudiosos era a de que as melodias tinham
sido emprestadas da tradição do trovador persa. A autenticidade das melodias coletadas
foi defendida somente em três artigos publicados, entre os quais, o de Nikoghos
Tahmizian foi o estudo mais completo e extensivo. Através da análise de certos
contornos melódicos, fórmulas de cadência e padrões rítmicos, Tahmizian estabeleceu
que as canções são intrinsecamente armênias em estilo e caráter, comparando-as com as
melodias sagradas e seculares recolhidas por Komitas (1869-1935), no final do século
XIX e no começo do XX. Ele concluiu que as canções – mesmo que enriquecidas com
elementos das músicas georgiana, persa e turca – foram provavelmente todas compostas
pela mesma pessoa, uma vez que compartilham algumas características estilísticas; de
fato, ele afirma, a fonte básica de melodias é a música tradicional monódica armênia25.
Sem nenhuma dúvida, e apesar de algumas irregularidades de codificação, todas as
melodias atribuídas a Sayat-Nova têm semelhanças de padrões melódicos e rítmicos tão
fundamentais, que garantem a conclusão de que foram criação de um só compositor.
Mesmo após dois séculos da morte de Sayat-Nova, melodias atribuídas a ele
continuam a surgir, de tempos em tempos. Nove melodias foram, por exemplo, gravadas
pelo departamento de música popular do Conservatório de Komitas em Yerevan,
cantadas por Durgarian, proveniente de Giumri, Armênia. Durgarian aprendeu estas
melodias de um prisioneiro persa na Sibéria. Uma outra melodia não-publicada de
Sayat-Nova foi gravada por Hasmik Injejikian de Montreal. Em contraste com isto,
nenhuma das canções azerbaijanas ou georgianas de Sayat-Nova foi recuperada26.
Até o século XX, as melodias de Sayat-Nova eram executadas exatamente como
estavam transcritas. Desvios das partituras eram tão raros, que a improvisação, tão
essencial na tradição do menestrel, estava completamente ausente. Uma mudança de
atitude, em direção à improvisação, pode ser observada nas gravações recentes e
performances ao vivo. É de se esperar que, sem distorcer a essência e as convenções
24
A. Khachatrian (1963), “Inchpes veratznvetsin Sayat-Novayi yergere” (Como as canções de
Sayat-Nova foram recuperadas), Sovietakan Hayastan (Armênia Soviética), in: Hacikyan, 2002. Depois
da Primeira Guerra Mundial, cessaram estas performances públicas.
25
Tahmizian (1963), in: Hacikyan (2002).
26
Grishashvili (1918, in Hacikyan, 2002) diz que, ainda que as canções de Sayat-Nova tenham sido
oralmente preservadas pelos georgianos até o final do século XIX, nem as canções nem as melodias
foram documentadas (algumas canções foram, não obstante, coletadas e publicadas por Ashugh Skandar
Nova, em 1870).
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Ele não é uma figura nova, uma moda que com o tempo vai tornar-se
desinteressante e mudar. Aqueles que o ouviram uma vez vão gostar dele ainda mais na
segunda vez, e uma vez que ele tenha sido compreendido e apreciado, ele nunca será
esquecido: ele é uma alma ardente, abrasadora, que assume belas formas, um bom e
grande coração, um espírito poderoso e reverenciado, que como o espírito precioso de
nossa terra, sempre cantará entre os povos do Cáucaso – armênios, georgianos,
azerbaijanos – já que ele cantava, com igual poder, em armênio, georgiano, e
azerbaijano27.
27
Hovhannes Tumanian (1945, in: Hacikyan, 2002).
8
(Sayat-Nova, In: HACIKYAN, A.J. (coord. 2002). The Heritage of Armenian Literature. Volume II: From
the Sixth to the Eighteen Century. Detroit, Wayne State University Press, p.869-880. Tradução livre de
Deize C. Pereira.)