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Sancho Sanches

Amiga,bem sei do meu amigo


Cantiga de Amigo
Refrão
Cobras singulares

Nota geral:
Estas noites longas, intermináveis (desmedidas, descomunais) e em que não consegue dormir, por que não as fez Deus, pergunta a donzela, no tempo em que o seu
amigo estava com ela?
A cantiga fará parte, com duas outras composições semelhantes, de um pequeno mas original ciclo sobre este mesmo tema.

João Lopes de Ulhoa

Ai Deus, u é meu amigo,


que nom m'envia mandado?

Cantiga de Amigo
Refrão
Cobras singulares
Finda

Nota geral:
A donzela inquieta-se: onde estará o seu amigo? É que ele jurou-lhe que voltaria o mais cedo que pudesse, salvo se estivesse muito ferido ou a morrer. E marcou-lhe
mesmo o dia e a hora, prazos que já passaram, dizendo-lhe também que, se ela soubesse que ele não cumpria o prometido por outros motivos, tinha o direito de deixar
de gostar dele.
As cantigas de amigo seguintes do trovador retomam o tema, pelo que é possível que formassem, em conjunto, um único ciclo

Juião bolseiro

Aquestas noites tam longas que Deus fez


em grave dia
Cantiga de Amigo
Refrão por mim, por que as nom dórmio, e por
Cobras singulares que as nom fazia

Nota geral:
Estas noites longas, intermináveis (desmedidas, descomunais) e em que não consegue dormir, por que não as fez Deus, pergunta a donzela, no tempo em que o seu
amigo estava com ela?
A cantiga fará parte, com duas outras composições semelhantes, de um pequeno mas original ciclo sobre este mesmo tema.

Pero da Ponte

Foi-s'o meu amigo daqui


na hoste, por el-rei servir,
Cantiga de Amigo
Refrão
Cobras singulares

Nota geral:
Desde que o seu amigo partiu no exército real, a moça, segundo nos diz, nunca mais conseguiu dormir. Só uma coisa a consola: supor que é o rei que o retém a seu lado
e impede de regressar

D.DINIS
Amiga, muit'há gram sazom
que se foi daqui com el-rei
Cantiga
de Amigo
Refrão
Cobras
singulares

Nota geral:
A donzela confidencia a uma amiga que o seu amigo, pois partiu com o rei há tanto tempo e nunca mais voltou para a ver e lhe falar (quando o seu desejo era regressar
depressa), certamente terá morrido por lá de tristeza.

Bernal de nonaval

A dona que eu am'e tenho por senhor


amostrade-mi-a, Deus, se vos en prazer for,
senom dade-mi a morte.

Cantiga de Amor
Refrão
Cobras singulares

Nota geral:
Dirigindo-se a Deus, o trovador pede-lhe que lhe permita ver a sua senhora ou então que lhe
dê a morte. Na última estrofe, o pedido inclui a possibilidade de esse encontro ser num lugar
onde lhe possa falar.

Pero Gonçalves de Portocarreiro

Par Deus, coitada vivo


pois nom vem meu amigo

Cantiga de Amigo
Mestria
Cobras singulares (rima b uníssona)

Nota geral:
Infeliz porque o seu amigo não vem, não sabendo se ele está vivo ou morto ou se
simplesmente o rei o retém em Castela, a donzela não sabe o que fazer. Na sua tristeza, crê
que será inútil arranjar-se bem, pelo que não irá usar os belos presentes que ele lhe deu: uma
fita de seda para o cabelo, uma touca de bom tecido navarro, um cinto com fivelas e um
espelho, no qual, embora sabendo-se bonita, não se olhará.
Mas esta delicada cantiga de amigo, para além da originalidade que é a donzela se dirigir aos
próprios objetos, funciona também a um nível simbólico: nomeadamente em relação aos
cabelos, deve notar-se que, na época, só as donzelas os usavam soltos, sendo, pois, o ato
de os ligar (aqui com a fita de seda) e o uso de toucas, características próprias das mulheres
casadas (o que ela, eventualmente nunca será, sendo esse também o seu receio,
subentendido, mas nunca expresso).

Pero Viviães

Pois nossas madres vam a Sam Simom


de Val de Prados candeas queimar,
Cantiga de Amigo
Refrão
Cobras singulares

Nota geral:
Desde logo original por apresentar, não uma voz feminina individual, mas um coro de meninas, esta célebre cantiga de Pero Viviães explicita aquilo que as restantes
cantigas ditas "de santuário" deixam perceber: a mistura do sagrado e do profano que caracteriza esses espaços de culto popular, lugares privilegiados de encontro das
moças e seus amigos, tal como é referido em todas essas cantigas.
Aqui, o caráter religioso da romaria a S. Simão de Vale de Prados é deixado às mães, que, como é dito, se podem dedicar a acender velas (por si próprias e pelas filhas),
já que as meninas têm em conta apenas o lado profano da festa: bailar, formosas e sem manto, perante os seus amigos, que lá irão, sem falha, para as ver. A esta alegre
e irónica fala das meninas, Pero Viviães acrescenta ainda pormenores de notável visualidade, como acontece, por exemplo, nas últimas estrofes, onde quase conseguimos
visualizar o grupo dos jovens rapazes a cousecer ou a observar as moças dançando em cós (sem manto), avaliando da sua beleza.

João Zorro

Per ribeira do rio


vi remar o navio
Cantiga de Amigo
Refrão e Paralelística
Cobras alternadas

Nota geral:
Integrada no ciclo de cantigas que tem como cenário Lisboa, a voz feminina canta agora a ribeira (margem) do rio, seguramente o Tejo, onde vê o navio a remos que leva
o seu amigo. O prazer que ela sente com a contemplação da cena (e sabor hei), parecendo, à primeira vista, estar em desacordo com esta partida, explica-se textualmente
nos dois últimos dísticos, quando ela diz que o seu amigo a quer levar consigo. Mas o refrão é suficientemente genérico para podermos igualmente entender que é a
própria beleza do estuário do Tejo que esta voz feminina (e, através dela, João Zorro) exalta também aqui.

Martim Coda

Mia irmana fremosa, treides comigo


a la igreja de Vigo u é o mar salido
e miraremos las ondas
Cantiga de Amigo
Refrão e Paralelística
Cobras alternadas

Nota geral:
A donzela incita a sua irmã formosa a irem ao santuário de Vigo, onde o mar é bravo, para olharem as ondas. Na verdade, como compreendemos nas duas últimas estrofes, essa
ida é um pretexto para estar com o seu amigo, que também lá irá (como confessa, dirigindo-se agora à mãe). Note-se, de resto, como o refrão, mantendo-se inalterado, ganha,
nestas estrofes finais, um outro (ambíguo) sentido.
Juião Bolseiro

Fui hoj'eu, madre, veer meu amigo,


que envio[u] muito rogar por en,

Cantiga de Amigo
Refrão
Cobras singulares

Nota geral:
Tendo ido falar com o seu amigo, tal como ele lhe tinha pedido, a donzela relata à mãe a alegria que manifestamente ele sentiu ao vê-la. Pois, na verdade, ansioso e
duvidando que ela viesse, até o encontrou a chorar. Mas quando a viu chegar, ficou de tal maneira contente que nunca ela tinha visto ninguém assim. Uma alegria que se
exprimiu em doces palavras que a donzela faz questão em repetir.

Pero da Ponte

Foi-s'o meu amigo daqui


na hoste, por el-rei servir,

Cantiga de Amigo
Refrão
Cobras singulares

Nota geral:
Desde que o seu amigo partiu no exército real, a moça, segundo nos diz, nunca mais conseguiu dormir. Só uma coisa a consola: supor que é o rei que o retém a seu lado
e impede de regressar.

Airas Nunes
Bailemos nós já todas três, ai amigas,
sô aquestas avelaneiras frolidas,

Cantiga de Amigo
Refrão e Paralelística
Cobras singulares

Nota geral:
Esta é a "bailia das avelaneiras", uma das mais célebres cantigas de amigo que os Cancioneiros nos transmitiram. Neste breve comentário chamamos a atenção para o
facto de as avelaneiras serem árvores associadas, em muitas culturas antigas, a ritos nupciais (ou seja, com um valor simbólico semelhante ao das flores de laranjeira
atuais). Chamamos igualmente a atenção do leitor para a (maliciosa) expressão mentr´al nom fazemos (v. 13).
Nos Cancioneiros encontramos uma outra versão desta cantiga (mas sem a terceira estrofe), da autoria de João Zorro, Bailemos agora, por Deus, ai velidas. Podendo
qualquer dos autores ter retomado a cantiga do outro, parece mais provável que tenha sido Airas Nunes a retomar uma anterior composição de Zorro, até pelo evidente
gosto que o trovador mostra por este processo, visível em diversas outras cantigas suas. Mas também é possível, como sugeriu Rodrigues Lapa 1, que ambos tivessem
partido de uma composição tradicional.

Airas Nunes

Oí hoj'eu ũa pastor cantar


u cavalgava per ũa ribeira,

Pastorela
Refrão
Cobras singulares

Como em várias outras das suas composições, também nesta pastorela Airas Nunes retoma, no final de cada estrofe, refrães de quatro cantigas de amigo de outros
autores. Indicamos, em nota, aquelas que tem sido possível identificar.
De qualquer forma, este facto confundiu certamente o copista de B, que colocou iniciais de princípio de cantiga no segundo refrão e no terceiro, e igualmente Colocci, que
lhes atribuiu numeração independente.
D. Dinis

O voss'amig', amiga, vi andar


tam coitado que nunca lhi vi par,

Cantiga de Amigo
Refrão
Cobras singulare

Nota geral:
Uma amiga descreve à donzela o estado desesperado em que encontrou o seu amigo, quase morto de amor, e intercede por ele, transmitindo-lhe ainda o pedido que ele
lhe fez: que ela pedisse à donzela para ter piedade dele.

D. Dinis

Quisera vosco falar de grado,


ai meu amig'e meu namorado,

Cantiga de Amigo
Refrão
Cobras singulares

Nota geral:
Numa interessante e original cantiga, a donzela diz ao seu amigo que não ousa falar com ele, nem contar-lhe o seu profundo mas secreto sofrimento, porque tem muito
medo daquele a quem chama, sucessivamente, o irado, o mal bravo (o selvagem, numa tradução aproximada), o sanhudo e, finalmente, aquele "com quem vive" - ou seja,
o seu marido. E amaldiçoa, ao mesmo tempo (no último verso do refrão), "quem me lhi foi dar", por certo o seu pai ou a sua família.
Sendo esta, pois, uma cantiga de amigo, ela não deixa de constituir igualmente uma denuncia da situação social das mulheres (ou de algumas mulheres) na Idade Média,
sujeitas a casamentos forçados e a maridos violentos
Paio
Soares de
Taveirós

No mundo nom me sei parelh'


mentre me for como me vai

Género incerto
Mestria
Cobras uníssonas

Nota geral:
Datando da fase inicial da poesia galego-portuguesa, esta é certamente também uma das mais célebres e polémicas cantigas trovadorescas. Os problemas que levanta,
nomeadamente os que dizem respeito ao seu sentido exato e, portanto, à sua classificação num género, continuam, de facto, a suscitar discussão e estão longe de uma
solução consensual. De qualquer forma, a opinião que tem vindo gradualmente a impor-se entre os especialistas é a de que a chamada "cantiga da garvaia", se não é
claramente satírica, muito menos será uma cantiga de amor canónica: o tom humorístico, os detalhes concretos, a identificação da dama (pela sua linhagem) são elementos
que claramente a distinguem de uma cantiga de amor tradicional, aproximando-a do universo da sátira.

Nuno Fernandes Torneol

Levad', amigo, que dormides as


manhanas frias
tôdalas aves do mundo d'amor dizia[m]:
leda m'and'eu.

Cantiga de Amigo
Refrão e Paralelística
Cobras alternadas

Esta magnífica alba de Nuno Fernandes Torneol é certamente uma das mais conhecidas e antologiadas cantigas de amigo de toda a lírica galego-portuguesa, e com
inteira justiça. Como acontece com todas as cantigas que jogam com a dimensão simbólica, nomeadamente dos elementos naturais a que fazem apelo (no caso, aves,
ramos, fontes), esta é uma composição de sentido aberto, suscetível de diversas interpretações (que não deixaram de ser feitas, ao longo da sua história crítica).
Em sentido estrito, o seu resumo não é difícil: a moça acorda de manhã o seu amigo, que dorme ainda (pede-lhe para se levantar), enquanto recorda como todas as aves
do mundo cantavam de amor, sentindo-se ela imensamente alegre. Era o amor entre os dois o que as aves comentavam no seu canto. Mas o amigo cortou os ramos em
que elas pousavam e secou as fontes onde bebiam.
Se a cantiga nada mais nos diz, duas linhas de leitura parecem, desde logo, evidentes: a primeira, a identificação que se pode estabelecer entre as aves que cantam e a
moça (que canta), e que é potenciada pela ambiguidade do sujeito do refrão (as aves cantavam a alegria da moça, ou a alegria da moça é um eco do canto de amor das
aves); a segunda linha de leitura também parece evidente: em algum momento o amigo perturbou o curso natural do amor, ou seja, a moça alude, nas quatro estrofes
finais (como quatro são as estrofes iniciais), a uma ruptura amorosa.
Um primeiro elemento menos evidente é o facto de o refrão, cujo tempo é o presente do indicativo, se manter (como lhe compete) inalterado ao longo de toda a cantiga.
Esta reafirmação de uma alegria presente, mesmo nas estrofes finais, disfóricas, da cantiga, tem sido interpretada duas formas distintas: 1) o presente da moça é o de um
alegre despertar, depois de uma noite de amor que se sucedeu a uma ruptura, já ultrapassada (recordando esse tempo melancólico, a moça volta agora a estar alegre);
2) o presente da moça é o tempo da ruptura definitiva, após uma noite que apenas a confirmou - neste caso, o presente do refrão nas estrofes finais da cantiga sublinharia,
dramaticamente, um tempo feliz recordado na primeira parte e que não voltará mais (como alguém que insensatamente quer continuar a acreditar naquilo que sente
terminado).
De resto, e sem com isto tomarmos partido por qualquer uma das duas interpretações (tarefa que deixamos ao leitor), dois aspetos, de certa forma, complementares,
merecem ainda ser sublinhados. Um deles é a referência às "manhãs frias" (o presente explícito da moça e do amigo), referência pouco habitual neste tipo de cantigas de
amigo, onde o cenário é geralmente mais idílico e primaveril. De resto, estas "manhãs frias", juntamente com o fim do canto das aves, as árvores despidas de ramos e as
fontes secas, desenham-nos um cenário de final do verão ou de inícios de outono, simbolicamente muito paralelo ao tempo melancólico de uma ruptura (passada ou
presente).
Seja qual for, enfim, a interpretação que dermos à cantiga, a arte de Nuno Fernandes Torneol é plenamente confirmada por esta notável capacidade de aliar o mais
elementar ao mais complexo, ou de condensar, através das formas mais simples e tradicionais, níveis sucessivos de leitura.

Pero Garcia Burgalês


Roi Queimado morreu com amor
em seus cantares, par Santa Maria,

Cantiga de Escárnio e maldizer


Mestria
Cobras uníssonas
Finda

Nota geral:
Dirigida ao trovador Rui Queimado, esta composição é uma das mais célebres paródias ao cliché da morte de amor, tão repetidamente jurada nas cantigas de amor de
todos os trovadores galego-portugueses (Pero Garcia Burgalês não sendo, aliás, exceção). A sátira que aqui desenvolve talvez tivesse sido propiciada por uma particular
cantiga de Rui Queimado, na qual este trovador, por amor da sua senhor, lhe diz que se arrepende da sua anterior decisão de querer morrer, cantiga esta que tem, aliás,
também ela, um tom semi-jocoso. Note-se, entretanto, que esta paródia de Pero Garcia Burgalês visa, ao mesmo tempo, e mais especificamente, os dotes poéticos de
Rui Queimado, cujo problema, para Pero Garcia, seria querer "meter-se" a fazer aquilo que não sabe.
7. Terminologia da poética trovadoresca

De forma a facilitar a utilização desta BD pelos não especialistas, em seguida se apresentam as definições muito sumárias dos principais termos da terminologia poética
trovadoresca nela usados, nomeadamente no campo “Descrição”, inserido na coluna da direita da página de todas as cantigas.

Cantiga de amor – cantiga em voz masculina, na definição mínima, que é a da Arte de Trovar.

Cantiga de amigo – cantiga em voz feminina, na definição mínima, que é a da Arte de Trovar.

Cantiga de amor dialogada – cantiga em forma de diálogo entre a voz masculina e feminina, mas iniciado pela voz masculina.
Cantiga de amigo dialogada – cantiga em forma de diálogo entre a voz feminina e masculina, mas iniciado pela voz feminina, ou em forma de diálogo entre duas vozes
femininas.

Cantiga de escárnio e maldizer – cantiga de “dizer mal” ou satírica. A Arte de Trovar distingue duas modalidades: o “dizer mal” de forma coberta ou equívoca (escárnio) e o
“dizer mal” de forma aberta e ostensiva (maldizer). Uma vez que a distinção, no que respeita aos textos concretos, nem sempre é simples, e uma vez também que os próprios
trovadores utilizam várias vezes a expressão genérica “escárnio e maldizer”, é esta a designação que utilizamos nesta BD.

Cantiga de loor – cantiga de louvor a alguém.

Cantiga de seguir – cantiga que “segue” (toma como base) uma cantiga anterior. A Arte de Trovar distingue três modalidades de seguir: 1) mantendo apenas a música da
cantiga primitiva, à qual se adaptam novos versos; 2) mantendo a música e também as rimas da cantiga primitiva; 3) mantendo a música, algumas das rimas e ainda alguns
versos ou mesmo o refrão da cantiga primitiva, mas dando a estes versos ou ao refrão, pelo novo enquadramento, um outro sentido.

Escárnio de amigo – cantiga satírica em voz feminina.


Espúria – cantiga ou poema datando de época posterior à Lírica Galego-Portuguesa, da qual já não faz parte, mas que foi inserida, no período compreendido entre finais do
século XIV e inícios do século XVI, em espaços deixados em branco nos manuscritos medievais. Tendo sido esses manuscritos copiados em Itália nas primeiras décadas do
século XVI, essas cantigas foram igualmente copiadas (motivo pelo qual a letra com que surgem nos apógrafos italianos é a mesma das cantigas medievais que a rodeiam).

Gesta de maldizer – cantiga de maldizer em forma de gesta, ou seja, parodiando o género épico medieval (a narração dos feitos de um herói).

Lai – na Lírica Galego-Portuguesa, composição de matéria de Bretanha, de autor desconhecido, mas atribuída a uma ou várias personagens lendárias dos romances do ciclo
bretão-arturiano.

Pastorela – cantiga lírico-narrativa, geralmente dialogada, que descreve um encontro entre um cavaleiro-trovador e uma pastora, num quadro campestre.

Pranto – cantiga elegíaca por ocasião da morte de alguém, que se homenageia.

Pranto de escárnio – cantiga satírica em forma de paródia ao pranto.

Sirventês moral – cantiga crítica de tema moral e genérico.

Tenção – cantiga em que intervêm dois trovadores, que discutem, em estrofes alternadas, um tema ou uma questão entre si. O primeiro a intervir é considerado, nos manuscritos,
o autor da cantiga. O seu interlocutor tem de manter, na sua resposta, o esquema formal proposto na 1ª estrofe (métrico, rimático, etc.); a cada interveniente cabe o mesmo
número de estrofes (ou ainda de findas, se a composição as tiver).

Cantiga de refrão – cantiga com estribilho.

Cantiga de refrão paralelística – cantiga cujo princípio estruturante é a repetição de versos numa sequência determinada (com refrão invariável). No paralelismo perfeito,
com leixa-pren (deixa-toma), as estrofes são constituídas por dísticos que se repetem uma vez com variações mínimas, sendo o último verso de cada par de estrofes retomado
no par de estrofes seguinte (num esquema de versos cuja versão mais simples se poderá descrever da seguinte forma: a, b, a’, b’, b, c, b’, c’, c, d, c’, d’, etc.).
Cantiga de mestria – cantiga sem refrão.

Descordo – cantiga cujas estrofes não obedecem à norma da isometria.

Cobras – estrofes ou coplas.

Finda – remate de uma cantiga, constituído por um, dois ou três versos finais (em casos raros, quatro). As cantigas podem ainda ter duas ou mais findas.

Cobras singulares – estrofes com séries de rimas diferentes (embora com o mesmo esquema rimático).
Cobras uníssonas – estrofes com uma única série de rimas, que se repetem em todas as estrofes (ou seja, além do esquema rimático, as terminações vocálicas dos versos
são as mesmas em todas as estrofes).
Cobras doblas – estrofes com séries de rimas que se repetem a cada duas estrofes.

Ateúda – cantiga que não sofre interrupção sintática entre as estrofes, e onde o sentido se liga do primeiro ao último verso.
Ateúda atá finda – cantiga ateúda até à finda (ou seja, onde o processo de ligação estrófica se estende à finda).

Dobre – processo pelo qual se repetem palavras na mesma estrofe, em pontos que são fixos em todas as estrofes (ou seja, exemplificando: se na 1ª estrofe se repete a mesma
palavra em dois pontos, nas estrofes seguintes deverá repetir-se uma outra palavra na mesma posição).
Mozdobre – processo semelhante ao dobre, mas com variação na flexão da palavra (exemplo: amar/amei).

Palavra perduda – verso de uma estrofe que não rima com nenhum outro (mas podendo ou não rimar com os versos correspondentes das estrofes seguintes).

Palavra-rima: palavra repetida em rima no mesmo verso de todas as estrofes.


MALDISER E ESCARNIO

João Garcia de Guilhade

Ai dona fea, fostes-vos queixar


que vos nunca louv'en[o] meu cantar

Cantiga de Escárnio e maldizer


Refrão
Cobras singulares

Uma das mais antologiadas cantigas dos Cancioneiros medievais, paródia ao elogio cortês da senhora: já que uma dona se queixa de nunca ter sido louvada pelo trovador,
João Garcia de Guilhade dispõe-se agora a fazê-lo - mas à sua maneira.

Afonso Anes do Cotom, Pero da


Ponte

- Pero da Pont', e[m] um vosso cantar,


que vós ogano fezestes d'amor,

Tenção
Mestria
Cobras doblas

Esta tenção entre Afonso Eanes do Cotom e Pero da Ponte coloca-nos em pleno centro do universo trovadoresco, com os seus graus e hierarquias, e respetivos direitos e
deveres. Embora a diferença de estatuto social entre Cotom e Pero da Ponte não fosse talvez grande, Cotom ataca aqui o seu colega por este, tendo-se chamado a si mesmo
escudeiro numa cantiga, lhe exigir pagamento, como um simples jogral (quando seria suposto realizar a sua arte desinteressadamente). Como defesa, Pero da Ponte ataca,
ironizando sobre a alegada vocação militar de Cotom: nem todos poderiam prosperar com o ofício das armas, cada um deveria apr oveitar os respetivos talentos.
A seguir a esta tenção, em V (em B só 1ª frase) lê-se: A quantos sabem trobar/ quero eu que vejam o enfadamento das trobas feitas e pois verom que ningũa cosa nom podem
prestar. Embora em V a frase apareça disposta em forma de estrofe, tratar-se-á certamente de um comentário posterior, talvez da mesma época das trovas
apócrifas acrescentadas, aqui e ali, aos primitivos manuscritos galego-portugueses, aproveitando alguns espaços em branco. Tal como acontece com algumas destas trovas,
desconhecemos quem teria sido o autor deste curioso comentário depreciativo.

D. JOAO SOARES COELHO Joam Fernández, o mund'é torvado


e, de pram, cuidamos que quer fiir:
Cantiga de Escárnio e maldizer
Mestria
Cobras rima a uníssona, rima b
singular

Nota geral:
Segunda cantiga de João Soares dirigida ao "mouro" João Fernandes (ver primeira), o qual, pelos vistos, se preparava para partir em cruzada aos Lugares Santos (ou
estaria de regresso, já que este ponto não é claro). Como a anterior, esta composição baseia-se novamente num equívoco sobre a identidade do mouro citado (o próprio
João Fernandes "que semelhava mouro"). As referências muito concretas da cantiga, nomeadamente à luta do imperador Frederico II de Sicília contra o Papa, bem como
à invasão dos Mongóis, permitem-nos datar a composição dos anos 1241-1242. A ser assim, é possível que a cruzada referida seja a efetuada pelo rei Teobaldo I de
Navarra, entre os anos 1239-1241.

Martim Soares

Foi um dia Lopo jograr


a cas d'um infançom cantar

Cantiga de Escárnio e maldizer


Refrão
Cobras singulares
Palavra(s)-rima: na garganta (v. 4 de cada estrofe)

Nota geral:
A troça de Lopo mistura-se agora com a tradicional sátira ao infanção pelintra. É a última das quatro cantigas que o trovador dirige a Lopo.
AIRAS
NUNES Porque no mundo mengou a verdade,
punhei um dia de a ir buscar,

Sirventês moral
Mestria
Cobras singulares

Nota geral:
Sirventês moral que assume a tradicional forma do lamento sobre a decadência dos valores. Aqui são especialmente visadas as ordens e instituições religiosas, as quais,
devendo ser o último refúgio da verdade, a desconhecem totalmente.

7. Terminologia da poética trovadoresca

De forma a facilitar a utilização desta BD pelos não especialistas, em seguida se apresentam as definições muito sumárias dos principais termos da terminologia poética
trovadoresca nela usados, nomeadamente no campo “Descrição”, inserido na coluna da direita da página de todas as cantigas.

Cantiga de amor – cantiga em voz masculina, na definição mínima, que é a da Arte de Trovar.

Cantiga de amigo – cantiga em voz feminina, na definição mínima, que é a da Arte de Trovar.

Cantiga de amor dialogada – cantiga em forma de diálogo entre a voz masculina e feminina, mas iniciado pela voz masculina.
Cantiga de amigo dialogada – cantiga em forma de diálogo entre a voz feminina e masculina, mas iniciado pela voz feminina, ou em forma de diálogo entre duas vozes
femininas.

Cantiga de escárnio e maldizer – cantiga de “dizer mal” ou satírica. A Arte de Trovar distingue duas modalidades: o “dizer mal” de forma coberta ou equívoca (escárnio) e o
“dizer mal” de forma aberta e ostensiva (maldizer). Uma vez que a distinção, no que respeita aos textos concretos, nem sempre é simples, e uma vez também que os próprios
trovadores utilizam várias vezes a expressão genérica “escárnio e maldizer”, é esta a designação que utilizamos nesta BD.
Cantiga de loor – cantiga de louvor a alguém.

Cantiga de seguir – cantiga que “segue” (toma como base) uma cantiga anterior. A Arte de Trovar distingue três modalidades de seguir: 1) mantendo apenas a música da
cantiga primitiva, à qual se adaptam novos versos; 2) mantendo a música e também as rimas da cantiga primitiva; 3) mantendo a música, algumas das rimas e ainda alguns
versos ou mesmo o refrão da cantiga primitiva, mas dando a estes versos ou ao refrão, pelo novo enquadramento, um outro sentido.

Escárnio de amigo – cantiga satírica em voz feminina.

Espúria – cantiga ou poema datando de época posterior à Lírica Galego-Portuguesa, da qual já não faz parte, mas que foi inserida, no período compreendido entre finais do
século XIV e inícios do século XVI, em espaços deixados em branco nos manuscritos medievais. Tendo sido esses manuscritos copiados em Itália nas primeiras décadas do
século XVI, essas cantigas foram igualmente copiadas (motivo pelo qual a letra com que surgem nos apógrafos italianos é a mesma das cantigas medievais que a rodeiam).

Gesta de maldizer – cantiga de maldizer em forma de gesta, ou seja, parodiando o género épico medieval (a narração dos feitos de um herói).

Lai – na Lírica Galego-Portuguesa, composição de matéria de Bretanha, de autor desconhecido, mas atribuída a uma ou várias personagens lendárias dos romances do ciclo
bretão-arturiano.

Pastorela – cantiga lírico-narrativa, geralmente dialogada, que descreve um encontro entre um cavaleiro-trovador e uma pastora, num quadro campestre.

Pranto – cantiga elegíaca por ocasião da morte de alguém, que se homenageia.

Pranto de escárnio – cantiga satírica em forma de paródia ao pranto.

Sirventês moral – cantiga crítica de tema moral e genérico.


Tenção – cantiga em que intervêm dois trovadores, que discutem, em estrofes alternadas, um tema ou uma questão entre si. O primeiro a intervir é considerado, nos manuscritos,
o autor da cantiga. O seu interlocutor tem de manter, na sua resposta, o esquema formal proposto na 1ª estrofe (métrico, rimático, etc.); a cada interveniente cabe o mesmo
número de estrofes (ou ainda de findas, se a composição as tiver).

Cantiga de refrão – cantiga com estribilho.

Cantiga de refrão paralelística – cantiga cujo princípio estruturante é a repetição de versos numa sequência determinada (com refrão invariável). No paralelismo perfeito,
com leixa-pren (deixa-toma), as estrofes são constituídas por dísticos que se repetem uma vez com variações mínimas, sendo o último verso de cada par de estrofes retomado
no par de estrofes seguinte (num esquema de versos cuja versão mais simples se poderá descrever da seguinte forma: a, b, a’, b’, b, c, b’, c’, c, d, c’, d’, etc.).

Cantiga de mestria – cantiga sem refrão.

Descordo – cantiga cujas estrofes não obedecem à norma da isometria.

Cobras – estrofes ou coplas.

Finda – remate de uma cantiga, constituído por um, dois ou três versos finais (em casos raros, quatro). As cantigas podem ainda ter duas ou mais findas.

Cobras singulares – estrofes com séries de rimas diferentes (embora com o mesmo esquema rimático).
Cobras uníssonas – estrofes com uma única série de rimas, que se repetem em todas as estrofes (ou seja, além do esquema rimático, as terminações vocálicas dos versos
são as mesmas em todas as estrofes).
Cobras doblas – estrofes com séries de rimas que se repetem a cada duas estrofes.

Ateúda – cantiga que não sofre interrupção sintática entre as estrofes, e onde o sentido se liga do primeiro ao último verso.
Ateúda atá finda – cantiga ateúda até à finda (ou seja, onde o processo de ligação estrófica se estende à finda).
Dobre – processo pelo qual se repetem palavras na mesma estrofe, em pontos que são fixos em todas as estrofes (ou seja, exemplificando: se na 1ª estrofe se repete a mesma
palavra em dois pontos, nas estrofes seguintes deverá repetir-se uma outra palavra na mesma posição).
Mozdobre – processo semelhante ao dobre, mas com variação na flexão da palavra (exemplo: amar/amei).

Palavra perduda – verso de uma estrofe que não rima com nenhum outro (mas podendo ou não rimar com os versos correspondentes das estrofes seguintes).

Palavra-rima: palavra repetida em rima no mesmo verso de todas as estrofes.

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