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ANÁLISE REAL

Propriedades
algébricas dos
números reais
Fabrício Nascimento Silva

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Descrever conjuntos finitos, infinitos, enumeráveis e não enumeráveis.


>> Distinguir grandezas comensuráveis e incomensuráveis.
>> Explicar o ínfimo e o supremo de um conjunto.

Introdução
Quando podemos contar os números pertencentes a um conjunto, ou seja, eles
podem ser colocados na forma de lista, temos o chamado conjunto enumerável.
Já o conjunto não enumerável é aquele cujos números não aceitam ser colocados
em lista.
Conjuntos numéricos infinitos são os conjuntos que têm uma quantidade de
números tão grande que não se pode definir qual seu fim, ou seja, não se pode
definir qual é o último elemento desse conjunto; no entanto, esses conjuntos
infinitos podem ser colocados na forma de lista, sendo, então, chamados de
conjuntos infinitos enumeráveis.
É importante destacar desde o início que, ao aprendermos sobre os conceitos
de números enumeráveis e não enumeráveis, vamos delimitar que os racionais
seriam um exemplo do primeiro; e os reais, um exemplo do segundo.
Neste capítulo, você vai estudar sobre conjuntos, seus conceitos, suas defini-
ções e suas aplicações em áreas diversas.
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Conjuntos e operações
Pode-se definir um conjunto como qualquer agrupamento (reunião) de obje-
tos, ilustrados ou definidos pela enumeração ou por uma característica que
apresentem. Cada um desses objetos é considerado elemento do conjunto e
é bem definido, diferente dos demais, atendendo às condições do conjunto.
Por exemplo, podemos enumerar o conjunto dos estados do Brasil, o
conjunto dos móveis em uma sala de aula, ou o conjunto das consoantes do
alfabeto. Normalmente, nomeamos um conjunto com uma letra maiúscula
qualquer e seus elementos com letras minúsculas quaisquer separadas por
vírgulas e colocadas entre chaves.
Como exemplo de nomenclaturas, podemos citar o conjunto dos estados
do Brasil, como E = {Goiás, Brasília, Tocantins, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas
Gerais, ...}, lê-se: conjunto E cujos elementos são os estados do Brasil.
Dizemos que esses elementos fazem parte desse conjunto e pertencem ao
conjunto que determinam. Disso tiramos que Goiás pertence ao conjunto dos
estados do Brasil, assim como a letra B pertence ao conjunto das consoantes
do alfabeto, mas uma cama não pertence ao conjunto dos móveis de uma
sala de aula, o que escrevemos da seguinte forma:
Goiás ∈ E (lê-se: Goiás pertence ao conjunto E). Se a cama não for elemento
do conjunto C das consoantes do alfabeto, escrevemos: a cama ∉ C (lê-se: a
elemento cama não pertence ao conjunto C).
Segundo Ávila (2006), um conjunto pode ser determinado de três maneiras
distintas: por enumeração, por extensão ou por compreensão.
A enumeração é quando conhecemos e conseguimos falar todos os ele-
mentos de um determinado conjunto, por exemplo, podemos falar o conjunto
das letras vogais V = {a, e, i, o, u}.
A extensão é quando não é possível falar ou enumerar todos os elementos
de um conjunto, mas podemos falar ou enumerar alguns, ou seja, uma parte
deles, usando reticências para demostrar os outros, e falamos, ou não, o último
elemento para simbolizar o final desse conjunto. Por exemplo, o conjunto
das letras consoantes C = {b, c, d, f,..., z}.
A compreensão é quando falamos ou utilizamos uma característica que
todos os elementos desse conjunto possuem — e somente eles possuem tal
característica. Esse tipo de definição tem uma forma própria de se descrever.
Se o conjunto B dos elementos x tem uma característica C, vamos defini-lo
da seguinte forma: B = {x / x é C}, e falamos da seguinte forma: o conjunto B
é definido pelos elementos “x” tal que “x” atende à característica “C”. Assim,
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se conseguirmos escrever e caracterizar o conjunto dos números naturais,


descrevemos ele por N = {x / x é natural}.
Podemos, ainda, definir como sendo um subconjunto o conjunto que
está dentro de outro conjunto, ou seja, está contido nele. Como exemplo
dessa definição podemos falar o conjunto C = {b, c, d}, que é um subconjunto
do conjunto das consoantes, e podemos assim verificar que existem várias
maneiras de se formar outros subconjuntos a partir do conjunto original.
Ainda segundo Ávila (2006), o conjunto A é dito um subconjunto de B ou
dizemos que A é uma parcela de B, ou, ainda, que A está dentro de B, ou
seja, A está contido em B, e escrevemos A ⊂ B se a seguinte condição está
satisfeita: todo elemento de A pertence a B; podemos, ainda, enunciar que
B contém A e escrevemos B ⊃ A.
Outro conjunto que é muito importante de estudarmos e definirmos é o
conjunto vazio, denotado por ∅, que é um conjunto que não possui nenhum
elemento, ou seja, não existe x tal que x ∈ ∅.

Conjuntos naturais e inteiros


O conjunto N = {1, 2, 3, . . . } é usado para contagens e tem sua utilização e
definição sendo usadas durante várias passagens da história, pois desde os
primórdios da humanidade já se tem conhecimento do uso de números na
contagem; como exemplos, citamos os povos maias, incas, egípcios, gregos,
dentre outros. Esse conjunto é considerado algo tão natural, que N é cha-
mado de conjunto dos números naturais, e com certeza é o primeiro conjunto
numérico que aparece no decorrer da história de qualquer civilização ou em
qualquer escrito ou achado sobre os fundamentos da matemática de que se
tem conhecimento.
O conjunto Z = {. . . , −2, −1, 0, 1, 2, . . . }, conhecido popularmente como o
conjunto dos números inteiros, se forma da necessidade de lidar com números
negativos ou menores do que o valor base neutro, que seria o número zero.
Em geral dizemos que o conjunto dos inteiros nada mais é do que a imagem
ou espelho do conjunto dos números naturais no lado negativo.

Conjuntos racionais
De maneira simples e sem alardes, podemos definir os racionais como a união
entre os números inteiros e os números advindos de frações com divisões
não exatas, a qual resulta em números decimais ou em dízimas periódicas.
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Ávila (2006) define o conjunto dos racionais da seguinte forma: a partir do


momento que trabalhar com números inteiros já não basta para resolvermos
os desafios e problemas encontrados, estamos, então, diante de um novo
conjunto numérico, o conjunto dos números racionais, que compreende o
conjunto dos números inteiros e mais o conjunto formado pelos números
fracionários.
Com a criação desses números, nos parece que é sempre possível exprimir
a medida de um segmento tomando outro como unidade. Além disso, a divisão
de números inteiros m e n pode agora sempre exprimir-se simbolicamente
pelo número racional m:n.
Assim, o conjunto dos números racionais constitui uma generalização do
conjunto dos números inteiros (note que obtemos os números inteiros dos
racionais fazendo n = 1).
O conjunto dos racionais seria, assim, um conjunto em que poderíamos
contar a quantidade de seus elementos, pois seria muito parecido com a
contagem dos elementos do conjunto dos inteiros, sendo, assim, um conjunto
enumerável.
Das propriedades do sistema dos números reais, a maior característica é
a de ser completo. Intuitivamente, ela diz que o conjunto dos números reais
não tem buracos.

Cardinalidade
De maneira bem simplificada, dizemos que a cardinalidade de um conjunto
nada mais é do que o número de elementos que pertencem a esse conjunto.
Podemos usar como um exemplo de aplicação dizer que a cardinalidade do
conjunto formado pelos números naturais e menores que cinco é o valor 5,
pois o conjunto seria formado pelos números 0, 1, 2, 3 e 4, ou seja, tem cinco
elementos.
Segundo Anton, Bivens e Davis (2014), dois conjuntos A e B têm a mesma
cardinalidade, se e somente se, existir uma bijeção (uma função ƒ:A→B bi-
jetora é aquela ao mesmo tempo sobrejetora e injetora) entre A e B. Como
exemplo, dizemos que se A e B são conjuntos finitos (com um número finito
de elementos), então A e B têm a mesma cardinalidade se, e somente se, eles
tiverem o mesmo número de elementos.
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Conjuntos finitos, infinitos, enumeráveis e não


enumeráveis
Os objetos, coisas ou algarismos são os elementos do conjunto; como exemplo
de elementos que formam um conjunto temos as cores (azul, verde, amarelo,
vermelho, marrom, etc...) — que podemos mostrar e delimitar como sendo
o conjunto das cores.
Segundo Lima (2017), a notação In= {k ∈ ; k ≤ n} pode ser utilizada para
representar o conjunto finito dos números naturais menores que n. Temos
a partir daí que, dentro dos números naturais, existem n conjuntos K que
sempre têm um elemento k pertencente aos naturais; para tanto, dizemos
que esse conjunto formado por n elementos k é feito de subconjuntos do
conjunto dos naturais que são finitos. Por isso, o conjunto dos naturais seria
a união de todos esses subconjuntos, mostrando para nós que o conjunto
dos naturais é também um conjunto finito.
Um conjunto X diz-se finito quando é o conjunto vazio, ou então quando existe
n ∈ e uma bijeção f: In → X. Escreve-se
temos então Essa bijeção é dita uma contagem dos
elementos de X, e o número n chama-se o número de elementos ou cardina-
lidade do conjunto X.
Segundo Lima (2017), seja A um conjunto não vazio. Se existe n ∈ N e uma
função injetiva g: A → {1, . . . , n}, diremos que A é finito, caso contrário, A é
infinito. O menor número n que verifica essa propriedade é dito número de
elementos de A. Escrevemos #A = n. Diremos também que o conjunto vazio é
finito e que seu número de elementos é 0. O mesmo autor diz, ainda, que um
conjunto é infinito quando este não é finito. Assim, X é infinito quando não
é vazio nem existe, seja qual for n ∈ ℕ, uma bijeção f: In → X. Por exemplo, o
conjunto ℕ dos números naturais é infinito.
Para representar um conjunto, colocamos seus elementos entre chaves e
sempre o nomeamos por uma letra maiúscula; por exemplo, o conjunto X, o
conjunto Y, o conjunto F e, no caso do conjunto das cores, podemos escrever
assim: conjunto CORES = {azul, verde, vermelho, amarelo, marrom, etc...}.
É importante, ainda, salientar que em linguagem matemática os conjuntos
são utilizados de forma abundante em relação aos números e se dividem nos
conjuntos dos naturais, inteiros, racionais, irracionais, reais e complexos.
Ainda segundo Lima (2017), um conjunto X é dito enumerável quando é
finito ou quando existe uma bijeção f: ℕ → X. Nesse caso, f chama-se uma
enumeração dos elementos de X.
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Ainda segundo o mesmo autor, dizemos que um conjunto A é enumerável se


ele é vazio ou se existe uma função injetiva f : A → N. Caso contrário, dizemos
que A é não enumerável.
É importante, ainda, falarmos sobre os conjuntos não enumeráveis; para
tanto, é quase impossível dissociar seu estudo do estudo do famoso cientista
e matemático George Cantor.
Foi com os estudos de Cantor que passamos a saber da existência de
conjuntos não enumeráveis, e, mais especificamente, que tomando qualquer
conjunto X, existe sempre um conjunto cujo número cardinal é maior do que
o de X.
Podemos usar como exemplo desse tipo de conjunto o conjunto dos nú-
meros reais. Para conseguirmos diferenciar um conjunto como sendo finito,
infinito enumerável e infinito não enumerável, usamos o número de elementos
do conjunto da seguinte forma escrita a seguir.
No teorema de Cantor, um conjunto finito seria aquele cujos elementos
têm o mesmo número (cardinal) e podem ser postos em correspondência
biunívoca (LIMA, 2017). De maneira semelhante, Cantor se propôs a construir
conjuntos infinitos conforme a sua " potência" e chegou à conclusão de que
conjuntos infinitos não são todos iguais, pois há conjuntos infinitos que
poderiam ser organizados em forma de lista ou escala; e outros, não. Isso
definiria de forma breve o que seriam, então, conjuntos infinitos enumeráveis
e conjuntos infinitos não enumeráveis.
O conjunto dos reais seria, assim, um exemplo caro de um conjunto não
enumerável, já que vimos a definição de um conjunto X e dito não enumerável,
quando não é possível obter uma bijeção de ˜ X com o conjunto dos números
naturais, e aqui vimos que os reais não fazem essa bijeção.
É importante salientar que a noção de conjunto enumerável está dire-
tamente ligada ao conjunto N dos números naturais, pois traz a ideia de
contagem de seus elementos. Por isso usamos muito a ideia aqui já discutida
de cardinalidade; se quisermos saber mais a respeito de N, teremos que
tomar conhecimento da teoria dos números naturais a partir dos axiomas
de Peano, que não é o foco desse material e ficará para o estudo de um
segundo momento.
O conjunto dos números racionais é enumerável. Como visto na construção
do conjunto dos números racionais, cada número racional é representado de
maneira única como p/q, com p ∈ Z e q ∈ N na forma irredutível. Temos que o
conjunto Q+ (elementos positivos) é equipotente ao conjunto Q− (elementos
negativos), sendo que Q = Q+ ∪ {0} ∪ Q−.
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Logo, para mostrarmos que o conjunto Q é enumerável, é suficiente mos-


trar que Q+ é enumerável. Agora consideremos a seguinte função claramente
bijetora f : Q+ → N × N, dada por f(p/q) = (p, q). Temos então que Q+ é equipo-
tente a f(Q+) ⊂ N × N. Como o conjunto Q+ é um superconjunto de N, que é um
conjunto infinito, então ele é infinito e f(Q+) é um subconjunto infinito de N
× N, que é um conjunto enumerável, como provado anteriormente. Portanto,
f(Q+) é enumerável e como f(Q+) é equipotente a Q+, então Q+ é enumerável
e, consequentemente, Q também é enumerável.
O conjunto dos números reais R é não enumerável. Vamos supor, por
absurdo, que o conjunto dos números reais seja enumerável. Então, pelo
teorema que fala que todo subconjunto infinito de R é também enumerável,
mas o intervalo ]0, 1[ ⊂ R é não enumerável, temos que, portanto, o conjunto
dos números reais é não enumerável.
O conjunto dos números irracionais é não enumerável. De fato, temos que
R = Q ∪ (R − Q). Temos que Q é enumerável, como vimos anteriormente. Se
R−Q também fosse enumerável, teríamos que R também seria enumerável,
pois reunião de conjuntos enumeráveis é enumerável. Mas, pelo parágrafo
anterior, R é não enumerável. Portanto, o conjunto dos números irracionais
é não enumerável.
Os conjuntos numéricos são a base da matemática fundamentais para a
entendermos.

Grandezas comensuráveis e
incomensuráveis
Podemos diferenciar as grandezas comensuráveis e incomensuráveis usando
a linguagem coloquial de várias pessoas em seu dia a dia, como por exemplo:
O carinho que sinto por você é incomensurável.
Essa expressão quer dizer que o carinho não pode ser medido; sendo
assim, uma grandeza incomensurável seria uma grandeza que não se pode
medir e a grandeza comensurável seria aquela que pode ser medida e que
tem a mesma unidade de medida de referência.
Podemos citar como exemplos de grandeza comensurável o perímetro de
um retângulo e a medida da diagonal desse mesmo retângulo.
Segundo Lima (2017), a existência de segmentos incomensuráveis implica
a insuficiência dos sistemas numéricos até então conhecidos — os números
naturais e os números racionais; esses números já não bastavam para efetuar
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medidas dos objetos geométricos mais simples, como o quadrado e o círculo,


e não se tinham valores precisos e verdadeiros.
Para resolver os problemas encontrados nesses tipos de cálculo, chegou-
-se a solução que se propôs, na época, e que demorou décadas e talvez até
séculos para ser completamente elucidada — aumentar os conceitos de
números existentes até então. A partir daí, surgem os chamados números
irracionais, que foram usados como valor fixo de unidade de comprimento
adotada e creditada a qualquer segmento de reta que poderia ser medido
com valores numéricos; isso incluía valores antes não medidos de forma exata
como a diagonal de um retângulo.
Um número comensurável seria, então, a medida de um segmento unitário
que correspondesse à unidade escolhida, e sua medida seria um número
racional. Já as medidas dos segmentos em que a unidade escolhida não
pudesse ser medida teriam como medida um número irracional, o qual de-
finimos como sendo a razão entre dois números inteiros em que a resposta
não seja um número racional.
Segundo Ávila (2006), as frações não eram números, já que elas apare-
ciam como relações entre grandezas da mesma espécie. Agora que haviam
sido descobertas grandezas incomensuráveis, estava claro que os números
(naturais) eram insuficientes até mesmo para definir a razão entre duas
grandezas, o que se constituía em um sério entrave à filosofia pitagórica.
A crise desencadeada com a descoberta dos incomensuráveis, de imediato
tornou impossível falar sobre razão entre duas grandezas quando essas
fossem incomensuráveis.
As aplicações desses dois conceitos são muito importantes ao estudarmos
a análise de dados, pois uma grandeza incomensurável é bem mais complexa
de se estudar e analisar do que uma que seja comensurável.
Segundo outra doutrina pitagórica, “tudo é número”, ou seja, tudo podia
ser explicado por meio dos números (inteiros) e suas razões (números ra-
cionais). Acreditava-se, também, que dados dois segmentos quaisquer, eles
eram sempre comensuráveis, isto é, que existia um terceiro segmento, menor
que os dois primeiros, tal que cada um deles era múltiplo inteiro do menor.
Em termos modernos, se a e b são os comprimentos dos dois segmentos,
então existe um segmento de comprimento c e dois inteiros m e n tais que
a = mc e b = nc. Daí conclui-se que a/b = m/n. Muitas das demonstrações da
época eram baseadas nesse fato. Vejamos o que, junto com o teorema de
Pitágoras, isso acarreta.
Consideremos um quadrado de lado 1 e seja d o comprimento de sua
diagonal. Pelo teorema de Pitágoras, d2 = 12 + 12 = 2. Pela comensurabilidade
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entre a diagonal e o lado, existem inteiros m e n tais que d/1 = m/n. Podemos
supor, sem perda de generalidade, que m e n não têm divisor comum maior
que 1. Assim, 2 = d2 = m2/n2. Segue que m2 = 2n2 e, portanto, m2 é par, o que
implica que m também é. Logo, existe um inteiro p tal que m = 2p. Temos
então 2n2 = m2 = 4p2 e, portanto, n2 = 2p2. Daí concluímos que n2 é par e, logo,
n também é. Provamos que tanto m quanto n são pares, contradizendo o fato
de que eles não possuem divisor comum maior que 1. Isso mostra que 1 e d
são incomensuráveis.
A comensurabilidade entre dois segmentos quaisquer é equivalente ao fato
de que todo número é racional! A incomensurabilidade entre 1 e d significa
que não é racional. Isto mostrou aos pitagóricos que, ao contrário do
que eles preconizavam, os números (inteiros) e suas razões não eram capazes
de explicar tudo. Acredita-se que esse resultado foi descoberto e revelado
por Hippasus de Metapontum que, por esse motivo, foi expulso da confraria
(pior, segundo a lenda, ele foi jogado ao mar).

Ínfimos e supremos de um conjunto


Podemos definir o conceito de ínfimo de um conjunto como sendo o maior
valor dos valores minorantes de um conjunto, ou seja, dos valores da cota
inferior ou menores, o ínfimo é o maior deles.
Segundo De Maio (2007), seja X ⊆ R limitado superiormente e não vazio,
b ∈ R chama-se o supremo de X quando é a menor das cotas superiores de X .
Notação: b = supX . Seja X ⊆ R limitado inferiormente e não vazio, b ∈ R chama-
-se o ínfimo de X quando é a maior das cotas inferiores. Notação: b = supX .
A principal finalidade de estudarmos sobre esses dois conceitos é ante-
cipar a ideia de limitantes superiores e inferiores de um conjunto e saber a
importância de se calcular o limite de uma função e achar os valores referentes
a esses limites em um determinado conjunto.
Segundo Neri e Cabral (2006), aqui assume-se como construído o corpo
ordenado (R, +, ·, ≤) dos números reais. E, a partir disso, definimos o supremo
(simbolizado por sup) e o ínfimo (simbolizado por inf) de subconjuntos não
vazios de R. Para isso, primeiro introduzimos os conceitos de cota superior
e cota inferior.
Segundo Neri e Cabral (2006), seja A ⊂ R, não vazio. Dizemos que:

„„ r é cota superior de A se a ≤ r para todo a ∈ A;


„„ r é cota inferior de A se r ≤ a para todo a ∈ A.
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Ainda segundo o mesmo autor, é importante termos em mente as seguintes


definições:

1. Seja A ⊂ R, não vazio. Se existir s ∈ R que seja a menor cota superior


de A, isto é,
a) a ≤ s para todo a ∈ A (s é cota superior);
b) se r é cota superior de A, então s ≤ r (s é a menor cota superior); então
dizemos que s é supremo (finito) de A, e escrevemos sup A = s. Quando
A é ilimitado superiormente (não existe cota superior para A), dizemos
que o supremo de A é mais infinito e escrevemos sup A = +∞.
3. Seja A ⊂ R, não vazio. Se existir i ∈ R que seja a maior cota inferior de
A, isto é,
a) i ≤ a para todo a ∈ A (s é cota inferior);
b) se r é cota inferior de A, então r ≤ i (s é a maior cota inferior); então
dizemos que i é ínfimo (finito) de A, e escrevemos inf A = i. Quando A é
ilimitado inferiormente (não existe cota inferior para A), dizemos que
o ínfimo de A é menos infinito e escrevemos inf A = −∞.

É importante, ainda, saber que todo conjunto não vazio de números reais
limitado superiormente possui um supremo e, para seu cálculo, usamos o
limite à direita da função em estudo; também devemos saber que todo con-
junto não vazio de números reais limitado inferiormente possui um ínfimo
que é calculado pelo limite à esquerda da função em estudo.

O ínfimo é sempre menor ou igual ao supremo e eles podem chegar


a ser iguais se pensarmos em um conjunto unitário ou nulo.

Outra informação importante é que haverá conjuntos em que não existe o


ínfimo e existe o supremo, assim como conjuntos em que não existe o supremo,
mas existe o ínfimo. Como exemplo disso podemos usar um conjunto definido
por x pertencente aos reais em que x é maior ou igual a zero e menor que
1 — temos aí um conjunto em que o ínfimo é zero e o supremo não existirá,
pois não existirão valores maiores ou iguais a um.
Nos estudos matemáticos, chegamos a definições que são muito difundi-
das e confundidas entre si. Algumas destas são os conceitos de majorante/
cota superior, minorante/cota inferior, máximo, mínimo, supremo e ínfimo.
Deixamos aqui bem claro que, apesar de estarem relacionados e de estarem
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ligados, esses conceitos são bem diferentes e é importante que sejam estu-
dados e aplicados de maneira correta e clara.

„„ Chamamos de cota superior, limite superior ou majorante os valores


assumidos dentro de um conjunto, de forma que nenhum outro valor
qualquer desse conjunto seja maior que esse valor, ou seja, esse será
o maior valor encontrado ou assumido dentre os elementos desse
conjunto.
„„ Chamamos de conta inferior, limite inferior ou minorante os valores
assumidos dentro de um conjunto de forma que nenhum outro valor
qualquer desse conjunto seja menor que esse valor, ou seja, esse será o
menor valor encontrado ou assumido dentre os elementos do conjunto.
„„ Chamamos de ínfimo de um conjunto o maior valor assumido dentro
dos valores minorantes desse conjunto e dizemos que esse conjunto
é limitado inferiormente. O ínfimo é, então, o maior valor dentre os
menores valores dos elementos desse conjunto.
„„ Chamamos de supremo de um conjunto o menor valor assumido dentro
dos valores majorantes desse conjunto e dizemos que esse conjunto
é limitado superiormente. O supremo é, então, o menor valor dentre
os maiores valores dos elementos desse conjunto.

Esses conceitos adquirem relevância desde o início dos estudos dos nú-
meros reais e estão ligados diretamente à ideia de limite usada nos conceitos
dos fundamentos do cálculo e que são a base de estudos básicos e avançados
da derivada e da integral; sem o entendimento do limite, realmente seria
impossível compreender esses novos conceitos, que são base a todas as
áreas das ciências exatas e da natureza.
Antes de finalizarmos essa seção, é importante colocar aqui o axioma
do supremo:
Se A ⊆ R é um subconjunto não vazio e limitado superiormente, então ∃
S ∈ R t.q. S = sup A.
A razão de se mencionar que A ≠ ∅ no axioma do supremo é que o con-
junto vazio é limitado superiormente, mas qualquer número real é uma cota
superior para ele, não existindo então a menor de todas.
Dizemos que um corpo ordenado K satisfaz o axioma do supremo se para
cada subconjunto C ⊂ K não vazio e limitado superiormente existe sup C em K.
Tomamos, ainda, como base o teorema que diz: existe um corpo ordenado
que tem a propriedade do supremo. Além disso, esse corpo contém Q como
subcorpo.
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Há duas demonstrações, ambas bastante longas e trabalhosas, para esse


teorema. Cada uma das demonstrações consiste em construir, a partir de Q,
um conjunto R que satisfaz todos os axiomas de corpo ordenado e o axioma
do supremo. O conjunto construído contém Q não apenas como subconjunto,
mas como subcorpo, isto é, as operações de adição e multiplicação definidas
em R, quando aplicadas a elementos de Q, coincidem com as operações
usuais de Q.
É possível provar também que o conjunto dos racionais positivos é com-
posto por elementos positivos de R.
É também possível demonstrar que R é o único corpo ordenado que satisfaz
a propriedade do supremo, a menos que ele não satisfaça a condição do iso-
morfismo. Intuitivamente, o axioma do supremo é o que garante que R pode
ser identificado com os pontos da reta orientada sem deixar buraquinhos.
Por esse motivo, é possível caracterizar o conjunto dos números reais
como sendo o único “corpo ordenado completo”.
A primeira apresentação rigorosa do conceito de número real foi feita
pelo matemático alemão Julius Wilhelm Richard Dedekind (1831–1916). Há
outra maneira de construir o conjunto R: por meio de sequências de Cauchy.
Os elementos de R são chamados de números reais. Dizemos que um
número real é irracional se não for racional, isto é, se for um elemento do
conjunto R − Q. Podemos agora afirmar que é o axioma do supremo que distin-
gue Q de R, já que provamos que Q não satisfaz esse axioma, mas R satisfaz.

Determine, caso existam, o supremo e o ínfimo do conjunto a seguir:

Observamos que se e somente se −5 < x ≤ , o que nos permite ver


que −5 é o ínfimo de B e é o seu supremo. Note que, neste exemplo, o ínfimo
não pertence ao conjunto B, enquanto o supremo pertence a B.

Para finalizar, é importante dizermos que o estudo dos ínfimos e supremos


é muito interessante quando temos o pensamento mais a frente, que seria
estudar sobre limites de uma função e os valores dos limites à esquerda e à
direita de uma função qualquer.
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Referências
ANTON, H.; BIVENS, I.; DAVIS, S. L. Cálculo. 10. ed. Porto Alegre: Bookman, 2014. 1 v.
ÁVILA, G. Análise matemática para licenciatura. 3. ed. São Paulo: Blucher, 2006.
DE MAIO, W. (coord.). Fundamentos de matemática: cálculo e análise. Rio de Janeiro:
LTC, 2007.
LIMA, E. L. Análise real. 12. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2017. v 1.
NERI, C.; CABRAL, M. Curso de análise real. Rio de Janeiro: Autores, 2006.

Leituras recomendadas
AYRES JR., F.; MENDELSON, E. Cálculo. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013. (E-book).
HUGHES-HALLETT, D. et al. Cálculo: a uma e a várias variáveis. 5. ed. Rio de Janeiro:
LTC, 2011. v. 1.
LIMA, E. L. Curso de análise. 14. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2017. v. 1.
LIPSCHUTZ, S.; LIPSON, M. Matemática discreta. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013.
(Coleção Schaum).

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