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Universidade Federal do ABC

Curso Geoprocessamento
Cartografia e Geovisualização
Cartografia e
Geovisualização

Carolina Moutinho Duque de Pinho


Vitor Vieira Vasconcelos

Como citar este E-book:

PINHO, Carolina Moutinho Duque de.


VASCONCELOS, Vitor Vieira. Cartografia e
geovisualização In: VASCONCELOS, V. V.
NASCIMENTO, V. F. (orgs.) Geoprocessamento.
Santo André e São Bernardo do Campo: Editora
UFABC, 2023.

SANTO ANDRÉ - SP
2023
O material foi elaborado com financiamento da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB), Edital nº
9/2022.
CRÉDITOS
Universidade Federal do ABC
Dácio Roberto Matheus - Reitor
Mônica Schröder - Vice-Reitora

Universidade Aberta do Brasil


Angela Terumi Fushita – Coordenadora Geral
Mirian Pacheco – Coordenadora Adjunta

Curso de Especialização em Geoprocessamento


Vitor Vieira Vasconcelos - Coordenador
Victor Fernandez Nascimento - Coordenador Adjunto

Designer Instrucional e Diagramação


José Adriano Silva de Oliveira
Evelyn Marques Gimenez

Autores
Carolina Moutinho Duque de Pinho
Vitor Vieira Vasconcelos
SOBRE A COLETÂNEA DE E-BOOKS
da primeira turma do Curso de Especialização em
Geoprocessamento da UFABC

Os e-books que integram a Coletânea do Curso de


Especialização em Geoprocessamento da UFABC foram
escritos por docentes aprovadas/os em editais específicos da
UAB-UFABC em parceria com docentes que atuaram na tutoria
do curso ou ainda, externas/os convidadas/os para a escrita.
Trata-se da primeira turma do curso, que foi integralmente
financiada pela CAPES no Programa UAB – Edital nº 9/2022.

A proposta pedagógica da especialização tem como objetivo


qualificar recursos humanos, especialmente na formação para
o desenvolvimento econômico e social local/regional, para uso
das tecnologias de geoprocessamento, bem como capacitar
profissionais no conhecimento e uso de técnicas de
geoprocessamento e suas aplicações nas diversas áreas do
conhecimento.

As disciplinas estão organizadas em quatro eixos principais,


compondo carga horária total do curso 540 horas, além do
trabalho de conclusão de curso. Os eixos e suas respectivas
disciplinas foram:

Introdução

Ambiente virtual de aprendizagem (AVA) (30h)

Eixo 1 - Adquirindo e visualizando dados espaciais

Informações espaciais e aplicações de geotecnologias (30h)


Cartografia e geovisualização (30h)
Sistemas de localização espacial e topografia (30h)
Introdução à Programação para o Geoprocessamento (30h)
Eixo 2 - Dos dados à interpretação espacial

Bancos de dados espaciais (30h)


Sensoriamento Remoto (30h)
Tecnopolítica e território (30h)
Geotecnologias e cartografias sociais (30h)

Eixo 3 - Análise de dados geoespaciais

Análise espacial de polígonos (30 h)


Análise espacial de pontos (30h)
Interpolação e geoestatística (30h)
Análise espacial de dados matriciais (30h)
Análise espacial de redes (30h)
Análise de dados espaço-temporais (30h)

Eixo 4 - Aplicando os conhecimentos e habilidades

WebGis (30h)
Prática de análise e interpretação de dados socioeconômicos
(30h)
Prática de análise e interpretação de dados ambientais (30h)
Avaliação do Trabalho de conclusão de curso (TCC)

Mediante o exposto, esperamos que o e-book


“Geoprocessamento”, que serviu como apoio didático no
referido curso de especialização, auxilie na disseminação de
conhecimentos, para garantir a propagação de práticas que
colaborem para o desenvolvimento regional e local
sustentável.

Coordenação de Curso - Edição 2023


Unidade 1 - Cartografia
para representação da
realidade
Introdução

A cartografia no século XXI não está mais restrita às salas de aula


para o letramento de jovens nas aulas de geografia e nem aos
especialistas como engenheiros, cartógrafos, geólogos,
meteorologistas que necessitam dos produtos cartográficos para
realizar suas atividades profissionais. Hoje a cartografia está
presente em apps de rotas em celulares, mapeamentos
colaborativos, em plataformas de monitoramento de fenômenos
globais, em globos virtuais, em dashboards de visualização de
dados, em matérias jornalísticas cada vez mais ilustradas por
mapas e em uma infinidade de outras aplicações cotidianas de
nossas vidas (Figura 1). Os mapas e outros produtos cartográficos,
como a localização com GPS e a realidade aumentada, são peças
básicas de nossa interação no mundo e com o mundo.

Figura 1 - Presença da Cartografia em nossa vida cotidiana no Século XXI.


O Avanço da capacidade da velocidade de processamento e na
capacidade de armazenamento de dados dos computadores
atuais, a digitalização da informação, a circulação da informação
por meio da internet e o acesso a internet por meio de celulares
são alguns dos fatores que influenciaram nesta popularização da
cartografia para toda a sociedade.

Para além destes fatores temos que levar em conta também o


avanço da indústria de Geoprocessamento, que já foi visto na
disciplina anterior, e a atuação da Google disponibilizando mapas
e aplicativos SIG na internet.
História da Cartografia

A Cartografia como atividade nasce da nossa necessidade de


apreender e representar o mundo em que vivemos, ou seja, de
encontrar um caminho, de cadastrar as propriedades de um
reino, de inventariar os biomas de um território, de traçar
estratégias de combate ou caça etc. Assim, apesar de estarmos
cercados por mapas por todos os lados na atualidade, os mapas
não são novidade na história da humanidade. Antes mesmo da
invenção da escrita a cartografia, como atividade, já era realizada
na Pré-História. Não é possível dizer quando surgiu o primeiro
mapa, mas estima-se que eles começaram a ser feitos há mais de
6. 000 anos, por povos da Mesopotâmia, índios das ilhas Marshall,
Esquimós, Astecas, Chineses.

Um dos casos mais antigos que se conhece é o mapa de


Çatalhöyük, que parece uma espécie de representação da cidade
feita em pedra. ÇatalHöyük é um dos assentamentos humanos
mais antigos que foram escavados, já tendo sido povoado
durante o período neolítico. Era uma cidade inteira, racionalmente
organizada e planejada, localizada na atual Turquia. Foram
utilizados meios gráficos para ordenar a cidade, com mais de
8.000 anos, que, segundo os arqueólogos, chegou a ocupar cerca
de 16 hectares e a albergar mais de 10.000 habitantes (Figura 2).

Figura 2 - Mapa das ruas da cidade de Çatalhöyük, na região Tuca da Anatólia.


Destacando as culturas mais antigas que produziram mapas
temos a China, como importante produtora de mapas. Inclusive a
cartografia chinesa já era desenvolvida antes que os europeus
começassem a apresentar os primeiros trabalhos de destaque
neste campo de conhecimento. Há indícios de que a cartografia
chinesa tenha aparecido por volta do século IV a. C.

Em várias regiões da China foram encontrados documentos


antigos bastante valiosos que comprovam a preocupação dos
governantes chineses em cartografar o país. No caso Chinês os
mapas não só serviam como orientação, mas também como
ferramenta para que os administradores pudessem demarcar
fronteiras e fixar impostos, e os militares, usá-los como arma
estratégica.

Na figura 3, pode-se observar um mapa de uma antiga cidade


chinesa com a localização de muros, lojas, ruas e áreas
comerciais. E na Figura 4, temos o primeiro mapa que usa uma
grade regular para definir a escala de redução dos objetos. Os
mapas desenhados em escala com orientação semelhante aos
mapas atuais só apareceram na Dinastia Song do Sul, há cerca de
800 anos.
Os mapas chineses mais clássicos anteriores a esse período são
principalmente mapas de feng shui, ilustrando as formas e
orientações de cursos de água e colinas com o sul no topo e o
norte abaixo.

Figura 3 - Mapa de antiga cidade chinesa datada entre 1.800 e 2.000 anos atrás, durante
a Dinastia Han Oriental. O mapa ilustra muralhas, portões da cidade, ruas comerciais e
áreas residenciais com pátios.

Figura 4 - Este mapa do território, desenhado na escala de 1:5.000.000 durante a


Dinastia Song do Sul em 1136, está esculpido numa estela de 114x114cm. Ele usa a
grade para definir a escala e ilustra o litoral, os principais cursos de água, incluindo os
rios Amarelo e Yangtze, os lagos Taihu, Dongting e Poyang.
O Egito também se destacou na produção cartográfica. Os
egípcios já conheciam a triangulação, uma técnica para
determinar distâncias baseada na Matemática. Os egípcios
também tinham instrumentos para medição precisa de áreas, já
que precisavam cobrar impostos sobre terras. Produziam mapas
de inventários de recursos naturais muito completos e precisos
para basear a extração de metais preciosos, como ouro, e a
extração de rochas para a construção de pirâmides e outros
templos e monumentos.

Um dos exemplos destes mapas é o Papiro de Turino (Figura 5)


que contém um desenho feito há mais de 3000 anos que é
considerado o primeiro mapa topográfico e geológico do mundo
e um dos documentos mais notáveis que os antigos egípcios
deixaram para a posteridade. O mapa mostra um trecho de 15
quilômetros no meio do deserto oriental egípcio, um vale que
incluía uma pedreira e uma mina de ouro. O documento data de
cerca de 1150 a.C. quando foi preparado para uma expedição
que seria enviada por Ramsés IV (c. 1163 a 1156 a.C.) com
objetivo de obter blocos de pedra que seriam transformados em
estátuas dos deuses, do rei e de outros notáveis. Foi descoberto,
entre 1814 e 1821, em uma tumba na antiga vila de Deir el-
Medina.

Figura 5 - Papiro de Turino


Apesar da importância da grande relevância de egípcios, chineses
e outros povos, a civilização antiga que mais contribuiu para o
desenvolvimento da Cartografia, foi a Grega.

Devemos aos gregos conhecimentos básicos, como a forma


esférica da Terra, a noção de pólos e de círculos máximos da
Terra, conceitos de latitude e longitude, além do desenvolvimento
das primeiras projeções cartográficas. Resumindo, os gregos
foram o primeiro povo a ter uma base científica de observação
para a Terra.

No princípio, os gregos acreditavam que a terra era um disco


plano. Os primeiros mapas-múndi, como o de Anaximandro de
Mileto (610-546 a. C.), eram representados por um círculo onde
um oceano circundava os três continentes conhecidos: Europa,
Ásia e África (Figura 6).

Figura 6 - Mapa-mundi de Anaximandro de Mileto atualizado por Hecateu por volta de


500 a.C
Ainda no século VI a. C., a escola de Pitágoras apresentou uma
Terra esférica. Essa suposição tinha base em observações
práticas, como a sombra projetada por um eclipse, e
considerações filosóficas, como o fato de a esfera ser a forma
geométrica mais perfeita. Contudo, só por volta de 350 a. C. com
as teorias do filósofo grego Aristóteles , a esfericidade da Terra
passou a ser aceita pelos homens da ciência.

Todo o conhecimento geográfico e cartográfico da Grécia Antiga


foi sistematizado na obra “Geografia” do astrónomo, geógrafo e
cartógrafo grego Cláudio Ptolomeu de Alexandria (90-168 D.C.).
sua extraordinária obra, em oito volumes, ensina os princípios da
Cartografia Matemática, das projeções e os métodos de
observação astronómica. É importante lembrar que Ptolomeu
planejou 26 mapas regionais, sendo 10 da Europa, 4 da África e
12 da Ásia, fora um mapa do mundo conhecido (Figura 7).

Entre a publicação da obra de Ptolomeu e o fim da idade média


destacamos a cartografia romana a árabe e a medieval. A
cartografia romana tinha era de caráter prático no campo militar,
político e fiscal. Era utilizada para a integração comercial do
império e também, como símbolo do poder territorial.

Na concepção romana os mapas gregos antigos, que mostravam


a Terra em forma de disco (Figura 6), eram apropriados, pois
esses eram adequados para traçar rotas e delimitar os territórios
conquistados.

Figura 7 - Mapa-mundi do Ptolomeu.


A era clássica romana deixou poucos mapas. Uma das obras
cartográficas romanas mais conhecidas é a célebre Tábua de
Peutinger (Figura 8), que em seus mais de 6 metros de
comprimento por 30 centímetros de largura representa diversos
itinerários do Império Romano com as cidades e as distâncias que
as separavam, e representa o mundo até a costa do Oceano
Índico.

Figura 8 - Tábua de Peutinger..


Enquanto a cartografia romana não aproveitou os conhecimentos
matemáticos dos gregos, os árabes aproveitaram. Eles calcularam
o valor do comprimento do grau, construíram esferas celestes,
estudaram os sistemas de projeção e organizaram tábuas de
latitudes, e longitudes.

A cartografia muçulmana, conforme se sabe, atingiu seu ápice


com Muhammad al-Idrisi (1110–1165 ), que em 1154
confeccionou um grande mapa-múndi, a pedido do rei Rogério II
da Sicília, conhecido como a Tábua Rogeriana acompanhado por
um livro denominado Geografia.

A Tábua Rogeriana (Figura 9) é um dos mapas mundiais medievais


mais avançados, a consolidação mais conhecida atualmente foi
criada a partir das 70 páginas duplas de al-Idrisi, mostradas de
cabeça para baixo, já que o original tinha o Sul no topo.

Na obra são descritas a Itália, Sicília, a Andaluzia, o norte da


Europa, a África e Bizâncio, beneficiando-se da situação específica
do reino da Sicília que negociava tanto com os europeus como
com as civilizações bizantinas e muçulmanas.

Figura 9 - A Tabula Rogeriana, elaborada por al-Idrisi para Rogério II da Sicília em 1154.
Enquanto os árabes utilizavam os conhecimentos científicos dos
gregos a civilização latino -germânica vivia um misticismo religioso
em plena Idade Média. Na Europa medieval havia duas
cartografias: mappaemundi e os portulanos.

A cartografia por meio dos mappaemundi tinha como objetivo


instruir os fiéis sobre os eventos significativos da história do
cristianismo, o registro sobre a posição geográfica das localidades
era secundário. Esses mapas, na maioria das vezes, tinham um
caráter esquemático e geométrico, Geralmente não possuíam
coordenadas ou escala.

Os mappaemundi variavam de forma simples como os chamados


mapas T-O os quais mostravam, em um diagrama básico, as três
massas de terra cercadas por mar ,Ásia, Europa e África, como o
mundo era conhecido no império romano, e permanecia no
período medieval europeu (figura 10). O nome T–O significa Orbis
Terrarum, com o T indicando Cristo crucificado e O indicando o
oceano, o qual envolve o orbe. O mundo terreno, assim, deveria
ser representado por suas iniciais, T e O, a partir do modelo de
Isidoro de Sevilha (570-636 d.C.), bispo de Sevilha.

Neste mapa esquemático o "T", representava os três cursos


d'água que dividiam o ecúmero, o Mediterrâneo, que separa a
Europa da África; o Nilo, separando a África da Ásia; e o Don, entre
a Ásia e a Europa. O ecúmero teria sido dividido por Noé entre
seus três filhos após o Dilúvio (Figura 11). Além disso, o "T"
também simbolizava a cruz e na sua junção estaria localizada
Jerusalém, centro do mundo.
Figura 10 - Mapa T e O do Etymologiae de Santo Isidoro de Sevilha

Figura 11 - Mapa-múndi, atribuído a Jean Mansel. Iluminura contida no manuscrito La


fleur des histories. 1459-1463.
Os portulanos são uma outra forma de cartografia da Idade
Média que surge no fim deste período. Eles surgem com a
necessidade de mapas de orientação e navegação para os
comerciantes do mar mediterrâneo estimulados com a
introdução da bússola no ocidente, provavelmente trazida pelos
árabes.

Estes mapas são descritos como uma representação gráfica em


escala e de maneira realista da bacia Mediterrânea, feita sobre
uma superfície plana (geralmente pergaminho) cruzada por uma
rede de linhas construídas a partir das direções dos ventos, sendo
sua finalidade facilitar a navegação e determinar com precisão a
localização dos portos existentes em torno desta bacia a partir da
utilização de bússola e compasso como instrumentos de
navegação.

A carta marítima ou portulana mais antiga, Carta Pisana (Figura


12), que data da segunda metade do século XIII, já apresenta uma
feição comum a todos os mapas portulanos, a representação da
rosa dos ventos, uma prova de que o emprego da bússola, na
navegação, estava já generalizado. Estes mapas não obedeciam
nenhum critério de projeção, e já possuíam o traçado das
loxodromias (rumos) e o delineamento das costas dos países
mediterrâneos.

A Carta Pisana ou Carte Pisane é Foi encontrado em Pisa, daí o


seu nome. Mostra todo o Mediterrâneo, o Mar Negro e uma parte
da costa atlântica, desde o norte do atual Marrocos (até
aproximadamente o paralelo 33 norte, com a cidade de
Azemmour) até aos atuais Países Baixos, mas a precisão do mapa
limita-se principalmente ao Mediterrâneo.
Figura 12 - A Carta Pisana

O surgimento dos mapas Portulanos era o prenúncio das grandes


descobertas que estavam por vir no século XV, quando a
cartografia teve grandes avanços. O advento da agulha magnética
permitiu a exploração dos mares, intensificou-se o comércio para
Leste, teve início a epopéia dos descobrimentos portugueses;
ressurgiu a obra de Ptolomeu; Gutemberg inventou a imprensa e
foi fundada a Escola de Sagres em Portugal.

A influência de Ptolomeu foi reinstalada na cartografia e sua obra


sofreu correções e adaptações. A gravação ou a impressão
possibilitaram uma produção cartográfica abundante,
substituindo os manuscritos dispendioso. A navegação foi
estudada através de métodos racionais na Escola de Sagres
.
A era das grandes navegações estava instalada e os cartógrafos
tinham um grande trabalho pela frente. Primeiro tiveram que
mapear a costa ocidental da África, depois em 1492 um
continente inteiro, a América, e com ele novos desafios. Para
justificar o investimento nas expedições e encorajar
financiamentos nas terras recém-descobertas, os mapas
europeus se fartavam de atribuir às “terras virgens” fabulosas
.........
riquezas minerais. Várias expedições de reconhecimento
desceram pela costa, descrevendo sua costa, calculando
distâncias, anotando o tempo que navegavam para norte ou sul, e
chegando assim a um contorno do continente. Uma verdadeira
“mapatona” se deu neste período. Um ótimo exemplo do
mapeamento deste período é o mapa-múndi do ano 1500 de
Juan de la Cosa (Figura 13), o navegador de Cristóvão Colombo.
Considerando que algumas áreas foram vistas apenas uma vez e
localizadas por navegação rústica, os detalhes são
surpreendentes. .........

Figura 13- Mapa de Juan de la Cosa: à esquerda, na cor verde, o Novo Mundo; no centro
e à direita, na cor branca, o Velho Mundo.

Por volta do século XVI, a Holanda ocupa papel importante no


comércio mundial marítimo. Suas cidades comerciais eram
passagem de mercadores e navegantes de todas as nações, com
informações e conhecimentos provenientes de todos os lugares.
Neste contexto é que Gerardus Mercator (1512-1594), um
cartógrafo que trabalhou com materiais recolhidos de todas as
fontes possíveis: mapas antigos, crônicas de navegantes e suas
......
próprias viagens. A projeção criada por ele, imortalizando seu
nome, foi usada em seu mapa-múndi em 1569 (Figura 14). Ela foi
de grande utilidade para os navegantes, facilitando a localização
do rumo a ser seguido em longas distâncias, já que as
coordenadas eram mostradas como linhas retas.

Figura 14 - Mapa-mundi de Mercator.

No século XVII, sucedendo à Cartografia Holandesa, despontava a


Escola Francesa de cartografia com trabalhos importantes como o
“Le Neptune Français”(Figura 15), o Atlas de cartas marinhas
européias, produzido em 1639 por A.H. Jaillot auxiliado por Jean
Dominique Cassini.

Outro desenvolvimento importante francês foi na área de


levantamentos topográficos e cartografia de grandes escalas.
Figura 15 - Mapa da Europa do Atlas Le Neptune Français

No século XVIII, a Academia de Ciências de Paris influenciou a


cartografia francesa. O desenvolvimento das ciências,
particularmente da Matemática, da Geodésia, e da Astronomia,
possibilitou à cartografia maior solidez científica. Ao mesmo
tempo, a utilização de novos instrumentos, como sextantes,
teodolitos, cronômetros, etc., nas observações necessárias aos
levantamentos permitiu uma determinação mais precisa dos
elementos da superfície da Terra.

Com o aperfeiçoamento dos métodos de levantamento e os


estudos dos sistemas de projeção, a representação cartográfica
também evoluiu. Foi idealizada a apresentação altimétrica por
meio de curvas de nível e toda a simbologia cartográfica adquiriu
um sentido mais objetivo.

O processo da cartografia como ciência diminuiu e reduziu o


espaço da arte nos mapas. Os estampadores e decoradores não
poderiam mais inserir desenhos nos mapas de forma artística
apenas para decorá-los, sem que estes desenhos tivessem uma
função informativa. Muitas vezes estes desenhos serviam de
ementa para disfarçar a insuficiência de conhecimentos
geográficos.

Como exemplo do grande progresso cartográfico e geodésico


deste século destaca-se o grande trabalho de Cesar François
Cassini, intitulado “Carte Géométrique de la France”, elaborando
em 182 folhas na escala de 1:86.400 e que foi concluído durante a
revolução Francesa, 45 anos depois de começado (1744-1789).

No século XIX são criados os serviços geográficos nacionais. Em


quase todos os países da Europa foram iniciados levantamentos
topográficos. As necessidades da navegação obrigaram as
potências marítimas a efetuarem levantamentos costeiros de
todas as partes do Mundo.. O descobrimento, em 1820 da
litografia e mais tarde, entre 1860 e 1870, da fotografia foi de
importância para as técnicas de construção das cartas e dos
mapas.

A história da Cartografia no século XX esteve profundamente


vinculada ao desenvolvimento científico e técnico das das áreas
do conhecimento conectados ao Estado, especialmente à
geopolítica. As duas guerras mundiais e os seus desdobramentos,
como a Guerra Fria e a corrida espacial, incentivaram as
pesquisas destinadas ao mapeamento sistemático de todo o
planeta, com o uso de tecnologias como a aerofotogrametria, as
imagens de satélite e radar, o computador e todos os avanços a
eles vinculados, como a Internet e os Sistemas de Informação
Geográfica.
Conceito de Cartografia

Segundo a Associação Cartográfica Internacional (1991) a


Cartografia é “Ciência que trata da organização, apresentação,
comunicação e utilização da geoinformação, sob uma forma sob
que pode ser visual, numérica ou tátil, incluindo todos os
processos de elaboração, após a preparação dos dados, bem
como o estudo e a utilização dos mapas ou meios de
representação em todas as suas formas.”

Esta definição de cartografia abre caminho para utilização de


diferentes elementos de expressão cartográfica. O mapa é o mais
popular e mais conhecido, mas é apenas um deles. Além do
mapa, temos o croqui, o bloco diagrama ou maquete, que podem
ser analógicos ou digitais, temos o globo e os cartogramas.

Mapa:

Um mapa é uma representação gráfica em escala reduzida do


ambiente cultural e físico em uma superfície plana. A palavra-
chave aqui é representação gráfica, pois todos os mapas são
representações visuais do fenômeno a ser modelado. A segunda
definição de mapa é que ele é uma representação gráfica
reduzida, seletiva e simbolizada de um ambiente. Esta definição
introduz três termos principais: reduzido, seletivo e simbolizado.

Reduzido: O primeiro termo, reduzido, refere-se ao fato de que


quase todos os mapas são mais úteis do que quando são
reproduzidos em escala menor do que o fenômeno real que está
sendo mapeado. Por exemplo, um mapa rodoviário de Brasília
.......
que, quando desdobrado, tem o tamanho real de Brasília, não é
muito útil, portanto, reduzimos o tamanho do fenômeno espacial
representado em um pedaço de papel para um tamanho mais
razoável a ser manipulado.

Seletivo: O segundo termo, seletivo, significa que os mapas


devem incluir apenas itens que estejam diretamente relacionados
à mensagem do mapa. Por exemplo, um mapa designado para
mostrar onde todos os hospitais que estão localizados dentro de
uma cidade não deve incluir na localização de todos os bueiros da
cidade. A razão é que a localização do bueiro não tem relação
com a localização dos hospitais e, portanto, seria uma
característica sem sentido no mapa.

Simbolizado: O terceiro termo, simbolizado, refere-se à ideia de


extrair o item que está sendo mapeado por meio de um símbolo
representativo. Exemplos de símbolos representativos seriam
uma estrela com um círculo ao redor que representa a capital de
um estado, ou um símbolo da frente de um ônibus.

Exemplo de mapa político-administrativo do Brasil, produzido


pelo IBGE (Figura 16). Este mapa é uma representação gráfica do
ambiente cultural e físico da área que abrange o Brasil. Os itens
culturais no mapa incluem, contornos de países e estados, nomes
de estados, cidades, capitais oceanos, nomes de países, e
localizações de cidades.

O ambiente cultural representado nesse mapa é a divisão político-


administrativa do país, incluindo a localização das massas de terra
e água. Este mapa é uma representação gráfica reduzida, seletiva
e simbolizada do Brasil.
1. É reduzido porque é fisicamente menor que o tamanho
Brasil.
2. É seletivo porque apresenta somente as informações
relevantes ao propósito deste mapa.
3. É simbolizado pelo uso de variáveis ​visuais como cor,
tamanho e forma.

Figura 16 - Mapa político-administrativo do Brasil elaborado pelo IBGE.

Tipos de mapas

A classificação dos mapas começa com a sua categorização em


meios de produção. Os três tipos de meios de mapa são tangíveis,
virtuais e mentais (Figura 17).

Um mapa tangível é aquele que se pode segurar nas mãos, como


um mapa de papel . O bom dos mapas tangíveis é que eles
podem ser facilmente compartilhados entre os usuários e não há
necessidade de hardware ou software especializado para usá-los.
Além disso, os mapas tangíveis são portáteis e podem ser
armazenados por longos períodos de tempo sem qualquer
necessidade de manutenção.

Um mapa virtual é qualquer mapa exibido em um dispositivo de


computação. Os mapas agora são encontrados em computadores
desktop, tablets, laptops, telefones, receptores GPS e muitos
outros dispositivos digitais. A grande vantagem dos mapas virtuais
é que eles são facilmente atualizáveis, podem ser dinâmicos,
mostrar animação, podem vincular grandes quantidades de
informações, como documentos, imagens, filmes e sons, e podem
ser facilmente compartilhados. Os aspectos negativos dos mapas
virtuais incluem: eles requerem hardware e software para
visualização, podem exigir manutenção para que o mapa exista
por um longo tempo, podem não ser intuitivos para muitos
usuários e podem exigir mais treinamento para serem
manipulados (Figura x)

Figura 17- Tipo de mapas segundo suas categorizações.

Fonte: Adaptado de DENT, Borden; TORGUSON, J.; HODLER, T. Thematic map design.
New York, New York, NY: McGraw-Hill, 2008.
Figura 18 - Mapa virtual para visualização dos resultados do Censo 2022 do IBGE.

Fonte: IBGE.

Um mapa mental é um mapa armazenado na mente de alguém e


é sua conceituação do espaço. Os mapas mentais não são
traduzidos exatamente de pessoa para pessoa, exceto através da
conversão do mapa mental em um mapa tangível ou virtual, ou
em qualquer outra via de comunicação, como fala ou escrita
(Figura 19).

Figura 19- Exemplo de mapa mental.


Fonte: MOURA, Flávia de Barros Prado; MARQUES, José Geraldo Wanderley.
Conhecimento de pescadores tradicionais sobre a dinâmica espaço-temporal de
recursos naturais na Chapada Diamantina, Bahia. Biota Neotrop., Campinas , v. 7, n. 3,
2007.

Os mapas Tangíveis e Virtuais também podem ser subdivididos


em duas categorias segundo a natureza da informação mapeada
e a finalidade de seu uso. São os mapas de referência ou
sistemáticos e os mapas temáticos.

Os mapas de referência ou sistemáticos têm por objetivo a


identificação, medição, localização e navegação, e portanto
necessitam representar com precisão as feições de interesse
sobre a superfície terrestre. A base do mapeamento é um
levantamento preciso e, normalmente, utiliza como apoio a
fotogrametria, a geodésia e topografia (assuntos da próxima
disciplina). Utiliza convenções e escalas padrão, contemplando a
execução dos mapeamentos básicos que buscam o equilíbrio da
representação altimétrica e planimétrica dos acidentes naturais e
culturais, visando a melhor percepção das feições gerais da
superfície representada.

Na Figura 20 são exibidos duas dois mapas de referência geral


diferentes. No mapa 20a, uma amostra do OpenStreetmap em
São Paulo-SP, observa-se uma pequena área geográfica e
bastante detalhe. Neste mapa, podemos ver ruas, avenidas,
parques, quadras e nomes detalhados. O mapa da figura 20b
mostra uma área geográfica maior com menos detalhes. Neste
mapa podemos ver grandes massas de água, as construções
generalizadas em vermelho, e nomes que se aplicam a grandes
áreas geográficas.
Figura 20 - Exemplo de mapas de referência.

Embora estes dois mapas estejam em escalas diferentes e


mostrem diferentes quantidades de detalhes, eles têm alguns
pontos em comum, como mostrar uma grande variedade de
características, sem focar em nada em particular, o que os torna
ambos exemplos de um mapa de referência geral. Esses mapas
são abstrações objetivas da realidade que podem ser usadas para
diversos fins.
Os mapas temáticos realizam o inventário, análise ou síntese dos
fenômenos físicos ou humanos. Podem representar qualquer
fenômeno que tenha distribuição espacial. Os mapeamentos
temáticos são realizados sempre a partir da composição de um
mapa-base, ou fundo de mapa, do espaço que se está estudando
ou que se pretende abordar com um tema que se queira mapear,
auxiliado por símbolos qualitativos ou quantitativos (MENEZES &
FERNANDES, 2013), como pode ser visto na Figura 21. A
cartografia temática abrange a coleta, a análise e a interpretação
de dados e informações e a sua consequente representação. Para
a Cartografia Temática, é mais importante compreender o
conteúdo do tema a ser representado do que a precisão do
mapa-base, as suas dimensões e seus componentes de
localização.

Figura 21 - Composição do mapa temático de densidade demográfica do Sudeste dos


Estados Unidos a partir do mapa de referência da mesma região.

Os mapas temáticos são divididos ainda em duas grandes


categorias quanto ao tipo de variáveis mapeadas. Os mapas
qualitativos e os mapas quantitativos. Os mapas temáticos
qualitativos mostram dados nominais e sua distribuição no
...............
espaço. Um mapa temático qualitativo não mostra quantidades
ou dados que tenham magnitude. Na Figura 22 temos o mapa de
fusos horários do Brasil. Este mapa simplesmente mostra onde
cada fuso horário está localizado e qual a faixa de cobertura de
cada um. Nenhuma relação matemática pode ser extraída deste
mapa, apenas igualdade e desigualdade entre os fusos horários.

Figura 22 - Mapa temático qualitativo de fusos horários no Brasil.

O mapa quantitativo mostra dados numéricos e sua variação de


um lugar para outro. Normalmente, os dados numéricos são
generalizados para que possam produzir um produto visual com
melhor aparência. Este mapa representa a margem pela qual um
candidato presidencial obteve os votos nos municípios brasileiros
nas eleições de 2022 no segundo turno nas eleições (Figura 23).
Assim, o tema deste mapa são os resultados eleitorais das
eleições presidenciais de 2022, e utiliza o número bruto de votos
simplificado e agregado ao nível de município para que seja mais
fácil interpretar a distribuição espacial e os padrões..........
Figura 23 - Mapa temático qualitativo, resultado dos eleições do segundo turno para
presidente em 2022.

Croqui:

O croqui é um esboço e não obedece a rotina técnica para a


elaboração de mapas. Não tem como finalidade a divulgação para
o público; contém informações sobre uma determinada área e
supre a falta de uma representação cartográfica detalhada sobre
ela.

Na realidade, o croqui é aquele “mapinha” que desenhamos para


informar a alguém, o roteiro a ser seguido a algum lugar. O Croqui
pode representar áreas grandes ou pequenas, não é feito por
cartógrafos, não tem referências cartográficas como escala,
orientação e coordenadas (Figura 24). .......
A qualidade do croqui vai depender da capacidade do “mapeador”
de transpor para o papel a visão que se tem dos lugares, dos
percursos e das noções de orientação, escala e simbolismo,
noções que poderão ser boas ou não, dependendo do grau de
alfabetização cartográfica atingido por esta pessoa...

Figura 24 - Exemplo de Croqui.

Bloco-Diagrama ou Maquete:

O Bloco-Diagrama, conhecido popularmente como maquete,


constitui um instrumento dos mais significativos enquanto
recurso didático, em virtude da sua semelhança com o espaço
que representa em três dimensões. Com relação às escalas, o
bloco-diagrama apresenta uma particularidade; na maioria delas é
preciso adotar uma escala vertical, que quase sempre é maior
que a escala horizontal. Essa medida visa dar o destaque
necessário às feições de relevo.

O bloco-diagrama pode ser utilizado para representar uma sala


de aula, um bairro, um município, sendo particularmente úteis na
representação de projetos urbanísticos, imobiliários ou em
assuntos ligados ao meio ambiente. Com o advento das
...................
Figura 25 - Exemplos de maquetes.

O Globo:

O globo é considerado o tipo de representação cartográfica da


Terra que mais se aproxima da realidade. Desenhado sobre uma
superfície esférica, em escala bem pequena, os globos
representam, sem detalhes, os aspectos naturais e artificiais do
planeta Terra. Embora sejam muito utilizados para fins culturais e
ilustrativos, não podemos deixar de frisar a grande importância
do globo como recursos pedagógicos no ensino da Geografia.

Sendo a figura que mais se assemelha ao planeta, representando


a inclinação da Terra em relação ao Sol ele facilita a
............................
compreensão da dinâmica da atmosfera, o ensino das estações
do ano, as bases do sistema de coordenadas geográficas e os
processos de localização e orientação, a passagem das horas e a
distribuição dos fusos horários. O globo também favorece os
estudos da política e da economia mundial, da distribuição da
população, das guerras, dos esportes, das religiões e de todos os
relacionados às atividades humanas no planeta em que vivemos.

Além dos Globos físicos que são amplamente utilizados como


recursos, culturais, ilustrativos e pedagógicos, nos últimos anos
temos utilizado também os Globos virtuais, que nos permitem
navegar de forma mais amigável e rápida em um grande conjunto
de dados espaciais. A Google foi a empresa que popularizou os
Globos digitais com o lançamento do Google Earth. Nesta
plataforma, pessoas comuns poderiam visualizar gratuitamente
imagens de satélites de diferentes resoluções, até níveis de
detalhes altos, apenas utilizando ferramentas simples de zoom,
pan e busca por localizações. A facilidade de acessar as imagens,
de inserir outros mapas no Google Earth, de se traçar rotas,
popularizou o uso de mapas para um público mais amplo na
sociedade, estimulando inclusive outras aplicações.

O Cartograma:

Um cartograma é um tipo de gráfico no qual o valor de um


atributo geográfico é representado por meio da área deste
mesmo objeto (Figura 26). Como um cartograma não descreve
espaço geográfico e altera o tamanho dos objetos, um
cartograma não é um mapa. Os Cartogramas são elaborados a
partir da interpretação de dados quantitativos relativos a uma
determinada área, adaptando-se os seus valores à forma espacial
a que se referem e respeitando-se as proporções entre as
dimensões desses valores.
Trata-se de uma maneira direta de representar uma informação e
permite que o leitor avalie com clareza e rapidez as intensidades
mostradas, identificando de maneira eficiente os espaços que se
destacam de acordo com o tema representado, podendo
inclusive estabelecer comparações.

Figura 26- Exemplo de Cartograma.

Fonte: https://guiadoestudante.abril.com.br/curso-enem/olimpiadas-no-brasil-veja-com-
graficos-e-mapas-o-que-os-jogos-olimpicos-tem-a-ver-com-historia-geopolitica-
desenvolvimento-socioeconomico-e-urbanizacao/

Problemas nas representações cartográficas:

O geógrafo Mark Monmonier escreve: “Para retratar relações


significativas para um mundo complexo e tridimensional numa
folha plana de papel ou numa tela de vídeo, um mapa deve
distorcer a realidade… Não há como escapar do paradoxo
cartográfico: apresentar uma imagem útil e verdadeira, uma
imagem, um mapa preciso, deve contar mentiras brandas” (1996).
As mentiras brandas incluem todos os tipos de estratégias
cartográficas, incluindo simbolização, generalização e erros
involuntários. Depois, há outros tipos de mentiras – mapas de
propaganda, mapas publicitários, mapas para defesa militar e
desinformação e mapas que promovem uma perspectiva política
específica. Como um leitor e criador de mapas crítico, é
fundamental ser capaz de identificar e compreender todas as
formas em que os mapas se encontram.

As diversas estratégias de mapeamento utilizadas na confecção


dos produtos cartográficos funcionam juntas para produzir um
resultado específico no mapa final. As escolhas realizadas durante
um de mapeamento podem ter um grande impacto no produto
final. Estas escolhas – e as mentiras que elas contam – também
podem ter consequências no mundo real para as pessoas e as
sociedades.

Todos os mapas incluem inerentemente mentiras brandas e


deturpações sutis: essas mentiras brandas são fundamentais para
o próprio ato de mapear! Um objeto tridimensional representado
em um plano é incapaz de preservar a forma e a área; portanto,
sempre que você traduzir um objeto tridimensional em uma
superfície bidimensional, deverá escolher como irá distorcer o
objeto.

Essa deturpação é uma forma de mentir com projeção. Um


exemplo que tem chamado muita atenção é a diferença entre as
projeções de Mercator e Gall-Peters (Figura 27). A projeção
Mercator foi criada pelo cartógrafo flamengo Gerardus Mercator
em 1569 e é usada em muitos ambientes, desde salas de aula até
o Google Maps e outros serviços online.

Este mapa foi feito principalmente para navegação e preserva


bem ângulos e formas. A principal desvantagem desta projecção é
que não preserva a área, de modo que os países próximos dos
pólos parecem muito maiores do que deveriam em relação aos
países próximos do equador. A Gronelândia tem apenas 7% da
área terrestre de África, por exemplo, mas parece ser igualmente
grande no mapa.

Em contraste, a projecção de Gall-Peters preserva a área à custa


da forma (por exemplo, a Gronelândia está significativamente
distorcida mas o tamanho da sua área está correto em
comparação com África). Arno Peters, na década de 1970,
argumentou que a projecção de Mercator poderia introduzir
preconceitos na percepção do mundo, dado que os países nas
latitudes setentrionais eram vistos como muito maiores do que
aqueles mais próximos do equador. Como resultado, argumentou
Peters, a projecção de Mercator mostra uma tendência centrada
no Norte e altera a percepção mundial da importância do Sul
global. Ele ofereceu uma alternativa, a projeção Peters, aquela
área mais bem preservada.

Acontece que este projeto já existia muito antes, tendo sido


inventado por James Gall em 1800, mas a projeção é geralmente
chamada de projeção de Gall-Peters para reconhecer o
argumento de Peters.

Figura 26 - Diferença de distorções entre as projeções de Mercator à esquerda e de


Peters à Direita.
Outra fonte de problemas é a simbolização, ou seja, a escolha de
símbolos para representar os objetos ou fenômenos a serem
mapeados. Por ser impossível mostrar ou mesmo adquirir todas
as informações que poderiam ser mapeadas em uma
determinada área, a simbolização é uma forma comum pela qual
os cartógrafos “mentem” para apresentar ou destacar
determinadas informações.

Compare a rota do Campus da UFABC Santo André até o Campus


da UNIFESP Diadema utilizando o Google Maps (Figura 28a) com
sua imagem de satélite equivalente (Figura 28b). A imagem e o
mapa representam a mesma área, mas no roteiro, o Google usa
simbolização para contar mentiras brandas - destacando estradas
diferentes usando tamanho e matiz (rodovias estaduais em
amarelo, avenidas municipais em branco grosso, ruas municipais
em branco fino), diferentes formatos para indicar diferentes tipos
de rodovias e diferentes estilos de rótulos para diferentes bairros
da região.

Essa forma de mentir com simbolização ajuda a cumprir um dos


propósitos centrais do Google Maps: a apresentação clara das
informações. Seria difícil usar as imagens brutas para fazer coisas
úteis, como dirigir pela a Região do ABC ou encontrar locais como
o Campus de Diadema da UNIFESP. Por outro lado, a imagem de
satélite seria mais útil para avaliar a impermeabilização do solo da
região do ABC e para mensurar a vegetação urbana da região. A
visualização da região do ABC no Google Maps e a visualização da
imagem de satélite são da mesma área, mas usam simbolização
de forma diferente.
Figura 27 - Simbolizações diferentes na mesma região do ABC na representação de uma
rota entre os campi da UFABC Santo André e UNIFESP Diadema.
A padronização dos dados também tem um enorme impacto na
história que o mapa conta. Os mapas na figura abaixo
representam dados de distribuição da população no Censo 2022
no estado do Pará (Figura 29). O mapa superior padroniza pela
densidade demográfica – o número de pessoas que vivem em
cada município dividido pela a área do município. O mapa inferior
é baseado em números brutos de quantas pessoas residem em
cada município.

Figura 29 - Diferença de padronização das variáveis em mapas de população do estado


do Pará no ano de 2022
A classificação é uma das fontes de “mentiras” mais conhecidas.
Na figura 30, temos três mapas que estão representando a
densidade de trailers (para moradia) para a região centro-norte
dos Estados Unidos em 2004. Os três mapas na figura abaixo
utilizam cada um os mesmos dados, o mesmo número de classes,
o mesmo esquema de cores e a mesma padronização, mas cada
um conta uma história muito diferente sobre a distribuição deste
tipo de residência na região centro-norte dos Estados Unidos,
dependendo do esquema de classificação.

Figura 30 - Mapas da distribuição de Trailers na região Centro-Norte dos Estados


Unidos em 2004.
A Figura 31 mostra três mapas de dados de densidade
demográfica no estado de São Paulo em 2022. Cada um usa um
esquema de classificação de quantis. A única diferença é o
número de classes. Veja como o número de classes impacta na
percepção dos níveis de concentração populacional no estado de
São Paulo. Embora existam algumas áreas que demonstram
padrões de concentração da população, à medida que aumenta o
número de classes, obtém-se uma imagem com padrão espacial
menos definido.

Figura 31 - Densidade demográfica no estado de São Paulo por municípios segundo


dados do Censo demográfico do IBGE de 2022.
A agregação espacial dos dados também é uma fonte de
“mentira” branda dos mapas. Os dados espaciais são
frequentemente levantados individualmente, e depois reportados
em escalas muito mais amplas, como o setor censitário ou
município. Isso é denominado agregação de dados.

Embora a agregação possa ser muito útil em termos de


preservação da privacidade ou de apresentação de uma visão
mais ampla e sinóptica, também pode levar ao problema da
unidade de área modificável (MAUP). O MAUP surge porque os
dados brutos de nível pontual são agregados em unidades
baseadas em área. O MAUP tende a ser problemático porque
estas unidades baseadas em áreas não têm limites “naturais” que
façam sentido para a análise em questão. Os limites baseados no
censo, por exemplo, são definidos por estradas e quantas casas
os funcionários do censo podem visitar num dia. Embora seja
possível que estas áreas representem bairros reais, muitas não o
farão. Em qualquer caso, estas unidades baseadas em área são
modificáveis ​porque podem ser redefinidas alterando
arbitrariamente os seus limites.

O MAUP pode surgir de duas maneiras principais. O primeiro


refere-se ao problema de zoneamento. Este ocorre quando há
uma no deslocamento mudança espacial nos limites atualmente
definidos. Neste caso, o tamanho e a forma das áreas não
mudam, apenas representam locais diferentes. O exemplo mais
fácil do problema de zoneamento seria se uma grade de células
de um quilômetro quadrado fosse deslocada 500 metros em uma
direção. Nesse caso, haveria uma mudança na forma como os
eventos de nível pontual seriam agregados a cada célula,
alterando potencialmente quaisquer resultados estatísticos.
Na Figura 32, há um exemplo de zoneamento com uma simulação
de diferentes resultados eleitorais em três estratégias distintas de
dividir distritos eleitorais. Na situação hipotética da figura 32
existem cinquenta sub-distritos (a menor área em que os votos
são apurados) que podem ser distribuídos em cinco distritos. Há
proporcionalmente mais eleitores verdes do que amarelos (60%
versus 40%) e, portanto, sendo todos os outros fatores iguais,
seria de esperar que os limites diferentes dos distritos não
reproduzissem resultados com proporções diferentes.

Do total de cinco distritos, seria de esperar que três votassem na


maioria verde e dois na maioria amarela, o que corresponde à
divisão de 60% versus 40% dos distritos subjacentes. O
agrupamento de sub-distritos em distritos produz resultados
diferentes se forem utilizados princípios de gerrymandering.

No “Districting A”, o número de distritos vencidos por cada partido


é proporcional ao número de eleitores de cada partido: 60% para
o verde e 40% para o amarelo. No “Districting B” divide os sub-
distritos amarelos de uma forma que permite que o verde domine
todos os distritos, rendendo 100% para o verde e 0% para o
amarelo. No “Districting C”, os votos do verde são “embalos” e
“quebrados”, assim o verde resulta em uma uma forma que
permite que o amarelo obtenha uma vitória frustrante com três
distritos, o que é o inverso dos padrões de votação esperado.

Figura 32 - Exemplo de zoneamento a partir de dados simulados que exibem a prática


de “gerrymandering” em eleições proporcionais americanas.
A segunda versão, é mais comumente referida, do MAUP é o
problema de escala. Com o problema da escala, os resultados
estatísticos mudam quando o tamanho das unidades baseadas
na área muda. Um excelente exemplo do potencial para o
problema de escala é mostrado na Figura 32. Devido às
mudanças introduzidas ao modificar os limites de setores
censitários para áreas de divulgação, quaisquer análises
estatísticas realizadas poderiam produzir resultados diferentes.

A Figura 33a mostra um mapa de roubos comerciais em


Vancouver, Colúmbia Britânica, Canadá, 2013. Esses dados são
representados como pontos, mas sistematizados a partir de
dados levantados a partir de 100 quarteirões.

Consequentemente, nenhuma inferência pode ser feita com uma


resolução espacial menor que quarteirão; contudo, quando vista
...
ao nível da cidade, é pouco provável que esta imprecisão distorça
os padrões percebidos. Como pode ser visto na Figura 32a, os
assaltos comerciais em 2013 em Vancouver parecem estar
agrupados, especialmente na península centro-norte da cidade
que contém o distrito comercial central.

É importante notar que este não é um “resultado” particularmente


interessante porque o uso comercial da terra em Vancouver
também está agrupado. Isto destaca a importância de
compreender o contexto em que os mapas de eventos criminais
são feitos.

De um modo geral, se estiverem disponíveis dados pontuais


sobre acontecimentos criminais, estes deverão ser utilizados pelo
investigador porque serão os mais precisos espacialmente.
Contudo, uma dificuldade com mapas baseados em pontos é que
se o fenômeno tiver um volume elevado numa determinada área,
é difícil ver quantos pontos estão presentes porque estão todos
uns sobre os outros. Isto pode ser resolvido utilizando uma série
de técnicas de visualização diferentes, como por exemplo a
estimativa da densidade do kernel.

Na Figura 33b observa-se as contagens de roubos comerciais nos


setores censitários em Vancouver. O aglomerado de roubos
comerciais no distrito comercial central ainda é bastante
aparente, com a maioria dos setores censitários da cidade tendo
contagens muito baixas deste crime durante o ano. A Figura 33c,
por outro lado, mostra os mesmos dados sobre roubos
comerciais agregados às áreas de disseminação – as áreas de
disseminação são semelhantes em tamanho ao grupo de blocos
censitários nos Estados Unidos, na maioria das vezes com 400 a
700 pessoas. Embora o mesmo padrão espacial geral esteja
presente, existem diferenças notáveis ​que emergem quando se
utiliza esta unidade espacial menor de análise.
Ao fazer mapas, muitas mentiras podem ser contadas. As
mentiras brandas incluem todos os tipos de estratégias
cartográficas padrão, incluindo projeção, simbolização,
padronização, classificação, agregação e zoneamento. Depois, há
outros tipos de mentiras como o gerrymandering, por exemplo.
Como um leitor e criador de mapas crítico, é fundamental que
nós sejamos capazes de identificar e compreender a forma como
os mapas se encontram.
Referências
ARCHELA, Rosely Sampaio. Cartografia Sistemática e Cartografia
Temática. Londrina: UEL, 2000.

DENT, Borden; TORGUSON, J.; HODLER, T. Thematic map design. New


York, New York, NY: McGraw-Hill, 2008.

Ingram, Ulrike e Rhodes, Jason, "Introdução à Cartografia (KSU)" (2020).


Livros didáticos abertos de ciências geológicas e geografia . 3.
https://oer.galileo.usg.edu/geo-textbooks/3

LONGLEY, Paul A. et al. Sistemas e ciência da informação geográfica.


Bookman Editora, 2009.

DE MENEZES, Paulo Márcio Leal; DO COUTO FERNANDES, Manoel.


Roteiro de cartografia. Oficina de textos, 2016.

MONMONIER, Mark S. Como mentir com mapas. In: Como mentir com
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MOURA, Flávia de Barros Prado; MARQUES, José Geraldo Wanderley.


Conhecimento de pescadores tradicionais sobre a dinâmica espaço-
temporal de recursos naturais na Chapada Diamantina, Bahia. Biota
Neotrop., Campinas , v. 7, n. 3, 2007.

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