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PREFEITURA MUNICIPAL DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO

Proposta Pedagógica
de Educação Infantil
Uma experiência coletiva em foco
Ficha Catalográfica
Bibliotecária Responsável: Jacqueline Machado Silva CRB 6/640
p922rPREFEITURA MUNICIPAL DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM.
Secretaria Municipal de Educação. Percursos Didáticos. Cachoeiro de
Itapemirim: PMCI/SEME/SEB/GEI. 2012. 30p.

1. Educação Infantil. 2. Percursos Didáticos. Secretaria de Educação Básica.


Prefeito Municipal de Cachoeiro de Itapemirim
Roberto Valadão Almokdice
Secretária de Educação
Sonia Luzia Coelho Machado
Diretora de Assuntos Técnicos e Pedagógicos
Silvana Coelho Machado
Gerência de Educação Infantil
Ermínia Tosta de Freitas Godoi
Consultoria
Profa. Dra. Vania Carvalho de Araújo / UFES

PARTICIPANTES DO GRUPO SISTEMATIZADOR


ETAPA I - MARÇO/2006 A DEZEMBRO/2007
Adriana Pereira
Cátia Cilene Pereira Rigão
Cláudia Mendes da Costa Farias
Cláudia Aparecida Vieira Pinheiro
Clayde Aparecida Belo da Silva Mariano
Conceição Aparecida Côrrea Martins
Ermínia Tosta de Freitas Godoi
Ida Kelly Prúcoli de Amorim
Keila Cristina Belo da Silva Oliveira
Leila Cristina Rocha Ferreira de Freitas
Marcelle Batista de Melo
02
Márcia Souto Siqueira Santana
Patrícia Prado Carvalho Souza
Rachel Santana Torres Poloni
Rosana Dias Santana
Silvana Correia Evangelista
Silvia Gasparelo Baiense
Simone Machado de Athayde
Sueli Maria Gomes Mariano
Verônica Barina Dias
ETAPA II - FEVEREIRO A OUTUBRO/2008
Adriana Pereira
Cátia Cilene Pereira Rigão
Cláudia Mendes da Costa Farias
Cláudia Aparecida Vieira Pinheiro
Clayde Aparecida Belo da Silva Mariano
Ermínia Tosta de Freitas Godoi
Ida Kelly Prúcoli de Amorim
Keila Cristina Belo da Silva Oliveira
Leila Cristina Rocha Ferreira de Freitas
Marcelle Batista de Melo
Márcia Souto Siqueira Santana
Silvana Correia Evangelista
Silvia Gasparelo Baiense
Simone Machado de Athayde
Sueli Maria Gomes Mariano
UNIDADES DE EDUCAÇÃO INFANTIL
PARTICIPANTES ÁREA URBANA
"Alair Turbay Baião"
"Albertina Macedo"
"Angélica Magnago Lachini"
"Áurea Bispo Depes"
"Aurora Estellita Herkenhoff"
"Carim Tanure"
"Dr. Pedro Nolasco Teixeira de Rezende"
"Dr.ª Rita de Cássia Vieira Vereza"
"Ena Coelho da Silva"
"Gov. Eurico Vieira de Resende"
"Irmã Margarida"
"Lions Clube Frade e Freira"
"Lorenzo Alves Cassoli"
"Maria das Neves Soares Albuquerque Espíndola"
"Maria das Victórias Oliveira Andrade"
"Maria Tereza Brandão de Mello"
"Maria Siloti"
"Mário Augusto Rocha"
"Normília da Cunha dos Santos"
"Olga Dias da Costa Mendes"
"Pe.Jefferson Luiz de Magalhães"
"Prof. Manoel Gonçalves Maciel"
"Prof. Paulo Estelita Herkenhoff"
"Profª. Idalina Cunha Moraes"
"Profª. Lucilla Araújo Moreira"
"Raul Sampaio Cocco"
"Sandra Monteiro Vargas Piassi"
"Saturnino Rangel Mauro"
"Sirda Rocha dos Santos"
"Virgínia Athayde Coelho"
"Waldir Furtado Amorim"
"Zeni Pires Ferreira"
"Zilda Soares Moura"
‘Zilma Coelho Pinto»
EDUCAÇÃO DO CAMPO:
"Abigail dos Santos Simões"
"Dolores González Villa"
"Hilsen Darci Perim"
"José Pinto"
"Laurindo Sasso"
"Sebastião da Rosa Machado"
"Teresa de Avelar Picoli"
UNIDADES DE ENSINO FUNDAMENTAL ATENDENDO SALAS DE EDUCAÇÃO
INFANTIL ÁREA URBANA:
"Prof. Elísio Cortes Imperial"
"Prof. Florisbelo Neves"
"Profª Gércia Ferreira Guimarães"
"Profª Maria do Carmo Magalhães"
"Profª Thereza Valiatti Sartório"
"São Luiz Gonzaga»
EDUCAÇÃO DO CAMPO:
"Alberto Sartório"
"Córrego Vermelho"
"Monte Alegre"
"Sertão do Monte Líbano"
"Santa Terezinha"
"São Vicente"
"São Joaquim"
ESCOLA ESTADUAL DO ENSINO FUNDAMENTAL)
EDUCAÇÃO DO CAMPO / SALA INSTALADA.
"Coutinho"
05

AGRADECIMENTO
A todos os profissionais que,
movidos pela afirmação da criança
como sujeitos de direitos , souberam
tensionar suas idéias, propostas e
utopias em torno de um projeto
coletivo de Educação Infantil,
rompendo com a insensatez do
individualismo.
PREFÁCIO
Deus quer, o homem sonha e a obra nasce.
Fernando Pessoa

Políticas educacionais coerentes com a sociedade atual - que exige um sujeito crítico, ético, capaz de interferir
positivamente em seu contexto - só podem ser possíveis por meio da ação plural de pessoas compromissadas com a
qualidade e a democracia.
A partir desse parâmetro, tornou-se possível a construção coletiva da Proposta Pedagógica da Educação Infantil, da
SEME-CI, que defende a premissa de que criança é sujeito de direitos e dona de voz própria. Por essa ótica,
consolida-se a idéia de que a cidadania é uma realização pessoal do sujeito, mediada pelo outro, o que permitiu a
ressignificação de conceitos e de práticas do cotidiano escolar.
Em defesa dessas premissas, a SEME-CI produziu e apresenta a Proposta Pedagógica da Educação Infantil: uma
experiência coletiva em foco. Este documento revela as vozes de todos os envolvidos em sua elaboração, o que nos
dá a certeza de sua efetiva implantação e de seu aperfeiçoamento contínuo.
Em síntese, o excerto de Holmes Jr. ratifica o ideal da instituição e a essência do documento ao se pensar a
Educação Infantil em nosso município:

O mais importante não é onde estamos, mas em que rumo nos dirigimos.
Para chegar ao porto do paraíso, devemos, às vezes , navegar a favor do vento e outras, contra; mas deve-se
navegar, e não ir à deriva nem jogar âncora.
Oliver W.Holmes Jr

Sonia Luzia Coelho Machado


Secretária Municipal de Educação
APRESENTAÇÃO

A riqueza que foi conquistada no processo de discussão e elaboração da proposta pedagógica da Educação Infantil
do Município de Cachoeiro de Itapemirim, veio nos instigar a buscar com mais intensidade o trabalho em torno da
coletividade e das vozes dos sujeitos envolvidos.
Todos os debates resultaram neste material, que constitui urna formação para os profissionais da educação,
propiciando a reconstituição e interiorização de valores e concepções. A importância atribuída a elaboração da
Proposta Pedagógica: uma experiência coletiva em foco" permite alcançar a qualidade para a Educação Infantil
com um novo olhar sobre as crianças, a infância e a renovação dos saberes e fazeres no cotidiano da Educação
Infantil.
Não sabemos para onde estamos indo. Só sabemos que a história nos trouxe até este ponto e por quê. Contudo, uma
coisa é clara. Se a humanidade quer ter um futuro reconhecível, não pode ser pelo prolongamento do passado ou
presente. Se tentarmos construir o terceiro milênio nesta base, vamos fracassar. E o preço do Fracasso, ou seja, a
alternativa para uma mudança da sociedade é a escuridão.
Eric Hobsbawm

Equipe Sistematizadora
SUMÁRIO
PROPOSTA PEDAGÓGICA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA EXPERIÊNCIA COLETIVA EM FOCO

1 A CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITOS: O INÍCIO DE NOSSAS


INQUIETAÇÕES ................................................... 09 1.1 Questionando a
realidade .............................................................................................................................................................. 10 2
UMA HISTÓRIA ESCRITA A DIFERENTES
MÃOS ..................................................................................................................... 12 2.1 Como e onde tudo
começou ......................................................................................................................................................... 13 2.2
Em busca de uma experiência
coletiva .................................................................................................................................... 15
3 DEFININDO CONCEITOS, ASSUMINDO A PARTICIPAÇÃO COLETIVA: OS FUNDAMENTOS DA
PROPOSTA
PEDAGÓGICA ...............................................................................................................................................................
............................... 16 3.1 O reconhecimento da educação infantil como primeira etapa da educação
básica ............................................. 18 3.2 De quais crianças estávamos
falando? ..................................................................................................................................... 20 3.3 Os dilemas e
desafios em torno da proposta pedagógica ................................................................................................ 22 4
FÓRUM MUNICIPAL DE
CRIANÇAS ............................................................................................................................................... 23 5 OS
DESAFIOS DOS PASSOS
SEGUINTES ...................................................................................................................................... 29 5.1 Algumas
questões desafiadoras do cotidiano da educação infantil ............................................................................ 30 6 QUAL
A CONCEPÇÃO DE CRIANÇA E DE INFÂNCIA QUE TEMOS NA EDUCAÇÃO
INFANTIL? ...................................................................................................................................................................
........................................................ 39 7 COMO, QUANDO E POR QUE AS CRIANÇAS BRINCAM NA
EDUCAÇÃO INFANTIL? ................................................. 49 8 A INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO
INFANTIL ....................................................................................................................................... 50 9 VIOLÊNCIA
E A PROMOÇÃO DA CULTURA DA PAZ NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO
INFANTIL .....................................................................................................................................................................
...................................................... 51 9.1 A violência no cotidiano da educação
infantil ...................................................................................................................... 55 9.2 Promovendo a cultura da
paz no cotidiano da educação infantil ................................................................................. 57 10 COMO LIDAR
COM A SEXUALIDADE DAS CRIANÇAS NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO
INFANTIL? ...................................................................................................................................................................
........................................................ 58 11 AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: ARTICULANDO
SABERES E FAZERES ....................................................... 59 12 A ORGANIZAÇÃO DO TEMPO E DO
ESPAÇO ESCOLAR ...................................................................................................... 60 13 RELAÇÃO ESCOLA
E FAMÍLIA: A EXPERIÊNCIA DA/NA EDUCAÇÃO INFANTIL .................................................... 65 14
ALFABETIZAÇÃO .......................................................................................................................................................
......................... 67 15 CONSIDERAÇÕES
FINAIS ................................................................................................................................................................ 70
REFERÊNCIAS ..............................................................................................................................................................
.............................. 85
1-A CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITOS: O INÍCIO DE NOSSAS INQUIETAÇÕES

É preciso indagar as vozes silenciadas e as vozes amplificadas nos discursos da escola e sobre a escola; interrogar
os discursos legitimados sobre a infância, sobre a aprendizagem, sobre o ensino, sobre os usos escolares da
linguagem escrita, sobre os parâmetros de sucesso ou fracasso escolar. Tomar estes temas, entre tantos outros
possíveis, para verificar de que modo a retórica favorável às crianças com frequência oculta, pensamentos e
práticas que excluem a muitas delas. É necessário tornar visíveis os discursos históricos subjacentes à prática
pedagógica (POPKEWITZ, 1994 apud ESTEBAN, 2002).

Quem atua na educação sabe muito bem o que significou o reconhecimento da educação infantil como primeira
etapa da educação básica. Este princípio legal presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º
9394/96) não apenas transfere a responsabilidade do trabalho com as crianças pequenas para o campo da educação,
mas coloca em cena o direito da criança a uma formação que supere o legado histórico desse atendimento na
perspectiva do assistencialismo e da filantropia.

A tentativa de superar a égide assistencialista, muitas vezes atravessada pela centralidade atribuída à alimentação,
ao banho e à segurança das crianças, sobretudo das crianças das classes populares, aliada à urgência de produzir
outras matrizes discursivas em torno da qualificação dos profissionais e do acesso ao conhecimento como um
direito da criança, é aspectos de um movimento que impulsionou a educação infantil a buscar construir uma
identidade própria ao longo de décadas.
Contudo, não obstante a consciência social e pedagógica decorrentes das várias manifestações que foram se
adensando na sociedade brasileira em prol de uma educação infantil pública e de qualidade para todos, podemos
considerar ainda tímido o reconhecimento da criança como sujeito de direitos no processo de elaboração e
implementação de políticas públicas, inclusive para o campo da educação infantil.

Com isso queremos dizer que, embora nos termos da lei as crianças tenham sido reconhecidas como sujeitos de
direitos, elas continuam sendo desqualificadas como cidadãs, indivíduos ativos na sociedade, subtraídas que são
por decisões e pelo poder dos adultos e de uma sociedade geralmente organizada para os adultos e pelos adultos.

Segundo a noção clássica de cidadania e do modelo de participação gerido pelos adultos, as crianças não são
reconhecidas como sujeitos políticos e soberanos na sua forma de agir e de se expressar no mundo, permanecendo,
assim, como o único grupo social excluído de direitos políticos expressos. De acordo com Sarmento (2007), “o
confinamento da infância a um espaço social condicionado e controlado pelos adultos produziu, como
consequência, o entendimento generalizado de que as crianças estão ‘naturalmente’ privadas do exercício de
direitos políticos” (p. 37).

Essa forma de conceber a criança reafirma não só uma suposta inocência e imaturidade da criança frente ao adulto
e à sociedade, mas tem colocado as crianças como simples destinatárias das políticas educacionais e das práticas
pedagógicas planejadas e desenvolvidas pelos adultos.

Se a privação dos direitos políticos não se restringe ao poder de voto, isso nos leva a questionar o quanto as
crianças ainda continuam invisibilizadas como atores políticos e o quanto a sociedade tem recusado o estatuto
político às crianças. De acordo ainda com Sarmento (2007),
Ao mesmo tempo que a modernidade introduziu a escola como condição de acesso à cidadania, realizou um
trabalho de separação das crianças do espaço público. As crianças são vistas como os cidadãos do futuro; no
presente, encontram-se afastadas do convívio coletivo, salvo no contexto escolar, e resguardadas pelas famílias da
presença plena na vida em sociedade (p. 40).

Como sujeitos produtores de cultura e de história, as crianças produzem experiências em companhia de diferentes
sujeitos, inclusive dos adultos. Daí porque faz-se necessário construir parâmetros públicos em que os interesses,
razões e valores das crianças sejam reconhecidos como elementos constitutivos do seu reconhecimento como
sujeitos de direitos, caso contrário, continuaríamos a conceber a vida social e a experiência política como uma
realidade exclusiva ao mundo do adulto. Sarmento (2005) ressalta

[...] na sua interação com os adultos, [as crianças] recebem continuamente estímulos para a
integração social, sob a forma de crenças, valores, conhecimentos, disposições e pautas de
conduta, que ao invés de serem passivamente incorporados em saberes,
comportamentos e atitudes, são transformados, gerando juízos, interpretações e condutas
infantis que contribuem para configuração e transformação das formas sociais. Deste
modo, não são apenas os adultos que intervêm junto das crianças, mas as crianças também
intervêm junto dos adultos. As crianças não recebem apenas uma cultura constituída que
lhes atribui um lugar e papéis sociais, mas operam transformações nessa cultura, seja sob a
forma como a interpretam e integram, seja nos efeitos que nela produzem, a partir das suas
próprias práticas [...]” (p. 21).

A afirmação das crianças como sujeitos de direitos exige não apenas outro modo de conceber a criança na dinâmica
da sociedade, mas exige também tomar suas experiências, seus questionamentos, suas ideias e capacidades, suas
opiniões e razões como parâmetros legítimos para se construir práticas coletivas com as crianças. Isso significa
colocar em xeque as formas com as quais têm-se interpretado as culturas infantis e têm
se considerado as condições reais de vida das crianças na escola e em contextos sociais mais amplos.

1.1-Questionando a realidade...

Nunca se pode saber de antemão de que são capazes as pessoas, é preciso esperar, dar tempo ao tempo, o tempo é
quem manda, o tempo é o parceiro que está a jogar do outro lado da mesa, e tem na mão todas as cartas do baralho,
a nós compete-nos inventar os encartes da vida (SARAMAGO, 1996).

No desafio de elaborar diretrizes para a educação infantil do município de Cachoeiro de Itapemirim, reflexões
foram contundentes ao defenderem um trabalho que deveria contemplar as crianças como sujeitos de direitos no
espaço escolar e na cidade. Para nós,as questões afetadas à educação infantil deveriam ter como exigência a busca
de espaços mais dignos de trabalho e de convivência, participação mais efetiva das crianças nos planejamentos, na
avaliação, na gestão das práticas escolares e das políticas públicas.

O reconhecimento da criança como sujeito de direitos deveria, desse modo, adquirir múltiplos significados no
processo de elaboração das diretrizes da educação infantil, como repensar as formas como o conhecimento deveria
ser produzido com as crianças, como o tempo e o espaço escolar deveriam ser (re) significados a partir e com as
crianças e como o trabalho da educação infantil deveria resultar em experiências coletivas e democráticas entre os
diferentes sujeitos e segmentos da escola.
Certamente que tudo isso interrogava as condições que se encontrava o trabalho pedagógico com as crianças, os
critérios utilizados para as construções e/ou reformas das unidades de educação infantil, a forma como as crianças
eram concebidas nas experiências ditas coletivas e democráticas, os modos como eram “incluídas” no cotidiano
escolar e como os diferentes sujeitos da escola reconheciam as manifestações das culturas infantis nos diferentes
tempos e espaços.

Questionamentos, dúvidas, reflexões, incertezas foram aos poucos tomando lugar nessa possibilidade de superar
uma ideia naturalizada de criança e de educação infantil. Somente sob essa perspectiva teria sentido um movimento
de elaboração das diretrizes de educação infantil para o município de Cachoeiro de Itapemirim1, caso contrário, a
criança correria o risco de ser invisibilizada e desqualificada como criança.

Pensar a educação infantil como um direito da criança requer que se efetivem políticas públicas, cuja elaboração e
implementação incluam também as formas como as crianças pensam, agem, produzem culturas e possuem
necessidades muitas vezes diferentes das lógicas e dos interesses dos adultos.

Assim sendo, a afirmação da educação infantil como um direito das crianças só teria sentido quando as práticas
endereçadas às crianças refletirem uma efetiva predisposição política e pedagógica de situá-las como sujeitos e não
assujeitá-las às ações e prescrições normalmente pensadas pelos adultos.

As crianças precisam ser “vistas” e “ouvidas” permanentemente e isso implica questionar o lugar que a educação
infantil ocupa no quadro das políticas públicas oficiais, com destaque para as políticas salariais e de qualificação
dos profissionais que trabalham com as crianças neste nível de ensino, para o sentido e a importância que o
conhecimento tem adquirido nesse espaço educacional, para a existência de modelos arquitetônicos de escola,
muitas vezes, aliados a uma funcionalidade que reforça as desigualdades sociais entre as crianças, já que, para os
filhos da “escola pública”, a ausência de uma ética e de uma estética arquitetônica impõe-se como um lugar do não-
direito e da não-cidadania. Nessa perspectiva, o projeto arquitetônico da escola pública parece não escapar dos
seguintes atributos: feio, precário e padronizado.
As crianças têm o direito de estar numa escola estruturada de acordo com uma das muitas
possibilidades de organização curricular que favoreça a sua inserção crítica na cultura. Elas
têm o direito a condições oferecidas pelo Estado e pela sociedade que garantam o
atendimento de suas necessidades básicas em outras esferas da vida econômica e social,
favorecendo mais que uma escola digna, uma vida digna (KRAMER, 2007, p. 21).

O desafio de elaborar diretrizes para a educação infantil do município de Cachoeiro de Itapemirim nos colocava,
enfim, diante de inúmeras realidades que precisavam ser questionadas e (re) significadas permanentemente.

Desse modo, podemos afirmar que a concepção de diretrizes adotada neste movimento de participação coletiva e
democrática, iniciada em março de 2007, não representa uma proposição conteudista em torno das práticas
pedagógicas, mas se constitui no esforço de perceber a realidade da educação infantil na sua totalidade, que nos
instiga a perseguir as lutas em torno da escola pública e de qualidade para todos; da afirmação da criança e dos
diferentes sujeitos que compõem o espaço escolar como sujeitos de direitos; da garantia do conhecimento como um
canal de interlocução permanente entre os sujeitos, as diferentes culturas e a realidade social mais ampla.

A elaboração coletiva das diretrizes tornou-se, assim, uma possibilidade de refletir sobre qual concepção que temos
de criança, de educação infantil e de conhecimento. Essa tríade, para além de suas definições teóricas, repõe o
esforço político e pedagógico de superar os discursos legitimados sobre a educação infantil, para a educação
infantil e amplia os horizontes de reflexão sobre o sentido da escola como espaço público, que confere ao processo
ensino-aprendizagem uma nova dinâmica entre os sujeitos e a realidade vista e vivida.
Ao assumir uma dimensão pública do processo de elaboração das diretrizes, assumíamos também os riscos ao
superar a centralidade dessa ação geralmente instituída às equipes das secretarias de educação que, muitas vezes,
consideram os professores e outros sujeitos da escola como meros executores de projetos e propostas.

Se tudo isso implicava criar outras bases metodológicas para a construção das diretrizes, significava também não
perder de vista às condições objetivas de trabalho que se configuravam na rede municipal. Tudo isso fazia emergir
uma perspectiva teórico-metodológica em permanente diálogo com a realidade, muitas vezes, marcada pela
histórica ausência de condições dignas de trabalho e de formação que foi se acumulando em torno da educação
infantil ao longo dos tempos.

2-UMA HISTÓRIA ESCRITA A DIFERENTES MÃOS

Um olhar a partir do contexto

Cachoeiro de Itapemirim traz em sua história, iniciada em 1812, um movimento peculiar. Muitos acontecimentos
atravessaram os seus vales, rios e matas, compondo desse modo, um cenário geográfico bastante diversificado.

Celeiro, no passado e no presente, de grandes debates, sobretudo, no campo das artes e da literatura, Cachoeiro
ainda contempla uma estreita relação com a vida urbana e rural. A década de 90, ao mesmo tempo em que trouxe
significativos avanços na economia, com a indústria de extração e beneficiamento do mármore e granito, bem
como atividade de produção de rochas ornamentais2, trouxe também grandes desafios à cidade.

Com a ampliação do contingente população, que hoje se configura em torno de 195.288 habitantes (IBGE/2007), e
com a expansão da oferta de serviços, Cachoeiro de Itapemirim ao longo dos tempos, foi se distanciando da
imagem de uma cidade com características interioranas predominantes para constituir-se num centro urbano
estratégico para a região sul do Estado do Espírito Santo, sendo responsável pelo abastecimento de 80% do
mercado brasileiro de mármore.

À semelhança de outras cidades brasileiras, Cachoeiro também é palco de desequilíbrios sociais e ambientais, o que
torna desafiada a busca por políticas públicas tensionadas a estabelecer ações articuladas em todas as áreas voltadas
à prestação de serviços à comunidade. É nesse contexto que se situam os diferentes dilemas e desafios da educação
infantil com uma política educacional destinada às crianças de zero a seis anos.
2.1-Como e onde tudo começou...

[“...] as ideias começaram a se misturar umas com as outras, e a formar muitas ideias.”
(Ruth Rocha)

A história de atendimento às crianças pequenas em Cachoeiro de Itapemirim é marcada por práticas voltadas à
assistência, com ênfase na alimentação, higiene e segurança das crianças. As primeiras creches foram criadas entre
1978 e 1982, sendo uma no bairro IBC, uma no bairro Zumbi (antiga Colméia) e outra no bairro Aquidaban, todas
elas gerenciadas pela Secretaria Municipal de Saúde.

Como podemos observar, a história de atendimento às crianças pequenas em Cachoeiro teve um forte acento nas
práticas assistencialistas e não se diferencia das experiências realizadas, nesse período, na maioria das cidades
brasileiras. No ano de 1989, foram atendidas 110 crianças com idades de 04 meses a 03 anos de idade de acordo
com o Censo Escolar de 1989.

Com a Constituição de 1988, o Poder Público passa a assumir a responsabilidade de oferta de atendimento às
crianças de o a 6 anos em creches e pré-escolas. Em atenção a esse preceito legal, em 1992, a Secretaria Municipal
de Educação assume a responsabilidade legal sobre as três creches existentes.
Com a Constituição de 1988, o Poder Público passa a assumir a responsabilidade de oferta de atendimento às
crianças de o a 6 anos em creches e pré-escolas. Em atenção a esse preceito legal, em 1992, a Secretaria Municipal
de Educação assume a responsabilidade legal sobre as três creches existentes.

Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no ano de 1996, a afirmação da educação
infantil como primeira etapa da educação básica altera significativamente os fundamentos de atendimento às
crianças, fazendo com que esse nível de ensino superasse a lógica assistencialista até então predominante, para uma
lógica que articulasse as práticas do cuidar com o educar.
Na tabela abaixo, podemos observar a predominância por parte do poder público municipal no atendimento às
demandas das crianças de 0 a 6 anos de idade:

TABELA 1 - DEMANDA ATENDIDA DA EDUCAÇÃO INFANTIL (0 A 06 ANOS), POR DEPENDÊNCIA


ADMINISTRATIVA, EM CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM/1989 A 2006

Fonte: PMCI/SEME/DIPE/Serviço de Estatística, Dados e Informações -


Censo Escolar MEC/INEP 1989-2006.

De acordo com a dependência administrativa, o atendimento às creches e pré-escolas está assim configurado:

TABELA 2 - DEMANDA ATENDIDA DA EDUCAÇÃO INFANTIL, EM CRECHES (0 A 03 ANOS DE


IDADE) E PRÉ ESCOLAS (04 A 06), POR DEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA, EM CACHOEIRO DE
ITAPEMIRIM/2001 A 2006
Fonte: PMCI/SEME/DIPE/Serviço de Estatística, Dados e Informações/2007

TABELA 3 - NÚMERO DE CRIANÇAS MATRICULADAS NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO -

PERÍODO 2007-2008
Fonte:Dados de 2007 - Censo Escolar
Dados de 2008 - Diretoria de Auditoria de Documentação Educacional
Atualmente (ano de 2008), o município conta com 55 EMEB’S, sendo que 41 escolas atendem somente à educação
infantil, dessas, 34 estão na área urbana e 07, no campo. O município ainda possui 13 escolas de ensino
fundamental que atendem às turmas da educação infantil, sendo 06 na área urbana e 07 no campo. Além dessas,
possui 01 sala anexa à escola estadual/educação do campo. No que diz respeito ao quadro de professores, a rede
municipal conta com 394 professores atuando nas unidades de creches e pré-escolas. Quanto ao nível de formação
dos profissionais que atuam nesse nível de ensino, temos os seguintes dados:

TABELA 4 - DEMONSTRATIVO DE CARGO, SITUAÇÃO FUNCIONAL E NÍVEL DE ESCOLARIDADE


DOS SERVIDORES DOCENTES DAS UNIDADES DE EDUCAÇÃO INFANTIL DA REDE MUNICIPAL DE
CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM. JUNHO -2006.
PEI-A: Professor de Ed. Infantil de crianças de 0 a 3 anos; PEI-
B:
Professor de Ed. Infantil de crianças de 4 a 6 anos; PEI-
C:
Pedagogos de Ed. Infantil; EST/CLT: Estatutário/Consolidação das
Leis do Trabalho - estáveis; DT/CTA: Designação temporária;
EF;
Ensino Fundamental; EM: Ensino Médio; ES: Ensino
Superior
PG: Pós-Graduação
3

Não obstante a tentativa de suprir a procura por vagas nas creches e nas pré-escolas, o município ainda conta com
uma demanda significativa de crianças ainda não contemplada, o que significa afirmar a premente necessidade de
se construir e ou ampliar espaços que possam garantir o acesso e a permanência das crianças na escola.

É nesse contexto que foi se delineando a necessidade de (re) significar o trabalho da educação infantil no município de
Cachoeiro de Itapemirim. Embora as atuais gerações do magistério possam ser testemunhas de 14
um movimento político e pedagógico que hoje se faz presente em torno da educação infantil, no interior desse
movimento, pudemos rememorar o que não foi possível viver em tempos passados, desvelar lutas, trabalhos e
desejos de trabalhadores e trabalhadoras que deixaram suas marcas para que pudéssemos capturar na história a
possibilidade de (re) inventar o presente.

Se com a história vivida por muitos, aprendemos a respeitar o passado e a percebê-lo nas suas ousadias e
contradições, o presente nos instigava, ao mesmo tempo, a rememorar o passado e a interrogar o presente com a
possibilidade desafiadora de transformá-lo. Portanto, nesse movimento que interroga tanto o passado quanto o
próprio presente é que optamos por considerar todos os sujeitos da educação infantil como sujeitos produtores de
história e de cultura. Sonia Kramer (1993), parafraseando Walter Benjamin, destaca:

[...] na memória capaz de resgatar o passado reside a possibilidade de se escutar os ecos de vozes que foram
emudecidas, e a partir desse resgate é que poderá se realizar o encontro secreto que está marcado entre as gerações
precedentes e a nossa...] (p. 49).

A pergunta se era possível construir uma história coletiva no presente, apontava para a exigência de uma
metodologia de trabalho coerente com essa perspectiva, o que implicava certamente superar os inúmeros desafios
presentes na educação infantil municipal: ausência de uma proposta mais orgânica de trabalho, fragilidades no
processo de formação dos diferentes profissionais, atividades focadas no desenvolvimento motor e cognitivo das
crianças, espaços inadequados de trabalho etc.

Não obstante todas essas questões que perpassavam o cotidiano da educação infantil municipal, não poderíamos
deixar de destacar a existência de outras pequenas histórias tecidas por muitos que se contrapunham à manutenção
de um trabalho espontaneísta e à lógica fragmentária do conhecimento.

Tudo isso confirmava que a realidade deveria ser compreendida em toda a sua complexidade e a escolha por uma
metodologia de elaboração das diretrizes de educação infantil não poderia ignorar as contradições que ainda se
faziam presentes.

3 Com a publicação da Lei Municipal 6.024, de 17/10/2007, houve agregações e/ou alterações de nomenclatura dos cargos citados, passando a serem denominados,
respectivamente: PEB-A: Professor de Educação Básica A, PEB-B: Professor de Educação Básica B - PEB-D: Professor de Educação Básica D (Pedagogo).
2.2 - Em busca de uma experiência coletiva

“O coletivo é a expressão de uma universalidade, que só se torna efetivamente apreensível de perto. É também, um
conjunto de falares e saberes.”
(Faria,2007)
No esforço de repensar a realidade e instigados com o desafio de reinventar o presente, todos deveriam ser
implicados neste processo de instituir coletivamente e democraticamente outros modos de participação. Se de um
lado, a secretaria de educação, a partir da coordenação municipal de educação infantil trazia sua análise da
realidade, de outro lado, novos olhares se faziam presentes a partir de outros sujeitos da escola.

Assim, foram emergindo formas concretas para se estimular o envolvimento de outros segmentos da escola nesse
processo (professores, pedagogos, gestores, pais/mães, crianças, representantes de Conselho Tutelar, vigias,
auxiliares administrativos, serventes, cozinheiras e auxiliares de serviços da educação).

Se o espaço público significava o espaço da deliberação conjunta (ARENDT, 1993), deveríamos contemplar uma
metodologia de trabalho voltada ao permanente diálogo e à participação coletiva.

Inicialmente foi proposta a constituição de um grupo sistematizador representado por professores, pedagogos e
gestores que pudessem acompanhar, registrar e avaliar todos os encaminhamentos e proposições apresentadas nas
reuniões e nos diferentes fóruns municipais, consolidando, desse modo, um espaço coletivo e permanente de
discussão sobre as atividades a serem desenvolvidas ao longo dos dezoito meses de trabalho.

Com a formação desse grupo que contava inicialmente com a participação de 20 pessoas, surgiu a necessidade de
nos fazermos coletivo, pois o fato de estarmos reunidos não garantia as mesmas bases de compreensão sobre a
educação infantil, a criança, o trabalho coletivo, o conhecimento etc. Como afirma Cortella (2008): Quando se
pensa na manutenção da integridade, do devo, posso e quero, a grande questão, junto com essa tríade, é se nós a
estamos dirigindo, como critério último, para proteção da morada do humano, da morada coletiva do humano.
Afinal de contas, não somos humanos e humanas individualmente, nós só o somos coletivamente. Fala se muito em
vivência ao nos referirmos à vida humana; no entanto mais correto seria sempre dizer convivência, pois repita-se,
ser humano é ser junto (p. 140).

Se a diversidade desafiava o pensamento hegemônico, essa mesma diversidade poderia produzir certas
cristalizações que impediriam a expansão da nossa capacidade de diálogo e reflexão. Nossa atenção voltava-se
então à necessidade de nos conhecermos melhor na permanente interlocução com as experiências contadas, com as
dúvidas e incertezas relatadas, com os estudos e pesquisas que ampliavam a nossa capacidade de ação e
intervenção da/na e com a realidade da educação infantil municipal. A constituição desse grupo afirmou-se, assim,
como a primeira estratégia adotada para a elaboração das diretrizes.
Concomitantemente às reflexões e debates que exigiram meses de encontros entre os participantes do grupo, foi se
delineando melhor outros mecanismos de participação que contemplasse todas as categorias de sujeitos presentes
no contexto da educação infantil. Desse modo, foram organizados cinco fóruns municipais: • 01 Fórum do
Magistério (professor, gestor, pedagogo e auxiliares de CEI);
• 02 Fóruns de pais e/ou responsáveis das crianças;
• 01Fórum de cozinheiras, vigias, serventes e de secretários;
• 01Fórum de crianças.

Em cada fórum, foram apresentadas as motivações que orientavam a elaboração das diretrizes municipais de
educação infantil. Após a exposição inicial sobre a metodologia prevista, o passo seguinte era ouvir as demandas e
proposições em torno de um trabalho que passaria a ser expressão da participação coletiva e envolvimento de todos.

Embora nos diferentes fóruns municipais muitos demonstrassem uma certa desconfiança e descrença em relação à
proposta de trabalho que estava por ser construída, outras vozes se faziam presentes, reiterando a necessidade e
urgência de debates em torno da elaboração das diretrizes.
Tudo isso tornava ainda mais desafiadora a dimensão pública e o sentido político/participativo que deveria ser
atribuído àqueles fóruns. Ao invés de formas prescritivas de ação, ao invés de uma proposta de trabalho produzida
em “gabinetes”, o que estava sendo proposto era como “falar” das inúmeras questões a serem discutidas e avaliadas
sem perder de vista a possibilidade de intervir na história e de nos reconhecermos como sujeitos ativos naquele
processo coletivo.

Se a educação infantil do município de Cachoeiro de Itapemirim trazia em sua história passada movimentos
interruptos de trabalho e desprovidos de participação coletiva e democrática, era necessário não perder o curso da
história, legitimando práticas e desejos comuns em torno do reconhecimento da educação infantil pública e de
qualidade para todos. Isso significava pensar a realidade na sua complexidade e (re) significar a própria forma de
conceber a participação em torno de uma proposta pedagógica comum a todos.

Nesse sentido, ao invés de um discurso evasivo e denunciador, era necessário qualificar as demandas e ideias,
aprofundar a compreensão de criança e de culturas infantis, bem como, fortalecer o sentido de rede entre as
diferentes escolas, ampliar os espaços de diálogo e de participação coletiva dentro e fora da escola, aprofundar o
sentido da educação infantil como primeira etapa da educação básica e percebê-la na sua articulação com o ensino
fundamental.

Educação infantil e ensino fundamental são indissociáveis: ambos envolvem conhecimentos e afetos; saberes e
valores; cuidados e atenção; seriedade e riso. O cuidado, a atenção, o acolhimento estão presentes na educação
infantil; a alegria e a brincadeira também. E, com as práticas realizadas, a s crianças aprendem. Ela s gostam de
aprender. Na educação infantil e no ensino fundamental, o objetivo é atuar com liberdade para assegurar a
apropriação e a construção do conhecimento por todos. Na educação infantil, o objetivo é garantir o acesso, de
todos que assim o desejarem, a vagas em creches e pré-escolas, assegurando o direito da criança de brincar, criar,
aprender. Nos dois, temos grandes desafios: o de pensar a creche a creche, a pré-escola e a escola como instâncias
de formação cultural; o de ver as crianças como sujeitos de cultura e história, sujeitos sociais (KRAMER, 2007, p.
20).

Essas e tantas outras questões foram aos poucos instituindo outro sentido à proposta de trabalho que estava por
realizar.

Não obstante as particularidades observadas nos diferentes fóruns municipais, o objetivo era de que cada segmento
representado pudesse manifestar as suas impressões, ideias e críticas sobre a educação infantil. Embora houvesse
uma intencionalidade ao reunir os diferentes segmentos de acordo com o campo específico de atuação (família,
magistério, auxiliares de CEI, serventes, vigias, cozinheiras, auxiliares de secretaria e crianças), pontos comuns
foram identificados, o que expressava um desejo coletivo de fazer valer algumas demandas ainda não contempladas
em torno da educação infantil municipal.

Se de um lado, aspectos comuns se faziam presentes, de outro lado, a diversidade de abordagens expunha algumas
dicotomias sobre o sentido da educação infantil e o tipo de trabalho que ela deveria realizar junto às crianças, sobre
o papel do professor, da família e da secretaria de educação frente a determinados conflitos e problemas existentes.
Considerando que esse debate se dava pela primeira vez na história da educação infantil do município4, muitas
proposições, perguntas e dúvidas foram lançadas em cada fórum realizado, o que demonstrava a seriedade
assumida por todos no processo. Como forma de explicitar o sentido da realização dos fóruns e qualificar melhor os
debates, foram considerados três aspectos que fundamentariam a intencionalidade daquelas ações, a saber: (1) O
reconhecimento da educação infantil como primeira etapa da educação básica; (2) A afirmação de uma concepção
histórico-cultural de criança; (3) A garantia da participação coletiva na elaboração das diretrizes de educação
infantil.

4 Em 2006, as discussões em torno da elaboração das diretrizes curriculares do ensino fundamental contava com a participação da equipe de educação infantil. Em função
das demandas diferenciadas desses dois níveis de ensino, no ano de 2007 optou-se pela construção de uma proposta pedagógica que contemplasse a especificidade da
educação infantil.
Tudo isso tornava ainda mais desafiadora a dimensão pública e o sentido político/participativo que deveria ser
atribuído àqueles fóruns. Ao invés de formas prescritivas de ação, ao invés de uma proposta de trabalho produzida
em “gabinetes”, o que estava sendo proposto era como “falar” das inúmeras questões a serem discutidas e avaliadas
sem perder de vista a possibilidade de intervir na história e de nos reconhecermos como sujeitos ativos naquele
processo coletivo.

Se a educação infantil do município de Cachoeiro de Itapemirim trazia em sua história passada movimentos
interruptos de trabalho e desprovidos de participação coletiva e democrática, era necessário não perder o curso da
história, legitimando práticas e desejos comuns em torno do reconhecimento da educação infantil pública e de
qualidade para todos. Isso significava pensar a realidade na sua complexidade e (re) significar a própria forma de
conceber a participação em torno de uma proposta pedagógica comum a todos.

Nesse sentido, ao invés de um discurso evasivo e denunciador, era necessário qualificar as demandas e ideias,
aprofundar a compreensão de criança e de culturas infantis, bem como, fortalecer o sentido de rede entre as
diferentes escolas, ampliar os espaços de diálogo e de participação coletiva dentro e fora da escola, aprofundar o
sentido da educação infantil como primeira etapa da educação básica e percebê-la na sua articulação com o ensino
fundamental.

Educação infantil e ensino fundamental são indissociáveis: ambos envolvem


conhecimentos e afetos; saberes e valores; cuidados e atenção; seriedade e riso. O cuidado,
a atenção, o acolhimento estão presentes na educação infantil; a alegria e a brincadeira
também. E, com as práticas realizadas, a s crianças aprendem. Ela s gostam de aprender.
Na educação infantil e no ensino fundamental, o objetivo é atuar com liberdade para
assegurar a apropriação e a construção do conhecimento por todos. Na educação infantil, o
objetivo é garantir o acesso, de todos que assim o desejarem, a vagas em creches e pré-
escolas, assegurando o direito da criança de brincar, criar, aprender. Nos dois, temos
grandes desafios: o de pensar a creche a creche, a pré-escola e a escola como instâncias de
formação cultural; o de ver as crianças como sujeitos de cultura e história, sujeitos sociais
(KRAMER, 2007, p. 20).

Essas e tantas outras questões foram aos poucos instituindo outro sentido à proposta de trabalho que estava por
realizar.

Não obstante as particularidades observadas nos diferentes fóruns municipais, o objetivo era de que cada segmento
representado pudesse manifestar as suas impressões, ideias e críticas sobre a educação infantil. Embora houvesse
uma intencionalidade ao reunir os diferentes segmentos de acordo com o campo específico de atuação (família,
magistério, auxiliares de CEI, serventes, vigias, cozinheiras, auxiliares de secretaria e crianças), pontos comuns
foram identificados, o que expressava um desejo coletivo de fazer valer algumas demandas ainda não contempladas
em torno da educação infantil municipal.

Se de um lado, aspectos comuns se faziam presentes, de outro lado, a diversidade de abordagens expunha algumas
dicotomias sobre o sentido da educação infantil e o tipo de trabalho que ela deveria realizar junto às crianças, sobre
o papel do professor, da família e da secretaria de educação frente a determinados conflitos e problemas existentes.

Considerando que esse debate se dava pela primeira vez na história da educação infantil do município4, muitas
proposições, perguntas e dúvidas foram lançadas em cada fórum realizado, o que demonstrava a seriedade
assumida por todos no processo. Como forma de explicitar o sentido da realização dos fóruns e qualificar melhor os
debates, foram considerados três aspectos que fundamentariam a intencionalidade daquelas ações, a saber: (1) O
reconhecimento da educação infantil como primeira etapa da educação básica; (2) A afirmação de uma concepção
histórico-cultural de criança; (3) A garantia da participação coletiva na elaboração das diretrizes de educação
infantil.

4 Em 2006, as discussões em torno da elaboração das diretrizes curriculares do ensino fundamental contava com a participação da equipe de educação infantil. Em função
das demandas diferenciadas desses dois níveis de ensino, no ano de 2007 optou-se pela construção de uma proposta pedagógica que contemplasse a especificidade da
educação infantil.
3-DEFININDO CONCEITOS, ASSUMINDO A PARTICIPAÇÃO COLETIVA: OS FUNDAMENTOS DA
PROPOSTA PEDAGÓGICA

“Tudo no mundo começou com um sim.”


(Clarice Lispector)

3.1-O reconhecimento da educação infantil como primeira etapa da educação básica

Aqui se colocou em questão o modo como os diferentes segmentos concebiam a educação infantil: “um lugar para
cuidar das crianças enquanto os pais trabalham”, “uma preparação para o ensino fundamental”, “um espaço
desprovido de dimensão pedagógica” etc.
Enquanto muitos traziam uma consciência mais crítica sobre o reconhecimento da educação infantil como primeira
etapa da educação básica, outros deixavam transparecer uma compreensão vaga e há tempos superada. Se a
elaboração das diretrizes da educação infantil pressupunha questionar o sentido e o papel atribuído a esse nível de
ensino, enfrentar tais questões significava retomar uma história de lutas em torno dos direitos das crianças e superar
práticas assistencialistas, consideradas por décadas como o caminho por excelência de atenção e atendimento às
crianças das classes populares.

O reconhecimento da educação infantil como primeira etapa da educação básica, conforme previsto no artigo 29 da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96)5, introduz não apenas o atendimento de creches e pré escolas
no contexto da educação, mas aponta as bases de como este trabalho deve ser realizado. Desse modo, ao invés de
práticas que reforçam a ocupação de tempo das crianças através de atividades que seguem repetidamente uma
rotina diária, como por exemplo, comer, dormir e brincar, o seu trabalho deve propiciar uma experiência cultural
mais ampla às crianças e isso significa conceber a educação infantil como um campo pedagógico interdisciplinar
que se articula permanentemente às outras práticas cotidianas (alimentação, banho, brincar etc.) de forma
planejada, coletiva e prazerosa.

Desse modo, é necessário afirmar o papel indissociável da educação infantil entre cuidar e educar as crianças em
suas ações cotidianas. Cuidar significa estabelecer uma relação de cumplicidade com o outro, atenção às suas
particularidades, acolhimento às suas necessidades, tais como, sono, segurança, alimentação e higiene, aliado às
outras experiências que revelam suas emoções, dores, alegrias, prazeres e desprazeres. “Para cuidar é preciso antes
de tudo estar comprometido com o outro, com sua singularidade, ser solidário com suas necessidades, confiando
em suas capacidades. Disso depende a construção de um vínculo entre quem cuida e quem é cuidado” (RCNEI, p.
25).

Educar, por sua vez, remete às práticas que possibilitem às crianças interagirem com o conhecimento, com as
diferentes linguagens e com a cultura. Todas as ações decorrentes do papel indissociável do cuidar e do educar
traduzem o esforço de imprimir, no trabalho com as crianças de 0 a 6 anos, uma prática que as ajudem a construir
sua identidade e autonomia, a compreender o mundo que as cerca na interação com outras crianças e com os
adultos.

A afirmação da educação infantil como primeira etapa da educação básica pressupõe também que esse nível de
ensino deve se articular ao ensino fundamental, o que significa atentar-se às formas como as crianças estão tendo
acesso ao conhecimento desde a mais tenra idade, sem que isso lhes impeça brincar e manifestar-se como criança
em todos os tempos e espaços. Aqui deu-se uma atenção especial aos perigos da escolarização precoce das crianças
pequenas, já que o trabalho da educação infantil muitas vezes é concebido apenas como preparação para o ensino
fundamental.

Nesse caso, as unidades de educação infantil têm uma responsabilidade muito grande na formação da família sobre
o sentido das práticas pedagógicas destinadas às crianças das creches e das pré-escolas, pois muitas vezes entende-
se que o trabalho deve constituir-se como uma reprodução de conhecimentos hierarquizados e sequênciais, o que
certamente despotencializa a articulação dos saberes historicamente construídos com o direito da criança de
brincar, fazer descobertas, de aprender sempre, de questionar e de ser reconhecida como criança antes mesmo de
ser “aluno”.
Outro ponto destacado em torno deste primeiro aspecto era o perfil dos profissionais para atuar na educação
infantil. O reconhecimento da educação infantil como primeira etapa da educação básica está ligada à garantia de
profissionais concursados e qualificados para atuarem nesse campo. Isso não apenas requer uma atenção especial
da secretaria de educação quanto aos critérios a serem adotados para a seleção desses profissionais, mas também
quanto ao acompanhamento e avaliação dos trabalhos desenvolvidos. Além disso, estava em jogo a garantia de
diferentes estratégias de formação continuada que deveriam se constituir nos espaços e tempos intra e extra-
escolares.

Diante de um público tão diversificado, era necessário buscar um consenso em torno de algumas ideias
apresentadas nos diferentes fóruns, pois seriam essas ideias iniciais que proporcionariam o desdobramento de
outras questões indispensáveis ao processo de elaboração das diretrizes.

3.2-De quais crianças estávamos falando?

Essa pergunta colocava em questão o modo como os vários segmentos representados concebiam as crianças. Nesse
sentido, não foram raras definições de criança ora idealizada por atributos que reforçavam sua inocência e
ingenuidade, ora concebida como imatura e incapaz em comparação ao adulto.

Se esses atributos colocavam em relevo um conceito abstrato e universal de criança, justificavam muito das
práticas endereçadas a elas, que desqualificam as crianças como sujeitos de direitos, como cidadãs e como
participantes ativos da sociedade, seja no universo familiar, seja no contexto escolar.

(Re) significar a concepção de criança implicava desconstruir uma visão homogênea de


criança, como se todas as crianças fossem iguais e tivessem os mesmos interesses e
necessidades. O próprio fato de tomá-las apenas como “aluno” já era uma forma de
desconsiderá-la na sua totalidade, de negar suas manifestações, suas representações e suas
vivências como crianças no espaço escolar. Como destaca Kramer (1986),

Conceber a criança como ser social que ela é, significa: considerar que ela tem uma história, que pertence a uma
classe social determinada, que estabelece relações definidas segundo seu contexto de origem, que apresenta uma
linguagem decorrente dessas relações sociais e culturais estabelecidas, que ocupa um espaço que não é só
geográfico, mas que também é de valor, ou seja, ela é valorizada de acordo com os padrões de seu contexto familiar
e de acordo também com sua própria inserção nesse contexto (p. 79).

Conceber a criança como ser social e histórico significava superar alguns atributos historicamente instituídos às
crianças, para fazer sobressair outros modos de percebê-las não apenas como sujeito inserido nas relações sociais
mais amplas, mas, sobretudo, no interior da família e do contexto escolar, espaços muitas vezes portadores de uma
definição de criança como um adulto em miniatura ou como um organismo em formação.

Se a afirmação das crianças como sujeitos de direitos e o reconhecimento da educação infantil como primeira etapa
da educação básica pressupunham uma (re) significação da concepção de criança, essa deveria interrogar as formas
com as quais os adultos agem e interagem com as crianças.
Desse modo, era necessário rever como as crianças são percebidas no contexto familiar, como são consideradas nos
diferentes tempos e espaços escolares, como são respeitadas nas suas diferenças sem que com isso sejam excluídas
em função da sua classe social, da sua etnia, idade ou gênero.

Em 1995, por iniciativa do Ministério da Educação e do Desporto, através da Coordenação-Geral de Educação


Infantil, um diagnóstico realizado sobre as propostas pedagógicas ou curriculares, existentes em estados e
municípios, tinha como base as seguintes preocupações em torno da garantia dos direitos fundamentais das crianças
nas creches, o que vale também para todas as unidades de educação infantil:
5 Artigo 29: A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos
físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.
• Nossas crianças têm direito à brincadeira?
• Nossas crianças têm direito à atenção individual?
• Nossas crianças têm direito a um ambiente aconchegante, seguro e estimulante?
• Nossas crianças têm direito ao contato com a natureza?
• Nossas crianças têm direito à higiene e à saúde?
• Nossas crianças têm direito a desenvolver sua curiosidade, imaginação e capacidade de expressão? •
Nossas crianças têm direito ao movimento em espaços amplos?
• Nossas crianças têm direito à proteção, ao afeto e à amizade?
• Nossas crianças têm direito a expressar seus sentimentos?
• Nossas crianças têm direito a uma especial atenção durante seu período de adaptação à creche? • Nossas crianças
têm direito a desenvolver sua identidade cultural, racial e religiosa? (CAMPOS e ROSEMBERG, 1995, p. 11).

Ampliando tais questões para a dimensão pública que o processo de elaboração das diretrizes deveria assumir em
toda a rede municipal, outras perguntas se fizeram presentes como forma de provocar outro olhar sobre o sentido e
o significado atribuído à educação infantil:

• As culturas infantis são respeitadas nos diferentes tempos e espaços escolares?


• As crianças são reconhecidas como sujeitos ativos nos processos decisórios da escola, nas práticas de avaliação e
de planejamento?
• As crianças participam do processo de elaboração do projeto político-pedagógico da escola? • Os espaços e
tempos escolares são organizados ou reformados levando-se em consideração as necessidades e interesses das
crianças?
• As crianças têm acesso aos diferentes saberes de forma contextualizada e sistematizada, de modo a ampliar suas
experiências e práticas culturais?

As interrogações em torno do que compreendíamos ser criança sinalizava o quanto as crianças ainda não eram
consideradas como seres sociais plenos e precisavam ser “conhecidas” e “reconhecidas” a partir delas mesmas, ou
seja, não tomada unicamente como “objeto dos projetos e iniciativas dos adultos e merecedora de proteção e
educação” (MANUEL PINTO, 1997).

Para superarmos essa visão homogênea de criança e de infância era necessário romper com alguns estigmas
endereçados a elas e isso significava aprender a ouvir as crianças, tornar perceptíveis suas falas, seus interesses,
suas experiências de forma a estabelecer uma alteridade social entre elas e os adultos. Somente assim era possível
pensar uma educação infantil com as crianças e a partir das crianças e não simplesmente uma educação infantil
para as crianças.

3.3-Os dilemas e desafios em torno da proposta pedagógica

A necessidade de orientações comuns para o trabalho da educação infantil no município de Cachoeiro de


Itapemirim trouxe como consequência à definição de uma metodologia que pudesse agregar todas as forças que se
articulavam em torno desse nível de ensino. Inicialmente, a recusa por uma proposta, cuja perspectiva
metodológica e conceitual deixava transparecer um conjunto de informações genéricas ou um modelo de
participação restritivo a determinados tipos de sujeitos, exigiu a produção de novos sentidos.

Se não se podia negar o instituído expresso nas histórias dos diferentes sujeitos e nas práticas então existentes, era
necessário instituir coletivamente outras perspectivas de análise e de ação que pudessem traduzir melhor os
objetivos de elaborar diretrizes para a educação infantil.

Os cuidados em torno de qual termo utilizar para melhor definir o nosso ponto de partida (Diretrizes curriculares?
Proposta pedagógica? Documento norteador para a educação infantil? Projeto Político Pedagógico? Orientação
curricular?) constituiu-se em uma tensão constante entre os membros do grupo sistematizador recém-formado; a
poucos momentos da realização dos fóruns municipais, essas dúvidas ainda atravessavam as discussões. Como
resolver tal impasse?
Por parte da Secretaria de Educação, jáhavia clareza de que a necessidade de propor um trabalho mais orgânico
para a educação infantil municipal não significava priorizar as discussões em torno dos conteúdos curriculares e
nem mesmo instituir elementos prescritivos para a ação dos diferentes profissionais das escolas. Esse pressuposto
possibilitou ampliar e aprofundar as nossas escolhas e decisões ao longo dos trabalhos.

Diante de tantas possibilidades, foi se delineando uma opção por proposta pedagógica, tendo em vista que essa
terminologia colocava em relevo não apenas as condições reais do contexto onde ela surgia e o sentido atribuıd́ o
àperspectiva polıt́ ica e pedagógica daquela ação coletiva, mas a concepção mesma de currıć ulo que deveria ser
assumida na proposta e desencadeada nas práticas dos diferentes sujeitos.

Concebendo o currıć ulo como as experiências tecidas pelos diferentes sujeitos e a articulação permanente entre o
instituıd́ o e o instituinte, era possıv́ el pensar na elaboração de diretrizes para a educação infantil que atrelasse a
ideia de currıć ulo aos sentidos produzidos, às descobertas feitas e às ações compartilhadas no cotidiano escolar
para além de um processo formalmente prescrito ou legalmente praticado.
Uma prática curricular consistente somente pode ser encontrada no saber dos sujeitos praticantes do currıć ulo
sendo, portanto, sempre tecida, em todos os momentos e escolas. Nessa perspectiva, emerge uma nova concepção
de currıć ulo. Não estamos falando de um ‘produto’ que pode ser construıd́ o seguindo modelos preestabelecidos,
mas de um processo através do qual os praticantes do currı́culo ressignificam suas experiências a partir das redes de
poderes, saberes e fazeres das quais participam. (ALVES, 2002, p. 41)

Se o currıć ulo representava um movimento constante de idas e vindas, continuidades e rupturas, fazeres e
desfazeres, conflitos e descobertas, deverıá mos ousar percebê-lo também no processo de elaboração da proposta
pedagógica de educação infantil para o municıṕ io de Cachoeiro de Itapemirim.

Era, portanto, necessário ouvir o que os pais, crianças, cozinheiras, serventes, vigias, professores, auxiliares
administrativos, gestores e pedagogos tinham a dizer, o que pensavam da educação infantil, como interpretavam as
experiências desenvolvidas no cotidiano escolar, como concebiam as crianças, o que traziam de suas práticas e da
realidade vivida, o que propunham àquele processo de participação coletiva e democrática.

Todas as ideias, crıt́ icas e sugestões apresentadas nos diferentes fóruns municipais se constituıŕ am em matéria
prima para as fases subseqüentes do trabalho. Com a participação efetiva de todos os segmentos, foi possıv́ el
identificar as questões que precisavam ser melhor discutidas e que se configuravam como as mais desafiadoras no
trabalho da educação infantil, seja pela complexidade de sua compreensão, seja pela contradição de suas vivências
nas práticas pedagógicas.

Se com as questões apresentadas os conflitos emergiam, era necessário confrontar o nosso conhecimento e avaliar
nossas práticas a fim de que as diversidades existentes não incorressem em futuras contradições teórico
metodológicas.

Nos fóruns representados pelos “adultos”, as questões suscitadas foram transformadas em possibilidades de
reflexão que deveriam ser melhor qualificadas ao longo do trabalho, como por exemplo, temas relativos à
alfabetização, sexualidade infantil, relação famıĺia e escola, violência, brincar na educação infantil, avaliação etc.

Não obstante a especificidade dos contextos culturais e sociais em que esses temas se originavam, o cruzamento
das preocupações e saberes trazidos pelos diferentes segmentos conseguiu desvelar inquietações comuns, o que
implicava num esforço coletivo de (re)significar as diferentes formas de intervenção pedagógica existentes na
escola.

4-FÓRUM MUNICIPAL DE CRIANÇAS

Também as crianças colocaram em ação formas próprias de perceber a educação infantil através do modo como
interrogavam as práticas tecidas naqueles espaços, expressando suas proposições diferentemente das culturas
adultas.
As crianças estavam ali representando outras crianças e a si mesmas. Esses traços distintivos das culturas infantis
fez transparecer valores, preocupações, desejos e experiências que elas partilham nas interações com os seus pares
e com os adultos no cotidiano da educação infantil.
Nesse processo de efetiva participação e reconhecimento como sujeito ativo na construção do projeto polıt́ ico
pedagógico da educação infantil para o municıṕ io de Cachoeiro de Itapemirim, tal como os adultos, elas
reiteravam o que era ainda necessário conquistar: espaços mais dignos de trabalho, mais brinquedos, merenda mais
saborosa e diversificada, salas de aulas mais amplas e arejadas, desrotinização do tempo etc.

A tomada de consciência da própria realidade possibilitava às crianças dizerem “o que gostavam” e o que “não
gostavam da escola”, sem, contudo, deixarem de apontar estratégias sempre criativas para a (re) invenção do
trabalho pedagógico.

Essa forma de participação das crianças fez emergirem outras lógicas em torno das culturas infantis e da
capacidade de se reafirmarem como sujeitos ativos na sociedade. Cada intervenção feita através dos breves
“discursos”, da demonstração de cartazes, dos versos falados e fotografias apresentadas etc. Deu um colorido
especial ao fórum.

Sob diferentes formas, as crianças demonstraram como são capazes de romper com o estado de submissão da
racionalidade adulta e imprimirem outras lógicas e sentidos às experiências vividas na educação infantil. As
crianças estavam ali, atentas às estratégias utilizadas para representar seus pares e colocar em relevo o modo
particular com que interpretavam os acontecimentos e o cotidiano da educação infantil municipal.

5-OS DESAFIOS DOS PASSOS SEGUINTES...

Após várias semanas dedicadas à realização dos fóruns municipais, novas estratégias de trabalho precisavam ser
construıd́ as. Se a pergunta central era o que fazer com tantos questionamentos, proposições e crıt́ icas em torno da
educação infantil, as discussões acumuladas não poderiam perder-se no prosseguimento do trabalho, ao contrário,
elas deveriam constituir-se como o mote das futuras reflexões.

Visto que o conhecimento não é estático, mas passa por movimentos de contıń uas descobertas e rupturas, a
construção de outras possıv́ eis racionalidades mais articuladas e menos fragmentadas sinalizava para o
aprofundamento das questões atéentão apresentadas.

A necessidade de uma nova interlocução em torno das práticas e teorias que “cercavam” e “acercavam” o contexto
da educação infantil de Cachoeiro de Itapemirim implicava a sistematização dos meios para que esta construção
pudesse se efetivar. Daı ́porque era importante avaliar os discursos, repensar a realidade e superar as contradições
atéentão evidenciadas.

Se era importante continuar garantindo a participação coletiva, foi proposto um movimento diferenciado daqueles
apresentados nos fóruns municipais. Nessa perspectiva uma ação articulada entre os profissionais do magistério
(professores, pedagogos e gestores) fez surgir uma outra metodologia de trabalho através dos Fóruns de
Representantes, cuja finalidade era aprofundar as questões suscitadas nos diferentes fóruns municipais.

A partir das variadas temáticas até então apresentadas nos fóruns municipais inúmeras questões se fizeram
presentes, nos Fóruns de Representantes, novas escolhas deveriam ser feitas, de modo que todas as escolas
pudessem participar e contribuir efetivamente com suas reflexões. Sendo assim, as questões consideradas mais
relevantes e dignas de maior aprofundamento foram escolhidas como prioritárias ao novo processo de discussão
que estava se iniciando.

O esforço analıt́ ico de todos possibilitou, assim, identificar como as unidades de educação infantil concebiam os
diferentes temas identificados nos fóruns municipais, quais as dúvidas suscitadas em torno deles, que experiências
e demandas traziam, como percebiam o papel da educação infantil, que matrizes teóricas respaldavam as suas
ações, que projeto de educação infantil desejavam construir etc.
Para fomentar a discussão dos temas nas unidades de educação infantil, foram encaminhados textos que pudessem
qualificar a escrita das reflexões. Nesse sentido, todas as unidades deveriam utilizar-se dos grupos de estudos
previstos em calendário para sistematizar as discussões e assim apresentá-las quinzenalmente nos fóruns de
representantes.

Essa metodologia fazia emergir nova s indagações, dúvidas e proposições que serviram, para fortalecer o
conhecimento como uma troca coletiva, legitimando o diálogo, o reconhecimento das diferentes vozes das unidades
de educação infantil que seriam incorporadas àproposta pedagógica em curso.

5.1 Algumas questões desafiadoras no cotidiano da Educação Infantil

Se o tempo não permitia discorrer sobre todas as questões evidenciadas nos fóruns municipais, a escolha por
algumas delas deveria traduzir os dilemas e desafios que mais se sobressaıŕ am nos fóruns municipais. Nessa
perspectiva, o agir polıt́ ico e pedagógico daquela proposta em curso deveria reconhecer que os fundamentos
teóricos e metodológicos da educação infantil não poderiam ser elaborados sem levar em consideração o que cada
segmento trazia como centro de suas preocupações e dúvidas em suas práticas cotidianas.

Essa tomada de decisão não apenas legitimou as escolhas feitas pelos diferentes segmentos da educação infantil,
mas fez sobressair a necessidade de se estabelecer bases comuns de reflexão que também deveriam ser
contempladas nos projetos polıt́ ico-pedagógicos de cada instituição.

Dentre os vários temas apresentados, foram identificados como prioritários ao processo de discussão: Concepção
de criança/infância, brincar, alfabetização, inclusão, violência, sexualidade, relação escola e famıĺia, organização
do tempo e espaço escolar, avaliação, saberes e fazeres na educação infantil.

6-QUAL A CONCEPÇÃO DE CRIANÇA E DE INFÂNCIA QUE TEMOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL?

Em diferentes momentos, a concepção de criança atravessou os debates realizados nos fóruns municipais com os
diferentes segmentos da educação infantil. No fórum de representantes, por sua vez, ela deveria assumir outros
contornos, na possibilidade de aprofundá-la com o conjunto do magistério. Desse modo, esse primeiro tema
colocava em xeque o modo como a criança era concebida e reconhecida no cotidiano escolar.

Seria redundante afirmar que o trabalho da educação infantil teria como pressuposto as crianças pequenas.
Contudo, ao analisarmos o modo como a crianças têm feito determinadas experiências e sido consideradas na
escola, essa premissa nem sempre se confirma, pois o que vemos, muitas vezes, é um trabalho pensado e
organizado pelos adultos com pouca participação das crianças. “[...] deve-se partir do princıṕ io de que as crianças
têm modos de vida e inserções sociais completamente diferentes uma das outras, o que reflete nos diferentes graus
de valorização da infância pelo adulto” (FARIA, 1997, p. 18).

Historicamente, as crianças e, sobretudo as crianças das classes populares, foram relegadas em função das decisões
e racionalidade dos adultos. De tábula rasa à criança invisibilizada no seu modo de ser, pensar e agir, pouco mudou,
ou seja, sob várias maneiras a presença fıś ica das crianças na escola não deu conta de expressar uma prática
pedagógica que realmente reconheça a criança e as culturas infantis.

Essa observação pode se tornar ainda mais evidente quando a ideia de “adaptação escolar” indica o quanto a
criança deve ser “adaptada” e “encaixada” com a sua entrada na escola e não acolhida.

O processo de acolhimento éum processo permanente de escuta, de observação e de sensibilização às culturas
infantis, aos modos como as crianças agem e interagem com as outras crianças e com os adultos, às experiências
que elas tecem antes mesmo de chegar à escola, como criam e recriam situações, como questionam, recusam,
propõem e (re) significam determinadas vivências. Por aı ́podemos afirmar que as crianças estão nas creches e nas
pré-escolas, mas nem sempre são incluıd́ as e reconhecidas como crianças nestes espaços.
Vistas como uma fase de vida naturalizada e como uma entidade biopsicológica, as crianças são normalmente
consideradas como sujeitos incompletos, incapazes e imaturos em relação aos adultos. Esses traços definidores de
criança nada mais servem do que para desvalorizar, inferiorizar e desqualificar a especificidade das crianças. E
nesse sentido que se faz necessário superar uma visão reducionista de criança ainda presente em nossa sociedade.

Como sujeitos sociais que são as crianças não devem ser vistas como meros receptores passivos das decisões e das
lógicas dos adultos, elas produzem história, produzem cultura em companhia também dos adultos, o que implica
afirmar, que as crianças precisam ser ouvidas permanentemente, essa escuta se dá à medida que participam
efetivamente dos processos decisórios da escola, têm direito de avaliar, a participar do planejamento, a representar
os seus pares etc.

Muniz Sodré(1992) relaciona a violência àidealização e ànegação das condições reais de existência da criança. Para
esse autor:
O conceito idealizado, universal e abstrato de infância, continuamente reafirmado pelas
matrizes ideológicas do mundo ocidental, apóia-se na exclusão ou na discriminação das
formas concretas de existência da criança, portanto numa violência (p.66).

Esse conceito idealizado que reforça uma imagem ingênua, imatura e romântica de criança se expressa no contexto
da educação infantil através de situações variadas, como por exemplo, na oferta das atividades e na organização do
tempo e do espaço escolar.

Não são raras as reproduções de experiências que as crianças já sabem fazer antes mesmo de estar na escola e isso é
muitas vezes, despercebido pelo professor que insiste em oferecer determinadas vivências às crianças apenas para
ocuparem o tempo ou mesmo estabelecer critérios de organização e planejamento sem a participação das crianças,
vide o que ocorre na sala de aula, nos momentos de alimentação, na disposição dos materiais, no pátio etc.

Onde estão as crianças na escola? Assujeitadas a um modelo universal e a-histórico de desenvolvimento? Fixadas
na sua faixa etária como uma sıń tese definidora de suas capacidades e possibilidades de ação no mundo?
Relegadas às normas e decisões dos adultos? Adaptadas ao tempo e espaço escolares? Fixadas num mundo que foi
feito pelos adultos e para os adultos?

Se essas questões colocam em cena o quanto as crianças ainda precisam ser sujeitos e não assujeitadas na escola e
em nossa sociedade, traduz também a necessidade de pensar o trabalho da educação infantil a partir das crianças e
com as crianças considerando-as na sua pluralidade.

Pensar na oferta de um trabalho pedagógico que não a conceba apenas como um dado etário, pois a idade não
deveria ser o único critério para planejar o trabalho pedagógico, mas articulada às outras marcas presentes na vida
da criança como, por exemplo, sua história, sua cultura, sua condição de classe, sua etnia, gênero etc.

Ao destacar o quanto a psicologia do desenvolvimento no passado acabou influenciando as nossas concepções


acerca da criança, Souza (1996) ressalta a predominância de dois enfoques de desenvolvimento humano: o
biológico-evolucionista e o pedagógico-normativo sintetizados nas seguintes explicações.

O enfoque biológico-evolucionista, originário das ciências da natureza e da medicina, atribui àmaturação uma
importância preponderante. Considerar um indivıd́ uo imaturo ou não é um juıź o de valor. Nesse caso, afirma
Souza, esse enfoque legitima cientificamente julgamentos de valor, tomando-os como fatos naturais e objetivos do
desenvolvimento humano.

O enfoque pedagógico-normativo, de outro modo, prioriza o processo de socialização, que capacita os sujeitos à
vida social e produtiva. Nesse enfoque, as etapas de desenvolvimento têm uma clara relação com determinadas
práticas que credenciam as crianças àvida adulta. Com base nessas reflexões, Souza (1996) conclui:
[...] de fato a psicologia do desenvolvimento habituou-nos a pensar a criança na perspectiva de um organismo em
formação, que se desenvolve por etapas, segundo uma dada cronologia, e que, além disso, fragmenta a criança em
áreas e setores de desenvolvimento (cognitivo, afetivo, social, motor, lingüıś tico...) de acordo com a ênfase dada a
essas áreas por cada teoria especıf́ica (p.45).

Tais considerações nos levam a afirmar que a criança não é fruto da maturação orgânica e nem se constitui apenas
como uma realidade biológica. A corrente histórico-cultural de psicologia do desenvolvimento, cuja figura central é
Vygotsky, não só contrapõe-se a essa concepção, mas afirma que o desenvolvimento não é natural, mas cultural.
Contudo, como bem destaca Pino (2005):

Dizer que o desenvolvimento é cultural não significa, de forma alguma, ignorar a realidade
biológica, pois [...] realidades biológicas e realidades culturais, embora pertencendo a
ordens diferentes, são interdependentes e constituem dimensões de uma mesma e única
história humana (p.58).

Poderıá mos ainda incorrer noutro equıv́ oco teórico e metodológico ao reconhecer a particularidade da criança
como uma forma de enaltecer uma suposta autonomia desvinculada de interações sociais. Ainda que as crianças
tenham “modos de governos próprios”, como bem afirma Sarmento (2004), a inserção da criança no mundo da
cultura passa pelo Outro. O Outro éassim o mediador entre a criança e o universo cultural.

Vygotsky (apud PINO, 2005) vai destacar a mediação do Outro como um lugar simbólico ocupado pelos inúmeros
parceiros das relações sociais da criança ao longo da sua história social e pessoal (crianças, adolescentes, adultos).
O Outro mediado entre a criança e o universo cultural. Nesse sentido, o desenvolvimento humano passa,
necessariamente, pelo Outro, portanto, a história de cada uma das funções psıq́ uicas se constitui como uma história
social.

Ao fazer uma análise crıt́ ica do uso que se faz àteoria de Vygotsky, Newton Duarte (2001) destaca a existência de
um ecletismo epistemológico que se configura na “mistura” de bases teóricas bastante distintas, como éo caso da
junção indevida que se faz entre a teoria de Piaget e Vygotsky. Nesse sentido afirma, que “a psicologia histórico-
cultural não éuma variante do interacionismo-construtivista”.

Enquanto para Piaget a interação éresultante de um princıṕ io biológico que se dácom a relação de qualquer ser
vivo com o ambiente, para Vygotsky a interação não éuma simples relação com o meio e nem mesmo um “estar
junto” com outras pessoas, mas uma interação historicamente situada, mediatizada por produtos sociais, desde os
objetos até os conhecimentos historicamente produzidos, acumulados e transmitidos (DUARTE, 2001). “O
problema não reside portanto em trazer o social para o construtivismo, mas em buscar outro modelo
epistemológico, diferente do modelo biológico que está na base do interacionismo-construtivista” (DUARTE,
2001, p. 89).

E justamente o modo de conceber a natureza infantil como sendo de natureza eminentemente cultural e histórica é
que podemos ampliar o nosso horizonte de significação acerca da criança e do trabalho da e na educação infantil
em uma perspectiva histórico-cultural.

Conceber a criança numa perspectiva histórico-cultural, por sua vez, significa romper com as formas cristalizadas
de trabalho que ainda perpassam o cotidiano da educação infantil, como por exemplo, fixá-las em práticas
rotineiras e repetitivas como se fossem modelos de organização, tratar o conhecimento de forma espontaneıś ta e
despretensiosa, manter os espaços e tempos escolares segundo os interesses e a funcionalidade dos trabalhos dos
adultos, não valorizar o universo cultural da criança produzido dentro e fora da escola etc.

O conceito universal, idealizado e abstrato de infância ainda continua determinante em vários espaços escolares. Se
não damos conta de conceber a criança como uma realidade histórico-cultural, será muito difıć il compreender o
desenvolvimento e a aprendizagem numa perspectiva histórico-cultural.
A corrente hitórico-cultural de psicologia, cuja figura de proa éLev S. Vygotsky constitui
uma exceção na história do pensamento psicológico, não sóporque introduz a cultura no
coração da análise, mas, sobretudo porque faz dela a “matéria prima” do desenvolvimento
humano que, em razão disso, é denominado “desenvolvimento cultural”, o qual é
concebido como um processo de transformação de um ser biológico num ser cultural.
(PINO, 2005, p. 52).

Tais reflexões apontam para a necessidade de desconstruir uma imagem homogênea e estereotipada de criança que
muitas vezes perpassam os discursos e as práticas sociais, inclusive aquelas existentes no interior das creches e das
pré-escolas. Tomar a criança não como promessa ou futuro e nem mesmo considerá-la um vir-a ser dependente do
adulto, jáéuma forma de romper com uma concepção biologizante e universal de criança e afirmar uma educação
infantil na perspectiva histórico-cultural.

Transpor tal concepção ao contexto da educação infantil significa reconhecer a criança como produtora de cultura e
de história, um sujeito ativo nas relações sociais. Somente um trabalho que leve em conta a criança como categoria
social com formas peculiares de agir e interagir no mundo é capaz de ampliar as experiências culturais das crianças
sem desqualificá-las como crianças no espaço escolar.

Isso exige coerência teórica e metodológica no trabalho com as crianças e requer que o agir pedagógico não seja
algo instituıd́ o à criança, mas construıd́ o a partir da criança e com a criança. Exige, por fim, um olhar sempre
atento e questionador acerca dos discursos e das imagens de criança representada nos livros didáticos, nas histórias,
nos desenhos, na experiência curricular os quais podem estar reforçando uma concepção de criança idealizada e
desprovida de suas condições reais de vida.

7-COMO, QUANDO E POR QUE AS CRIANÇAS BRINCAM NA EDUCAÇÃO INFANTIL?

Não hádúvida que brincar significa sempre libertação


(Walter Benjamin)

A dimensão criadora das culturas infantis se expressa de diferentes formas, porém, nas brincadeiras, as crianças são
capazes de impor significados àvida e às suas experiências de maneira bastante peculiar. “A imaginação da criança
trabalha subvertendo a ordem estabelecida, pois, impulsionada pelo desejo, ela estásempre pronta para mostrar uma
outra possibilidade de apreensão das coisas do mundo e da vida” (SOUZA, 1996, p. 52).

Através das brincadeiras, as crianças colocam em cena marcas de seu grupo social, de sua etnia, de sua cultura.
Dados da realidade e da fantasia se articulam, impondo modos próprios de vivências e convivências. O que não é
capaz de expressar de outra forma utiliza-se do elemento lúdico para fazê-lo. São esses traços que as caracterizam
como sujeitos brincantes e produtoras de cultura. Impulsionadas pela vontade de explorar os objetos àsua volta,
movidas pela curiosidade e pelo prazer de instituir novos significados ao mundo, conseguem criar e recriar
situações de forma a mostrar uma outra possibilidade de uso e desuso de um determinado objeto ou situação.
Quando as crianças pequenas brincam de ser “outros” (pai, mãe, médico, monstro, fada, bruxa, ladrão, bêbado,
polı́cia etc.), refletem sobre suas relações com esses outros e tomam consciência de si e do mundo, estabelecendo
outras lógicas e fronteiras de significação da vida. “O brincar envolve, portanto, complexos processos de
articulação entre o já dado e o novo, entre as experiências, a memória e a imaginação, entre a realidade e a
fantasia” (BORBA, 2007, p. 36).

Tudo isso confirma que as crianças também se apropriam, reproduzem e (re) significam as culturas com as quais
interagem no seu cotidiano, utilizando formas especificamente infantis de inteligibilidade, representação e
simbolização do mundo (SARMENTO, 2004). Podemos afirmar que existe uma autonomia, um modo peculiar das
culturas infantis se expressarem. Para Sarmento (2004),
Essas formas culturais radicam e desenvolvem-se em modos especı́ficos de comunicação
intrageracional e intergeracional. Sem prejuıź o da análise dos fatores psicológicos e das dimensões
cognitivas e desenvolvimentais que presidem àformação do pensamento das crianças, as culturas
da infância possuem, antes de mais, dimensões relacionais, constituem-se nas interações de pares
entre crianças e adultos, estruturando-se nessas relações formas e conteúdos representacionais
distintos. (p. 21)

Embora as crianças reproduzam as culturas de seu contexto social, elas as reproduzem de modo distinto das
culturas adultas. E é justamente nas brincadeiras que podemos observar como as crianças atribuem significados às
coisas, criam e subvertem regras, estabelecem jogos de poder com os seus pares, utilizam da imaginação e da
fantasia para interpretar o real, sem perder a dimensão das situações dolorosas e dos conflitos vividos no cotidiano.

Ao comparar a experiência do bebêcom uma criança de idade pré-escolar, Souza (1996) ressalta que, enquanto para
o bebêos objetos são elementos motivadores e determinantes de suas experiências, o que justifica suas ações serem
condicionadas ao uso dos objetos ao mesmo tempo em que estes limitam o seu comportamento, nas crianças
maiores os objetos vão perdendo sua força determinante e a criança não é mais estimulada pelas impressões, estıḿ
ulos e formas externas dos objetos, mas como consequência do desenvolvimento ela põe a imaginação em cena e
cria outros significados e sentidos aos objetos e situações.
Essa ideia trazida por Souza está fundamentada no conceito de “zona de desenvolvimento proximal” desenvolvido
por Vygotsky em seu livro “A formação social da mente”. Esse conceito traduz a distância entre o que a criança
consegue realizar sozinha de forma independente e aquilo que ela realiza sob orientação dos adultos ou em
colaboração das outras crianças. Embora as brincadeiras nem sempre serão transpostas à vida cotidiana de forma
imediata, estas experiências são a base para a formação da subjetividade da criança que se materializarána sua
relação com o contexto social e cultural em que vive. Neste sentido, Vygotsky (1984) afirma:

No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua


idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo écomo se ela fosse do que éna
realidade. Como foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do
desenvolvimento sob forma condensada, sendo ele mesmo, uma grande fonte de
desenvolvimento (p.117).

Isso para confirmar que, na brincadeira, a criança reflete a sua experiência vivida, cria códigos relacionais e através
de diferentes significações verbais ou não-verbais aprende a conhecer as suas possibilidades de ação no mundo. Daı
́porque considerar a brincadeira como fonte inesgotável de desenvolvimento, seja ele do ponto de vista cognitivo,
psicológico ou sócio-cultural.

[...] podemos dizer que a brincadeira é um fenômeno da cultura, uma vez que se configura
como um conjunto de práticas, conhecimentos e artefatos construıd́ os e acumulados pelos
sujeitos nos contextos históricos e sociais em que se inserem. Representa, dessa forma, um
acervo comum sobre o qual os sujeitos desenvolvem atividades conjuntas. Por outro lado,
o brincar é um dos pilares da constituição de culturas da infância, compreendidas como
significações e formas de ação social especıf́icas que estruturam as relações das crianças
entre si, bem como os modos pelos quais interpretam, representam e agem sobre o mundo.
(BORBA, 2007, p. 39).

A brincadeira sempre se constituiu como um elemento importante nos diferentes tempos e espaços da educação
infantil, contudo, por detrás desse suposto reconhecimento pode transparecer uma certa funcionalidade do brincar
que acaba delimitando seu lugar e seu tempo nas experiências vividas pelas crianças na escola.
Desse modo, faz-se necessário questionar:

• Qual o sentido atribuıd́ o ao brincar e ao lúdico no cotidiano da educação infantil?


• Quais espaços e tempos que as crianças brincam na escola?
• O que fazem os professores quando as crianças estão brincando?
• Qual o sentido do pátio na escola?
• Por que éimportante a criança brincar?

Essas e tantas outras questões nos fazem rever experiências nem sempre coerentes àconcepção de brincar e de
criança atéentão expostas. O que identificamos muitas vezes são espaços e tempos delimitados para as crianças
brincarem, como por exemplo, na hora do pátio ou em alguns momentos na sala de aula. Sem falar nas imposições
de utilização dos brinquedos segundo o sexo das crianças, como se o brinquedo por si só já fosse sexuado seja em
função da cor ou da funcionalidade instituıd́ a pela sociedade que serve para determinar o uso de objetos como
“brincadeira de menino” ou “brincadeira de menina”.

O fato de a criança ter a posse de um determinado objeto não significa que ela estábrincando. Essa ideia corrente da
sociedade capitalista de que o brincar deve estar atrelado àutilidade e àfuncionalidade do objeto, não apenas
fortalece a lógica do consumo junto às crianças, mas descaracteriza todo o sentido que ele deve assumir no
processo de desenvolvimento infantil. O elemento lúdico só estápresente nas brincadeiras quando as crianças se
apropriam das situações (sejam elas com ou sem objetos) e são capazes de (re) significá-las, fazendo sobressair seu
modo de ser e estar no mundo. Fora isso, existe uma falsa ideia do brincar.
Uma vez tendo a liberdade de expressão e de criação, as crianças, ao brincarem, fazem escolhas de acordo com
seus interesses e necessidades e não se limitam aos tipos de brinquedos considerados “adequados” para meninas e
“adequados” para meninos, como por exemplo, bonecas para elas, carrinho ou bola para eles. A distribuição dos
brinquedos, segundo o sexo, é uma convenção cultural do adulto repassada às crianças e isto muitas vezes acaba
por reforçar um preconceito ainda muito presente em nossa sociedade.

Conceber a criança como sujeito de direitos e produtora de cultura significa não apenas romper com esses tabus e
preconceitos em torno de determinadas brincadeiras e uso de objetos, mas significa superar uma visão escolarizada
do brincar, cujo objetivo é apenas usar as brincadeiras, para aprender algo ou instituir regras e práticas em função
de uma criança moralmente aceitável e disciplinada. Essa questão fica mais evidente, quando o brincar não é
identificado nas diferentes formas de produção e apropriação do conhecimento que ocorrem na sala de aula, como
se fosse correto definir os lugares onde as crianças devem ou não devem brincar na escola, ou mesmo pensar que o
brincar deve estar desarticulado ao processo de apropriação dos saberes sistematizados.

A escola deve atentar-se para que o brincar não tenha dia, hora ou local marcado, mas que esteja realmente
enredado com o fazer e o saber escolar, pois o ato de brincar não se dáem espaços e tempos pré-determinados,
ainda que em algumas situações ele tenha maior visibilidade. Sua manifestação e expressão devem ser
reconhecidas nas inúmeras possibilidades de (re) criação, descobertas, conhecimentos e interações vividas pelas
crianças no cotidiano escolar.

Outro aspecto a destacar é o uso do pátio ou da brinquedoteca como espaço de “fuga” de um tempo rotineiro vivido
por adultos e crianças. Quando não são concebidos como os únicos espaços onde as crianças brincam, o pátio e a
brinquedoteca têm sido utilizados frequentemente como um momento de “distanciamento” e de descanso dos
adultos em relação às crianças ou atémesmo como um tempo perdido.

Nesse caso, écomum observamos pouca interação e participação dos professores nas brincadeiras vividas entre as
crianças, pois estão mais atentos em garantir segurança e cuidados às crianças do que observarem e aprenderem
com elas por meio de suas brincadeiras. Vistos sob essa perspectiva, tanto pátio quanto a
brinquedoteca podem perder a função como espaços onde a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças
também se fazem presentes. A brincadeira seja qual for o espaço onde ela ocorra (no pátio, na sala de aula, nos
corredores da escola, nos banheiros, no refeitório etc.) é uma forma de compreender como a criança se manifesta
culturalmente, um meio para se observar e conhecer as crianças mais de perto, percebendo-as nas relações que
estabelecem com outras crianças, com os objetos, com o seu corpo, enfim, com o mundo.

Essas questões nos fazem repensar o quanto devemos aprender com as crianças enquanto elas brincam, e perceber,
por meio de suas brincadeiras, como agem e interagem e como produzem culturas, que mecanismos utilizam para
partilhar experiências e resolver determinados desafios, como atribuem novos significados aos objetos e aos
acontecimentos, como assimilam códigos e papéis sociais entre os seus pares, como transgridem situações muitas
vezes impostas pelos adultos e encontram formas de se divertirem em grupo ou sozinhas. E impossıv́ el separar o
brincar da criança que brinca.

As crianças devem brincar sempre: na apropriação dos diferentes conhecimentos, no acesso à linguagem artıś tica,
à linguagem escrita, à literatura, mesmo durante a alimentação, o banho, quando as crianças estabelecem trocas de
afeto e de disputas, interagem e expressam suas emoções e culturas e encontram-se muitas vezes invisibilizadas
pelos adultos.

A efetivação de metodologias prazerosas e criativas é uma forma de garantir a possibilidade das crianças brincarem
também no uso que farão de determinados conhecimentos. Daı ́porque se faz necessário afirmar que na escola “as
crianças aprendem brincando e brincam aprendendo”.

8-A INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A inclusão de todos, a escola para todos, não éum mito. Euma evidência. Euma necessidade vital àorganização das
sociedades. E uma urgência incontornável para a escola, cujo adiamento só nos atrasa e empobrece. E tenhamos a
lucidez e o discernimento para compreender que, face à enorme crise social que se advinha, esta cultura inclusiva,
esta cultura cooperativa, éuma cultura de sobrevivência. A sua negação representa um pacto perigoso com todas as
barbáries (PEÇAS, 2003).

Embora a tônica da inclusão traga um forte apelo ao reconhecimento das crianças “portadoras de necessidades
educacionais especiais” como sujeito de direitos, esse tema pressupõe também outras questões que devem ser
continuamente perseguidas no cotidiano escolar e que nos fazem repensar como a educação infantil é considerada
um espaço, de fato, inclusivo.

Rememorando acontecimentos que no passado se constituı́ram como norma inquestionável, podemos identificar
aqueles que instituıá m às crianças consideradas “fora do padrão de normalidade” um tratamento diferenciado na
sociedade. Assim como para os criminosos e tendentes ao crime, a prisão era considerada o lugar mais adequado;
assim como para os loucos, os manicômios caracterizavam-se como espaços exclusivos de atendimento; para os
alunos que fugiam aos critérios de normalidade, ora eram relegados ao interior de suas casas, reconhecidos como
“pecha inútil à sociedade”, ora recolhidos em instituições voltadas exclusivamente à assistência, ao acolhimento ou
às terapias dos deficientes.
De acordo com Mazzota (2001), somente no final dos anos 50 e no inıć io da década de 60 do século XX, éque se
introduziu na polıt́ ica educacional do Brasil a prerrogativa da “[...] inclusão da educação de deficientes, da
educação de excepcionais ou da educação especial” (p. 27). Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei n.º 9394/96), a Educação Especial éassim definida:

CAPITULO V
DA EDUCAÇAO ESPECIAL
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida
preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.
§1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender as peculiaridades
da clientela de educação especial.
§2º O atendimento educacional seráfeito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das
condições especıf́icas dos alunos, não for possıv́ el a sua integração nas classes comuns do ensino regular. §3º A
oferta da educação especial, dever constitucional do Estado, tem inıć io na faixa etária de zero a seis anos, durante
a educação infantil.

Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: I - currı́culos, métodos,
técnicas, recursos educativos e organização especı́ficos, para atender às suas necessidades;
II - terminalidade especıf́ica para aqueles que não puderem atingir o nıv́ el exigido para a conclusão do ensino
fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para
os superdotados;
III - professores com especialização adequada em nıv́ el médio ou superior, para atendimento especializado, bem
como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; IV -
educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições
adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os
órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artıś tica,
intelectual ou psicomotora;
V - acesso igualitário aos benefıć ios dos programas sociais suplementares disponıv́ eis para o respectivo nıv́ el do
ensino regular.
Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de caracterização das instituições
privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio
técnico e financeiro pelo Poder público.

Parágrafo único. O poder Público adotará como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos
educandos com necessidades especiais na própria rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às
instituições previstas neste artigo.

Antes da promulgação da LDB, vários documentos tornaram-se subsıd́ ios importantes para o processo de inclusão
no Brasil, como é o caso da “Conferência Mundial Sobre Necessidades Educacionais Especiais”, promovida pela
UNESCO no ano de 1994 na cidade de Salamanca, na Espanha. Como resultado dessa Conferência, foi produzido
um documento denominado “Declaração de Salamanca e Linha de Ação” que, dentre seus vários objetivos, propõe
a inclusão de todas as crianças no ensino regular, independente de suas condições intelectuais, sociais, fıś icas ou
culturais. Como resposta a essa iniciativa, o governo brasileiro aderiu a esse documento com o compromisso de
criar meios que possibilitassem combater qualquer forma de discriminação e, assim, promover o acesso e
permanência dos alunos nas escolas.

Outro Documento que se caracterizou como importante para as questões em torno da inclusão foi a “Convenção
Interamericana Para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de
Deficiência”, ocorrida na cidade da Guatemala em 1999, o qual destaca o direito à igualdade de condições, às
pessoas com deficiência e à disponibilização de apoio e serviços adequados. Mais uma vez, o Brasil torna-se
signatário desse Documento.

Em documento recentemente elaborado por um Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria no. 948/2007 e
encaminhado ao Ministério da Educação, destaca-se como sendo objetivo da Polıt́ ica Nacional de Educação
Especial na perspectiva da educação inclusiva:

[...] assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do


desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para
garantir: acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidades nos nıv́
eis mais elevados de ensino; transversalidade de modalidade de educação especial desde a
educação infantil até a educação superior; oferta do atendimento educacional
especializado; formação de professores para o atendimento educacional especializado e
demais profissionais da educação para a inclusão; participação da famıĺia e da
comunidade; acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas
comunicações e informação; articulação intersetorial na implementação das polıt́ icas
públicas” (p. 14)6.

Como podemos observar, são vários os dispositivos legais e normativos em torno da educação especial na
perspectiva da educação inclusiva. Contudo, vale ressaltar a existência de muitas barreiras que ainda têm impedido
o acesso e permanência dos alunos com necessidades educacionais especiais ao sistema regular de ensino, haja
vista os inúmeros argumentos utilizados para que milhares de alunos permaneçam excluıd́ os dessa prática.

Drago (2007) destaca algumas tensões em torno das nomenclaturas “necessidade educativa especial”, “portador de
necessidades especiais”, “pessoa com deficiência/deficiente”. Para esse autor,

“A expressão necessidade educativa especial refere-se a todos os indivıd́ uos cujas


necessidades decorrem de suas capacidades ou de suas dificuldades de aprendizagem, já
que muitos experimentam momentos de necessidades educativas especiais durante seu
processo de escolarização. [...] Achar que todas as pessoas que têm algum tipo de
deficiência têm necessidades educativas especiais pode, além de ser errôneo, se
preconceituoso, assim como levar a crer que pessoas sem deficiência fıś ica, mental,
sensorial, múltipla não possam experimentar ou passar por momentos de extrema
necessidade educativa especial, quando requerem um acompanhamento mais especial e/ ou
cuidado cognitivo maior durante sua vida escolar ou por um perıó do de tempo” (p. 94-95).

O termo “portador de necessidade educativa” está relacionado à ideia de quem porta algo. Nesse caso, afirma que
determinadas caracterıś ticas não se portam, mas elas fazem parte da vida. Diante dessa polêmica, faz a opção pelos
termos deficiente ou deficiência como forma de reconhecimento das caracterıś ticas especıf́icas dos sujeitos.

Ainda que existam controvérsias sobre a nomenclatura que poderia melhor caracterizar as pessoas deficientes, faz-
se necessário destacar como determinados comportamentos podem estar ora reforçando as deficiências existentes
de modo excludente, ora buscando artifıć ios para que uma pessoa deficiente se aproxime de uma suposta
normalidade.

Com isso, temos um duplo processo de exclusão na escola, onde o aluno deficiente éfixado nas suas diferenças, o
que acaba impedindo que compartilhe suas experiências e seja incluıd́ o no grupo, ao mesmo tempo em que, uma
vez diluı́do no grupo, negados, a eles os serviços necessários para que possa desenvolver as suas potencialidades e
ampliar as suas capacidades, ainda que diferentes em relação aos demais sujeitos. Para Rodrigues (2003),
A homogeneidade é uma quimera permanentemente perseguida pelos professores. Quando
se atribui àheterogeneidade de uma classe as suas dificuldades, fica-nos a ideia de que
existem classes homogêneas, em que idealmente os alunos têm um patrimônio cultural
comum, um estádio de aprendizagens escolares semelhante, em que aprendem eficazmente
com meios e estratégias iguais, em que não háconflitos e em que, no final do ano, todos
atingem os objectivos propostos para o seu nıv́ el de ensino. Parece sedutor mas...estas
turmas não existem. (p. 94).

O que muitos estudos têm apontado é a necessidade de se efetivar práticas educativas que contemplem a
diversidade das crianças de modo que todas sejam reconhecidas nos seus direitos à atenção, à sua particularidade,
seja ela, com deficiência auditiva, com deficiência visual, com deficiência mental, com deficiências múltiplas,
condutas tıṕ icas, superdotação/altas habilidades, seja uma criança que não se enquadra em nenhuma dessa
classificação, todas devem ser reconhecidas nas suas diferenças e nas suas capacidades. Por Educação Especial a
Resolução do CNE/ CEB n.02 de 11 de setembro de 2001 assim define em seu artigo 3º.:

Modalidade da educação escolar entende-se um processo educacional definido por uma


proposta pedagógica que assegure recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para
apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a
garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam
necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educação básica.

Como modalidade da educação básica, a educação especial somente seráinclusiva quando vista sob o ponto de vista
do reconhecimento dos direitos, que se desdobram:

• No reconhecimento e valorização das diferenças e potencialidades das crianças;


• Atenção individualizada segundo as particularidades e capacidades das crianças e serviços de apoio pedagógico
especializado em salas de recursos;
• Disponibilização de outros apoios necessários àaprendizagem, àlocomoção e àcomunicação; • Flexibilização da
ação pedagógica de modo a atender às necessidades especiais de aprendizagem das crianças; • Garantia de
acessibilidade em todos os espaços escolares, de modo a assegurar condições adequadas de construção, mobiliário,
equipamentos e recursos pedagógicos;
• Estabelecimento de polıt́ icas públicas articuladas de forma a dar sustentabilidade ao processo inclusivo.

Se a educação especial somente será inclusiva se observadas tais prerrogativas acima descritas, a educação
inclusiva, por sua vez, éuma ação polıt́ ica, cultural, social e pedagógica que tem como pressuposto a defesa do
direito de todos os alunos a conviverem, participarem e aprenderem juntos sem nenhum tipo de segregação ou
discriminação.

Se educação inclusiva é muito mais do que incluir fisicamente a criança na escola, essa inclusão não pode se
resumir na busca de um apoio (seja ele através de um estagiário ou de um profissional) que se converterámais em
um processo de vigilância e de um atendimento segregador do que uma contribuição para a efetivação da educação
inclusiva com todos, a partir de todos e para todos. Margarida César (2003) ressalta:

6 Na perspectiva da educação inclusiva, ainda contempla o referido Documento: “A educação especial passa a constituir a proposta pedagógica da escola, (grifo nosso),
definindo como seu público-alvo os alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Nestes casos e outros, que implicam
em transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de forma articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais
especiais desses alunos” (p. 15).
[...] se queremos promover o sucesso escolar e conceber uma escola de todos e para todos,
háque respeitar (e ouvir!) a diversidade que constitui, hoje em dia, a população da maioria
das escolas. Há que abordar o próprio desenvolvimento enquanto troca entre parceiros
sociais, concebendo-o como um processo profundamente dialógico, num duplo sentido: de
mim enquanto ser que interajo com outros; e de mim enquanto ser multifacetado, com
identidades múltiplas que também dialogam entre si. (p. 119l).

Nesse sentido podemos afirmar que, em um contexto de trabalho coletivo como, por exemplo, o da sala de aula, as
diferenças existentes não podem ser invisibilizadas e nem mesmo desqualificadas. Ao contrário, vistas como marca
que distingue os vários sujeitos e não como marca que exclui determinados tipos sujeitos, as diferenças são
potencializadoras de experiências. Como bem afirma Pierucci (2000) “Tratar as pessoas diferentemente e, assim
fazendo, enfatizar suas diferenças pode muito bem estigmatizá-las [...], do mesmo modo que tratar de modo igual
os diferentes pode nos deixar insensı́veis às suas diferenças [...]” (p. 106).

A essas reflexões se acrescem algumas preocupações em torno da formação dos professores que muitas vezes se
sentem incapazes ou incompetentes de efetivar práticas inclusivas, sobretudo quando uma determinada deficiência
ou comportamento do aluno expõe suas limitações. Se por um lado, esse argumento tem sido muitas vezes
utilizado, para justificar a não inclusão de muitas crianças no contexto escolar, tem sido também um dos grandes
desafios que atravessam o cotidiano da escola e as polıt́ icas de formação continuada de professores.

Pensar o processo de inclusão, na perspectiva de superar a exclusão dos incluıd́ os significa, de algum modo,
explicitar os espaços, os tempos e as relações que estabelecem a distinção entre a deficiência e a não-deficiência.
No campo das especificidades da infância de 0 a 6 anos e das especificidades do deficiente no contexto educativo,
defendemos, para além do convıv́ io com todos os tipos de diferença, a condição de produção de mais diferenças
como possibilidade de superação da hierarquização perversa que constrói a desigualdade (CARDOSO & CUNHA,
2007, p. 95).

A inclusão de crianças, sejam elas deficientes ou não, no sistema regular de ensino pressupõe também a inclusão e
o reconhecimento dos direitos dos profissionais que direta ou indiretamente vão atuar neste trabalho, o que
significa afirmar que a efetivação de polıt́ icas inclusivas pressupõe:

• maior qualificação dos profissionais, de modo que possam trabalhar com os vários tipos de alunos e assim
potencializar práticas mais inclusivas,
• condições adequadas de trabalho, sobretudo no que diz respeito aos espaços, número de alunos na sala de aula e
às condições dos materiais didáticos e pedagógicos;
• garantias de articulação do trabalho escolar com outras instituições de atendimento, tais como APAE, Secretaria
Municipal de Saúde e Secretaria de Assistência Social;
• disponibilização de pessoal de apoio nas atividades de higiene, alimentação e locomoção; •
Adequação do espaço escolar, tendo em vista a promoção da acessibilidade arquitetônica.

Como pudemos observar, muitos desafios ainda se colocam em torno da educação inclusiva. Contudo, em meio
aos diferentes modos encontrados para tipificar e categorizar os alunos, bem como as inúmeras práticas que tratam
de diagnosticar a deficiência e até mesmo definir se uma determinada criança é mais uma que deve fazer parte da
educação especial, todas essas prescrições e recomendações não garantem uma educação inclusiva se a própria
condição da criança como criança é desconsiderada no cotidiano escolar.
A criança portadora de deficiência émuito mais do que sua deficiência, o que significa dizer que a criança cega,
surda, superdotada, soropositiva etc., acima de tudo, é criança e se manifesta como criança independente de suas
deficiências. Nesse sentido, vale ressaltar que não obstantes a cegueira, a surdez, as deficiências múltiplas, as
crianças expõem formas particulares de se expressarem como crianças e muitas vezes lidam com a deficiência de
modo bastante distinto dos adultos. A legitimidade da inclusão se dá, sobretudo, com o reconhecimento de todas as
crianças como sujeito de direitos e não em função de suas deficiências, carências ou faltas (ARAUJO, 2005).

Quando ampliamos o campo de reflexão em torno da inclusão, muitas questões ainda se colocam no meio do
caminho. Dentre tantas possıv́ eis, háde se questionar se o trabalho na creche e na pré-escola tem respeitado as
culturas infantis e como tem incluıd́ o, no cotidiano da educação infantil, a criança com AIDS; a criança pobre; a
criança disléxica; a criança que esporadicamente comparece à escola em função da internação hospitalar; a criança
vıt́ ima de maus tratos e de violência familiar; a criança questionadora, inquieta e curiosa; a criança silenciosa e tıḿ
ida, enfim, a criança que chega àescola. Questionam-se, também, os critérios e testes utilizados, para determinar
que uma criança éou não édeficiente.

Padilha (2004) ressalta que termos tais como “lentidão”, “dislexia”, “atraso mental”, “raciocı́nio fraco”,
“hiperativo”, “desligado” são muito utilizados nos discursos dos professores como forma de justificar a inclusão
das crianças como “alunos especiais”. A autora ainda afirma que “o que era hipótese acaba por se transformar em
verdade absoluta, e, portanto, incontestável” (PADILHA, 2004, p. 31).

Parafraseando Moysés e Collares, Quinteiro (2004) destaca que, por detrás de um discurso que se intitula
cientıf́ico, muitos comportamentos responsáveis pela exclusão de centenas de crianças têm sido pautados em mitos,
preconceitos, hábitos rotineiros e segregadores.

E comum no discurso das professoras o argumento de que as crianças não aprendem porque são pobres, sujas,
desnutridas, imaturas, negras, nordestinas, ou ainda que elas não aprendem porque os seus pais são analfabetos,
alcoólatras, e as mães trabalham fora. (p. 171).

Finalmente, a questão da inclusão na educação infantil está articulada à própria concepção de criança e ao
reconhecimento das culturas infantis nos diferentes tempos e espaços escolares. Se a inclusão nos faz questionar o
quanto a diferença tem sido percebida como um campo rico de possibilidades de trabalho, no faz questionar
também o quanto, como e quando a criança e a infância têm sido de fato incluıd́ a no cotidiano da educação
infantil.

9-VIOLÊNCIA E A PROMOÇÃO DA CULTURA DA PAZ NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

A convicção de que tudo o que acontece no mundo deve ser compreensıv́ el, pode levar
nos a interpretar a História por meio de lugares-comuns. Compreender não significa negar
nos fatos o chocante, eliminar deles o inaudito, ou, explicar fenômenos, utilizar de
analogias e generalidades que diminuam o impacto da realidade e o choque da experiência.
Significa, antes de mais nada, examinar e suportar conscientemente o fardo que o nosso
século colocou sobre nós - sem negar sua existência, sem vergar humildemente ao seu
peso. Compreender significa, em suma, encarar a realidade sem preconceitos e com atenção,
e resistir a ela - qualquer que seja (HANNAH ARENDT, 1979).
As diferentes formas de violência que perpassam a sociedade brasileira questionam em que medida a nossa
condição de sujeitos tem perdido suas referências humanas. Se podemos afirmar que a violência como fenômeno
social e histórico sempre existiu, ao longo dos tempos, ela foi ampliando suas estratégias de atuação em contextos
jamais imaginados.

Os relacionamentos violentos nas diferentes esferas da sociedade reflete o quanto estamos perdendo a capacidade
de sermos humanos e de nos relacionarmos como humanos, o que significa desvencilharmos daquelas prerrogativas
do diálogo, da justiça social, da solidariedade e da cultura da paz.

Vivemos numa sociedade injusta e desigual, cujos fundamentos determinam o lugar que cada um deve ocupar na
sociedade de acordo com a sua condição de classe, etnia, gênero7, orientação sexual, idade etc. Aquilo que poderia
representar uma manifestação explıć ita de poder, de autoritarismo e de segregação social constitui-se como um
fenômeno naturalizado, pois tratar os outros de forma desigual já não parece ser uma novidade que incomoda o
nosso olhar.

De outro modo, o antropólogo Gilberto Velho (1999) afirma que “[...] a violência não pode ser reificada e vista
como uma praga pairando sobre a sociedade. A violência existe ao nıv́ el das relações sociais e é parte constituinte
da própria natureza desta sociedade cujo universo de representações não sóexpressa como produz desigualdade e a
diferença” (p. 148). Nesse sentido, os acontecimentos violentos não podem se percebidos como algo exterior às
praticas dos diferentes sujeitos, mas fruto das relações sociais e estáassociada àinexistência de uma ordem moral e
ética que possa reger os comportamentos e as atitudes das pessoas, seja no plano individual, como no plano
coletivo.

A naturalização da violência tem não só, para utilizar as palavras de Hannah Arendt (1999), gerado a “banalização
do mal”, mas tem subvertido a lógica de convivência humana e instaurado outras razões que procuram justificar as
agressões, as intimidações, as práticas de exclusão e de exploração. Podemos ainda afirmar que “a violência
manifestada no conjunto da vida social alcançou proporções da qual não se tem controle. Sua banalização em todos
os âmbitos sociais, na mıd́ ia, na rua, na escola, na famıĺia, indica uma anomia social que imprime um novo
paradigma da violência” (FERREIRA, 2003).

Diante de tantos acontecimentos que nos impõem um olhar normalizador da vida social, podemos afirmar que a
violência não se limita àutilização da força fıś ica, mas a possibilidade ou ameaça de utilizá-la jáéuma expressão da
violência, como por exemplo, as ameaças de poder em função: do cargo que ocupa (nas relações entre patrão e
empregado, nas diferentes hierarquias de trabalho), das condições econômicas (nas relações entre os que detêm
condições econômicas privilegiadas e os que não detêm), do nıv́ el de conhecimento (nas relações entre os mais
instruıd́ os e os menos instruıd́ os), da cor da pele (nas relações entre brancos e negros, ıń dios), da idade (nas
relações de domıń io dos adultos sobre as crianças, jovens e adolescentes), fazendo confirmar, na sociedade
brasileira, uma atitude e expressão discriminatória, portanto, violenta, de convivência humana muito comum entre
nós: “Vocêsabe com quem estáfalando?”

Todos esses exemplos muitas vezes têm sido incorporados como verdades que acabam se instaurando como sıḿ
bolos de esperteza, vantagem e garantia de sobrevivência. Sem dúvida, estamos enredados por lógicas que mais
servem, para desqualificar sujeitos do que reconhecê-los como sujeito de direitos, direito àdignidade, ao respeito,
àjustiça etc.
7 Para Louro (1998) o conceito de gênero deve se referir ao modo como as características sexuais (masculino/feminino, homem/ mulher, menino/menina) são
compreendidas e representadas socialmente. Neste sentido afirma: “Na medida em que o conceito afirma o caráter social do feminino e do masculino, obriga aquelas/es
que o empregam a levar em consideração as distintas sociedades e os distintos momentos históricos de que estão tratando. [...] As concepções de gênero diferem não apenas
entre as sociedades ou os momentos históricos, mas no interior de uma dada sociedade, ao se considerar os diversos grupos (étnicos, religiosos, raciais, de classe) que a
constituem” (pág. 22-23).
9.1 A violência no cotidiano da educação infantil

Como parte da sociedade, a educação infantil não apenas éinfluenciada pela violência socialmente construıd́ a, mas
ela também éprodutora de violência. Em função de uma imagem muitas vezes idealizada de escola, torna-se difıć il
reconhecer que, nesse espaço educativo, sobretudo em se tratando de um trabalho destinado às crianças pequenas,
práticas de violência se fazem presentes. De certa forma, ousamos atédizer que a violência somente se presentifica
para além dos muros da escola e não no seu interior. De acordo com Abramovay e Rua (2003, p. 41) “A escola,
embora seja vista como chave de oportunidades para uma vida melhor, pode ser, também, local de exclusão. Ou
seja, pode discriminar e estigmatizar”.

Nas diferentes experiências trazidas pelas crianças ao chegarem à escola, podemos identificar indıć ios de violência
vividos por elas: marcas de maus tratos, exploração, discriminação, exclusão, segregação etc.

Essas marcas, compreendidas como modos de vida que as crianças incorporam às suas vivências, assumem
proporções muitas vezes inimagináveis, o que por outro lado implica dizer que nem sempre uma criança que
passou por práticas de violência éuma criança violenta ou vai se tornar uma criança ou um adulto violento. As
possibilidades humanas são muito mais complexas do que o simples esforço de patologizar ou pedagogizar
determinadas condutas.

Contudo, o que vale aqui ressaltar é que os modos como as crianças se expressam no contexto da educação infantil
revelam também o modo como fazem experiência no contexto familiar, na rua, na comunidade etc. Ou seja, a
escola não éo único espaço de aprendizagem e de vivências, pois nas culturas infantis estão contidas as
experiências vividas pelas crianças em diferentes tempos e espaços sociais, sejam violentos ou não.

A partir de tais premissas, podemos afirmar que as crianças, além de trazerem para o contexto da educação infantil,
atitudes associadas a conflitos familiares, à discriminação e às diferentes práticas de violência, elas conseguem (re)
significá-las em outros contextos. Daı ́faz-se necessário compreender as causas e os sentidos de determinados
comportamentos, tais como, socos, beliscões, xingamentos, empurrões etc., utilizados nas experiências das
crianças. Quando intervir? Como intervir? Por que intervir? São interrogações que devem sempre fazer do
cotidiano das creches e das pré-escolas.

Por estranho que possa parecer, nem todas as desavenças entre as crianças devem ter intervenção direta dos
adultos, sobretudo, aquelas que não implicam ameaça fı́sica e não se configuram como vexatórias ou
discriminatórias.

Assim como as crianças expressam formas peculiares de convivência, elas também encontram formas próprias de
resolverem determinados conflitos. O que não significa prescindir da atitude atenta e observadora dos adultos que
aprendem, na convivência com as crianças, o momento certo para conversar sobre limites, respeito, diálogo etc.

Jáésabido que a violência não éum fenômeno que se apresenta apenas nos grupos sociais excluıd́ os. A violência
estápresente em diferentes classes e diferentes contextos sociais. As instituições historicamente responsáveis pela
formação das crianças como a famıĺia e a escola, ao longo dos tempos, foram sendo despotencializadas como
espaços privilegiados de socialização. Nesse caso, tanto uma quanto outra estão permeadas por diferentes
manifestações da violência, o que não significa dizer que toda escola ou toda famıĺia são portadoras de violência.
Essas questões nos permitem apenas sustentar a ideia de que a violência éum fenômeno complexo que se utiliza de
diferentes métodos para justificar a sua existência e perpetuação.
Em sua pesquisa sobre “Os impactos da violência no cotidiano da Educação Infantil”, Ferreira (2003) identificou
situações de violências vividas e praticadas em um centro de educação infantil representadas por ameaças,
violências não-fı́sicas (ofensas verbais, humilhações e discriminações), violências fı́sicas (tapas, socos, pontapés,
puxões de cabelo etc.) e distanciamento dos adultos em relação às crianças. Cenas de violência eram
frequentemente percebidas entre as crianças nas brincadeiras, envolvendo a sexualidade, destruição de brinquedos e
outras condutas socialmente inadequadas.

Tudo isso revela que o contexto da educação infantil não estáimune às violências praticadas no espaço exterior à
escola. Ao contrário, formas de nomear as crianças através de apelidos tais como, “neguinho”, “cabelo de bombril”,
“dentuço”, “orelha de elefante” etc. também se configuram como violência, pois nelas estão inscritos o racismo, o
preconceito e a discriminação.

Quando as crianças e os adultos são negros e pobres, evidencia-se com maior força práticas de violência e isso se
deve, sobretudo, a uma visão historicamente construıd́ a em torno da representação do negro como uma imagem
desqualificada e inferiorizada em relação à identificação positiva do branco. A indiferença do professor em relação
àdiversidade étnica pode gerar formas de preconceito e discriminação no espaço escolar. Nesse caso,

E flagrante a ausência de um questionamento crıt́ ico por parte das profissionais da escola
sobre a presença de crianças negras no cotidiano escolar. Esse fato, além de confirmar o
despreparo das educadoras para se relacionarem com os alunos negros, evidencia, também,
seu desinteresse em incluı́-los positivamente na vida escolar. Interagem com eles
diariamente, mas não se preocupam em conhecer suas especificidades e necessidades.
(CAVALLEIRO, 2000, p. 98).

Assim como em outros nıv́ eis de ensino, na educação infantil, existem várias manifestações de violência, seja nas
atitudes, nos olhares, nos gestos, formas de tratamento, tons de voz, seja nos silêncios tanto das crianças quanto dos
adultos.

Se for mais comum identificarmos violências em torno da criança negra, énecessário destacar outras formas de
discriminação das crianças em função da sua condição de classe, da idade, da sua condição fıś ica, dos valores
religiosos de sua famıĺia, da sua condição étnica etc. Vale ressaltar o quanto as crianças têm sido excluıd́ as e
discriminadas porque são pobres, não apresentam um estereótipo de acordo com os padrões sociais vigentes, ou
porque seus pais são alcoólatras, aidéticos, desempregados etc.

Também o silêncio pode significar uma forma de resistência das crianças que passam por processos de violência.
Ao invés de reagirem, optam por ficarem caladas e manterem na clandestinidade seus sentimentos. O silêncio pode
significar a retórica da violência ou da opressão e constituir-se como uma atitude naturalizada no cotidiano escolar.

Para além das situações que envolvem experiências normalmente caracterizadas como manifestação da violência,
estão aquelas que se configuram como corriqueiras na escola e que, pela sua dimensão naturalizada, são destituıd́ as
como violentas, como por exemplo, a indiferença, a disputa pelo poder, a usurpação do dinheiro público, a exclusão
das crianças nos processos de avaliação e planejamento escolar, a imposição dos espaços e tempos escolares, a
segregação de profissionais e da s famıĺias economicamente desprivilegiados.

Nesse sentido, podemos indagar: como a escola tem se posicionado frente às inúmeras práticas de violência? Que
alternativas de trabalho tem criado para a superação da violência manifesta nas práticas discriminatórias, de
segregação e de exclusão? A escola tem considerado as diferentes referências de identidade dos sujeitos? Diante de
tantas formas de violência praticadas é possıv́ el pensar a escola como um espaço promotor de solidariedades, de
respeito e promotor de cultura da paz?
9.2 Promovendo a cultura da paz no cotidiano da educação infantil

A não violência e a cultura de paz, éuma atitude, um comportamento, baseado na busca da


trıṕ lice harmonia, a pessoa consigo mesma, com os demais e com a natureza, mediante a
coerência vivida com valores com a cooperação, o diálogo tolerante, a relação empática, a
integração e a reflexão, a justiça igualitária, o desarmamento pessoal e sã utopia.
(SANCHEZ, 1997)

Frequentemente remete-se àideia da paz como uma realidade naturalmente constituıd́ a ou mesmo uma atitude
instituıd́ a esporadicamente por meio de projetos pedagógicos que dão visibilidade ou se contrapõem a
acontecimentos que impactam a nossa existência. Nesse caso, falar de paz ou promover a paz acaba se justificando
como algo delimitado e condicionado a determinados acontecimentos mobilizadores de atitudes pontuais e
descontıń uas, sem que isso implique um processo contıń uo e permanente de reflexão e de vivências da paz.

A afirmação da paz como um desafio extenuante e aglutinador de princıṕ ios éticos, morais e democráticos é o
fundamento da construção de uma sociedade mais justa e solidária, atenta àconvivência digna entre as pessoas e a
natureza. Como bem afirmara Paulo Freire (1999),

[...] de anônimas gentes, sofridas gentes, explorada s gentes aprendi sobretudo que a paz
éfundamental, indispensável, mas que a paz, implica em lutar por ela. A paz se cria, se
constrói na e pela superação das realidades sociais perversas. A paz se cria, se constrói na
construção incessante da justiça social. Por isso, não creio em nenhum esforço chamado de
educação para a paz que, em lugar de desvelar o mundo das injustiças, o torna opaco e
tenta miopizar as suas vıt́ imas.

Também o trabalho da educação infantil deve assumir o compromisso ético com a paz, instaurando outras formas
de perceber os acontecimentos violentos como algo que deve ser enfrentado cotidianamente por meio de iniciativas
mais justas, solidárias e democráticas, tais como:

• Superar os mecanismos de exclusão e de discriminação que desqualificam determinados tipos de crianças e de


adultos no espaço escolar;
• (Re) significar o tempo e espaço escolar de modo a promover o respeito e a troca de experiências entre os
diferentes sujeitos e trabalhos realizados, lembrando que as crianças e determinados tipos de trabalho não
pertencem a um único sujeito (meu aluno, minha sala de aula, meu material escolar...), mas devem ser reconhecidos
como parte de um trabalho coletivo representado por uma visão mais orgânica de escola;
• Criar metodologias de trabalho que contemplem a pluralidade e o reconhecimento às formas próprias de
aprendizagem e participação das crianças na vida escolar;
• Recusar artefatos culturais (livro, vıd́ eos, musicas, brinquedos) geradores de violência e que promovam a
discriminação de gênero, classe social, etnia, credo religioso etc.;
• Criar formas permanentes de acolhimento às crianças na escola, subvertendo, assim, a lógica da “adaptação”; •
Estabelecer canais de comunicação entre escola e famıĺia, de forma a potencializar as diferentes formas de diálogo;
• Superar a lógica hierárquica entre os profissionais, estabelecendo outras perspectivas de trabalho como um bem-
comum, como um serviço público prestado àsociedade;
• Potencializar os mecanismos de participação existentes na escola (conselhos, reuniões, grupos de trabalho etc.) de
modo a garantir àautonomia da escola, a liberdade de expressão, a decisão coletiva e democrática.
Ainda que a escola seja muitas vezes reconhecida como um lugar onde estão presentes inúmeros problemas, ela não
pode ser invisibilizada como um lugar onde as práticas de solidariedade, de diálogo e de reciprocidades também
estão presentes. Uniformizar uma realidade tão heterogênea quanto é a escola é despotencializar as experiências
humanas ali existentes. Experiências que promovem o outro, respeitando-o na sua singularidade e diversidade, que
rompem com os mecanismos da competição e do individualismo no espaço escolar.

Ao compreendermos o cotidiano como uma realidade complexa, onde diferentes experiências conseguem expor a
vida na sua pluralidade, veremos que, nas práticas tecidas no cotidiano escolar, estão inscritas também
manifestações várias de solidariedade, ações que potencializam processos de mudanças, pessoas produtoras de
cultura promotora de paz. Para Pérez (2003),

Território plural, a vida cotidiana inclui uma multiplicidade infinita de perspectivas. O


cotidiano épolissêmico e complexo, e não pode ser reduzido a uma visão simplificadora da
materialidade fıś ica de uma realidade última. Cotidiano é movimento, é construção social e
histórica da ação humana. Ao produzir a cultura e a história, homens e mulheres produzem
vida, a sua vida - como indivıd́ uo e como espécie -, fluxo vital que os coloca diante de
estados inéditos, num movimento permanente de tornar-se: criando, aumentando e
intensificando suas potencialidades e energias. O acontecer humano é um permanente
processo de tornar-se. Portanto a prática docente, em sua dimensão cotidiana, pode ser
interpretada como um espaço/tempo do movimento de fazer-se e refazer-se, intensamente
vivido no processo de fazer o mundo e produzir a história (p. 117).

Visto como um campo de possibilidades, o cotidiano da educação infantil deve constituir-se como um lugar
permanentemente tensionado àpaz, seja ela manifesta nas ações individuais de diferentes sujeitos e por meio dos
diferentes trabalhos, seja ela identificada nas práticas coletivas da escola. A busca e a afirmação de princıṕ ios
éticos jáéum pressuposto fundamental para a cultura da paz. Tudo isso para confirmar que nós não somos apenas
racionalidade, mas relacionalidade. Em meio a um turbilhão de conflitos e cenas de violência, faz
se necessário trazer a fraternidade, o respeito, a justiça, a paz para os relacionamentos humanos vividos entre
crianças e crianças, crianças e adultos, adultos e adultos no cotidiano da educação infantil.

“Não serei o poeta de um mundo caduco.


Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso àvida e aos meus companheiros.
[...]
O presente étão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
[...]
O tempo éa minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.”
(Carlos Drummond de Andrade)

10-COMO LIDAR COM A SEXUALIDADE DAS CRIANÇAS NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO INFANTIL?

E sabido que a sexualidade é algo inerente a qualquer ser humano desde o nascimento até a morte. Sua
compreensão não se resume ao ato sexual em si ou aspectos referentes à genitalidade, mas relaciona-se com o
prazer, com as emoções e manifesta-se de modo distinto segundo as fases da vida.

Durante muitas décadas, perdurou-se a ideia de que a criança era desprovida de qualquer manifestação de
sexualidade e por ser então vista como algo pecaminoso, impuro, não podia atribuir-se tais caracterıś ticas a seres
considerados puros, ingênuos e inocentes como as crianças. Contudo, foram os estudos de Freud (1856- 1939) que
apontaram formulações teóricas importantes sobre o desenvolvimento da sexualidade na criança.
Quando o tema sexualidade étratado a partir de determinadas experiências feitas pelas crianças, ele assume
proporções que muitas vezes tem levado os adultos a agirem de forma equivocada e um tanto quanto
preconceituosa. Um exemplo disso é o modo como muitos professores reagem aos primeiros movimentos de
exploração do corpo feito pelas crianças. De acordo com Silva, citado por Martins (2007),

A sexualidade, embora fortemente presente na escola, raramente faz parte do currıć ulo.
Quando a sexualidade é incluıd́ a no currıć ulo, ela é tratada simplesmente como uma
questão de informação certa ou errada, em geral ligada a aspectos biológicos e
reprodutivos. (p. 12).
Seja com o próprio corpo, seja com o corpo do colega, as experiências das crianças devem ser compreendidas
como manifestação de sua curiosidade e descoberta, sobretudo, quando os órgãos genitais deixam de se esconder
com o uso das fraldas e começam a se mostrar mais visıv́ eis na hora de ir ao banheiro, no momento de tomar
banho, na troca de roupas etc. Na fase do controle esfincteriano, por exemplo, éum momento importante para a
criança, para o desenvolvimento de sua sexualidade, pois nele está concentrada uma fonte de prazer e satisfação
que deve ser respeitada pelos adultos.

Como consequência do controle esfincteriano, podemos destacar ainda a experiência feita pelas crianças em torno
dos órgãos genitais, antes escondidos pelas fraldas:

Aumenta a curiosidade por seus próprios órgãos, podendo entregar-se a manipulações por
meio das quais pesquisam as sensações e o prazer que produzem. Paralelamente, cresce
também o interesse pelos órgãos das ouras crianças que também podem se tornar objeto de
manipulação e de exploração, em interações sócias dos mais diversos tipos: na hora do
banho, em brincadeiras de médico, etc.. (RCNEI, vol. 2, 1998, p. 18).

A observação atenta do adulto sobre os sentidos atribuıd́ os ao corpo pela criança é um processo importante, para
distinguir experiências próprias do desenvolvimento infantil daquelas que denotam exibicionismo, erotismo ou
práticas de promiscuidade reproduzidas pelas crianças. Tanto nas crianças pequenas, quantos nas maiores, a
sexualidade precisa ser compreendida como um processo afetivo, cultural e inerente ao seu desenvolvimento como
sujeito imerso na cultura e na história.

A relação da criança com o prazer se manifesta de forma distinta da do adulto, o que significa dizer que as
experiências tecidas pelas crianças devem ser compreendidas a partir das crianças, da sua cultura, e não a partir dos
preconceitos e tabus que muitas vezes os adultos carregam consigo. Como sujeitos produtores de cultura e
influenciados pela cultura, as crianças criam e recriam papéis sociais e sexuais em suas brincadeiras e
representações, denotando modos peculiares de ser menino e menina. São esses papéis que envolvem questões de
gênero que devem ser considerados como expressão da cultura, da sensibilidade e do prazer vividos pelas crianças.

Frequentemente a sexualidade infantil é considerada como um problema na educação infantil ou no mıń imo uma
questão que gera polêmica, constrangimentos, distorções e dúvidas. Esse “problema” aumenta, quando os adultos
se deparam com situações como masturbação ou contatos corporais entre meninos e meninos, meninas e meninas
ou meninos e meninas. Conforme a experiência do professor ou a compreensão que ele tem da própria sexualidade
e da sexualidade infantil, os comportamentos das crianças podem ser expostos de forma equivocada, isso nos faz
alertar para a necessidade de se compreender cada vez mais as manifestações das culturas infantis.

O fato de um menino brincar de boneca e reproduzir atitudes “próprias” de menina não significa que ele tem
tendências homossexuais, da mesma forma que uma criança que pratica a masturbação não significa que éuma
criança pervertida. Ser heterossexual, bissexual ou homossexual é uma escolha que se constituirá ao longo da vida
dos sujeitos, portanto, não cabe aos profissionais reprimir determinadas experiências das crianças, mas
potencializar suas experiências lúdicas, as trocas de afeto e amizade entre os seus pares e com os adultos,
orientando as crianças a canalizar melhor os seus sentimentos e expressá-los de forma adequada.
Numa cultura onde os meninos são educados a não fazerem atividades delicadas, ao
contrário do que se pensa para as meninas, cabe aos educadores romperem barreiras e
problematizar comportamentos, discutindo com os alunos questões relacionadas à gênero,
raça, etnia e classe social. (ENCARNAÇAO, 2003, p. 28)

Diante de tudo isso, o que importa entender é o que fazemos com as diferentes experiências produzidas pelas
crianças no campo da sexualidade. A sexualidade éuma construção social e ela éapreendida pelas crianças em
diferentes contextos sociais, como a rua, a famıĺia, através dos meios de comunicação, nos livros, desenhos,
músicas e revistas e, sobretudo, nas trocas estabelecidas com os colegas.

Enquanto alguns professores definem a sexualidade com um tabu preconizado pelo controle rı́gido e normatizador
do comportamento das crianças, outros associam a sexualidade unicamente à reprodução biológica, anatomia e
fisiologia humana, impondo uma ordem discursiva atrelada àperspectiva biologizante e medicalizante do corpo e de
suas manifestações. Nessas duas formas de perceber a sexualidade estáimplıć ita e explıć ita uma concepção
naturalizada e assexuada de criança que deve ser superada.

A experiência corporal da criança como manifestação da sexualidade articula linguagens e práticas sociais e
culturais que denotam vivências nem sempre vividas pelos adultos. Desse modo, os jogos sexuais infantis
apreendidos nos vários espaços de sociabilidade precisam ser compreendidos e (re) significados para além dos
reducionismos conceituais que acabam impondo determinadas atitudes como certa ou errada, normal ou anormal,
permissıv́ el ou não permissıv́ el.

Faz-se necessário, portanto, ver a sexualidade inerente a qualquer criança, sua manifestação se apresenta de modo
singular, sendo que, aos profissionais da educação infantil, compete conhecê-la, respeitá-la, conduzi-la de uma
forma adequada, procurar sanar suas curiosidades, incertezas e medos da forma mais adequada possıv́ el, sem
estimulação precoce e nem repressão, tendo sempre como premissa a reflexão de sua própria sexualidade.

Numa pesquisa realizada sobre sexualidade e gênero no universo de classes populares, Ribeiro (2003, p. 6) destaca
algumas contradições que envolvem o discurso dos professores sobre a sexualidade infantil e a decisão entre falar e
o não falar sobre sexualidade entre pais e filhos.

Tais contradições encontram-se resumidas em uma das entrevistas feita a uma professora que trabalha com crianças
de cinco a sete anos de idade:

[...] não percebo nada de sexualidade. Eles não têm ainda essa curiosidade sobre
sexualidade, estão mais pro lado da brincadeira. As crianças que vêm (pra escola) já
conhecem o corpo; quando falo do corpo humano já vão falando, sabem distinguir o macho
da fêmea; os meninos falam o pinto pra fazer xixi, as meninas éxereca. Os pais não
ensinam nada sobre sexualidade, ainda estão naquele tabu de antigamente, deixam as
coisas acontecer. Deixam pra falar mais tarde, quando já estão adolescentes com seus
catorze, quinze anos. (Jurema, professora)

Nesse relato, é possıv́ el perceber um desconhecimento da professora sobre como a sexualidade se manifesta
cotidianamente nas experiências tecidas entre as crianças e como essas adquirem conhecimento sobre a própria
sexualidade e sobre o corpo independente da participação dos pais e ou de seus professores. Outro aspecto que se
destaca nesta narrativa éa questão em torno da educação sexual das crianças e a quem caberia tal responsabilidade:
da escola ou da famıĺia?
Não podemos deixar de reconhecer que a grosso modo a famıĺia deveria ser um campo privilegiado de educação
sexual, contudo, ao observarmos que, em função de preceitos morais ou religiosos, e atémesmo da ausência de
diálogo entre pais e filhos, a famıĺia tem transferido essa responsabilidade àescola ou atémesmo desqualificado as
experiências das crianças no campo da sexualidade.

Nesse caso, éimportante ressaltar a necessidade de se instaurar outros modos de educação e de intervenção, tanto
na escola quanto na famıĺia que preservem as crianças de situações vexatórias, discriminatórias ou de exploração.
Como sujeito de direitos, as crianças têm o direito de desenvolver a sua sexualidade da maneira mais plena possıv́
el, seja no contexto familiar, seja no contexto escolar e em outros espaços culturais de forma prazerosa, respeitosa e
segura.

11-AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: ARTICULANDO SABERES E FAZERES

“A toda hora rola uma estória que é preciso estar atento


A todo instante rola um movimento que muda o rumo dos ventos.
Quem sabe remar não estranha vem chegando à luz do novo dia.
O jeito é criar um novo samba, sem rasgar a velha fantasia.”
(Paulinho da Viola)

Assim como em outros tempos, o tema avaliação continua a atravessar o cotidiano escolar, assumindo, muitas
vezes, um momento de destaque nas práticas educativas. Se no passado a avaliação mais serviu para expor
determinados tipos de fracasso do aluno, hoje percebemos o quanto ela continua sendo palco de atenção na busca
por resultados, ıń dices estatıś ticos e dados quantitativos, como se tais resultados pudessem expressar uma
realidade muito mais complexa que envolve condições de trabalho, subjetividades, metodologias e experiências que
não são possıv́ eis de serem medidas quantitativamente.

De várias formas, a avaliação éutilizada como um mecanismo para reforçar ainda mais o abismo existente entre os
que aprendem e o que não aprendem, entre aqueles que sabem e os que não sabem, entre aqueles que se enquadram
na lógica do “sucesso” escolar e os que trazem as marcas do “fracasso” escolar. Em torno dessas práticas, podemos
entrever também o uso de artifıć ios preconceituosos e excludentes na prática avaliativa quando, em função da
condição de classe, etnia, gênero etc., os alunos são desqualificados. Daı ́ porque é “comum” encontrarmos
afirmações tais como: “ele não aprende porque ele épobre”! “Porque énegro e burro”, “Porque sua mãe
éalcoólatra”, etc.

Nos exemplos acima, a ideia de fracasso escolar é imputada ao indivıd́ uo, às suas condições de vida, às suas
experiências familiares. Esse argumento coloca em xeque o significado que a escola tem de inclusão e de exclusão
relacionada à prática avaliativa. E preciso indagar os discursos sobre avaliação, inclusão e exclusão subjacentes às
práticas pedagógicas, pois muitos deles estão carregados de estereótipos dirigidos, sobretudo, às crianças das
classes populares.

Conceber a avaliação como um processo e não apenas como um produto significa pensar a avaliação como uma
prática relacional e colaborativa que vai se constituindo na experiência coletiva e individual entre os diferentes
sujeitos escolares, sobretudo, entre professores e alunos. A avaliação, nesse caso, se efetiva então como uma prática
dialógica, pois na relação entre o ensinar e o aprender existe uma multiplicidade de elementos que precisam ser
considerados, como por exemplo, as metodologias utilizadas, para ensinar e os diferentes modos utilizados pelos
alunos para aprender. Aliadas a tudo isso, estão às condições adequadas de trabalho para que, de fato, os atos de
ensinar e de aprender possam ocorrer de forma mais estimulante e adequada possıv́ el.

A avaliação como processo exige um esforço contıń uo de reflexão sobre a ação pedagógica, pois o modo como os
alunos aprendem ou não aprendem deve constituir-se em um processo formativo e avaliativo também para o
professor, como chave para compreender melhor o que precisa ser (re) significado e (re) orientado na experiência
pedagógica. Esteban (2002) ressalta:
[...] A avaliação como ato de reconstrução se constitui em processo formativo para as
professoras, articulando dialeticamente reflexão e ação; teoria e prática; contexto escolar e
contexto social; ensino e aprendizagem; processo e produto; singularidade e
multiplicidade; saber e não-saber; dilemas e perspectivas. (p. 12).

Compreendida não como um sentido em si mesma, a avaliação remete não apenas àsua centralidade focada no
processo ensino/aprendizagem, mas à concepção de criança, de sociedade, de escola etc. Esses conceitos não estão
desarticulados da prática de avaliação, ao contrário, na avaliação, estão presentes aportes teóricos e práticos que
podem corroborar ou não com a afirmação da escola pública de qualidade para todos, com a universalização do
saber e com a democratização da educação.

A avaliação como prática de investigação não se limita à distinção entre saber e não saber,
que reduz a dimensão processual da construção de conhecimentos, investe na busca do
ainda não-saber, que trabalha com a ampliação do conhecimento, movimento permanente
em que hásempre conhecimentos e desconhecimentos. O ainda não-saber abre espaço para
a multiplicidade sem colocar rótulos no sujeito que conhece e estimula a reflexão sobre os
diversos percursos possıv́ eis, valorizando a heterogeneidade e a produção do novo.
(ESTEBAN, 2002, p. 166).
Tais reflexões também devem perpassar a experiência pedagógica da educação infantil. Ainda que sua matrıć ula
seja facultativa e as práticas pedagógicas não serem conduzidas como uma preparação para o ensino fundamental, o
processo avaliativo também deve constituir-se como um movimento permanente tanto nas creches quantos nas pré-
escolas. Ao entrarem na escola, as crianças trazem conhecimentos vividos por elas em seus diferentes contextos.
São essas experiências que devem ser tomadas como ponto de partida para a sistematização do conhecimento
orientado pelo professor. E que conhecimentos são esses? Todos os conhecimentos que possibilitam ampliar o
universo cultural das crianças, como por exemplo, conhecimentos ligados às diferentes linguagens (oral, escrita,
musical, artı́stica) ciências naturais e ciências sociais, conhecimento matemático etc.

Ao contrário dos outros nıv́ eis de ensino, a educação infantil tem conseguido desvencilhar-se das formas de
avaliação exigidas por agências externas e por polıt́ icas liberais que utilizam como critério a avaliação do domıń io
da leitura com o objetivo de medir o nıv́ el de qualidade apresentado. “Por não ser prioridade das polıt́ icas públicas
liberais, a educação infantil acabou sendo privada dos dissabores das formas de avaliação introduzidas em outros
nıv́ eis educacionais” (FREITAS, 2003). Contudo, os autores destacam a importância de se apresentar uma forma
diferenciada de pensar a questão da avaliação no contexto da educação infantil.

Se o trabalho da educação infantil não deve caracterizar-se como uma preparação para o ensino fundamental, para
ressaltar a sua importância como primeira etapa da educação básica, e nem mesmo propiciar a escolarização
precoce das crianças, antecipando assim vivências que ocorrerão em momentos futuros, que saberes e fazeres são
esses que devem compor o trabalho pedagógico e que justificariam a necessidade de compreender a avaliação
como uma prática permanente de investigação e de (re) significação da ação educativa?

Esses questionamentos evidenciam o quanto a avaliação na educação infantil necessita ser analisada a partir das
diferentes lógicas de ação na escola, das escolhas feitas em torno do conhecimento, da afirmação da criança como
criança nos diferentes espaços e tempos escolares, dos caminhos possıv́ eis, para se valorizar a heterogeneidade e a
produção do novo, da afirmação do direito de todos a aprender.

No cotidiano da educação infantil, estão presentes diferentes sentidos e representações sobre a escola, a criança, o
trabalho pedagógico etc. São essas concepções, muitas vezes conflitantes em seus fundamentos, que vão fazer
emergir modos diferenciados e, muitas vezes, contraditórios de ensinar, de aprender e de avaliar. Nesse caso, a
diferença não é tradutora de um cotidiano rico em possibilidades e trocas, ao contrário, reforça apenas a primazia
do individualismo e das ações isoladas entre os professores.
Outro aspecto a destacar é quando o conhecimento produzido pelas crianças é submetido a um padrão avaliativo
que não possibilita extrair os elementos positivos dessa experiência, mas faz sobressair um reducionismo de
capacidades que se apresentam muito mais complexas do que o simples enquadramento avaliativo de “certo” ou
“errado”. A busca por um modelo ideal de aprendizagem estáestreitamente articulado a um modelo ideal de
criança, a um modelo de desenvolvimento ideal desejado, a comportamentos previamente desejados e aceitáveis.

Em função de um modelo “ideal”, a professora vai selecionando seus alunos e


classificando-os em “maturos” ou “imaturos”, segundo “estágios” do desenvolvimento
rotulando-os como mais ou menos capazes. Neste processo se anuncia o futuro escolar da
criança, pois, conforme se acredita as crianças que adquiriram prontidão segundo o padrão
utilizado pela escola, terão melhores condições de aprendizagem, na vida escolar, do que
aquelas que se mostram ainda imaturas. Como se constata, a ideologia das aptidões começa
cedo na escola. (ESTEBAN, 2000, p. 28)

A escola éum campo coletivo de trabalho e como tal deve superar sempre ações pontuais, práticas rotineiras e
repetitivas, bem como atitudes que reforçam o legado comportamentalista de avaliação e o caráter fragmentário do
conhecimento. Afirmar a avaliação de fato como um processo no trabalho pedagógico da educação infantil
significa:

• Desrotinizar as ações: como um campo de possibilidades, o cotidiano deve ser (re) significado a partir dos
sujeitos e das trocas culturais necessárias ao fortalecimento da escola, articuladas a contextos sociais mais amplos.
As chamadas “rotinas diárias” muitas vezes têm se apresentado como ação repetitiva e mecânica, tanto para as
crianças quanto para os adultos. Se a relação entre cuidar e educar pressupõe também atender às necessidades das
crianças como: ir ao banheiro, alimentar-se, deslocar-se para o pátio etc. Cabe ressaltar que essas experiências não
podem se sobrepor àcapacidade sempre inventiva e criativa dos sujeitos. Caso contrário, estarıá mos reforçando o
sentido da educação infantil apenas como um espaço formador de hábitos e de atitudes e, à avaliação, só
interessaria uma análise comportamental das ações realizadas pelas crianças e a busca por resultados práticos.

• Superar a lógica das atividades como aprendizagem de técnicas: écomum encontrarmos práticas que se fixam em
atividades tais como recorte, colagem, pontilhados, desenho “livre”, passeios, utilização da massinha etc.,
desvinculados da produção e da apropriação de conhecimentos sistematizados. O mais desconcertante em tudo isso
é que muitas crianças acabam fazendo exatamente o que faziam antes de entrar na escola e então surge a pergunta:
para que escola para crianças, cujas experiências são muito mais amplas e diversificadas? O que aprendem na
escola? Quais conhecimentos são transmitidos? Tudo isso faz emergir o sentido atribuıd́ o às instituições de
educação infantil e ao próprio conhecimento. As técnicas em si (cortar, colar, desenhar etc.) devem ser sempre ser
concebidas no cotidiano escolar como um suporte para a sistematização do conhecimento e elas podem constituir-
se como ferramentas importantes no processo ensino/aprendizagem. Quando se torna importante utilizar a
massinha, recorte, colagem? Quando conhecimento das ciências naturais, da linguagem artıś tica, do conhecimento
lógico-matemático, da linguagem escrita, etc., o exigirem. Todo planejamento deve ter uma intencionalidade clara
quanto aos seus objetivos e metodologias adequadas à sua aplicação. Diferente de ocupar o tempo que caracteriza
mais o “fazer pelo fazer”, a educação infantil deve fortalecer-se como um campo importante de conhecimento e de
cidadania ao qual todas as crianças devem ter acesso. Sem dúvida, pensar o trabalho da educação infantil enquanto
ações articuladas que giram em torno do conhecimento, que potencializa a criança como sujeito histórico e
produtor de cultura, como sujeito de direitos, é pensar num Projeto Polıt́ ico e Pedagógico de escola que se propõe
superar qualquer forma de segregação e discriminação também no processo avaliativo.

• Não fragmentar a criança e suas experiências: um processo avaliativo que tenha como pressuposto a criança na
sua totalidade procura contrapor-se àideia de desenvolvimento infantil segundo a qual a criança éconsiderada
um ser imaturo, incapaz, incompleto, um indivıd́ uo em “preparação” ou alguém que ainda não é. Tais definições
têm influenciado uma proposta de trabalho atrelada às fases de desenvolvimento da criança, instituindo um modelo
de planejamento e de avaliação focado na representação fragmentada de criança a partir da área afetiva, cognitiva e
psicomotora. O desenvolvimento da criança não é resultado da soma do desenvolvimento de capacidades isoladas
(ESTEBAN, 2000). Nos seus diferentes saberes e fazeres, as crianças não são meros receptores das ideias e
experiências produzidas em diferentes contextos sociais. Como sujeitos sociais que são, ao mesmo tempo em que
são influenciadas pela cultura, também produzem cultura, atribuem sentido às suas experiências, trazem marcas de
seu universo cultural e através de suas diferentes linguagens, brincadeiras e relações estabelecidas com outras
crianças e com os adultos, atribuem e estabelecem novas formas de diálogo com o mundo que devem ser
consideradas no cotidiano escolar. A criança também não éapenas um dado etário, ou seja, a idade dela não deve
ser determinante na escolha dos trabalhos escolares, frequentemente denominados de “atividades”. Ainda que a
idade seja um elemento importante, para compreender as crianças, existem outros atributos importantes a serem
considerados. Uma criança de quatro anos pode ter determinadas experiências que crianças de cinco ou seis anos
não têm. Assim, o que deve ser utilizado como ponto de partida para o planejamento escolar é o que as crianças já
sabem e o que são capazes de aprender de forma mais sistematizada, e não simplesmente fazer uso da escola e do
professor, para repetir coisas que elas jásabem antes mesmo de entrar na escola. A cultura escolar é a cultura da
produção e apropriação dos diferentes conhecimentos.

Como pudemos observar, a avaliação não pode ser compreendida deslocada das questões acima apresentadas. Se
todas as experiências vivenciadas pelas crianças nos diferentes tempos e espaços escolares têm sentido e
significado para o trabalho educativo, o processo de avaliação deve ser um movimento contıń uo na prática do
professor, seja observando as crianças na realização dos trabalhos, seja na interação com elas no pátio, no banheiro
ou no refeitório, seja na escuta de seus questionamentos, proposições e dificuldades, tudo ématéria
prima para avaliar.

Portanto, avaliar pressupõe uma contıń ua interação com as crianças, com suas dificuldades e possibilidades de
aprendizagem. Se esses momentos serão registrados nos cadernos dos professores, em portfólios e/ou apresentados
em relatórios mensais, bimestrais ou trimestrais para que também os pais possam acompanhar a ação pedagógica da
escola, tudo isso deve ser acordado coletivamente na escola, além, claro, de estar definido no projeto polıt́ ico-
pedagógico. Porém, o mais importante em tudo isso éque a avaliação seja fruto de um esforço contıń uo e
processual de (re) significar o modo de ensinar e de aprender, valorizando sempre as possibilidades do
conhecimento.

12-A ORGANIZAÇÃO DO TEMPO E DO ESPAÇO ESCOLAR

[...] o espaço, o tempo, a linguagem, ou seja, nossas vivências e representações das mesmas, constituem aspectos
chaves para compreendermos o social [...], para organizar nossas vidas para viver e deixar viver (FRAGO, 1998).

Ao chegarmos pela primeira vez àescola, algumas perguntas surgem: quem organiza os espaços? Quem define os
tempos? Quem determina os tempos previstos nos diferentes espaços? Parece trivial afirmar que a escola necessita
de uma organização dos seus diferentes tempos e espaços. Contudo, quando indagamos sobre os sentidos atribuıd́
os a esses tempos e espaços, a pergunta não étão trivial assim.

Muitas vezes, o processo de organização do tempo e do espaço escolar pode parecer um movimento invisıv́ el e
silencioso, porém, ao recorrermos às experiências instituıd́ as no passado em torno desses dois elementos
constitutivos da prática escolar, identificamos um forte acento nas referências pragmática e funcionalista de escola.

Nesse sentido, a organização do tempo e do espaço foi se revelando ao longo dos tempos como uma forma de
corresponder às preocupações constantes de moralizar e disciplinar a ação dos diferentes sujeitos escolares,
sobretudo, os comportamentos dos alunos, sempre considerados tendentes à perversão ou à subversão da ordem
estabelecida.
Nessa perspectiva identificamos que os padrões de organização da escola construıd́ os no passado deveriam
responder a padrões culturais e pedagógicos que tanto crianças quanto adultos deveriam apreender. A rigidez do
tempo e a demarcação dos espaços eram utilizados para regular a organização de corpos dóceis submetidos à
uniformidade do tempo e das lógicas espaciais condizentes com uma configuração arquitetônica fixa, imutável e
hierarquizada.

Toda essa experiência não ficou num passado tão distante. Ainda colhemos marcas de uma linguagem temporal e
espacial que continua a se expressar nas representações hierárquicas de determinados espaços e na funcionalidade
imposta aos diferentes tempos. Como exemplo, podemos citar a localização estratégica de alguns espaços para
facilitar a vigilância ou demarcar a divisão hierárquica entre um espaço e outro no contexto escolar. Cardoso e
Cunha (2007), ao destacar a necessidade de produzir espaços que reúnem as pessoas e não segregam, questionam:

A organização do espaço fıś ico nas creches e pré-escolas comporta as diferenças permite
as diferentes formas de expressão e possibilita a produção de diferenças? Como os adultos
organizam os espaços e tempos no contexto educativo para possibilitar a eficiência das
crianças na produção das diferenças e não de desigualdades? (p. 93-94).

Quantos de nós éfruto ou trazemos lembranças de uma escola onde a sala do diretor ou do coordenador sempre
representou um espaço de punição e repreensão de alunos “transgressores da ordem”, os cantos da sala de aula
eram utilizados como castigo ou para fazer alguém “pensar” sobre suas atitudes, a biblioteca ou salas de aula como
espaço exclusivo de silêncio, o pátio como fuga para o descanso e distanciamento entre professores e alunos... De
acordo com Escolano (2001),

A arquitetura escolar, além de ser um programa invisıv́ el e silencioso que cumpre


determinadas funções culturais e pedagógicas, pode ser instrumentada também no plano
didático, toda a vez que define o espaço em que se dáa educação formal e constitui um
referente pragmático que éutilizado como realidade ou como sıḿ bolo em diversos
aspectos do desenvolvimento curricular (p. 47).

Assim como em outros espaços institucionais, a educação infantil não estáimune a essa configuração espacial e
temporal. Começamos questionando os projetos arquitetônicos das unidades que acolhem crianças de 0 a 6 anos. A
ausência de diálogo entre arquitetos, engenheiros e profissionais que atuam no cotidiano dessas instituições, além
de configurar uma imposição espacial a sujeitos que também deveriam ser envolvidos nesse processo, também
desqualifica a participação das crianças como sujeitos capazes de sugerir, participar e atribuir sentidos ao espaço
escolar.

Essa mesma questão pode ser reposta às lógicas temporais existentes, pois tanto na organização do espaço, quanto
na organização do tempo as crianças são invisibilizadas, o que faz caracterizar uma escola pensada
predominantemente pelos adultos e para as crianças e não com as crianças. Assim, a organização do tempo e do
espaço escolar, incluindo aı ́a sistematização do planejamento, as práticas de avaliação, o trabalho coletivo, os
processos decisórios etc., desvincula as crianças dessas práticas, contrapondo-se, portanto, ao reconhecimento da
criança como sujeitos de direitos e capazes de intervir em diferentes contextos, inclusive o escolar.
A organização do tempo e do espaço em escolas de Educação Infantil muitas vezes gira em torno das necessidades
do adulto, criando assim um “espaço adultocêntrico”; através desse espaço, podemos perceber a influência de nossa
sociedade centrada no adulto. Nessa relação unıv́ oca, o adulto desempenha o papel do emissor, aquele que ensina,
e a criança, o papel de receptor, aquele que aprende (ROSEMBERG, apud FINCO, 2007, p. 97).
A existência do tempo e do espaço escolar não podem aprisionar a capacidade dos diferentes sujeitos de instituir
outros tempos e espaços que sirvam para promover as trocas culturais entre crianças e adultos, entre os diferentes
trabalhos existentes na escola. A autonomia da escola pressupõe a capacidade de (re) significar o tempo e espaço
escolar não como um tempo e um espaço exclusivo do sistema educacional, mas um tempo e um espaço pensado a
partir dos sujeitos e com os sujeitos. Harvey (1992) destaca [...]. “O espaço e o tempo são categorias básicas da
existência humana. E, no entanto, raramente discutimos o seu sentido; tendemos a tê-los por certos e lhes damos
atribuições do senso comum ou de auto-evidência” (p. 187).

Se tudo isso implica rever as formas normalmente utilizadas na organização da merenda, no uso do pátio escolar,
no acolhimento às demandas das famıĺias, nos procedimentos utilizados para atender as crianças em suas
particularidades, implica também a conquista por espaços e tempos que ainda não existem efetivamente com o
intuito de fortalecer o planejamento escolar, os estudos em grupo, a formação continuada dos diferentes
profissionais da escola.

13-RELAÇÃO ESCOLA E FAMÍLIA: A EXPERIÊNCIA DA/NA EDUCAÇÃO INFANTIL

“A democracia é uma obra de arte polıt́ ico-cotidiana que exige atuar no saber que
ninguém édono da verdade, e que o outro étão legıt́ imo como qualquer um.” (Maturana)

Numa sociedade plural como a nossa, pensar estratégias de trabalho que pressuponham uma relação permanente
entre as demandas da escola e as demandas da famıĺia, sem dúvida, éum grande desafio. Embora esse desafio
sempre estivesse presente na vida escolar, o aparecimento de novos arranjos familiares, na contemporaneidade, tem
instigado a escola e o conjunto de seus profissionais a buscar outras formas de estabelecer vıń culos com a famıĺia,
o que significa dizer que a famıĺia de tempos passados ou mesmo aquela cujas referências ainda carregamos em
nossa memória e vivências, nem sempre correspondem às experiências vividas por muitas crianças que estão hoje
na educação infantil.

Se por um lado, estamos convictos de que não existe um único modelo de famıĺia, sobretudo configurada em torno
da composição pai, mãe e filhos, por outro lado, não pode haver, por parte da instituição escolar, uma única forma
de estabelecer canais de comunicação e de relacionamento com a famıĺia.
Nesse sentido, afirma-se que mesmo que uma criança tenha como referência familiar somente a sua mãe, sua avó
ou seu pai; ou aquelas crianças que estão sob a guarda de outras pessoas, como por exemplo, madrasta ou padrasto;
ou que foram adotadas por homens ou mulheres, todas devem ser reconhecidas como tendo um vıń culo familiar e
que, portanto, merecem toda a atenção e respeito por parte da escola.

Faz-se necessário compreender que cada instituição familiar, enquanto produção cultural está sujeita a
determinações culturais e históricas de seu tempo. Isso significa dizer que a famıĺia se constitui tanto como um
espaço de solidariedades, diálogos, afetos e proteção, quanto um espaço atravessado por conflitos, violências e
ameaças.
Ainda que alguns desses arranjos familiares não combinem com a concepção de famı́lia normalmente estabelecida
em nossa sociedade, o reconhecimento àdiversidade cultural, étnica e econômica de cada famıĺia, é um caminho
importante de constituição de novas possibilidades éticas e pedagógicas de relacionamento entre escola e famıĺia.

Assumir um trabalho de acolhimento às diferentes expressões e manifestações das crianças


e suas famıĺias significa valorizar e respeitar a diversidade, não implicando a adesão
incondicional aos valores do outro. Cada famıĺia e suas crianças são portadoras de um
vasto repertório que se constitui em material rico e farto para o exercıć io do diálogo,
aprendizagem com a diferença, a não discriminação e as atitudes não preconceituosas.
Estas capacidades são necessárias para o desenvolvimento de uma postura ética nas
relações humanas. Nesse sentido, as instituições de educação infantil, por intermédio de
seus profissionais, devem desenvolver a capacidade de ouvir, observar e aprender com as
famıĺias. (RCNEI, Vol. 1, p, 77).
Ao longo do trabalho escolar, ouvimos repetidas vezes dos profissionais que a famıĺia estádistante da escola, não
acompanha a vida escolar de seus filhos ou não comparece às costumeiras reuniões convocadas. Se, a grosso modo,
a escola tem grandes motivos para querer uma participação mais efetiva da famıĺia na escola, a ausência fıś ica da
famıĺia na escola nem sempre significa que ela não acompanha a vida escolar de seus filhos, sobretudo aquelas que
trabalham o dia inteiro ou não conseguem se adequar aos horários prescritos pela escola. Muitas mães, pais e/ou
responsáveis das crianças, mesmo não tendo possibilidade de estar na escola, acompanham seus filhos, se
interessam pelo que fazem e os ajudam nas tarefas escolares. Nessas experiências não estariam presentes outras
formas de participação da famıĺia na vida escolar de seus filhos? Sem dúvida que sim, e a escola precisa aprender
com as famıĺias e fazer uso dessas variadas experiências para que se fortaleça cada vez mais as trocas recıṕ rocas.

Qualquer forma de negligência e de maus tratos dirigidas às crianças devem ser imediatamente combatidas por
meio de mecanismos que possibilitem garantir o direito das crianças aos cuidados, àsegurança, ao respeito e ao
acolhimento permanente às suas necessidades e capacidades. A escola que porventura identificar nas crianças
práticas decorrentes de agressão fıś ica, inclusive sexual, desnutrição, distúrbios psicológicos graves etc. deve
buscar, ajuda por meio das instituições de apoio, como, por exemplo, Conselho Tutelar e especialistas do campo da
saúde.

Outro aspecto a destacar é a exigência por canais de comunicação mais efetivos, sobretudo, quando estão em jogo
orientações sobre uso de medicamentos, acontecimentos ligados à alimentação, saúde ou informações importantes
sobre a criança. Nesses casos, a escola não pode assumir a responsabilidade sozinha e cabe à famıĺia atentar-se que
ela éinsubstituıv́ el nas práticas que lhe dizem respeito às suas obrigações como famıĺia. Quanto ao uso de
medicamentos, por exemplo, a escola não deve responsabilizar-se pela sua aplicação sem a solicitação por escrito
da famıĺia e de acordo com a receita do médico. Essas atitudes, ao contrário de distanciar as relações entre escola e
famıĺia, delimitam melhor as responsabilidades dessas duas instituições que não podem ser confundidas no
cotidiano da educação infantil: assim com a escola deve respeitar as especificidades da famıĺia como famıĺia, a
famıĺia não pode utilizar-se da escola para fazer cumprir determinados papéis que são de sua exclusiva
responsabilidade áescola.

Muitas escolas têm procurado formas de comunicação diferenciadas com a famıĺia. São experiências que vão desde
implementação de “plantões pedagógicos” aos sábados, reuniões em horários alternativos, palestras, atendimentos
individuais etc., sem falar na participação democrática por meio dos Conselhos de Escola, cuja representação
familiar na escola está garantida. Tudo isso, sem dúvida, tem potencializado encontros mais regulares com as
famıĺias. Contudo, não obstante o esforço de buscar caminhos que ampliem as formas de participação da famıĺia na
vida escolar é necessário reconhecer que essas iniciativas são importantes e indispensáveis, mas não são suficientes
para lidar com a diversidade de valores, crenças e concepções que se colocam em torno da educação infantil.

Infelizmente, muitas famıĺias desconhecem a complexidade do trabalho desenvolvido nas creches e pré-escolas e
isso tem se constituıd́ o em interesses bastante distintos dos pais ao matricularem os seus filhos. A exemplo de
tempos passados, as instituições de educação infantil ainda têm se configurado como um espaço adequado para
colocarem os filhos enquanto suas mães trabalham. Se essa intenção reflete muito das necessidades reais por que
passam centenas de famıĺias brasileiras, refletem também uma ausência de conhecimento sobre as instituições de
educação infantil, sobretudo das creches, como espaços produtores de conhecimento que traduzem uma estreita
relação entre as ações do cuidar e educar.

Por mais estranho que possa parecer, muitos conflitos decorrem dessa ausência de conhecimento sobre as
capacidades de trabalho desenvolvidas nas creches e nas pré-escolas. Muitos pais e/ou responsáveis pelas crianças
nunca frequentaram instituições de educação infantil e aqueles que frequentaram ainda carregam uma
representação em torno de práticas assistenciais. Daı ́porque acharem que a escola éa “segunda casa” para seus
filhos, considerarem os professores como “babás” ou não compreenderem os limites que se interpõem entre a
instituição escolar e a instituição familiar.
As famıĺias precisam conhecer o trabalho pedagógico desenvolvido pela educação infantil, suas capacidades e
limites frente a inúmeros desafios, qual o perfil de seus profissionais, quais as responsabilidades de cada um nesse
processo, qual o seu projeto polıt́ ico-pedagógico, quais as formas de participação na vida escolar etc. São essas
orientações e informações que vão delineando uma melhor compreensão do trabalho a ser realizado com as
crianças, o porquêde determinadas regras, o sentido do trabalho desenvolvido. Formar a famıĺia para o sentido da
educação infantil éproduzir sentidos comuns em torno da experiência pedagógica com as crianças pequenas e
afirmar a educação infantil, de fato, como um direito, sobretudo, das crianças.

14- ALFABETIZAÇAO

A alfabetização implica, desde a sua gênese, na constituição de sentido. Desse modo, implica mais profundamente
em uma forma de interação com o outro pelo trabalho de escritura - para quem eu escrevo; o que escrevo e por
quê? A criança pode escrever, para si mesma, palavras soltas, tipo lista, para não esquecer; tipo repertório, para
organizar o que jásabe. Pode escrever, ou tentar escrever, um texto, mesmo fragmentado, para registrar, narrar,
dizer... Mas essa escrita precisa ser sempre permeada por um sentido, por um desejo, e implica ou pressupõe
sempre um interlocutor (Smolka, 1989, p.69)

A forma como o trabalho pedagógico éorganizado e o sentido que atribuıḿ os àalfabetização estão ligados aos
significados que damos à educação infantil, à criança, ao planejamento e ao processo ensino-aprendizagem. Isso,
para confirmar que as práticas desenvolvidas no cotidiano escolar são atravessadas por concepções, sentidos e
representações que colocam em cena pressupostos teóricos e epistemológicos nem sempre coerentes entre si.

Desse modo, concebe-se a criança como sujeito produtor de cultura, como sujeito de direitos, mas, em outros
momentos, reproduz-se uma abordagem mecânica da leitura e da escrita. Concebe-se a alfabetização como um
processo, mas determina-se a idade correta e ideal para iniciar tal experiência na escola. Valoriza-se a produção do
conhecimento, mas o conhecimento éfragmentado e ordenado, perdendo tanto o seu significado quanto a sua
articulação com o contexto social mais amplo.

As questões em torno da alfabetização repõem uma série de contradições que ainda perpassam a experiência de
muitos professores no cotidiano da educação infantil. Uma delas está no fato de que a preocupação com o processo
de apropriação da leitura e da escrita, sobretudo nas escolas públicas, deve iniciar-se no momento em que a criança
atingir a idade de seis anos ou estar matriculada nas chamadas “classe de alfabetização”. Com isso, fortalece-se a
ideia de que háum lugar adequado, háum tempo adequado e háum professor adequado para que esta experiência
possa, de fato, ser introduzida na escola.
Ora, tais argumentos ainda muito frequentes, sobretudo no contexto da educação infantil, acentuam vários equıv́
ocos, tais como:

• A alfabetização évista apenas como uma fase ou relacionada a uma etapa de vida da criança; • Os exercıć ios
motores, atividades de “desenho livre”, com ênfase na fase do grafismo são privilegiados como preparação
àalfabetização;
• O argumento de que o brincar deve prevalecer nas experiências das crianças, sem, contudo relacioná-lo à
apropriação dos diferentes conhecimentos;
• O trabalho pedagógico permanece condicionado a uma concepção de criança classificada e selecionada, segundo
as “fases” de desenvolvimento;
• O trabalho pedagógico continua visando àpreparação para o ensino fundamental ou mesmo preocupada em
corresponder exclusivamente às pressões e exigências da famıĺia.
Além, desses, terıá mos tantos outros argumentos que terminam por negar o direito da criança de aprender a ler e a
escrever de forma processual em todos os tempos e espaços escolares, bem como, descaracterizar o trabalho
educativo como uma prática intencional, organizada e sistemática, cujo objetivo é sempre promover aprendizagens
significativas.
Ao considerar o planejamento uma premissa essencial, para que as crianças se apropriem
da leitura e da escrita, é necessário termos como ponto de partida, para a organização do
trabalho educativo, um conceito de alfabetização que abranja as diferentes dimensões
desse processo que, por sua vez, devem ser tomadas como eixos norteadores o trabalho na
sala de aula. Dessa forma, é importante pensarmos a alfabetização como uma prática social
em que se desenvolve a formação da consciência crıt́ ica, as capacidades de produção de
textos orais e escritos, de leitura de compreensão das relações entre sons e letras. Ela é
concebida com prática social, porque é uma atividade que se desenvolve entre pessoas, em
determinados espaços institucionais, em decorrência das necessidades geradas pela vida
em sociedades que fazem uso da escrita para se comunicar, se relacionar com outras
pessoas, se posicionar, questionar, concordar etc. (GONTIJO, 2008, p. 1).

Conceber a natureza infantil em uma perspectiva histórico-cultural implica compreender o fenômeno da


alfabetização articulada a um contexto sócio-histórico e cultural, ou seja, a leitura e a escrita possuem uma
significação social e cultural, contrária, portanto, a uma perspectiva biologizante de desenvolvimento. As crianças
não aprendem sozinhas e nem de forma espontânea ou natural, elas necessitam da mediação do outro, no caso do
trabalho escolar, do professor. Ao contrário da oferta de exercıć ios repetitivos ou registros corriqueiros das
atividades (que mais servem para engrossar as pastas no final de ano), o trabalho de apropriação da leitura e da
escrita com as crianças deve ser planejado e sistematizado, tendo como ponto de partida as experiências trazidas
pelas crianças em torno da leitura e da escrita, como por exemplo: o que fazem e o que são capazes de fazer, quais
os usos e desusos que fazem da escrita em seu contexto, se tem contato com livros, revistas em casa ou com outros
portadores de textos (jornais, bilhetes, receitas, etc.), se são estimuladas a compreenderem a função social da
escrita, se vivem em um contexto onde seus pais sabem ou não ler.

Se um dos objetivos do processo de alfabetização épossibilitar a ampliação da capacidade de produção de textos


orais e escritos, e se “o espaço da sala de aula deve ser um espaço de formação de leitores” (GOULART, 2007). Há
de se considerar que essa experiência deve ser permanente na educação infantil. Nesse caso, desde a mais tenra
idade, as crianças devem ser incentivadas a ouvir histórias, conhecer a escrita de seu nome, de seus colegas, narrar
experiências, produzir textos de forma individual ou coletiva, ampliar seu universo cultural através de desenhos,
músicas, poemas, parlendas, receitas, enfim, compreender a escrita como forma de se comunicar com as pessoas,
com o mundo e não apenas entendê-la como processo de codificação e decodificação.

Contudo, vale ressaltar que essas experiências não podem fazer desaparecer a importância da criança se manifestar
como criança em todos os tempos e espaços do trabalho pedagógico e nem desqualificar o brincar como algo
socialmente e culturalmente importante às culturas infantis

As crianças nascem em um mundo constituıd́ o por diferentes sistemas simbólicos socialmente construıd́ os,
incluindo-se aı ́ as diferentes formas de escrita, imagens e vários tipos de informações. Assim, por meio de
diferentes mecanismos e segundo a realidade de seu contexto, ela vai se apropriando das diversificadas formas
existentes de escrita na rua, na sua casa, na escola, tais como nome das ruas e estabelecimentos, sinais de trânsito,
rótulos, propagandas, bilhetes, cartas, cartazes etc. Tudo isso justifica o que Paulo Freire (1982) já afirmara em
tempos passados “a leitura de mundo precede a leitura da palavra”, o que significa dizer que, ao entrar na escola, a
criança carrega a sua própria leitura de mundo.

Quanto às diferentes formas utilizadas pelas crianças para se comunicarem, Gontijo (2008) destaca a necessidade
de se respeitar as variantes lingüıś ticas decorrentes dos contextos onde as crianças vivem. Uma criança indıǵ ena,
pomerana ou influenciada pelas representações lingüıś ticas de determinada região ou cultura, pode muito bem
apresentar modos distintos de linguagem, diferentes daquelas de uso corrente na escola. Contudo, a autora adverte
sobre a necessidade de se respeitar a variante lingüıś tica utilizada pelos alunos.
[...] as crianças dominam, desde muito pequenas, a variante lingüı́stica utilizada em sua
comunidade e, dessa forma, utilizam uma variante que possui um vocabulário e regras
gramaticais que lhes permitem interagir com as outras pessoas. A variante usada pela
criança não émelhor e nem pior que outras variantes existentes na sociedade. O que
devemos, portanto, éampliar as capacidades das crianças de fazer uso da linguagem (oral e
escrita) em diversas situações (formais e informais). Nessa perspectiva, os preconceitos em
relação àlinguagem não têm lugar na escola (p. 4).

Poderıá mos perguntar: Seria justo a escola subestimar as experiências das crianças em um mundo letrado? Estaria
correto desconsiderar as curiosidades, os desejos e interesses das crianças em relação à produção da leitura e da
escrita, sobretudo daquelas que frequentam há anos a educação infantil? O espaço da sala de aula deve ser um
espaço de leitores, contudo, não basta interrogar se a educação infantil deve ou não deve ensinar a ler, mas como o
fará, qual o sentido e o significado das ações de leitura e escrita que se tem no cotidiano escolar. “A linguagem
escrita não envolve [...] apenas o ato de grafar sons da fala oral, mas expressa e materializa significados”
(GONTIJO, 2002, p. 19).

Por muito tempo, discutiu-se se era correto ou não alfabetizar na educação infantil. Essa dúvida jánão faz mais
sentido, se concebemos a alfabetização como um processo no qual a criança vai construindo e reconstruindo suas
ideias sobre a leitura e a escrita. Um longo processo que não ocorre somente por meio da escola, mas também em
diferentes contextos sociais e culturais.

Desse ponto de vista, alfabetizar na educação infantil passa a ter um significado muito diferente. Passa a significar
não sóter acesso àinformação sobre a escrita dentro de situações de aprendizagem planejadas pela professora para
ajudar a criança a avançar em seu processo de alfabetização, mas também ter a oportunidade de participar, de
alguma forma, de práticas sociais mediadas pela escrita, e isso independe da idade da criança, o que por outro lado,
não significa exigir uma capacidade de abstração das crianças para além de suas possibilidades.

Por um longo tempo, acreditou-se que a apropriação da leitura e da escrita era uma experiência estritamente escolar
e que as crianças sóaprendiam o que o professor podia lhes ensinar. Primeiro o professor devia ensinar as letras e/
ou sı́labas escritas e seus respectivos sons e, quando essas correspondências estivessem memorizadas, os alunos
seriam capazes de ler e de escrever.

Essas “certezas” desmoronaram, pois com o surgimento de novos estudos e pesquisas, desvelaram-se novas
possibilidades de interpretação: as crianças têm ideias sobre a escrita muito antes de serem autorizadas pela escola
a aprender. Essas ideias assumem formas inesperadas. Em lugar de acumularem as informações oferecidas pela
escola, elas “inventam” formas surpreendentes de escrever.

O que chamamos de dar acesso àleitura e àescrita vai além da preocupação dos resultados em torno da escrita
alfabética. A leitura diária de histórias pela professora, o contato sistemático com material impresso de diferentes
gêneros e a oportunidade de escrever e ler constantemente fazem uma diferença significativa no desenvolvimento
da capacidade leitora e escritora das crianças.

Não existe processo de alfabetização se, o trabalho educativo não promove condições satisfatórias para que ele
ocorra. Nesse sentido, cabe sempre questionar: Por que as crianças devem escrever? Para quem devem escrever?
Quais são os seus interlocutores? (outras crianças, mural da escola, pai, mãe, outra turma...) Como são motivadas a
escreverem? Somado a tudo isso, cabe destacar que é necessário que as crianças tenham o que escrever e que
apareçam como sujeitos da escrita, deixando suas marcas e suas formas de interpretar o mundo. Não basta,
portanto, criar situações em que as crianças, interagindo com a linguagem escrita, possam dela se apropriar,
épreciso que, desde o inıć io de sua interação com a linguagem escrita na escola, ela perceba que por meio dessa
forma de linguagem ela pode expressar-se e expressar seu modo de ver e interagir com o mundo.
Alguns aspectos são necessários considerar no processo de alfabetização:

1. A alfabetização éum fenômeno sócio - cultural e não pode estar desarticulada do contexto sócio-histórico em que
ocorre a sua apropriação.
2. As crianças têm o desejo e o interesse de ler e escrever porque vivem em uma sociedade letrada e esse interesse
deve ser atendido, levando-se em conta as capacidades das crianças;
3. A linguagem escrita na educação infantil não vem ocupando o lugar que deveria realmente ocupar, pois
determinadas “atividades” têm ensinado mais as crianças a desenhar ou reproduzir letras. 4. A apropriação da
escrita tem um papel fundamental no desenvolvimento cultural e psıq́ uico da criança, uma vez que dominar a
escrita significa dominar um sistema simbólico extremamente complexo. Para Vygotsky, essa aquisição resulta de
um longo processo de desenvolvimento das funções do comportamento infantil e chama a atenção o fato de que
“ensina-se as crianças a desenhar letras e construir palavras com elas, mas não ensina a linguagem escrita.”
5. Acredita-se que o ato de escrever deve ser cultivado e não imposto, pois énecessário que as letras se tornem
elementos da sua vida, da mesma maneira que a fala.
6. O brincar éuma atividade essencial ao desenvolvimento infantil. Brincando, a criança estáformando as bases
necessárias para poder, aos poucos, apropriar-se da linguagem escrita. No entanto, ao forçar uma alfabetização
precoce, diminuindo o brincar na educação infantil, estamos interrompendo a formação dessas bases. Estamos
reforçando o trabalho da educação infantil somente como preparação ao ensino fundamental.
7. A realidade é de constante transformação, por isso, precisamos estar atentos e rever se as metodologias utilizadas
estão sendo repetitivas e rotineiras, causando cansaço, desmotivação, desinteresse e stress tanto nas crianças,
quanto nos professores. No ano de 2007, uma das maiores queixas das crianças era a repetição do cabeçalho
apresentado no quadro por sua professora.
8. Vale lembrar ainda o confuso papel dos pais e da escola e as muitas cobranças da famıĺia em relação aos
“rendimentos” em torno da leitura e da escrita. A famıĺia tem o direito de ser informada sobre a concepção de
alfabetização assumida na escola e qual os objetivos de seu trabalho com as crianças. 9. Alfabetização deve ser
inserida num contexto dinâmico, real, criativo e significativo para as crianças. 10. Alfabetização deve ser concebida
como um processo que respeita os ritmos, as descobertas e as capacidades individuais das crianças.

Para que o processo de alfabetização se efetive no contexto da educação infantil, deve se levar em conta todas as
experiências vividas pelas crianças nos anos anteriores. As crianças que não tiveram acesso às creches ou que
chegaram na educação aos seis anos de idade, todas devem ser respeitadas nas suas particularidades. Desse modo,
respeitar as diferenças entre as crianças, sobretudo, reconhecer que elas têm modos e tempos distintos de aprender
são questões importantes de serem consideradas no processo ensino-aprendizagem. Enecessário, portanto,
aprofundar, por meio de grupos de estudos, relatos de experiências, estudos individuais e formação continuada o
conhecimento sobre a alfabetização. Isso significa considerar as estratégias e os processos teórico metodológicos
que garantam a alfabetização de forma prazerosa, criativa de modo a possibilitar, à criança, a apropriação aos
mecanismos básicos da escrita e que esses mecanismos possam ser ampliados cada vez mais com a sua entrada no
ensino fundamental.

Uma proposta pedagógica de educação infantil, preocupada com a qualidade da escola pública para todos e
comprometida com as classes populares, não pode esquecer que, em muitos casos, a escola ainda éum campo
privilegiado de acesso aos saberes sistematizados para muitas crianças. Isso chama, àresponsabilidade coletiva,
uma educação que leve sempre em conta a criança, o seu contexto cultural e as possibilidades oferecidas pela
escola de aprender sempre, não esquecendo que a alfabetização envolve uma dimensão simbólica, expressiva e
cultural (KRAMER, 1995).

15-CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mas se o homem se faz fazendo o mundo, e se faz como homem se fazendo na


linguagem, esse processo sóépossıv́ el graças a coletividade, ao NOS, ao auditório social
presente fora e dentro de cada um. (BAKHTIN)
Este trabalho, realizado coletivamente ao longo de dezoito meses, não se encerra. Ao contrário, ele se abre a novas
possibilidades de reflexão e proposição. Aqui estão sintetizadas as ideias, debates, dúvidas, expectativas dos
diferentes sujeitos da educação infantil. Algumas dessas questões aqui apresentadas ainda são pouco conhecidas,
outras continuam desafiadoras, porém, todas trazem a sua novidade ao serem recolocadas a partir de diferentes
histórias e de diferentes contextos.

O desafio de produzir uma proposta pedagógica de forma democrática e coletiva não é tanto o esforço de
sistematizar questões tão complexas em dezenas de páginas, mas fazer expressar a riqueza da vida experienciada,
intensamente vivida, que não se deixa calar em torno de um projeto de educação infantil pública e de qualidade
para todos, crianças e adultos. Pensar na qualidade da educação infantil é pensar na efetivação das ideias e
caminhos atéentão trilhados, saber que a vida continua e que ela precisa ser (re) significada a cada instante.

Esta proposta pedagógica não é uma carta de intenções e nem mesmo a idealização de uma realidade, mas
representa a firme determinação polıt́ ica e pedagógica de que não só é possıv́ el mover esforços em torno de
objetivos comuns, mas perseguir, insistentemente, pela sua concretização. Isso posto, cabe afirmar que esta
proposta é uma “aposta” para a formação continuada dos diferentes profissionais da educação infantil e um ponto
de par tida indispensável para a elaboração ou reelaboração dos projetos polıt́ ico-pedagógicos de cada instituição.

Poderıá mos trazer mais questões? Poderıá mos, se o tempo fosse uma experiência infinita em nossas vidas.
Contudo, a partir de um campo de possibilidades, isto é o que nos coube nesta História. Que num futuro não muito
distante, outras gerações, outros desejos e expectativas possam vir e continuar nos ensinando que a educação
infantil se faz com a insistência das palavras e com o desejo coletivo de manter vivas nossas esperanças em torno
da educação.

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Este documento foi construído coletivamente por toda comunidade
escolar da Rede Municipal de Ensino de Cachoeiro de Itapemirim. Por
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