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MESTRADO EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

DOMÍNIO DA INFÂNCIA, FAMILIA E SOCIEDADE

Os Direitos das Crianças e a Associação de


Desenvolvimento do Concelho de Espinho:
entre o direito ao brincar e o direito à educação

Patrícia Gomes Martins

M
2021
Universidade do Porto

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação

Os Direitos das Crianças e a Associação de


Desenvolvimento do Concelho de Espinho:
entre o direito ao brincar e o direito à
educação

Patrícia Gomes Martins

Relatório apresentado à Faculdade de Psicologia e de Ciências da


Educação da Universidade do Porto para obtenção do grau de Mestre
em Ciências da Educação, realizado sobre orientação da Professora
Doutora Manuela Ferreira.

Porto, 2021
AVISOS LEGAIS

O conteúdo deste relatório reflete as perspetivas, o trabalho e as interpretações


do autor no momento da sua entrega. Este relatório pode conter incorreções, tanto
conceituais como metodológicas, que podem ter sido identificadas em momento posterior
ao da sua entrega. Por conseguinte, qualquer utilização dos seus conteúdos deve ser
exercida com cautela.
Ao entregar este relatório, o autor declara que o mesmo é resultante do seu próprio
trabalho, contém contributos originais e são reconhecidas todas as fontes utilizadas,
encontrando-se tais fontes devidamente citadas no corpo do texto e identificadas na seção
de referências bibliográficas. O autor declara, ainda, que não divulga no presente relatório
quaisquer conteúdos cuja reprodução esteja vedada por direitos de autor ou de
propriedade industrial.
Resumo
O presente relatório desenvolveu-se no âmbito do Mestrado em Ciências da
Educação, domínio da Infância, Família e Sociedade, e concentra-se na experiência de
formação possibilitada pelo estágio realizado Associação de Desenvolvimento do
Concelho de Espinho (ADCE), entre setembro de 2020 e maio de 2021.
Os contributos teórico-concetuais dos Estudos Sociais da Infância e das Ciências
da Educação constituem um horizonte orientador do posicionamento assumido no
decurso do estágio, que assenta no tripé direitos das crianças, inclusão socioeducativa e
intervenção com crianças, jovens e comunidade, situada e com sentido para eles e que foi
essencial para: num primeiro momento, em presença na ADCE, de setembro a novembro
de 2020, dar conta e refletir criticamente acerca das dinâmicas e intervenção
socioeducativa da ADCE com crianças e jovens da comunidade, considerando o binómio
atividades lúdicas versus trabalhos escolares em espaços-tempos extraescolares; num
segundo momento, em teletrabalho, de janeiro a maio de 2021, dar conta e fundamentar
da conceção e planificação de uma ação de informação e sensibilização para pais
intitulada “Por Todos Nós”, resposta a um pedido da ADCE em que se privilegiou uma
abordagem construtiva da parentalidade em torno dos direitos da criança à família, à
educação e ao brincar, lazer e tempos livres.
A formação pessoal e social adquirida no estágio e as diferentes competências
desenvolvidas, incluindo nos momentos de avanços e recuos do processo, são, por fim,
objeto de reflexão.

Palavras-chave: Direitos das Crianças; Formação para a Parentalidade; Brincar, Trabalhos de


Casa, (In)Sucesso Escolar
Abstract
This report was developed within the scope of the Master of Science in Education,
in the field of Childhood, Family and Society, and focuses on the training experience
made possible by the internship that was developed in Associação de Desenvolvimento
do Concelho de Espinho (ADCE), between September 2020 and May 2021.

The theoretical-conceptual contributions of Childhood Social Studies and


Educational Sciences constitute a guideline of the position taken during the internship,
which is based on children's rights, socio-educational inclusion and intervention with
children, young people and the community. These questions, situated and with meaning
for the people of ADCE, were essential to: at first, while in presential internship, from
September to November 2020, give an account and critically reflect on the dynamics and
socio-educational intervention of ADCE with children and young people in the
community, considering the binomial playful activities versus schoolwork in extra-school
space-times; in a second moment, in teleworking, from January to May 2021, reporting
and justifying the design and planning of an information and awareness action for parents
entitled “Para Todos Nós”, in response to a request from ADCE in which was privileged
an approach of constructive parenting around the children’s rights to the family, education
and play, leisure and free time.

The personal and social training acquired in the internship and the different skills
developed, including in the moments of advances and setbacks in the process, are,
ultimately, an object of reflection.

Key-words: children’s rights; parenting; play; homework; school (in)success


Resumé
Ce rapport a été élaboré dans le cadre du Master en sciences de l'éducation,
domaine de l'enfance, de la famille et de la société, et se concentre sur l'expérience de
formation rendue possible par le stage effectué à l'Association de Développement
Municipal d'Espinho (ADCE), entre septembre 2020 et mai 2021.
Les apports théoriques et conceptuels des sciences sociales de l'enfance et des
sciences de l'éducation constituent un horizon directeur de la position prise pendant le
stage, qui repose sur le trépied des droits de l'enfant, l'inclusion socio-éducative et
l'intervention auprès des enfants, des jeunes et de la communauté , situé et porteur de sens
pour eux et qui était essentiel : dans un premier temps, en présentiel à l'ADCE, de
septembre à novembre 2020, se rendre compte et de réfléchir de manière critique sur la
dynamique et l'intervention socio-éducative de l'ADCE auprès des enfants et des jeunes
dans le communauté, en considérant le binôme activités ludiques versus travail scolaire
dans des espace-temps extra-scolaires ; dans un second temps, en télétravail, de janvier à
mai 2021, pour rendre compte et justifier la conception et la planification d'une action
d'information et de sensibilisation des parents intitulée '' Por Todos Nós'', en réponse à
une demande de l'ADCE dans laquelle une approche constructive de la parentalité autour
des droits de l'enfant à la famille, à l'éducation et au jeux, aux loisirs et au temps libre.
La formation personnelle et sociale acquise au cours du stage et les différentes
compétences développées, y compris dans les moments d'avancées et de reculs du
processus, font enfin l'objet d'une réflexion.

Mots clés: Droits de l’enfant; Formation parentale; Jouer; Devoirs; Succès / échec
scolaire
Índice de siglas

ADCE – Associação de Desenvolvimento do Concelho de Espinho


ASC – Animação Sociocultural
CC – Centro Comunitário
CDC – Convenção dos Direitos das Crianças
CEB – Ciclo do Ensino Básico
CLDS – Contrato Local de Desenvolvimento Social
CME – Câmara Municipal de Espinho
EE – Encarregados de Educação
EI – Educação de Infância
ENT – Entrevistas
IPSS – Instituição Particular de Solidariedade Social
MCED – Mestrado em Ciências da Educação
NEE – Necessidade Educativas Especiais
NT – Notas de terreno
POAPMC – Programa Operacional de Apoio a Pessoas Mais Carenciadas
PPS – Projeto Promover o Sucesso
PRI – Projeto Encaminhar o Futuro
RSI – Rendimento Social de Inserção
SIGA – Sistema Integrado de Gestão e Aprendizagem
TPC – Trabalhos Para Casa
Índice
Introdução ......................................................................................................................... 1
Capítulo 1 - As crianças e os seus direitos – Um horizonte teórico-concetual orientador
da observação, análise e intervenção no estágio............................................................... 5
1. Crianças e construção sociohistórica da infância ..................................................... 5
1.1 Conceções de criança.......................................................................................... 6
2. Direitos das crianças e realidade contemporânea ..................................................... 8
2.1. Direito a uma vida familiar ................................................................................ 8
2.1.1. A família moderna: relacional, individualista e privada/pública ................ 8
2.1.2. A parentalidade: dinâmicas e modelos ....................................................... 9
2.1.3. Parentalidade e escolarização das crianças ............................................... 12
2.2. Direito à educação ........................................................................................... 14
2.2.1. Educação escolar e ofício do aluno .......................................................... 15
2.2.2. Escolarização das crianças e (in)sucesso escolar ..................................... 15
2.2.3. Igualdade de oportunidades, (in)sucesso escolar e relações com as famílias
............................................................................................................................ 17
2.3. Direito ao tempo livre, lazer e recreação ......................................................... 19
2.3.1. Tempo e atividades livres, culturas infantis e brincar .............................. 20
2.3.2. Brincar e educação informal ..................................................................... 21
2.4. Direitos de participação ................................................................................... 22
2.4.1. Participação e participação infantil........................................................... 23
Capítulo 2 - A ADCE: caracterização do contexto de estágio ....................................... 27
1. Concelho de Espinho: caracterização sociográfica ................................................ 27
2. Associação de Desenvolvimento do Concelho de Espinho (ADCE): caracterização
.................................................................................................................................... 28
2.1. Centro Comunitário Espinho Mar – Espinho Terra ........................................ 29
2.2. Projeto Promover o Sucesso – Escola Para Todos ......................................... 32
3. Políticas educativas, educação formal e não formal e ADCE: que relações? ........ 34
3.1. Projeto Promover o Sucesso – Escola Para Todos .......................................... 34
3.2. Centro Comunitário Espinho Mar – Espinho Terra ........................................ 37
3.2.1. O Espaço do Conhecimento ..................................................................... 38
3.2.2. A ludoteca ................................................................................................. 38
3.2.3. O clube de Jovens ..................................................................................... 40
4. Animação Sociocultural e Educativa e participação social .................................... 41
Capítulo 3 - Dinâmicas socioeducativas da ADCE e processos e experiências de
formação vividas nos percursos de estágio: questões ético-metodológicas ................... 44
1. Conhecer o contexto e os atores para intervir de um modo situado –
posicionamento teórico e ético-metodológico ............................................................ 44
2. Dinâmicas socioeducativas da ADCE e processos e experiências vividos no
estágio: análise reflexiva ............................................................................................ 47
2.1. Investigar para conhecer o contexto e os atores de forma situada: entre
processos e experiências vividos e opções metodológicas e éticas – 1º momento. 48
2.1.1. Entrada no terreno, definição de um projeto para integrar e primeiro
desaire ................................................................................................................. 48
2.1.2. O Projeto Promover o Sucesso - Escola Para Todos ................................ 49
• Participação nas reuniões semanais .......................................................... 49
• Acompanhar a orientadora local no Espaço da Mediação ........................ 50
• Proposta de realizar um inquérito, cooperação na realização dos flyers
para pais e segundo desaire ............................................................................ 50
2.1.3. Centro Comunitário Espinho Mar - Espinho Terra: Ludoteca, Clube de
Jovens e Cantinho de Estudo .............................................................................. 51
• Colaboração com as Monitoras e apoio às atividades das crianças .......... 51
• Realização de uma ação com os jovens sobre a Importância da Escola e
Métodos de Estudo. ........................................................................................ 52
2.1.4. Entre a participação nas atividades e o uso das opções metodológicas e
éticas ................................................................................................................... 53
• Levantamento, pesquisa e análise documental ............................................. 53
• Observação participante e diário de campo.................................................. 54
• Entrevistas semi-diretivas ............................................................................ 55
• Inquéritos...................................................................................................... 56
• Análise de conteúdo ..................................................................................... 57
2.1.5. Relações construídas na ADCE ................................................................ 57
2.2 Conceção e planificação de uma ação de informação com pais - segundo
Momento................................................................................................................. 59
Capítulo 4 -Funcionamento das respostas da ADCE para crianças e jovens: análise
crítica .............................................................................................................................. 63
1. A animação sociocultural e educativa na ADCE.................................................... 63
1.1. Ludoteca e Clube de jovens na vida das/os crianças/jovens da comunidade
utente da ADCE ...................................................................................................... 63
1.1.1. Opiniões das/os monitoras/es ................................................................... 63
1.1.2. As atividades da ludoteca e Clube de jovens e o seu funcionamento....... 66
1.1.3. Entre conceções e práticas: questionamento ............................................ 67
1.2. Espaço do Conhecimento ................................................................................ 71
1.2.1. Os Trabalhos de Casa ............................................................................... 73
1.2.2. Os trabalhos de casa na vida das crianças da ADCE - entre o excesso dos
trabalhos de casa e a importância do tempo livre ............................................... 74
1.2.3. O viver dos TPC e o estudo: entre a facilidade e a dificuldade ................ 76
1.2.4. Entre conceções e práticas: questionamento ............................................ 77
1.3. O direito à educação formal: Projeto Promover o Sucesso - Escola para Todos
................................................................................................................................ 79
1.3.1. Análise Crítica da atividade «Espaço da Mediação» ................................ 79
1.3.2. Problemas identificados pelos professores e técnicas do projeto
relativamente às crianças e aos pais e implicação no percurso educativo das
crianças ............................................................................................................... 80
1.3.3. Entre conceções e práticas: questionamentos e propostas ........................ 82
Capítulo 5 – Por Todos Nós: Ação de informação e sensibilização para pais (resposta a
um pedido) ...................................................................................................................... 85
1. Enquadramento da proposta ................................................................................... 85
1.1. Caracterização sociográfica e socioeducativa da população alvo da ação da
ADCE ..................................................................................................................... 85
1.2. Âmbito de ação da ADCE e o pedido.............................................................. 87
2. Por Todos Nós – Proposta de ação de informação e sensibilização para Pais/EE . 89
2.1 Pontos de partida .............................................................................................. 89
2.2. Preocupações teóricas, metodológicas e éticas................................................ 90
2.3 Destinatárias/os e organização dos grupos de formação .................................. 95
2.4 Condições de realização da ação de formação e recursos ................................ 96
2.5. Ação de formação – índice e programa ........................................................... 96
2.5.1. Descrição detalhada do Programa ............................................................ 97
Considerações finais ..................................................................................................... 103
Referências Bibliográficas............................................................................................ 108
Apêndices ..................................................................................................................... 113

Índice de Gráficos
Gráfico 1- Nível de Escolaridade dos EE na Escola Básica de Silvalde ........................ 86

Índice de Tabelas
Tabela 1 - Síntese dos Temas / problemas emergentes da análise: inquéritos a pais / EE
e registos de observação e conversas com crianças, técnicos e professores ................... 87
Tabela 2 - ADCE: Projetos e propostas de Ação de Formação: requisitos .................... 88
Tabela 3 - índice das Sessões ......................................................................................... 97
Tabela 4 - Sessão 1: Os direitos das crianças ................................................................. 98
Tabela 5 - Sessão 2: O direito a uma vida familiar ........................................................ 99
Tabela 6 - Sessão 3 e 4: O direito à Educação.............................................................. 100
Tabela 7 - Sessão 5: O direito ao lazer, actividades recreativas e culturais ................. 101
Índice de Apêndices
Apêndice I – ADCE: Caracterização …………………………………………………114
a) Natureza, objetivos, atividades e órgãos sociais…………………………. 114
b) Âmbito de Ação / Intervenção – Organigrama…………………………... 115
c) Projetos – Objetivos, equipa, destinatários e atividades…………………. 116
Apêndice II – Centro Comunitário Espinho Mar – Espinho Terra …………………..120
a) Razões de criação, definição e objetivos………………………………… 120
b) Ludoteca: Definição, Público-Alvo, Objetivos, Inscrição……………….. 121
c) Clube de Jovens: Definição, Público-Alvo, Objetivos…………………... 122
d) Organização do Espaço e do tempo: Ludoteca e Clube de Jovens………. 123
e) Espaço do Conhecimento: Definição, Público-Alvo, Objetivos…………. 124
f) Organização do Espaço e do tempo: Espaço do Conhecimento…………. 125
g) Animação Sociocultural e Educativa…………………………………….. 126
Apêndice III – Projeto Promover o Sucesso – Escola Para Todos…………………... 128
a) Conceção de (in)sucesso, objetivos, público-alvo, intervenção e
atividades………………………………………………………………….128
b) Inquéritos aos EE dos Centros Escolares abrangidos pelo PPS…………… 131
c) Resultados dos inquéritos aos EE da Escola Básica de Silvalde e Escola Básica
de Anta…………………………………………………………………… 132
d) Flyer “O que a escola espera de si enquanto mãe/pai ou encarregado de
educação………………………………………………………………….. 133
e) Ligação entre os objetivos do projeto e as respetivas atividades………….. 135
Apêndice IV – Ação com os jovens sobre a Importância da Escola e Métodos de Estudo
………………………………………………………………………………………...136
Apêndice V – Entrevistas Semi-diretivas às/aos monitoras/es do Centro Comunitário
(Guião + Análise)……………………………………………………………………...138
a) Guião da entrevista……………………………………………………….. 138
b) A ludoteca (análise)………………………………………………………. 140
c) O brincar (análise)………………………………………………………... 143
d) O cantinho de estudo (análise)……………………………………………. 145
e) Os TPC (análise)………………………………………………………….. 147
f) A ADCE (análise)………………………………………………………… 148
Apêndice VI – Análise de Conteúdo «Ludoteca / Clube de Jovens»…………………. 150
a) Funções…………………………………………………………………... 150
b) Organização e funcionamento……………………………………………. 154
c) Tipos de Atividades que os Jovens gostariam de fazer……………………. 160
Apêndice VII – Análise de Conteúdo «Espaço do Conhecimento» …………………...161
a) Trabalho Realizado……………………………………………………….. 161
b) Reações das Crianças e Jovens aos TPC………………………………….. 162
c) Dificuldades……………………………………………………………… 166
Apêndice VIII – Análise de Conteúdo «Projeto Promover o Sucesso»……………….. 170
a) Reuniões Semanais……………………………………………………….. 170
b) Espaço da Mediação – Acompanhamento Semanal………………………. 171
c) Problemáticas identificadas pelos professores e técnicas do PPS – Pais… 177
d) Problemáticas identificadas pelos professores e técnicas do PPS –
Crianças…………………………………………………………………...180
e) Dificuldades de implementação do projeto devido à pandemia…………... 183
f) Propostas dos projetos em relação aos problemas identificados………….. 184
Apêndice XIX – Ação de Informação e Sensibilização para pais: Por Todos Nós
(Flyers)……………………………………………………………………………….. 186
a) 1ª Sessão: Os direitos das crianças………………………………………... 186
b) 2ª Sessão: Direito a uma vida familiar…………………………………….. 188
c) 3ª Sessão: Direito à educação (educação pré-escolar)…………………….. 190
d) 4ª Sessão: Direito à educação (1ºciclo)…………………………………… 192
e) 5ª Sessão: Direito ao brincar……………………………………………… 194
Introdução

O presente relatório desenvolveu-se no âmbito do Mestrado em Ciências da


Educação, domínio da Infância, Família e Sociedade, e concentra-se na experiência de
formação possibilitada pelo estágio curricular realizado Associação de Desenvolvimento
do Concelho de Espinho (ADCE), entre setembro de 2020 e maio de 2021.
Para a conclusão de curso foram propostas três modalidades de avaliação -
dissertação, estágio ou projeto – tendo a minha opção recaído na realização de estágio por
considerar que me permitia i) iniciar e experienciar relações e situações diversificadas de
um contexto socioeducativo real com crianças, jovens e pais e comunidade; ii) recorrer e
adquirir outros conhecimentos teóricos e teórico-práticos do campo das Ciências da
Educação, tanto na área da investigação como da intervenção; iii) pôr-me à prova e
consciencializar, enquanto pessoa e futura profissional, os requisitos teóricos,
metodológicos, éticos e práticos, necessários à observação-participante e participação-
intervenção observantes; iv) levar mais longe o desenvolvimento e formação pessoal e na
profissão, e v) aprofundar e refinar competências técnicas e humanas facilitadoras de uma
futura inserção numa atividade profissional no campo socioeducativo das Ciências da
Educação.
Depois desta escolha, seguiu-se a pesquisa de possíveis instituições para o estágio.
Neste caso, a minha primeira opção foi, desde sempre, a ADCE, porque já tinha algum
conhecimento prévio de ouvir falar de algumas das suas iniciativas, pautadas por terem
uma forte componente de apoio à família e à comunidade, com respostas para todas as
faixas etárias, nomeadamente na relação crianças, famílias e escola e questões de
(in)sucesso escolar; um tema e problema que afeta os processos e dinâmicas relacionais
que envolvem crianças e adultos nas famílias e fora delas, em contextos educativos
formais e não formais na sociedade portuguesa contemporânea e que se inserem no
domínio de especialização do MCED Infância, Família e Sociedade. Esta opção foi
também reforçada porque a ADCE se encontra na área da minha residência: deste modo,
além da conveniência pessoal tinha ainda a oportunidade de poder transformar a
familiaridade que tenho deste terreno numa outra compreensão dos problemas e
potencialidades locais, e assim contribuir para melhor o conhecer, ao mesmo tempo que
ampliava oportunidades de aprendizagem com a minha participação nas ações da ADCE.
Assim sendo, face aos objetivos preconizados pela ADCE - desenvolvimento
integrado do Concelho, promoção da capacitação, cidadania ativa e participação da
1
comunidades, e melhoria da qualidade de vida da população -, e à reflexão e
problematização da observação, intervenção e análises acerca das crianças, jovens e
famílias por ela apoiadas, este relatório suporta-se nos contributos teórico-concetuais dos
Estudos Sociais da Infância e das Ciências da Educação para com eles construir um
horizonte orientador que tem como sustentação e foco os Direitos das Crianças, a inclusão
socioeducativa e a intervenção com crianças, jovens e comunidade, situada e com sentido.
Os Direitos das Crianças, afirmados na Convenção dos Direitos da Criança (1989),
passados 32 anos ainda estão por cumprir em muitos domínios da proteção e da provisão
de uma vida condigna e com qualidade às crianças de/em comunidades empobrecidas e
desfavorecidas, em situação de desigualdade devido à falta de oportunidades que apoiem
o seu desenvolvimento integral; um não cumprimento que compromete, também,
significativamente, a expressão e realização dos seus direitos de participação, como
acontece com muitas das que são abrangidas pela ADCE.
A inclusão socioeducativa, entendida como um dos direitos fundamentais das
crianças, reconhecida não só na CDC (1989), como na Constituição da República
Portuguesa (2005), torna-se um princípio para assegurar e contribuir para um
desenvolvimento positivo das crianças e permitir que superem esses fenómenos de
empobrecimento e desfavorecimento, em luta para uma igualdade de oportunidades. Para
contribuir também para a superação dos mesmos, a intervenção socioeducativa deve ser
realizada com crianças, jovens e comunidade, situada e com sentido para eles e não para
e sobre eles, de modo exterior e descontextualizado, pois só assim se constrói uma
mudança social efetiva com a comunidade com quem se intervém, favorecendo a
autonomia gradual da mesma. De facto, a atuação das instituições socioeducativas locais,
como a ADCE, têm um papel importante na defesa desses direitos (CDC 1989), sendo
assim, seria um local de extrema adequação e pertinência para a realização do estágio.
O presente relatório, não tendo a pretensão de abordar todas as ações em que estive
implicada durante o estágio na ADCE, tem um duplo objetivo:
i) descrever, analisar e compreender de que modos e até que ponto os direitos
das crianças são levados em consideração e estão ou não presentes na ação da
ADCE, ao problematizá-la com base na investigação e intervenção realizadas;
ii) divulgar e reafirmar os direitos das crianças nas propostas de intervenção
realizadas.
Levando estes aspetos em consideração, o relatório que se segue encontra-se
organizado com a seguinte estrutura:
2
Capítulo 1 - As crianças e os seus direitos - conceptualização teórica, onde, com
base nos contributos dos Estudos da Infância, Sociologia da Educação, Sociologia da
Família, e das Ciências da Educação, se procura analisar teoricamente a construção
sociohistórica da infância moderna e a conceção da criança cidadã. Neste processo,
salientam-se as transformações ocorridas no lugar social das crianças quer na família quer
na escola para melhor se compreender a importância dos seus direitos à família, educação
e ao recreio, tempo livre e lazer em que se enquadra o brincar bem como a reivindicação
que dele se faz hoje em dia.
Capítulo 2 – A ADCE: Caracterização do contexto de estágio, onde, com base na
recolha e análise de documentação oficial e institucional, é apresentada a caraterização
sociográfica do Concelho de Espinho, em particular da população abrangida pela ação da
ADCE, e a própria ADCE, naquilo que e o seu historial, objetivos, estrutura
organizacional e de funcionamento, e caraterização sociográfica do pessoal, bem com a
articulação entre as suas atividades face a políticas educativas vigentes.
Capítulo 3 – Dinâmicas socioeducativas da ADCE e processo e experiências de
formação vividas nos percursos de estágio: questões ético-metodológicas, onde, com
base na explicitação do meu posicionamento teórico-concetual perante a investigação-
intervenção no estágio e nos dados empíricos recolhidos por via da observação
participante, participação-observante, entrevistas semiestruturadas e conversas mais
informais se descreve e analisam criticamente os processos e experiências vividos no
percurso de progressiva integração nas atividades e dinâmicas de funcionamento da
instituição, se identificam aspetos problemáticos recorrentes que merecem ser repensados
do ponto de vista socioeducativo, em relação àquilo que são os discursos e as práticas
concretas que observei e vivi na instituição e a sua proximidade/distanciamento da
salvaguarda dos direitos das crianças;
Capítulo 4 - Análise Crítica das respostas da ADCE para crianças e jovens, onde
se aprofunda a análise acerca do funcionamento das atividades levadas a cabo diariamente
na ADCE, no Centro Comunitário (ludoteca, clube de jovens e espaço do conhecimento),
bem como no Projeto Promover o Sucesso – onde se problematizam as tensões entre os
ofícios de alunos e de criança, entre tempo ocupado e tempo de recreio e lazer, entre
direitos de provisão e participação;
Capítulo 5 – Por todos nós: Ação de informação e sensibilização para pais, onde
se dá conta da resposta a um pedido da ADCE, refletindo e fundamentando acerca dos
seus propósitos e requisitos e das propostas de formação em que assenta;
3
Capítulo 6 – Considerações finais, onde se encontra espaço para identificar,
consciencializar e refletir acerca do alcance e limitações do processo de formação pessoal
e social que constituiu o estágio e onde se tecem considerações acerca das competências
profissionais que foram desenvolvidas e sua mais-valia em contextos de trabalho futuro
com crianças, jovens, famílias e comunidade.

4
Capítulo 1 - As crianças e os seus direitos – Um horizonte
teórico-concetual orientador da observação, análise e
intervenção no estágio

1. Crianças e construção sociohistórica da infância


Como pressuposto inicial de um quadro teórico reportado aos Estudos Sociais da
Infância, tem-se como ideia de que as crianças existem e são seres humanos únicos, cada
uma delas com múltiplas necessidades, interesses e potencialidades, e diferentes e
desiguais experiências de vida. Da mesma forma, a infância enquanto um espaço-tempo
de/na vida para ser criança, não é um dado universalmente reconhecido nas várias
sociedades e culturas, nem o que conta como tal se mantém imutável ou pode ser dado
como garantido para todos. Isto é, nem todas as crianças têm ou tiveram infância e as
conceções de infância que foram sendo produzidas nos vários períodos históricos, sociais,
culturais, económicos e geográficos, etc., contemplam determinados modos, mais ou
menos explícitos, de ver e entender a infância e, por conseguinte, as crianças que lhe dão
existência (Ferreira, 2004).
Com efeito, de acordo com Ariès (1986) até ao século XVII a infância era reduzida
ao período de maior fragilidade e dependência biossocial das crianças, com a sua entrada
prematura no mundo destinado aos adultos, nomeadamente nos espaços de socialização
e na aprendizagem de um ofício

“A partir do momento em que revelavam alguma independência, ao nível dos cuidados,


as crianças eram então consideradas como “pessoas adultas em miniatura” e,
imediatamente, faziam parte do mundo das pessoas adultas, compartilhando os mesmos
lugares e vivências.” (Cardoso, Guerreiro & Silva, 2017: 13).

Nessa altura, as crianças eram vistas como uma força de trabalho suplementar que
aumentava a renda económica da família e, sendo assim, “os horizontes da criança eram
bastantes limitados pela família” (Coleman, 1968: 138), a quem competia “propiciar um
contexto adequado em que a criança pudesse aprender o que fosse necessário” (idem:
ibidem) ao exercício do seu ofício. Ou seja, “a educação ou a formação da criança diziam
somente respeito ao que parecesse necessário para se manter a produtividade da família”
(idem: ibidem). Havia, assim, uma certa indiferença social perante a criança pois esta era
vista, sobretudo, como mais uma pessoa para trabalhar e contribuir para a sobrevivência
do grupo familiar. No entanto, é a partir desta altura que é detetado o aparecimento de
uma consciência da especificidade infantil como sendo diferente da dos adultos, em que
5
o ser humano pequeno é considerado frágil e que deve ser protegido, dependendo dos
cuidados de outros, dos adultos, nomeadamente, dos seus familiares, para sobreviver e se
desenvolver, que está na base da emergência do que Ariès (1986) designou por sentimento
da infância. A partir de então, e desta distinção biossocial essencial entre adultos e
crianças, sucedem-se várias conceções de criança e de infância que se foram atualizando
e reconfigurando, muitas delas prolongando-se até aos dias de hoje.

1.1 Conceções de criança


No século XVIII, sob influência de filósofos como Rousseau e Hobbes surge o
debate entre a boa e má natureza da criança que está na origem, tanto da criança como
um ser maléfico e perverso, necessitando de forte orientação adulta, como da conceção
romântica da criança em que ela é vista como um ser, naturalmente puro e inocente, pelo
que a infância, numa e em noutra circunstância deveria ser objeto da proteção e do
cuidado adulto na sua socialização e educação moral.
No decurso do século XIX surgem e coexistem várias conceções que se alongam
para os primeiros anos do século XX: a conceção da criança trabalhadora que enfatiza e
denuncia o fenómeno do trabalho infantil camponês e na industria de extração mineira e
manufatureira, saídas da Revolução Industrial, e em expansão, em que o custo da mão-
de-obra das crianças pobres era mais barata; a conceção da criança delinquente e/ou de
rua, associada à denuncia e combate à negligência parental dos bairros considerados como
perigosos, cuja livre deambulação facilitaria comportamentos desviantes que perturbam
a ordem social; e a conceção da criança aluno (Hendrick, 1994 in Ferreira, 2001) que, a
par da invenção da escola de massas, visava os objetivos de proteger as crianças da
exploração do trabalho infantil, negligência e mau trato e, simultaneamente, provê-las
com os princípios sociomorais e a educação adequada às novas exigência da sociedade
moderna:

“o lugar das crianças na escola compreende-se no contexto da construção sociopolítica


do estado-nação e da necessidade de, em nome do bem da Nação (Candeias, 2001: 30),
formar um novo ser social, racional e reflexivo, leal e apto a responder aos desafios que
a reestruturação da sociedade (…) exigia” (Rocha & Ferreira, 2008: 24).

É ainda neste momento de transição que, por via do desenvolvimento científico,


surgem as conceções de «criança médico-psicopedagógica» que terá fortes influências na
organização e funcionamento do campo escolar e da educação da infância (Hendrick,
1994 in Ferreira, 2001). Sucede-se, entre as duas grandes guerras mundiais, 1918 e 1945,

6
o desenvolvimento da conceção da criança da Nação, uma criança que pela sua
vulnerabilidade e crescente importância social, porque será o cidadão do futuro, deve ser
protegida pelo Estado para que fosse garantido o seu bem-estar e proporcionada a sua
educação enquanto modo de investimento socioeconómico nacional (idem).
Posteriormente, surge a conceção da criança como membro da família, que afirma e
reivindica o pensamento de que o melhor lugar para a criança se construir de um modo
saudável seria o seio familiar e as suas relações, principalmente, os vínculos maternais.
Mais recentemente, a conceção da criança cidadã que culmina com a CDC
(1989)1, documento fundamental de «defesa» e respeito pelas crianças, afirma que a
criança é “todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei lhe for
aplicável atingir a maioridade mais cedo” (idem: artigo 1º), e organiza-se em torno do
“Princípio do Interesse Superior da Criança” (idem: artº 3), de onde derivam variados
direitos, todos eles interligados, mas podendo ser agregados em três grandes tipos, os
chamados 3P’S: Proteção, Provisão e Participação. Os direitos de proteção estão
relacionados com o direito da criança a ser protegida contra todas as formas de
discriminação, conflito, abuso e exploração (artigos 19º, 30º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º e
38º). Os direitos de provisão estão relacionados com um conjunto de direitos sociais
relacionados com a saúde, educação, assistência, vida familiar, recreação e cultura
(artigos 10º, 18º, 20º, 24º, 28º e 29º, 31º). Os direitos de participação, são direitos civis e
políticos que têm em consideração uma imagem ativa das crianças, em que devem ser
ouvidas e dar a sua opinião em assuntos que lhes dizem respeito (artigos 12º, 13º, 14º, 15º
e 17º), rompendo com o paradigma da criança dependente e em déficit (Ferreira, 2004;
Tomás & Soares, 2004). Até ao momento em que culminou na CDC (1989) só os direitos
de provisão e proteção eram reconhecidos como sendo direitos das crianças.
Assim, apesar de a noção de criança ser usualmente considerada em déficit porque
vistas como imaturas, incompetentes, ignorantes, dependentes e irresponsáveis do ponto
de vista biológico, social, cultural, económico e moral (Ferreira, 2004), e apesar de
continuarmos a falar da criança em termos de uma negatividade constituinte, como os
«ainda-não» (Tomás & Soares, 2004), ao longo de séculos temos assistido a uma
construção socio-histórica da infância que, no reconhecimento da diferenciação das
crianças face aos adultos e na passagem de uma infância breve a uma infância cada vez

1
A importância de uma Convenção internacional é que requer a sua ratificação pelos Estados, ficando estes
obrigados a cumprir a lei e a prestar contas acerca do seu cumprimento, e sobrepondo-se esta às leis até
então em vigor. Portugal ratificou a CDC (1989) em 1990.
7
mais longa (Ariès, 1986), conceptualiza a criança como cidadã com direitos. Não obstante
esta conquista sociopolítica a realidade social tem vindo a mostrar um aprofundamento
da polarização da vida quotidiana das crianças entre a família e a escola, as suas instâncias
socializadoras centrais, fixando os seus principais papeis sociais aos papéis tradicionais
das crianças como filhas/os e como alunas/os.

2. Direitos das crianças e realidade contemporânea


2.1. Direito a uma vida familiar
Um dos direitos de provisão expressos na CDC (1989), é o direito a uma vida
familiar: “os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento
da criança.” (artigo 18º), cabendo-lhes “a responsabilidade de assegurar, dentro das suas
possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao
desenvolvimento da criança” (artigo 27º), atendendo ao interesse superior da criança.
A família tem várias funções na sociedade: desde a reprodução biológica da
espécie; à conservação, transmissão e produção de bens; consumo e produção doméstica
de serviços; socialização e educação; solidariedade entre gerações, à função afetiva entre
os esposos, entre pais e filhos e entre irmãos. De facto, a família é o principal contexto
educativo e socializador com que o ser humano contacta após nascer, sendo com ela que
aprendem os primeiros saberes e as primeiras regras de conduta, e adquirem as
competências básicas à vida social. Cabe, assim, à família, como primeira instância
educativa socializadora, preparar o indivíduo para ser membro de uma comunidade e
sociedade, ou seja, a “socialização das novas gerações, assegurando uma continuidade
biológica e cultural das comunidades mediante um qualquer sistema de normas e valores”
(Lima dos Santos, 1969: 68). Deste ponto de vista, a família tem como uma das suas
funções principais o exercício socializador da transmissão de valores e regras de conduta,
facilitadores das crianças se tornarem seres “sociais”, isto é, membros da sociedade. No
entanto, nos dias de hoje, as famílias não agem com base num modelo de vida familiar
único e universal.

2.1.1. A família moderna: relacional, individualista e privada/pública


Na contemporaneidade, ao longo das várias décadas, têm vindo a acontecer
transformações sociais e culturais que permitiram mudanças de paradigma familiar
(Nogueira, 2005): decréscimo do número de casamentos; aumento da idade de contrair
matrimônio pois devido ao aumento da escolaridade obrigatória as/os jovens estudam até

8
mais tarde; aumento das taxas de divórcio; diversificação das formas familiares (famílias
simples, família monoparentais, homoparentais, famílias extensas, famílias complexas,
famílias recompostas, família troncal); limitação do número de filhos e procriação tardia
devido à entrada das mulheres no mercado de trabalho e que querendo subir na carreira
adiam o passo de ter filhos.
Neste sentido, Singly (2011) refere que, atualmente, a família moderna é
relacional, ou seja, é “progressivamente construída como um «espaço privado» em que
os membros da família valorizam principalmente o facto de estarem em conjunto e de
partilharem uma intimidade” (idem: 12). Assim, se antes as crianças eram vistas como
uma força de trabalho que aumentava a renda económica da família, hoje tornaram-se
“objeto de afeto e de cuidados, razão de viver, modo de se realizar” (Nogueira, 2005:
570), sendo consideradas seres que precisam de proteção, apoio, carinho e a satisfação
das suas necessidades básicas.
No entanto, ao mesmo tempo que a família moderna é relacional é, também,
individualista, uma vez que, “Cada um assume mais a sua própria fisionomia, a sua
maneira pessoal de sentir e de pensar” (Singly, 2011: 15). Ou seja, cada membro da
família vai ganhando a sua individualidade, independência e autonomia. Acresce ainda
que a família moderna é privada e pública porque, apesar do seio familiar ser considerado
privado, por vezes, e na sua maioria, “a família moderna está sob vigilância. Existe um
controlo da vida privada” (idem: 16); controlo esse que é feito pelo Estado, sob o
argumento do melhor e superior interesse dos membros da família e principalmente das
crianças.

2.1.2. A parentalidade: dinâmicas e modelos


Cabe aos pais, dentro das suas possibilidades, assegurarem as condições para o
desenvolvimento harmonioso das crianças, e isso requer “crescer num ambiente familiar,
em clima de felicidade, amor e compreensão” (CDC, 1989: 3).
Orlanda Cruz (2014) refere que são cinco os princípios educativos que estão na
base das relações de qualidade entre pais e filhos, bem como na base do desenvolvimento
saudável das crianças: satisfação das necessidades básicas (alimentação, saúde, carinho,
entre outras); satisfação das necessidades de afeto, confiança e segurança; ambiente
familiar estruturado; ambiente familiar estimulante e supervisão e disciplina positiva.
Todos estes princípios, implicam competências parentais positivas, favorecedoras de uma
educação integral e equilibrada das crianças, com respeito, liberdade e expressão,

9
cooperação, compreensão, autonomia, responsabilidade… e a sua tradução em práticas
ou comportamentos parentais:

“As práticas parentais são as ações e estratégias adotadas pelas figuras parentais
perante as crianças com o objetivo de orientar o seu comportamento e
desenvolvimento físico, psicológico e social. (…) implicam o modo como os pais
educam os filhos, como negoceiam as regras, estabelecem limites e ensinam valores.”
(Almeida, Matos, Gonçalves & Freitas, 2020: 20)

A parentalidade positiva é uma conceção recente que considera que esta deve ser
suportada por uma educação não violenta, excluindo qualquer castigo corporal ou
psicologicamente humilhante, optando por dialogar com as crianças. Assim sendo, estas
práticas devem respeitar o melhor interesse da criança, bem como os seus direitos, e, para
isso, há alguns princípios básicos a ter em conta. A satisfação das necessidades de afeto,
confiança e segurança, implicam “a construção de um ambiente relacional ao mesmo
tempo caloroso e responsivo” (Cruz, 2014: 108) que leve em conta os interesses,
preferências e necessidades dos filhos, bem como o reconhecer que todas as crianças têm
competências, facilidades, interesses e dificuldades, não se devendo exigir demais delas.
Quando os pais ou cuidadores têm isto em atenção,

“Est[ão] a mostrar que: (1) respeita a criança ou adolescente na sua individualidade; (2)
Partilha com ele/a uma forma de pensar e sentir as situações; (3) Percebe o que em cada
momento pode ajudar a criança ou o adolescente a dar um passo em frente na sua trajetória
desenvolvimental, percebe qual o desafio que a criança/o adolescente está a enfrentar e
ajuda-a/o a ultrapassá-lo” (idem: 108/9).

A estrutura e orientação do ambiente familiar também é crucial, pois proporciona


às crianças uma sensação de segurança, uma vez que há uma rotina previsível e
necessária. “Em termos de tempo, a organização do ambiente familiar traduz-se na
existência de rotinas temporais (...). As rotinas são parte inerente da vida do ser humano,
permitindo organizar a ação de cada um e evitar o desgaste associado à adaptação a novas
situações” (idem: 109). Além das rotinas, também a existência de regras e limites que
sejam explícitos e claros, e comunicados à criança para que ela os consiga perceber e o
que acontece quando não são cumpridos convergem para este ambiente estruturado -
“todas as crianças precisam de regras, limites e rotinas, para que se sintam seguras, para
que saibam com o que contam e até podem ir, quais os limites que não devem ultrapassar.”
(Martins, 2020: 25). Outro aspeto crucial no exercício da parentalidade é o
reconhecimento das crianças, ou seja, pais e cuidadores devem ouvi-las e valorizá-las
como pessoas com direitos próprios, expressando “comportamentos e atitudes que

10
assegurem o respeito pela criança como indivíduo, a sua perceção de ser estimado e
apreciado e, também, oportunidades para que aquela possa gerir os seus riscos e fazer as
suas próprias escolhas” (Barroso & Machado, 2010: 213).
Tendo em consideração as dinâmicas referidas, e os modos como os pais exercem
as suas influências e as suas competências parentais para ajudarem ao desenvolvimento
da criança, é possível identificar quatro modelos parentais: autoritário, negligente,
permissivo e democrático (Martins, 2020). No modelo parental autoritário, as relações
são baseadas no controle, ameaças e punições, e falta de afetividade. A criança tende a
ser vista como um ser imaturo, que precisa da correção do adulto através da exigência,
pouca compreensão e tolerância, estabelecendo e impondo regras, limites e rotinas
inquestionáveis. “Quando aplicado de forma predominante e sistemática, este estilo
parental é gerador de emoções nocivas para o desenvolvimento da criança, que lida com
um sentimento permanente de injustiça, medo, ansiedade e até rejeição” (Martins, 2020:
34). Considera-se, então, que este modelo não favorece o desenvolvimento e a auto-
estima saudável da criança, nem leva em consideração a conceção de criança como
cidadã, com direito a participar e dar as suas opiniões. No caso do modelo parental
negligente, os adultos são distantes e ausentes, limitando-se a “satisfazer as necessidades
básicas da criança” (Martins, 2020: 36), não se preocupando com o seu processo de
socialização, mas sim, principalmente, com os resultados.

“O resultado da aplicação deste modelo, que se resume na ausência dos pais ou na sua
«demissão» das funções parentais, é a ausência de um sentimento de pertença e de
importância por parte da criança, que não sente que exista uma base segura para se
desenvolver harmoniosamente” (idem: ibidem)

Por sua vez, os pais permissivos são pais afetuosos, tolerantes e compreensivos,
mas têm dificuldade em estabelecer limites, levando a que as crianças tenham liberdade
excessiva. Já a parentalidade democrática vai ao encontro da noção da criança como
cidadã e com a «teoria» da parentalidade positiva: pais dialogantes, tolerantes e
compreensivos, negociando, num diálogo bidirecional, as regras, limites e rotinas com as
crianças. “As regras, limites e rotinas estão bem definidos, mas as opiniões e pontos de
vista das crianças são tidos em conta. Estas são envolvidas em grande parte das decisões
que lhes dizem respeito, são estimulados a negociação e a assumir os compromissos”
(Martins, 2020: 37). É ainda promovida a reflexão com o objetivo de ajudar a criança a
ter autonomia e a responsabilidade, uma vez que, “perante o erro, (...) optam por
promover a reflexão em vez da punição, fazendo com que a criança se coloque no lugar

11
do outro e compreenda o impacto que as suas ações têm no mundo que a rodeia” (idem:
ibidem).
Além de garantir e assegurar condições para um crescimento e desenvolvimento
harmonioso da criação, é ainda pedido aos pais que acompanhem os filhos no seu percurso
escolar.

2.1.3. Parentalidade e escolarização das crianças


Os pais que têm, ao mesmo tempo, um filho e um aluno dentro de casa, devem
“assumir um novo papel social, o de pais de alunos” (Perrenoud, 2001: 57). Isso significa,
“antes de mais, cumprir o seu dever, satisfazer as expectativas da escola”. Segundo o
mesmo autor (idem:101) que implica dar “uma boa educação, inculcando-lhe o respeito
por certas normas, preparando-o para entrar na escola e para se comportar corretamente,
vigiando o seu trabalho, a forma de se apresentar (…)” (idem: ibidem). Trata-se, no fundo,
de preparar os filhos para serem bons/boas alunos/as mediante um controlo indireto do
cumprimento dos seus deveres como aluno em casa, mantendo a disciplina e contribuindo
para a segurança, por um lado, e, por outro, auxiliando os professores na tarefa de ensinar,
isto é, “ajud[ar] a criança a compreender a leitura, a resolver o problema do dia, a aprender
o vocabulário, a redigir um texto, a copiar um mapa, a concluir as correções ou os
exercícios pedidos” (idem: 75/76). Além disso, deve ser garantido que regras de
assiduidade, convivência e os TPC sejam cumpridos.
Para tal, é suposto que os pais, no seu apoio educativo parental, se sintam
responsáveis pela “conduta da sua criança na escola, que tome as medidas necessárias
para prevenir ou reprimir os 'desvios" (Perrenoud, 2001: 79), o que inclui criar um
ambiente favorável ao estudo, calmo, silencioso, com o mínimo de distrações e muita luz,
e partilhar conhecimentos e valores vistos como corretos e essenciais para um bom
percurso escolar - pontualidade, esforço, aplicação, organização, responsabilidade,
docilidade, etc. - e sem descurar o apoio psicológico e afetivo, de “encorajar, garantir
segurança, repreender, felicitar, vigiar” (idem: 76).
Destas formas, os pais também são responsabilizados pelos comportamentos e
pelo aproveitamento escolar dos seus filhos na escola, assim reforçando os valores da
escola em casa e apoiando a escola em caso de problemas com os seus filhos (Munn, 1993
cit. in Silva, 2003). Isso é igualmente visível quando, no papel de pais de alunos, têm de
“responder às convocatórias (…) do professor” (Perrenoud, 2001: 101), comparecendo
na escola sempre que lhes for solicitado e mostrando-se disponíveis para colaborar com

12
eles no processo de ensino-aprendizagem, articulando educação familiar com a educação
escolar. Porém, muitos pais olham para a escola com receio e preocupação porque apenas
são chamados à escola quando os seus filhos revelam problemas de aprendizagem e
comportamento. Desta forma, embora se advogue que a família e a escola sejam
‘parceiros’, numa relação mais estreita, de modo a oferecer experiências educativas mais
vantajosas e equilibradas as crianças, no pressuposto que quando há uma boa relação entre
estas duas instâncias é potenciada uma melhor aprendizagem e desenvolvimento, os pais
vêm a sua parentalidade invadida pelas exigências da educação escolar como atestam as
mudanças e implicações na vida familiar:

“À medida que as crianças vão progredindo na sua vida escolar a família organiza-se, em
parte, em função dos horários, das exigências feitas pela escola, das despesas e do trabalho
que exige, dos juízos que emite, das decisões que toma, das tensões e expectativas que
provoca na criança e nos que lhe são próximos” (Perrenoud, 2001: 57).

A organização do tempo escolar marca um ritmo de vida aos alunos,


condicionando a sua vida e, consequentemente, a das suas famílias, uma vez que cria e
impõe a “divisão do ano em meses de aulas, semanas de férias e dias escolares” (Avila de
Lima, 2002: 139); os horários relativos às aulas são extremamente rígidos e requerem,
igualmente, um “emprego do tempo da família fora das horas de presença na escola e no
tempo gasto em deslocações” (Perrenoud, 2001: 63); a gestão das horas de deitar, das
horas de realização dos trabalhos de casa, existindo ainda o tempo das reuniões escolares,
uma vez que, por vezes, as reuniões são marcadas no horário de trabalho destes pais.
Financeiramente, a passagem das crianças pela escola traz despesas diretas e indiretas que
pesam sempre no orçamento familiar, desde as decisões relativamente à escola (que curso
vão seguir, se vão às viagens de estudo, etc.), à compra de material escolar e ao “trabalho
de apresentação do eu exigido pela escola: lavar-se, pentear-se, vestir-se com asseio”
(idem: ibidem), entre outras coisas que os pais compram para que os seus filhos consigam
alcançar o melhor resultado possível.
O incumprimento de todos estes requisitos escolares pelos pais coloca obstáculos
na relação da família com a escola e na sua participação na escola, sendo exigido
“disporem de tempo para educar os seus filhos” (Bento, Mendes & Pacheco, 2016: 604).
Por essa razão, muitas vezes, os pais veem-se ‘obrigados’ a colocar os seus filhos em
centros de estudo, ou em algum lugar onde as crianças encontrem apoio para a realização
das tarefas escolares. Deste ponto de vista, conseguir educar e acompanhar os seus filhos

13
requer bastante tempo disponível para dar conta de todas as tarefas que lhe são atribuídas
e indicadas.
Pode então dizer-se que apesar de a escola não pretender, nem ter como objetivo
‘vigiar’ as famílias dos seus alunos, acaba por ter assim uma variedade de informações
sobre a sua vida e, consequentemente, das suas famílias, desencadeando o que Perrenoud
(2001) chama da «uma fenda da esfera privada». Assim, ao mesmo tempo que a família
é construída de forma a ser um espaço privado, há uma interrupção tornando-a pública,
uma vez que está sob controlo e vigilância em nome da “noção de interesse das crianças
serve de justificação à intervenção do Estado na Família” (Singly, 2011: 16), neste caso
através da instituição da escola.

2.2. Direito à educação


O direito das crianças à educação, um direito social que permite a expansão do ser
humano nas suas potencialidades, bem como a sua sistemática de integração, constituindo
um pré-requisito da liberdade civil (Marshall, 1950) e do cumprimento da igualdade de
oportunidades e da democracia (Coleman, 1968), é reafirmado na CDC (1989), nos
princípios de obrigatoriedade, gratuidade, universalidade que assim torna a educação um
direito de todos (artigo 28). Os principais objetivos da escola e da educação escolar visam
então a promoção do desenvolvimento “da personalidade da criança, dos seus dons e
aptidões mentais e físicas, na medida das suas potencialidades” (artigo 29º), sendo sua
obrigação “preparar a criança para uma vida adulta ativa numa sociedade livre e inculcar
o respeito pelos pais, pela sua identidade, pela sua língua e valores culturais, bem como
pelas culturas e valores diferentes dos seus” (idem: ibidem) e, ao mesmo tempo, garantir
os meios e apoios necessários para tal empreendimento: “Os Estados Partes reconhecem
o direito da criança à educação e tendo, nomeadamente, em vista assegurar
progressivamente o exercício desse direito na base da igualdade de oportunidades” (artigo
28).
Ora, a educação, um conceito amplo e complexo, apresenta “diferentes
modalidades educativas presentes nas práticas sociais” (Bruno, 2014: 12), como sejam a
educação formal, educação informal e educação não-formal, todas elas abarcando
determinados contextos e relações, e em que as crianças aprendem a desempenhar e
desempenham determinados papéis sociais. Assim, na educação escolar é o ensino,
aprendizagem e desempenho do ofício de aluno que sobressaem.

14
2.2.1. Educação escolar e ofício do aluno
Com efeito, o processo de construção social da massificação escolar e da definição
da criança como aluno, que sob a égide do princípio da igualdade de oportunidades estão
na base da institucionalização da infância nas escolas, normalizou-se a ponto de, nas
sociedades ocidentais contemporâneas, se passar a considerar que ser criança é ser aluno
a tempo inteiro. Ou seja, assumir como inevitável que o tempo em que “ofício da criança
[era] brincar” (Chamboredon & Prèvot, 1973 cit in Tomás & Fernandes, 2014: 15) deu
lugar ao ofício do aluno (Ferreira, 2006):

“as crianças, cumprindo a regra da assiduidade, têm que ali [na escola] permanecer todos
os dias, e por um período de tempo determinado, no qual é suposto desenvolverem uma
miríade de rotinas de atividade para a aprendizagem do currículo formal e informal”
(Rocha & Ferreira, 2008: 28).

A escola, enquanto contexto de educação formal, é um ambiente pedagógico


estruturado, pautado por relações impessoais e pela transmissão de um currículo formal
e comum para todas as crianças de uma determinada idade e à escala nacional, que tem o
projeto de, por via do professor e dos processos de ensino, transmitir a todos, e por igual,
uma determinada cultura, supostamente universal, e, com isso, “transformar as crianças,
de lhes ensinar saberes e saberes-fazer, mas também valores e atitudes” (Perrenoud, 2001:
85), num papel socializador, preparatório do seu futuro. Por sua vez, tornar-se aluno
pressupõe “aprender e interiorizar uma determinada ordem do dizer, do escutar, do ler,
do escrever e do agir. Comportar-se, exprimir-se como tal e ter êxito é tornar-se bom
aluno, ou seja, é cumprir corretamente o seu ofício de aluno” (Rocha & Ferreira, 2008:
28) no quadro de uma cultura escolar, de um saber homogeneizado, moralizante, com
disciplina mental e corporal de acordo com os códigos socialmente instituídos (idem).
Neste sentido, quando as crianças e os jovens ingressam no mundo escolar é
esperado que tenham um percurso académico sem percalços, positivo, com bons
resultados, que lhes exige muita dedicação e empenho enquanto alunos. Não basta serem
apenas alunos, é esperado que se tornem bons alunos, com sucesso escolar.

2.2.2. Escolarização das crianças e (in)sucesso escolar


Uma das maiores preocupações da educação escolar prende-se com o sucesso
escolar dos alunos. Este é caracterizado por um bom rendimento escolar do aluno, e sem
retenções, mas em que também contam outros traços do bom aluno: é pontual, assíduo,
interessado e obtém classificações para prosseguir os estudos. Contrariamente, o
insucesso é definido “pelo baixo rendimento escolar dos alunos, que por razões de vária
15
ordem, não puderam alcançar os resultados satisfatórios, não atingiram os objetivos
desejados no decorrer ou no final de um determinado período e, por conseguinte,
reprovam” (Martins, 2007: 15 in Oliveira, 2019: 23). Assim, insucesso escolar está
intimamente ligado a baixo rendimento escolar, retenções, absentismo e pouca
pontualidade, devendo-se, na perspetiva dos professores à “falta de bases, de motivação
ou de capacidade dos alunos ou, ainda, [a]o disfuncionamento das estruturas educativas,
familiares e sociais” (Roazzi e Almeida, 1998: 54).
Ana Benavente (1990), pioneira nos estudos acerca do insucesso escolar, refere
que entre o final da 2ª guerra até aos anos 60 permaneceu a teoria dos dotes: “o
sucesso/insucesso é justificado pelas maiores ou menores capacidades dos alunos, pela
sua inteligência, pelos seus «dotes» naturais” (Benavente, 1990: 716), colocando o ónus
do problema na criança e em motivos de natureza biopsicológica.
Já nos anos 60 aos 70, considera que esteve ‘vigente’ a teoria do handicap
sociocultural: “sucesso/insucesso dos alunos é justificado pela sua pertença social, pela
maior ou menor bagagem cultural de que dispõem à entrada da escola” (idem: ibidem).
Nesse sentido, há uma forte convicção de que “certos grupos de crianças, através das suas
formas de socialização, estão orientadas para receber e oferecer significados
universalistas (…) ao passo que outros grupos de crianças estão orientados para
significados particulares” (Bernstein, 1970: 20). Deste ponto de vista, crianças orientadas
para significados universalistas, os significados da chamada cultura dominante, estarão
mais facilmente aptas a receber os conhecimentos oferecidos pela escola e alcançar o
sucesso educativo. As crianças orientadas para significados particulares, específicos,
ligados a uma cultura, normalmente de classe baixa, dificilmente alcançarão o sucesso
educativo. Com esta perspetiva, “o papel «reprodutor» da escola foi posto em evidência
(…), sublinh[ando] o modo como as desigualdades sociais se transformam em
desigualdades escolares” (Benavente, 1990: 716). O próprio sistema de ensino interioriza
a cultura considerada dominante e produz relações de poder, como acontece fora da
instituição escolar, em que os indivíduos pertencentes a grupos socialmente dominantes
ocupam geralmente posições mais elevadas e prestigiadas. Por fim, a autora refere que

“a partir dos anos 70, o trabalho de analise de produção do insucesso escolar ultrapassa
as relações escola/meio e interessa-se pelos mecanismos que operam no interior da
própria escola; interrogando o funcionamento e as suas práticas, a corrente
socioinstitucional sublinha a necessidade da diferenciação pedagógica, pondo em
evidência o carater ativo da escola na produção do insucesso” (Benavente, 1990: 717).

16
Havendo várias teorias para explicar o insucesso/sucesso escolar, desde a teoria
dos dotes naturais ao seu handicap sociocultural proveniente da socialização
disponibilizada pela família, aos desiguais modos de funcionamento pedagógico no
interior da escola, subsiste como problema o facto, das primeiras justificações
continuarem a ser bastante comuns, até hoje em dia, dentro e fora da escola.

2.2.3. Igualdade de oportunidades, (in)sucesso escolar e relações com as famílias


As preocupações com a escolarização das crianças e o seu sucesso, embora gerada
na escola, implica direta e indiretamente as suas relações com as famílias. Um dos
momentos paradigmáticos dessa relação escola-famílias é particularmente visível
aquando da transmissão aos pais da avaliação realizada pela escola acerca evolução da
sua aprendizagem. Com efeito, o modo como é comunicada aos pais, tende, muitas vezes,
a fazê-los sentir igualmente avaliados, considerando-os como culpados ou como bons
pais, uma vez que “os professores deixam entender (…) que a criança é produto de uma
educação, a expressão de um ‘meio’ e mesmo vítima de uma herança” (Perrenoud, 2001:
92). Se as crianças tiverem sucesso na escola, estes pais são apelidados e considerados
‘bons pais’, pais competentes que souberam educar bem aquelas crianças, que estiveram
sempre presentes. Pelo contrário, se reprovarem e não tiverem sucesso é “porque os pais
não lhe souberam dar os apoios para o sucesso” (idem: ibidem) e que não estão presentes.
Os pais sentem-se, assim, constantemente avaliados e julgados, pois foram eles que
educaram a criança, orientaram e cuidaram.
Ora, nem todos os pais vivem esta relação com a escola e a escolarização dos seus
filhos da mesma forma pois “determinados grupos sociais estão numa relação de
continuidade cultural para com a escola (caso dos alunos de classe média), enquanto
outros apresentam uma distância cultural (caso dos meios populares e, sobretudo, das
minorias étnicas)” (Avila de Lima, 2002: 113). Desta forma, os pais de classes populares
têm, à partida, mais dificuldade nesta relação com a escola, uma vez que, não têm muito
“conhecimento do modo como o sistema educativo funciona e como poderia ou deveria
estar a responder às necessidades dos seus filhos” (idem: 164), embora tenham muita
confiança no trabalho que os professores realizam com os seus filhos. Fatores de
dificuldade podem dever-se a “más experiências que as famílias vivenciaram no seu
percurso escolar, bem como a dificuldade em entender a linguagem técnico-pedagógica”
(Bento, Mendes & Pacheco, 2016: 606). Relativamente à linguagem podemos referir que
muitos dos professores têm uma idealização de bons pais e bons alunos “o aluno (…)

17
português, branco, urbano, católico e de classe média” (Avila de Lima, 2002: 105), sendo
que, quando estes saem desse padrão, os docentes têm dificuldade em se relacionar.
Por sua vez, os pais de classe média, “para além de possuírem, à partida, mais
informação, têm, também, uma maior capacidade de confrontar os professores e as
direções dos estabelecimentos de ensino, formulando questões relevantes” (idem: 165).
Do mesmo modo,

“vários estudos têm demonstrado (…) paradoxo de muitos professores sentirem uma
maior dificuldade em se relacionarem com famílias dos meios populares, devido a
barreiras de ordem sociocultural, ao mesmo tempo que são os pais de classe média aqueles
que mais temem, pois são os que se colocam numa posição de igualdade” (idem:115).

Ou seja, apesar dos professores terem mais dificuldade em comunicar com os pais de
classes populares devido à diferença sociocultural, são os pais de classe média que eles
mais ‘temem’ devido à sua capacidade de questionarem o seu trabalho.
Neste sentido, apesar de a família se conceber como um grupo que é fechado e
privado “onde os membros da família valorizam principalmente o facto de estarem em
conjunto e de partilharem uma intimidade” (Singly, 2011: 12), a escola acaba por saber
de situações relativamente à sua vida, originando a «fenda na vida privada». Algumas
destas informações são também obtidas a partir das crianças pois “voluntariamente (…)
fornecem detalhes sobre as condições e o modo de vida das famílias” (Perrenoud, 2001:
94), e indiretamente, através da forma de vestir, de falar e dar opiniões, entre outras.
Desta forma, face à realização da igualdade de oportunidades e ao (in)sucesso
escolar e enviesamento social que lhe assiste, questiona-se até que ponto a escola gratuita
elimina os encargos económicos das famílias com a educação das suas crianças dado que
a maioria destas despesas “não se reportam ao ensino propriamente dito, mas às despesas
anexas que, por muito reduzidas que sejam quando tomadas isoladamente vão-se
acumulando e pesando (…) no orçamento familiar” (Perrenoud, 2001: 72). Assim sendo,
escolas gratuitas não significam que “para as famílias (…) os custos da educação de uma
criança fiquem reduzidos a zero” (Coleman, 1968: 141) e nem todas as famílias
conseguem suportar esses custos. Questiona-se também até que ponto a exposição a um
determinado currículo comum e universal para todos, sem ter em conta as diferentes
origens das crianças, potencia a igualdade de oportunidades:

“A opção [de critérios de sucesso escolar] tem consistido em fixar um mesmo padrão para
todos os sujeitos. Sendo este critério único, sendo os sujeitos diferentes em termos de
capacidades, motivações, experiências (…), e sendo tais diferenças socialmente

18
conotadas, ele irá consolidar uma diferença social já existente” (Roazzi & Almeida,
1998:58).

Gera-se assim “um disfuncionamento da cultura da escola em relação à cultura


das classes sociais mais desfavorecidas” (idem:56), pois há uma cultura e um código
considerado universalista e dominante, que não considera o contexto e o meio envolvente
a cada criança. Por fim, há que questionar até que ponto não se confundiu “expansão da
escolaridade e o alargamento da base social de recrutamento dos alunos com «igualdade
de oportunidades»” (Benavente et al, 1994: 15); ou seja, igualdade de oportunidades de
acesso, mas não de sucesso. Daí que

“as diferenças sociais que se têm revelado associadas à desigualdade de trajetórias


escolares são as condições sociais dos progenitores do aluno, a origem étnico-nacional do
próprio e/ou dos seus ascendentes, o território de residência (rural, urbano, centro da
cidade, subúrbios) e, mais recentemente, a condição de género” (Seabra,2009:81).

Assim sendo, é necessário falar de educação inclusiva que implica reconhecer e


valorizar a diversidade de condições biosocioculturais das crianças alunos e suas famílias,
agindo em prol da reposição da justiça social face às suas desigualdades na escola e na
sociedade.

2.3. Direito ao tempo livre, lazer e recreação

“Os Estados Parte reconhecem à criança o direito ao repouso e aos tempos livres,
o direito a participar em jogos e atividades recreativas próprias da sua idade e de
participar livremente na vida cultural e artística” (CDC, 1989: Artigo 31º)

A importância e pertinência social deste direito das crianças compreende-se num


contexto como o da contemporaneidade em que, a par do tempo ocupado como ofício de
aluno, se consciencializa que elas se encontram cada vez mais com agendas
superpreenchidas, sob o olhar atento de algum adulto, sem tempo para decidirem o que
fazer ou não fazer, livremente:

“Agendas muito organizadas e estruturadas (escolas paralelas) após o período escolar


(atividades desportivas, religiosas ou artísticas). Acrescem ainda as atividades de
enriquecimento curricular (AEC), os ateliês de tempos livres (ATL), trabalhos de casa
(homework) e explicações para consolidação de conhecimentos, que completam esta
sequência absurda de preenchimento do tempo de vida das crianças” (Neto, 2020: 61).

19
Com o tempo totalmente preenchido com atividades escolares e com atividades
desportivas, recreativas ou culturais «coordenadas» por adultos, está a dupla necessidade
de os adultos sentirem que estão a proteger a criança dos vários perigos que consideram
existir na sociedade, ao mesmo tempo que estão a providenciar que elas tenham acesso a
bens e recursos úteis ao seu desenvolvimento pessoal e social, e às exigências escolares
e ao sucesso académico. “Sob o argumento do cuidado e da proteção, a infância e os
fazeres infantis estão sendo ressignificados e redesenhados dentro de uma lógica de
supercontrolo, praticado por meio das instituições e de mecanismos institucionalizantes”
(Garcia, Rodrigues & Castilho, 2016: 33). Esta excessiva proteção, institucionalizada, e
a organização constrange a infância e as experiências e oportunidades que a criança tem
de ser criança.

“os pais e a sociedade, de forma geral, ‘esquecem-se’ de ver a criança como criança e de
lhe oferecer coisas de criança, nomeadamente, tempo livre para brincar; em contrapartida,
vão preenchendo o tempo da criança com atividades estruturadas, por considerarem que
estas proporcionam um desenvolvimento rápido, uma aprendizagem mais precoce e, por
conseguinte, maior sucesso escolar” (Silva & Sarmento, 2018: 45).

Este aspeto da privatização e institucionalização da infância que afeta as


experiências das crianças serem crianças entre crianças, coloca, desta forma, em risco o
seu direito a brincar, ao brincar livre e ao seu direito a participar, nos seus próprios termos,
expressando as suas vozes na vida social.

2.3.1. Tempo e atividades livres, culturas infantis e brincar


O conceito de “tempo livre” é, usualmente, compreendido enquanto um tempo
dedicado ao repouso e ao lazer, em que as atividades são realizadas como voluntárias e
não produtivas. Conforme Dumazedier (1979: 34) este tempo livre dedicado ao lazer e as
atividades que nele desenvolve são realizadas de

“livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou ainda
para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social
voluntária ou a sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das
obrigações profissionais.”

O conceito de tempo livre compreende-se na sua relação com o conceito de tempo


ocupado, ao serviço da realização de atividades funcionais, úteis e produtivas, associadas
ao trabalho profissional. Esta dicotomia relaciona-se igualmente com a construção social
da infância, entre a noção de criança cujo ofício é brincar (Chamboredon e Prèvot, 1973

20
cit in Ferreira, 2004), em atividades livres e com tempo livre, e a de criança como aluno
cujo ofício é desempenhar com sucesso o trabalho escolar, ocupando-se das atividades
associadas às tarefas escolares.
Nesse sentido, o direito ao tempo e atividades livres são cruciais para as crianças
poderem ser atores sociais competentes, produtoras de culturas e participantes na vida
social das/com outras crianças e com adultos. Isso significa entender as crianças como
seres que ao invés de imitarem o mundo que as rodeia, o reinterpretam em função dos
seus interesses e à sua maneira, atribuindo-lhe significados e sentidos próprios (Ferreira,
2004). Significa também que estas interpretações individuais de si, dos outros e do
mundo, em momentos conjuntos com outras crianças são partilhadas, negociadas,
recriadas, estando na origem e alimentando a (re)produção de culturas infantis (idem). Ou
seja, as crianças, ao participarem nos grupos de pares, reproduzem de modo seletivo e
interpretativo o mundo e reelaboram-no à sua maneira e do seu ponto de vista, não se
limitando a imitar o mundo adulto. As culturas infantis são então “um conjunto estável
de atividades ou rotinas, artefatos, valores ou preocupações que crianças produzem e
compartilham em interação com pares" (Corsaro, 1997: 95). Desta forma, é no âmbito da
produção de culturas infantis que as culturas lúdicas ganham particular destaque,
especialmente sob a forma do brincar livre e, dentro deste, do brincar ao faz de conta.

“Ao experimentar o brincar como uma atividade lúdica, portanto, altamente significativa
para si, as crianças inspiram-se na realidade adulta, mas filtram-na em função dos seus
interesses e necessidades. Introduzem, com isso, processos de seletividade e de
reinterpretação, imaginação, fantasia e ficção, criatividade e espírito crítico, exercendo
plenos poderes para alterar, inverter, transgredir, os atributos, classificações, relações e
regras habituais a pessoas, animais, objetos, ações, acontecimentos, papeis e funções,
ideias, tempos e espaços” (Ferreira & Tomás, 2020: 6).

No fundo, ao brincarem as crianças recriam e adaptam a realidade envolvente


(idem). Assim sendo, o elemento-chave das culturas lúdicas reside na noção de
ludicidade, ou seja, são produzidas através jogo ou brincadeira. É esta característica que
se liga à noção de lazer e tempo livre.

2.3.2. Brincar e educação informal


Por seu turno, ao terem a possibilidade de brincarem, escolhendo e decidindo com
quem, a quê, com quê, quando, onde, as crianças têm a oportunidade efetiva de fortalecer
todas as dimensões do desenvolvimento humano (cognição, linguagem, emoções,
sentimentos, físicas e motoras e sociais) de um modo criativo, saudável e feliz. Da mesma

21
forma, brincar é uma forma que as crianças têm de aprender a autonomia, a livre
iniciativa, a testar limites, resolver problemas, desenvolver capacidades, e a
autoconfiança e autoestima. Brincar é essencial pois “possibilita a promoção e aquisição
de um conjunto de aprendizagens fundamentais no desenvolvimento psicológico,
emocional e social das crianças” (Neto, 2020: 18).
O mesmo é assumir que o brincar livre das crianças, enquanto atividade
biosociocultural, uma rotina, e um valor nas culturas de pares é, em si, um contexto de
afirmação das suas competências psicossociais, de livre associação, de socialização entre
crianças, de participação ativa nos seus mundos de pertença, e, por tudo isso, é, ao mesmo
tempo, um espaço-tempo de educação informal por excelência - aquela que se aprende no
quotidiano, através dos processos de compartilhamento de experiências e fruto da
convivência, principalmente em espaços e ações coletivas. Deste ponto de vista, se nas
culturas lúdicas, durante as brincadeiras, as crianças expressam as suas opiniões e se dão
a conhecer nas suas ideias, mostrando como veem e entendem o mundo, o que gostam e
não gostam, as suas preocupações e sugestões, então, brincar é um modo particular delas
participarem e exercerem os seus direitos de participação. Por isso, é importante criar
condições de espaço e tempo para respeitar o brincar.

2.4. Direitos de participação

“Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de


exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo
devidamente tomadas em consideração as opiniões das crianças, de acordo com a sua
idade e maturidade” (CDC, 1989: artigo 12º)

O artigo 12º da CDC (1989) respeita ao direito de as crianças participarem nos


assuntos que lhes dizem respeito e as afetam, expressando as suas opiniões. Ora, se o
“cidadão é aquele que desfruta da sua cidadania, intervindo responsavelmente e
participando ativamente na causa pública" (Freire, 2011: 18), considera-se que as crianças
também devem ter essa possibilidade, e serem levadas em conta. Trata-se de reconhecer
que as crianças têm direito a expressar as suas vozes - ideias, opiniões, sentimentos,
desejos e críticas – e que, com isso, podem contribuir para uma sociedade melhor.
Porém, temos de ter em atenção que todos estes direitos que temos vindo a refletir
até aqui são interdependentes, isto é, não há participação se os direitos de proteção e de
provisão não estiverem, também eles, assegurados. Da mesma forma,

22
“O reconhecimento das crianças como seres sociais agênticos que podem ter interesses,
opiniões e sentimentos próprios e diferentes dos adultos, patente nos direitos de
participação consignados na CDC (1989), vem suscitando, no entanto, grande
controvérsia social, continuando, na prática grandemente por cumprir” (Veiga & Ferreira,
2019: 189).

Portanto, podemos ainda afirmar que os direitos de participação são os que ainda,
hoje em dia, sofrem de dificuldades em se efetivar na prática, ou seja, há a consciência da
sua importância, mas muitas vezes não são efetivamente colocados em prática.

2.4.1. Participação e participação infantil


Como já referenciado anteriormente, as crianças têm como um dos seus direitos
fundamentais, o direito à participação, ao terem voz nos assuntos que lhes dizem respeito.
Segundo Tomás (2007 cit in Veiga & Ferreira, 2019: 192) “a palavra participação vem
do latim participare, originada da expressão partem capere, que significa «tomar parte»”.
Ou seja, participar é intervir, partilhar, ter voz, contribuir. É a capacidade de os cidadãos
se envolverem nas decisões da comunidade e mostrarem-se dispostos a opinar, dar ideias,
contribuir para uma melhor sociedade e nos espaços de vida em que se movimentam.
Assim sendo, o direito de participação reivindicado para as crianças é “a melhor
maneira da criança expressar o seu ponto de vista e a sua opinião acerca de determinados
temas, projectos e ações em que o seu interesse pessoal está directamente implicado”
(Freire, 2011: 19) e de alcançar, também, os outros direitos, que como já referi são
interdependentes. Desta forma,

“considera-se que há uma real participação infantil quando se reconhece o valor do


conhecimento e das contribuições das crianças, quando existe um clima positivo no
compartilhar de experiencia e perícia com as crianças, quando se aprende com as crianças
e se encontram maneiras de as ajudar a tomar decisões e a implementar o que foi decidido”
(Freire, 2011: 21).

Roger Hart (1993), um dos autores pioneiros a refletir sobre a participação infantil,
chama a atenção que a participação e cidadania infantil não querem dizer que as crianças
deixam de ter infância:

23
“as crianças tenham infância, mas não é realista esperar que repentinamente se convertam
em adultos responsáveis e participativos na idade de 16, 18 ou 21 anos, sem nenhuma
experiência prévia nas habilidades e responsabilidade que se requerem” (Hart, 1993: 5)2

Estas competências, o gosto e a compreensão da participação só se adquirem pela


prática e se as crianças forem habituadas desde cedo a participar e a verem que as suas
opiniões e ideias são ouvidas e levadas em conta. Nesse sentido, Hart criou uma escada,
a Escada de Participação, que simboliza os vários níveis e modos que as participações das
crianças, juntamente com os adultos, podem assumir. O primeiro nível corresponde à
manipulação, ou seja, “As crianças fazem o que os adultos lhe sugerem que façam, mas
não têm nenhum verdadeiro entender sobre as questões. Ou às crianças é perguntado o
que eles pensam, os adultos usam algumas das suas ideias, mas não dizem que eles
tiveram influência na decisão final” (Shier, 2001: 109)3. Ou seja, as crianças são
consultadas, mas não sabem para quê nem como a sua ideia foi usada. O segundo nível
está relacionado com as crianças como «decoração»: “As crianças participam num
evento, mas não percebem realmente as questões” (idem: ibidem) 4. Ou seja, são usadas
como decoração para fortalecer a ação do adulto. No terceiro nível, designado por
«tokenismo» as crianças têm uma participação simbólica: “são convidadas a dizer o que
pensam sobre uma questão, mas têm pouca ou nenhuma escolha sobre a maneira ou
alcance como podem expressar essas opiniões” (idem: ibidem)5. Estas primeiras etapas
são, normalmente, denominadas como de não-participação, uma vez que o adulto gere
todo o processo de dinamização e «participação» e as crianças ficam apenas com papeis
pré-determinados pelo mesmo, isto é, não há uma participação efetiva por parte das
crianças, mas sim são consultadas. Na quarta etapa, ou degrau desta escada, é-lhes
delegada informação: “Adultos decidem sobre o projeto e as crianças se voluntariam. As
crianças entendem o projeto e sabem quem decidiu que deveriam estar envolvidos e
porque. Os adultos respeitam as suas opiniões” (idem; ibidem)6. Aqui, o papel das

2
No original: “Ciertamente, se debe permitir que los niños tengan infância, pero no es realista esperar que
repentinamente se conviertan en adultos responsables y partitipativos a la edad de 16,18 o 21 años, sin
ninguna experiencia previa en las habilidades y responsabilidades que se requieren” (Hart, 1993: 5)
3
No original: “Children do or say what adults suggest they do, but have no real understanding of the issues.
Or children are asked what they think, adults use some of their ideas but do not tell them what influence
they have had on the final decision” (Shier, 2001: 109)
4
No original: “Children take part in an event (…) but they do not really understand the issues” (Shier, 2001:
109).
5
No original: “are asked to say what they think about no issue but have little or no choice about the way
they express those views or the scope of the ideas they can express”(Shier, 2001: 109)
6
No original: “Adults decide on the project and children volunteer for it. The children understand the
project, and know who decided they should be involved and why. Adults respect these views” (Sheir,
2001:109)
24
crianças já não é meramente decorativo e a partir da quinta etapa até à oitava o adulto já
aparece apenas como uma figura de suporte e auxiliar, sendo as crianças que projetam e
que realizam todo o processo. No quinto patamar, os adultos decidem o projeto, mas as
crianças são consultadas, ou seja, “Elas percebem todo o processo e suas opiniões são
tidas em conta” (idem: ibidem)7. No nível seis os projetos são iniciados pelos adultos,
mas as decisões são compartilhadas com as crianças, ou seja, “Não só os seus pontos de
vista são considerados, mas eles também estão envolvidos nas tomadas de decisão” (idem;
ibidem)8. O nível sete corresponde a projetos que são iniciados e geridos por crianças,
estando os adultos disponíveis para ajudar, mas não tomando o controlo, isto é “quando
elas se organizam propondo, orientando e dirigindo um projeto e/ou atividade sem
intervenção adulta” (Veiga & Ferreira, 2020: 194). Por fim, o nível oito é o que deve
acontecer idealmente, permitindo a participação efetiva e ativa das crianças, com projetos
iniciados por crianças e decisões compartilhadas com os adultos que “as apoiam,
sugerindo melhorias” (idem: ibidem).
Nesta escada que o autor apresenta e reflete, consegue observar-se desde as
práticas e lógicas intimamente adultocentricas, onde as crianças são um mero consultor,
até à prática participativa por parte das crianças, idealmente apoiadas pelos adultos. Neste
processo de participação a criança “por um lado procura informar-se e tende a cooperar,
a investigar, a exprimir-se, (...) por outro lado aprende a aceitar decisões
democraticamente tomadas mesmo que sejam diferentes dos seus superiores interesses ou
opiniões” (Freire, 2011: 22). Assim sendo, a valorização das vozes e ações sociais das
crianças é também importante para o seu desenvolvimento integral, uma vez que, esta
participação aumenta o seu sentido de responsabilização, autonomia, crítico, ao mesmo
tempo que aprendem a escutar e a valorizar as opiniões dos outros e/ou a negociá-las e a
encontrar consensos; ou seja, desenvolvem e exercitam competências essenciais à vida
coletiva. Nesta perspetiva, a participação das crianças desafia a ideia tradicional de seres
em déficit e dependentes dos adultos, para serem vistas como seres competente mediante
as suas especificidades.
No entanto, esta participação pode ser vista por muitos adultos como um desafio
à sua autoridade, no sentido de se renderem a todas as sugestões e decisões das crianças

7
No original: “They have a full understanding of the process, and their opinions are taken seriously”
(Sheir,2001:109)
8
No original: “Not only are their views considered, but they are also involved in taking the decisions”
(Sheir, 2001:109)
25
(Tomás, 2007), esvaziando ou demitindo-se do seu papel social como adultos e por essa
mesma razão as dificuldades que se encontram hoje em dia de colocar este direito
efetivamente na prática. Cabe, aos adultos, criar oportunidades para o exercício da
participação nas tomadas das decisões por parte de toda a comunidade educativa. É, de
facto, importante abrir espaço para que as crianças possam dar opinião e falar sobre os
vários assuntos que lhes dizem respeito.

26
Capítulo 2 - A ADCE: caracterização do contexto de estágio

1. Concelho de Espinho: caracterização sociográfica


O Concelho de Espinho tem aproximadamente 21,11 km², inserindo-se no distrito
de Aveiro e na Área Metropolitana do Porto. Em termos de divisão do concelho, existem
4 freguesias: Espinho, Silvalde, Paramos e Anta-Guetim. Anteriormente era constituído
por 5 freguesias, pois as duas últimas estavam separadas.
De acordo com os Censos de 2011, Espinho tem 31786 habitantes, distribuídos
pelas várias freguesias, sendo a de Anta-Guetim a que tem mais habitantes (11766),
seguindo-se a de Espinho (9832), Silvalde (6673) e Paramos (3515). Na sua distribuição
por grupos etários, há 5134 habitantes dos 0 aos 14 anos, 4898 habitantes dos 15 aos 24
anos, 18778 habitantes dos 25 aos 64 anos e, com mais de 65 anos há no concelho 4891
habitantes. Sabemos ainda que 15112 são homens e 16674 são mulheres, estando em
maioria.
Em termos da população economicamente ativa encontram-se 22176 habitantes,
11925 empregados e 10251 desempregados. A nível de setores de ocupação, 88 habitantes
encontram-se no setor primário, 3710 no setor secundário e 8127 no setor terciário. A
verdade é que “a história do Concelho de Espinho está incondicionalmente ligada ao mar,
quer por via da pesca, quer pelo turismo balnear, que assume um papel fulcral na
economia da Concelho, pelo que o setor terciário se revela preponderante” (Ribeiro, 2018:
164).
No entanto, existem três bairros sociais no Concelho onde habitam pessoas mais
desfavorecidas economicamente: Bairro da Ponte de Anta, Bairro Piscatório de Silvalde
e Bairro da Quinta de Paramos. Há, também, uma grande Comunidade Piscatória e uma
grande Comunidade de Etnia Cigana:

“A existência de três grandes complexos habitacionais, mais frequentemente designados


por bairros sociais, em três freguesias (...) demonstram que, de forma ambivalente e mais
concentrada, estes são territórios que se caracterizam por possuírem uma grande
intervenção social (...), mas, simultaneamente, como os locais onde claramente se
registam de forma reiterada os fenómenos de pobreza, exclusão e desemprego” (Ribeiro,
2018: 183).

A intervenção social nestes três complexos habitacionais são na freguesia de Anta,


o Centro Comunitário da Ponte de Anta pertencente à Cerci Espinho, em Silvalde
encontra-se o Centro Comunitário “Espinho Mar- Espinho Terra” que pertence à

27
Associação de Desenvolvimento do Concelho de Espinho (ADCE) e, em Paramos, o
Centro Comunitário do Centro Social de Paramos.
A nível da educação, há no concelho uma taxa de analfabetismo de 4,70%,
detendo a maioria da população entre um nível de escolaridade elementar, o 1º CEB
(15449 habitantes) e depois o 3º CEB e o 2º CEB (respetivamente 7562 habitantes e 5214
habitantes). Com o um ensino secundário e o ensino superior encontramos números
bastante semelhantes de habitantes a possuírem esse nível de escolaridade (7163 e 7240
respetivamente). Na Carta Escolar do Concelho, realizada em 2007 podemos ainda
observar que, na altura, antes dos Censos de 2011, existir uma taxa de abandono escolar
de 4,1%, uma taxa de retenção no ensino básico de 13,9% e uma taxa de aproveitamento
no ensino secundário de 74,5%.
Em suma, do ponto de vista socioeconómico e da sua localização, este concelho
apresenta uma grande diversidade, havendo “simultaneamente (…) algum peso dos
setores industriais (...); com zonas piscatórias tradicionais (...); com zonas rurais nas suas
localidades mais interiores (...); com uma atividade terciária importante (...); que serve de
dormitório à cidade do Porto” (Bureau Internacional do Trabalho, 2003: 91) e fortes
desigualdades, com situações de pobreza, exclusão social e marginalização.

2. Associação de Desenvolvimento do Concelho de Espinho (ADCE): caracterização


A Associação de Desenvolvimento do Concelho de Espinho (ADCE), criada a 27
de abril de 1995 pela Câmara Municipal de Espinho (CME), em conjunto com várias
instituições públicas e privadas do Concelho, é uma Instituição de Solidariedade Social
(IPSS), e encontra-se sediada nas instalações da Escola da Marinha 2, em Silvalde. Esta
visa contribuir para o desenvolvimento integrado do concelho, promovendo a
capacitação, a cidadania ativa e a qualidade de vida da população, aspirando alcançar uma
sociedade mais justa e inclusiva.
Assim sendo, nos Estatutos da ADCE (2016:1/2), cf. Apêndice Ia, referem-se
como seus principais objetivos:

“a) Apoio à integração social e comunitária; b) Apoio à infância e juventude, incluindo


as crianças e jovens em perigo; c) implementação e desenvolvimento de programas e
projetos de âmbito nacional e europeu; d) formação e inserção profissional; e) promoção
à saúde; f) promoção da igualmente de género e prevenção ao combate à violência
doméstica” (Artigo 3º).

28
Inicialmente esta instituição foi criada para a implementação de respostas no
âmbito social de prevenção e combate à pobreza e exclusão social de crianças e jovens e
adultos. Atualmente, implementa variadas medidas no âmbito social, económico, cultural,
científico e educativo, indo ao encontro dos objetivos anteriormente referidos. Assim
sendo, podemos encontrar várias iniciativas: Protocolo RSI (Rendimento Social de
Inserção), Programa Operacional de Apoio a Pessoas Mais Carenciadas (POAPMC),
Projeto Encaminhar o Futuro (PRI), Centro Comunitário Espinho Mar- Espinho Terra,
Projeto Promover o Sucesso - Escola Para Todos (PPS), CLDS (Contrato Local de
Desenvolvimento Social) 4G Espinho Vivo (cf. Apêndices Ib e Ic)
Apesar desta variedade de iniciativas, no meu percurso de estágio estive em
contacto direto apenas com o Centro Comunitário Espinho Mar – Espinho Terra, nas
respostas da Ludoteca, Clube de Jovens e Espaço do conhecimento, e com o Projeto
Promover o Sucesso – Escola Para Todos.

2.1. Centro Comunitário Espinho Mar – Espinho Terra


O Centro Comunitário Espinho Mar - Espinho Terra surgiu de um acordo assinado
em 2005 entre a ADCE e o Instituto de Segurança Social, e encontra-se sediado, tal como
a instituição, na zona da Marinha de Silvalde.
A zona da Marinha de Silvalde, é uma zona piscatória onde se evidencia

“a maior concentração de problemas de pobreza e exclusão social entre a sua população:


ausência ou reduzidos hábitos de trabalho, elevada percentagem de analfabetismo e de
desemprego, (...) inserção precária no mercado de trabalho (...) baixos níveis escolares e
de qualificação profissional (...) A par desta situação, verifica-se ainda um elevado
absentismo escolar e ausência de equipamentos de ocupação dos tempos livres das
crianças e jovens e de estruturas de apoio às actividades escolares” (Bureau Internacional
do Trabalho, 2003: 92).

Tendo esta realidade em conta, a criação do Centro Comunitário (CC) nesta zona
visava proporcionar condições que possibilitassem aos indivíduos o exercício pleno do
seu direito de cidadania e apoiar as famílias no desempenho das suas funções e
responsabilidades, reforçando a sua capacidade de integração e participação social (cf.
Apêndice IIa).
O CC conta com uma equipa de intervenção alargada (cf. Apêndice Ic),
constituída por 3 Assistentes Sociais, 1 Educadora Social, 1 Técnica Superior de
Educação, 1 Psicologia, 1 Contabilista, 1 Administrativa, 3 ajudantes de ocupação

29
(monitores), e 2 auxiliares de serviços gerais, tendo como público-alvo, as crianças,
jovens, adultos e famílias.
Como suas ações de intervenção contam-se o Serviço de Atendimento e
Acompanhamento social, o Acompanhamento Psicossocial, a Animação Sociocultural e
educativa (Ludoteca, Clube de Jovens e Espaço do Conhecimento), Acompanhamento
Familiar Integrado e o Projeto de Apoio à Família e à Comunidade (Entre Linhas, Cozinha
Comunitária, Conversas Informais, Entre Nós) (cf. Apêndices Ib e Ic). Estes projetos são
adequados e redesenhados ao longo dos anos e tendo em conta os problemas da sociedade
e da comunidade na altura.
No espaço do CC direcionado para as crianças, encontram-se, por um lado, a
Ludoteca e o Clube de Jovens (cf. Apêndice IIb e IIc), dividida em variados espaços (cf.
Apêndice IId) como o faz de conta, expressões plásticas, jogos, videojogos, e, por outro,
o Cantinho do Estudo / Espaço do Conhecimento que corresponde a uma sala preparada
para a realização dos trabalhos de casa (cf. Apêndices IIe e IIf ). Nesse cantinho, devido
à pandemia, foi criado um espaço com vários computadores para crianças mais
necessitadas e sem acesso a meios digitais e tecnológicos poderem assistir às aulas via
zoom (cf. Apêndice IIf).
A Ludoteca (cf. Apêndice IIb), frequentada por crianças entre os 6 e os 10 anos,
vê os seus objetivos explicitados no Regulamento Interno do Centro Comunitário Espinho
Mar / Espinho Terra (ADCE, 2019: artigo 39º), sendo eles:
• Valorizar as capacidades de cada criança, respeitando os ritmos individuais;
• Fomentar a construção de uma identidade pessoal sólida, assente em
autoconceitos positivos e elevada auto-estima;
• Estimular o desenvolvimento das capacidades relacionais das crianças através
das relações e dinâmicas interpessoais que se estabelecem nas atividades;
• Fomentar o respeito pela cultura de origem das crianças e dinamizar atividades
de educação intercultural, que facilitem um maior diálogo entre culturas e a
integração pró-ativa da diversidade cultural;
• Apoiar/ mobilizar os diferentes atores sociais locais para o desenvolvimento de
possíveis ações comuns, beneficiando o desenvolvimento infantil e evitando
comportamentos desviantes;
• Incentivar a participação das famílias nas atividades e no processo educativo dos

seus filhos, oferecendo aos pais acompanhamento e informação que aumentam


o conhecimento e compreensão mútua dos diferentes elementos do agregado;
30
• Proporcionar experiências significativas capazes de alargar o horizonte social e
cultural das crianças;
• Promover a assunção dos hábitos de vida saudáveis incentivando de especial
forma para a frequência desportiva.
Assim sendo, a Ludoteca pode ser vista como pretendendo ser uma resposta
crucial para o desenvolvimento saudável das crianças e interligada aos seus direitos de
proteção, provisão e participação, presentes nos direitos à família, ao brincar e à educação.
Subjazem a esses objetivos os valores socioeducativos com que se procuram dar conta de
preocupações centradas em promover a igualdade de oportunidades destas crianças, bem
como o seu desenvolvimento efetivo e holístico, através do brincar.
Por sua vez, o Clube de Jovens (Apêndice IIc) é frequentado por jovens dos 12
aos 18 anos de idade de forma a (idem: Artigo 49º):
• Fomentar o espírito de grupo e manutenção de relações interpessoais;
• Reforçar uma identidade social e cultural da comunidade juvenil;
• Promover uma maior autoestima, assertividade e capacidade de decisão e
resolução de problemas;
• Estimular a interiorização de regras de comportamento adequadas aos diferentes
espaços sociais;
• Dinamizar a participação dos jovens, promovendo a sua cidadania ativa;
• Promover o desenvolvimento de capacidades socioeducativas;
• Fomentar a construção de uma personalidade e projeto de vida assente em
autoconceitos positivos.
De igual forma, o Clube de Jovens pode ser vista como pretendendo ser uma
resposta crucial para o seu desenvolvimento como jovens responsáveis, assertivos, com
autoestima e interligada aos seus direitos de brincar e participar. Estes objetivos
pronunciados pela ADCE vão ao encontro da ideia de que a animação sociocultural
juvenil pretende favorecer a interação, cultivar a vertente social e cultural bem como a
valorização pessoal e o protagonismo juvenil.
O Espaço do Conhecimento (cf. Apêndice IIe) tem como público-alvo, crianças e
jovens em idade de frequentar o 1º ciclo, 2º ciclo e 3º ciclo, com os objetivos de (Idem:
Artigo 45º):
• Incentivar o sucesso escolar e educativo;
• Proporcionar aos alunos um espaço com boas condições de trabalho e apoio que
necessitarem;
31
• Acompanhar de forma mais estreita as crianças com maiores dificuldades de
aprendizagem;
• Proporcionar o acesso às novas tecnologias disponibilizando recursos
informáticos;
• Disponibilizar material didático e incentivar a utilização eficiente de todos os
recursos disponíveis;
• Valorizar a aprendizagem e incentivar a um investimento estratégico no esforço;
• Ensinar a estudar e proporcionar um espaço para a realização de tarefas
curriculares de forma eficaz.
O Espaço do Conhecimento, tal como o nome indica, pretende ser uma resposta
com a missão de incentivar o sucesso escolar e educativo, indo, sobretudo, ao encontro
do direito de provisão à educação das crianças e jovens (CDC, 1989, artigo 28º).

2.2. Projeto Promover o Sucesso – Escola Para Todos


O projeto “Promover o Sucesso - Escola para Todos” resulta da candidatura ao
Norte 2020, no eixo da Educação ao Longo da Vida (combate ao insucesso escolar) e
intervém em meio escolar visando promover a melhoria do sucesso educativo e a
promoção da igualdade de oportunidades. São parceiros deste projeto a CME, o
Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Gomes de Almeida e o Agrupamento de Escolas
Dr. Manuel Laranjeira. Dentro desses dois agrupamentos de escolas, o projeto abrange
duas escolas primárias: o Centro Escolar de Silvalde e o Centro Escolar de Anta. O projeto
conta com 1 Técnica Superior de Educação, 2 psicólogas e uma coordenadora do projeto
e tem como público-alvo, o ensino pré-escolar e 1ºciclo, envolvendo desde os alunos, os
pais, os professores e o pessoal não-docente (cf. Apêndice Ic e Apêndice IIIa).
Tendo em conta a situação educativa do concelho, analisada pelo Núcleo de
Prevenção do Insucesso e Abandono Escolar, criado em 2005, e um dos eixos de
intervenção da Carta Educativa (2007) do Concelho de Espinho, foi criado este projeto.
Falamos do eixo da Promoção do Sucesso Educativo e da qualidade do ensino que visa o
“desenvolvimento de um espírito de excelência capaz de estimular a qualidade e o
sucesso, num processo de compromisso que envolva a comunidade educativa” (Carta
Educativa, 2007, bloco b: 54).
Sobre o «sucesso», o Núcleo de Prevenção do Insucesso e Abandono escolar
refere que são três os fatores que intervêm (Carta Educativa, 2007): a família, a escola
(grupo de pares e professores) e o próprio aluno. Assim sendo, são várias as problemáticas
32
identificadas tendo em conta os alunos em situação de risco e abandono escolar: insucesso
escolar, déficit de atenção, dificuldades de aprendizagem, distúrbios comportamentais,
conflitos familiares, situação econômica carenciada, más relações com os colegas, má
relação com os professores, negligência parental, comportamento agressivo, abuso e
violência familiar, historial depressivo, más condições habitacionais e timidez excessiva.
Tendo isto em conta, os objetivos mais específicos deste projeto são: promover a
melhoria do sucesso educativo dos alunos do 1º CEB, aumentar a cooperação entre a
escola e a família (fomentar um maior envolvimento dos pais no processo educativo),
promover o aumento de competências de elementos da comunidade escolar, promover a
articulação entre a comunidade educativa e os recursos da comunidade, reforçar e
melhorar as condições de integração escolar das crianças em risco socioeducativo.
Para atender a estes objetivos o projeto tem em conta 2 eixos estratégicos de ação:
1 - Afeto (Aluno, Família, Escola, Comunidade); 2 - TIC. O segundo eixo prende-se com
atividades digitais e é dinamizado pela CME. Cabe à ADCE a dinamização do primeiro
eixo, indo ao encontro da ideia de que há vários fatores que potenciam o sucesso das
crianças: o próprio aluno, a família, aqueles que constituem a escola e a comunidade
envolvente. Nesse sentido, foram planeadas as seguintes atividades: o Espaço da
Mediação, Espaço “Conhecer e aprender”, ações de informação e sensibilização,
encontros temáticos, “Eu e os meus pais”, treino de competências, “Conversas com pais”.
(cf. Apêndice IIIa )
O Espaço de Mediação destina-se ao acompanhamento de alunos com
comportamentos de risco, que poderão indicar um possível insucesso ou absentismo
escolar, relativamente a situações que interferem com o sucesso. Por sua vez, o Espaço
Conhecer e Aprender destina-se ao reforço das aprendizagens e apoio aos alunos na
realização dos TPC. As ações de informação e sensibilização são direcionadas aos alunos
(3º e 4º ano), pessoal docente e não-docente, assim como para os encarregados de
educação (EE). Relativamente aos alunos, visa a promoção da motivação e a diminuição
do insucesso escolar, para o pessoal docente e não-docente pretende criar dinâmicas de
trabalho colaborativo, nomeadamente na partilha de experiências e, com os pais, visa falar
de temas relacionados ao sucesso escolar. A atividade “Eu e os meus pais” consiste em
atividades conjuntas entre pais e filhos para promover uma aproximação à escola, levando
em consideração a importância da relação família-escola. A Conversa com pais visa a
partilha de questões sobre a educação parental, dotando as famílias de competências
parentais que sejam promotoras do sucesso escolar. Por fim, os Encontros Temáticos são
33
seminários e workshops sobre temas relacionados à educação, com a comunidade escolar,
as famílias e para técnicos interessados.
Desta forma, e pela descrição destas atividades, o Projeto Promover o Sucesso –
Escola Para Todos conta com três contextos de intervenção: a família, a comunidade e a
escola. É essencial sensibilizar e promover a família para seu o envolvimento com a
escola porque com a sua cooperação as suas crianças poderão alcançar um melhor
desenvolvimento e, consequente, sucesso escolar. (cf. Capítulo 1, pt 2.2.2). Do mesmo
modo, é importante sensibilizar a comunidade a envolver-se e a participar no contexto
escolar porque as crianças alcançarão um maior sucesso escolar com a participação de
todos. Por fim, a escola, uma vez que é um meio privilegiado, desde logo, porque é onde
as crianças passam a maior parte do seu tempo, e onde se consegue a deteção prévia de
comportamentos de risco de insucesso e absentismo escolar.

3. Políticas educativas, educação formal e não formal e ADCE: que relações?


3.1. Projeto Promover o Sucesso – Escola Para Todos
A Constituição da República Portuguesa (2005), refere que “todos têm o direito à
educação e à cultura” (artigo 73º, ponto 1) acrescentando que

O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a


educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a
igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e
culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, compreensão
mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e a participação
democrática na vida coletiva (artigo 73º, ponto 2)

Assim sendo, proclama a democratização da educação e considera os 3P’S dos


Direitos das Crianças – proteção, provisão e participação. Porém, além disso, no texto
maior da sociedade portuguesa, assiste-se, mais recentemente, a uma mudança de ideia
de uma educação como integração socioeducativa para a ênfase na educação inclusiva,
proclamando o princípio da igualdade de oportunidades de acesso e de sucesso. “Todos
têm o direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e
êxito escolar” (idem: artigo 74º).
Com efeito, o decreto-lei nº 54/2018 que defende e proclama a educação inclusiva,
refere que esta é “onde todos e cada um dos alunos independentemente da sua situação
pessoal e social, encontram respostas que lhes possibilitam a aquisição de um nível de
educação e formação facilitadoras da sua plena inclusão” (idem). Há, no entanto, a

34
necessidade de “cada escola reconhecer a mais-valia da diversidade dos seus alunos,
encontrando formas de lidar com essa diferença, adequando os processos de ensino às
características e condições individuais de cada aluno” (Decreto-Lei nº 54/2018). Para isto,
há alguns princípios orientadores a ter em conta, tais como: educabilidade universal, a
inclusão, o envolvimento parental, a equidade, a personalização, a flexibilidade e a
autodeterminação, sublinhando a importância dos três primeiros na ação da ADCE.
Relativamente à educabilidade universal pensa-se que “todas as crianças e alunos
têm capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento educativo” (idem). Ou seja, é
necessário acreditar e pensar que todas as crianças têm a capacidade de aprender e
desenvolver o processo educativo, sendo necessário adequar os conteúdos ao ritmo e as
necessidade e idiossincrasias de cada um. A ADCE com os seus espaços e projetos
dedicados ao Sucesso e Acompanhamento escolar tem em conta este princípio. Por sua
vez, o princípio da inclusão é “o direito de todas as crianças e alunos ao acesso e
participação, de modo pleno e efetivo, aos mesmos contextos educativos” (Decreto-Lei
nº 54/2018), considerando desta forma os direitos de provisão e participação das crianças.
Acresce na legislação portuguesa o reconhecimento de “uma função primordial à
família, no que diz respeito à educação dos seus filhos” (Serrano, 2015: 1),
nomeadamente no que diz respeito ao percurso escolar. Este aspeto, está explicito tanto
na Constituição da República Portuguesa (2005), afirmando que “os pais têm o direito e
o dever de educação e manutenção dos filhos” (artigo 36º), como no decreto da Educação
Inclusiva (Decreto-Lei nº 54/2018) que refere “o direito dos pais ou encarregados de
educação à participação relativamente a todos os aspetos do processo educativo do seu
educando”. Também este princípio é reconhecido nos projetos da ADCE.
No decreto-lei nº270/98 de 1 de setembro, relativo aos Estatutos do Aluno é
referido como direitos e deveres dos pais

“a) informar-se, ser informado e informar a comunidade educativa sobre todas as matérias
relevantes no processo educativo dos seus educandos e comparecer na escola por sua
iniciativa e quando para tal for solicitado; b) colaborar com os professores no âmbito do
processo de ensino-aprendizagem dos seus educandos; c) articular a educação na família
com o trabalho escolar; d) cooperar com todos os elementos da comunidade educativa no
desenvolvimento de uma cultura de cidadania, nomeadamente através da promoção de
regras de convivência na escola; e) responsabilizar-se pelo cumprimento do dever de
assiduidade dos seus educandos; f) conhecer o regulamento interno da escola.” (Diário da
República, Decreto-Lei nº270/98 de 1 de Setembro).

35
Além disso, no estatuto seguinte, com a Lei º 30/2002, acerca do mesmo assunto,
é acrescentado o seguinte

“aos pais e encarregados de educação incumbe, para além das suas obrigações legais, uma
especial responsabilidade, inerente ao seu poder-dever de dirigirem a educação dos seus
filhos e educandos, no interesse destes, e de promoverem activamente o desenvolvimento
físico, intelectual e moral dos mesmos” (Diário da República, Lei nº 30 de 2002 de 20 de
Dezembro).

A necessidade de ter os pais e a família presentes na escola e no percurso escolar


das crianças tem vindo a ser construída de forma gradual, ativa e legal, principalmente
com a criação dos Estatutos do Aluno (decreto-lei nº270/98 e Lei º 30/2002), onde
podemos observar um endurecimento em relação ao papel das famílias no percurso
escolar, vendo a família como uma família educadora.
Da mesma forma, nos Estatutos do Aluno, citando para este seguimento a Lei nº
30/2002, refere, além dos direitos de deveres dos EE, os direitos (artigo 13º) e deveres
(artigo 15º) dos Alunos, que são simultaneamente crianças. Com efeito, estes estão
intimamente ligados com aquilo que são os direitos consagrados na CDC (1989) – 3P’S:
proteção, provisão e participação. No caso dos direitos de proteção, podemos encontrar,
como por exemplo “i) ver salvaguardada a sua segurança na escola e respeitada a sua
integridade física e moral” (Lei nº 30/2002, artigo 13º). No que se refere ao direito de
participação

“ n) apresentar criticas e sugestões relativas ao funcionamento da escola e ser


ouvido pelos professores, diretores de turma e órgãos administrativos e de gestão
da escola em todos os assuntos que justificadamente foram do seu interesse; (…);
p) Participar na elaboração do regulamento interno da escola, conhecê-lo e ser
informado (…).

Nestes está evidente a preocupação com a noção da participação infantil, procurando


ouvir as crianças sobre aquilo que têm a dizer.
No que diz respeito aos direitos interrelacionados com a provisão podemos
encontrar:
“a) usufruir do ensino e de uma educação de qualidade (…), em condições de efectiva
igualdade de oportunidades no acesso, de forma a propiciar a realização das
aprendizagens bem-sucedidas; b) usufruir do ambiente e do projeto educativo que
proporcionem as condições para o seu pleno desenvolvimento físico, intelectual, moral,
cultural e cívico, para a formação da sua personalidade e a sua capacidade de
autoaprendizagem e de critica consciente sobre os valores, o conhecimento e a estética;
(…) f) Beneficiar, no âmbito dos serviços de ação social escolar, de apoios concretos que
lhes permitam superar ou compensar as carências do tipo socio-familiar, económico ou
cultural que dificultem o acesso à escola ou o processo de aprendizagem; g) beneficiar de

36
outros apoios específicos, necessários às suas necessidades escolares ou às suas
aprendizagens, através de serviços de psicologia e orientação ou de outros serviços
especializados;” (Lei nº 30/2002, artigo 13º)

Nestes direitos, os direitos de provisão relacionados com o Estatuto do Aluno, o


papel da ADCE, e neste caso, do Projeto Promover o Sucesso (PPS) – Escola para Todos,
têm um papel mais evidente, tentado providenciar todo o apoio para as crianças
usufruírem da educação de forma completa, com condições propicias ao sucesso escolar,
através do apoio ao estudo (seja no PPS, seja no Espaço do Conhecimento no CC), do
Espaço da Mediação como apoio para ajudar a superar carências que dificultem o sucesso
escolar, sejam elas dificuldades socioeconómicas, sociofamiliares ou culturais.

3.2. Centro Comunitário Espinho Mar – Espinho Terra


Além de uma educação formal de qualidade, pronunciado na Constituição da
República (2005) e também na CDC (1989), o direito à cultura e ao brincar encontram
eco nos Centros Comunitários que têm um papel crucial de proporcionar estes direitos
através de uma educação não-formal.
Com maior plasticidade do que a educação formal, Canário (1999: 76) caracteriza
a educação não formal “pela flexibilidade de horários, programas e locais, baseado
geralmente no voluntariado, em que está presente a preocupação de construir situações
educativas «à medida» de contextos e públicos singulares”. No caso do CC da ADCE,
este apresenta, como ofertas de educação não-formal, as respostas da Ludoteca e Clube
de Jovens (cf. Apêndices Ib, Ic e IIa). Estas ofertas, pretendem ir ao encontro e interligar
os três direitos principais de uma criança/ jovem: o direito ao brincar, o direito ao
participar e o direito à educação, como forma de promover o seu desenvolvimento
saudável e completo, incentivando a responsabilidade, a assertividade, a participação, a
autoestima, as capacidades relacionais e espírito de equipa. Nestas ofertas pretende-se
que o ofício da criança seja mesmo o de ser criança, ou seja, que possa brincar com
segurança e participar ativamente, contribuindo para a produção das culturas infantis e,
consequentemente, das culturas lúdicas.
Esta educação não-formal na ADCE é complementada com o Espaço do
Conhecimento (cf. Apêndice IIe), vendo-a assim, também, como “um suplemento para
os alunos com algumas dificuldades que se encontram a frequentar as escolas formais”
(Matias, 2013: 21) e, assim, construí-la à medida do público-alvo da Marinha de Silvalde.
Assim sendo, é aqui interligado, desta forma, o ofício do aluno.

37
Pode então afirmar-se que os CC, para os cidadãos em geral, e as ludotecas e,
neste caso, também os Clubes de Jovens, são espaços privilegiados de educação não-
formal, onde o papel da Animação Sociocultural é crucial (cf. Apêndice IIg).

3.2.1. O Espaço do Conhecimento


Em alinhamento com as preocupações com o sucesso escolar das crianças e
jovens, existe ainda na ADCE o «Espaço do Conhecimento» (cf. apêndice IIe), mais
conhecido como «Cantinho de Estudo». Este espaço é “um espaço aberto que,
quotidianamente, proporciona condições para as crianças e jovens em idade escolar
realizarem os trabalhos de casa com o apoio de recursos humanos e materiais” (ADCE,
2017: 21). Tratando-se de uma proposta de educação não-formal, ela pode ser vista, ainda,
“como um suplemento para os alunos com algumas dificuldades que se encontram a
frequentar as escolas formais” (Matias, 2013: 21).

3.2.2. A ludoteca
Existindo uma variedade de definições, Ferreira e Neto (1992: 27) afirmam:
“Segundo a etimologia a palavra ludoteca provém do latim ‘ludus’ que significa jogo,
brincadeira, festa, a qual foi aglutinada com a palavra ‘theca’ que significa estojo ou local
para conservar algo.”. Por sua vez, Domingos (2011: 27) com recurso ao pensamento de
Santos (1991) refere a importância deste ambiente lúdico na estimulação da criança com
o acesso a uma variedade de brinquedos permitindo que a mesma explore e experimente.

“Ludoteca como «espaço preparado para estimular a criança a brincar, possibilitando o


acesso a uma grande variedade de brinquedos, dentro de um ambiente especialmente
lúdico. É um espaço onde tudo convida a explorar, a sentir, a experimentar.” (Santos,
1991, p. 91 cit in Domingos, 2011:27).

Também nos documentos da ADCE que nos dão conta das suas atividades anuais
encontramos variadas definições sobre aquilo que se considera ser uma ludoteca: “A
ludoteca é um espaço lúdico-pedagógico pensado para as crianças, que através do jogo,
do faz de conta e da simples brincadeira pode desenvolver a sua personalidade, durante o
tempo livre” (ADCE, 2017:20). Esta personalidade e as competências são desenvolvidas
através de uma educação não formal onde se espera que as crianças sejam sujeitos ativos
no seu desenvolvimento e relações com os outros e a comunidade:

“A Ludoteca é uma resposta integrada na comunidade, funcionando enquanto espaço de


educação não formal, apostando em ações pedagógicas, e de comunicação, em que as

38
crianças se assumem enquanto sujeitos ativos do seu próprio desenvolvimento, brincando
e aprendendo em contacto direto com o seu par, com outros jovens e com a comunidade”
(idem: ibidem).

Domingos (2011) refere ainda como principais funções de uma ludoteca as


funções comunitárias, pedagógica e educativa, e social. Relativamente à função
comunitária a autora menciona que “na ludoteca a criança tem oportunidade de encontrar
companheiros, e juntos, brincando, vivenciam e aprendem valores e regras sociais de
convivência em grupo” (Domingos, 2011: 42-43) indo ao encontro daquilo que são alguns
objetivos da ludoteca da ADCE (2019) de «estimular o desenvolvimento de capacidades
relacionais das crianças através das relações e dinâmicas interpessoais que se estabelecem
nas atividades», mas também em «fomentar o respeito pela origem das crianças e
dinamizar atividades de educação intercultural, que facilitem um maior diálogo entre
culturas e a integração pró-ativa da diversidade cultural».
Por sua vez, a função educativa e pedagógica está relacionada com a questão de
que “Para além da capacidade que a Ludoteca possui de juntar o maior número de
brinquedos de qualidade e vocacionados para o desenvolvimento das crianças, este espaço
também atua no âmbito da sua educação, desenvolvendo a imaginação e a atividade
lúdica” (Domingos, 2011: 41), e assim sendo, cabe aqui o objetivo da ADCE (2019) de
«valorizar as capacidades criativas de cada criança, respeitando os ritmos individuais».
Da mesma forma, é fomentada a «construção de uma personalidade assente em
autoconceitos positivos, melhorando a auto-estima», uma vez que a criança vê que é
respeitada nos seus ritmos, nas suas diferenças, nas suas escolhas e também porque
encontra um apoio para o seu desenvolvimento. De igual modo, a criança começa a criar
autoconceitos positivos, uma vez que, por exemplo, “ao deparar-se com algumas
dificuldades no acto de brincar (...) ela própria tem a oportunidade de se questionar e
tentar encontrar uma solução” (Domingos, 2011: 41-42).
No que diz respeito à função social,

“Devido ao elevado custo de alguns brinquedos, muitas crianças não têm a possibilidade
de ter contacto com os mesmos em casa. Assim sendo, a Ludoteca adopta o papel de
promotor de igualdade de oportunidades, proporcionando o contacto com esses mesmos
artefactos lúdicos” (Domingos, 2011: 42).

De facto, considero que este espaço é de elevada importância para as crianças da


comunidade da Marinha de Silvalde, permitindo-lhes acesso a actividades, materiais e
ajudas que sem a ludoteca provavelmente não iriam ter contacto, como por exemplo,
39
atividades culturais e artísticas, nomeadamente, de artes plásticas, materiais eletrônicos
entre outras coisas. Assim sendo, este espaço contribui para a construção de uma
igualdade de oportunidades e indo ao encontro de um dos seus objetivos que é o de
«proporcionar experiências significativas capazes de alargar o horizonte social e cultural
das crianças» e assim, aumentar também a sua autoestima. Por tudo isto os objetivos
definidos para a ludoteca da ADCE (cf. Apêndice IIb) formalmente cumprem e
correspondem a essas funções.

3.2.3. O clube de Jovens


No que concerne à animação sociocultural para jovens, esta “pretende auxiliar os
adolescentes a crescerem de forma autônoma, saudável, e com responsabilidade” (Ribeiro
da Silva, 2013: 35). Apesar de esta animação, na maioria das vezes, se apropriar das
formas de fazer da animação infantil estas têm de ser adaptada a esta fase da vida destes
jovens pois “A fase da juventude caracteriza-se por representar diferentes relações com a
escola e a família (...), e surge a necessidade e o sentimento de pertença a um grupo”
(Pereira, 2015: 54), com as suas formas muito próprias de ser e estar, as suas preferências
e gostos… Como Marques da Silva (2001: 35) refere “A juventude é (...) entendida como
o tempo de se tornar alguma coisa. (...) Reconhece-se à juventude a possibilidade de
proporem e viverem diferentes estilos de vida”.
Assim sendo, a ASC juvenil deve ir ao encontro daquilo que são os seus gostos e
necessidades dos jovens. Porém, para isso, há que ter em atenção que os jovens vivem a
“uma grande velocidade de transformação, de modificação de uma parte das suas
características, juntamente com uma maior celeridade na aceitação das mudanças
culturais e sociais em geral” (Trilla, 2004: 220). Desta forma, os seus gostos e
necessidades também se vão alterando, devendo os animadores terem isso em atenção.
Além disso, há “uma grande diversidade na constituição de grupos (...) muito diferentes
uns dos outros” (idem: ibidem), sendo difícil o entrelaçar dos gostos de todos nos grupos
do clube de jovens.
Tendo estes aspetos em conta Marcelino Sousa Lopes (2006) citado em Ribeiro
da Silva (2013: 35/6) refere como objetivos da animação sociocultural e educativa
juvenil:

“Proporcionar aos adolescentes alternativas para a ocupação do tempo livre numa


perspetiva educativa, de forma a obterem uma valorização pessoal e social; Fomentar
aprendizagens diversas que conscientizem para a prática de valores democráticos (...);

40
Favorecer a interação dos adolescentes, através duma metodologia ativa, participativa (...)
e de valorização da autoestima e do protagonismo; Concretizar atividades que cultivem a
vertente social dos adolescentes através de iniciativas, como o teatro, o jogo, as formas
animadas, de forma a permitir a expressão dos adolescentes (...)”.

No caso da ADCE esta animação juvenil concretiza-se a partir da resposta do


Clube de Jovens (cf. Apêndice IIc), para jovens entre os 12 e os 18 anos. Este é pensado
como “uma estrutura lúdica e educativa, onde se desenvolvem um conjunto de atividades
que pretendem incentivar o aumento das competências sociais, pessoais e profissionais
dos jovens” (ADCE, 2017: 21) procurando valorizar “(...) os gostos e interesses dos
jovens, fomentando seu desenvolvimento cada vez mais ativo e inovador” (idem: ibidem).

4. Animação Sociocultural e Educativa e participação social


A Animação Sociocultural (ASC), transversal aos projetos e propostas da ADCE
para crianças e jovens, insere-se na modalidade educativa de educação não-formal, já que,

“Enquanto actividades que contam com objetivos explicitamente formulados - muitos


deles (...) de claro caracter educativo - e tentam desenvolver-se, metodicamente, mas
quase sempre fora dos curricula próprios do ensino regulado, a ASC pode considerar-se
dentro do sector não formal do universo educativo” (Trilla, 2004: 33).

Da mesma forma pauta-se pelas necessidade e interesses dos sujeitos e utiliza


metodologias participativas.
A ASC teve a sua origem na segunda metade do século XX, devido a uma série
de mutações sociais que Pierre Bernard (1985 in Canário, 1999: 75/6) refere como sendo
as principais: rápido crescimento económico, a massificação, fenómenos de natureza
demográfica, tendências de normalização social, aumento generalizado do tempo livre.
Assim sendo, está relacionado com os «trinta anos gloriosos» onde a urbanização e a
industrialização se acentuam “criando fenómenos de «anomia, inadaptação e desvio que
é necessário curar ou prevenir»” (Canário, 1999: 75). Ao mesmo tempo há fenómenos de
natureza demográfica em que o envelhecimento na população se acentua bem como a
criação de “novas categorias sociais (mulheres, jovens, reformados, imigrantes, minorias
étnicas” (idem: 76), levando às tendências de normalização social e ao aumento do tempo
livre “que poria às pessoas um conjunto de problemas relacionado com a sua «ocupação»”
(idem: ibidem). Tendo em conta as «categorias sociais» anteriormente referidas, a

41
animação sociocultural estende-se a vários públicos-alvo: animação infantil, a animação
juvenil, animação para adultos e animação para idosos.
Tal como a educação não formal é um conceito amplo e variado, também a ASC
comporta variadas definições. Trilla (2004: 26) define a animação sociocultural como o

“conjunto de ações realizadas por indivíduos, grupos ou instituições numa comunidade


(ou num sector da mesma) e dentro do âmbito de um território concreto, com o objetivo
principal de promover nos seus membros uma atitude de participação activa no processo
do seu próprio desenvolvimento quer social quer cultural”.

A mesma pode ser vista como uma estratégia de intervenção social e educativa,
de processos de mudança local, através da promoção de dinâmicas locais de
desenvolvimento, sendo respostas socioeducativas a necessidades sociais para as quais as
instituições educativas, como por exemplo a escola, não são capazes de responder:

“Historicamente, se assim podemos referir, a animação sociocultural está ligada à


comunicação, participação, integração, desenvolvimento e implicação dos indivíduos
para a melhoria das suas condições de vida e adaptação às diversas realidades da vida
social, bem como o contacto e desenvolvimento cultural e a ocupação dos tempos livres”
(Pereira, 2015: 51).

Portanto, a ASC desenvolve-se tendo em conta a participação, o desenvolvimento


e a ocupação dos tempos livres das pessoas, para o desenvolvimento da socialização entre
pares, criatividade, o exercício de participar, entre outras coisas.
As mutações sociais anteriormente referidas atribuem à ASC variadas funções:
função de adaptação e de integração, função recreativa, função educativa, função
ortopédica, função crítica. Relativamente à função de adaptação e de integração esta está
relacionada com a socialização dos indivíduos. Por sua vez, a função recreativa liga-se à
ocupação dos tempos livres, ao lazer, ou seja, “trata de organizar a sua ocupação,
encarregando-se dos divertimentos e atividades lúdicas dos indivíduos" (Canário, 1999:
76). Já a função educativa pode associar-se a uma educação não formal, onde a “a
animação sociocultural é entendida como uma «escola paralela» que permite
complementar as formações anteriores e, ao mesmo tempo, aprofundar interesses
culturais anteriores” (idem: ibidem). A função ortopédica tem como objetivo principal o
reequilíbrio da sociedade com uma regulação da vida social. Por fim, a função crítica para
a construção de um pensamento crítico que contribua para o exercício da democracia e
dos seus direitos.

42
A ASC e educativa tem, desta forma, um papel fundamental e importante na vida
das pessoas, e principalmente das crianças e jovens, pois permite o seu desenvolvimento,
uma maior participação no seu próprio desenvolvimento e a ocupação dos seus tempos
livres, com a socialização entre pares, o usufruto da criatividade, entre muitas outros
aspetos.
No CC da ADCE (cf. Apêndice IIg) “a área de animação sempre assumiu (...) uma
grande importância na medida em que ao oferecer uma variedade de propostas de
atividades os participantes ocupam produtivamente o seu tempo livre” (ADCE, 2019: 18).
Esta assume um papel de educação não-formal relacionada com a socialização, o lazer,
aprofundar os interesses individuais, e a construção de um pensamento crítico. Com
efeito, a ASC para as crianças realiza-se através da educação não-formal no lazer e
“ocorre essencialmente nos seus tempos livres com o objetivo de criar processos de
desenvolvimento pessoal e social” (idem, ibidem), no sentido de potenciar e possibilitar
“a evolução das aprendizagens, o despertar de interesses e motivações, o
desenvolvimento de competências, atitudes e comportamentos, a socialização” (idem,
2017: 20).
Assim sendo, “Nas vivências diárias da criança pretende-se, através da
componente lúdica, fazer com que a criança participe ativamente nas atividades
propostas, ampliando dessa forma a sua liberdade criativa e a sua integração nos
diferentes contextos” (Ribeiro da Silva, 2013: 35). Sendo seus princípios fundamentais a
criatividade, a componente lúdica, a atividade, a socialização e a liberdade e cumpre-se
CC da ADCE com a resposta da ludoteca, para crianças entre os 6 e os 10 anos.

43
Capítulo 3 - Dinâmicas socioeducativas da ADCE e processos e
experiências de formação vividas nos percursos de estágio:
questões ético-metodológicas

1. Conhecer o contexto e os atores para intervir de um modo situado –


posicionamento teórico e ético-metodológico
O momento do estágio constitui uma experiência de formação em contexto e em
tempo real, em que o/a estagiário é chamado a estar presente e a disponibilizar-se para
ser colocado à prova perante as circunstâncias inerentes à realização dos objetivos da
instituição e às relações dos/com os atores. Nesse sentido, a sua presença e participação,
enquanto alguém que até então era alheio à instituição, requer da sua parte uma
determinada postura ética e também metodológica quer para conhecer o terreno e as
relações, quer para intervir de um modo adequado. Ou seja, contextualizado nas lógicas
que orientam e a que se propõe a instituição, e situado, na medida, em que se parte e se
está no terreno como pessoa com o seu percurso socio-biográfico e como alguém que já
dispõe de ferramentas teórico-concetuais do campo das Ciências da Educação que
informam as leituras e interpretações que se possam vir a fazer da realidade
socioeducativa em causa, bem como a(s) opção(ões) justa(s) perante um leque de decisões
possíveis.
Neste pressuposto, no processo e percurso de estágio, assumo um posicionamento
que não separa teoria de metodologia nem de ética, nem teoria de prática, mas antes
procura potenciar essas interdependências. O mesmo é dizer que a investigação deve
acompanhar sempre a intervenção, ou seja, se uma intervenção pretende conduzir a um
novo estado da realidade, à sua melhoria ou mudança, a análise e compreensão do
contexto – a comunidade local de inserção, a instituição, os seus atores, as suas relações
e modos de funcionamento, as suas propostas de intervenção e o seu processamento, nas
suas continuidades e mudanças, nos seus impasses e contradições -, é dupla condição quer
para ganhar um conhecimento acerca da realidade, “por dentro”, e no “como” ela se
(re)constrói todos os dias, quer para a ação. Esse conhecimento enraizado,
contextualizado e com sentido permite assim informar e justificar, de modo sustentado,
tomadas de posição e de decisão nas intervenções que fazemos e que estamos a propor.
Investigar para conhecer não é separável da intervenção, está ao proveito da intervenção.
Do mesmo modo, é também enquanto se intervém com outros que um outro

44
conhecimento da realidade se obtém, a realidade como as pessoas que estão no local todos
os dias o vêm, vivenciam e sentem.
Nesse sentido, ao mesmo tempo que ia ao local e participava em atividades do
dia-a-dia da instituição recorri a vários métodos para investigar e intervir. Nas opções
realizadas assumi um posicionamento concordante com os pressupostos que se
enquadram no paradigma de investigação qualitativo, que visa a compreensão dos
mundos concetuais e subjetivos dos atores privilegiando o seu ponto de vista, naquilo que
dizem, fazem e sentem os participantes - o propósito central é “«reconstruir» a realidade,
tal como é observada pelos atores de um sistema social” (Sampieri, 2002: 5), visando a
compreensão do observado, de forma situada e holística. Por isso, as metodologias
qualitativas colocam a ênfase na realidade através de “processos e significações que não
são examináveis experimentalmente nem mensuráveis, em termos de quantidade,
crescimento, intensidade ou frequência» (Denzin e Lincoln, 2003 in Amado, 2017: 42).
Consequentemente subscrevo as premissas do paradigma de intervenção que
defende o posicionamento de trabalhar com as pessoas, tendo em conta os seus interesses
e necessidades, orientados para a transformação dos sujeitos e contextos, visando assim
a capacitação, emancipação e autonomia dos sujeitos face à situação. Assumo as pessoas
como sujeitos das suas próprias ações, com voz, com capacidades de refletir e sentido de
responsabilização. Trata-se de um trabalho de relação com as pessoas, e não para as
pessoas. Principalmente com grupos desfavorecidos e discriminados esta relação ganha
ainda mais relevo pois é “encarada como fortalecimento do poder pessoal e cívico dos
socialmente em desvantagem” (Mary Richmond, 1922, cit in Fernandes, 2004: 143). Esta
é uma dimensão essencial para a construção dos projetos de vida das pessoas e
populações, pois permite que os mesmos observem e reflitam sobre a realidade à sua volta
e sobre si mesmas, sobre o que pode e deve ser melhorado e alterado e em que medida
podem contribuir para tais processos, pressuposto este que procurei ter em conta nos
diferentes momentos no meu percurso de estágio.
Tendo isto em conta, a minha postura e atitude no terreno procurou pautar-se, de
acordo com as recomendações éticas da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação,
e nomeadamente, tendo em conta a sua Carta Ética (2014). Segundo a mesma, como
investigadores e interventores, os profissionais sociais, e neste caso eu como estagiária,
lidam com a realidade social e, consequentemente, com os indivíduos, estando o seu
percurso constantemente a ser ‘intercetado’ por problemas e dilemas éticos.
Considerando estes profissionais, que atuam na intervenção social, enquanto profissionais
45
de e em relação é importante compreender que estes devem estar comprometidos com
uma atitude ética ligada a necessidade de “aprender a ser” eticamente comprometido.
Alicerçando-se em direitos, deveres e responsabilidades a intervenção social é,
primeiramente, realizada tendo por base a relação de respeito mútuo entre o profissional
e os participantes:

“A relação com os participantes da investigação, todas as pessoas que, de forma direta ou


indireta, estão envolvidas no processo de investigação, deverá ser pautada pelo princípio
fundamental de respeito por cada Pessoa, enquanto ser humano único, inserido em
comunidades e em grupos sociais com os quais estabelece relações de interdependência.”
(SPCE, 2014:7).

Importa ter em atenção que as intervenções/ investigações realizadas ‘acontecem’


em contextos complexos e muitas vezes vulneráveis, como é o caso da
investigação/intervenção na ADCE, cabendo ao profissional pensar em cada parte do
processo, de forma a evitar qualquer situação que possa constituir uma ameaça ao bem-
estar da população em causa.

“A investigação em Ciências da Educação tende a desenvolver-se em contextos humanos,


organizacionais e sociais muito complexos, requerendo por parte dos investigadores uma
ponderação especialmente exigente sobre os possíveis impactos da investigação,
pessoais, institucionais e sociocomunitários” (idem: ibidem).

O investigador/interventor deve ter uma sensibilidade ética, que “consiste na


consciência (…) do modo como os seus actos afetam as outras pessoas” (Avila de Lima
& Pacheco, 2006: 152). Devem, assim, ser “criteriosamente respeitados os valores e os
interesses das comunidades que participam numa investigação [ou intervenção], ao
mesmo tempo que se protegem dos eventuais danos que o próprio processo de pesquisa
lhe possa causar” (Amado, 2017:410).
Deve ainda ser levado em consideração, neste processo, o pressuposto da
singularidade, onde cada intervenção é pensada para um caso particular, uma vez que, “a
singularidade das situações individuais, sociofamiliares e comunitária e a
multiculturalidade devem ser cuidadosamente analisadas e compreendidas, condição
necessária para uma intervenção adequada e contextualizada” (Fernandes, 2004: 143),
reforçando o facto da importância de se trabalhar com as pessoas e não para elas, e não
ver a intervenção como tendo uma receita única e universal de pensar e fazer.
A relação de confiança é, também, construída com base na valorização e
reconhecimento do direito à privacidade, descrição e anonimato. “Os participantes da
46
investigação têm direito à privacidade, à discrição e anonimato. Como tal, os
investigadores deverão assegurar que os dados fornecidos pelos participantes sejam
totalmente anónimos e confidenciais, a não ser que os próprios participantes,” (SPCE,
2014: 8) Neste sentido é necessário garantir que os dados que nos são fornecidos sejam
mantidos em confidencialidade de forma a salvaguardar e proteger os sujeitos. “São
obrigações éticas essenciais do investigador proteger a privacidade dos investigados,
assegurar a confidencialidade da informação que fornecem e, quando possível ou
desejável, assegurar o anonimato das suas respostas” (Avila de Lima & Pacheco, 2006:
145).
Esta relação de confiança, deve existir não só entre o profissional e os «utentes»
da instituição, mas também entre os próprios profissionais, e entre os profissionais e o
estagiário, vendo esta relação, e principalmente, este trabalho como um trabalho de
equipa, encarando-o como enriquecedor, na medida em que as experiências, saberes e
opiniões dos outros, possibilita o confronto e reflexão crítica, bem como a ampliação de
conhecimentos. Assim, deve manter uma postura que seja critica, participativa e coerente,
com respeito pela instituição e por todos a que elas pertencem. Para facilitar esse processo
de ‘combater’ a persistente formalidade e hierarquia, e facilitar as relações informais e de
confiança dentro das instituições, a cultura de parceria entre colegas é essencial.
É no respeito por estes princípios e valores – do respeito mútuo, singularidade,
privacidade, descrição e anonimato, bem como a confiança - que, de seguida se dá conta
dos processos e experiências vividos ao longo dos percursos de estágio, enquanto
procurava conhecer participando nas dinâmicas socioeducativas da ADCE.

2. Dinâmicas socioeducativas da ADCE e processos e experiências vividos no


estágio: análise reflexiva
O estágio realizado iniciou-se em finais de Agosto de 2020, mais propriamente no
dia 31 de Agosto, e terminou em Maio de 2021. No decurso deste percurso, a pandemia
de COVID-19 introduziu mudanças no percurso, gerando dois grandes tempos e,
consequentemente diferentes e diversas experiências de formação: um primeiro
momento, de Setembro a Novembro, em que estive presente presencialmente na
instituição conhecendo o contexto e os atores de forma situada, participando e
colaborando dentro do possível no dia-a-dia da instituição; um segundo momento, de
Janeiro a Maio, em que prossegui a minha participação e intervenção à distância,

47
respondendo a um pedido da ADCE para conceber e desenhar a proposta de uma ação de
formação/sensibilização para pais.
Ao longo do primeiro grande momento, central do meu estágio, pude participar
em algumas atividades do dia-a-dia da instituição, sendo elas: nas reuniões semanais do
Projeto Promover o Sucesso, acompanhar a orientadora local no Espaço de Mediação a
um dos Centros Escolares apoiados pelo projeto, colaborar com as monitoras no cantinho
de estudo e na ludoteca, apoio às atividades das crianças na ludoteca e cantinho de estudo,
bem como cooperar na realização dos flyers para pais no Projeto Promover o Sucesso.
Além disso, desenhei ainda uma ação com os jovens do clube de jovens e cantinho de
estudo. A participação e colaboração nestas atividades, juntamente com as técnicas de
recolha de dados permitiram-me conhecer de forma mais profunda o contexto. Nessa
minha presença e participação fui estabelecendo relações com todos os atores da ADCE,
particularmente as técnicas e as crianças e jovens que frequentavam o CC, ao mesmo
tempo que recolhi informações pertinentes, através de vários recursos metodológicos para
recolha e de análise de dados. Foi o conhecimento e experiências adquiridos naquele
momento que, a par da análise dos dados, serviram de «base» para elaborar a proposta de
Formação/sensibilização a pais que foi apresentada no segundo grande momento.

2.1. Investigar para conhecer o contexto e os atores de forma situada: entre


processos e experiências vividos e opções metodológicas e éticas – 1º momento

2.1.1. Entrada no terreno, definição de um projeto para integrar e primeiro desaire


O meu percurso de estágio iniciou-se com a Reunião de Formalização do Estágio
Curricular com a técnica da ADCE que viria a ser a minha orientadora local e a Diretora
Geral da ADCE, no dia 24 de julho de 2020. Nesta reunião de formalização foram
referidos como possíveis projetos para a minha inserção e intervenção o Centro
Comunitário Espinho Mar / Espinho Terra, Ludoteca, Protocolo de Rendimento Social
de Inserção (RSI), Projeto Promover o Sucesso - Escola Para Todos, mas ficou acordado
que nos primeiros dias iria contatar com todos eles para depois decidir qual integrar.
Porém, desde a aceitação do pedido de estágio, tinha a ideia de integrar o Projeto
Promover o Sucesso - Escola para Todos, já que os temas do sucesso escolar e da relação
escola-família e família-escola eram do meu interesse.
Formal e literalmente, a minha entrada no terreno, com o primeiro dia de ida à
ADCE começou no dia 31 de agosto de 2020. Fui conhecer os espaços e as pessoas, e fui
sendo informada acerca do funcionamento de todos os projetos/departamentos da

48
instituição (cf. Apêndice Ib e Ic). À medida que era apresentada às/aos técnicas/os pela
orientadora local todas/os me deixavam à vontade para tudo o que eu precisasse, sentindo-
me bem acolhida. Apesar de ter andado pela instituição, foi-me também disponibilizada
uma secretária para trabalhar com o meu computador, e o acesso a um computador onde
estavam os documentos da instituição, até a colega que normalmente trabalha nesse
computador vir das suas férias.
Esta entrada que realizei, ainda no final de agosto, contribuiu para o meu maior
conhecimento da ADCE: permitiu-me observar um bocadinho daquilo que é o «campo
de férias» da ludoteca e clube de jovens e a organização dos espaços; bem como o
“arranque” do trabalho depois de um período de férias e, também, a leitura tranquila e
com tempo dos documentos da ADCE disponibilizados, que me permitiram conhecer de
todos os projetos da instituição.
Após este primeiro reconhecimento do local e dos domínios da intervenção da
ADCE e seus projetos (cf. Apêndices Ib e Ic), conversei então com a orientadora local
referindo que estava mais inclinada, na mesma direção, para o Projeto Promover o
Sucesso - Escola Para Todos, onde ela mesma intervém. Passei assim a integrar a equipa
do projeto, constituída por 1 Técnica Superior, 2 Psicólogas e 1 coordenadora de projeto
(cf. Apêndice Ic), e acompanhar as atividades que foram possíveis.

2.1.2. O Projeto Promover o Sucesso - Escola Para Todos


• Participação nas reuniões semanais
Todas as semanas, às segundas-feiras, a ADCE realizava as reuniões de equipa
dos Projetos e Respostas Sociais. Sempre que me foi possível e proposto estive presente
nessas reuniões da Equipa do Projeto Promover o Sucesso (cf. Apêndice VIIIa) que
tinham como objetivo colocar toda a equipa do projeto, nomeadamente a coordenadora,
a par do ponto de situação, reajustar a intervenção e planear ações e atividades. Estas
reuniões funcionavam como monitorização da intervenção coletiva e, ao mesmo tempo,
informativa para todos os membros da equipa estarem ao corrente e participarem com
soluções, particularmente bem-vindas face aos condicionalismos e bastantes dificuldades
de implementação das atividades do projeto devido à pandemia.
Assim sendo, estas reuniões, para mim enquanto estagiária, foram deveras cruciais
pois não apenas me disponibilizaram mais conhecimentos sobre como planear, gerir e
monitorizar um projeto de intervenção, nos seus condicionalismos e dificuldades de
intervenção, e sobre as atividades do projeto, como foram momentos importantes para

49
facilitar a minha entrada no terreno e, enquanto observadora e observadora participante,
recolher documentos e outras informações essenciais à caraterização da ADCE e seus
projetos de intervenção.

• Acompanhar a orientadora local no Espaço da Mediação


Uma das atividades do Projeto Promover o Sucesso - Escola para Todos, é o
Espaço de Mediação relativamente a situações que interferem com o sucesso, que consiste
no acompanhamento de alunos com indicadores que alertam para um possível insucesso
ou absentismo escolar e abrange Centro Escolares. Porém, devido à pandemia, apenas um
Centro Escolar permitiu a minha presença. Desta forma, às 5ªs feiras (cf. Apêndice VIIIb)
acompanhei a orientadora local a esse Espaço, para conversar com os docentes e fazer o
levantamento das problemáticas sentidas (cf. Apêndice VIIIc e Apêndice VIIId).
Nas idas à escola, tal como na mediação com a família, assumi mais uma postura
de observadora por considerar que, sendo ainda novata na ADCE, a relação de confiança
já estabelecida entre as partes e o mediador devia ser mantida, o mesmo acontecendo na
mediação com os pais e familiares que ocorreu, na sua maioria, através de chamadas
telefónicas. Em qualquer dos casos essa observação permitiu-me perceber e identificar os
problemas que os/as professores/as sentiam em relação aos/às seus/suas alunos/as, e que
eu aprendesse como decorre o processo gestão desses casos e a sua mediação. No caso
dos utentes da ADCE consciencializei também que a questão da linguagem e da própria
forma de abordagem do tema é bastante importante, porque basta haver um mal-entendido
para gerar-se um conflito, daí tentar-se que a mesma seja feita pelo técnico que melhor
conhece cada família.
Da mesma forma, apenas um Centro Escolar em que o projeto estava a ser
realizado aceitou a minha entrada, só podendo, desta forma, acompanhar esta atividade
um dia por semana. Mesmo assim, e mesmo a observar a «conversa» semanal com os
professores, foi possível fazer o levantamento dos problemas sentidos (cf. apêndice VIIIc
e apêndice VIIId) pelos mesmos, sendo crucial para a minha reflexão.

• Proposta de realizar um inquérito, cooperação na realização dos flyers para pais e segundo desaire
Outra das atividades do Projeto Promover o Sucesso era a “Conversa Com Pais”,
devendo ser realizadas sessões sobre assuntos considerados pertinentes. Com o avançar
da pandemia essas sessões presenciais deixaram de existir, sendo entregue através dos

50
professores, ou enviados por email, um flyer por mês sobre o tema escolhido pelos
técnicos do projeto para esse mês.
No seguimento da premissa ético-metodológica da intervenção de que é a
necessidade das pessoas que a deve orientar, propus às técnicas do projeto a realização de
um inquérito para identificar as temáticas que os pais achavam pertinentes e que sentiam
mais dificuldades em relação aos/às seus/suas filhos/as (cf. Apêndice IIIb).
Enquanto decorria o preenchimento dos inquéritos, propus um flyer sobre o tema
“O que a escola espera de si enquanto EE” (cf. Apêndice IIId), já que uma das temáticas
que os professores apontavam no Espaço da Mediação era a da «falta de acompanhamento
parental». O flyer que elaborei e enviei foi aceite pela equipa do Projeto e remetido para
os pais. No mês seguinte, depois de levantados os temas colhidos nos inquéritos, comecei
a propor novos flyers, mas devido ao término dessa atividade por via da pandemia, nada
mais se avançou – este considero ter sido um segundo desaire. Mesmo assim, as
informações retiradas dos inquéritos (cf. Apêndice IIIc) foram reaproveitadas para a
planificação da proposta de Ação/sensibilização aos pais (cf. capítulo 5), no 2º momento.
As dificuldades de implementação do projeto, com a pouca atividade do mesmo,
devidas aos condicionalismos da pandemia obrigaram a contornar a situação e a alargar
o horizonte de possibilidades para avançar com o estágio. Passei, por isso, a integrar
também as propostas para crianças e jovens do Centro Comunitário Espinho Mar -
Espinho Terra: ludoteca, clube de jovens e cantinho de estudo (cf. Apêndice IIb, IIc e
IIe).

2.1.3. Centro Comunitário Espinho Mar - Espinho Terra: Ludoteca, Clube de Jovens
e Cantinho de Estudo
• Colaboração com as Monitoras e apoio às atividades das crianças
Outra das respostas da ADCE é o Cantinho de Estudo e a Ludoteca e Clube de
Jovens. Neste espaço tive a oportunidade de colaborar praticamente todos os dias em que
estive na instituição com as monitoras, principalmente no apoio à realização dos TPC das
crianças e jovens.
Houve ainda dois dias de manhã em que estive, de forma autónoma, encarregue
da dinamização destes espaços. Isto sucedeu-se porque já tinha começado o ano letivo, e
consequentemente as atividades escolares das crianças e jovens. Nestas alturas de
períodos escolares, estes espaços só estão, normalmente, abertos na parte da tarde. Assim

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sendo, por necessidade de abertura e por não ter monitores destacados para este período
do dia, fui eu a dinamizar o espaço.
Nesta dinamização procurei ter o cuidado de colocar as crianças à vontade e
respeitar as suas escolhas sobre as atividades que queriam realizar. No primeiro
dia/manhã só duas crianças foram à ludoteca, porque as restantes já tinham voltado à
escola, e andaram a brincar livremente. No segundo dia/manhã, as crianças traziam TPC
para realizar, e só estavam ali porque a sua professora faltou. Deixei à sua escolha se
queriam realizar TPC e depois brincar ou se queriam realizar uma parte de manhã e depois
brincar e realizar o resto na parte da tarde.

• Realização de uma ação com os jovens sobre a Importância da Escola e Métodos de Estudo.
Devido ao facto de me deparar com jovens e suas famílias com uma visão bastante
redutora da escola e sem grandes hábitos de estudar (cf. apêndice VIIb), e com forte
resistência à instituição escolar, propus à orientadora local e responsável pela Ludoteca e
Clube de Jovens, uma ação com os mesmos (jovens) para ajudar a (re)construir a
importância da escola e do estudo, e como podiam fazê-lo. Esta ação foi ao encontro dos
objetivos do Cantinho de Estudo, de incentivar o sucesso escolar e educativo e ensinar a
estudar.
Para não tornar a ação maçadora dividi-a em três dias diferentes (cf. Apêndice
IV), mas só consegui realizar a primeira sessão devido à suspensão do estágio presencial
por razão da pandemia. Na primeira ação, para reconstruir a importância da escola,
apresentei dados que ligavam a escola ao mundo de trabalho e propus a realização de um
role playing sobre assunto, apresentando vários perfis e perguntando se seriam eles os
empregadores quem escolheriam:

“A sessão decorreu à volta do tema da importância da escola, (…), pretendia que eles, ao
longo da sessão, fossem falando, participando, refletindo sobre o que lhes perguntava ou
propunha como atividade. Mas eles não cooperaram muito na reflexão e na participação,
sendo frequente a resposta «não sei». A X (monitora), como já os conhece há mais tempo
que eu, tentou ajudar-me e puxar pela reflexão deles, mas mesmo assim não obtivemos
muita cooperação por parte de alguns” (NT 12/11/20)

No final da sessão, pedi que na sessão seguinte trouxessem alguns dados sobre a
sua família para debatermos, mas entrámos em confinamento e o estágio presencial foi
suspenso – este um terceiro desaire.

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Considero estas sessões um modo de melhorar a comunicação, a partilha e o
debate de opiniões, de explicitarem o seu pensamento, essenciais para si e para uma futura
entrada no mercado de trabalho. O maior problema ocorreu na sessão realizada por mim
para os jovens, foi a sua falta de participação. Provavelmente os jovens não estão
habituados a este tipo de sessões – não houve mais nenhuma no tempo em que estive
presente. Além disso, considero que poderia ter feito logo no início da sessão alguma
atividade de quebra-gelo mais apelativa e divertida.

2.1.4. Entre a participação nas atividades e o uso das opções metodológicas e éticas
Aquando da entrada na ADCE foi imperativo refletir sobre quais os melhores
métodos e técnicas para conhecer e compreender a instituição e os projetos em que estive
inserida, as necessidades sentidas pelos participantes, fossem técnicos da instituição ou
«utentes» dos projetos que são dinamizados. A escolha, em coerência com o
posicionamento assumido (cf. pt 1.), privilegiou uma “coleta” de dados mista, com
técnicas qualitativas e quantitativas que, devido aos condicionalismos causados pela
pandemia, incluiu: i) levantamento, pesquisa e análise documental; ii) observação
participante; iii) entrevistas semi-diretivas, iv) inquéritos e v) análise de conteúdo dos
dados recolhidos.

• Levantamento, pesquisa e análise documental


O levantamento, pesquisa e análise documental foi uma técnica recorrente ao
longo do estágio. Documentos legais, estatísticos e da ADCE foram, inicialmente,
essenciais para conseguir apreender a complexidade do contexto, a caracterizar a
comunidade envolvente e a instituição, permitindo-me chegar já com algumas
informações. Com efeito, este processo permitiu, também, recolher, outras informações,
pesquisas e teorias já existentes sobre as problemáticas e temas relativos ao âmbito do
estágio ou que foram surgindo, ora levantados pelas técnicas, ora para conseguir
fundamentar e analisar as observações realizadas, ora para perceber de forma mais
sustentada as «ofertas» que a ADCE faz aos seus utentes.
Este levantamento permitiu-me “não só questionar os dados, como também
avançar com explicações e interpretações dos mesmos” (Amado, 2017: 311), como se
veio a verificar ao longo da construção deste relatório.

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• Observação participante e diário de campo
A observação participante fez parte integrante da minha postura na ADCE, desde
o primeiro ao último dia que permaneci presencialmente. A observação participante é um
tipo de observação que permite ao investigador movimentar-se no contexto em que
escolheu realizar a sua investigação e “o seu principal objetivo é estudar e compreender
as crenças, expectativas, emoções, enfim, os modos de ser e de estar – a cultura – de um
grupo ou de uma comunidade” (Amado, 2017: 170). Neste caso, estudar e compreender
a instituição, o seu funcionamento e a comunidade «utente».
Esta observação visa alcançar os significados e sentidos que os sujeitos
observados atribuem às situações sociais que vivenciam, podendo, para isso, ser ‘alvo’ de
observação os espaços, os atores, os comportamentos, discursos, atividades, objetos, atos,
acontecimento, sentimentos, formas de socialização, entre muitos outros aspetos a que
estive especialmente atenta na instituição.
Normalmente, essas observações são registadas num diário de campo, em forma
de notas de terreno que inscrevem “as observações e outros aspetos, como as impressões
e sentimentos do investigador, as primeiras interpretações e hipóteses progressivas,
expressões e palavras recorrentes” (Amado, 2017: 162). Esta observação focalizada e
seletiva permitiu-me descrever o que fui presenciando na ADCE e avançar com algumas
analises. Porém, “embora o processo de observação seja necessariamente seletivo,
havendo (…) uma tendência natural do pesquisador para retirar do foco tudo o que
considera irrelevante” (idem: 154), é recomendado que inicialmente se observe tudo, uma
vez que o que para nós pode ser insignificante e irrelevante, para os atores pode ser um
ponto essencial. Desta forma, importa que o pesquisador observe os detalhes, “o
aparentemente insignificante, aquilo que se apresenta como óbvio e familiar” (idem:
ibidem). Tentei ter este aspeto em conta ao longo de todo este processo, apesar da
dificuldade do mesmo, desde as reuniões às conversas mais formais e informais, aos
momentos em que colaborava nas várias atividades com os vários atores. No fundo, “o
observador deve ‘participar’ na vida do ‘observado’, exigindo, por isso, uma longa
permanência no local” (Amado, 2017:155), havendo uma grande implicação por sua
parte, de forma a recolher informação, observando e escutando, de forma sistemática.
Também “o observado deve ‘participar’ como ‘informante’ na investigação que está a ser
feita” (idem: ibidem). No caso, os «observados» privilegiados foram as técnicas dos
projetos, os/as monitores/as, os/as professores/as, e as crianças e o funcionamento das
respostas sociais da ADCE. Porém, deve ser evitada

54
“tanto quanto possível, todo o tipo de intervenção que altere a situação ‘natural’
alvo de observação, adotando uma atitude de quem busca ver (observar o contexto
e descrever), escutar (registar os ‘pontos de vista’ de uns e outros’ (…)) e,
interpretar (à luz das próprias interpretações dos atores de acordo com os seus
próprios saberes e experiências (…), e ainda, sob a inspiração de muita bibliografia
consultada” (Amado, 2017: 159).

Para isso, é importante não impor a sua presença nos espaços para os quais não
foi chamado, pois pode levar a algum desconforto no ‘investigado’/‘observado’, levando
a alterações de comportamento. De facto, esta questão foi um cuidado ético que procurei
ter, principalmente no que diz respeito ao contacto com a equipa técnica da instituição,
só estando presente nas atividades e reuniões quando era convidada para tal ou
participando nas atividades para as quais fui solicitada ou onde houvesse abertura e
oportunidades para tal, com aconteceu na Mediação com a escola, crianças e as famílias.
Os constrangimentos decorrentes da epidemia Covid e o impedimento de estar
presente na ADCE interferiu nas observações participantes e, portanto, no conhecimento
dos utentes da instituição, uma vez que pouco ou nada consegui conviver diretamente
com os mesmos, a não ser com as crianças. – e isso foi uma limitação em todo o processo
de estágio. A mesma circunstância teve consequências em termos da postura mais
interventiva que se pretendia desenvolver com a continuação do estágio, trabalhando com
as pessoas, numa intervenção que se desejava co-construída.

• Entrevistas semi-diretivas às/os monitoras/es do Centro Comunitário


Ao buscar a compreensão dos sentidos que os atores dão às suas práticas “a
entrevista é um dos mais poderosos meios para se chegar ao entendimento dos seres
humanos e para a obtenção de informações nos mais diversos campos” (Amado, 2017:
209), permitindo o investigador extrair informações mais ricas e mais objetivas, de forma
mais direta. A entrevista é “uma conversa intencional orientada por objetivos precisos”
(idem; ibidem) e permite que o entrevistado nos apresente os seus valores, as suas
experiências, as suas referências, entre muitas outros aspetos. Estas entrevistas podem
apresentar três tipos de estruturas: entrevista estruturada ou diretiva, entrevista não
estruturada ou não diretiva e entrevista semiestruturada ou semi-diretiva.
A entrevista semiestruturada, a mais habitual e a que consiste na minha opção, “as
questões derivam de um plano prévio, um guião, onde se define e regista, numa ordem
lógica para o entrevistador, o essencial do que se pretende obter, embora, na interação se
venha a dar uma grande liberdade ao entrevistado” (idem: 210). Apesar de haver um

55
guião, não há rigidez em relação às questões, o que permite à pessoa entrevistada falar
sobre o que lhe foi questionado, o que considera mais relevante e na ordem que mais lhe
der jeito, uma vez que “as questões são prefigurações do que se pretende alcançar na
recolha de dados, ajudam o investigador a centrar-se no tema e permitem que avance de
uma forma sistemática” (idem: 216). Portanto, o guião (cf. Apêndice Va) não deve ser
rígido, como se fosse um questionário, “mas sim um referencial organizado de tal modo
que permita obter o máximo de informação com o mínimo de perguntas” (idem: ibidem).
Para isso, este deve estar organizado por blocos temáticos com objetivos e as questões
devem ser abertas, singulares, claras e neutras.
A opção pela entrevista semiestruturada foi importante pois permitiu perceber de
forma mais clara a opinião das/os Monitoras/es da ADCE, em relação ao funcionamento
da ludoteca e do Espaço do Conhecimento. Nos meses de Março e Abril, a pedido delas/es
foram realizadas 3 entrevistas por escrito, uma vez que, devido a questões familiares e
gestão de horários não tinham disponibilidade para marcar uma hora exata para a
realização da entrevista por vídeo chamada, forma como estavam planeadas as entrevistas
devido à pandemia.

• Inquéritos aos pais e EE dos Centro Escolares parceiros do PPS


Apesar dos inquéritos serem considerados, habitualmente, uma técnica
quantitativa de recolha de dados, optei por utilizá-la como meio para alcançar uma maior
visão sobre a opinião que os pais do Projeto Promover o Sucesso - Escola Para Todos
tinham dos assuntos em que encontravam mais dificuldades e que gostariam de ver
abordados. Em tempos de pandemia por Covid- 19 seria difícil, como se observou, eu
estar de forma presencial com elas/es, sendo essa a solução encontrada.
Na criação do inquérito tentei levar em conta que a maioria dos pais que iriam
responder, poderia não ter um nível de escolaridade muito elevado nem muito tempo para
responderem a este tipo de coisas. É essencial, neste aspeto, refletir que a relação na
investigação e intervenção, que deve ser assente na “capacidade de centrando-se [no]
valor de respeito, construir uma relação adaptada ao tipo de população com que se
trabalha” (Amado, 2017: 407). Ao ter em conta esse valor e preocupação ética, construi
um inquérito adaptado à comunidade inquirida, bastante simples e curto, com quatro
questões que já me permitiram colher as informações desejadas. (cf. Apêndice IIIb).
A realização dos inquéritos por questionário aos pais foi crucial para orientar a
intervenção e as necessidades da população, principalmente aquelas que são significativas

56
para si e que estão dispostas a abordar. Esta é uma das possibilidades para aprender a
escutar os interesses dos atores e para poder incluir as suas propostas na elaboração e
concretização de projetos e intervenções a partir deles e COM eles, e para, por isso,
procurar assegurar o seu interesse e envolvimento. Esta é uma outra forma de incluir a
participação parental nos processos que lhes dizem respeito, conhecendo-os para intervir
com sentido.

• Análise de conteúdo qualitativa e quantitativa


Após a recolha dos dados no terreno a análise de conteúdo qualitativa (cf.
Apêndices VI, VII e VIII) foi crucial para organizar toda a informação em mãos. A analise
quantitativa (cf. Apêndice IIIc) permitiu sistematizar os dados recolhidos através dos
inquéritos.
“O primeiro grande objetivo da análise de conteúdo é o de organizar os conteúdos
de um conjunto de mensagens num sistema de categorias que traduzem as ideias-chave
veiculadas pela documentação em análise” (Amado, 2017: 315), ou seja, através da
análise de conteúdo, o investigador organiza os dados por categorias e analisa-as
atribuindo significados relacionados com o referencial teórico da pesquisa. Assim, após
várias e sucessivas leituras “verticais, documento a documento, inicialmente ‘flutuantes’,
(…) mas cada vez mais seguras, minuciosas e decisivas” (idem: 313) passou-se à
classificação e categorização (cf. Apêndices VI, VII e VIII). A categorização é, segundo
Holsti, 1969 (cit. in Amado, 2017: 314), o processo pelo qual os dados brutos são
transformados e “agrafados” em unidades que permitem uma descrição exata das
características relevantes do conteúdo”. As características devem ser adaptadas aos
objetivos de investigação e análise que temos vindo a organizar no quadro teórico.

2.1.5. Relações construídas na ADCE


Ao entrar num processo de estágio, vamos sendo integrados nas várias relações
que acontecem na instituição, fazendo parte das equipas com os/as técnicos/as,
trabalhadores/as ou utentes da instituição, crianças, pais, famílias. Participei e
experienciei, desta forma, uma pluralidade de relações, cuja qualidade pode condicionar
de modo significativo a qualidade da estadia na instituição e o trabalho no contexto.
Os/às trabalhadores/as da ADCE, técnicos/as ou auxiliares, foram importantes
para a minha integração e bem-estar no contexto: sempre se prontificaram a ajudar-me no
que eu precisasse, apoiando-me. Esta integração e apoio foi exercida de uma forma mais

57
informal, quando me perguntavam se estava a gostar, se precisava de alguma coisa,… ou
por sua iniciativa «voluntária» quando se preocupavam em colocar-me a par das
novidades dos projetos/atividades, me convidavam para participar nas atividades de
formação que realizavam ou até mesmo quando me convidaram para participar no almoço
da instituição; ou mais formal quando me transmitiam as informações que necessitava, a
meu pedido. Da mesma forma, foi-me sempre disponibilizado por elas/eles o material que
necessitava, disponibilizaram-me uma mesa de trabalho, disponibilizaram-me a área de
copa da instituição para almoçar e até se disponibilizaram para me dar boleia no final do
dia sempre que eu precisasse. Tentaram sempre que eu não desanimasse e que tivesse
uma “estadia” agradável e de aprendizagem.
Importante para a relação de proximidade que se foi construindo foi o facto de
duas das técnicas dizerem «para deixar de lado o “Drª”», mostrando-me até que ponto,
naquele momento fazia parte da equipa e me viam como colega delas, podendo-as
começar a tratar apenas pelo nome, de uma forma mais informal.
No entanto, apesar de todos os/as trabalhadores/as da ADCE terem sido cruciais
para a minha boa integração, considero de forma mais especial o apoio dos/as
monitores/as da ludoteca por sempre me colocarem à vontade, valorizarem o meu papel,
fazerem-me sentir parte da equipa, solicitando-me opiniões, ideias, propostas e estando
sempre dispostos a ajudar-me nas minhas propostas.
Já no caso da relação com as crianças e jovens foi, até ao final do estágio, um
processo de construção e ganho de confiança. Inicialmente era olhada com estranheza e
desconfiança já que era uma pessoa nova ali e não sabiam o que estava ali a fazer e só
com o tempo e à medida que ia interagindo com eles/as, através da minha presença
assídua na Ludoteca e Espaço do Conhecimento, fui conseguindo que as crianças se
sentissem mais à vontade comigo, que me aceitassem e ganhassem mais confiança.
Aqui é importante refletir que não fui apresentada, pela minha orientadora local,
ou pelos monitores, às crianças e jovens, de uma forma geral. Fui sendo apresentada ou
apresentava-me consoante a minha interação direta com elas. Nesse processo de
aproximação sabia que, dependendo da personalidade de cada uma delas, algumas
crianças eram mais sociáveis e curiosas, e outras mais desconfiadas, por isso este processo
foi bastante desafiador: se houve crianças que me aceitaram com a maior das
naturalidades e houve alturas em que era convidada por elas para ir para a sua beira, houve
outras crianças que demonstraram mais resistência à minha presença, e não me aceitando
em determinadas ocasiões. O grau de ligação socioafetivo que foi construído entre mim
58
e algumas das crianças tornou-se visível quando, a partir de determinados momentos,
algumas vezes que não fui à ludoteca ou ao cantinho de estudo, algumas notavam e
perguntavam porque não tinha ido, quando iria, e expressavam que tinham sentido a
minha falta. Por sua vez, em relação aos jovens, este processo foi mais difícil e
constrangedor, com menor aceitação e abertura face à minha presença e propostas, que se
repercutiram numa pequena «intervenção» que tentei realizar com eles.
Relativamente às famílias, com quem contatei poucas vezes, o processo de
construção de uma relação pauta-se pela estranheza inicial: se tinham que deixar um
recado procuravam sempre os monitores e se não estavam esperavam - nunca me
transmitiam a mim. Porém, com o passar do tempo também fui conseguindo ganhar
alguma da sua confiança: passaram a deixar os recados comigo, a fazerem-me questões.
É provável que a relação que passei a ter com as suas crianças tenha favorecido esse
ganho de confiança.

2.2 Conceção e planificação de uma ação de informação com pais - segundo


Momento
A minha experiência de estágio está ainda fortemente marcada pelo pedido da
ADCE, para, com base num conjunto de critérios, conceber e planificar uma ação de
informação e sensibilização para pais, de forma autónoma, com a liberdade de criar e
planear as atividades como melhor entendesse.
Embora consciente da importância de envolver os membros significativos da
comunidade e das equipas de intervenção no desenho deste tipo de propostas, isso foi
impossível dados os condicionalismos da pandemia e a sobrecarga de trabalho que a
ADCE passava naquele momento. Desta forma, a proposta apresentada é apenas uma
ideia que deve ser analisada pelas equipas e adaptada às condições e características mais
específicas da comunidade.
A proposta apresentada sob a forma de um documento escrito, incluiu não apenas
o seu racional e bases empíricas com um diagnóstico exaustivo (conhecimento da
instituição, através da observação participante das suas práticas e dos seus atores, e
recolha de dados sobre os «utentes» da mesma…), mas igualmente a etapa da planificação
da intervenção (ações a serem realizadas, objetivos e finalidades associadas, recursos a
utilizar…. (cf. capítulo 5).
O processo e reflexão relacionado com a planificação do projeto, neste caso da
ação de informação e sensibilização para pais, é de extrema importância pois como

59
Capucha (2008: 7) refere: “o desenvolvimento de projetos exige o planeamento e a
avaliação, instrumentos indispensáveis para qualificar as atividades, para facilitar a
prossecução dos objetivos visados“. Isto vai ao encontro daquilo que Cortesão, Leite &
Pacheco (2002: 25) referem sobre o projeto, não ser só um plano de intenções, mas
também integrar tudo o que o envolve: as intenções, a conceção, a ação e os efeitos.

“pressupõe (…) a clarificação das intenções que o orientam e que o justificam (“projeto
visado”), a concepção do plano que o organiza (“projeto-plano”), a ação que o irá
concretizar (“projeto-processo”) e que permite produzir efeitos (“projeto-produto) que
melhorem a situação presente que esteva na sua origem” (Cortesão, Leite & Pacheco,
2002: 25).

O processo de planificação foi realizado com cuidado, dada a reflexão já havida


para a sua conceção, pelo que planear é refletir como acontecerá a mudança, ou seja,
“planear é, antes de mais, pensar a mudança de uma determinada maneira” (idem: 13). O
planeamento envolve várias etapas que devem ser cumpridas: levantamento da situação,
definição das finalidades e orientações para a mudança, objetivos da intervenção e os
mecanismos de gestão do processo e as ações e encadeamento no tempo. Começando com
o ponto da situação, ou análise e levantamento das necessidades, esta é “a primeira
condição de um bom projeto, ao permitir determinar com precisão os problemas a
resolver” (Capucha, 2008: 17) - o levantamento realizado foi inserido no enquadramento
da proposta, acerca da caracterização sociográfica e socioeducativa da população alvo da
ação da ADCE. Para isso utilizei como técnicas de pesquisa e recolha de dados a análise
documental de documentos da ADCE e de outros documentos considerados importantes
(exp. Diagnóstico Social do Concelho de Espinho e Bureau Internacional do Trabalho),
inquéritos a pais dos Centros Escolares abarcados por um projeto da instituição e,
também, a análise dos registos de observação e conversas com as crianças e técnicas da
instituição e dos professores do Centro Escolar, fazendo uma síntese dos temas
emergentes da análise. Esta análise permitiu-me, assim, saber o que os/as técnicos/as da
instituição, e que trabalham no concelho, pensam como sendo as maiores necessidades
desta população, mas também o que os próprios pais pensam como sendo as suas
necessidades. Conhecer a comunidade local e a instituição é um pré-requisito de qualquer
intervenção bem como o da auscultação das pessoas destinatárias das ações que é quem
melhor pode informar acerca dos seus problemas e necessidades. Por essa mesma razão
é que procurei encontrar modos de escutar os pais, mesmo indiretamente, através dos

60
inquéritos, para saber das dificuldades e problemas que sentiam além do conhecimento
prévio da instituição.
Da análise da situação encaminha-se para outra etapa desta planificação “a
definição das orientações ou finalidades do projeto” (Capucha,2008: 18). No caso do meu
estágio em específico nesta fase delineou-se as preocupações teóricas, metodológicas e
éticas, onde estavam incluídos o fio condutor do projeto (problemática das crianças como
cidadãs) e seus pressupostos, os principais pressupostos metodológicos e os objetivos
centrais ou os chamados objetivos gerais. Aqui é também de referir que o fio condutor do
projeto, ou seja, a problemática deve ter por base um quadro teórico, e, portanto, uma
identificação da base generativa, já que “a teoria é um poderoso guião da intervenção que
permite fazer opções intencionalmente orientadas no terreno” (Menezes, 2010: 52). Neste
caso, fez todo o sentido num quadro teórico baseado nos Direitos da Criança e na
Parentalidade.
Assim sendo, uma vez definidas as orientações gerais ou as finalidades de um
projeto, pude pensar num nome para lhe dar, que o identificasse “perante toda a
comunidade” (Capucha,2008: 19). Neste caso optei por dar o nome de “Por Todos nós –
ação de informação e sensibilização para pais”, já que os direitos das crianças devem ser
respeitados por todos nós e porque o respeito das crianças enquanto cidadãs reverte no
bem de todos nós. Da mesma forma, este nome porque esta ação reverte para o bem de
todos os pais presentes nas sessões.
Por fim,

“Uma vez definidas as orientações gerais (…) passemos a (…) uma terceira etapa do
planeamento, que consiste na operacionalização. Esta etapa desdobra-se na montagem do
sistema de gestão e no desenho dos objetivos operacionais e das correspondentes ações”
(Capucha,2008:31).

Neste caso, esta etapa operacionalizou-se através da descrição detalhada do


programa. Tenho também aqui de admitir que este desenho da descrição do programa,
com o pensar dos conteúdos programáticos, das dinâmicas pedagógicas e dos recursos a
utilizar, foi um processo de descoberta e desafiador, já que se pretendia evitar a imposição
de modelos culturais e sociais de parentalidade e de ser e estar. Além disso, com o desenho
desta ação tentou-se superar os fenómenos do tipo de «culpar a vítima», neste caso, culpar
os pais, tentando reconhecer com eles o que eles fazem bem. Foi também um cuidado que
procurei ter também na criação e desenho dos flyers que acompanharam a proposta como
recurso a utilizar nas sessões.

61
De facto, uma preocupação ética que deve sempre acompanhar um Profissional
de Ciências da educação é que para além de respeitar a dignidade dos sujeitos, temos de
respeitar, também, a sua autonomia e autodeterminação, que “assenta no pressuposto de
que as pessoas são capazes de dirigir a sua vida de maneira autónoma e de tomar as suas
próprias decisões” (Amado, 2017:409). Ou seja, temos de entender que cada pessoa deve
ser respeitada enquanto ser humano que é único, com escolhas, opiniões próprias,
devendo ser este profissional um facilitador e provocador dessa autonomia e auto-estima.
Apesar desta experiência não foi possível proceder à etapa de implementação, o
projeto-processo, nem à produção de efeitos, o projeto-produto, nem mesmo à avaliação
da proposta de intervenção devido aos constrangimentos ligados à falta de tempo e à
situação pandêmica em que nos encontramos.

62
Capítulo 4 -Funcionamento das respostas da ADCE para
crianças e jovens: análise crítica

O primeiro momento de estágio na ADCE, presencial, permitiu-me, através das


atividades que presenciei e em que participei, bem como de entrevistas e inquéritos (cf.
Capítulo 3) dispor de dados para analisar criticamente e, com nisso, refletir e questionar
o funcionamento de algumas atividades e conceber a ação de informação e sensibilização
para pais.

1. A animação sociocultural e educativa na ADCE

1.1. Ludoteca e Clube de jovens na vida das/os crianças/jovens da comunidade


utente da ADCE
1.1.1. Opiniões das/os monitoras/es
A ludoteca é um espaço onde as crianças/jovens encontram uma variedade de
brinquedos e jogos à sua disposição e onde podem brincar com os seus pares. Deve ser
um ambiente estimulante e convidativo para que as crianças explorem e sejam criativas,
favorecendo o desenvolvimento das culturas infantis e lúdicas, através do brincar livre, e
favorecendo o seu desenvolvimento harmonioso e saudável (cf. Capítulo 2). Nesta linha
de pensamento os/as monitores/as referem-na como um “espaço para brincar livremente
e a seu bel prazer” (ENT1).
Como sabemos, o brincar livre fortalece todas as dimensões do desenvolvimento
e crescimento humano: “é através da brincadeira que as crianças crescem, descobrem o
mundo e, ao mesmo tempo, se revelam a si mesmas” (Silva & Sarmento, 2018: 42).
Apesar disto, nos dias de hoje, as crianças têm uma agenda superpreenchida e grande
parte do seu tempo ocupado com atividades escolares e outras escolhidas pela família
para elas praticarem, ou seja, atividades planeadas. Porém, ter tempo livre no seu dia-a-
dia para brincar livremente é um direito das crianças, reconhecido pela CDC (1989, artigo
31º). Assim, em relação ao brincar livre os/as monitores/as da ludoteca e clube de jovens,
salientam (cf. Apêndice V), sobretudo, a sua importância para o desenvolvimento
cognitivo, emocional, social e físico das crianças e jovens:

“é importante pois (...) promove o autoconhecimento” (ENT1)

“desenvolve o raciocínio, pois ao resolver um problema obriga-os a pensar e raciocinar


para encontrar uma solução (…) acima de tudo brincar também ensina-os a lidar com as
suas próprias frustrações (…) também desenvolve outras capacidades, ensina a negociar

63
por exemplo no jogo do monopólio, partilhar a casinha, jogar na sua vez (…) a interação
faz com que aprendam a ouvir, partilhar e respeitar as diferenças uns dos outros (...) ensina
a incorporar regras e limites” “(ENT2)

“estimula tanto a criatividade como a imaginação (...) a atenção” (ENT3).

As suas conceções acerca do brincar livre vão ao encontro dos objetivos que a ASC
procura promover na ludoteca, pressupondo que:

“a existência de uma ludoteca numa dada comunidade pode contribuir para a valorização
do brincar, da aprendizagem de saberes não formais, redução das desigualdades sociais
no acesso e usufruto de espaços abertos para contactarem, experimentarem, explorarem
e realizarem diferentes atividades lúdicas” (Jesus, 2017:10).

Neste sentido, os/as monitores/as da ludoteca consideram que ali “as crianças têm
a oportunidade de (...) enriquecer as interações sociais” (ENT1), ao mesmo tempo que
“aprendem regras, aprendem a conviver e a brincar em conjunto” (ENT3), sentindo-se
confiantes e capazes por terem “a oportunidade de desenvolver iniciativa, autonomia”
(ENT1). Estes espaços são então contextos de educação não formal em que os direitos
fundamentais das crianças ao lazer, recreação e cultura (CDC, 1989: artº31) e à
participação procuram ser respondidos, numa perspetiva de combate às desigualdades
sociais: “A ludoteca, para as famílias e a comunidade, funciona em prol da luta contra a
pobreza e exclusão, da promoção da inclusão social e da prossecução de uma melhoria
afetiva da qualidade de vida das famílias” (ENT3).
No que diz respeito à importância deste espaço para as crianças e jovens os/as
monitores/as referem que as crianças lhes atribuem importância porque podem brincar,
gostam das atividades propostas, interagem com os seus pares, têm uma boa relação com
os/as monitores/as e sentem-se seguros. Ainda assim, têm consciência que “a maior parte
[das crianças] dá importância a este espaço, digo sim a maior parte porque na comunidade
onde estamos, desde pequenos, alguns tão habituados a ficar sozinhos e sem regras, ao
entrarem no nosso espaço sabem que as tem de cumprir e muitos não gostam.” (ENT3).
Isto é, apesar de espaços para/das crianças e em que a ludicidade é um valor, a ludoteca
e clube de jovens têm regras que são cumprir porque são espaços coletivos e de partilha.
Perante essa regulação, e como parte da aprendizagem social das crianças e jovens, elas
desafiam essas regras e testam os limites, “mas a maior parte dá a devida importância
porque sabem que nós estamos lá para eles e eles gostam de realizar atividades e sabem
que ao estarem no nosso espaço estão seguros e tem todo a nossa atenção, carinho e
compreensão” (ENT3).
64
Em relação às razões dos pais inscreverem os/as filhos/as nestes espaços, os/as
monitores/as referem a ocupação dos tempos livres, a segurança, o apoio ao estudo e TPC
e a alimentação das relações sociais:

“Eu acho que este espaço é importante tanto para as famílias como para a
comunidade, acho que os pais estão gratos por este espaço existir, eles inscrevem
os filhos para não só a ocupação dos seus tempos livres, mas para criar laços entre
outras crianças, realizar atividades, as férias e como trabalham o espaço dá-lhes a
segurança de que os seus filhos estão seguros e com pessoas em quem confiam.”
(ENT3).

Os pais, inscrevem os/as filhos/as na ludoteca e Espaço do Conhecimento ou Clube de


Jovens e o Espaço do Conhecimento, dependendo das idades, e, no tempo das pausas
escolares dispõem ainda do Campo de Férias, “Muitas das instituições que levam a cabo
as atividades estáveis de educação nos tempos livres organizam as atividades de férias,
dirigidas aos seus próprios grupos de crianças, como ponto final da atividade anual”
(Trilla, 2004: 213).
A ludoteca e o clube de jovens vão assim ao encontro do que são os Quatro Pilares
da Educação para o século XXI (Delors, 1996): aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a viver juntos e o aprender a ser. O aprender a conhecer está relacionado com o
adquirir de conhecimentos necessários às situações em que se envolvem no dia-a-dia.
Desta forma,

“O brincar permite o exercício contínuo do aprender a conhecer, pois, brincando, a


criança conhece o mundo nas múltiplas interações que estabelece com ele, uma vez que,
para desenvolver-se, é necessário que ela se envolva em atividades físicas e mentais.
Aprender, também, a relacionar as coisas e a ir além dos princípios gerais que as
envolvem. Constrói conhecimentos e adquire novas informações” (Carneiro & Dodge,
2007: 33).

O aprender a fazer relaciona-se com o poder agir nas situações e, para isso, é
importante saber comunicar, trabalhar em grupo, gerir e resolver conflitos e problemas.
Também é crucial aprenderem a viver juntos, participando e cooperando uns com os
outros. A inclusão de todos é um ponto fulcral para o desenvolvimento desse pilar e o
“brincar favorece, na criança, o desenvolvimento de comportamentos sociais mais
adequados, que envolvam a cooperação e a observância de regras necessárias para a boa
convivência grupal” (idem: 34). Por fim, englobando todos os aspetos anteriores está o
aprender a ser, trabalhando os valores e as questões da cidadania, contribuindo para o
desenvolvimento humano.

65
1.1.2. As atividades da ludoteca e Clube de jovens e o seu funcionamento
As atividades no espaço da ludoteca e clube de jovens “variam segundo as
seguintes oficinas: expressão plástica, expressão corporal, culinária, ciência viva,
reciclagem e faz-de-conta” (ADCE, 2019: 20), mostrando, no seu funcionamento, haver
atividades estruturadas e atividades livres (cf. Apêndice VIb). Nas atividades
estruturadas, ou seja, atividades preparadas e conduzidas pelas/os monitoras/os, estão as
relacionadas com as expressões plásticas (construção de suporte para tachos, construção
de blocos de notas, atividades do dia do animal, atividades do Outubro Rosa, construção
do Porta-Lápis, Concursos de Halloween, atividade do Outono, criação de uma estrela de
Natal); saídas ao exterior (Ida ao Zé da Banana ou ao McDonald's) e atividades
relacionadas com a culinária (confeção de pão de iogurte, confeção de salame de
chocolate…). Também existiram por algum tempo, assegurado por uma professora
exterior à ADCE, aulas de dança para os jovens, mas que, com o piorar da pandemia,
tiveram que ser canceladas. A maioria das atividades de expressão plástica realizaram-se
com materiais reciclados como rolhas de cortiça das garrafas, os rolos de papel… Já nas
atividades livres, aquelas em que “os utilizadores decidem com o quê, quando, como,
onde e com quem desejam brincar” (Domingos, 2011: 38), as crianças/jovens pintaram,
brincaram ao faz-de-conta na casinha, representando cenas domésticas, mas também de
um “restaurante” e “cabeleireiro”; jogaram jogos de regras – dominó, Monopólio, puzzles
-; jogaram futebol, Ping-pong, andaram de skate, e «praticam» com os computadores.
Estas atividades livres aconteciam quando já tinham feito os TPC e quando não existiam
nenhuma atividade planificada.
Observou-se várias vezes que o desinteresse por atividades lúdicas e educativas
se traduziu num elevado interesse pelos computadores e playstation existentes na
ludoteca:

“Um dos jovens que não tinha TPC pediu para ir para o computador; porém, os monitores
não autorizaram porque eles têm passado muito tempo nos computadores e que só
deixariam mais tarde. O rapaz ficou chateado e foi-se embora.” (NT 15/10/20)

“Mal cheguei à ludoteca os jovens queriam ir para os computadores. Perante isto, e


sabendo que todos os dias eles têm ido para os computadores e não aproveitam as outras
atividades da ludoteca, perguntei se não tinham outra coisa para fazer e dei a ideia de
jogarem jogos, lerem um livro. Perante a proposta de ler um livro, um respondeu: “livros,
só se for para queimar”.” (NT 21/10/20)

Este elevado interesse pelas TIC acontece principalmente com os jovens,


obrigando a refletir a organização do espaço e atividades face aos diversos interesses em

66
presença e a equacionar que os interesses dos jovens “em geral, são dificilmente
apreensíveis pelas instituições, sobretudo se as suas propostas foram excessivamente
formalistas e estruturadas” (Trilla, 2004: 221). Com efeito, os espaços e atividades
propostos na ludoteca (cf. apêndice IId e apêndice VIb) parecem mais adequados às
crianças, não tendo muitas opções para os jovens, a não ser a utilização dos objetos
tecnológicos ou algumas atividades físicas, pontualmente. Daí que centrem “as suas
atividades nos jogos eletrônicos, em detrimento de jogos que envolvem as relações
pessoais” (Ferreira, 2011: 26). De certo modo, esta discrepância entre o tipo de propostas
que são feitas pela ADCE e os interesses das crianças e jovens, acaba por corroborar
Castilho, quando refere (2021: 26) “observa-se, normalmente, uma maior orientação para
atividades estruturadas e pouco diversificadas e é preciso lembrar o brincar livre e
espontâneo”. Igualmente, foram privilegiadas atividades no espaço interior, e poucas em
espaço exterior, havendo uma preocupação em manter as crianças/jovens ocupados e não
tanto com espaço para decidirem parar, descontrair e relaxar das suas agendas
preenchidas.

1.1.3. Entre conceções e práticas: questionamento


Entre os objetivos da ADCE para a ludoteca e Clube de jovens, as opiniões dos/as
monitores/as e as observações realizadas, emergem questões relacionadas com o seu
funcionamento, que merecem ser refletidas.
Em relação às atividades estruturadas, presenciei que, muitas vezes, as
crianças/jovens, a respeito das atividades plásticas, se recusaram a fazê-las atividades ou
faziam com menos vontade:

“concurso de Halloween que consistia em fazer um monstro numa folha, da forma com
que eles quisessem, com o material que quisessem. Tinham que ser criativos, colocar um
nome ao monstro e inventar um superpoder. (…) reparei que muitos tinham desenhos
iguais, tinham estado a copiar as ideias uns dos outros.” (NT 26/10/20)

“semana do Halloween, com concursos de desenho de um monstro (…) O intuito era que
tanto num como noutro desenvolvessem a sua criatividade, porém os jovens foram copiar
ideias à internet.” (NT 28/10/20)

Este desinteresse pode apontar para i) crianças e jovens quererem brincar e


conviver livremente e não realizar tarefas; ii) as atividades propostas podem não ir ao
encontro dos seus gostos e preferências. Nesse sentido, importaria repensar as propostas
de atividades, a partir do envolvimento das crianças e jovens, pedindo as suas opiniões e

67
ideias. Questionados os jovens acerca do tipo de atividades que gostariam de fazer,
responderam:

“gostava das atividades relacionadas à culinária e de atividades plásticas, como a que


estava a realizar.” (NT 15/10/20)

“aproveitei para falar com os jovens sobre o que gostam de fazer e o que gostariam de ver
feito. A maioria falou que gosta de jogar computador, fazer desenhos e pintar.
Relativamente ao que gostavam que fosse feito, a maioria concordou com
concursos/campeonatos.” (NT 19/10/20)

“Depois o X voltou a falar, mas desta vez, sobre as atividades da ludoteca: “Antes havia
mais concursos e festas! (...) Acrescentou ainda que podia ser feito, por exemplo, um
teatro” (NT 28/10/20)

“aproveitei para ir falando com alguns jovens, para fazer o levantamento dos gostos das
mesmas, respondendo-me a atividades relacionadas com a dança, o exercício físico,
atividades plásticas, futebol.” (NT 12/11/20)

Ressaltam destas propostas de atividades caraterísticas que requerem maior dinâmica e


mais movimentação física, essenciais para que desenvolvam “competências e um
repertório de respostas, face a situações que criam ou com as quais se vão deparando e
vivendo” (Tomás & Fernandes, 2014: 15), mostrando como as crianças e jovens estão
carentes de espaços-tempos para outros usos do corpo que contrariem a quietude e
imobilidade.
Destas opiniões emerge, ainda, um outro aspeto que está relacionado com a
planificação destas atividades que na ADCE “é feita semanalmente e ajustada
diariamente consoante as necessidades e constrangimentos” (ADCE, 2017: 22). Essa
planificação está afixada e é visível para todos na forma de uma tabela, em que consta
uma atividade para cada dia e os respetivos recursos materiais e humanos. Atendendo às
finalidades e funções de uma ludoteca e à importância que aí deveriam assumir as
atividades livres, ou seja, à livre escolha das crianças acerca do tipo de brincadeira,
materiais, etc. (cf. capítulo 1 e 2), por que razão têm de existir atividades planeadas para
todos os dias e isso parece ser uma preocupação adulta?

“A X viu a planificação e disse que temos que ter algo à sexta-feira na mesma, mesmo
que não se concretize, porque uma vez que as crianças e jovens que não tenham trabalhos
de casa, têm que ficar ocupados.” (NT 8/10/20)

Porque não deixar as crianças e os jovens brincarem livremente com o que


quiserem, onde quiserem e com quem quiserem? Entre as conceções das/os monitoras/es
e as suas práticas parece haver um desfasamento e uma atitude contrária em que as

68
atividades livremente escolhidas pelas crianças parecem ser vistas como um tempo inútil
e desperdiçado, e de ociosidade que importa combater mantendo-as em atividade. Até
que ponto essa preocupação em mantê-las ocupadas com atividades previamente
programadas pelos adultos não é uma forma de as manterem sob vigilância e controlo?
Aliás, acresce que, muitas vezes, as atividades não são sequer realizadas, por falta de
tempo devido à realização dos TPC.

“Uma vez que durante o período letivo a realização dos trabalhos de casa ocupa grande
parte do tempo que as crianças e jovens passam nos espaços da ludoteca, as atividades
complementares são dinamizadas predominantemente nos períodos de férias e/ou pausas
escolares” (ADCE, 2019: 21/2).

Ou seja, a ludoteca é invadida pelas atividades escolares e a prioridade lhe é dada


subverte as funções para que foi criada. Somente os jovens que chegam mais cedo da
escola, por volta das 14h / 14:30h e têm mais tempo durante a tarde conseguem usufruir
destas atividades, que são programadas, em tempo letivo. As restantes crianças, que
começam a chegar por volta das 17h, e têm que começar por fazer os TPC, pouco ou
nenhum tempo lhes resta para aproveitarem a ludoteca para brincar:

“conversei com a monitora sobre a atividade planeada, mas ela disse que como só
estávamos as duas e iam começar a chegar as crianças para os trabalhos de casa, que iria
ser impossível realizá-la” (NT_12/10/20).

Em suma, as crianças não conseguem dispor de tempo para brincarem livremente


na ludoteca, nem mesmo para realizaram as atividades programadas para elas. A ludoteca,
apresenta-se, assim, em termos do seu funcionamento, como uma extensão do tempo
escolar, o que significa que as crianças passam a maioria das horas do dia ocupadas com
tarefas escolares: o ofício de aluno torna-se a forma “normal” de ser criança, incluindo na
ludoteca.
Em relação às regras sociais de convivência em grupo, estão em causa, por um
lado as relações entre pares, e, por outro, a questão da arrumação e cuidado com o espaço
e os brinquedos da ludoteca. No primeiro caso, identificaram-se relações pautadas pela
competição:

“Enquanto jogavam constatei que eles competiam entre si, dizendo coisas como ‘és
lento/a’, ‘vou ultrapassar-te’…” (NT 12/10/20)

“Eu questionei-o se ele gostava de concursos e ele disse: “Gosto porque gosto de ganhar!
“Odeio quando perco, mas pior é quando fico em 2º lugar”. (NT 28/10/20)

69
Outra situação são os conflitos existentes entre pares:
“Quando os meninos acabaram de utilizar os computadores, foram brincar para o exterior
e existiu um conflito entre os dois deles. Um andava com pedras na mão para atirar aos
outros. Só percebemos quando começamos a ouvir gritos dos miúdos” (NT 11/9/20).

“houve uma menina que veio fazer queixa que outra não a deixava brincar na casinha e
que a empurrou de lá.” (NT 22/10/20)

“ouvi uma menina a perguntar à outra o que se passava e ouvi um choro. Fui lá fora e
perguntei o que se passou e ela disse-me, a chorar, que os outros estavam a ralhar com
ela, enquanto estava a jogar futebol com eles. Os outros ouviram, vieram logo a correr, a
dizer que não fizeram nada, que só lhe disseram que ela tinha de passar a bola e ela não
passava e quando um rapaz ia passar, ela ia a correr tirar para ser ela a ficar com a bola”
(NT 28/10/20)

“dois irmãos começaram a discutir por causa do skate. O mais pequeno veio queixar-se
que o outro, mais velho, não o deixa andar, mas deixa os outros.” (NT 29/10/20)

A presença de problemas nas relações entre pares, como a competição, o não saber
perder, disputas e exclusões do brincar em grupo e em que se cruzam questões de género
e de idade, denotam relações e usos do poder que obstaculizam a partilha e o brincar em
grupo. Estas atitudes podem estar relacionadas com a quantidade de brinquedos
existentes, com os gostos das crianças, a idade e até uma forma de «exclusão» devido a
existir no espaço crianças com quem não se convive todos os dias, por ser de uma escola
diferente, por exemplo. No entanto, e apesar dos/as monitores/as até poderem considerar
que “os conflitos estão presentes em qualquer atividade humana, principalmente entre as
crianças quando brincam” (ENT3) acabam por colocar as causas em fatores alheios ao
funcionamento da ludoteca ou à sua própria ação, sendo elas, de tipo individual, a
personalidade da criança; devido às famílias, a imitação dos adultos, ou relações extra-
ludoteca: os problemas entre pares que começam na escola e se prolongam para a
ludoteca: “a maior parte das vezes infelizmente é devido a divisão social; por isso
tentamos trabalhar com as crianças para não haver exclusões e incutimos nos nosso jovens
e crianças que somos todos iguais e temos todos os mesmos direitos.” (ENT3). No
entanto, mais do que um trabalho atento e sistemático a estes problemas e envolvendo o
debate com as crianças/jovens, o que se assiste frequentemente é a intervenção pontual,
remediativa, e, sobretudo, quando eles se tornam suficientemente audíveis.
Outros problemas na socialização dos comportamentos e atitudes de respeito e
consideração aos outros é visível na partilha do espaço e materiais, que são coletivos e
devem ser cuidados para assegurar as mesmas condições para outros e todos brincarem:

70
“A ludoteca tem, também, como intenção promover a autonomia da criança quanto à
escolha do brinquedo, responsabilizando-a ao mesmo tempo, nos cuidados a ter com o
mesmo. Deve saber respeitar, estimar e arrumar o brinquedo para que outras crianças o
possam, também, utilizar nas suas brincadeiras” (Domingos, 2011: 43).

No entanto, situações de desarrumação pelas crianças, principalmente na casinha,


são resolvidas ou pela intervenção da monitora, arrumando, ou com retaliações,
impedindo as crianças de brincar:

“Na parte da manhã, cheguei a instituição e encontrei a XXX (monitora) a arrumar a


Ludoteca, a parte da casinha estava toda desarrumada” (NT 8/10/20)

“A X (monitora) quando chegou disse-me que nesse dia ninguém podia ir para a casinha
pois estava “fechada”, uma vez que eles deixaram tudo desarrumado no dia anterior.”
(NT 28/10/20)

As regras de convivência e de uso partilhado do espaço e materiais parecem não


estar bem claras, nem, por vezes, serem cumpridas, não se percebendo conversas ou
negociação de regras; algo que poderia ser co construído com as próprias crianças e
jovens de modo a incentivá-las a serem mais responsáveis face ao espaço comum que
partilham com os seus pares.
Seria importante a equipa pedagógica repensar modos de reorganização do seu
funcionamento envolvendo a participação das crianças e jovens na sua cogestão e mesmo
dinamização de algumas atividades. Tratar-se-ia de ir de encontro à ideia de que podemos
trabalhar com os jovens e crianças diferentemente; não para eles, mas com eles, vendo-
os como competentes. Tal poderia contribuir para um maior espírito de grupo,
cooperação, entreajuda na organização de atividades e resolução de problemas, crendo
que isso os faria estar mais implicados nas propostas na ludoteca/clube de jovens. Para
isso é necessário terem tempo, espaço para expressarem as suas vozes e adultos dispostos
a reconhecerem o seu valor e das suas ideias e opiniões. Aliás, o direito à participação é
um direito consagrado CDC (1989).

1.2. Espaço do Conhecimento


A ADCE viu-se na necessidade de criar uma outra resposta de educação-não
formal, de complementar das restantes, que viria a colmatar algumas necessidades que
estavam a ser sentidas: o Espaço do Conhecimento. A sua criação, segundo os/as
monitores/as deve-se ao facto de “como existe um forte analfabetismo entre algumas
famílias e, noutros os pais trabalham e não lhes era possível dar apoio nos trabalhos de

71
casa, assim foi criado este espaço para colmatar essa lacuna dando às crianças e famílias
o apoio necessário” (ENT3).
Com efeito, as famílias foram sofrendo alterações e, principalmente, com a
entrada da mulher, que era mãe e dona de casa, no mundo do mercado de trabalho, levou
a que fosse necessário encontrar modos de guarda infantil alternativos para os tempos
livres.
“As transformações sociais e da estrutura familiar experimentadas nos últimos anos (com
a inclusão da mulher no mercado de trabalho, por exemplo) geraram a necessidade de a
educação nos tempos livres assumir algumas tarefas que antes eram realizadas pela
própria instituição familiar” (Trilla, 2004: 211).

O apoio ao trabalho escolar ficou comprometido, passando a ser, na maioria das


vezes, instituições exteriores à família, como é o caso, a assegurar esse acompanhamento,
principalmente o apoio aos trabalhos de casa. Também alguns “encarregados de educação
carecem de informação e conhecimento de forma a poderem ampliar as suas capacidades
como educadores e exercerem funções educativas em casa” (Lopes, 2015: 7): muitos
dizem não conseguir acompanhar o ritmo de estudo dos seus filhos ou porque não têm
uma escolaridade elevada, ou porque há conteúdos que se ensinam, neste momento, de
uma forma diferente ou porque há mesmo conteúdos que os pais nunca aprenderam. Daí
que “os pais acham isto [o espaço do conhecimento] relativamente bom pois os próprios
têm dificuldades para os poderem ajudar” (ENT2). Como se expõe no Relatório de
Atividades da Instituição (2019: 19), “é de referir que este espaço funciona como um local
de apoio à realização dos trabalhos escolares e não como sala de explicações. As
monitoras não pretendem substituir o papel das professoras, mas sim servir como apoio
escolar”.
O que observei neste espaço foi o apoio aos TPC e trabalhos escolares, com a
disponibilização de monitores para ajudar as crianças e jovens na realização dos mesmos,
esclarecendo dúvidas por via da explicação bem como da sua correção. Além disso,
sempre é disponibilizado o material necessário para a realização dos TPC, seja material
de escrita ou material de apoio (como tabuadas, linhas cronológicas…). É de ressalvar
também que este espaço, na figura da sua coordenadora, está em constante contacto com
os agrupamentos escolares do concelho de maneira a ajudar, da melhor forma possível, a
colmatar as necessidades sentidas. No momento de pandemia, momento no qual
permaneci na instituição, esse apoio era individualizado, mas poder-se-ia repensar outras

72
formas de colaboração entre pares através de grupos de entreajuda e um maior ganho de
autonomia das crianças e jovens.
No período de confinamento que vivemos, em que as escolas pararam e
transformaram as aulas presenciais em aulas síncronas, este espaço apoiou esse processo,
disponibilizando o acesso a material informático, à internet, aos computadores e a ajuda
para assistir às aulas síncronas a cerca de 34 crianças e jovens, que sem este apoio ficariam
excluídas.
Tendo em conta os objetivos desta resposta (cf. apêndice IIe), bem como a sua
forma de funcionamento, não pode deixar de se considerar a sua elevada importância para
contribuir para uma maior igualdade de oportunidades às crianças e jovens da
comunidade, respeitando os direitos básicos à educação e sucesso educativo. Como um/a
dos/as monitores/as refere

“ele é importante e a sua existência é boa para as crianças, porque graças a este local elas
têm um apoio na realização dos trabalhos de casa (…) em casa não conseguem realizar
os trabalhos de casa, ou porque os pais não os conseguem ajudar, ou outras distrações”
(ENT3).

No entanto, há crianças e jovens que não apreciam a ida para este espaço, porque
“são obrigados a fazer os trabalhos de casa a mando dos pais” (ENT3). Este é um aspeto
a refletir quando se sabe que ao chegarem ali as crianças já estiveram várias horas na
escola, a maior parte do tempo em sala de aula, envolvidas em atividades escolares e
quando se sabe também que por via dos TPC que trazem acabam por não ter tempo para
fazerem outras atividades. Por muito importante que seja o apoio ao estudo não está a
escola a transferir, a extrapolar para outros contextos aquilo que é a sua principal função
e, de algum modo, até a responsabilizá-los pelo fazer cumprir esse ofício a tempo inteiro?
Que colaborações e que limites entre as funções da escola e dos professores a e a ADCE,
comprometida com a educação não formal e a ASC?

1.2.1. Os Trabalhos de Casa


Tendo estado a maior parte dos dias do estágio neste espaço, a questão dos TPC
impôs-se-me: visando a prática, a preparação, o alargamento e a integração de conteúdos
(Cooper 2001, cit in Lopes, 2015: 14) e consistindo em “tarefas extra-aula, em que os
professores curriculares decidem o que querem que a criança realize e o grande objetivo
destes é proporcionar oportunidades adicionais de aprendizagem, fora da escola” (Pires,
2012: 3), eles são valorizados pelos adultos como um componente essencial do percurso

73
de cada aluno e vistos como uma estratégia de ensino-aprendizagem que auxilia o
percurso para o sucesso escolar. Mas qual o objetivo ou importância dos TPC?
Os/as monitores/as da ADCE referem que os TPC são importantes

“para solidificar aprendizagens adquiridas na escola” (ENT1)

“ajuda as crianças a relembrarem a matéria dada (…) ajuda as crianças a (...) trabalhar
as dificuldades que possam existir”” (ENT2)

“os trabalhos de casa servem para consolidar conhecimento, treinando dessa forma o que
se aprende nas aulas” (ENT3).

Acentuam uma visão da aprendizagem assente na memória e no treino por


repetição, ou seja, um ensino-aprendizagem tradicional, em que os TPC reforçam
objetivos instrutivos, nomeadamente o objetivo da prática, ou seja, “quando o professor
pretende reforçar a matéria lecionada, ou que os alunos treinem competências adquiridas
na aula” (Lopes, 2015: 14). Estas tarefas podem assumir formas variadas.

“A maioria destas crianças tem como propostas de «trabalhos de casa», tarefas que
incluem cópias de textos, repetições de palavras (...), fichas com contas e problemas
diversos que se limitam a reproduzir os conteúdos dos livros ou o que, eventualmente, já
foi feito e explicado na aula” (Araújo, 2009: 63).

No caso das crianças e jovens que acompanhei de perto eram fichas e exercícios,
repetição de tabuadas e caligrafia, treino da leitura. Ou seja, na maioria das vezes, TPC
servem para treinar determinado conteúdo ou matéria.

1.2.2. Os trabalhos de casa na vida das crianças da ADCE - entre o excesso dos
trabalhos de casa e a importância do tempo livre
Dada a relevância atribuída aos TPC na ADCE é crucial refletir as suas
implicações na vida das crianças, já que, como um/a dos/as monitores/as refere “a
desvantagem é que ao fim de muitas horas de aulas a criança está saturada, cansada, vem
para casa com excesso de trabalho (...) a criança já não consegue manter a concentração”
(ENT3). Ora, se as crianças trazem bastantes TPC e se preenchem quase a totalidade do
tempo que deveriam estar na ludoteca a realizá-los, que tempo dispõem para as restantes
atividades, para brincar? Se as crianças chegam da escola e vão fazer os TPC, e quando
os acabam os pais chegam para os levar embora, qual é o estatuto da ludoteca face ao
espaço do Conhecimento? O que a observação mostrou foi que a sobrecarga de trabalho
escolar, mesmo fora da escola, acaba por trazer um cansaço e frustração enormes para as
crianças:
74
“encontramos outra mãe [e] a X aproveitou para referir que era importante não irem
buscar os filhos tão cedo à Ludoteca, principalmente à sexta-feira, uma vez que como eles
trazem muitos TPC não têm tempo para fazer tudo. Referiu ainda que o menino fez uma
birra na sexta-feira por não querer fazer os TPC e querer ir para os computadores” (NT
19/10/20)

“outra menina do 2ºAno fez ‘birra’ e não queria, a todo o custo, fazer os TPC” (NT
22/10/20)

“menino do 3ºAno tinha de inventar frases com umas palavras que tinha na folha. Ele
escreveu as frases e eu depois fui corrigir os erros. Como tinha alguns eu disse: “X, vou
escrever as palavras em que tens erros em cima, e depois tu apagas e escreves”. Ele
começou logo a chorar, chateado e amuado, pois via os outros amigos dele já a brincar lá
fora.” (NT 5/11/20)

As “birras”, ou seja, as formas de protesto, resistência e/ou recusas de algumas


crianças à realização dos TPC, tendem a ser vistas pelos adultos como expressões de má
educação e de afronta, parecendo esquecer que tal acontece porque aqueles ocupam a
maior parte, senão todo, o seu tempo livre, que deveria ser para brincar ou para ser usado
conforme quisessem: “O que ela quer é brincar e quando não consegue faz birra e recusa-
se a realizar as tarefas” (ENT3). Não é, pois, de admirar que, algumas crianças, mostrem
outras formas de resistência à realização TPC, mentindo em relação ao tê-los ou não:
“uma das crianças diz não ter TPC, mas ficamos a saber que tinha.” (NT 23/9/20). Desta
forma, “os TPC são uma fonte de cansaço para as crianças, pois estas ficam sem tempo
livre para brincar e realizar as atividades de lazer, desportivas, criativas e culturais” (Pires,
2012: 6). Neste sentido, o direito a poderem brincar é frequentemente usado como moeda
de troca e uma espécie de prémio a quem cumprir a tarefa, e rápido, pois quanto mais
cedo acabarem os TPC, cedo poderão brincar. A interiorização de tal regra foi visível em
algumas crianças, sobretudo meninas:

“Uma menina do 1º ano, com trabalhos de língua portuguesa que era para serem feitos
até ao final da semana, ou seja, aos poucos. Porém, a menina disse-me que queria fazer
tudo para depois poder brincar a vontade” (NT 12/10/20).

“as fichas que ela trazia para fazer era para se ir fazendo - tinha a semana inteira para
fazer. Mas ela quis fazer tudo. Fui insistindo para ela parar e ir brincar um bocadinho,
senão os pais vinham buscar e ela não tinha brincado, mas ela não quis” (NT 19/10/20).

Por outro lado, para os pais de alguns dos jovens e crianças, o entendimento da
ludoteca reduz-se ao Espaço do conhecimento e ao seu uso exclusivo para realizarem os
TPC: “outra criança teve que ir para casa e não conseguiu participar na atividade, porque,

75
como a X me referiu a ordem que ele tem é que quando acaba de fazer os TPC tem de ir
embora.” (NT 12/11/20).

1.2.3. O viver dos TPC e o estudo: entre a facilidade e a dificuldade


Para muitas crianças, os TPC são uma rotina feita com esforço, mas para outras
“o ritual é mais penoso porque têm dificuldades e, portanto, ficam a olhar para o caderno
na esperança de que o trabalho apareça feito” (Araújo, 2009: 60) e, por muito esforço que
invistam nos TPC e na escola não conseguem obter os mesmos resultados que os outros
pares. Como está amplamente estudado na sociologia da educação há, em relação ao
sucesso escolar, uma perspetiva sobre o handicap sociocultural relacionada com a
pertença social e capital cultural das crianças e jovens. Nesta é enunciado que crianças
que estão orientadas para significados universalistas, ou seja, da cultura chamada
dominante estão mais propensas ao sucesso escolar:

“Para as crianças que vivem num ambiente cultural em que se valoriza e percebe o sentido
da escola e do trabalho escolar, que estão habituadas a falar com os seus pais/
encarregados de educação sobre o assunto, que têm irmãos na escola e constroem uma
ideia positiva à volta da escola, este tipo de trabalhos torna-se normal” (Araújo, 2009:
70).

Pelo contrário, crianças orientadas para significados particulares, ligados à sua


própria cultura, o percurso já é mais difícil. Isto é, “para uma criança que vive num
ambiente cultural diferente daquele que é valorizado pela instituição escolar, o desafio
(assim como os obstáculos) é muito maior” (idem, ibidem). No caso da comunidade onde
a ADCE se encontra depara-se com famílias, crianças e jovens com uma visão bastante
redutora da escola, com baixos níveis de escolaridade, ligadas, na sua maioria, à atividade
piscatória e, também, uma grande comunidade de etnia cigana. Desta forma, são crianças
e jovens com perspetivas e valores diferenciados em relação à importância da educação
formal, enfrentando um processo desafiante, e árduo para ultrapassar e conquistar.
De igual forma, foi possível constatar que existe entre estas crianças e jovens
bastantes dificuldades de aprendizagem e, ainda, um número significativo que estão
identificadas como tendo NEE usufruindo de medidas da educação inclusiva:

“foi-me pedido para ajudar uma «aluna inclusiva», com bastantes dificuldades em fazer
as fichas e atividades sozinha” (NT 2/9/20)

“Realizei, como no dia anterior, o apoio ao estudo. Comecei por ajudar a «aluna
inclusiva» com a ficha destinada para hoje. Depois, notei que existia mais uma criança
com muitas dificuldades e fui, também, ajudar na realização da ficha” (NT 3/9/20)

76
Algumas das crianças usufruem de medidas de educação inclusiva e estão
abrangidas com adaptações curriculares não significativas, percursos curriculares
diferenciados, entre outras. Mesmo assim, há bastantes dificuldades de aprendizagem (cf.
Apêndice VIIc), na leitura, escrita e matemática, sendo necessário refletir o sentido dos
TPC para as crianças e o seu nível de dificuldade - alguns TPC são de um nível de
dificuldade avançado, até para os monitores, e se as crianças não os realizassem neste
espaço, possivelmente não teriam ajuda e não os fariam.
Com o acompanhamento das crianças e jovens consegui compreender que muitos
não têm hábitos de estudo que lhes permitam fazer os TPC, e estudar sem esforço - uso
adequado dos manuais na realização dos TPC, organização do material escolar,
nomeadamente, os cadernos diários:

“algumas crianças não sabem usar o manual, (…) na ficha que o menino estava a realizar
tinha texto em cima e perguntas em baixo, mas o texto dava as respostas de uma forma
seguida. Só que ele não percebeu isso” (NT 30/9/20)

“Perguntou-lhe ainda se ele costumava ler os livros dele, as informações que lá trazem
sobre a matéria e ele respondeu que não” (NT 26/10/20)

“(...) foram para os computadores ler um livro sobre o qual vão ter uma ficha de leitura.
Notei que não tiraram qualquer tipo de apontamentos e questionei-os se não seria bom
apontarem os aspetos mais importantes no caderno. E eles disseram que não era preciso”
(NT 4/11/20)

“Entretanto depois chegou uma criança, do 4º ano que tinha que passar os cadernos a
limpo, mandado pela professora, uma vez que ele andava com folhas soltas até agora”
(NT 4/11/20).

Tendo estes aspetos em conta, mais do que mandar TPC é importante ensinar às
crianças e jovens alguns métodos de estudo e como podem usar os materiais escolares
como forma de os ajudar. A ADCE poderia encarregar-se desse papel no Espaço do
Conhecimento, indo ao encontro de um dos seus objetivos principais que é «ensinar a
estudar».

1.2.4. Entre conceções e práticas: questionamento


Face a um cada vez maior nível de exigência em contexto escolar, nomeadamente
através dos TPC, é preciso ter consciência que muitas das crianças não têm pessoas
qualificadas por perto para os ajudarem, sejam eles pais, familiares ou monitores de
espaços de animação, como é o caso. Possivelmente, em contexto doméstico, pais e

77
familiares não terão, da mesma forma, capacidades interpretativas para auxiliarem no
estudo.
Já no que diz respeito aos monitores deste espaço, o Espaço do Conhecimento da
ADCE, estes têm o 12º ano e apenas um tem uma licenciatura, mas em Relações Públicas
e Publicidade. Têm capacidades interpretativas e conhecimentos, mas não competências
pedagógicas especializadas. Além disso, o que a maior parte dos pais, familiares e até os
monitores aprenderam, já não é ensinado da mesma forma e ao ensinarem as crianças e
jovens da forma como aprenderam, poderão estar a deixar os mesmos confusos.
A supervalorização da escola e do direito à educação formal, contrastam com o
direito ao brincar (educação não-formal e informal), uma vez que o dia-a-dia das crianças
e o seu tempo livre depois das aulas, tem sido constante e gradualmente «invadido» pelo
tempo e atividades escolares comprometendo o brincar, que tantos benefícios tem. “A
cultura escolar sobrepõe-se à cultura lúdica e é «imposta» na maior parte das actividades
que são propostas às crianças e jovens no seu tempo livre” (Araújo, 2009: 74). O seu
tempo livre “não tem sido considerado como um tempo de descanso ou como um tempo
em que eles possam escolher o que fazer” (idem: ibidem), mas sim um tempo que têm de
aproveitar para estudar para aumentar e melhorar o seu rendimento escolar. Porém, há
que ter em atenção que “este tipo de trabalho «excessivo» e «repetitivo» não só não as
ajuda a valorizar a escola e a criar um sentimento positivo em relação ao acto de aprender,
como, de algum modo, é sentido como um desrespeito dos adultos pelas suas brincadeiras
no tempo livre” (Araújo, 2009: 58). As crianças e jovens necessitam de brincar até porque
a brincar também se aprende e isso também pode contribuir para o seu sucesso escolar.
Tendo todos estes aspetos em conta, é necessário sensibilizar para a importância
do brincar e da socialização entre pares. Idealmente as crianças e jovens deveriam ir para
a ludoteca e cantinho de estudo para brincarem e conviveram. Porém, devido à
necessidade que estas crianças apresentam como carecendo de apoio, deveria existir pelo
menos uma hora estipulada, ou um dia por semana para poderem brincar livremente na
ludoteca e clube de jovens, sem terem a preocupação de realizar os trabalhos de casa.
Poderia ser, a título exemplo, à sexta-feira, uma vez que têm os restantes dias do fim-de-
semana para os realizar.

78
1.3. O direito à educação formal: Projeto Promover o Sucesso - Escola para Todos

O Projeto Promover o Sucesso - Escola para Todos é mais uma das respostas da
ADCE que procura «atender» a várias temáticas ligadas ao mundo escolar e ao sucesso
educativo: o sucesso educativo, a equidade, integração escolar, crianças em risco
socioeducativo, cooperação entre a escola e a família, competências parentais,
competências de elementos da comunidade escolar e tecnologias da informação. As
atividades propostas pela ADCE são (cf. capítulo 2 e apêndice IIIa): o espaço da
mediação, atividade “conhecer e aprender”, ações de informação e sensibilização,
encontros temáticos, “eu e os meus pais”, treino de competências, “conversas com pais”
9
.
Há várias teorias para explicar o insucesso / sucesso escolar (Benavente, 1990),
desde as capacidades dos alunos, ao seu handicap cultural dada a socialização
disponibilizada pela família, aos modos de funcionamento da escola. Assim sendo, os
objetivos do projeto e atividades vão ao encontro desta ideia de que há vários fatores que
potenciam o sucesso das crianças: o próprio aluno, a família, aqueles que constituem a
escola e a comunidade envolvente. Da mesma forma, há uma ligação direta entre os
objetivos do projeto e as atividades do mesmo (cf. apêndice IIIe).

1.3.1. Análise Crítica da atividade «Espaço da Mediação»


A atividade que mais ocorreu e de forma mais frequente e habitual foi o Espaço
de Mediação, acompanhando as visitas aos centros escolares ou por via telefónica e um
email para os pais utilizarem para exporem as suas dúvidas, a partir do mês de Novembro
(cf. capítulo 3 e apêndice VIIIb), prosseguindo o levantamento das problemáticas que
pudessem estar a interferir no processo educativo e levar, possivelmente, ao insucesso
escolar.
Esta mediação começou com uma ‘reunião’ informal com os professores, fazendo
o levantamento das problemáticas que os professores consideram necessárias
compreender e tentar resolver, que foram: saúde, higiene e alimentação; reduzido
acompanhamento parental; baixo rendimento escolar; absentismo escolar;

9
A atividade Treino de Competências só se iniciou no final de novembro e só num dos Centros escolares,
e as ações de informação/sensibilização foram a distância com a entrega de um folheto com dicas
importantes; atividade “Eu e os meus pais” ocorreu mediante uma proposta para os pais realizarem uma
atividade com os seus filhos; atividade “Conhecer e aprender” reforçou a sua ação no Cantinho de Estudo
da ADCE; os Encontros Temáticos para professores, consistiram no envio de um documento sobre “Ensinar
e aprender em tempo de COVID-19” e na realização de um workshop à distância sobre cenários e atividades
de aprendizagem ativa.
79
comportamento; dificuldades de aprendizagem… Depois desse levantamento é
encaminhada a situação de cada aluno para os serviços e ofertas que mais se considera
pertinentes, normalmente, para psicólogas, assistentes sociais da instituição, quando as
famílias já estão a ser seguidas pelas mesmas, ou mesmo a apresentação da situação
diretamente à família. Porém, neste processo há aqui dois aspetos a ter em conta: a
proposta é desenhada considerando o que os professores proferiram sobre a situação e os
pais, muito menos considerados, só são ouvidos quando já há uma proposta de
acompanhamento das crianças. Auxiliares educativos e as próprias crianças são
«excluídas» deste processo, já que não são chamadas a dar a sua opinião.

1.3.2. Problemas identificados pelos professores e técnicas do projeto relativamente às


crianças e aos pais e implicação no percurso educativo das crianças
Sendo o uso da informática muito necessário neste tempo de pandemia, tanto para
a justificação das faltas, contactos com os professores, marcação dos almoços e pedido
de transportes, etc., um primeiro problema são as dificuldades informáticas dos pais e
EE, além de muitos não terem material ou condições informáticas em casa

“estive a auxiliar os pais com os computadores nas reuniões de início de ano, a entrar no
zoom, ensinar como se liga e desliga o microfone” (NT_14/9/20)

“Na observação e apoio nestas três sessões sobre a plataforma SIGA notei que existe
desigualdade, uma vez que, a maioria dos pais não possui computador e, alguns deles,
também, internet em casa, para conseguirem marcar os almoços das crianças (…) muitos
dos pais não sabem nem têm a mínima noção de como mexer num computador, o que
dificulta o processo” (NT_1/10/20).

A intervenção da ADCE foi crucial para obviar a situação criada: na urgência de


tentar familiarizar os pais com a Plataforma SIGA abriu-lhes a utilização dos
computadores da ADCE para esse fim, ajudando-os nas operações necessárias, mas uma
sessão sobre os conhecimentos básicos de como mexer num computador poderia ter sido
realizada primeiramente e a equipa do projeto falou numa das reuniões semanais sobre a
importância de uma ação sobre a literacia digital para os pais
Outro problema é a falta de assiduidade das crianças à escola, principalmente
de crianças de etnia cigana, a maioria sem justificação:

“Outra questão a ser resolvida é a questão de uma criança que está a faltar e que a mãe
deu como justificação a necessidade de passar mais tempo com ele pois tem saudades
dele” (NT_14/10/20)
“outras sinalizações por parte das professoras, não especificando ainda nenhum caso, era
as faltas dos alunos de etnia cigana, nomeadamente sem justificação” (NT_15/10/20)

80
“A professora X voltou a referir as faltas não justificadas do aluno cigano (...), que faltou
duas semanas consecutivas pois estava em Lisboa” (NT_29/10/20)
“Falou ainda, que acha uma falta de respeito a atitude que alguns pais estão a ter, pois as
crianças estão a faltar à escola e não é-lhe dada nenhuma justificação” (NT_5/11/20)
“conversamos sobre uma família, de etnia cigana, que diz que não leva as filhas à escola
porque não tem dinheiro para o gasóleo" (NT_5/11/20).

A maioria das «queixas» por parte das professoras incidiam nas faltas dos seus
alunos sem justificação. Como definido legalmente “Para além do dever de frequência da
escolaridade obrigatória, os alunos são responsáveis pelo cumprimento dos deveres de
assiduidade e pontualidade” (Lei nº 51/2012, artigo 13), devendo os pais justificar
oportunamente as faltas dado que há justificações consideradas válidas - doença,
isolamento profilático, falecimento de familiar, etc., e havendo também um limite de
faltas injustificadas. Em relação a este aspeto foi feito um grande esforço por parte das
técnicas do projeto para ajudarem os pais a justificar as faltas quando eles precisassem,
ouvindo-os e ajudando-os a escrever o email da justificação. O mesmo em relação ao
problema do transporte para a escola por falta de dinheiro, tentando autorização da CME
para as crianças irem no autocarro escolar. Estas intervenções vão ao encontro da LBSE
na garantia de condições de acesso à escola “A gratuitidade no ensino básico abrange
propinas, taxas e emolumentos relacionados com a matrícula, frequência e certificação,
podendo ainda os alunos dispor gratuitamente do uso de livros e material escolar, bem
como de transporte, alimentação e alojamento, quando necessários” (Lei nº46/86, artigo
6º).
Outro problema, mencionado várias vezes foi as faltas de material, desde “alunos
que andam com fotocópias dos livros” (NT_8/10/20), “um dos pais só comprou o livro
de fichas de português, a professora acha que ele deve ter feito uma seleção e só comprou
o que achava importante” (NT_22/10/20); “ainda há um aluno que não tem livro de
fichas” (NT_5/11/20). Tais problemas expõem como em termos de orçamento económico
familiar, a escola traz implicações, diretas e indiretas, anexas, que por muito reduzidas
que sejam quando tomadas isoladamente, vão-se acumulando e pesando no orçamento
familiar” (Perrenoud, 2001: 72): se os livros do 1º ciclo são gratuitos, os livros de fichas
não são, o mesmo acontecendo com outro material escolar e/ou as deslocações, almoços
e lanches, vestuário.
Há ainda crianças que têm o material escolar desorganizado, principalmente os
cadernos, e as dificuldades de aprendizagem são também evidentes:

81
“uma das psicólogas do projeto, referiu que uma das professoras XX lhe pediu para fazer
uma avaliação a um menino da sua turma, pois está no 2ºano e não sabe praticamente
nada, coisas que já eram esperadas que ele soubesse” (NT_7/10/20)

“referiu as dificuldades de aprendizagem dos seus alunos, em que está a ‘aplicar’ o


Método das 28 palavras” (NT_5/11/20)

“X referiu as dificuldades de aprendizagem sentidas em alguns alunos e que alguns já


estão ao ‘abrigo’ de algumas medidas da educação inclusiva (medidas universais,
medidas seletivas e medidas adicionais) e que alguns vão ser propostos para usufruírem
disso também” (NT_5/11/20)

Aqui a educação inclusiva tem um papel bastante importante, operacionalizando


uma abordagem multinível, com a organização de medidas de suporte à aprendizagem
determinadas em função da resposta dos alunos, orientando para o sucesso de todos. Além
disso, as professoras consideram de extrema importância o papel da ludoteca e da ADCE
na evolução das aprendizagens das crianças: “Uma outra professora referiu que era
importante continuarmos a dar o reforço das aprendizagens na sala de apoio ao estudo na
ludoteca” (NT_15/10/20).
Por fim, o problema da falta de implicação dos pais e EE no percurso educativo
dos seus filhos:

“X, confidenciou que um dos maiores problemas que tem presenciado todos os anos é o
facto dos pais não se quererem implicar no percurso educativo dos seus filhos. Já foram
dinamizadas várias ações para os pais em várias alturas do dia, mesmo questionando-os
sobre o horário preferencial, e mesmo assim não comparecem” (NT_1/9/20)

“Dos pais chamados a vir assistir à reunião, houve dois que faltaram mesmo tendo sido
feita uma chamada para os relembrar” (NT_14/9/20)

“Foram contactados 7 pais, confirmados, porém só vieram apenas 2. (...) No caso do


outro pai, nota-se que veio ‘obrigado’ pela assistente social do seu processo de RSI”
(NT_29/9/20)

“notei alguma «má vontade», se assim posso dizer, pois a resposta quando se liga para
irem à sessão era a de que não precisava de aprender pois já tinha quem fizesse”
(NT_1/10/20)

“A mesma (X) foi referindo (...) há pais a demitirem-se das suas funções de encarregados
de educação, por exemplo, não apoiam as crianças nos trabalhos de casa” (NT_8/10/20)

1.3.3. Entre conceções e práticas: questionamentos e propostas


Apesar da crescente valorização pelo Estado Português e pelas escolas e
professores, a função da família na educação escolar dos seus filhos, ainda está longe de

82
ser uma realidade e vários são vários os motivos e obstáculos para a falta de participação
dos EE na escola: a cultura dos pais, o horário de trabalho, a falta de informação, o não
entenderem a linguagem ‘imposta’ pelos professores e o facto de que quando são
chamados à escola é para ouvir coisas negativas sobre as crianças e jovens. Acresce o
facto de “a maioria dos pais dos alunos desconhece toda a legislação escolar, mesmo
aquela que diretamente lhe diz respeito” (Bernardes, 2004: 125).
Neste sentido e em relação aos problemas identificados considero que no trabalho
de mediação seria extremamente importante alargar e incluir o levantamento das opiniões
aos auxiliares educativos, uma vez que estes passam bastante tempo com estas crianças,
nomeadamente no tempo do recreio e nas horas de almoço, aí ocorrendo outros aspetos
que merecem ser considerados neste processo, bem como às próprias crianças implicadas
não apenas porque têm o direito a serem ouvidas mas porque essa audição e mediação
com os pais, professores e técnicos e negociação conjunta de compromissos é também
um sinal do quanto todos se preocupam com ela e com o seu bem estar.
Ao mesmo tempo, face aos problemas reportados, propus às técnicas do Projeto e
concebi como um dos temas dos panfletos da atividade “Conversa Com Pais”, «O que a
escola Espera de Si como pai/ mãe ou encarregado de educação» (cf. Apêndice IIId),
baseado no Estatuto do Aluno e a Lei de Bases do Sistema Educativo, para dar a conhecer
aos pais informações sobre o que é esperado deles enquanto Encarregados de Educação.
Para compreender as necessidades dos pais criei, ainda, um inquérito para
encontrar outros dados importantes para melhor se conhecerem as famílias (cf. Capítulo
3 e apêndices IIIb e IIIc). Do total de 125 respostas dos pais das crianças entre o 1º e 4º
ano de escolaridade, 74 do Centro Escolar de Silvalde e 51 do Centro Escolar de Anta,
apura-se que a sua escolaridade se situa, dominante e genericamente, entre o 3º ciclo de
escolaridade (9º ano) e o Ensino secundário (12ºano), os seja, a maioria detém uma
escolaridade básica de 9 e 12 anos, sendo os pais do Centro Escolar de Anta aqueles que
possuem os níveis mais elevados, no Ensino Superior, 12º e 9º anos (cf. Apêndice IIIc,
gráfico 1). Estes níveis de escolaridade, não sendo elementares, poderão afetar a
participação dos pais na educação escolar dos seus filhos se esta for reportada à forma
das “interações dos pais na realização dos trabalhos escolares dos filhos” (Soares, Sousa
e Marinho, 2004: 254), e tiverem como fator de impedimento ou obstáculo o
“desconhecimento dos assuntos dos trabalhos escolares” (idem: ibidem). Porém, é
necessário ter em conta que nem todos os pais possuem os conhecimentos e as
competências para ajudar na realização dos trabalhos de casa. Além disso, não cabe aos
83
pais verificar se a realização dos mesmos foi bem-sucedida; porém, há vários
comportamentos facilitadores da aprendizagem das crianças que os pais podem
desempenhar, sendo necessário estarem sensibilizados para tal.
Com efeito, quando questionados acerca do que precisavam em termos de ajuda
com a educação dos filhos, os pais responderam o apoio ao estudo (65), indo ao encontro
do que estava a dizer anteriormente, seguindo-se as questões das regras e limites (37, mas
saliente no Centro Escolar de Anta) e, mais genericamente, o comportamento (34, mais
enfatizada no Centro Escolar de Silvalde) (cf. Apêndice IIIc, gráfico 2). Os pais sugeriram
ainda as questões da concentração, «como incentivar as tarefas domésticas», «lidar com
frustrações», «promover a auto-estima», «comportamento alimentar» e «cidadania e
sociabilidade».
Por fim, acerca da sua participação nas atividades escolares (cf. Apêndice IIIc,
gráfico 3), sejam elas reuniões ou dias temáticos, os pais responderam, na sua maioria,
que sim, havendo ainda uma percentagem que respondeu que não e outra que respondeu
sim/não dependendo das atividades. Os seus principais argumentos foram que só
participam nas reuniões, mas não nos dias temáticos porque não têm horário de trabalho
compatível, embora alguns pais procurem que esteja sempre presente alguém da família
para que a criança não se sinta sozinha. De facto, um dos principais obstáculos à
participação dos pais é o facto de trabalharem muitas horas e não disporem de tempo para
educar os seus filhos” (Bento, Mendes & Pacheco, 2016: 604). Os que responderam que
sim fazem-nos porque: «temos o dever de estar sempre acompanhando a evolução do
nosso filho», «gosto de estar ciente de tudo o que ocorre e mantê-lo integrado e
interessado na escola». «porque quero estar sempre a par».
Estes dados permitiram apropriar-me de mais conhecimento sobre os pais e as
suas opiniões, foram ainda importantes para a elaboração da ação de
informação/sensibilização que se se apresenta no capítulo 5.

84
Capítulo 5 – Por Todos Nós: Ação de informação e
sensibilização para pais (resposta a um pedido)

A proposta de intervenção que se apresenta surge no âmbito do estágio curricular


do Mestrado em Ciências da Educação - domínio da Infância, Família e Sociedade -, que
decorre na Associação de Desenvolvimento do Concelho de Espinho (ADCE), e visa
responder a uma solicitação da instituição.
Assim, na transição do ano de 2020/21, no contexto de agravamento da pandemia
que inviabilizou a minha presença no quotidiano da Associação, foi-me proposto que
projetasse o programa de uma ação de formação, ou um conjunto de atividades, destinada
a promover a capacitação dos/as utentes abrangidas/os pelo Projeto de Apoio à Família
e à Comunidade e pelo Protocolo de RSI, particularmente no que diz respeito ao exercício
da cidadania e ao desempenho das suas funções familiares e parentais enquanto membros
com responsabilidades na família. Esta ação de formação deveria desenvolver-se em
torno de temáticas significativas para estas famílias.
Na resposta ao solicitado procura-se então enquadrar a proposta de Ação de
informação e sensibilização para Pais em função dos objetivos da ADCE e das
caraterísticas sociográficas da população a que esta se destina, bem como de outros dados
recolhidos durante a minha presença na instituição, de modo a que se justifiquem e
compreendam as temáticas privilegiadas e a sua respetiva programação, que igualmente
se relacionam com o domínio de especialização do MCED.

1. Enquadramento da proposta
1.1. Caracterização sociográfica e socioeducativa da população alvo da ação da
ADCE
A ADCE, implantada desde 27 de abril de 1995 em Espinho, caracteriza-se por
ser uma instituição com uma forte componente de apoio às famílias e à infância,
particularmente as de meios socioculturais e económicos mais desfavorecidos. Com
efeito, a maioria desta população localiza-se na Zona da Marinha de Silvalde; uma zona
piscatória onde continua a evidenciar-se a permanência de
“maior concentração de problemas de pobreza e exclusão social entre a sua população:
ausência ou reduzidos hábitos de trabalho, elevada percentagem de analfabetismo e
de desemprego, (...) inserção precária no mercado de trabalho (...) baixos níveis
escolares e de qualificação profissional (...). A par desta situação, verifica-se ainda
um elevado absentismo escolar e ausência de equipamentos de ocupação dos tempos
livres das crianças e jovens e de estruturas de apoio às actividades escolares (...).”
(Bureau Internacional do Trabalho, 2003: 92).

85
Da mesma forma, passados quase 10 anos, o Diagnóstico Social do Concelho de
Espinho (2013: 210) reitera a persistência de vários aspetos considerados como pontos
fracos deste concelho: baixa taxa de participação dos encarregados de educação nas
atividades que são promovidas pelas escolas públicas; baixos índices de escolaridade da
população espinhense, a par da falta de competências parentais e das perspetivas
negativas de muitas famílias face ao sistema educativo; absentismo escolar da etnia
cigana; baixa adesão das famílias ciganas face ao sistema educativo correlacionada com
questões culturais.
Mais recentemente, em outubro de 2020, no âmbito do Projeto Promover o
Sucesso, foram recolhidos dados junto dos pais e Encarregados de Educação (EE) de
alunos do 1º ao 4º ano de escolaridade da Escola de Silvalde, mediante a realização de
um inquérito (cf. Apêndice IIIb). A sua análise permitiu apurar que o seu nível médio de
escolaridade tende a situar-se no 3º ciclo de escolaridade (9º ano), seguindo-se o ensino
secundário (12º ano). Por outras palavras, a maioria destes pais/EE detém os níveis de
escolaridade básica, tendo uma experiência escolar longa, com duração entre os 9 e os 12
anos (cf. gráfico 1).

Gráfico 1- Nível de Escolaridade dos EE na Escola Básica de Silvalde

Com uma menor expressão, ilustrada no gráfico anterior, regista-se uma


percentagem não desprezível de pais/EE que apenas concluíram o 2º ciclo da escolaridade
básica (6º ano) ou que detêm percursos escolares ainda mais curtos, sobretudo no 1º ciclo.
Já no nível de escolaridade oposto, identifica-se um pequeno grupo de pais com níveis de
escolaridade superiores.
Por fim, outros elementos de caraterização da população apoiada pela ADCE,
igualmente relevantes para a realização da proposta que se segue, foram colhidos entre
setembro e novembro de 2020 no decurso das atividades de mediação do Projeto

86
Promover o Sucesso, quer no Centro Comunitário, quer em visitas à escola, através de
registos da observação participante e de conversas informais com crianças e técnicas da
instituição (cf. Apêndices VI e VII) bem como de professoras (cf. Apêndices VIIIb, VIIIc
e VIIId), e de inquéritos a pais/EE das crianças (cf. Apêndice IIIb e IIIc). A sua análise
permitiu identificar um conjunto de temas e problemas pertinentes para repensar as
propostas de formação parental da ADCE (cf. tabela 1):

Tabela 1 - Síntese dos Temas / problemas emergentes da análise: inquéritos a pais /


EE e registos de observação e conversas com crianças, técnicos e professores

Atividades de Mediação

Atividades de Mediação no Centro Comunitário


Inquéritos a pais/EE
Registos de observação e conversas
com crianças e as técnicas

Crianças revelam
• Dificuldades de
aprendizagem • Reduzido acompanhamento/
implicação parental no percurso
Necessidade de • Falta de material para educativo dos filhos
realizar os TPC
• Apoiar o estudo dos filhos • Desvalorização da importância do
• Definir regras de comportamento • Mau comportamento, brincar
frustração e
e seus limites
agressividade
• Conhecer estratégias para
incentivar colaboração nas tarefas Atividades de Mediação na escola
domésticas
• Conhecer estratégias para lidar Registos de conversas com as professoras
com frustrações e conflitos das
crianças e entre irmãos Crianças revelam
• Promover a auto-estima • Dificuldades de aprendizagem
• Alimentação saudável • Falta de assiduidade (principalmente de etnia cigana)
• Cidadania e sociabilidade • Falta de material escolar na escola e para realizar os TPC
• Mau comportamento, frustração e agressividade
• Reduzido acompanhamento/ implicação parental no percurso
educativo dos filhos

1.2. Âmbito de ação da ADCE e o pedido


Tendo em conta a realidade sociofamiliar acima referida, a ADCE tem como
principais objetivos o desenvolvimento integrado do concelho, promovendo a
capacitação, a cidadania ativa e a qualidade de vida da população, aspirando alcançar uma
sociedade mais justa e inclusiva.
Tais objetivos concretizaram-se, entre outras respostas socioeducativas (cf.
Apêndices Ib e Ic), na criação de um Centro Comunitário na zona da Marinha de Silvalde
(cf. Apêndice IIa), zona piscatória da cidade, que se alicerça na promoção e criação de
condições que possibilitem aos indivíduos o exercício pleno do seu direito de cidadania

87
e o apoio às famílias no desempenho das suas funções e responsabilidades. Trata-se de
reforçar a sua capacidade de integração e participação social, mediante a realização de
diferentes ações de formação e atividades para promover o reforço de competências
sociais, familiares e pessoais. É neste âmbito que se integram o Projeto de Apoio à
Família e à Comunidade, o Protocolo de RSI e o Projeto Encaminhar o Futuro e o pedido
de desenvolvimento de ações de formação e atividades (cf. Tabela 2).
No caso do Projeto de Apoio à Família e à Comunidade pretende-se gerar uma
dinâmica de intervenção “promotora no reforço de competências sociais, familiares e
pessoais” (ADCE, 2021: 34), visando “a mudança das famílias, tanto ao nível do
desenvolvimento individual, como familiar e social” (idem: Ibidem). O mesmo acontece
em relação ao Protocolo de RSI, que tem como um dos seus objetivos, explícitos no Plano
de Ação de 2021 da ADCE, dinamizar ações de sensibilização que promovam a melhoria
de competências pessoais, sociais e profissionais
“junto de famílias numerosas, onde predomina a baixa escolaridade, o desemprego de
longa duração, situações de crianças e jovens em perigo, famílias com severas lacunas ao
nível das competências básicas (pessoais, sociais e profissionais” (idem: 55).

Já o Projeto Encaminhar o Futuro, direcionado para a reinserção social e


profissional de população ex-consumidora de drogas e álcool em situação de tratamento,
visa apoiar os indivíduos a “estruturar a sua vida e a desenvolver competências de
autonomia e responsabilidade que lhes permitam a integração profissional, a realização
pessoal e o restabelecimento das redes sociais de suporte” (idem: 67).
Reportada a estes três Projetos, a ADCE solicitou que projetasse um conjunto de
ações de formação, ou atividades, para cada um dos respetivos grupos de pais que são
abrangidos pela sua intervenção, considerando as temáticas predefinidas e as respetivas
dinâmicas de intervenção (cf. Tabela 2):

Tabela 2 - ADCE: Projetos e propostas de Ação de Formação: requisitos

Propostas de Ações de Formação


Projetos Destinatários
Temas Atividades

Higiene habitacional e pessoal


Centro
Comunitário -
pais/ EE de etnia participação ativa na Conversas
Projeto de Apoio à Exercício
cigana comunidade / na escola Informais
Família e à de
valorização da
Comunidade cidadania
frequência escola

88
Saúde (Vacinação, higiene…)
pais de crianças Ações de
Protocolo de RSI em idade pré- Incentivar à leitura sensibilização / 2
Práticas de
escolar e 1ºciclo didática e mais formal, para cada grupo
literacia
relacionada com as
familia
aprendizagens

Projeto
Encaminhar o
Ações de
Futuro - Projeto de Dependências
sensibilização
Respostas
Integradas

Com base nos dados de enquadramento referidos apresenta-se de seguida a


proposta de ação de informação e sensibilização para pais.

2. Por Todos Nós – Proposta de ação de informação e sensibilização para


Pais/EE
2.1 Pontos de partida
Face à proposta de ação de formação lançada pela ADCE (cf. quadro 2), e por
referência ao domínio do MCED - Infância, família e sociedade -, que perspetiva a
construção de relações socioeducativas entre adultos e crianças e entre crianças, geradoras
de uma maior participação, cidadania e justiça social, reconhece-se como temática de
interesse comum as práticas de cidadania que tomam como alvo o triângulo relacional
formado por pais/EE, crianças e educação familiar e escolar. É, pois, com base nestes
grandes denominadores comuns, tanto à ADCE como ao MCED, que agora se dá conta
da proposta designada Por Todos Nós, proposta de ação de informação e sensibilização
para Pais/EE.
Por Todos nós, no sentido de pensarem as crianças e os adultos como seres que se
completam mutuamente e as suas relações como interdependentes, seja na família ou em
outro contexto. Sendo as crianças seres com uma infância longa, devido à sua
dependência biológica e social, é necessário que sejam providas dos bens e cuidados
básicos à sua saudável sobrevivência e ao seu desenvolvimento harmonioso. Isso significa
que a sua existência e bem-estar físico, psicológico e social requerem a salvaguarda e
realização dos seus direitos. Como tal, implica necessariamente os adultos, seus
responsáveis diretos enquanto cuidadores e educadores, a comunidade envolvente e a
sociedade em geral. São, pois, o cuidado e educação das crianças que estão em causa
nesta relação entre adultos-pais e crianças-filhos e a qualidade que lhes deve assistir.
Aliás, Orlanda Cruz (2014) refere que são cinco os princípios educativos que estão na
89
base das relações entre adultos-pais e crianças-filhos e a qualidade das mesmas, bem
como na base do desenvolvimento saudável das crianças: satisfação das necessidades
básicas (alimentação, saúde, carinho, entre outras); satisfação das necessidades de afeto,
confiança e segurança; ambiente familiar estruturado; ambiente familiar estimulante e
supervisão e disciplina positiva.
A família é então reconhecida como uma instância educativa que detém um papel
crucial na socialização e formação dos indivíduos que dela fazem parte. Esta socialização
e formação é vivenciada de uma forma bilateral, pois não só ocorre nas crianças,
socializadas pelos pais ou outros cuidadores para se tornarem membros plenos de uma
sociedade, bem como os pais e cuidadores também são socializados e formados nas
relações de parentalidade em que estão envolvidos.
A educação familiar faz parte do processo de socialização da criança, visando a
sua integração social, isto é, torná-la membro do grupo e da sociedade a que pertence.
Esse processo requer da parte dos pais, o seu maior envolvimento e tomada de consciência
das interações que estabelecem com os seus filhos, bem como o reconhecimento que cada
criança é única, com as suas individualidades e características próprias. Daí que Singly
(2011) sublinhe como duas características da família moderna: a família é relacional, ou
seja, sensível à qualidade das relações entre os seus membros, e também individualista,
já que cada um dos seus membros tem uma individualidade que é reconhecida. Assim
sendo, as práticas de cidadania parental e da infância, que (re)começam ambas no
momento do nascimento de uma criança, têm no seio da família um dos principais
contextos para se desenvolverem aquelas relações e para serem cuidadas e respeitadas as
especificidades infantis e a sua individualidade, tal como aponta a Convenção dos
Direitos da Criança (CDC,1989).
Neste sentido, o desenho da proposta “Por todos nós – Ação de informação e
sensibilização para Pais/EE” tomou por horizonte orientador as questões associadas à
cidadania das crianças a partir da família, ao mesmo tempo que procurou ir ao encontro
e sugerir, fundamentalmente, ações de intervenção com pais/EE previstas no Projeto de
Apoio à Família e à Comunidade (Centro Comunitário) e no Protocolo de RSI.

2.2. Preocupações teóricas, metodológicas e éticas


No entendimento da problemática das crianças como cidadãs foca-se o respeito
pelos direitos consignados na Convenção dos Direitos das Crianças- CDC (1987), de que
Portugal foi um dos primeiros países signatários, tomando como ponto de partida o

90
contexto da família e das relações de parentalidade, para, seguindo daqui as ligar com a
escola e a comunidade. Este é o fio condutor, transversal a esta proposta de ação de
formação para os pais.
Com efeito, a tradução do princípio geral do “melhor interesse da criança” (CDC,
1987, artº 3) encontra-se plasmado nos direitos a uma família (idem, artº 18 e 27), à
educação e à cultura (idem, artº 28 e 29) e, também, no direito ao lazer e recreação (idem,
artº 31) em que se reconhece a importância crucial do brincar na infância. Em todos estes
direitos está implícito, ainda, outro direito crucial, o de participar e dar as suas opiniões e
ser ouvida acerca de assuntos que lhe digam respeito (idem, artº 12).
O cumprimento do direito à família implica o reconhecimento de que “os pais têm
uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança” (CDC,
1989: artº 18º). Cabe, assim, “a responsabilidade de assegurar, dentro das suas
possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao
desenvolvimento da criança” (idem: artº 27º). Nesse sentido, pode interpretar-se que
compete aos pais assegurar as condições para que as suas crianças se desenvolvam, tendo
sempre como preocupação central o interesse superior das crianças e a salvaguarda de
todos os seus direitos.
No caso do direito à educação da criança (artº 28º) proclama-se como papel da
escola e seus principais objetivos os de
“promover o desenvolvimento da personalidade da criança, dos seus dons e aptidões
mentais e físicas, na medida das suas potencialidades. E deve preparar a criança para uma
vida adulta activa numa sociedade livre e inculcar o respeito pelos pais, pela sua
identidade, pela sua língua e valores culturais, bem como pelas culturas e valores
diferentes dos seus” (artigo 29º).
Afirma-se assim a responsabilidade socioeducativa que também compete à escola
promover e objetivar o desenvolvimento da criança a vários níveis, desde a obtenção de
conhecimentos a atitudes e competências, reconhecendo as suas potencialidades e tirando
partido delas. Aliás, no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (2017: 15)
aponta que um jovem à saída da Escolaridade Obrigatória seja um cidadão critico “livre,
autónomo, responsável, consciente de si próprio e do mundo que o rodeia”.
Também neste direito à educação cabe a importância de refletir sobre o papel da
Educação de Infância, uma vez que, frequentemente, a mesma tem sido «confundida»
com a preparação das crianças pequenas para o 1º ciclo, ou seja,
“No quotidiano da EI, a padronização do conhecimento e dos resultados da aprendizagem,
a par da prestação de contas, têm significado a substituição das pedagogias do brincar,
centradas nas crianças e baseados nas suas expressões e competências, por pedagogias
transmissivas orientadas por objetivos, conteúdos académicos e metas de aprendizagens,

91
com consequências visíveis na redução dos tempos do brincar livre”. (Ferreira & Tomás,
2020: 4).

Indo ao encontro desta ideia, no Direito ao Lazer e Recreação pode ler-se que “Os
Estados Partes reconhecem à criança o direito ao repouso e aos tempos livres, o direito a
participar em jogos e actividades recreativas próprias da sua idade e de participar
livremente na vida cultural e artística” (CDC, 1989: artº 31). Este é um dos direitos
fundamentais e mais inerentes à infância, nele se conjugando os direitos de proteção,
provisão e participação que estão na base da noção de que brincar é o ofício da criança

“Segundo Chamboredon e Prévot (1973), brincar é o ofício da criança. O ato de brincar


é uma atividade sociocultural muito importante para as crianças e é nuclear para a
(re)construção das suas relações sociais e das formas individuais e coletivas que lhes
possibilita interpretar o mundo” (Tomás & Fernandes, 2014: 15).
De facto, é através do brincar que, muitas vezes, as crianças dão as suas opiniões
e ideias, que nos mostram como veem o mundo, o que gostam e o que não gostam, quais
as suas preocupações…. Brincar também é uma forma que as crianças têm de aprender
conhecimentos acerca de si, dos outros e do mundo, de porem à prova as suas
competências e testarem limites, de desenvolverem a autoconfiança e autoestima.
Cientes do compromisso dos estados nacionais em fazerem cumprir a CDC (1989)
reconhece-se como essencial o trabalho local desenvolvido por instituições
socioeducativas como a ADCE, em torno das ações de mediação entre crianças, famílias,
escolas e comunidades. Daí, a pertinência de informar os pais/EE, sensibilizá-los e apoiá-
los da melhor maneira possível nas suas facilidades e dificuldades para que possam
atender às exigências parentais que lhes são colocadas pelas crianças enquanto filhos/as
e enquanto cidadãos/ãs com direitos próprios, a serem respeitados.
Nesse sentido, tomar como pretexto de partida a importância dos direitos das
crianças implica não separar as possibilidades da sua realização das relações que
estabelecem, em primeira mão, com os pais e familiares, com quem passam a maior parte
do tempo extra-escolar e em período de confinamento e, com isso, as dinâmicas familiares
que acontecem em casa, no dia a dia. Implica ainda incluir as relações e dinâmicas entre
as famílias e o(s) contexto(s) escolar(es) das crianças, que ocorrem de modos mais ou
menos (in)diretos e mais ou menos distantes, conforme se tem registado durante os
períodos de confinamento.
Para melhor se refletir acerca das famílias contemporâneas e da parentalidade
importa ter em consideração alguns dos traços identificados como típicos de modelos

92
parentais (Martins, 2020), que são importantes para perspetivar a promoção e
sensibilização de competências parentais favorecedoras de uma educação integral das
crianças, mas também para repensar as suas contribuições e/ou limitações perante as
caraterísticas específicas dos adultos e pais/EE apoiados pela ADCE.
Nuno Pinto Martins (2020) aponta 3 modelos de parentalidade. O modelo
autoritário em que as relações de parentalidade são baseadas no controlo e falta de
afetividade, em que a criança tende a ser vista como um ser imaturo e socialmente
incompetente, necessitando ser corrigido e regulado, e o adulto como a pessoa que a pode
corrigir, sendo exigente, pouco compreensivo e intolerante, estabelecendo e impondo
regras, limites e rotinas com base em ameaças e punições. No caso do modelo da
parentalidade negligente, os adultos são ausentes e centrados em si próprios, limitando-
se “a satisfazer as necessidades básicas da criança” (idem: 36), preocupando-se não com
os processos de socialização dos seus filhos, mas apenas com os resultados desses
processos. A parentalidade democrática vai ao encontro da noção da criança como cidadã,
sendo os pais dialogantes, tolerantes e compreensivos, negociando as regras, limites e
rotinas com as crianças, promovendo uma reflexão com o objetivo de ajudar a criança a
ter autonomia e responsabilidade:
“com base no respeito mútuo e na liberdade de expressão, no envolver das crianças nas
soluções e ajudando-as a desenvolverem importantes habilidades sociais e de vida, tais
como responsabilidade, cooperação, autonomia, autocontrolo ou autoestima” (idem:
29/30).
No entanto, no processo de elaboração desta proposta, além do conhecimento
destes modelos parentais, acresce a importância de considerar os traços que caraterizam
as crianças e as famílias a quem a proposta se destina, em que existe uma grande
diversidade cultural e socioeconómica, e uma forte presença de famílias com níveis
socioeconómicos mais baixos (cf. pt 1.1.) que tendem a ser associadas, sobretudo, aos
modelos de parentalidade autoritária e negligente.
Estes conhecimentos prévios e a consciência de que intervir com populações
socioeconómica e culturalmente diversas e desiguais exige um posicionamento ético que
as respeite, alerta para a necessidade de se evitarem atitudes etnocêntricas,
discriminatórias ou preconceituosas que, no limite, acentuam a sua segregação e exclusão
social, nomeadamente com conceções e ações que denotam uma visão dessas populações
como estando em deficit:
“A literatura e investigação sobre famílias multiproblemáticas pobres têm enfatizado os défices, a
descrição dos problemas e os modos de disfuncionamento familiar. Tal decorre, por um lado, da

93
perspectiva deficitária dominar a intervenção e, por outro, da dificuldade em valorizar competências
em famílias que vivem conjunturas de elevada vulnerabilidade” (Sousa & Ribeiro, 2005: 2).

Importa assim dedicar uma atenção particular aos modos como se formulam as
propostas de cada uma das ações de formação para pais/EE abrangidos pela ADCE, de
modo a evitar a imposição de modelos culturais e sociais de parentalidade, ou de família,
tomados como “os” adequados, “os” certos e inquestionáveis; o mesmo acontecendo com
os exemplos ou sugestões a que se possa recorrer durante as sessões e/ou a organização
dos grupos de formação. Desta maneira, uma intervenção comunitária depende da
capacidade de reconhecer que há muitos outros e de ouvir as muitas perspetivas que estes
enunciam. Ou seja, reconhecer que há uma multiplicidade de pontos de vista sobre os
problemas e as formas de os resolver.
Desta forma, em termos metodológicos, assume-se um posicionamento situado e
contextualizado em função dos interesses e necessidades sentidos pelos próprios atores
concretos, e não do que possam ser visões dominantes e generalizadas acerca desta
população, sendo fundamental escutá-los e criar relações de confiança e proximidade com
eles. Do mesmo modo, considera-se que as suas próprias experiências pessoais como
crianças que foram e pais que são agora, têm em si mesmas um valor formativo porque
se parte das suas próprias memórias e experiências para refletir sobre os seus papeis e
responsabilidades como pais, educadores de crianças e membros da sociedade.
Por outras palavras, mais do que reproduzir o modelo tradicional e “escolar” nas
ações de formação para adultos, em que teorias e/ou conselhos a seguir são transmitidos
pelo formador, ocupando ambos lugar central, considera-se que para que a ação de
formação e as suas sessões tenham sentido junto das/os suas/seus destinatárias/os é
essencial apostar em metodologias participativas quer para que se sintam confiantes para
expressarem as suas vozes – vivências, memórias, opiniões, sentimentos pessoais… -,
quer para virem a reconhecer aos momentos de diálogo, troca de ideias, reflexões nos
encontros um valor e uma formação útil e com sentido para as suas vidas:
“A centralidade do sujeito (…) [na] aprendizagem decorre de dois aspetos fundamentais:
o primeiro consiste na criação do sentido, uma vez que o conhecimento não é o resultado
de um processo cumulativo de informação, mas sim de um processo de seleção,
organização e interpretação da informação a que estamos expostos” (Canário, 2010: 110).

A maior parte das vezes estas famílias não têm tempo para parar e refletir sobre o
que se passa nas suas vidas, consigo e à sua volta, pelo que, desta forma, será fundamental
envolver os atores e mostrar todo o interesse em ouvir os seus conhecimentos prévios
para promover o debate possível entre todos, enriquecendo a ação de formação. Tendo

94
isto em conta, os conceitos centrais das sessões, sendo do domínio do formador, deverão
estar sempre presentes nas relações com os participantes. Além disso, os conceitos serão
apresentados de forma mais formal e sistemática nos flyers entregues no final de cada
sessão (cf. Apêndice XIX).
Por outro lado, mais do que focar “os problemas” dos pais/EE ou das/”destas”
“famílias”, considera-se mais formativo e ético abordar questões ligadas à parentalidade
a partir, precisamente, daqueles a quem se deve essa condição, as crianças, os seus filhos.
Daí que esta proposta, vocacionada para a informação e sensibilização dos pais/EE,
assente nos seguintes pressupostos:
i.valorizar e tomar como referência central para a dinamização das sessões, as
memórias, vivências, opiniões e interesses/preocupações dos pais presentes;
ii.recorrer a dinâmicas de intervenção mais participativas e práticas do que
transmissivas, em que as memórias/experiências de infância e como pais, e a
sua reflexão individual e coletiva é vista como pretexto e conteúdo de
formação;
iii.estimular o interconhecimento e o diálogo entre pais/EE de modo a suscitar
um ambiente de confiança e abertura para participarem;
iv.Alimentar relações, sociabilidades, redes de apoio e entreajuda parental
suscetíveis de se expandirem ao nível do bairro e/ou da comunidade.
O ideal seria que esta primeira ação de informação e sensibilização tivesse
continuidade, possibilitando o aprofundamento dos temas propostos ou de outros
considerados relevantes pelas/os participantes.
Propõem-se assim como objetivos centrais desta ação de formação:
• Sensibilizar os pais para a temática dos direitos das crianças;
• Promover a reflexão com/entre os pais acerca do direito das crianças à família,
à educação e ao recreio e lazer;
• Informar e refletir com os pais acerca dos seus direitos e deveres como pais
na família, na escola e na comunidade;
• Contribuir para a inclusão social da comunidade;

2.3 Destinatárias/os e organização dos grupos de formação


A ação de formação destina-se aos pais de toda a comunidade, sejam elas/es
utentes do Centro Comunitário ou do Protocolo de RSI, de etnia cigana e não cigana,
particularmente que tenham crianças a frequentar a educação pré-escolar e 1º ciclo do

95
ensino básico. A proposta de não isolar ou separar os pais/EE em grupos segregados por
relação com critérios socialmente “marcantes”, ao contrário do proposto inicialmente pela
ADCE, visa dar conta de um dos objetivos centrais da mesma instituição e da ação de
formação – o de contribuir para a inclusão social da comunidade. Assim, a ação de
formação que se apresenta destina-se as todos os pais e não a grupos de pais definidos em
função da etnia ou qualquer outra caraterística sociocultural.
Preconiza-se a formação de grupos de pais com um número em torno de 8/10
elementos, a fim de facilitar as interações, o diálogo e troca de experiências e opiniões
entre eles e com o/a formador/a, respeitando o cumprimento das regras sanitárias impostas
devido à Pandemia por Covid-19. Poderão ser feitos grupos quantos os necessários. Estes
grupos de pais devem ser, de preferência, socialmente “mistos”. Apenas as sessões
relativas ao direito à educação (sessão nº 3 e 4) devido à especificidade nos níveis
escolares se prevê que se destinem a grupos separados.

2.4 Condições de realização da ação de formação e recursos


A definição dos horários e dias das ações de formação, bem como os modos da
sua divulgação junto dos pais/EE abrangidos, ficarão ao critério da equipa técnica da
ADCE.
Quanto à sua duração, atendendo às caraterísticas do tipo de ação de formação
proposta quer dos pais/EE, será aconselhável que não ultrapasse o limite de 1hora,
dependendo do nível da sua adesão e participação. Importa não ocupar demasiado tempo
da vida dos pais e não tornar, também, estas sessões um peso maçador na sua vida.
O equipamento necessário para a realização das sessões é uma sala ampla
equipada com cadeiras, com um quadro ou papel de cenário e canetas de feltro grossas, e
um videoprojector.

2.5. Ação de formação – índice e programa


A ação de formação Por todos nós foca 4 temas centrais em que se entrelaçam
direitos e deveres das crianças e direitos e deveres parentais, desenvolvendo-se em 5
sessões sequenciais, duas dedicadas ao mesmo tema (sessões 3 e 4), estruturadas de
acordo com o índice apresentado na tabela 3:

96
Tabela 3 - índice das Sessões

Sessão 1 1. A criança como cidadã e a noção de cidadania ativa


“Direitos da Criança” 1. As conceções de infância/criança ao longo do tempo
2. Os 3 P’s - Direito de proteção, provisão e participação
2.1. Direito à família e direito à educação
2.2. Direito ao recreio e lazer

Sessão 2 1. Direito das crianças a uma família


“O direito à Família” 1.1. Que direitos e que deveres dos pais?
2. Que pais tivemos, que pais somos e que pais podemos ser?
2.1. Regras: entre limites e liberdades
3. Dia a dia familiar: entreajuda familiar e colaboração das crianças

Sessão 3 e 4 Educação pré-escolar


“O direito à educação” 1. Direito à educação das crianças pequenas
2. A educação pré-escolar como educação não formal
2.1 Funções da educação pré-escolar e o brincar como forma de
desenvolvimento e aprendizagem de competências sociais
2.2 As crianças como sujeitos e agentes do processo educativo
1º ciclo
1. Direito à educação
1.1. Direitos e deveres das crianças enquanto alunos
1.2. Os pais/EE e a importância do acompanhamento escolar dos filhos
Sessão 5 1. Direitos das crianças ao lazer, atividades recreativas e culturais
“Direito ao lazer, 1.1. A importância do tempo livre das crianças
recreação e cultura” 1.2. A importância do brincar na escola, família e comunidade
1.3. As crianças e as novas tecnologias

2.5.1. Descrição detalhada do Programa


Apresenta-se de seguida a descrição detalhada de cada uma das sessões de formação
programadas, em que se sistematizam os objetivos de cada uma delas, os conteúdos a abordar,
metodologias previstas (dinâmicas pedagógicas), recursos materiais necessários e, por fim, a
bibliografia básica:

97
Tabela 4 - Sessão 1: Os direitos das crianças

1ª sessão || Os direitos das crianças

Objetivos
• Informar os pais acerca dos direitos das crianças (CDC, 1989);
• Refletir com/entre os pais acerca dos direitos das crianças;
• Promover a consciencialização da noção de cidadania ativa das crianças;

Conteúdos Dinâmicas pedagógicas Recursos


Programáticos

Boas-vindas e apresentação da sessão:


• Expor os objetivos gerais e o programa;
• Perceber o conhecimento que os pais já têm ou
não acerca do tema e as suas expectativas

Dinâmica 1: A minha árvore


(Atividade de quebra-gelo e apresentação dos
participantes) Introdução do tema da
1. A criança como • Raízes da árvore – Quando eu era criança… As sessão e das temáticas em
cidadã e a noção de memórias que guardo da minha infância são… forma de projeção de um
cidadania ativa (o que faziam as/os participantes, onde, com PowerPoint
quem…)
1.1. Visões da
• Tronco – Partilha e reflexão coletiva acerca de Papel de cenário onde os
infância e das
semelhanças e diferenças. O que mudou? pais possam preencher o
crianças ao longo Porquê?
do tempo desenho da arvore ou
• Copa – Sonhos e expectativas para o futuro em folhas de papel A4 e
família e dos seus filhos canetas de feltro de várias
2.Os 3 P’s: Direito de cores
proteção, provisão e O/a formador/a deve estar preocupado/a em
participação identificar o que na opinião dos pais é uma criança e Flyer a ser entregue aos
2.1. Direito à família a infância, explorando o que é comum e diferente pais no final da sessão
e direito à educação entre eles, e no tempo, e relacionar sempre com a com um resumo do
2.2. Direito ao história dos direitos da criança, os direitos de principal conteúdo da
recreio e lazer proteção, provisão e participação das crianças, os sessão, bem como dicas e
direitos à família, à educação e ao brincar. questões de reflexão
Sempre que necessário deve escrever num quadro ou
papel de cenário as palavras-chave

Conclusão da sessão
• O que consideram ter sido importante para
eles/as nesta sessão?
• Entrega dos flyers e indicação do tema da sessão
seguinte

Referências bibliográficas:
Convenção dos Direitos da Criança (1989)
Freire, Ilda (2011). Cidadania da criança: escola e sociedade como palcos de participação. EDUSER: Revista de
educação, v.3(2), pp.17-26
Tomás, Catarina & Soares, Natália Fernandes (2004). Infância, protagonismo e cidadania: contributos para uma
análise sociológica da infância. Fórum sociológico, nº11/12, pp.349-361

98
Tabela 5 - Sessão 2: O direito a uma vida familiar

Sessão 2 || “O direito à Família”

Objetivos
• Promover a reflexão com/entre os pais acerca do direito das crianças à família;
• Promover a reflexão com/entre os pais sobre a família e os seus direitos e deveres enquanto pais;
• Promover a reflexão com/entre os pais acerca das mudanças dos papéis parentais;
• Contribuir para ajudar os pais a verbalizarem as suas facilidades e dificuldades enquanto pais;
• Ajudar os pais a decifrarem os comportamentos dos seus filhos;

Conteúdos Dinâmicas pedagógicas Recursos


Programáticos

Boas-vindas

Dinâmica 1: A Teia Familiar


Dispor os participantes em círculo. Um deles
segura um novelo de lã e tem de dizer o que é
para si a família e o que considera mais
importante na família. Depois passa o novelo
para outra pessoa e assim sucessivamente

Dinâmica 2: Os pais que tivemos, os pais que


somos…
• Retomar e ampliar as memórias de
1. Direito das crianças a infância, centrando-as nas relações e
uma família dinâmicas familiares vividas pelos pais
enquanto crianças Introdução do tema da
1.1. Que direitos e que
sessão e das temáticas em
deveres dos pais? • Partilha e reflexão coletiva acerca de
forma de projeção de um
semelhanças e diferenças
PowerPoint
2. Que pais tivemos, • Relacionar com as suas atitudes e
que pais somos e que comportamentos enquanto pais
Flyer a ser entregue aos pais
pais podemos ser?
no final da sessão com um
2.1. Regras: entre Dinâmica 3: Os pais que somos e que podemos
resumo do principal
limites e liberdades ser…
conteúdo da sessão, bem
2.2. Dia a dia familiar: • Alegrias e preocupações com os/as
como dicas e questões de
entreajuda familiar e filhos/as no dia a dia da família
reflexão
colaboração das • Partilha e reflexão coletiva acerca de
crianças semelhanças e diferenças

Dinâmica 4: Eu ajudo os meus filhos a… eles


ajudam-me a …
• partilha e debate coletivo
• Identificação de outras atividades
colaborativas realizáveis com as crianças
no quotidiano familiar

O/a formador/a deve estar preocupado/a em


identificar o que na opinião dos pais valorizam
na família, e relacionar sempre com os direitos
de proteção, provisão das crianças na família e
os deveres dos pais.

99
Deve sistematizar no quadro/papel de cenário as
palavras-chave resultantes dos
debates/reflexões. Eventualmente relacionar
com as árvores da sessão anterior

Conclusão: “Se eu pudesse mudaria…”


• Pais completam a frase sobre o que
gostariam de mudar na sua gestão da vida
familiar e na relação com os seus filhos
• Entrega dos flyers e indicação do tema da
sessão seguinte

Referências bibliográficas:
Convenção dos Direitos da Criança
Martins, Nuno Pinto (2020). Educar pela positiva: um guia para pais e educadores. Lisboa: Bertrand Editora

Tabela 6 - Sessão 3 e 4: O direito à Educação

Sessão 3 e 4 || “O direito à Educação”

Objetivos (Educação Pré-escolar)


• Promover a reflexão com/entre os pais sobre o direito à educação das crianças pequenas;
• Alertar para a importância da educação pré-escolar e esclarecer as suas funções;
• Promover a reflexão com/entre os pais sobre o seu papel no acompanhamento da educação pré-
escolar;

Objetivos (1ºciclo)
• Promover a reflexão com/entre os pais sobre o direito à educação das crianças;
• Alertar para a importância do acompanhamento da escolaridade das crianças pelos pais (frequência,
assiduidade, a apoio ao estudo);
• Alertar para a importância da relação dos pais com os professores;

Conteúdos Programáticos Dinâmicas pedagógicas Recursos

Educação pré-escolar Dinâmica 1: Apresentação do Introdução do tema da


documentário “Brincantes” (Nélio Spréa sessão e das temáticas
1. Direito à educação das e Elisandro Dalcin) em forma de projeção de
crianças pequenas • Debate sobre brincar como uma um PowerPoint
2. A educação pré-escolar experiência enriquecedora e a
como educação não formal livre-escolha, bem como o
2.1 Funções da educação pré- sublinhar do direito e
escolar e o brincar como importância de uma educação Flyer a ser entregue aos
forma de desenvolvimento e não-formal, através da pais no final da sessão
aprendizagem de visualização do vídeo com um resumo do
competências sociais • As funções da Educação pré- principal conteúdo da
2.2 As crianças como sujeitos e escolar sessão, bem como dicas e
agentes do processo questões de reflexão
educativo Dinâmica 2: Dinâmica de conclusão
da sessão
• O que consideram ter sido
importante para eles/as nesta
sessão?

1º ciclo
1. Direito à educação

100
1.1. Direitos e deveres das Dinâmica 1: Dinâmica Relação família-
crianças enquanto alunos escola e a importância do
1.2. Os pais/EE e a acompanhamento
importância do • Os vossos pais tinham o mesmo
acompanhamento escolar papel na vossa escolaridade? O que
dos filhos mudou para os dias de hoje?
• Qual o papel que consideram ter na
escolaridade dos vossos filhos?
• Quando vão à escola? Porquê?
• Como consideram poder ajudar os
vossos filhos?

Dinâmica 2: Dinâmica de conclusão da


sessão
• O que consideram ter sido
importante para eles/as esta
sessão?

Referências bibliográficas:
Lei 5/97 (Lei Quadro da Educação Pré-escolar)
Lei 46/86 (Lei de Bases do Sistema Educativo)
Lei 85/2009
Lei 51/2012 (Estatuto do Aluno)
Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória
Orientações curriculares para a Educação Pré-escolar
Martins, Nuno Pinto (2020). Educar pela positiva: um guia para pais e educadores. Lisboa: Bertrand
Editora

Tabela 7 - Sessão 5: O direito ao lazer, actividades recreativas e culturais

Sessão 5 || “O direito ao lazer, actividades recreativas e culturais ”

Objetivos
• Promover a reflexão com/entre os pais sobre o direito das crianças ao lazer;
• Sensibilizar os pais para a importância do brincar na infância;
• Promover a reflexão com/entre os pais sobre as novas tecnologias;

Conteúdos Dinâmicas pedagógicas Recursos


Programáticos

1. Direitos das Dinâmica 1: Brainstorming – O que significa Introdução do tema da sessão


crianças ao lazer, ter tempo livre? O que significa brincar? e das temáticas em forma de
atividades recreativas projeção de um PowerPoint
e culturais Dinâmica 2: Vamos pensar em brincar fora
1.1. A importância do de casa Flyer a ser entregue aos pais
tempo livre das Retomar e ampliar as memórias de infância, no final da sessão com um
crianças nomeadamente de jogos e brincadeiras de resumo do principal conteúdo
1.2. A importância do rua, e sua comparação da sessão, bem como dicas e
brincar na escola, questões de reflexão
família e comunidade

101
1.3. As crianças e as • Que atividades fazem com as crianças
novas tecnologias em casa e na rua?
• A importância de fazer atividades
conjuntas no tempo livre

Dinâmica 3: As novas tecnologias


• Quais os cuidados que consideram
que deva existir em relação ao
tempo que as crianças passam em
frente das novas tecnologias, bem
como com o que as crianças
assistem

Balanço final sobre as sessões


• O que acharam de mais positivo e
negativo nestas sessões?
• O que mudavam?
• Que assuntos gostaria de voltar a falar e
debater?

Referências bibliográficas:
Neto, Carlos (2020). Libertem as crianças. A urgência de brincar e ser ativo. Lisboa: Contraponto
Martins, Nuno Pinto (2020). Educar pela positiva: um guia para pais e educadores. Lisboa: Bertrand
Editora

Por fim, levando em consideração que as necessidades da população é que deve


orientar a intervenção, se os pais gostarem de ver esclarecidos ou refletidos outros temas
poderão ser planeadas mais sessões.

102
Considerações finais

Para concluir o presente Relatório de estágio torna-se necessária uma reflexão


sobre como este percurso contribuiu para a construção de uma profissionalização em
Ciências da Educação. De facto, este estágio, apesar dos condicionalismos da pandemia
que não me permitiram uma intervenção mais direita, em presença, mais prática e mais
autónoma, facultou-me o acesso e o contacto com uma realidade de trabalho em constante
movimento, e a ter de responder no imediato perante as inúmeras solicitações, que foi
bastante importante para a minha formação pessoal, académica e profissional.
Pessoal e profissionalmente, o facto de ter estagiado com uma equipa
multidisciplinar e num contexto diversificado a nível cultural, social e económico, com
que raramente havia tido contato, permitiu-me olhar para a intervenção de outra forma,
principalmente em relação à intervenção socioeducativa, com crianças, suas famílias e a
comunidade em geral. Assim em relação às crianças compreendi que elas gostam de ser
mais ouvidas e levadas em conta. Em relação às famílias aprendi que cada uma tem a sua
forma de viver e enfrentar a vida, levando a um determinado «modelo» de família ou
parentalidade. Da mesma forma, com ambos, as crianças e as suas famílias, aprendi a ser
mais persistente, através do processo de aproximação com as mesmas, que foi uma luta.
Perante a comunidade, nomeadamente comunidades que são normalmente designadas de
minorias ou desfavorecidas aprendi que importa ter um olhar situado e contextualizado,
considerando as condicionantes sociais, culturais, económicas e pessoais de cada pessoa
ou comunidade na intervenção, trabalhando com estas pessoas e não para elas. É
importante incluir as pessoas nos assuntos que lhes dizem diretamente respeito, adaptando
a intervenção com elas, e não desenhar a intervenção para pessoas genéricas, abstratas,
sem rosto, sem a sua participação ou opinião, pois se assim for poderá não gerar resultados
ou gerar até resistência face à intervenção. Além disso, levando essa ideia em
consideração, há de ter consciência que não há uma «receita» única para a intervenção,
mas sim uma multiplicidade de formas de ver e fazer a intervenção, como acontece e é
prática na ADCE. Este convívio e relações com as diferenças sociais e culturais fez ainda
com que tivesse de superar certas barreiras pessoais para apreender o modo como lidar
com esta pluralidade de interesses, valores e crenças sem cair no etnocentrismo nem no
paternalismo, mas sim de procurar compreendê-las.
Esta compreensão dos principais atores e razão de ser da ADCE obrigaram-me
também à mesma abertura de espírito relativamente às aprendizagens que foi necessário

103
fazer com os diferentes membros da equipa técnica e os modos de funcionamento da
Associação. Assim, creio estar em condições de referir que a ADCE, com todas as
respostas endereçadas às crianças e jovens, trabalha acerrimamente para potenciar,
respeitar e defender os direitos das crianças consignados na CDC (1989) e caminhar em
direção a uma igualdade de oportunidades de acesso e de sucesso. Com efeito, os direitos
de proteção e, sobretudo de provisão, estão na linha da frente da ação/intervenção da
ADCE, como se observou e acompanhou nos casos do trabalho da Ludoteca, Clube de
jovens e Espaço do Conhecimento.
No entanto, há ainda muito caminho a percorrer nomeadamente no que diz
respeito ao Direito de Participação e ao Direito a Brincar. A proteção dos adultos em
relação às crianças e jovens e a sobrevalorização do direito de prover à sua educação em
detrimento do direito ao brincar, lazer e recreio num espaço e tempo que não é escolar,
ficou patente uma vez que esses tempos e atividades acabam por ser residuais e não
centrais numa ludoteca que, assim, se esvazia de funções lúdicas, educativas e
participativas. Mais do que ações lúdicas das crianças, autodeterminadas, voluntárias,
gratificantes para elas e sem daí resultarem quaisquer produtos assistimos a uma
preocupação adulta com a sua pedagogização mediante atividades programadas PARA as
crianças que, mesmo que tenham sido pensadas em função do “seu maior interesse”
(CDC, 1989), as dispensaram sistematicamente de serem ouvidas, consultadas,
envolvidas. Neste sentido, a função educativa da ludoteca enquanto espaço lúdico e de
educação não formal e informal, preocupado com um desenvolvimento holístico das
crianças em que as dimensões socioculturais da infância são tão importantes quanto as
cognitivas perde em abono da sua escolarização, “eternizando” o ofício do aluno nos
espaços-tempo extra escolares.
Abrem-se assim brechas para refletir até que ponto integração socioeducativa e
inclusão socioeducativa se sobrepõem e confundem, uma vez que a segunda, mais
complexa, assenta no reconhecimento da diversidade sociocultural, na valorização das
diferenças e implica um respeito por cada pessoa com as suas individualidades.
Foi também imperativo, em relação à equipa técnica, em todos os momentos
respeitar e aprender a saber enfrentar determinadas situações, sobretudo quando havia
divergência de opiniões, preferências... Logo, foi crucial adaptar toda a minha intervenção
e participação a estas heterogeneidades e variedades culturais, sociais e ambições. O
grande desafio nestas equipas é o do «conflito» de posições e os usos do poder que os
vários profissionais podem ter em relação à forma de atuação a tomar. Deste ponto de
104
vista, aqui a questão da comunicação ganha uma grande posição, já que é necessário, ao
longo da presença e da intervenção, ir adaptando a linguagem e a forma de comunicar,
ser e estar, perante a multiplicidade de circunstâncias. Aqui julgo que um profissional em
Ciências da Educação poderá se destacar com o posicionamento de trabalhar com as
pessoas, em prol da sua autonomia, olhando cada pessoa como um ser único, com
experiências, opiniões e desejos diferenciados, que são necessários de ser levados em
conta, respeitados e valorizados.
Com a equipa técnica adquiri e aprofundei, ainda, conhecimentos sobre o
funcionamento de uma instituição educativa e social, particularmente acerca do trabalho
de gestão e organização de um projeto amplo e diferenciado; trabalho de “bastidores”
que, frequentemente, não tem visibilidade. Nestas instituições socioeducativas, com
diversos departamentos e projetos, é importante o trabalho colaborativo, em rede, e numa
equipa multidisciplinar. Os seus diferentes olhares e perspetivas sobre os mesmos
assuntos permite, com todos os benefícios e desafios que isso traz, fazer uma leitura da
realidade e uma análise e reflexão dos problemas mais aprofundada, complexa e densa
porque através da troca de ideias e posições os diferentes saberes disciplinares, sendo
sempre limitados e parciais, assim se complementam e completam mutuamente. Deste
modo, também a intervenção se torna mais rica e potencia melhores profissionais. Assim
sendo, esta experiência permitiu-me dar mais importância e aprender que o trabalho de
cada um só será alcançado com melhor distinção se respeitado e cooperando com os
restantes, se se interligar com o dos restantes, ajudando-se mutuamente.
Ainda posso afirmar a possibilidade de aprendizagem que o estágio me
proporcionou de investigação e reflexão crítica sobre os projetos socioeducativos
diversificados. Neste caso, da ADCE, de projetos ligados à educação formal, o Projeto
Promover o Sucesso, e de educação não formal, a Animação Sociocultural e Educativa
exposta através das «ofertas» da Ludoteca, Clube de Jovens e Espaço do Conhecimento.
Essas reflexões mostraram o valor dos conhecimentos adquiridos na formação académica,
ao mobilizar temáticas que foram abordadas ao longo do Curso em Ciências de Educação,
sejam relacionadas com a licenciatura, como com o MCED, agora como ferramentas
teóricas, concetuais, metodológicas, para conhecer a realidade social e educativa de uma
forma mais situada e contextualizada, e mais ética. Aqui posso referir como principais os
temas dos Direitos das Crianças, como sendo a linha orientadora de todo o meu percurso.
Além da reflexão critica sobre as temáticas, também me permitiu utilizar essa reflexão de
forma prática, contribuindo na preparação de algumas atividades, oportunidade que se
105
veio a consolidar numa proposta de ação de informação e sensibilização para os pais da
comunidade. Este processo de desenho e planificação desta proposta foi de extrema
relevância para o meu processo, como já referi anteriormente, que aprofunda ainda mais
a reflexão referida, da mesma forma que coloca imensos desafios de pensar com coerência
toda a organização da sessão, indo ao encontro daquilo que são as preocupações ético-
metodológicas explicitadas. De igual forma, o processo de construção dos flyers que
poderiam acompanhar as sessões propostas também foi desafiante já que a linguagem
deveria ser clara e focada em termos da mensagem que se pretende transmitir, sendo
também coerente com as dinâmicas propostas para as sessões.
Em relação a este aspeto tenho aqui que ressalvar que com muita pena minha,
devido aos condicionalismos do tempo e da pandemia não foi possível eu realizar esta
ação, mas tendo sempre a consciência de que implementar a ação junto do público-alvo
seria mais uma mais-valia para a minha experiência no terreno durante o estágio e uma
mais-valia para a minha profissionalização em CE. A ADCE teve perante estes
condicionalismos uma atitude bastante positiva de estar aberta à minha «intervenção»
posterior ao estágio, atitude essa que tenho de enaltecer e agradecer.
Além de tudo o referenciado até agora, como aprendizagem pessoal e que levo
para a vida profissional, considero que outro grande ensinamento que ganhei neste
processo de estágio, é o facto de ter de confiar mais em mim, nas minhas capacidades,
superando a minha timidez e colocando-me num maior à-vontade e com uma maior
segurança. Considero, de facto, que a minha timidez e o receio poderá, por vezes, ter
«prejudicado» o meu posicionamento na instituição, ou seja, não me permitiu ter o à-
vontade necessário para propor determinadas coisas.
Da mesma forma, e até pelas circunstâncias anómalas que afetaram o estágio,
acredito que todo este decurso permitiu-me desenvolver a capacidade de resiliência, de
não desistir à primeira condicionante, não desanimar, tentando alterar o curso dos
acontecimentos para melhor desempenhar o nosso trabalho e atuação. De facto, o meu
estágio obrigou-me a ir encontrando sempre novas soluções para as situações que me
eram «impostas» de determinada forma, principalmente, neste caso, devido à pandemia.
Esta é uma capacidade bastante importante para um profissional das ciências sociais e
humanas, principalmente para um profissional em Ciências da Educação, já que temos de
ter a perceção de que nem tudo corre bem a primeira e que depende das variadas
condicionantes que estão ao nosso redor. Nem sempre as coisas correm como esperamos,
mas temos de ser capazes para dar a volta por cima. Isto numa intervenção social e
106
educativa é bastante relevante já que temos de ter em mente que a qualidade e os
resultados da intervenção depende de condicionalismos pessoais, sociais, económicos e
culturais das pessoas em nosso redor, das comunidades e das pessoas com quem estamos
a intervir.

107
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