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M
2021
Universidade do Porto
Porto, 2021
AVISOS LEGAIS
The personal and social training acquired in the internship and the different skills
developed, including in the moments of advances and setbacks in the process, are,
ultimately, an object of reflection.
Mots clés: Droits de l’enfant; Formation parentale; Jouer; Devoirs; Succès / échec
scolaire
Índice de siglas
Índice de Gráficos
Gráfico 1- Nível de Escolaridade dos EE na Escola Básica de Silvalde ........................ 86
Índice de Tabelas
Tabela 1 - Síntese dos Temas / problemas emergentes da análise: inquéritos a pais / EE
e registos de observação e conversas com crianças, técnicos e professores ................... 87
Tabela 2 - ADCE: Projetos e propostas de Ação de Formação: requisitos .................... 88
Tabela 3 - índice das Sessões ......................................................................................... 97
Tabela 4 - Sessão 1: Os direitos das crianças ................................................................. 98
Tabela 5 - Sessão 2: O direito a uma vida familiar ........................................................ 99
Tabela 6 - Sessão 3 e 4: O direito à Educação.............................................................. 100
Tabela 7 - Sessão 5: O direito ao lazer, actividades recreativas e culturais ................. 101
Índice de Apêndices
Apêndice I – ADCE: Caracterização …………………………………………………114
a) Natureza, objetivos, atividades e órgãos sociais…………………………. 114
b) Âmbito de Ação / Intervenção – Organigrama…………………………... 115
c) Projetos – Objetivos, equipa, destinatários e atividades…………………. 116
Apêndice II – Centro Comunitário Espinho Mar – Espinho Terra …………………..120
a) Razões de criação, definição e objetivos………………………………… 120
b) Ludoteca: Definição, Público-Alvo, Objetivos, Inscrição……………….. 121
c) Clube de Jovens: Definição, Público-Alvo, Objetivos…………………... 122
d) Organização do Espaço e do tempo: Ludoteca e Clube de Jovens………. 123
e) Espaço do Conhecimento: Definição, Público-Alvo, Objetivos…………. 124
f) Organização do Espaço e do tempo: Espaço do Conhecimento…………. 125
g) Animação Sociocultural e Educativa…………………………………….. 126
Apêndice III – Projeto Promover o Sucesso – Escola Para Todos…………………... 128
a) Conceção de (in)sucesso, objetivos, público-alvo, intervenção e
atividades………………………………………………………………….128
b) Inquéritos aos EE dos Centros Escolares abrangidos pelo PPS…………… 131
c) Resultados dos inquéritos aos EE da Escola Básica de Silvalde e Escola Básica
de Anta…………………………………………………………………… 132
d) Flyer “O que a escola espera de si enquanto mãe/pai ou encarregado de
educação………………………………………………………………….. 133
e) Ligação entre os objetivos do projeto e as respetivas atividades………….. 135
Apêndice IV – Ação com os jovens sobre a Importância da Escola e Métodos de Estudo
………………………………………………………………………………………...136
Apêndice V – Entrevistas Semi-diretivas às/aos monitoras/es do Centro Comunitário
(Guião + Análise)……………………………………………………………………...138
a) Guião da entrevista……………………………………………………….. 138
b) A ludoteca (análise)………………………………………………………. 140
c) O brincar (análise)………………………………………………………... 143
d) O cantinho de estudo (análise)……………………………………………. 145
e) Os TPC (análise)………………………………………………………….. 147
f) A ADCE (análise)………………………………………………………… 148
Apêndice VI – Análise de Conteúdo «Ludoteca / Clube de Jovens»…………………. 150
a) Funções…………………………………………………………………... 150
b) Organização e funcionamento……………………………………………. 154
c) Tipos de Atividades que os Jovens gostariam de fazer……………………. 160
Apêndice VII – Análise de Conteúdo «Espaço do Conhecimento» …………………...161
a) Trabalho Realizado……………………………………………………….. 161
b) Reações das Crianças e Jovens aos TPC………………………………….. 162
c) Dificuldades……………………………………………………………… 166
Apêndice VIII – Análise de Conteúdo «Projeto Promover o Sucesso»……………….. 170
a) Reuniões Semanais……………………………………………………….. 170
b) Espaço da Mediação – Acompanhamento Semanal………………………. 171
c) Problemáticas identificadas pelos professores e técnicas do PPS – Pais… 177
d) Problemáticas identificadas pelos professores e técnicas do PPS –
Crianças…………………………………………………………………...180
e) Dificuldades de implementação do projeto devido à pandemia…………... 183
f) Propostas dos projetos em relação aos problemas identificados………….. 184
Apêndice XIX – Ação de Informação e Sensibilização para pais: Por Todos Nós
(Flyers)……………………………………………………………………………….. 186
a) 1ª Sessão: Os direitos das crianças………………………………………... 186
b) 2ª Sessão: Direito a uma vida familiar…………………………………….. 188
c) 3ª Sessão: Direito à educação (educação pré-escolar)…………………….. 190
d) 4ª Sessão: Direito à educação (1ºciclo)…………………………………… 192
e) 5ª Sessão: Direito ao brincar……………………………………………… 194
Introdução
4
Capítulo 1 - As crianças e os seus direitos – Um horizonte
teórico-concetual orientador da observação, análise e
intervenção no estágio
Nessa altura, as crianças eram vistas como uma força de trabalho suplementar que
aumentava a renda económica da família e, sendo assim, “os horizontes da criança eram
bastantes limitados pela família” (Coleman, 1968: 138), a quem competia “propiciar um
contexto adequado em que a criança pudesse aprender o que fosse necessário” (idem:
ibidem) ao exercício do seu ofício. Ou seja, “a educação ou a formação da criança diziam
somente respeito ao que parecesse necessário para se manter a produtividade da família”
(idem: ibidem). Havia, assim, uma certa indiferença social perante a criança pois esta era
vista, sobretudo, como mais uma pessoa para trabalhar e contribuir para a sobrevivência
do grupo familiar. No entanto, é a partir desta altura que é detetado o aparecimento de
uma consciência da especificidade infantil como sendo diferente da dos adultos, em que
5
o ser humano pequeno é considerado frágil e que deve ser protegido, dependendo dos
cuidados de outros, dos adultos, nomeadamente, dos seus familiares, para sobreviver e se
desenvolver, que está na base da emergência do que Ariès (1986) designou por sentimento
da infância. A partir de então, e desta distinção biossocial essencial entre adultos e
crianças, sucedem-se várias conceções de criança e de infância que se foram atualizando
e reconfigurando, muitas delas prolongando-se até aos dias de hoje.
6
o desenvolvimento da conceção da criança da Nação, uma criança que pela sua
vulnerabilidade e crescente importância social, porque será o cidadão do futuro, deve ser
protegida pelo Estado para que fosse garantido o seu bem-estar e proporcionada a sua
educação enquanto modo de investimento socioeconómico nacional (idem).
Posteriormente, surge a conceção da criança como membro da família, que afirma e
reivindica o pensamento de que o melhor lugar para a criança se construir de um modo
saudável seria o seio familiar e as suas relações, principalmente, os vínculos maternais.
Mais recentemente, a conceção da criança cidadã que culmina com a CDC
(1989)1, documento fundamental de «defesa» e respeito pelas crianças, afirma que a
criança é “todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei lhe for
aplicável atingir a maioridade mais cedo” (idem: artigo 1º), e organiza-se em torno do
“Princípio do Interesse Superior da Criança” (idem: artº 3), de onde derivam variados
direitos, todos eles interligados, mas podendo ser agregados em três grandes tipos, os
chamados 3P’S: Proteção, Provisão e Participação. Os direitos de proteção estão
relacionados com o direito da criança a ser protegida contra todas as formas de
discriminação, conflito, abuso e exploração (artigos 19º, 30º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º e
38º). Os direitos de provisão estão relacionados com um conjunto de direitos sociais
relacionados com a saúde, educação, assistência, vida familiar, recreação e cultura
(artigos 10º, 18º, 20º, 24º, 28º e 29º, 31º). Os direitos de participação, são direitos civis e
políticos que têm em consideração uma imagem ativa das crianças, em que devem ser
ouvidas e dar a sua opinião em assuntos que lhes dizem respeito (artigos 12º, 13º, 14º, 15º
e 17º), rompendo com o paradigma da criança dependente e em déficit (Ferreira, 2004;
Tomás & Soares, 2004). Até ao momento em que culminou na CDC (1989) só os direitos
de provisão e proteção eram reconhecidos como sendo direitos das crianças.
Assim, apesar de a noção de criança ser usualmente considerada em déficit porque
vistas como imaturas, incompetentes, ignorantes, dependentes e irresponsáveis do ponto
de vista biológico, social, cultural, económico e moral (Ferreira, 2004), e apesar de
continuarmos a falar da criança em termos de uma negatividade constituinte, como os
«ainda-não» (Tomás & Soares, 2004), ao longo de séculos temos assistido a uma
construção socio-histórica da infância que, no reconhecimento da diferenciação das
crianças face aos adultos e na passagem de uma infância breve a uma infância cada vez
1
A importância de uma Convenção internacional é que requer a sua ratificação pelos Estados, ficando estes
obrigados a cumprir a lei e a prestar contas acerca do seu cumprimento, e sobrepondo-se esta às leis até
então em vigor. Portugal ratificou a CDC (1989) em 1990.
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mais longa (Ariès, 1986), conceptualiza a criança como cidadã com direitos. Não obstante
esta conquista sociopolítica a realidade social tem vindo a mostrar um aprofundamento
da polarização da vida quotidiana das crianças entre a família e a escola, as suas instâncias
socializadoras centrais, fixando os seus principais papeis sociais aos papéis tradicionais
das crianças como filhas/os e como alunas/os.
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mais tarde; aumento das taxas de divórcio; diversificação das formas familiares (famílias
simples, família monoparentais, homoparentais, famílias extensas, famílias complexas,
famílias recompostas, família troncal); limitação do número de filhos e procriação tardia
devido à entrada das mulheres no mercado de trabalho e que querendo subir na carreira
adiam o passo de ter filhos.
Neste sentido, Singly (2011) refere que, atualmente, a família moderna é
relacional, ou seja, é “progressivamente construída como um «espaço privado» em que
os membros da família valorizam principalmente o facto de estarem em conjunto e de
partilharem uma intimidade” (idem: 12). Assim, se antes as crianças eram vistas como
uma força de trabalho que aumentava a renda económica da família, hoje tornaram-se
“objeto de afeto e de cuidados, razão de viver, modo de se realizar” (Nogueira, 2005:
570), sendo consideradas seres que precisam de proteção, apoio, carinho e a satisfação
das suas necessidades básicas.
No entanto, ao mesmo tempo que a família moderna é relacional é, também,
individualista, uma vez que, “Cada um assume mais a sua própria fisionomia, a sua
maneira pessoal de sentir e de pensar” (Singly, 2011: 15). Ou seja, cada membro da
família vai ganhando a sua individualidade, independência e autonomia. Acresce ainda
que a família moderna é privada e pública porque, apesar do seio familiar ser considerado
privado, por vezes, e na sua maioria, “a família moderna está sob vigilância. Existe um
controlo da vida privada” (idem: 16); controlo esse que é feito pelo Estado, sob o
argumento do melhor e superior interesse dos membros da família e principalmente das
crianças.
9
cooperação, compreensão, autonomia, responsabilidade… e a sua tradução em práticas
ou comportamentos parentais:
“As práticas parentais são as ações e estratégias adotadas pelas figuras parentais
perante as crianças com o objetivo de orientar o seu comportamento e
desenvolvimento físico, psicológico e social. (…) implicam o modo como os pais
educam os filhos, como negoceiam as regras, estabelecem limites e ensinam valores.”
(Almeida, Matos, Gonçalves & Freitas, 2020: 20)
A parentalidade positiva é uma conceção recente que considera que esta deve ser
suportada por uma educação não violenta, excluindo qualquer castigo corporal ou
psicologicamente humilhante, optando por dialogar com as crianças. Assim sendo, estas
práticas devem respeitar o melhor interesse da criança, bem como os seus direitos, e, para
isso, há alguns princípios básicos a ter em conta. A satisfação das necessidades de afeto,
confiança e segurança, implicam “a construção de um ambiente relacional ao mesmo
tempo caloroso e responsivo” (Cruz, 2014: 108) que leve em conta os interesses,
preferências e necessidades dos filhos, bem como o reconhecer que todas as crianças têm
competências, facilidades, interesses e dificuldades, não se devendo exigir demais delas.
Quando os pais ou cuidadores têm isto em atenção,
“Est[ão] a mostrar que: (1) respeita a criança ou adolescente na sua individualidade; (2)
Partilha com ele/a uma forma de pensar e sentir as situações; (3) Percebe o que em cada
momento pode ajudar a criança ou o adolescente a dar um passo em frente na sua trajetória
desenvolvimental, percebe qual o desafio que a criança/o adolescente está a enfrentar e
ajuda-a/o a ultrapassá-lo” (idem: 108/9).
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assegurem o respeito pela criança como indivíduo, a sua perceção de ser estimado e
apreciado e, também, oportunidades para que aquela possa gerir os seus riscos e fazer as
suas próprias escolhas” (Barroso & Machado, 2010: 213).
Tendo em consideração as dinâmicas referidas, e os modos como os pais exercem
as suas influências e as suas competências parentais para ajudarem ao desenvolvimento
da criança, é possível identificar quatro modelos parentais: autoritário, negligente,
permissivo e democrático (Martins, 2020). No modelo parental autoritário, as relações
são baseadas no controle, ameaças e punições, e falta de afetividade. A criança tende a
ser vista como um ser imaturo, que precisa da correção do adulto através da exigência,
pouca compreensão e tolerância, estabelecendo e impondo regras, limites e rotinas
inquestionáveis. “Quando aplicado de forma predominante e sistemática, este estilo
parental é gerador de emoções nocivas para o desenvolvimento da criança, que lida com
um sentimento permanente de injustiça, medo, ansiedade e até rejeição” (Martins, 2020:
34). Considera-se, então, que este modelo não favorece o desenvolvimento e a auto-
estima saudável da criança, nem leva em consideração a conceção de criança como
cidadã, com direito a participar e dar as suas opiniões. No caso do modelo parental
negligente, os adultos são distantes e ausentes, limitando-se a “satisfazer as necessidades
básicas da criança” (Martins, 2020: 36), não se preocupando com o seu processo de
socialização, mas sim, principalmente, com os resultados.
“O resultado da aplicação deste modelo, que se resume na ausência dos pais ou na sua
«demissão» das funções parentais, é a ausência de um sentimento de pertença e de
importância por parte da criança, que não sente que exista uma base segura para se
desenvolver harmoniosamente” (idem: ibidem)
Por sua vez, os pais permissivos são pais afetuosos, tolerantes e compreensivos,
mas têm dificuldade em estabelecer limites, levando a que as crianças tenham liberdade
excessiva. Já a parentalidade democrática vai ao encontro da noção da criança como
cidadã e com a «teoria» da parentalidade positiva: pais dialogantes, tolerantes e
compreensivos, negociando, num diálogo bidirecional, as regras, limites e rotinas com as
crianças. “As regras, limites e rotinas estão bem definidos, mas as opiniões e pontos de
vista das crianças são tidos em conta. Estas são envolvidas em grande parte das decisões
que lhes dizem respeito, são estimulados a negociação e a assumir os compromissos”
(Martins, 2020: 37). É ainda promovida a reflexão com o objetivo de ajudar a criança a
ter autonomia e a responsabilidade, uma vez que, “perante o erro, (...) optam por
promover a reflexão em vez da punição, fazendo com que a criança se coloque no lugar
11
do outro e compreenda o impacto que as suas ações têm no mundo que a rodeia” (idem:
ibidem).
Além de garantir e assegurar condições para um crescimento e desenvolvimento
harmonioso da criação, é ainda pedido aos pais que acompanhem os filhos no seu percurso
escolar.
12
eles no processo de ensino-aprendizagem, articulando educação familiar com a educação
escolar. Porém, muitos pais olham para a escola com receio e preocupação porque apenas
são chamados à escola quando os seus filhos revelam problemas de aprendizagem e
comportamento. Desta forma, embora se advogue que a família e a escola sejam
‘parceiros’, numa relação mais estreita, de modo a oferecer experiências educativas mais
vantajosas e equilibradas as crianças, no pressuposto que quando há uma boa relação entre
estas duas instâncias é potenciada uma melhor aprendizagem e desenvolvimento, os pais
vêm a sua parentalidade invadida pelas exigências da educação escolar como atestam as
mudanças e implicações na vida familiar:
“À medida que as crianças vão progredindo na sua vida escolar a família organiza-se, em
parte, em função dos horários, das exigências feitas pela escola, das despesas e do trabalho
que exige, dos juízos que emite, das decisões que toma, das tensões e expectativas que
provoca na criança e nos que lhe são próximos” (Perrenoud, 2001: 57).
13
requer bastante tempo disponível para dar conta de todas as tarefas que lhe são atribuídas
e indicadas.
Pode então dizer-se que apesar de a escola não pretender, nem ter como objetivo
‘vigiar’ as famílias dos seus alunos, acaba por ter assim uma variedade de informações
sobre a sua vida e, consequentemente, das suas famílias, desencadeando o que Perrenoud
(2001) chama da «uma fenda da esfera privada». Assim, ao mesmo tempo que a família
é construída de forma a ser um espaço privado, há uma interrupção tornando-a pública,
uma vez que está sob controlo e vigilância em nome da “noção de interesse das crianças
serve de justificação à intervenção do Estado na Família” (Singly, 2011: 16), neste caso
através da instituição da escola.
14
2.2.1. Educação escolar e ofício do aluno
Com efeito, o processo de construção social da massificação escolar e da definição
da criança como aluno, que sob a égide do princípio da igualdade de oportunidades estão
na base da institucionalização da infância nas escolas, normalizou-se a ponto de, nas
sociedades ocidentais contemporâneas, se passar a considerar que ser criança é ser aluno
a tempo inteiro. Ou seja, assumir como inevitável que o tempo em que “ofício da criança
[era] brincar” (Chamboredon & Prèvot, 1973 cit in Tomás & Fernandes, 2014: 15) deu
lugar ao ofício do aluno (Ferreira, 2006):
“as crianças, cumprindo a regra da assiduidade, têm que ali [na escola] permanecer todos
os dias, e por um período de tempo determinado, no qual é suposto desenvolverem uma
miríade de rotinas de atividade para a aprendizagem do currículo formal e informal”
(Rocha & Ferreira, 2008: 28).
“a partir dos anos 70, o trabalho de analise de produção do insucesso escolar ultrapassa
as relações escola/meio e interessa-se pelos mecanismos que operam no interior da
própria escola; interrogando o funcionamento e as suas práticas, a corrente
socioinstitucional sublinha a necessidade da diferenciação pedagógica, pondo em
evidência o carater ativo da escola na produção do insucesso” (Benavente, 1990: 717).
16
Havendo várias teorias para explicar o insucesso/sucesso escolar, desde a teoria
dos dotes naturais ao seu handicap sociocultural proveniente da socialização
disponibilizada pela família, aos desiguais modos de funcionamento pedagógico no
interior da escola, subsiste como problema o facto, das primeiras justificações
continuarem a ser bastante comuns, até hoje em dia, dentro e fora da escola.
17
português, branco, urbano, católico e de classe média” (Avila de Lima, 2002: 105), sendo
que, quando estes saem desse padrão, os docentes têm dificuldade em se relacionar.
Por sua vez, os pais de classe média, “para além de possuírem, à partida, mais
informação, têm, também, uma maior capacidade de confrontar os professores e as
direções dos estabelecimentos de ensino, formulando questões relevantes” (idem: 165).
Do mesmo modo,
“vários estudos têm demonstrado (…) paradoxo de muitos professores sentirem uma
maior dificuldade em se relacionarem com famílias dos meios populares, devido a
barreiras de ordem sociocultural, ao mesmo tempo que são os pais de classe média aqueles
que mais temem, pois são os que se colocam numa posição de igualdade” (idem:115).
Ou seja, apesar dos professores terem mais dificuldade em comunicar com os pais de
classes populares devido à diferença sociocultural, são os pais de classe média que eles
mais ‘temem’ devido à sua capacidade de questionarem o seu trabalho.
Neste sentido, apesar de a família se conceber como um grupo que é fechado e
privado “onde os membros da família valorizam principalmente o facto de estarem em
conjunto e de partilharem uma intimidade” (Singly, 2011: 12), a escola acaba por saber
de situações relativamente à sua vida, originando a «fenda na vida privada». Algumas
destas informações são também obtidas a partir das crianças pois “voluntariamente (…)
fornecem detalhes sobre as condições e o modo de vida das famílias” (Perrenoud, 2001:
94), e indiretamente, através da forma de vestir, de falar e dar opiniões, entre outras.
Desta forma, face à realização da igualdade de oportunidades e ao (in)sucesso
escolar e enviesamento social que lhe assiste, questiona-se até que ponto a escola gratuita
elimina os encargos económicos das famílias com a educação das suas crianças dado que
a maioria destas despesas “não se reportam ao ensino propriamente dito, mas às despesas
anexas que, por muito reduzidas que sejam quando tomadas isoladamente vão-se
acumulando e pesando (…) no orçamento familiar” (Perrenoud, 2001: 72). Assim sendo,
escolas gratuitas não significam que “para as famílias (…) os custos da educação de uma
criança fiquem reduzidos a zero” (Coleman, 1968: 141) e nem todas as famílias
conseguem suportar esses custos. Questiona-se também até que ponto a exposição a um
determinado currículo comum e universal para todos, sem ter em conta as diferentes
origens das crianças, potencia a igualdade de oportunidades:
“A opção [de critérios de sucesso escolar] tem consistido em fixar um mesmo padrão para
todos os sujeitos. Sendo este critério único, sendo os sujeitos diferentes em termos de
capacidades, motivações, experiências (…), e sendo tais diferenças socialmente
18
conotadas, ele irá consolidar uma diferença social já existente” (Roazzi & Almeida,
1998:58).
“Os Estados Parte reconhecem à criança o direito ao repouso e aos tempos livres,
o direito a participar em jogos e atividades recreativas próprias da sua idade e de
participar livremente na vida cultural e artística” (CDC, 1989: Artigo 31º)
19
Com o tempo totalmente preenchido com atividades escolares e com atividades
desportivas, recreativas ou culturais «coordenadas» por adultos, está a dupla necessidade
de os adultos sentirem que estão a proteger a criança dos vários perigos que consideram
existir na sociedade, ao mesmo tempo que estão a providenciar que elas tenham acesso a
bens e recursos úteis ao seu desenvolvimento pessoal e social, e às exigências escolares
e ao sucesso académico. “Sob o argumento do cuidado e da proteção, a infância e os
fazeres infantis estão sendo ressignificados e redesenhados dentro de uma lógica de
supercontrolo, praticado por meio das instituições e de mecanismos institucionalizantes”
(Garcia, Rodrigues & Castilho, 2016: 33). Esta excessiva proteção, institucionalizada, e
a organização constrange a infância e as experiências e oportunidades que a criança tem
de ser criança.
“os pais e a sociedade, de forma geral, ‘esquecem-se’ de ver a criança como criança e de
lhe oferecer coisas de criança, nomeadamente, tempo livre para brincar; em contrapartida,
vão preenchendo o tempo da criança com atividades estruturadas, por considerarem que
estas proporcionam um desenvolvimento rápido, uma aprendizagem mais precoce e, por
conseguinte, maior sucesso escolar” (Silva & Sarmento, 2018: 45).
“livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou ainda
para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social
voluntária ou a sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das
obrigações profissionais.”
20
cit in Ferreira, 2004), em atividades livres e com tempo livre, e a de criança como aluno
cujo ofício é desempenhar com sucesso o trabalho escolar, ocupando-se das atividades
associadas às tarefas escolares.
Nesse sentido, o direito ao tempo e atividades livres são cruciais para as crianças
poderem ser atores sociais competentes, produtoras de culturas e participantes na vida
social das/com outras crianças e com adultos. Isso significa entender as crianças como
seres que ao invés de imitarem o mundo que as rodeia, o reinterpretam em função dos
seus interesses e à sua maneira, atribuindo-lhe significados e sentidos próprios (Ferreira,
2004). Significa também que estas interpretações individuais de si, dos outros e do
mundo, em momentos conjuntos com outras crianças são partilhadas, negociadas,
recriadas, estando na origem e alimentando a (re)produção de culturas infantis (idem). Ou
seja, as crianças, ao participarem nos grupos de pares, reproduzem de modo seletivo e
interpretativo o mundo e reelaboram-no à sua maneira e do seu ponto de vista, não se
limitando a imitar o mundo adulto. As culturas infantis são então “um conjunto estável
de atividades ou rotinas, artefatos, valores ou preocupações que crianças produzem e
compartilham em interação com pares" (Corsaro, 1997: 95). Desta forma, é no âmbito da
produção de culturas infantis que as culturas lúdicas ganham particular destaque,
especialmente sob a forma do brincar livre e, dentro deste, do brincar ao faz de conta.
“Ao experimentar o brincar como uma atividade lúdica, portanto, altamente significativa
para si, as crianças inspiram-se na realidade adulta, mas filtram-na em função dos seus
interesses e necessidades. Introduzem, com isso, processos de seletividade e de
reinterpretação, imaginação, fantasia e ficção, criatividade e espírito crítico, exercendo
plenos poderes para alterar, inverter, transgredir, os atributos, classificações, relações e
regras habituais a pessoas, animais, objetos, ações, acontecimentos, papeis e funções,
ideias, tempos e espaços” (Ferreira & Tomás, 2020: 6).
21
forma, brincar é uma forma que as crianças têm de aprender a autonomia, a livre
iniciativa, a testar limites, resolver problemas, desenvolver capacidades, e a
autoconfiança e autoestima. Brincar é essencial pois “possibilita a promoção e aquisição
de um conjunto de aprendizagens fundamentais no desenvolvimento psicológico,
emocional e social das crianças” (Neto, 2020: 18).
O mesmo é assumir que o brincar livre das crianças, enquanto atividade
biosociocultural, uma rotina, e um valor nas culturas de pares é, em si, um contexto de
afirmação das suas competências psicossociais, de livre associação, de socialização entre
crianças, de participação ativa nos seus mundos de pertença, e, por tudo isso, é, ao mesmo
tempo, um espaço-tempo de educação informal por excelência - aquela que se aprende no
quotidiano, através dos processos de compartilhamento de experiências e fruto da
convivência, principalmente em espaços e ações coletivas. Deste ponto de vista, se nas
culturas lúdicas, durante as brincadeiras, as crianças expressam as suas opiniões e se dão
a conhecer nas suas ideias, mostrando como veem e entendem o mundo, o que gostam e
não gostam, as suas preocupações e sugestões, então, brincar é um modo particular delas
participarem e exercerem os seus direitos de participação. Por isso, é importante criar
condições de espaço e tempo para respeitar o brincar.
22
“O reconhecimento das crianças como seres sociais agênticos que podem ter interesses,
opiniões e sentimentos próprios e diferentes dos adultos, patente nos direitos de
participação consignados na CDC (1989), vem suscitando, no entanto, grande
controvérsia social, continuando, na prática grandemente por cumprir” (Veiga & Ferreira,
2019: 189).
Portanto, podemos ainda afirmar que os direitos de participação são os que ainda,
hoje em dia, sofrem de dificuldades em se efetivar na prática, ou seja, há a consciência da
sua importância, mas muitas vezes não são efetivamente colocados em prática.
Roger Hart (1993), um dos autores pioneiros a refletir sobre a participação infantil,
chama a atenção que a participação e cidadania infantil não querem dizer que as crianças
deixam de ter infância:
23
“as crianças tenham infância, mas não é realista esperar que repentinamente se convertam
em adultos responsáveis e participativos na idade de 16, 18 ou 21 anos, sem nenhuma
experiência prévia nas habilidades e responsabilidade que se requerem” (Hart, 1993: 5)2
2
No original: “Ciertamente, se debe permitir que los niños tengan infância, pero no es realista esperar que
repentinamente se conviertan en adultos responsables y partitipativos a la edad de 16,18 o 21 años, sin
ninguna experiencia previa en las habilidades y responsabilidades que se requieren” (Hart, 1993: 5)
3
No original: “Children do or say what adults suggest they do, but have no real understanding of the issues.
Or children are asked what they think, adults use some of their ideas but do not tell them what influence
they have had on the final decision” (Shier, 2001: 109)
4
No original: “Children take part in an event (…) but they do not really understand the issues” (Shier, 2001:
109).
5
No original: “are asked to say what they think about no issue but have little or no choice about the way
they express those views or the scope of the ideas they can express”(Shier, 2001: 109)
6
No original: “Adults decide on the project and children volunteer for it. The children understand the
project, and know who decided they should be involved and why. Adults respect these views” (Sheir,
2001:109)
24
crianças já não é meramente decorativo e a partir da quinta etapa até à oitava o adulto já
aparece apenas como uma figura de suporte e auxiliar, sendo as crianças que projetam e
que realizam todo o processo. No quinto patamar, os adultos decidem o projeto, mas as
crianças são consultadas, ou seja, “Elas percebem todo o processo e suas opiniões são
tidas em conta” (idem: ibidem)7. No nível seis os projetos são iniciados pelos adultos,
mas as decisões são compartilhadas com as crianças, ou seja, “Não só os seus pontos de
vista são considerados, mas eles também estão envolvidos nas tomadas de decisão” (idem;
ibidem)8. O nível sete corresponde a projetos que são iniciados e geridos por crianças,
estando os adultos disponíveis para ajudar, mas não tomando o controlo, isto é “quando
elas se organizam propondo, orientando e dirigindo um projeto e/ou atividade sem
intervenção adulta” (Veiga & Ferreira, 2020: 194). Por fim, o nível oito é o que deve
acontecer idealmente, permitindo a participação efetiva e ativa das crianças, com projetos
iniciados por crianças e decisões compartilhadas com os adultos que “as apoiam,
sugerindo melhorias” (idem: ibidem).
Nesta escada que o autor apresenta e reflete, consegue observar-se desde as
práticas e lógicas intimamente adultocentricas, onde as crianças são um mero consultor,
até à prática participativa por parte das crianças, idealmente apoiadas pelos adultos. Neste
processo de participação a criança “por um lado procura informar-se e tende a cooperar,
a investigar, a exprimir-se, (...) por outro lado aprende a aceitar decisões
democraticamente tomadas mesmo que sejam diferentes dos seus superiores interesses ou
opiniões” (Freire, 2011: 22). Assim sendo, a valorização das vozes e ações sociais das
crianças é também importante para o seu desenvolvimento integral, uma vez que, esta
participação aumenta o seu sentido de responsabilização, autonomia, crítico, ao mesmo
tempo que aprendem a escutar e a valorizar as opiniões dos outros e/ou a negociá-las e a
encontrar consensos; ou seja, desenvolvem e exercitam competências essenciais à vida
coletiva. Nesta perspetiva, a participação das crianças desafia a ideia tradicional de seres
em déficit e dependentes dos adultos, para serem vistas como seres competente mediante
as suas especificidades.
No entanto, esta participação pode ser vista por muitos adultos como um desafio
à sua autoridade, no sentido de se renderem a todas as sugestões e decisões das crianças
7
No original: “They have a full understanding of the process, and their opinions are taken seriously”
(Sheir,2001:109)
8
No original: “Not only are their views considered, but they are also involved in taking the decisions”
(Sheir, 2001:109)
25
(Tomás, 2007), esvaziando ou demitindo-se do seu papel social como adultos e por essa
mesma razão as dificuldades que se encontram hoje em dia de colocar este direito
efetivamente na prática. Cabe, aos adultos, criar oportunidades para o exercício da
participação nas tomadas das decisões por parte de toda a comunidade educativa. É, de
facto, importante abrir espaço para que as crianças possam dar opinião e falar sobre os
vários assuntos que lhes dizem respeito.
26
Capítulo 2 - A ADCE: caracterização do contexto de estágio
27
Associação de Desenvolvimento do Concelho de Espinho (ADCE) e, em Paramos, o
Centro Comunitário do Centro Social de Paramos.
A nível da educação, há no concelho uma taxa de analfabetismo de 4,70%,
detendo a maioria da população entre um nível de escolaridade elementar, o 1º CEB
(15449 habitantes) e depois o 3º CEB e o 2º CEB (respetivamente 7562 habitantes e 5214
habitantes). Com o um ensino secundário e o ensino superior encontramos números
bastante semelhantes de habitantes a possuírem esse nível de escolaridade (7163 e 7240
respetivamente). Na Carta Escolar do Concelho, realizada em 2007 podemos ainda
observar que, na altura, antes dos Censos de 2011, existir uma taxa de abandono escolar
de 4,1%, uma taxa de retenção no ensino básico de 13,9% e uma taxa de aproveitamento
no ensino secundário de 74,5%.
Em suma, do ponto de vista socioeconómico e da sua localização, este concelho
apresenta uma grande diversidade, havendo “simultaneamente (…) algum peso dos
setores industriais (...); com zonas piscatórias tradicionais (...); com zonas rurais nas suas
localidades mais interiores (...); com uma atividade terciária importante (...); que serve de
dormitório à cidade do Porto” (Bureau Internacional do Trabalho, 2003: 91) e fortes
desigualdades, com situações de pobreza, exclusão social e marginalização.
28
Inicialmente esta instituição foi criada para a implementação de respostas no
âmbito social de prevenção e combate à pobreza e exclusão social de crianças e jovens e
adultos. Atualmente, implementa variadas medidas no âmbito social, económico, cultural,
científico e educativo, indo ao encontro dos objetivos anteriormente referidos. Assim
sendo, podemos encontrar várias iniciativas: Protocolo RSI (Rendimento Social de
Inserção), Programa Operacional de Apoio a Pessoas Mais Carenciadas (POAPMC),
Projeto Encaminhar o Futuro (PRI), Centro Comunitário Espinho Mar- Espinho Terra,
Projeto Promover o Sucesso - Escola Para Todos (PPS), CLDS (Contrato Local de
Desenvolvimento Social) 4G Espinho Vivo (cf. Apêndices Ib e Ic)
Apesar desta variedade de iniciativas, no meu percurso de estágio estive em
contacto direto apenas com o Centro Comunitário Espinho Mar – Espinho Terra, nas
respostas da Ludoteca, Clube de Jovens e Espaço do conhecimento, e com o Projeto
Promover o Sucesso – Escola Para Todos.
Tendo esta realidade em conta, a criação do Centro Comunitário (CC) nesta zona
visava proporcionar condições que possibilitassem aos indivíduos o exercício pleno do
seu direito de cidadania e apoiar as famílias no desempenho das suas funções e
responsabilidades, reforçando a sua capacidade de integração e participação social (cf.
Apêndice IIa).
O CC conta com uma equipa de intervenção alargada (cf. Apêndice Ic),
constituída por 3 Assistentes Sociais, 1 Educadora Social, 1 Técnica Superior de
Educação, 1 Psicologia, 1 Contabilista, 1 Administrativa, 3 ajudantes de ocupação
29
(monitores), e 2 auxiliares de serviços gerais, tendo como público-alvo, as crianças,
jovens, adultos e famílias.
Como suas ações de intervenção contam-se o Serviço de Atendimento e
Acompanhamento social, o Acompanhamento Psicossocial, a Animação Sociocultural e
educativa (Ludoteca, Clube de Jovens e Espaço do Conhecimento), Acompanhamento
Familiar Integrado e o Projeto de Apoio à Família e à Comunidade (Entre Linhas, Cozinha
Comunitária, Conversas Informais, Entre Nós) (cf. Apêndices Ib e Ic). Estes projetos são
adequados e redesenhados ao longo dos anos e tendo em conta os problemas da sociedade
e da comunidade na altura.
No espaço do CC direcionado para as crianças, encontram-se, por um lado, a
Ludoteca e o Clube de Jovens (cf. Apêndice IIb e IIc), dividida em variados espaços (cf.
Apêndice IId) como o faz de conta, expressões plásticas, jogos, videojogos, e, por outro,
o Cantinho do Estudo / Espaço do Conhecimento que corresponde a uma sala preparada
para a realização dos trabalhos de casa (cf. Apêndices IIe e IIf ). Nesse cantinho, devido
à pandemia, foi criado um espaço com vários computadores para crianças mais
necessitadas e sem acesso a meios digitais e tecnológicos poderem assistir às aulas via
zoom (cf. Apêndice IIf).
A Ludoteca (cf. Apêndice IIb), frequentada por crianças entre os 6 e os 10 anos,
vê os seus objetivos explicitados no Regulamento Interno do Centro Comunitário Espinho
Mar / Espinho Terra (ADCE, 2019: artigo 39º), sendo eles:
• Valorizar as capacidades de cada criança, respeitando os ritmos individuais;
• Fomentar a construção de uma identidade pessoal sólida, assente em
autoconceitos positivos e elevada auto-estima;
• Estimular o desenvolvimento das capacidades relacionais das crianças através
das relações e dinâmicas interpessoais que se estabelecem nas atividades;
• Fomentar o respeito pela cultura de origem das crianças e dinamizar atividades
de educação intercultural, que facilitem um maior diálogo entre culturas e a
integração pró-ativa da diversidade cultural;
• Apoiar/ mobilizar os diferentes atores sociais locais para o desenvolvimento de
possíveis ações comuns, beneficiando o desenvolvimento infantil e evitando
comportamentos desviantes;
• Incentivar a participação das famílias nas atividades e no processo educativo dos
34
necessidade de “cada escola reconhecer a mais-valia da diversidade dos seus alunos,
encontrando formas de lidar com essa diferença, adequando os processos de ensino às
características e condições individuais de cada aluno” (Decreto-Lei nº 54/2018). Para isto,
há alguns princípios orientadores a ter em conta, tais como: educabilidade universal, a
inclusão, o envolvimento parental, a equidade, a personalização, a flexibilidade e a
autodeterminação, sublinhando a importância dos três primeiros na ação da ADCE.
Relativamente à educabilidade universal pensa-se que “todas as crianças e alunos
têm capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento educativo” (idem). Ou seja, é
necessário acreditar e pensar que todas as crianças têm a capacidade de aprender e
desenvolver o processo educativo, sendo necessário adequar os conteúdos ao ritmo e as
necessidade e idiossincrasias de cada um. A ADCE com os seus espaços e projetos
dedicados ao Sucesso e Acompanhamento escolar tem em conta este princípio. Por sua
vez, o princípio da inclusão é “o direito de todas as crianças e alunos ao acesso e
participação, de modo pleno e efetivo, aos mesmos contextos educativos” (Decreto-Lei
nº 54/2018), considerando desta forma os direitos de provisão e participação das crianças.
Acresce na legislação portuguesa o reconhecimento de “uma função primordial à
família, no que diz respeito à educação dos seus filhos” (Serrano, 2015: 1),
nomeadamente no que diz respeito ao percurso escolar. Este aspeto, está explicito tanto
na Constituição da República Portuguesa (2005), afirmando que “os pais têm o direito e
o dever de educação e manutenção dos filhos” (artigo 36º), como no decreto da Educação
Inclusiva (Decreto-Lei nº 54/2018) que refere “o direito dos pais ou encarregados de
educação à participação relativamente a todos os aspetos do processo educativo do seu
educando”. Também este princípio é reconhecido nos projetos da ADCE.
No decreto-lei nº270/98 de 1 de setembro, relativo aos Estatutos do Aluno é
referido como direitos e deveres dos pais
“a) informar-se, ser informado e informar a comunidade educativa sobre todas as matérias
relevantes no processo educativo dos seus educandos e comparecer na escola por sua
iniciativa e quando para tal for solicitado; b) colaborar com os professores no âmbito do
processo de ensino-aprendizagem dos seus educandos; c) articular a educação na família
com o trabalho escolar; d) cooperar com todos os elementos da comunidade educativa no
desenvolvimento de uma cultura de cidadania, nomeadamente através da promoção de
regras de convivência na escola; e) responsabilizar-se pelo cumprimento do dever de
assiduidade dos seus educandos; f) conhecer o regulamento interno da escola.” (Diário da
República, Decreto-Lei nº270/98 de 1 de Setembro).
35
Além disso, no estatuto seguinte, com a Lei º 30/2002, acerca do mesmo assunto,
é acrescentado o seguinte
“aos pais e encarregados de educação incumbe, para além das suas obrigações legais, uma
especial responsabilidade, inerente ao seu poder-dever de dirigirem a educação dos seus
filhos e educandos, no interesse destes, e de promoverem activamente o desenvolvimento
físico, intelectual e moral dos mesmos” (Diário da República, Lei nº 30 de 2002 de 20 de
Dezembro).
36
outros apoios específicos, necessários às suas necessidades escolares ou às suas
aprendizagens, através de serviços de psicologia e orientação ou de outros serviços
especializados;” (Lei nº 30/2002, artigo 13º)
37
Pode então afirmar-se que os CC, para os cidadãos em geral, e as ludotecas e,
neste caso, também os Clubes de Jovens, são espaços privilegiados de educação não-
formal, onde o papel da Animação Sociocultural é crucial (cf. Apêndice IIg).
3.2.2. A ludoteca
Existindo uma variedade de definições, Ferreira e Neto (1992: 27) afirmam:
“Segundo a etimologia a palavra ludoteca provém do latim ‘ludus’ que significa jogo,
brincadeira, festa, a qual foi aglutinada com a palavra ‘theca’ que significa estojo ou local
para conservar algo.”. Por sua vez, Domingos (2011: 27) com recurso ao pensamento de
Santos (1991) refere a importância deste ambiente lúdico na estimulação da criança com
o acesso a uma variedade de brinquedos permitindo que a mesma explore e experimente.
Também nos documentos da ADCE que nos dão conta das suas atividades anuais
encontramos variadas definições sobre aquilo que se considera ser uma ludoteca: “A
ludoteca é um espaço lúdico-pedagógico pensado para as crianças, que através do jogo,
do faz de conta e da simples brincadeira pode desenvolver a sua personalidade, durante o
tempo livre” (ADCE, 2017:20). Esta personalidade e as competências são desenvolvidas
através de uma educação não formal onde se espera que as crianças sejam sujeitos ativos
no seu desenvolvimento e relações com os outros e a comunidade:
38
crianças se assumem enquanto sujeitos ativos do seu próprio desenvolvimento, brincando
e aprendendo em contacto direto com o seu par, com outros jovens e com a comunidade”
(idem: ibidem).
“Devido ao elevado custo de alguns brinquedos, muitas crianças não têm a possibilidade
de ter contacto com os mesmos em casa. Assim sendo, a Ludoteca adopta o papel de
promotor de igualdade de oportunidades, proporcionando o contacto com esses mesmos
artefactos lúdicos” (Domingos, 2011: 42).
40
Favorecer a interação dos adolescentes, através duma metodologia ativa, participativa (...)
e de valorização da autoestima e do protagonismo; Concretizar atividades que cultivem a
vertente social dos adolescentes através de iniciativas, como o teatro, o jogo, as formas
animadas, de forma a permitir a expressão dos adolescentes (...)”.
41
animação sociocultural estende-se a vários públicos-alvo: animação infantil, a animação
juvenil, animação para adultos e animação para idosos.
Tal como a educação não formal é um conceito amplo e variado, também a ASC
comporta variadas definições. Trilla (2004: 26) define a animação sociocultural como o
A mesma pode ser vista como uma estratégia de intervenção social e educativa,
de processos de mudança local, através da promoção de dinâmicas locais de
desenvolvimento, sendo respostas socioeducativas a necessidades sociais para as quais as
instituições educativas, como por exemplo a escola, não são capazes de responder:
42
A ASC e educativa tem, desta forma, um papel fundamental e importante na vida
das pessoas, e principalmente das crianças e jovens, pois permite o seu desenvolvimento,
uma maior participação no seu próprio desenvolvimento e a ocupação dos seus tempos
livres, com a socialização entre pares, o usufruto da criatividade, entre muitas outros
aspetos.
No CC da ADCE (cf. Apêndice IIg) “a área de animação sempre assumiu (...) uma
grande importância na medida em que ao oferecer uma variedade de propostas de
atividades os participantes ocupam produtivamente o seu tempo livre” (ADCE, 2019: 18).
Esta assume um papel de educação não-formal relacionada com a socialização, o lazer,
aprofundar os interesses individuais, e a construção de um pensamento crítico. Com
efeito, a ASC para as crianças realiza-se através da educação não-formal no lazer e
“ocorre essencialmente nos seus tempos livres com o objetivo de criar processos de
desenvolvimento pessoal e social” (idem, ibidem), no sentido de potenciar e possibilitar
“a evolução das aprendizagens, o despertar de interesses e motivações, o
desenvolvimento de competências, atitudes e comportamentos, a socialização” (idem,
2017: 20).
Assim sendo, “Nas vivências diárias da criança pretende-se, através da
componente lúdica, fazer com que a criança participe ativamente nas atividades
propostas, ampliando dessa forma a sua liberdade criativa e a sua integração nos
diferentes contextos” (Ribeiro da Silva, 2013: 35). Sendo seus princípios fundamentais a
criatividade, a componente lúdica, a atividade, a socialização e a liberdade e cumpre-se
CC da ADCE com a resposta da ludoteca, para crianças entre os 6 e os 10 anos.
43
Capítulo 3 - Dinâmicas socioeducativas da ADCE e processos e
experiências de formação vividas nos percursos de estágio:
questões ético-metodológicas
44
conhecimento da realidade se obtém, a realidade como as pessoas que estão no local todos
os dias o vêm, vivenciam e sentem.
Nesse sentido, ao mesmo tempo que ia ao local e participava em atividades do
dia-a-dia da instituição recorri a vários métodos para investigar e intervir. Nas opções
realizadas assumi um posicionamento concordante com os pressupostos que se
enquadram no paradigma de investigação qualitativo, que visa a compreensão dos
mundos concetuais e subjetivos dos atores privilegiando o seu ponto de vista, naquilo que
dizem, fazem e sentem os participantes - o propósito central é “«reconstruir» a realidade,
tal como é observada pelos atores de um sistema social” (Sampieri, 2002: 5), visando a
compreensão do observado, de forma situada e holística. Por isso, as metodologias
qualitativas colocam a ênfase na realidade através de “processos e significações que não
são examináveis experimentalmente nem mensuráveis, em termos de quantidade,
crescimento, intensidade ou frequência» (Denzin e Lincoln, 2003 in Amado, 2017: 42).
Consequentemente subscrevo as premissas do paradigma de intervenção que
defende o posicionamento de trabalhar com as pessoas, tendo em conta os seus interesses
e necessidades, orientados para a transformação dos sujeitos e contextos, visando assim
a capacitação, emancipação e autonomia dos sujeitos face à situação. Assumo as pessoas
como sujeitos das suas próprias ações, com voz, com capacidades de refletir e sentido de
responsabilização. Trata-se de um trabalho de relação com as pessoas, e não para as
pessoas. Principalmente com grupos desfavorecidos e discriminados esta relação ganha
ainda mais relevo pois é “encarada como fortalecimento do poder pessoal e cívico dos
socialmente em desvantagem” (Mary Richmond, 1922, cit in Fernandes, 2004: 143). Esta
é uma dimensão essencial para a construção dos projetos de vida das pessoas e
populações, pois permite que os mesmos observem e reflitam sobre a realidade à sua volta
e sobre si mesmas, sobre o que pode e deve ser melhorado e alterado e em que medida
podem contribuir para tais processos, pressuposto este que procurei ter em conta nos
diferentes momentos no meu percurso de estágio.
Tendo isto em conta, a minha postura e atitude no terreno procurou pautar-se, de
acordo com as recomendações éticas da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação,
e nomeadamente, tendo em conta a sua Carta Ética (2014). Segundo a mesma, como
investigadores e interventores, os profissionais sociais, e neste caso eu como estagiária,
lidam com a realidade social e, consequentemente, com os indivíduos, estando o seu
percurso constantemente a ser ‘intercetado’ por problemas e dilemas éticos.
Considerando estes profissionais, que atuam na intervenção social, enquanto profissionais
45
de e em relação é importante compreender que estes devem estar comprometidos com
uma atitude ética ligada a necessidade de “aprender a ser” eticamente comprometido.
Alicerçando-se em direitos, deveres e responsabilidades a intervenção social é,
primeiramente, realizada tendo por base a relação de respeito mútuo entre o profissional
e os participantes:
47
respondendo a um pedido da ADCE para conceber e desenhar a proposta de uma ação de
formação/sensibilização para pais.
Ao longo do primeiro grande momento, central do meu estágio, pude participar
em algumas atividades do dia-a-dia da instituição, sendo elas: nas reuniões semanais do
Projeto Promover o Sucesso, acompanhar a orientadora local no Espaço de Mediação a
um dos Centros Escolares apoiados pelo projeto, colaborar com as monitoras no cantinho
de estudo e na ludoteca, apoio às atividades das crianças na ludoteca e cantinho de estudo,
bem como cooperar na realização dos flyers para pais no Projeto Promover o Sucesso.
Além disso, desenhei ainda uma ação com os jovens do clube de jovens e cantinho de
estudo. A participação e colaboração nestas atividades, juntamente com as técnicas de
recolha de dados permitiram-me conhecer de forma mais profunda o contexto. Nessa
minha presença e participação fui estabelecendo relações com todos os atores da ADCE,
particularmente as técnicas e as crianças e jovens que frequentavam o CC, ao mesmo
tempo que recolhi informações pertinentes, através de vários recursos metodológicos para
recolha e de análise de dados. Foi o conhecimento e experiências adquiridos naquele
momento que, a par da análise dos dados, serviram de «base» para elaborar a proposta de
Formação/sensibilização a pais que foi apresentada no segundo grande momento.
48
instituição (cf. Apêndice Ib e Ic). À medida que era apresentada às/aos técnicas/os pela
orientadora local todas/os me deixavam à vontade para tudo o que eu precisasse, sentindo-
me bem acolhida. Apesar de ter andado pela instituição, foi-me também disponibilizada
uma secretária para trabalhar com o meu computador, e o acesso a um computador onde
estavam os documentos da instituição, até a colega que normalmente trabalha nesse
computador vir das suas férias.
Esta entrada que realizei, ainda no final de agosto, contribuiu para o meu maior
conhecimento da ADCE: permitiu-me observar um bocadinho daquilo que é o «campo
de férias» da ludoteca e clube de jovens e a organização dos espaços; bem como o
“arranque” do trabalho depois de um período de férias e, também, a leitura tranquila e
com tempo dos documentos da ADCE disponibilizados, que me permitiram conhecer de
todos os projetos da instituição.
Após este primeiro reconhecimento do local e dos domínios da intervenção da
ADCE e seus projetos (cf. Apêndices Ib e Ic), conversei então com a orientadora local
referindo que estava mais inclinada, na mesma direção, para o Projeto Promover o
Sucesso - Escola Para Todos, onde ela mesma intervém. Passei assim a integrar a equipa
do projeto, constituída por 1 Técnica Superior, 2 Psicólogas e 1 coordenadora de projeto
(cf. Apêndice Ic), e acompanhar as atividades que foram possíveis.
49
facilitar a minha entrada no terreno e, enquanto observadora e observadora participante,
recolher documentos e outras informações essenciais à caraterização da ADCE e seus
projetos de intervenção.
• Proposta de realizar um inquérito, cooperação na realização dos flyers para pais e segundo desaire
Outra das atividades do Projeto Promover o Sucesso era a “Conversa Com Pais”,
devendo ser realizadas sessões sobre assuntos considerados pertinentes. Com o avançar
da pandemia essas sessões presenciais deixaram de existir, sendo entregue através dos
50
professores, ou enviados por email, um flyer por mês sobre o tema escolhido pelos
técnicos do projeto para esse mês.
No seguimento da premissa ético-metodológica da intervenção de que é a
necessidade das pessoas que a deve orientar, propus às técnicas do projeto a realização de
um inquérito para identificar as temáticas que os pais achavam pertinentes e que sentiam
mais dificuldades em relação aos/às seus/suas filhos/as (cf. Apêndice IIIb).
Enquanto decorria o preenchimento dos inquéritos, propus um flyer sobre o tema
“O que a escola espera de si enquanto EE” (cf. Apêndice IIId), já que uma das temáticas
que os professores apontavam no Espaço da Mediação era a da «falta de acompanhamento
parental». O flyer que elaborei e enviei foi aceite pela equipa do Projeto e remetido para
os pais. No mês seguinte, depois de levantados os temas colhidos nos inquéritos, comecei
a propor novos flyers, mas devido ao término dessa atividade por via da pandemia, nada
mais se avançou – este considero ter sido um segundo desaire. Mesmo assim, as
informações retiradas dos inquéritos (cf. Apêndice IIIc) foram reaproveitadas para a
planificação da proposta de Ação/sensibilização aos pais (cf. capítulo 5), no 2º momento.
As dificuldades de implementação do projeto, com a pouca atividade do mesmo,
devidas aos condicionalismos da pandemia obrigaram a contornar a situação e a alargar
o horizonte de possibilidades para avançar com o estágio. Passei, por isso, a integrar
também as propostas para crianças e jovens do Centro Comunitário Espinho Mar -
Espinho Terra: ludoteca, clube de jovens e cantinho de estudo (cf. Apêndice IIb, IIc e
IIe).
2.1.3. Centro Comunitário Espinho Mar - Espinho Terra: Ludoteca, Clube de Jovens
e Cantinho de Estudo
• Colaboração com as Monitoras e apoio às atividades das crianças
Outra das respostas da ADCE é o Cantinho de Estudo e a Ludoteca e Clube de
Jovens. Neste espaço tive a oportunidade de colaborar praticamente todos os dias em que
estive na instituição com as monitoras, principalmente no apoio à realização dos TPC das
crianças e jovens.
Houve ainda dois dias de manhã em que estive, de forma autónoma, encarregue
da dinamização destes espaços. Isto sucedeu-se porque já tinha começado o ano letivo, e
consequentemente as atividades escolares das crianças e jovens. Nestas alturas de
períodos escolares, estes espaços só estão, normalmente, abertos na parte da tarde. Assim
51
sendo, por necessidade de abertura e por não ter monitores destacados para este período
do dia, fui eu a dinamizar o espaço.
Nesta dinamização procurei ter o cuidado de colocar as crianças à vontade e
respeitar as suas escolhas sobre as atividades que queriam realizar. No primeiro
dia/manhã só duas crianças foram à ludoteca, porque as restantes já tinham voltado à
escola, e andaram a brincar livremente. No segundo dia/manhã, as crianças traziam TPC
para realizar, e só estavam ali porque a sua professora faltou. Deixei à sua escolha se
queriam realizar TPC e depois brincar ou se queriam realizar uma parte de manhã e depois
brincar e realizar o resto na parte da tarde.
• Realização de uma ação com os jovens sobre a Importância da Escola e Métodos de Estudo.
Devido ao facto de me deparar com jovens e suas famílias com uma visão bastante
redutora da escola e sem grandes hábitos de estudar (cf. apêndice VIIb), e com forte
resistência à instituição escolar, propus à orientadora local e responsável pela Ludoteca e
Clube de Jovens, uma ação com os mesmos (jovens) para ajudar a (re)construir a
importância da escola e do estudo, e como podiam fazê-lo. Esta ação foi ao encontro dos
objetivos do Cantinho de Estudo, de incentivar o sucesso escolar e educativo e ensinar a
estudar.
Para não tornar a ação maçadora dividi-a em três dias diferentes (cf. Apêndice
IV), mas só consegui realizar a primeira sessão devido à suspensão do estágio presencial
por razão da pandemia. Na primeira ação, para reconstruir a importância da escola,
apresentei dados que ligavam a escola ao mundo de trabalho e propus a realização de um
role playing sobre assunto, apresentando vários perfis e perguntando se seriam eles os
empregadores quem escolheriam:
“A sessão decorreu à volta do tema da importância da escola, (…), pretendia que eles, ao
longo da sessão, fossem falando, participando, refletindo sobre o que lhes perguntava ou
propunha como atividade. Mas eles não cooperaram muito na reflexão e na participação,
sendo frequente a resposta «não sei». A X (monitora), como já os conhece há mais tempo
que eu, tentou ajudar-me e puxar pela reflexão deles, mas mesmo assim não obtivemos
muita cooperação por parte de alguns” (NT 12/11/20)
No final da sessão, pedi que na sessão seguinte trouxessem alguns dados sobre a
sua família para debatermos, mas entrámos em confinamento e o estágio presencial foi
suspenso – este um terceiro desaire.
52
Considero estas sessões um modo de melhorar a comunicação, a partilha e o
debate de opiniões, de explicitarem o seu pensamento, essenciais para si e para uma futura
entrada no mercado de trabalho. O maior problema ocorreu na sessão realizada por mim
para os jovens, foi a sua falta de participação. Provavelmente os jovens não estão
habituados a este tipo de sessões – não houve mais nenhuma no tempo em que estive
presente. Além disso, considero que poderia ter feito logo no início da sessão alguma
atividade de quebra-gelo mais apelativa e divertida.
2.1.4. Entre a participação nas atividades e o uso das opções metodológicas e éticas
Aquando da entrada na ADCE foi imperativo refletir sobre quais os melhores
métodos e técnicas para conhecer e compreender a instituição e os projetos em que estive
inserida, as necessidades sentidas pelos participantes, fossem técnicos da instituição ou
«utentes» dos projetos que são dinamizados. A escolha, em coerência com o
posicionamento assumido (cf. pt 1.), privilegiou uma “coleta” de dados mista, com
técnicas qualitativas e quantitativas que, devido aos condicionalismos causados pela
pandemia, incluiu: i) levantamento, pesquisa e análise documental; ii) observação
participante; iii) entrevistas semi-diretivas, iv) inquéritos e v) análise de conteúdo dos
dados recolhidos.
53
• Observação participante e diário de campo
A observação participante fez parte integrante da minha postura na ADCE, desde
o primeiro ao último dia que permaneci presencialmente. A observação participante é um
tipo de observação que permite ao investigador movimentar-se no contexto em que
escolheu realizar a sua investigação e “o seu principal objetivo é estudar e compreender
as crenças, expectativas, emoções, enfim, os modos de ser e de estar – a cultura – de um
grupo ou de uma comunidade” (Amado, 2017: 170). Neste caso, estudar e compreender
a instituição, o seu funcionamento e a comunidade «utente».
Esta observação visa alcançar os significados e sentidos que os sujeitos
observados atribuem às situações sociais que vivenciam, podendo, para isso, ser ‘alvo’ de
observação os espaços, os atores, os comportamentos, discursos, atividades, objetos, atos,
acontecimento, sentimentos, formas de socialização, entre muitos outros aspetos a que
estive especialmente atenta na instituição.
Normalmente, essas observações são registadas num diário de campo, em forma
de notas de terreno que inscrevem “as observações e outros aspetos, como as impressões
e sentimentos do investigador, as primeiras interpretações e hipóteses progressivas,
expressões e palavras recorrentes” (Amado, 2017: 162). Esta observação focalizada e
seletiva permitiu-me descrever o que fui presenciando na ADCE e avançar com algumas
analises. Porém, “embora o processo de observação seja necessariamente seletivo,
havendo (…) uma tendência natural do pesquisador para retirar do foco tudo o que
considera irrelevante” (idem: 154), é recomendado que inicialmente se observe tudo, uma
vez que o que para nós pode ser insignificante e irrelevante, para os atores pode ser um
ponto essencial. Desta forma, importa que o pesquisador observe os detalhes, “o
aparentemente insignificante, aquilo que se apresenta como óbvio e familiar” (idem:
ibidem). Tentei ter este aspeto em conta ao longo de todo este processo, apesar da
dificuldade do mesmo, desde as reuniões às conversas mais formais e informais, aos
momentos em que colaborava nas várias atividades com os vários atores. No fundo, “o
observador deve ‘participar’ na vida do ‘observado’, exigindo, por isso, uma longa
permanência no local” (Amado, 2017:155), havendo uma grande implicação por sua
parte, de forma a recolher informação, observando e escutando, de forma sistemática.
Também “o observado deve ‘participar’ como ‘informante’ na investigação que está a ser
feita” (idem: ibidem). No caso, os «observados» privilegiados foram as técnicas dos
projetos, os/as monitores/as, os/as professores/as, e as crianças e o funcionamento das
respostas sociais da ADCE. Porém, deve ser evitada
54
“tanto quanto possível, todo o tipo de intervenção que altere a situação ‘natural’
alvo de observação, adotando uma atitude de quem busca ver (observar o contexto
e descrever), escutar (registar os ‘pontos de vista’ de uns e outros’ (…)) e,
interpretar (à luz das próprias interpretações dos atores de acordo com os seus
próprios saberes e experiências (…), e ainda, sob a inspiração de muita bibliografia
consultada” (Amado, 2017: 159).
Para isso, é importante não impor a sua presença nos espaços para os quais não
foi chamado, pois pode levar a algum desconforto no ‘investigado’/‘observado’, levando
a alterações de comportamento. De facto, esta questão foi um cuidado ético que procurei
ter, principalmente no que diz respeito ao contacto com a equipa técnica da instituição,
só estando presente nas atividades e reuniões quando era convidada para tal ou
participando nas atividades para as quais fui solicitada ou onde houvesse abertura e
oportunidades para tal, com aconteceu na Mediação com a escola, crianças e as famílias.
Os constrangimentos decorrentes da epidemia Covid e o impedimento de estar
presente na ADCE interferiu nas observações participantes e, portanto, no conhecimento
dos utentes da instituição, uma vez que pouco ou nada consegui conviver diretamente
com os mesmos, a não ser com as crianças. – e isso foi uma limitação em todo o processo
de estágio. A mesma circunstância teve consequências em termos da postura mais
interventiva que se pretendia desenvolver com a continuação do estágio, trabalhando com
as pessoas, numa intervenção que se desejava co-construída.
55
guião, não há rigidez em relação às questões, o que permite à pessoa entrevistada falar
sobre o que lhe foi questionado, o que considera mais relevante e na ordem que mais lhe
der jeito, uma vez que “as questões são prefigurações do que se pretende alcançar na
recolha de dados, ajudam o investigador a centrar-se no tema e permitem que avance de
uma forma sistemática” (idem: 216). Portanto, o guião (cf. Apêndice Va) não deve ser
rígido, como se fosse um questionário, “mas sim um referencial organizado de tal modo
que permita obter o máximo de informação com o mínimo de perguntas” (idem: ibidem).
Para isso, este deve estar organizado por blocos temáticos com objetivos e as questões
devem ser abertas, singulares, claras e neutras.
A opção pela entrevista semiestruturada foi importante pois permitiu perceber de
forma mais clara a opinião das/os Monitoras/es da ADCE, em relação ao funcionamento
da ludoteca e do Espaço do Conhecimento. Nos meses de Março e Abril, a pedido delas/es
foram realizadas 3 entrevistas por escrito, uma vez que, devido a questões familiares e
gestão de horários não tinham disponibilidade para marcar uma hora exata para a
realização da entrevista por vídeo chamada, forma como estavam planeadas as entrevistas
devido à pandemia.
56
para si e que estão dispostas a abordar. Esta é uma das possibilidades para aprender a
escutar os interesses dos atores e para poder incluir as suas propostas na elaboração e
concretização de projetos e intervenções a partir deles e COM eles, e para, por isso,
procurar assegurar o seu interesse e envolvimento. Esta é uma outra forma de incluir a
participação parental nos processos que lhes dizem respeito, conhecendo-os para intervir
com sentido.
57
informal, quando me perguntavam se estava a gostar, se precisava de alguma coisa,… ou
por sua iniciativa «voluntária» quando se preocupavam em colocar-me a par das
novidades dos projetos/atividades, me convidavam para participar nas atividades de
formação que realizavam ou até mesmo quando me convidaram para participar no almoço
da instituição; ou mais formal quando me transmitiam as informações que necessitava, a
meu pedido. Da mesma forma, foi-me sempre disponibilizado por elas/eles o material que
necessitava, disponibilizaram-me uma mesa de trabalho, disponibilizaram-me a área de
copa da instituição para almoçar e até se disponibilizaram para me dar boleia no final do
dia sempre que eu precisasse. Tentaram sempre que eu não desanimasse e que tivesse
uma “estadia” agradável e de aprendizagem.
Importante para a relação de proximidade que se foi construindo foi o facto de
duas das técnicas dizerem «para deixar de lado o “Drª”», mostrando-me até que ponto,
naquele momento fazia parte da equipa e me viam como colega delas, podendo-as
começar a tratar apenas pelo nome, de uma forma mais informal.
No entanto, apesar de todos os/as trabalhadores/as da ADCE terem sido cruciais
para a minha boa integração, considero de forma mais especial o apoio dos/as
monitores/as da ludoteca por sempre me colocarem à vontade, valorizarem o meu papel,
fazerem-me sentir parte da equipa, solicitando-me opiniões, ideias, propostas e estando
sempre dispostos a ajudar-me nas minhas propostas.
Já no caso da relação com as crianças e jovens foi, até ao final do estágio, um
processo de construção e ganho de confiança. Inicialmente era olhada com estranheza e
desconfiança já que era uma pessoa nova ali e não sabiam o que estava ali a fazer e só
com o tempo e à medida que ia interagindo com eles/as, através da minha presença
assídua na Ludoteca e Espaço do Conhecimento, fui conseguindo que as crianças se
sentissem mais à vontade comigo, que me aceitassem e ganhassem mais confiança.
Aqui é importante refletir que não fui apresentada, pela minha orientadora local,
ou pelos monitores, às crianças e jovens, de uma forma geral. Fui sendo apresentada ou
apresentava-me consoante a minha interação direta com elas. Nesse processo de
aproximação sabia que, dependendo da personalidade de cada uma delas, algumas
crianças eram mais sociáveis e curiosas, e outras mais desconfiadas, por isso este processo
foi bastante desafiador: se houve crianças que me aceitaram com a maior das
naturalidades e houve alturas em que era convidada por elas para ir para a sua beira, houve
outras crianças que demonstraram mais resistência à minha presença, e não me aceitando
em determinadas ocasiões. O grau de ligação socioafetivo que foi construído entre mim
58
e algumas das crianças tornou-se visível quando, a partir de determinados momentos,
algumas vezes que não fui à ludoteca ou ao cantinho de estudo, algumas notavam e
perguntavam porque não tinha ido, quando iria, e expressavam que tinham sentido a
minha falta. Por sua vez, em relação aos jovens, este processo foi mais difícil e
constrangedor, com menor aceitação e abertura face à minha presença e propostas, que se
repercutiram numa pequena «intervenção» que tentei realizar com eles.
Relativamente às famílias, com quem contatei poucas vezes, o processo de
construção de uma relação pauta-se pela estranheza inicial: se tinham que deixar um
recado procuravam sempre os monitores e se não estavam esperavam - nunca me
transmitiam a mim. Porém, com o passar do tempo também fui conseguindo ganhar
alguma da sua confiança: passaram a deixar os recados comigo, a fazerem-me questões.
É provável que a relação que passei a ter com as suas crianças tenha favorecido esse
ganho de confiança.
59
Capucha (2008: 7) refere: “o desenvolvimento de projetos exige o planeamento e a
avaliação, instrumentos indispensáveis para qualificar as atividades, para facilitar a
prossecução dos objetivos visados“. Isto vai ao encontro daquilo que Cortesão, Leite &
Pacheco (2002: 25) referem sobre o projeto, não ser só um plano de intenções, mas
também integrar tudo o que o envolve: as intenções, a conceção, a ação e os efeitos.
“pressupõe (…) a clarificação das intenções que o orientam e que o justificam (“projeto
visado”), a concepção do plano que o organiza (“projeto-plano”), a ação que o irá
concretizar (“projeto-processo”) e que permite produzir efeitos (“projeto-produto) que
melhorem a situação presente que esteva na sua origem” (Cortesão, Leite & Pacheco,
2002: 25).
60
inquéritos, para saber das dificuldades e problemas que sentiam além do conhecimento
prévio da instituição.
Da análise da situação encaminha-se para outra etapa desta planificação “a
definição das orientações ou finalidades do projeto” (Capucha,2008: 18). No caso do meu
estágio em específico nesta fase delineou-se as preocupações teóricas, metodológicas e
éticas, onde estavam incluídos o fio condutor do projeto (problemática das crianças como
cidadãs) e seus pressupostos, os principais pressupostos metodológicos e os objetivos
centrais ou os chamados objetivos gerais. Aqui é também de referir que o fio condutor do
projeto, ou seja, a problemática deve ter por base um quadro teórico, e, portanto, uma
identificação da base generativa, já que “a teoria é um poderoso guião da intervenção que
permite fazer opções intencionalmente orientadas no terreno” (Menezes, 2010: 52). Neste
caso, fez todo o sentido num quadro teórico baseado nos Direitos da Criança e na
Parentalidade.
Assim sendo, uma vez definidas as orientações gerais ou as finalidades de um
projeto, pude pensar num nome para lhe dar, que o identificasse “perante toda a
comunidade” (Capucha,2008: 19). Neste caso optei por dar o nome de “Por Todos nós –
ação de informação e sensibilização para pais”, já que os direitos das crianças devem ser
respeitados por todos nós e porque o respeito das crianças enquanto cidadãs reverte no
bem de todos nós. Da mesma forma, este nome porque esta ação reverte para o bem de
todos os pais presentes nas sessões.
Por fim,
“Uma vez definidas as orientações gerais (…) passemos a (…) uma terceira etapa do
planeamento, que consiste na operacionalização. Esta etapa desdobra-se na montagem do
sistema de gestão e no desenho dos objetivos operacionais e das correspondentes ações”
(Capucha,2008:31).
61
De facto, uma preocupação ética que deve sempre acompanhar um Profissional
de Ciências da educação é que para além de respeitar a dignidade dos sujeitos, temos de
respeitar, também, a sua autonomia e autodeterminação, que “assenta no pressuposto de
que as pessoas são capazes de dirigir a sua vida de maneira autónoma e de tomar as suas
próprias decisões” (Amado, 2017:409). Ou seja, temos de entender que cada pessoa deve
ser respeitada enquanto ser humano que é único, com escolhas, opiniões próprias,
devendo ser este profissional um facilitador e provocador dessa autonomia e auto-estima.
Apesar desta experiência não foi possível proceder à etapa de implementação, o
projeto-processo, nem à produção de efeitos, o projeto-produto, nem mesmo à avaliação
da proposta de intervenção devido aos constrangimentos ligados à falta de tempo e à
situação pandêmica em que nos encontramos.
62
Capítulo 4 -Funcionamento das respostas da ADCE para
crianças e jovens: análise crítica
63
por exemplo no jogo do monopólio, partilhar a casinha, jogar na sua vez (…) a interação
faz com que aprendam a ouvir, partilhar e respeitar as diferenças uns dos outros (...) ensina
a incorporar regras e limites” “(ENT2)
As suas conceções acerca do brincar livre vão ao encontro dos objetivos que a ASC
procura promover na ludoteca, pressupondo que:
“a existência de uma ludoteca numa dada comunidade pode contribuir para a valorização
do brincar, da aprendizagem de saberes não formais, redução das desigualdades sociais
no acesso e usufruto de espaços abertos para contactarem, experimentarem, explorarem
e realizarem diferentes atividades lúdicas” (Jesus, 2017:10).
Neste sentido, os/as monitores/as da ludoteca consideram que ali “as crianças têm
a oportunidade de (...) enriquecer as interações sociais” (ENT1), ao mesmo tempo que
“aprendem regras, aprendem a conviver e a brincar em conjunto” (ENT3), sentindo-se
confiantes e capazes por terem “a oportunidade de desenvolver iniciativa, autonomia”
(ENT1). Estes espaços são então contextos de educação não formal em que os direitos
fundamentais das crianças ao lazer, recreação e cultura (CDC, 1989: artº31) e à
participação procuram ser respondidos, numa perspetiva de combate às desigualdades
sociais: “A ludoteca, para as famílias e a comunidade, funciona em prol da luta contra a
pobreza e exclusão, da promoção da inclusão social e da prossecução de uma melhoria
afetiva da qualidade de vida das famílias” (ENT3).
No que diz respeito à importância deste espaço para as crianças e jovens os/as
monitores/as referem que as crianças lhes atribuem importância porque podem brincar,
gostam das atividades propostas, interagem com os seus pares, têm uma boa relação com
os/as monitores/as e sentem-se seguros. Ainda assim, têm consciência que “a maior parte
[das crianças] dá importância a este espaço, digo sim a maior parte porque na comunidade
onde estamos, desde pequenos, alguns tão habituados a ficar sozinhos e sem regras, ao
entrarem no nosso espaço sabem que as tem de cumprir e muitos não gostam.” (ENT3).
Isto é, apesar de espaços para/das crianças e em que a ludicidade é um valor, a ludoteca
e clube de jovens têm regras que são cumprir porque são espaços coletivos e de partilha.
Perante essa regulação, e como parte da aprendizagem social das crianças e jovens, elas
desafiam essas regras e testam os limites, “mas a maior parte dá a devida importância
porque sabem que nós estamos lá para eles e eles gostam de realizar atividades e sabem
que ao estarem no nosso espaço estão seguros e tem todo a nossa atenção, carinho e
compreensão” (ENT3).
64
Em relação às razões dos pais inscreverem os/as filhos/as nestes espaços, os/as
monitores/as referem a ocupação dos tempos livres, a segurança, o apoio ao estudo e TPC
e a alimentação das relações sociais:
“Eu acho que este espaço é importante tanto para as famílias como para a
comunidade, acho que os pais estão gratos por este espaço existir, eles inscrevem
os filhos para não só a ocupação dos seus tempos livres, mas para criar laços entre
outras crianças, realizar atividades, as férias e como trabalham o espaço dá-lhes a
segurança de que os seus filhos estão seguros e com pessoas em quem confiam.”
(ENT3).
O aprender a fazer relaciona-se com o poder agir nas situações e, para isso, é
importante saber comunicar, trabalhar em grupo, gerir e resolver conflitos e problemas.
Também é crucial aprenderem a viver juntos, participando e cooperando uns com os
outros. A inclusão de todos é um ponto fulcral para o desenvolvimento desse pilar e o
“brincar favorece, na criança, o desenvolvimento de comportamentos sociais mais
adequados, que envolvam a cooperação e a observância de regras necessárias para a boa
convivência grupal” (idem: 34). Por fim, englobando todos os aspetos anteriores está o
aprender a ser, trabalhando os valores e as questões da cidadania, contribuindo para o
desenvolvimento humano.
65
1.1.2. As atividades da ludoteca e Clube de jovens e o seu funcionamento
As atividades no espaço da ludoteca e clube de jovens “variam segundo as
seguintes oficinas: expressão plástica, expressão corporal, culinária, ciência viva,
reciclagem e faz-de-conta” (ADCE, 2019: 20), mostrando, no seu funcionamento, haver
atividades estruturadas e atividades livres (cf. Apêndice VIb). Nas atividades
estruturadas, ou seja, atividades preparadas e conduzidas pelas/os monitoras/os, estão as
relacionadas com as expressões plásticas (construção de suporte para tachos, construção
de blocos de notas, atividades do dia do animal, atividades do Outubro Rosa, construção
do Porta-Lápis, Concursos de Halloween, atividade do Outono, criação de uma estrela de
Natal); saídas ao exterior (Ida ao Zé da Banana ou ao McDonald's) e atividades
relacionadas com a culinária (confeção de pão de iogurte, confeção de salame de
chocolate…). Também existiram por algum tempo, assegurado por uma professora
exterior à ADCE, aulas de dança para os jovens, mas que, com o piorar da pandemia,
tiveram que ser canceladas. A maioria das atividades de expressão plástica realizaram-se
com materiais reciclados como rolhas de cortiça das garrafas, os rolos de papel… Já nas
atividades livres, aquelas em que “os utilizadores decidem com o quê, quando, como,
onde e com quem desejam brincar” (Domingos, 2011: 38), as crianças/jovens pintaram,
brincaram ao faz-de-conta na casinha, representando cenas domésticas, mas também de
um “restaurante” e “cabeleireiro”; jogaram jogos de regras – dominó, Monopólio, puzzles
-; jogaram futebol, Ping-pong, andaram de skate, e «praticam» com os computadores.
Estas atividades livres aconteciam quando já tinham feito os TPC e quando não existiam
nenhuma atividade planificada.
Observou-se várias vezes que o desinteresse por atividades lúdicas e educativas
se traduziu num elevado interesse pelos computadores e playstation existentes na
ludoteca:
“Um dos jovens que não tinha TPC pediu para ir para o computador; porém, os monitores
não autorizaram porque eles têm passado muito tempo nos computadores e que só
deixariam mais tarde. O rapaz ficou chateado e foi-se embora.” (NT 15/10/20)
66
presença e a equacionar que os interesses dos jovens “em geral, são dificilmente
apreensíveis pelas instituições, sobretudo se as suas propostas foram excessivamente
formalistas e estruturadas” (Trilla, 2004: 221). Com efeito, os espaços e atividades
propostos na ludoteca (cf. apêndice IId e apêndice VIb) parecem mais adequados às
crianças, não tendo muitas opções para os jovens, a não ser a utilização dos objetos
tecnológicos ou algumas atividades físicas, pontualmente. Daí que centrem “as suas
atividades nos jogos eletrônicos, em detrimento de jogos que envolvem as relações
pessoais” (Ferreira, 2011: 26). De certo modo, esta discrepância entre o tipo de propostas
que são feitas pela ADCE e os interesses das crianças e jovens, acaba por corroborar
Castilho, quando refere (2021: 26) “observa-se, normalmente, uma maior orientação para
atividades estruturadas e pouco diversificadas e é preciso lembrar o brincar livre e
espontâneo”. Igualmente, foram privilegiadas atividades no espaço interior, e poucas em
espaço exterior, havendo uma preocupação em manter as crianças/jovens ocupados e não
tanto com espaço para decidirem parar, descontrair e relaxar das suas agendas
preenchidas.
“concurso de Halloween que consistia em fazer um monstro numa folha, da forma com
que eles quisessem, com o material que quisessem. Tinham que ser criativos, colocar um
nome ao monstro e inventar um superpoder. (…) reparei que muitos tinham desenhos
iguais, tinham estado a copiar as ideias uns dos outros.” (NT 26/10/20)
“semana do Halloween, com concursos de desenho de um monstro (…) O intuito era que
tanto num como noutro desenvolvessem a sua criatividade, porém os jovens foram copiar
ideias à internet.” (NT 28/10/20)
67
ideias. Questionados os jovens acerca do tipo de atividades que gostariam de fazer,
responderam:
“aproveitei para falar com os jovens sobre o que gostam de fazer e o que gostariam de ver
feito. A maioria falou que gosta de jogar computador, fazer desenhos e pintar.
Relativamente ao que gostavam que fosse feito, a maioria concordou com
concursos/campeonatos.” (NT 19/10/20)
“Depois o X voltou a falar, mas desta vez, sobre as atividades da ludoteca: “Antes havia
mais concursos e festas! (...) Acrescentou ainda que podia ser feito, por exemplo, um
teatro” (NT 28/10/20)
“aproveitei para ir falando com alguns jovens, para fazer o levantamento dos gostos das
mesmas, respondendo-me a atividades relacionadas com a dança, o exercício físico,
atividades plásticas, futebol.” (NT 12/11/20)
“A X viu a planificação e disse que temos que ter algo à sexta-feira na mesma, mesmo
que não se concretize, porque uma vez que as crianças e jovens que não tenham trabalhos
de casa, têm que ficar ocupados.” (NT 8/10/20)
68
atividades livremente escolhidas pelas crianças parecem ser vistas como um tempo inútil
e desperdiçado, e de ociosidade que importa combater mantendo-as em atividade. Até
que ponto essa preocupação em mantê-las ocupadas com atividades previamente
programadas pelos adultos não é uma forma de as manterem sob vigilância e controlo?
Aliás, acresce que, muitas vezes, as atividades não são sequer realizadas, por falta de
tempo devido à realização dos TPC.
“Uma vez que durante o período letivo a realização dos trabalhos de casa ocupa grande
parte do tempo que as crianças e jovens passam nos espaços da ludoteca, as atividades
complementares são dinamizadas predominantemente nos períodos de férias e/ou pausas
escolares” (ADCE, 2019: 21/2).
“conversei com a monitora sobre a atividade planeada, mas ela disse que como só
estávamos as duas e iam começar a chegar as crianças para os trabalhos de casa, que iria
ser impossível realizá-la” (NT_12/10/20).
“Enquanto jogavam constatei que eles competiam entre si, dizendo coisas como ‘és
lento/a’, ‘vou ultrapassar-te’…” (NT 12/10/20)
“Eu questionei-o se ele gostava de concursos e ele disse: “Gosto porque gosto de ganhar!
“Odeio quando perco, mas pior é quando fico em 2º lugar”. (NT 28/10/20)
69
Outra situação são os conflitos existentes entre pares:
“Quando os meninos acabaram de utilizar os computadores, foram brincar para o exterior
e existiu um conflito entre os dois deles. Um andava com pedras na mão para atirar aos
outros. Só percebemos quando começamos a ouvir gritos dos miúdos” (NT 11/9/20).
“houve uma menina que veio fazer queixa que outra não a deixava brincar na casinha e
que a empurrou de lá.” (NT 22/10/20)
“ouvi uma menina a perguntar à outra o que se passava e ouvi um choro. Fui lá fora e
perguntei o que se passou e ela disse-me, a chorar, que os outros estavam a ralhar com
ela, enquanto estava a jogar futebol com eles. Os outros ouviram, vieram logo a correr, a
dizer que não fizeram nada, que só lhe disseram que ela tinha de passar a bola e ela não
passava e quando um rapaz ia passar, ela ia a correr tirar para ser ela a ficar com a bola”
(NT 28/10/20)
“dois irmãos começaram a discutir por causa do skate. O mais pequeno veio queixar-se
que o outro, mais velho, não o deixa andar, mas deixa os outros.” (NT 29/10/20)
A presença de problemas nas relações entre pares, como a competição, o não saber
perder, disputas e exclusões do brincar em grupo e em que se cruzam questões de género
e de idade, denotam relações e usos do poder que obstaculizam a partilha e o brincar em
grupo. Estas atitudes podem estar relacionadas com a quantidade de brinquedos
existentes, com os gostos das crianças, a idade e até uma forma de «exclusão» devido a
existir no espaço crianças com quem não se convive todos os dias, por ser de uma escola
diferente, por exemplo. No entanto, e apesar dos/as monitores/as até poderem considerar
que “os conflitos estão presentes em qualquer atividade humana, principalmente entre as
crianças quando brincam” (ENT3) acabam por colocar as causas em fatores alheios ao
funcionamento da ludoteca ou à sua própria ação, sendo elas, de tipo individual, a
personalidade da criança; devido às famílias, a imitação dos adultos, ou relações extra-
ludoteca: os problemas entre pares que começam na escola e se prolongam para a
ludoteca: “a maior parte das vezes infelizmente é devido a divisão social; por isso
tentamos trabalhar com as crianças para não haver exclusões e incutimos nos nosso jovens
e crianças que somos todos iguais e temos todos os mesmos direitos.” (ENT3). No
entanto, mais do que um trabalho atento e sistemático a estes problemas e envolvendo o
debate com as crianças/jovens, o que se assiste frequentemente é a intervenção pontual,
remediativa, e, sobretudo, quando eles se tornam suficientemente audíveis.
Outros problemas na socialização dos comportamentos e atitudes de respeito e
consideração aos outros é visível na partilha do espaço e materiais, que são coletivos e
devem ser cuidados para assegurar as mesmas condições para outros e todos brincarem:
70
“A ludoteca tem, também, como intenção promover a autonomia da criança quanto à
escolha do brinquedo, responsabilizando-a ao mesmo tempo, nos cuidados a ter com o
mesmo. Deve saber respeitar, estimar e arrumar o brinquedo para que outras crianças o
possam, também, utilizar nas suas brincadeiras” (Domingos, 2011: 43).
“A X (monitora) quando chegou disse-me que nesse dia ninguém podia ir para a casinha
pois estava “fechada”, uma vez que eles deixaram tudo desarrumado no dia anterior.”
(NT 28/10/20)
71
casa, assim foi criado este espaço para colmatar essa lacuna dando às crianças e famílias
o apoio necessário” (ENT3).
Com efeito, as famílias foram sofrendo alterações e, principalmente, com a
entrada da mulher, que era mãe e dona de casa, no mundo do mercado de trabalho, levou
a que fosse necessário encontrar modos de guarda infantil alternativos para os tempos
livres.
“As transformações sociais e da estrutura familiar experimentadas nos últimos anos (com
a inclusão da mulher no mercado de trabalho, por exemplo) geraram a necessidade de a
educação nos tempos livres assumir algumas tarefas que antes eram realizadas pela
própria instituição familiar” (Trilla, 2004: 211).
72
formas de colaboração entre pares através de grupos de entreajuda e um maior ganho de
autonomia das crianças e jovens.
No período de confinamento que vivemos, em que as escolas pararam e
transformaram as aulas presenciais em aulas síncronas, este espaço apoiou esse processo,
disponibilizando o acesso a material informático, à internet, aos computadores e a ajuda
para assistir às aulas síncronas a cerca de 34 crianças e jovens, que sem este apoio ficariam
excluídas.
Tendo em conta os objetivos desta resposta (cf. apêndice IIe), bem como a sua
forma de funcionamento, não pode deixar de se considerar a sua elevada importância para
contribuir para uma maior igualdade de oportunidades às crianças e jovens da
comunidade, respeitando os direitos básicos à educação e sucesso educativo. Como um/a
dos/as monitores/as refere
“ele é importante e a sua existência é boa para as crianças, porque graças a este local elas
têm um apoio na realização dos trabalhos de casa (…) em casa não conseguem realizar
os trabalhos de casa, ou porque os pais não os conseguem ajudar, ou outras distrações”
(ENT3).
No entanto, há crianças e jovens que não apreciam a ida para este espaço, porque
“são obrigados a fazer os trabalhos de casa a mando dos pais” (ENT3). Este é um aspeto
a refletir quando se sabe que ao chegarem ali as crianças já estiveram várias horas na
escola, a maior parte do tempo em sala de aula, envolvidas em atividades escolares e
quando se sabe também que por via dos TPC que trazem acabam por não ter tempo para
fazerem outras atividades. Por muito importante que seja o apoio ao estudo não está a
escola a transferir, a extrapolar para outros contextos aquilo que é a sua principal função
e, de algum modo, até a responsabilizá-los pelo fazer cumprir esse ofício a tempo inteiro?
Que colaborações e que limites entre as funções da escola e dos professores a e a ADCE,
comprometida com a educação não formal e a ASC?
73
de cada aluno e vistos como uma estratégia de ensino-aprendizagem que auxilia o
percurso para o sucesso escolar. Mas qual o objetivo ou importância dos TPC?
Os/as monitores/as da ADCE referem que os TPC são importantes
“ajuda as crianças a relembrarem a matéria dada (…) ajuda as crianças a (...) trabalhar
as dificuldades que possam existir”” (ENT2)
“os trabalhos de casa servem para consolidar conhecimento, treinando dessa forma o que
se aprende nas aulas” (ENT3).
“A maioria destas crianças tem como propostas de «trabalhos de casa», tarefas que
incluem cópias de textos, repetições de palavras (...), fichas com contas e problemas
diversos que se limitam a reproduzir os conteúdos dos livros ou o que, eventualmente, já
foi feito e explicado na aula” (Araújo, 2009: 63).
No caso das crianças e jovens que acompanhei de perto eram fichas e exercícios,
repetição de tabuadas e caligrafia, treino da leitura. Ou seja, na maioria das vezes, TPC
servem para treinar determinado conteúdo ou matéria.
1.2.2. Os trabalhos de casa na vida das crianças da ADCE - entre o excesso dos
trabalhos de casa e a importância do tempo livre
Dada a relevância atribuída aos TPC na ADCE é crucial refletir as suas
implicações na vida das crianças, já que, como um/a dos/as monitores/as refere “a
desvantagem é que ao fim de muitas horas de aulas a criança está saturada, cansada, vem
para casa com excesso de trabalho (...) a criança já não consegue manter a concentração”
(ENT3). Ora, se as crianças trazem bastantes TPC e se preenchem quase a totalidade do
tempo que deveriam estar na ludoteca a realizá-los, que tempo dispõem para as restantes
atividades, para brincar? Se as crianças chegam da escola e vão fazer os TPC, e quando
os acabam os pais chegam para os levar embora, qual é o estatuto da ludoteca face ao
espaço do Conhecimento? O que a observação mostrou foi que a sobrecarga de trabalho
escolar, mesmo fora da escola, acaba por trazer um cansaço e frustração enormes para as
crianças:
74
“encontramos outra mãe [e] a X aproveitou para referir que era importante não irem
buscar os filhos tão cedo à Ludoteca, principalmente à sexta-feira, uma vez que como eles
trazem muitos TPC não têm tempo para fazer tudo. Referiu ainda que o menino fez uma
birra na sexta-feira por não querer fazer os TPC e querer ir para os computadores” (NT
19/10/20)
“outra menina do 2ºAno fez ‘birra’ e não queria, a todo o custo, fazer os TPC” (NT
22/10/20)
“menino do 3ºAno tinha de inventar frases com umas palavras que tinha na folha. Ele
escreveu as frases e eu depois fui corrigir os erros. Como tinha alguns eu disse: “X, vou
escrever as palavras em que tens erros em cima, e depois tu apagas e escreves”. Ele
começou logo a chorar, chateado e amuado, pois via os outros amigos dele já a brincar lá
fora.” (NT 5/11/20)
“Uma menina do 1º ano, com trabalhos de língua portuguesa que era para serem feitos
até ao final da semana, ou seja, aos poucos. Porém, a menina disse-me que queria fazer
tudo para depois poder brincar a vontade” (NT 12/10/20).
“as fichas que ela trazia para fazer era para se ir fazendo - tinha a semana inteira para
fazer. Mas ela quis fazer tudo. Fui insistindo para ela parar e ir brincar um bocadinho,
senão os pais vinham buscar e ela não tinha brincado, mas ela não quis” (NT 19/10/20).
Por outro lado, para os pais de alguns dos jovens e crianças, o entendimento da
ludoteca reduz-se ao Espaço do conhecimento e ao seu uso exclusivo para realizarem os
TPC: “outra criança teve que ir para casa e não conseguiu participar na atividade, porque,
75
como a X me referiu a ordem que ele tem é que quando acaba de fazer os TPC tem de ir
embora.” (NT 12/11/20).
“Para as crianças que vivem num ambiente cultural em que se valoriza e percebe o sentido
da escola e do trabalho escolar, que estão habituadas a falar com os seus pais/
encarregados de educação sobre o assunto, que têm irmãos na escola e constroem uma
ideia positiva à volta da escola, este tipo de trabalhos torna-se normal” (Araújo, 2009:
70).
“foi-me pedido para ajudar uma «aluna inclusiva», com bastantes dificuldades em fazer
as fichas e atividades sozinha” (NT 2/9/20)
“Realizei, como no dia anterior, o apoio ao estudo. Comecei por ajudar a «aluna
inclusiva» com a ficha destinada para hoje. Depois, notei que existia mais uma criança
com muitas dificuldades e fui, também, ajudar na realização da ficha” (NT 3/9/20)
76
Algumas das crianças usufruem de medidas de educação inclusiva e estão
abrangidas com adaptações curriculares não significativas, percursos curriculares
diferenciados, entre outras. Mesmo assim, há bastantes dificuldades de aprendizagem (cf.
Apêndice VIIc), na leitura, escrita e matemática, sendo necessário refletir o sentido dos
TPC para as crianças e o seu nível de dificuldade - alguns TPC são de um nível de
dificuldade avançado, até para os monitores, e se as crianças não os realizassem neste
espaço, possivelmente não teriam ajuda e não os fariam.
Com o acompanhamento das crianças e jovens consegui compreender que muitos
não têm hábitos de estudo que lhes permitam fazer os TPC, e estudar sem esforço - uso
adequado dos manuais na realização dos TPC, organização do material escolar,
nomeadamente, os cadernos diários:
“algumas crianças não sabem usar o manual, (…) na ficha que o menino estava a realizar
tinha texto em cima e perguntas em baixo, mas o texto dava as respostas de uma forma
seguida. Só que ele não percebeu isso” (NT 30/9/20)
“Perguntou-lhe ainda se ele costumava ler os livros dele, as informações que lá trazem
sobre a matéria e ele respondeu que não” (NT 26/10/20)
“(...) foram para os computadores ler um livro sobre o qual vão ter uma ficha de leitura.
Notei que não tiraram qualquer tipo de apontamentos e questionei-os se não seria bom
apontarem os aspetos mais importantes no caderno. E eles disseram que não era preciso”
(NT 4/11/20)
“Entretanto depois chegou uma criança, do 4º ano que tinha que passar os cadernos a
limpo, mandado pela professora, uma vez que ele andava com folhas soltas até agora”
(NT 4/11/20).
Tendo estes aspetos em conta, mais do que mandar TPC é importante ensinar às
crianças e jovens alguns métodos de estudo e como podem usar os materiais escolares
como forma de os ajudar. A ADCE poderia encarregar-se desse papel no Espaço do
Conhecimento, indo ao encontro de um dos seus objetivos principais que é «ensinar a
estudar».
77
familiares não terão, da mesma forma, capacidades interpretativas para auxiliarem no
estudo.
Já no que diz respeito aos monitores deste espaço, o Espaço do Conhecimento da
ADCE, estes têm o 12º ano e apenas um tem uma licenciatura, mas em Relações Públicas
e Publicidade. Têm capacidades interpretativas e conhecimentos, mas não competências
pedagógicas especializadas. Além disso, o que a maior parte dos pais, familiares e até os
monitores aprenderam, já não é ensinado da mesma forma e ao ensinarem as crianças e
jovens da forma como aprenderam, poderão estar a deixar os mesmos confusos.
A supervalorização da escola e do direito à educação formal, contrastam com o
direito ao brincar (educação não-formal e informal), uma vez que o dia-a-dia das crianças
e o seu tempo livre depois das aulas, tem sido constante e gradualmente «invadido» pelo
tempo e atividades escolares comprometendo o brincar, que tantos benefícios tem. “A
cultura escolar sobrepõe-se à cultura lúdica e é «imposta» na maior parte das actividades
que são propostas às crianças e jovens no seu tempo livre” (Araújo, 2009: 74). O seu
tempo livre “não tem sido considerado como um tempo de descanso ou como um tempo
em que eles possam escolher o que fazer” (idem: ibidem), mas sim um tempo que têm de
aproveitar para estudar para aumentar e melhorar o seu rendimento escolar. Porém, há
que ter em atenção que “este tipo de trabalho «excessivo» e «repetitivo» não só não as
ajuda a valorizar a escola e a criar um sentimento positivo em relação ao acto de aprender,
como, de algum modo, é sentido como um desrespeito dos adultos pelas suas brincadeiras
no tempo livre” (Araújo, 2009: 58). As crianças e jovens necessitam de brincar até porque
a brincar também se aprende e isso também pode contribuir para o seu sucesso escolar.
Tendo todos estes aspetos em conta, é necessário sensibilizar para a importância
do brincar e da socialização entre pares. Idealmente as crianças e jovens deveriam ir para
a ludoteca e cantinho de estudo para brincarem e conviveram. Porém, devido à
necessidade que estas crianças apresentam como carecendo de apoio, deveria existir pelo
menos uma hora estipulada, ou um dia por semana para poderem brincar livremente na
ludoteca e clube de jovens, sem terem a preocupação de realizar os trabalhos de casa.
Poderia ser, a título exemplo, à sexta-feira, uma vez que têm os restantes dias do fim-de-
semana para os realizar.
78
1.3. O direito à educação formal: Projeto Promover o Sucesso - Escola para Todos
O Projeto Promover o Sucesso - Escola para Todos é mais uma das respostas da
ADCE que procura «atender» a várias temáticas ligadas ao mundo escolar e ao sucesso
educativo: o sucesso educativo, a equidade, integração escolar, crianças em risco
socioeducativo, cooperação entre a escola e a família, competências parentais,
competências de elementos da comunidade escolar e tecnologias da informação. As
atividades propostas pela ADCE são (cf. capítulo 2 e apêndice IIIa): o espaço da
mediação, atividade “conhecer e aprender”, ações de informação e sensibilização,
encontros temáticos, “eu e os meus pais”, treino de competências, “conversas com pais”
9
.
Há várias teorias para explicar o insucesso / sucesso escolar (Benavente, 1990),
desde as capacidades dos alunos, ao seu handicap cultural dada a socialização
disponibilizada pela família, aos modos de funcionamento da escola. Assim sendo, os
objetivos do projeto e atividades vão ao encontro desta ideia de que há vários fatores que
potenciam o sucesso das crianças: o próprio aluno, a família, aqueles que constituem a
escola e a comunidade envolvente. Da mesma forma, há uma ligação direta entre os
objetivos do projeto e as atividades do mesmo (cf. apêndice IIIe).
9
A atividade Treino de Competências só se iniciou no final de novembro e só num dos Centros escolares,
e as ações de informação/sensibilização foram a distância com a entrega de um folheto com dicas
importantes; atividade “Eu e os meus pais” ocorreu mediante uma proposta para os pais realizarem uma
atividade com os seus filhos; atividade “Conhecer e aprender” reforçou a sua ação no Cantinho de Estudo
da ADCE; os Encontros Temáticos para professores, consistiram no envio de um documento sobre “Ensinar
e aprender em tempo de COVID-19” e na realização de um workshop à distância sobre cenários e atividades
de aprendizagem ativa.
79
comportamento; dificuldades de aprendizagem… Depois desse levantamento é
encaminhada a situação de cada aluno para os serviços e ofertas que mais se considera
pertinentes, normalmente, para psicólogas, assistentes sociais da instituição, quando as
famílias já estão a ser seguidas pelas mesmas, ou mesmo a apresentação da situação
diretamente à família. Porém, neste processo há aqui dois aspetos a ter em conta: a
proposta é desenhada considerando o que os professores proferiram sobre a situação e os
pais, muito menos considerados, só são ouvidos quando já há uma proposta de
acompanhamento das crianças. Auxiliares educativos e as próprias crianças são
«excluídas» deste processo, já que não são chamadas a dar a sua opinião.
“estive a auxiliar os pais com os computadores nas reuniões de início de ano, a entrar no
zoom, ensinar como se liga e desliga o microfone” (NT_14/9/20)
“Na observação e apoio nestas três sessões sobre a plataforma SIGA notei que existe
desigualdade, uma vez que, a maioria dos pais não possui computador e, alguns deles,
também, internet em casa, para conseguirem marcar os almoços das crianças (…) muitos
dos pais não sabem nem têm a mínima noção de como mexer num computador, o que
dificulta o processo” (NT_1/10/20).
“Outra questão a ser resolvida é a questão de uma criança que está a faltar e que a mãe
deu como justificação a necessidade de passar mais tempo com ele pois tem saudades
dele” (NT_14/10/20)
“outras sinalizações por parte das professoras, não especificando ainda nenhum caso, era
as faltas dos alunos de etnia cigana, nomeadamente sem justificação” (NT_15/10/20)
80
“A professora X voltou a referir as faltas não justificadas do aluno cigano (...), que faltou
duas semanas consecutivas pois estava em Lisboa” (NT_29/10/20)
“Falou ainda, que acha uma falta de respeito a atitude que alguns pais estão a ter, pois as
crianças estão a faltar à escola e não é-lhe dada nenhuma justificação” (NT_5/11/20)
“conversamos sobre uma família, de etnia cigana, que diz que não leva as filhas à escola
porque não tem dinheiro para o gasóleo" (NT_5/11/20).
A maioria das «queixas» por parte das professoras incidiam nas faltas dos seus
alunos sem justificação. Como definido legalmente “Para além do dever de frequência da
escolaridade obrigatória, os alunos são responsáveis pelo cumprimento dos deveres de
assiduidade e pontualidade” (Lei nº 51/2012, artigo 13), devendo os pais justificar
oportunamente as faltas dado que há justificações consideradas válidas - doença,
isolamento profilático, falecimento de familiar, etc., e havendo também um limite de
faltas injustificadas. Em relação a este aspeto foi feito um grande esforço por parte das
técnicas do projeto para ajudarem os pais a justificar as faltas quando eles precisassem,
ouvindo-os e ajudando-os a escrever o email da justificação. O mesmo em relação ao
problema do transporte para a escola por falta de dinheiro, tentando autorização da CME
para as crianças irem no autocarro escolar. Estas intervenções vão ao encontro da LBSE
na garantia de condições de acesso à escola “A gratuitidade no ensino básico abrange
propinas, taxas e emolumentos relacionados com a matrícula, frequência e certificação,
podendo ainda os alunos dispor gratuitamente do uso de livros e material escolar, bem
como de transporte, alimentação e alojamento, quando necessários” (Lei nº46/86, artigo
6º).
Outro problema, mencionado várias vezes foi as faltas de material, desde “alunos
que andam com fotocópias dos livros” (NT_8/10/20), “um dos pais só comprou o livro
de fichas de português, a professora acha que ele deve ter feito uma seleção e só comprou
o que achava importante” (NT_22/10/20); “ainda há um aluno que não tem livro de
fichas” (NT_5/11/20). Tais problemas expõem como em termos de orçamento económico
familiar, a escola traz implicações, diretas e indiretas, anexas, que por muito reduzidas
que sejam quando tomadas isoladamente, vão-se acumulando e pesando no orçamento
familiar” (Perrenoud, 2001: 72): se os livros do 1º ciclo são gratuitos, os livros de fichas
não são, o mesmo acontecendo com outro material escolar e/ou as deslocações, almoços
e lanches, vestuário.
Há ainda crianças que têm o material escolar desorganizado, principalmente os
cadernos, e as dificuldades de aprendizagem são também evidentes:
81
“uma das psicólogas do projeto, referiu que uma das professoras XX lhe pediu para fazer
uma avaliação a um menino da sua turma, pois está no 2ºano e não sabe praticamente
nada, coisas que já eram esperadas que ele soubesse” (NT_7/10/20)
“X, confidenciou que um dos maiores problemas que tem presenciado todos os anos é o
facto dos pais não se quererem implicar no percurso educativo dos seus filhos. Já foram
dinamizadas várias ações para os pais em várias alturas do dia, mesmo questionando-os
sobre o horário preferencial, e mesmo assim não comparecem” (NT_1/9/20)
“Dos pais chamados a vir assistir à reunião, houve dois que faltaram mesmo tendo sido
feita uma chamada para os relembrar” (NT_14/9/20)
“notei alguma «má vontade», se assim posso dizer, pois a resposta quando se liga para
irem à sessão era a de que não precisava de aprender pois já tinha quem fizesse”
(NT_1/10/20)
“A mesma (X) foi referindo (...) há pais a demitirem-se das suas funções de encarregados
de educação, por exemplo, não apoiam as crianças nos trabalhos de casa” (NT_8/10/20)
82
ser uma realidade e vários são vários os motivos e obstáculos para a falta de participação
dos EE na escola: a cultura dos pais, o horário de trabalho, a falta de informação, o não
entenderem a linguagem ‘imposta’ pelos professores e o facto de que quando são
chamados à escola é para ouvir coisas negativas sobre as crianças e jovens. Acresce o
facto de “a maioria dos pais dos alunos desconhece toda a legislação escolar, mesmo
aquela que diretamente lhe diz respeito” (Bernardes, 2004: 125).
Neste sentido e em relação aos problemas identificados considero que no trabalho
de mediação seria extremamente importante alargar e incluir o levantamento das opiniões
aos auxiliares educativos, uma vez que estes passam bastante tempo com estas crianças,
nomeadamente no tempo do recreio e nas horas de almoço, aí ocorrendo outros aspetos
que merecem ser considerados neste processo, bem como às próprias crianças implicadas
não apenas porque têm o direito a serem ouvidas mas porque essa audição e mediação
com os pais, professores e técnicos e negociação conjunta de compromissos é também
um sinal do quanto todos se preocupam com ela e com o seu bem estar.
Ao mesmo tempo, face aos problemas reportados, propus às técnicas do Projeto e
concebi como um dos temas dos panfletos da atividade “Conversa Com Pais”, «O que a
escola Espera de Si como pai/ mãe ou encarregado de educação» (cf. Apêndice IIId),
baseado no Estatuto do Aluno e a Lei de Bases do Sistema Educativo, para dar a conhecer
aos pais informações sobre o que é esperado deles enquanto Encarregados de Educação.
Para compreender as necessidades dos pais criei, ainda, um inquérito para
encontrar outros dados importantes para melhor se conhecerem as famílias (cf. Capítulo
3 e apêndices IIIb e IIIc). Do total de 125 respostas dos pais das crianças entre o 1º e 4º
ano de escolaridade, 74 do Centro Escolar de Silvalde e 51 do Centro Escolar de Anta,
apura-se que a sua escolaridade se situa, dominante e genericamente, entre o 3º ciclo de
escolaridade (9º ano) e o Ensino secundário (12ºano), os seja, a maioria detém uma
escolaridade básica de 9 e 12 anos, sendo os pais do Centro Escolar de Anta aqueles que
possuem os níveis mais elevados, no Ensino Superior, 12º e 9º anos (cf. Apêndice IIIc,
gráfico 1). Estes níveis de escolaridade, não sendo elementares, poderão afetar a
participação dos pais na educação escolar dos seus filhos se esta for reportada à forma
das “interações dos pais na realização dos trabalhos escolares dos filhos” (Soares, Sousa
e Marinho, 2004: 254), e tiverem como fator de impedimento ou obstáculo o
“desconhecimento dos assuntos dos trabalhos escolares” (idem: ibidem). Porém, é
necessário ter em conta que nem todos os pais possuem os conhecimentos e as
competências para ajudar na realização dos trabalhos de casa. Além disso, não cabe aos
83
pais verificar se a realização dos mesmos foi bem-sucedida; porém, há vários
comportamentos facilitadores da aprendizagem das crianças que os pais podem
desempenhar, sendo necessário estarem sensibilizados para tal.
Com efeito, quando questionados acerca do que precisavam em termos de ajuda
com a educação dos filhos, os pais responderam o apoio ao estudo (65), indo ao encontro
do que estava a dizer anteriormente, seguindo-se as questões das regras e limites (37, mas
saliente no Centro Escolar de Anta) e, mais genericamente, o comportamento (34, mais
enfatizada no Centro Escolar de Silvalde) (cf. Apêndice IIIc, gráfico 2). Os pais sugeriram
ainda as questões da concentração, «como incentivar as tarefas domésticas», «lidar com
frustrações», «promover a auto-estima», «comportamento alimentar» e «cidadania e
sociabilidade».
Por fim, acerca da sua participação nas atividades escolares (cf. Apêndice IIIc,
gráfico 3), sejam elas reuniões ou dias temáticos, os pais responderam, na sua maioria,
que sim, havendo ainda uma percentagem que respondeu que não e outra que respondeu
sim/não dependendo das atividades. Os seus principais argumentos foram que só
participam nas reuniões, mas não nos dias temáticos porque não têm horário de trabalho
compatível, embora alguns pais procurem que esteja sempre presente alguém da família
para que a criança não se sinta sozinha. De facto, um dos principais obstáculos à
participação dos pais é o facto de trabalharem muitas horas e não disporem de tempo para
educar os seus filhos” (Bento, Mendes & Pacheco, 2016: 604). Os que responderam que
sim fazem-nos porque: «temos o dever de estar sempre acompanhando a evolução do
nosso filho», «gosto de estar ciente de tudo o que ocorre e mantê-lo integrado e
interessado na escola». «porque quero estar sempre a par».
Estes dados permitiram apropriar-me de mais conhecimento sobre os pais e as
suas opiniões, foram ainda importantes para a elaboração da ação de
informação/sensibilização que se se apresenta no capítulo 5.
84
Capítulo 5 – Por Todos Nós: Ação de informação e
sensibilização para pais (resposta a um pedido)
1. Enquadramento da proposta
1.1. Caracterização sociográfica e socioeducativa da população alvo da ação da
ADCE
A ADCE, implantada desde 27 de abril de 1995 em Espinho, caracteriza-se por
ser uma instituição com uma forte componente de apoio às famílias e à infância,
particularmente as de meios socioculturais e económicos mais desfavorecidos. Com
efeito, a maioria desta população localiza-se na Zona da Marinha de Silvalde; uma zona
piscatória onde continua a evidenciar-se a permanência de
“maior concentração de problemas de pobreza e exclusão social entre a sua população:
ausência ou reduzidos hábitos de trabalho, elevada percentagem de analfabetismo e
de desemprego, (...) inserção precária no mercado de trabalho (...) baixos níveis
escolares e de qualificação profissional (...). A par desta situação, verifica-se ainda
um elevado absentismo escolar e ausência de equipamentos de ocupação dos tempos
livres das crianças e jovens e de estruturas de apoio às actividades escolares (...).”
(Bureau Internacional do Trabalho, 2003: 92).
85
Da mesma forma, passados quase 10 anos, o Diagnóstico Social do Concelho de
Espinho (2013: 210) reitera a persistência de vários aspetos considerados como pontos
fracos deste concelho: baixa taxa de participação dos encarregados de educação nas
atividades que são promovidas pelas escolas públicas; baixos índices de escolaridade da
população espinhense, a par da falta de competências parentais e das perspetivas
negativas de muitas famílias face ao sistema educativo; absentismo escolar da etnia
cigana; baixa adesão das famílias ciganas face ao sistema educativo correlacionada com
questões culturais.
Mais recentemente, em outubro de 2020, no âmbito do Projeto Promover o
Sucesso, foram recolhidos dados junto dos pais e Encarregados de Educação (EE) de
alunos do 1º ao 4º ano de escolaridade da Escola de Silvalde, mediante a realização de
um inquérito (cf. Apêndice IIIb). A sua análise permitiu apurar que o seu nível médio de
escolaridade tende a situar-se no 3º ciclo de escolaridade (9º ano), seguindo-se o ensino
secundário (12º ano). Por outras palavras, a maioria destes pais/EE detém os níveis de
escolaridade básica, tendo uma experiência escolar longa, com duração entre os 9 e os 12
anos (cf. gráfico 1).
86
Promover o Sucesso, quer no Centro Comunitário, quer em visitas à escola, através de
registos da observação participante e de conversas informais com crianças e técnicas da
instituição (cf. Apêndices VI e VII) bem como de professoras (cf. Apêndices VIIIb, VIIIc
e VIIId), e de inquéritos a pais/EE das crianças (cf. Apêndice IIIb e IIIc). A sua análise
permitiu identificar um conjunto de temas e problemas pertinentes para repensar as
propostas de formação parental da ADCE (cf. tabela 1):
Atividades de Mediação
Crianças revelam
• Dificuldades de
aprendizagem • Reduzido acompanhamento/
implicação parental no percurso
Necessidade de • Falta de material para educativo dos filhos
realizar os TPC
• Apoiar o estudo dos filhos • Desvalorização da importância do
• Definir regras de comportamento • Mau comportamento, brincar
frustração e
e seus limites
agressividade
• Conhecer estratégias para
incentivar colaboração nas tarefas Atividades de Mediação na escola
domésticas
• Conhecer estratégias para lidar Registos de conversas com as professoras
com frustrações e conflitos das
crianças e entre irmãos Crianças revelam
• Promover a auto-estima • Dificuldades de aprendizagem
• Alimentação saudável • Falta de assiduidade (principalmente de etnia cigana)
• Cidadania e sociabilidade • Falta de material escolar na escola e para realizar os TPC
• Mau comportamento, frustração e agressividade
• Reduzido acompanhamento/ implicação parental no percurso
educativo dos filhos
87
e o apoio às famílias no desempenho das suas funções e responsabilidades. Trata-se de
reforçar a sua capacidade de integração e participação social, mediante a realização de
diferentes ações de formação e atividades para promover o reforço de competências
sociais, familiares e pessoais. É neste âmbito que se integram o Projeto de Apoio à
Família e à Comunidade, o Protocolo de RSI e o Projeto Encaminhar o Futuro e o pedido
de desenvolvimento de ações de formação e atividades (cf. Tabela 2).
No caso do Projeto de Apoio à Família e à Comunidade pretende-se gerar uma
dinâmica de intervenção “promotora no reforço de competências sociais, familiares e
pessoais” (ADCE, 2021: 34), visando “a mudança das famílias, tanto ao nível do
desenvolvimento individual, como familiar e social” (idem: Ibidem). O mesmo acontece
em relação ao Protocolo de RSI, que tem como um dos seus objetivos, explícitos no Plano
de Ação de 2021 da ADCE, dinamizar ações de sensibilização que promovam a melhoria
de competências pessoais, sociais e profissionais
“junto de famílias numerosas, onde predomina a baixa escolaridade, o desemprego de
longa duração, situações de crianças e jovens em perigo, famílias com severas lacunas ao
nível das competências básicas (pessoais, sociais e profissionais” (idem: 55).
88
Saúde (Vacinação, higiene…)
pais de crianças Ações de
Protocolo de RSI em idade pré- Incentivar à leitura sensibilização / 2
Práticas de
escolar e 1ºciclo didática e mais formal, para cada grupo
literacia
relacionada com as
familia
aprendizagens
Projeto
Encaminhar o
Ações de
Futuro - Projeto de Dependências
sensibilização
Respostas
Integradas
90
contexto da família e das relações de parentalidade, para, seguindo daqui as ligar com a
escola e a comunidade. Este é o fio condutor, transversal a esta proposta de ação de
formação para os pais.
Com efeito, a tradução do princípio geral do “melhor interesse da criança” (CDC,
1987, artº 3) encontra-se plasmado nos direitos a uma família (idem, artº 18 e 27), à
educação e à cultura (idem, artº 28 e 29) e, também, no direito ao lazer e recreação (idem,
artº 31) em que se reconhece a importância crucial do brincar na infância. Em todos estes
direitos está implícito, ainda, outro direito crucial, o de participar e dar as suas opiniões e
ser ouvida acerca de assuntos que lhe digam respeito (idem, artº 12).
O cumprimento do direito à família implica o reconhecimento de que “os pais têm
uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança” (CDC,
1989: artº 18º). Cabe, assim, “a responsabilidade de assegurar, dentro das suas
possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao
desenvolvimento da criança” (idem: artº 27º). Nesse sentido, pode interpretar-se que
compete aos pais assegurar as condições para que as suas crianças se desenvolvam, tendo
sempre como preocupação central o interesse superior das crianças e a salvaguarda de
todos os seus direitos.
No caso do direito à educação da criança (artº 28º) proclama-se como papel da
escola e seus principais objetivos os de
“promover o desenvolvimento da personalidade da criança, dos seus dons e aptidões
mentais e físicas, na medida das suas potencialidades. E deve preparar a criança para uma
vida adulta activa numa sociedade livre e inculcar o respeito pelos pais, pela sua
identidade, pela sua língua e valores culturais, bem como pelas culturas e valores
diferentes dos seus” (artigo 29º).
Afirma-se assim a responsabilidade socioeducativa que também compete à escola
promover e objetivar o desenvolvimento da criança a vários níveis, desde a obtenção de
conhecimentos a atitudes e competências, reconhecendo as suas potencialidades e tirando
partido delas. Aliás, no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (2017: 15)
aponta que um jovem à saída da Escolaridade Obrigatória seja um cidadão critico “livre,
autónomo, responsável, consciente de si próprio e do mundo que o rodeia”.
Também neste direito à educação cabe a importância de refletir sobre o papel da
Educação de Infância, uma vez que, frequentemente, a mesma tem sido «confundida»
com a preparação das crianças pequenas para o 1º ciclo, ou seja,
“No quotidiano da EI, a padronização do conhecimento e dos resultados da aprendizagem,
a par da prestação de contas, têm significado a substituição das pedagogias do brincar,
centradas nas crianças e baseados nas suas expressões e competências, por pedagogias
transmissivas orientadas por objetivos, conteúdos académicos e metas de aprendizagens,
91
com consequências visíveis na redução dos tempos do brincar livre”. (Ferreira & Tomás,
2020: 4).
Indo ao encontro desta ideia, no Direito ao Lazer e Recreação pode ler-se que “Os
Estados Partes reconhecem à criança o direito ao repouso e aos tempos livres, o direito a
participar em jogos e actividades recreativas próprias da sua idade e de participar
livremente na vida cultural e artística” (CDC, 1989: artº 31). Este é um dos direitos
fundamentais e mais inerentes à infância, nele se conjugando os direitos de proteção,
provisão e participação que estão na base da noção de que brincar é o ofício da criança
92
parentais (Martins, 2020), que são importantes para perspetivar a promoção e
sensibilização de competências parentais favorecedoras de uma educação integral das
crianças, mas também para repensar as suas contribuições e/ou limitações perante as
caraterísticas específicas dos adultos e pais/EE apoiados pela ADCE.
Nuno Pinto Martins (2020) aponta 3 modelos de parentalidade. O modelo
autoritário em que as relações de parentalidade são baseadas no controlo e falta de
afetividade, em que a criança tende a ser vista como um ser imaturo e socialmente
incompetente, necessitando ser corrigido e regulado, e o adulto como a pessoa que a pode
corrigir, sendo exigente, pouco compreensivo e intolerante, estabelecendo e impondo
regras, limites e rotinas com base em ameaças e punições. No caso do modelo da
parentalidade negligente, os adultos são ausentes e centrados em si próprios, limitando-
se “a satisfazer as necessidades básicas da criança” (idem: 36), preocupando-se não com
os processos de socialização dos seus filhos, mas apenas com os resultados desses
processos. A parentalidade democrática vai ao encontro da noção da criança como cidadã,
sendo os pais dialogantes, tolerantes e compreensivos, negociando as regras, limites e
rotinas com as crianças, promovendo uma reflexão com o objetivo de ajudar a criança a
ter autonomia e responsabilidade:
“com base no respeito mútuo e na liberdade de expressão, no envolver das crianças nas
soluções e ajudando-as a desenvolverem importantes habilidades sociais e de vida, tais
como responsabilidade, cooperação, autonomia, autocontrolo ou autoestima” (idem:
29/30).
No entanto, no processo de elaboração desta proposta, além do conhecimento
destes modelos parentais, acresce a importância de considerar os traços que caraterizam
as crianças e as famílias a quem a proposta se destina, em que existe uma grande
diversidade cultural e socioeconómica, e uma forte presença de famílias com níveis
socioeconómicos mais baixos (cf. pt 1.1.) que tendem a ser associadas, sobretudo, aos
modelos de parentalidade autoritária e negligente.
Estes conhecimentos prévios e a consciência de que intervir com populações
socioeconómica e culturalmente diversas e desiguais exige um posicionamento ético que
as respeite, alerta para a necessidade de se evitarem atitudes etnocêntricas,
discriminatórias ou preconceituosas que, no limite, acentuam a sua segregação e exclusão
social, nomeadamente com conceções e ações que denotam uma visão dessas populações
como estando em deficit:
“A literatura e investigação sobre famílias multiproblemáticas pobres têm enfatizado os défices, a
descrição dos problemas e os modos de disfuncionamento familiar. Tal decorre, por um lado, da
93
perspectiva deficitária dominar a intervenção e, por outro, da dificuldade em valorizar competências
em famílias que vivem conjunturas de elevada vulnerabilidade” (Sousa & Ribeiro, 2005: 2).
Importa assim dedicar uma atenção particular aos modos como se formulam as
propostas de cada uma das ações de formação para pais/EE abrangidos pela ADCE, de
modo a evitar a imposição de modelos culturais e sociais de parentalidade, ou de família,
tomados como “os” adequados, “os” certos e inquestionáveis; o mesmo acontecendo com
os exemplos ou sugestões a que se possa recorrer durante as sessões e/ou a organização
dos grupos de formação. Desta maneira, uma intervenção comunitária depende da
capacidade de reconhecer que há muitos outros e de ouvir as muitas perspetivas que estes
enunciam. Ou seja, reconhecer que há uma multiplicidade de pontos de vista sobre os
problemas e as formas de os resolver.
Desta forma, em termos metodológicos, assume-se um posicionamento situado e
contextualizado em função dos interesses e necessidades sentidos pelos próprios atores
concretos, e não do que possam ser visões dominantes e generalizadas acerca desta
população, sendo fundamental escutá-los e criar relações de confiança e proximidade com
eles. Do mesmo modo, considera-se que as suas próprias experiências pessoais como
crianças que foram e pais que são agora, têm em si mesmas um valor formativo porque
se parte das suas próprias memórias e experiências para refletir sobre os seus papeis e
responsabilidades como pais, educadores de crianças e membros da sociedade.
Por outras palavras, mais do que reproduzir o modelo tradicional e “escolar” nas
ações de formação para adultos, em que teorias e/ou conselhos a seguir são transmitidos
pelo formador, ocupando ambos lugar central, considera-se que para que a ação de
formação e as suas sessões tenham sentido junto das/os suas/seus destinatárias/os é
essencial apostar em metodologias participativas quer para que se sintam confiantes para
expressarem as suas vozes – vivências, memórias, opiniões, sentimentos pessoais… -,
quer para virem a reconhecer aos momentos de diálogo, troca de ideias, reflexões nos
encontros um valor e uma formação útil e com sentido para as suas vidas:
“A centralidade do sujeito (…) [na] aprendizagem decorre de dois aspetos fundamentais:
o primeiro consiste na criação do sentido, uma vez que o conhecimento não é o resultado
de um processo cumulativo de informação, mas sim de um processo de seleção,
organização e interpretação da informação a que estamos expostos” (Canário, 2010: 110).
A maior parte das vezes estas famílias não têm tempo para parar e refletir sobre o
que se passa nas suas vidas, consigo e à sua volta, pelo que, desta forma, será fundamental
envolver os atores e mostrar todo o interesse em ouvir os seus conhecimentos prévios
para promover o debate possível entre todos, enriquecendo a ação de formação. Tendo
94
isto em conta, os conceitos centrais das sessões, sendo do domínio do formador, deverão
estar sempre presentes nas relações com os participantes. Além disso, os conceitos serão
apresentados de forma mais formal e sistemática nos flyers entregues no final de cada
sessão (cf. Apêndice XIX).
Por outro lado, mais do que focar “os problemas” dos pais/EE ou das/”destas”
“famílias”, considera-se mais formativo e ético abordar questões ligadas à parentalidade
a partir, precisamente, daqueles a quem se deve essa condição, as crianças, os seus filhos.
Daí que esta proposta, vocacionada para a informação e sensibilização dos pais/EE,
assente nos seguintes pressupostos:
i.valorizar e tomar como referência central para a dinamização das sessões, as
memórias, vivências, opiniões e interesses/preocupações dos pais presentes;
ii.recorrer a dinâmicas de intervenção mais participativas e práticas do que
transmissivas, em que as memórias/experiências de infância e como pais, e a
sua reflexão individual e coletiva é vista como pretexto e conteúdo de
formação;
iii.estimular o interconhecimento e o diálogo entre pais/EE de modo a suscitar
um ambiente de confiança e abertura para participarem;
iv.Alimentar relações, sociabilidades, redes de apoio e entreajuda parental
suscetíveis de se expandirem ao nível do bairro e/ou da comunidade.
O ideal seria que esta primeira ação de informação e sensibilização tivesse
continuidade, possibilitando o aprofundamento dos temas propostos ou de outros
considerados relevantes pelas/os participantes.
Propõem-se assim como objetivos centrais desta ação de formação:
• Sensibilizar os pais para a temática dos direitos das crianças;
• Promover a reflexão com/entre os pais acerca do direito das crianças à família,
à educação e ao recreio e lazer;
• Informar e refletir com os pais acerca dos seus direitos e deveres como pais
na família, na escola e na comunidade;
• Contribuir para a inclusão social da comunidade;
95
ensino básico. A proposta de não isolar ou separar os pais/EE em grupos segregados por
relação com critérios socialmente “marcantes”, ao contrário do proposto inicialmente pela
ADCE, visa dar conta de um dos objetivos centrais da mesma instituição e da ação de
formação – o de contribuir para a inclusão social da comunidade. Assim, a ação de
formação que se apresenta destina-se as todos os pais e não a grupos de pais definidos em
função da etnia ou qualquer outra caraterística sociocultural.
Preconiza-se a formação de grupos de pais com um número em torno de 8/10
elementos, a fim de facilitar as interações, o diálogo e troca de experiências e opiniões
entre eles e com o/a formador/a, respeitando o cumprimento das regras sanitárias impostas
devido à Pandemia por Covid-19. Poderão ser feitos grupos quantos os necessários. Estes
grupos de pais devem ser, de preferência, socialmente “mistos”. Apenas as sessões
relativas ao direito à educação (sessão nº 3 e 4) devido à especificidade nos níveis
escolares se prevê que se destinem a grupos separados.
96
Tabela 3 - índice das Sessões
97
Tabela 4 - Sessão 1: Os direitos das crianças
Objetivos
• Informar os pais acerca dos direitos das crianças (CDC, 1989);
• Refletir com/entre os pais acerca dos direitos das crianças;
• Promover a consciencialização da noção de cidadania ativa das crianças;
Conclusão da sessão
• O que consideram ter sido importante para
eles/as nesta sessão?
• Entrega dos flyers e indicação do tema da sessão
seguinte
Referências bibliográficas:
Convenção dos Direitos da Criança (1989)
Freire, Ilda (2011). Cidadania da criança: escola e sociedade como palcos de participação. EDUSER: Revista de
educação, v.3(2), pp.17-26
Tomás, Catarina & Soares, Natália Fernandes (2004). Infância, protagonismo e cidadania: contributos para uma
análise sociológica da infância. Fórum sociológico, nº11/12, pp.349-361
98
Tabela 5 - Sessão 2: O direito a uma vida familiar
Objetivos
• Promover a reflexão com/entre os pais acerca do direito das crianças à família;
• Promover a reflexão com/entre os pais sobre a família e os seus direitos e deveres enquanto pais;
• Promover a reflexão com/entre os pais acerca das mudanças dos papéis parentais;
• Contribuir para ajudar os pais a verbalizarem as suas facilidades e dificuldades enquanto pais;
• Ajudar os pais a decifrarem os comportamentos dos seus filhos;
Boas-vindas
99
Deve sistematizar no quadro/papel de cenário as
palavras-chave resultantes dos
debates/reflexões. Eventualmente relacionar
com as árvores da sessão anterior
Referências bibliográficas:
Convenção dos Direitos da Criança
Martins, Nuno Pinto (2020). Educar pela positiva: um guia para pais e educadores. Lisboa: Bertrand Editora
Objetivos (1ºciclo)
• Promover a reflexão com/entre os pais sobre o direito à educação das crianças;
• Alertar para a importância do acompanhamento da escolaridade das crianças pelos pais (frequência,
assiduidade, a apoio ao estudo);
• Alertar para a importância da relação dos pais com os professores;
1º ciclo
1. Direito à educação
100
1.1. Direitos e deveres das Dinâmica 1: Dinâmica Relação família-
crianças enquanto alunos escola e a importância do
1.2. Os pais/EE e a acompanhamento
importância do • Os vossos pais tinham o mesmo
acompanhamento escolar papel na vossa escolaridade? O que
dos filhos mudou para os dias de hoje?
• Qual o papel que consideram ter na
escolaridade dos vossos filhos?
• Quando vão à escola? Porquê?
• Como consideram poder ajudar os
vossos filhos?
Referências bibliográficas:
Lei 5/97 (Lei Quadro da Educação Pré-escolar)
Lei 46/86 (Lei de Bases do Sistema Educativo)
Lei 85/2009
Lei 51/2012 (Estatuto do Aluno)
Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória
Orientações curriculares para a Educação Pré-escolar
Martins, Nuno Pinto (2020). Educar pela positiva: um guia para pais e educadores. Lisboa: Bertrand
Editora
Objetivos
• Promover a reflexão com/entre os pais sobre o direito das crianças ao lazer;
• Sensibilizar os pais para a importância do brincar na infância;
• Promover a reflexão com/entre os pais sobre as novas tecnologias;
101
1.3. As crianças e as • Que atividades fazem com as crianças
novas tecnologias em casa e na rua?
• A importância de fazer atividades
conjuntas no tempo livre
Referências bibliográficas:
Neto, Carlos (2020). Libertem as crianças. A urgência de brincar e ser ativo. Lisboa: Contraponto
Martins, Nuno Pinto (2020). Educar pela positiva: um guia para pais e educadores. Lisboa: Bertrand
Editora
102
Considerações finais
103
fazer com os diferentes membros da equipa técnica e os modos de funcionamento da
Associação. Assim, creio estar em condições de referir que a ADCE, com todas as
respostas endereçadas às crianças e jovens, trabalha acerrimamente para potenciar,
respeitar e defender os direitos das crianças consignados na CDC (1989) e caminhar em
direção a uma igualdade de oportunidades de acesso e de sucesso. Com efeito, os direitos
de proteção e, sobretudo de provisão, estão na linha da frente da ação/intervenção da
ADCE, como se observou e acompanhou nos casos do trabalho da Ludoteca, Clube de
jovens e Espaço do Conhecimento.
No entanto, há ainda muito caminho a percorrer nomeadamente no que diz
respeito ao Direito de Participação e ao Direito a Brincar. A proteção dos adultos em
relação às crianças e jovens e a sobrevalorização do direito de prover à sua educação em
detrimento do direito ao brincar, lazer e recreio num espaço e tempo que não é escolar,
ficou patente uma vez que esses tempos e atividades acabam por ser residuais e não
centrais numa ludoteca que, assim, se esvazia de funções lúdicas, educativas e
participativas. Mais do que ações lúdicas das crianças, autodeterminadas, voluntárias,
gratificantes para elas e sem daí resultarem quaisquer produtos assistimos a uma
preocupação adulta com a sua pedagogização mediante atividades programadas PARA as
crianças que, mesmo que tenham sido pensadas em função do “seu maior interesse”
(CDC, 1989), as dispensaram sistematicamente de serem ouvidas, consultadas,
envolvidas. Neste sentido, a função educativa da ludoteca enquanto espaço lúdico e de
educação não formal e informal, preocupado com um desenvolvimento holístico das
crianças em que as dimensões socioculturais da infância são tão importantes quanto as
cognitivas perde em abono da sua escolarização, “eternizando” o ofício do aluno nos
espaços-tempo extra escolares.
Abrem-se assim brechas para refletir até que ponto integração socioeducativa e
inclusão socioeducativa se sobrepõem e confundem, uma vez que a segunda, mais
complexa, assenta no reconhecimento da diversidade sociocultural, na valorização das
diferenças e implica um respeito por cada pessoa com as suas individualidades.
Foi também imperativo, em relação à equipa técnica, em todos os momentos
respeitar e aprender a saber enfrentar determinadas situações, sobretudo quando havia
divergência de opiniões, preferências... Logo, foi crucial adaptar toda a minha intervenção
e participação a estas heterogeneidades e variedades culturais, sociais e ambições. O
grande desafio nestas equipas é o do «conflito» de posições e os usos do poder que os
vários profissionais podem ter em relação à forma de atuação a tomar. Deste ponto de
104
vista, aqui a questão da comunicação ganha uma grande posição, já que é necessário, ao
longo da presença e da intervenção, ir adaptando a linguagem e a forma de comunicar,
ser e estar, perante a multiplicidade de circunstâncias. Aqui julgo que um profissional em
Ciências da Educação poderá se destacar com o posicionamento de trabalhar com as
pessoas, em prol da sua autonomia, olhando cada pessoa como um ser único, com
experiências, opiniões e desejos diferenciados, que são necessários de ser levados em
conta, respeitados e valorizados.
Com a equipa técnica adquiri e aprofundei, ainda, conhecimentos sobre o
funcionamento de uma instituição educativa e social, particularmente acerca do trabalho
de gestão e organização de um projeto amplo e diferenciado; trabalho de “bastidores”
que, frequentemente, não tem visibilidade. Nestas instituições socioeducativas, com
diversos departamentos e projetos, é importante o trabalho colaborativo, em rede, e numa
equipa multidisciplinar. Os seus diferentes olhares e perspetivas sobre os mesmos
assuntos permite, com todos os benefícios e desafios que isso traz, fazer uma leitura da
realidade e uma análise e reflexão dos problemas mais aprofundada, complexa e densa
porque através da troca de ideias e posições os diferentes saberes disciplinares, sendo
sempre limitados e parciais, assim se complementam e completam mutuamente. Deste
modo, também a intervenção se torna mais rica e potencia melhores profissionais. Assim
sendo, esta experiência permitiu-me dar mais importância e aprender que o trabalho de
cada um só será alcançado com melhor distinção se respeitado e cooperando com os
restantes, se se interligar com o dos restantes, ajudando-se mutuamente.
Ainda posso afirmar a possibilidade de aprendizagem que o estágio me
proporcionou de investigação e reflexão crítica sobre os projetos socioeducativos
diversificados. Neste caso, da ADCE, de projetos ligados à educação formal, o Projeto
Promover o Sucesso, e de educação não formal, a Animação Sociocultural e Educativa
exposta através das «ofertas» da Ludoteca, Clube de Jovens e Espaço do Conhecimento.
Essas reflexões mostraram o valor dos conhecimentos adquiridos na formação académica,
ao mobilizar temáticas que foram abordadas ao longo do Curso em Ciências de Educação,
sejam relacionadas com a licenciatura, como com o MCED, agora como ferramentas
teóricas, concetuais, metodológicas, para conhecer a realidade social e educativa de uma
forma mais situada e contextualizada, e mais ética. Aqui posso referir como principais os
temas dos Direitos das Crianças, como sendo a linha orientadora de todo o meu percurso.
Além da reflexão critica sobre as temáticas, também me permitiu utilizar essa reflexão de
forma prática, contribuindo na preparação de algumas atividades, oportunidade que se
105
veio a consolidar numa proposta de ação de informação e sensibilização para os pais da
comunidade. Este processo de desenho e planificação desta proposta foi de extrema
relevância para o meu processo, como já referi anteriormente, que aprofunda ainda mais
a reflexão referida, da mesma forma que coloca imensos desafios de pensar com coerência
toda a organização da sessão, indo ao encontro daquilo que são as preocupações ético-
metodológicas explicitadas. De igual forma, o processo de construção dos flyers que
poderiam acompanhar as sessões propostas também foi desafiante já que a linguagem
deveria ser clara e focada em termos da mensagem que se pretende transmitir, sendo
também coerente com as dinâmicas propostas para as sessões.
Em relação a este aspeto tenho aqui que ressalvar que com muita pena minha,
devido aos condicionalismos do tempo e da pandemia não foi possível eu realizar esta
ação, mas tendo sempre a consciência de que implementar a ação junto do público-alvo
seria mais uma mais-valia para a minha experiência no terreno durante o estágio e uma
mais-valia para a minha profissionalização em CE. A ADCE teve perante estes
condicionalismos uma atitude bastante positiva de estar aberta à minha «intervenção»
posterior ao estágio, atitude essa que tenho de enaltecer e agradecer.
Além de tudo o referenciado até agora, como aprendizagem pessoal e que levo
para a vida profissional, considero que outro grande ensinamento que ganhei neste
processo de estágio, é o facto de ter de confiar mais em mim, nas minhas capacidades,
superando a minha timidez e colocando-me num maior à-vontade e com uma maior
segurança. Considero, de facto, que a minha timidez e o receio poderá, por vezes, ter
«prejudicado» o meu posicionamento na instituição, ou seja, não me permitiu ter o à-
vontade necessário para propor determinadas coisas.
Da mesma forma, e até pelas circunstâncias anómalas que afetaram o estágio,
acredito que todo este decurso permitiu-me desenvolver a capacidade de resiliência, de
não desistir à primeira condicionante, não desanimar, tentando alterar o curso dos
acontecimentos para melhor desempenhar o nosso trabalho e atuação. De facto, o meu
estágio obrigou-me a ir encontrando sempre novas soluções para as situações que me
eram «impostas» de determinada forma, principalmente, neste caso, devido à pandemia.
Esta é uma capacidade bastante importante para um profissional das ciências sociais e
humanas, principalmente para um profissional em Ciências da Educação, já que temos de
ter a perceção de que nem tudo corre bem a primeira e que depende das variadas
condicionantes que estão ao nosso redor. Nem sempre as coisas correm como esperamos,
mas temos de ser capazes para dar a volta por cima. Isto numa intervenção social e
106
educativa é bastante relevante já que temos de ter em mente que a qualidade e os
resultados da intervenção depende de condicionalismos pessoais, sociais, económicos e
culturais das pessoas em nosso redor, das comunidades e das pessoas com quem estamos
a intervir.
107
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Apêndices
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